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BIOMATERIAIS

ELSA LOUREIRO UP202103713


CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERAIS
2021/2022

Imagem retirada de https://www.biolinscientific.com/blog/top-5-q-sensors-for-biomaterials-


medical-device-research
Índice
1. Introdução .......................................................................................................... 2
2. História dos Biomateriais ................................................................................. 3
3. Biomateriais em Medicina ................................................................................ 4
3.1. Metais .............................................................................................................. 4
3.1.1. Estrutura ................................................................................................................. 5
3.1.2. Propriedades Físicas e Mecânicas .......................................................................... 5

3.2. Polímeros ......................................................................................................... 7


3.2.1. Estrutura ................................................................................................................. 8
3.2.2. Propriedades Térmicas e Mecânicas .................................................................... 10

3.3. Cerâmicos ...................................................................................................... 12


3.3.1. Estrutura ............................................................................................................... 14
3.3.2. Propriedades de Superfície ................................................................................... 14
3.3.3. Propriedades Mecânicas ....................................................................................... 15

3.4. Compósitos .................................................................................................... 16


4. Toxicologia e Biocompatibilidade .................................................................. 17
5. Vantagens e Desvantagens .............................................................................. 18
6. Ética .................................................................................................................. 19
7. Direções Futuras .............................................................................................. 20
8. Conclusão ......................................................................................................... 21
9. Referências ....................................................................................................... 22

1
1. Introdução
Os biomateriais são materiais de origem natural ou sintética com a função de
substituir um determinado tecido, possibilitando a restauração, parcial ou total, da sua
estrutura e função [1]. Contrariamente, um material biológico é um material produzido
pelo sistema biológico, tal como a matriz óssea.

Uma vez que os biomateriais permitem o melhoramento da qualidade de vida das


pessoas, tem existido um crescente interesse no estudo das suas propriedades com fim a
aumentar as suas aplicações na sociedade atual.
Os biomateriais atualmente usados em aplicações biomédicas incluem metais e ligas
metálicas, polímeros, cerâmicos e compósitos. Uma vez que estes materiais apresentam
estruturas muito díspares, as suas propriedades são consequentemente diferentes daí estes
serem implementados em partes diferentes do corpo [2]. Alguns exemplos de aplicações
dos biomateriais são próteses de válvulas cardíacas, implantes dentários e lentes
intraoculares (Figura 1) [3].

Esta monografia tem o objetivo de tornar explícito os diferentes tipos de biomateriais,


as suas estruturas e propriedades inerentes, bem como as suas diversas aplicações no
âmbito da biomedicina.

A B

Figura 1- Válvula cardíaca artificial (A) ; Lente intraocular (B). Retirado de [3]

2
2. História dos Biomateriais

O conceito de Biomateriais apenas começou a ter relevância à cerca de 70 anos,


porém materiais idênticos já eram usados desde há muito tempo [4]. O uso inicial de
biomateriais com aplicações relacionadas com a saúde remonta aos anos 3000 A.C. e 600
D.C. através do uso, no Egipto, de suturas de linho e do uso de conchas como dentes
artificiais, respetivamente [5]. Porém, devido ao fraco conhecimento acerca de
biocompatibilidade e controlo de infeções, o uso deste tipo de materiais raramente era
bem sucedido [5].

Os restos mortais de um homem, datado como sendo de há cerca de 9000 anos


atràs e comumente referido como o “ Homem de Kennewick ” , foram encontrados em
Washington, EUA. Arqueologistas, descreveram este homem como sendo alto e pesado,
apresentando uma ponta de uma lança presa na sua anca. Interessantemente, esta inserção
tinha cicatrizado de forma normal, não impedindo qualquer tipo de atividade motora. Tal
descoberta, mostra claramente a capacidade do corpo humano em estar em contacto com
materiais implantados [4].

A primeira geração dos biomateriais surgiu na década de 50 sendo caracterizada


pelo uso de materiais bioinertes na substituição de um tecido, principalmente nas áreas
da ortopedia e medicina dentária, sem causar nenhum tipo de reação adversa [6].
Exemplos deste tipo de materiais são ligas de cobalto, óxido de alumínio e poliuretano
[6]. A segunda geração de biomateriais surgiu devido à necessidade de aumentar a adesão
do material à superfície biológica [6]. Estes tipos de materiais eram considerados
bioativos uma vez que conseguiam formar complexos com os tecidos em questão [6].
Para além da capacidade bioativa dos materiais outro aspeto de pesquisa era o seu carácter
biodegradável. Titânio e fosfatos de cálcio são alguns exemplos de biomateriais
pertencentes a esta época histórica [6]. A terceira geração de biomateriais, constituída
principalmente por ligas de magnésio, está relacionada com o desenvolvimento de
materiais que tenham a capacidade de ser introduzidos de forma natural e que a sua
degradação seja feita de forma controlada ao longo do tempo [6]. Atualmente estamos a
viver a quarta geração de biomateriais, com principal foco na engenharia de tecidos bem
como no desenvolvimento de estruturas temporárias degradáveis de forma a permitir uma
integração eficaz entre o tecido e o implante promovendo o processo de substituição [6].
3
Figura 2- Evolução histórica dos Biomateriais. Retirado de [6]

3. Biomateriais em Medicina

3.1. Metais:
Os metais são uma classe de biomateriais altamente usada devido às suas
excelentes propriedades mecânicas e termocondutivas [1]. Os metais e as ligas metálicas
são principalmente usadas nas áreas de ortopedia e medicina dentária [5].
Adicionalmente, estes são usados em válvulas de corações artificiais e encontrados nos
elétrodos dos pacemakers [2].

Alguns instrumentos ortopédicos requerem a presença de materiais metálicos que


são removidos após a regeneração óssea enquanto outros materiais são usados para
substituir definitivamente a função em questão [7].

As ligas metálicas são mais utilizadas do que os metais puros, uma vez que estes
apresentam melhoramentos das suas propriedades mecânicas, tais como a sua resistência
à corrosão e a sua força, permitindo que estes resistam às deformações mecânicas a que
os ossos estão sujeitos [2],[7].

Os materiais metálicos mais usados em aplicações biomédicas são o aço


inoxidável 316L, ligas à base de cobalto e cromo (CoCrMo) e ligas à base de titânio (Ti-
6A1-4V) [1],[5] , [7].

4
Figura 3- Biomateriais metálicos com aplicações médicas. Retirado de [8]

3.1.1. Estrutura
Num nível atómico, os metais consistem em partículas com carga positiva
envolvidos por uma nuvem eletrónica, ligados por ligações metálicas fortes [2]. Quando
os metais fundidos sofrem um processo de arrefecimento, os átomos rearranjam-se de
forma a formar uma estrutura cristalina tridimensional muito bem definida [8]. As três
estruturas cristalinas mais simples são a estrutura cúbica de corpo centrado (BCC), a
estrutura cúbica de face centrada (FCC) e a estrutura cristalina hexagonal compacta
(HCP) [8].

3.1.2. Propriedades Físicas e Mecânicas

As propriedades dos materiais estão diretamente relacionados com a sua estrutura


tridimensional. Por exemplo, os eletrões deslocalizados são responsáveis pela capacidade
termo e eletrocondutiva dos metais [2].
Uma das propriedades físicas mais importantes num biomaterial metálico é a
necessidade de este ser resistente à corrosão, uma vez que o sistema fisiológico é
composto por soluções aquosas contendo gases dissolvidos, eletrólitos, células, proteínas
que em contacto com metais pode levar à sua corrosão [2]. Durante este processo existe
a formação de iões potencialmente tóxicos, podendo alterar a função celular das células
envolventes ao implante para além de outras células do corpo, após o transporte sanguíneo
destes produtos resultantes do processo de corrosão [2].

Antes do processo de implantação, existe a formação de uma camada de óxido


devido à reação química do metal com o oxigénio do ar. Esta camada cerâmica permite a

5
diminuição da taxa de corrosão, uma vez que é termo e eletroinsulador, permitindo o uso
destes materiais no interior dos sistemas biológicos [2]. Por exemplo, as ligas metálicas
à base de cobalto apresentam uma alta resistência à corrosão devido à formação de uma
camada de Cr2O3 na superfície [1]. Caso o filme protetor seja destruído, existe a exposição
do metal ao oxigénio e uma nova camada é formada [8].

Ao contrário das propriedades físicas, intrínsecas ao próprio metal, as


propriedades mecânicas estão relacionadas com o seu modo de ação aquando da atuação
de forças externas.

Este tipo de propriedades dependem, não só do metal em específico, como


também do método de processamento utilizado no fabrico do mesmo [2]. Por exemplo,
metais sujeitos a um processamento a frio sofrem deformações que provocam um
aumento da força e dureza do material. Porém, este aumento implica a diminuição da sua
ductilidade [2].

As deformações dos materiais metálicos são classificadas em elásticas e plásticas.


Relativamente à primeira, esta é caracterizada pelo retorno do material à sua forma
original quando a força deformativa deixa de ser aplicada [9]. Caso, a forma original não
seja restaurada então estamos presente uma deformação plástica [9]. Quando a tensão é
baixa, existe um aumento linear do stress (MPa) devido à deformação elástica até que
existe um desvio da linearidade consequente do início da deformação plástica. O valor do
stress onde ocorre a transição da deformação elástica para plástica denomina-se de yield
stress e o declive produzido pela deformação elástica corresponde ao módulo de Young,
refletindo a propriedade elástica dos materiais (Figura 4) [9].

Na Tabela 1.2 estão presentes os valores das propriedades mecânicas dos três
biomateriais metálicos dominantes. Através da análise da mesma, conclui-se que todos
estes biomateriais apresentam valores muito superiores ao dos ossos.

6
Figura 4- Curva de stress-strain de uma
liga metálica Ti-β à temperatura Figura 5- Curva de stress-strain de
ambiente. Retirado de [9] várias classes de biomateriais e osso
cortical. Retirado de [9]

Tabela 1- Propriedades mecânicas de alguns biomateriais metálicos. Retirado de [2]

3.2 Polímeros

Os polímeros tanto sintéticos como naturais, são um dos tipos de biomateriais


mais utilizados na medicina [3]. Isto pode ser explicado devido à sua enorme
versatilidade, disponibilidade e reprodutibilidade [10]. Exemplos de algumas destas
aplicações são lentes de contacto, implantes mamários, adesivos e corações artificiais
(Tabela 2) [2]. Adicionalmente, os biopolímeros também são utilizados em sistemas de
veiculação de fármacos, biossensores e na engenharia de tecidos [10].

7
Polímeros de origem natural são obtidos principalmente a partir de fontes
biológicas o que lhes confere uma elevada biocompatibilidade, porém têm a desvantagem
de terem estruturas muito variáveis [10]. Polímeros sintéticos, contrariamente aos
referidos anteriormente, apresentam uma elevada consistência nas suas propriedades e
consequentemente permitem uma elevada reprodutibilidade. Uma das grandes
desvantagens deste tipo de polímeros são a sua menor biocompatibilidade, relativamente
aos polímeros de origem natural [10]. Alguns dos polímeros mais utilizados em medicina
são o poli(metil metacrilato) mais conhecido como PMMA, polietileno (PE) e o
poli(etileno tereftalato) (PET) [2],[10].

Figura 6- Estrutura química de uma cadeia polimérica. Retirado de


https://www.sciencenewsforstudents.org/article/explainer-what-are-polymers

Tabela 2- Aplicações biomédicas dos materiais poliméricos. Retirado de [20]

3.2.1. Estrutura

Os polímeros são macromoléculas compostas por um conjunto de unidades de


repetição [2],[3]. As unidades de repetição estão ligadas umas às outras via ligações

8
covalentes intramoleculares. Na maior parte das vezes as cadeias poliméricas interagem
entre si através de ligações secundárias de hidrogénio e de van der Waals [2].

Existem vários tipos de estruturas poliméricas (Figura 7). Polímeros lineares são
constituídos por unidades de repetição ligadas de forma linear [11]. Exemplos deste tipo
de estrutura são o polietileno, poli(vinil cloreto) e o nylon [11]. A presença de cadeias
laterais ligadas à cadeia polimérica principal dão origem a polímeros ramificados, com
menor densidade que os polímeros lineares [11]. Outra classe de polímeros são os
polímeros que apresentam interligações diretas entre cadeias. Estas ligações de
crosslinking são covalentes e portanto fortes [11]. Muitos dos materiais de borracha são
constituídos por cadeias poliméricas em crosslinking [11]. Por último, os polímeros de
rede (“network polymers”) são compostos por monómeros multifuncionais capazes de
formar estruturas a três dimensões [11]. O poliuretano é um exemplo deste tipo de
polímero [11].

Figura 7- Diferentes estruturas poliméricas. Retirado de [11]

Os polímeros, dependendo do seu comportamento aquando do aumento da


temperatura podem ser classificados como termoplásticos ou termofixos [11] .
Relativamente ao primeiro tipo, estes amolecem quando aquecidos e tornam-se mais rigos
quando existe um decréscimo na temperatura. Contrariamente os polímeros termofixos
adotam uma postura rígida permanente, mesmo quando existe o aumento da temperatura.
De um modo geral, os polímeros termoplásticos são menos fortes que os termofixos [11].

9
3.2.2. Propriedades térmicas e mecânicas
As cadeias poliméricas estão presentes nos polímeros em duas formas diferentes,
uma forma cristalina lamelar e outra amorfa, sendo que a segunda se encontra entre as
lamelas cristalinas [12]. Polímeros que têm um alto grau de cristalinidade apresentam
uma estrutura rígida e consequentemente valores elevados de ponto de fusão. O contrário
acontece nos casos de polímeros com baixo grau de cristalinidade [12]. O poliestireno e
o poli(metil metacrilato) são exemplos de polímeros amorfos, enquanto que o polietileno
e o PET poliester são polímeros cristalinos [12].

Com a diminuição da temperatura, as moléculas presentes na zona amorfa


encontram-se num estado de congelamento chamado de glassy state. Tal como o nome
sugere, a estrutura polimérica resultante é dura e rígida devido à dificuldade de
movimento das partículas. Quando a temperatura aumenta, existe um aumento do
movimento das cadeias poliméricas com consequente diminuição na rigidez e dureza.
Este estado passa a ser chamado de rubbery state. A temperatura de transição do vidro
(Tg) é a temperatura à qual existe a transição entre o glassy state e o rubbery state (Figura
8).

Figura 8- Temperatura de transição do vidro e


temperatura de fusão dos polímeros. Retirado de [12]

As propriedades mecânicas dos polímeros dependem de vários fatores incluindo


a sua composição estrutural e a sua massa molecular [2]. Exemplo deste facto é o
aumento da tensile strenght com o aumento da massa molecular do polímero. Tal é

10
explicado uma vez que um polímero com uma massa molecular elevada contém cadeias
mais largas dificultando o seu movimento, resultando no aumento da resistência do
polímero [12]. O mesmo princípio é aplicado relativamente à presença de crosslinking.
Caso um polímero contenha uma alta percentagem de crosslinking então este será mais
forte, devido à restrição de movimento por este causada [12].

Quando comparados com os materiais metálicos e cerâmicos, os polímeros


apresentam valores de tensões muito inferiores (Tabela 3), o que equivale a uma maior
capacidade de deformação antes de existir quebra [2]. Esta é uma das razões pelo qual os
polímeros, geralmente, não são usados com a intenção de suporte de carga [2].

Tabela 3- Propriedades mecânicas de alguns polímeros. Retirado de [2]

As propriedades mecânicas de um polímero estão diretamente relacionadas com a


temperatura a que estão sujeitos (Figura 9). Pela análise da Figura 9 é possível concluir
que a temperatura tem efeito no elastic modulus, na tensile strenght e na ductilidade.
Quanto maior a temperatura, menor será o valor associado ao elastic modulus e à tensile
strenght o que faz aumentar consequentemente a ductibilidade do material polimérico
[2].

11
Figura 9- Efeito da temperatura nas propriedades
mecânicas dos polímeros. Retirado de [12]

3.3. Cerâmicos

Os materiais cerâmicos, sintéticos ou naturais [13], são geralmente materiais


sólidos compostos por substâncias inorgânicas não metálicas [14]. Este tipo de materiais
são muito importantes na área médica devido á sua excelente biocompatibilidade, baixa
degradabilidade, alta temperatura de fusão e caráter não corrosivo [13].

Considerando as interações entre este tipo de material e o tecido alvo, os


biocerâmicos podem ser divididos em bioinertes, bioativos e bioreabsorvíveis (Figura 10)
[15],[16].

Caso após a implantação do material no sistema biológico, não haja nenhuma


ligação direta com o tecido alvo ou órgãos envolventes, então o material cerâmico é
considerado bioinerte. Este tipo de material cerâmico é comumente utilizado como
implante dentário, de joelho ou anca [17], apresentando características não tóxicas, não
carcinogénicas e não alérgicas [15]. Exemplos de materiais cerâmicos bioinertes são a
alumina (Al2O3), a zicornia (ZrO2) e a titania (TiO2) [2],[16], [17]. Contrariamente ao
sucedido no caso dos biocerâmicos biointertes, os materiais cerâmicos bioativos formam
uma ligação direta com o tecido alvo, resultando na formação de uma camada superficial
cristalograficamente equivalente à fase mineral óssea [18]. Os vidros bioativos,

12
vitrocerâmicos e a hidroxiapatita são os maiores grupos pertencentes à classe dos
cerâmicos bioativos [16]. Finalmente, os biocerâmicos reabsorvíveis são uma tipo de
material que após implantado no organismo reagem com este e sofrem um processo de
dissolução nos fluidos corporais dando origem posteriormente a novos tecidos [15]. A
ação destes é apenas temporária, sendo utilizados principalmente em crescimento de
tecidos, cartilagens e nervos [15]. Um exemplo deste tipo de biocerâmicos é o fosfato de
cálcio [15].

Figura 10- Classificação dos biomateriais Figura 11- Aplicações dos biomateriais
cerâmicos. Retirado de [14] cerâmicos no organismo humano. Retirado de
[14]

Figura 12- Coroa dentária feita de alumina.


Retirado de [17]

13
3.3.1. Estrutura

Tal como referido anteriormente, os materiais cerâmicos são compostos por


elementos metálicos e não metálicos, presentes em estruturas cristalinas tridimensionais,
via ligações iónicas e/ou covalentes [2]. Devido à presença de ligações covalentes e
iónicas nos materiais cerâmicos, os eletrões de valência envolvidos em tais ligações são
considerados localizados, permitindo que este tipo de materiais sejam bons isoladores
elétricos e térmicos [2].

A microestrutura dos materiais cerâmicos determina as suas propriedades


biológicas e mecânicas [16]. As microestruturas típicas da hidroxiapatita e zirconia estão
presentes na Figura 13. Pela análise das imagens, observa-se que a hidroxiapatita
apresenta uma alta dispersão de valores de tamanho de grão, enquanto que a
microestrutura correspondente à zirconia é constituída por grãos de tamanho uniforme, o
que determina parcialmente as suas excelentes propriedades mecânicas [16].

A B

Figura 13- Microestruturas da hidroxiapatita (A) e da zirconia (B). Retirado de [16]

3.3.2. Propriedades de Superfície

Um dos tipos de propriedades mais importantes dos biocerâmicos são as suas


propriedades de superfície, tais como a energia livre interfacial, carga, hidrofobicidade
ou hidrofilicidade [16]. Estas propriedades afetam enormemente a resposta celular ao

14
implante, o que implica a criação de uma interface estável entre o implante e o tecido alvo
[16].

Tal como descrito anteriormente, os cerâmicos bioativos reagem com o tecido


alvo dando origem a uma série de reações ao longo da superfície de ambos. Por exemplo,
no caso de vidros bioativos existe a presença de trocas iónicas entre a superfície do
material e os fluidos fisiológicos, levando a que exista a diminuição da concentração de
sílica solúvel e o aumento da formação de silanol na interface sólido-líquido.
Adicionalmente existe a formação de uma camada amorfa de fosfato de cálcio que após
cristalização dá origem a uma camada de apatita [16].

3.3.3. Propriedades mecânicas

Tabela 4- Propriedades mecânicas dos materiais cerâmicos. Retirado de [2]

Relativamente às propriedades mecânicas, estas dependem muito do tipo de


biocerâmico, tal como se pode observar através da análise da Tabela 4. Alumina é o
cerâmico que apresenta melhores valores, porém estes são inferiores aos valores atingidos
pelos materiais metálicos. Porém, algumas das características que se destacam na
alumina, e que permitem que esta seja utilizada como superfície de apoio em substituições
ortopédicas, são o seu baixo coeficiente de fricção e a baixa taxa de desgaste [2].

Relativamente aos fosfatos de cálcio e aos vidros bioativos, visto que estes
apresentam valores relativos às propriedades mecânicas muito baixos não estão aptos para

15
serem usados como implantes de suporte de carga. Estes materiais normalmente são
usados como enchimento, como implantes em locais em que o suporte de carga não é
necessário ou como revestimento de implantes metálicos, ortopédicos e dentários,
permitindo atingir uma maior eficácia na fixação do implante ao osso [2].

3.4. Compósitos

Os materiais compósitos podem ser definidos como a junção de dois ou mais


materiais fazendo com que as propriedades do material resultante sejam superiores do
que as dos seus constituintes na sua forma independente [19]. Estes apresentam uma
interface entre os diferentes tipos de materiais constituintes [3]. Os compósitos são
constituídos por uma ou mais fases descontínuas que estão inseridas numa fase contínua.
A fase descontínua, denominada de “reinforcing material” é normalmente mais forte e
resistente que a fase contínua denominada de matriz [3].

Os materiais compósitos podem ser classificados de acordo com o esquema


apresentado abaixo.

Figura 14- Classificação dos materiais compósitos. Retirado de [3]

Tal como todos os biomateriais, o aspeto da biocompatibilidade é um aspeto a ter-


se em atenção. Uma vez que estes materiais são compostos por dois ou mais tipos de
16
biomateriais, os compósitos têm uma probabilidade superior de causar reações adversas.
Adicionalmente, a presença de uma fase descontínua com dimensões na escala celular,
pode dar origem à internalização celular de pequenas partículas que consequentemente
poderão ser transportadas para o sistema linfático ou dar origem a enzimas degradadoras
da membrana celular [3].

Algumas das aplicações dos biomateriais compósitos são implantes ortopédicos e


preenchimentos dentários [20].

4. Toxicologia e Biocompatibilidade

Uma vez que os biomateriais estão em contacto direto com o sistema biológico, é
de extrema importância ter em conta os efeitos que estes tipos de materiais podem ter
relativamente aos tecidos vizinhos [21]. Para tal, agências governamentais e
administrações específicas tais como a FDA (Food and Drug Administration) têm
protocolos e diretrizes usados para avaliar a biocompatibilidade de novos biomateriais
desenvolvidos [21].

A implantação de qualquer material externo ao organismo biológico pode causar


uma cascata de reações, por isso o estudo das possíveis interações dos biomateriais com
o tecido alvo possibilita a avaliação da estabilidade do implante aplicado [21].
Adicionalmente é necessário avaliar as potenciais características tóxicas do implante,
antes de se passar para os testes clínicos, efetuando testes primeiramente in vitro e
posteriormente in vivo / ex vivo [21].

A toxicidade de um biomaterial geralmente é causada pela libertação, não


intencional, de produtos de reação criados no sistema biológico devido à presença do
material [5]. Estes produtos formados podem afetar negativamente as células e órgãos ao
redor do implante e até mesmo todo o organismo, caso estes entrem na corrente sanguínea
[5]. Como tal, para além de ser importante estudar a interação tecido/implante é
necessário conduzir uma série de testes de forma a medir parâmetros bioquímicos tais
como o stress oxidativo, apoptose/necrose e inflamação [21].

17
Relativamente à biocompatibilidade, esta é definida como a capacidade de um
implante médico funcionar in vivo sem desencadear uma série de reações locais ou
sistémicas no organismo que possam causar danos no paciente [5]. A avaliação desta
característica é feita, tal como na análise da toxicidade, através de vários testes.
Primeiramente efetuam-se testes in vitro, utilizando, por exemplo, modelos celulares de
mamíferos. A fase seguinte, é a testagem dos biomateriais em modelos animais,
normalmente ratos, sendo estes denominados testes in vivo. Este tipo de testes levanta
muitas questões éticas, tal como se verá posteriormente. Finalmente, a última fase de
testagem são os testes clínicos, efetuados em Humanos.

5. Vantagens e Desvantagens

No momento da escolha do tipo de biomaterial a ser usado é necessário ter-se em


atenção as vantagens e desvantagens de cada tipo de material. Na Tabela 5, estão
presentes as principais vantagens e desvantagens de cada tipo de biomaterial.

As principais vantagens dos metais e ligas metálicas são a sua força e dureza, bem
como a sua facilidade de esterilização. Porém a sua principal desvantagem é a facilidade
com que sofrem corrosão quando em contacto com enzimas e outras substâncias presentes
nos fluidos corporais.

Relativamente aos cerâmicos, as suas principais vantagens são a sua


biocompatibilidade, resistência à corrosão e alta resistência a forças compressivas. Porém
a sua dificuldade de produção torna-se uma desvantagem.

Os polímeros são caracterizados pela sua biodegradabilidade e


biocompatibilidade, bem como a sua vasta variedade e fácil disponibilidade. Porém, são
difíceis de esterilizar e podem sofrer deformações.

Finalmente, os compósitos apresentam propriedades mecânicas excelentes bem


como uma elevada resistência à corrosão, sendo estas as suas principais vantagens.
Porém, a sua produção tem um custo elevado, para além de que são necessários métodos
laboratoriais para esse efeito.

18
Tabela 5- Vantagens e Desvantagens de cada tipo de biomateriais. Retirado de [24]

6. Ética

Tal como demonstrado, a ciência dos biomateriais é vastamente aplicada em


várias áreas cirúrgicas, tais como em implantes dentários, substituição de anca e
articulações de joelho, válvulas de corações artificias e entre outros. Porém, tal como
todas as tecnologias utilizadas em medicina, o uso de tais materiais levanta muitas
questões éticas.

Uma das preocupações mais significativas por parte das entidades reguladoras é o
uso de animais durante o processo de investigação. Relativamente a este tópico, existe a
questão relativa à relevância de um modelo animal ser implementado posteriormente em
humanos. Para além disso, também é necessário refletir se a finalidade do estudo
compensa o potencial desconforto ou até mesmo morte do animal. Apesar da existência
de todas estas preocupações completamente válidas, a substituição completa de sistemas
in vivo para sistemas de cultura celular é de certa forma eutópico. Esta dificuldade advém
da existência de diferentes tipos celulares nos tecidos biológicos, enquanto que testes in
vitro são otimizados na presença de apenas uma linha celular. Apesar desta realidade, o
uso de testes iniciais in vitro é uma prática comummente encontrada em investigação.

19
A posterior testagem dos materiais desenvolvidos em humanos também levanta
algumas questões éticas. Os materiais implementados no organismo têm o objetivo de
terem um período de vida longo. A colocação destes implantes, geralmente, é feita em
locais com baixa facilidade de acesso, sendo necessária cirurgias muito invasivas. Este
facto levanta a questão de se a relação risco benefício da colocação do implante no
paciente é suficientemente baixo para o sujeitar a uma cirurgia complicada e
potencialmente perigosa com o propósito de testar algo. Dito isto, é de extrema
importância obter sempre o consentimento do paciente antes de efetuar algum tipo de
implantação. Para além disso, o paciente tem o direito de ser informado atempadamente
de todos os procedimentos e a sua forma de aplicação.

Um último aspeto que requere alguma atenção é o facto de que a ciência de


biomateriais tem como objetivo final a substituição parcial ou completa de um material
biológico por um artificial anteriormente fabricado com esse intuito. O envolvimento da
indústria está diretamente relacionada com a sua preocupação relativamente à relação dos
custos e lucro o que poderá originar conflitos de interesse entre as ambições financeiras
das empresas e as necessidades clinicas dos pacientes [22].

7. Direções Futuras

A área referente à ciência e engenharia de biomateriais tem vindo a sofrer um


enorme progresso nos últimos 50 anos através do desenvolvimento de biomateriais
biocompatíveis com a possibilidade de serem utilizados em diversas vertentes, tais como
entrega de fármacos, implantes dentários e cardiovasculares e reparação e regeneração
celular [23].

Estima-se que em 2025 o mercado mundial dos biomateriais chegue aos 48 biliões
de dólares, com possibilidades de crescimento adicional através do desenvolvimento de
novas metodologias de aplicação no diagnóstico e monotorização, medicina regenerativa,
sistemas de veiculação de fármacos entre outras [23].

Existe um vasto espaço para desenvolvimento adicional bem como melhoramento


de biomateriais, principalmente tendo em conta o progresso atual que áreas adjacentes
têm sofrido tais como machine learning, tecnologia de CRISPR e células estaminárias

20
que juntamente com os conhecimentos já existentes acerca dos biomateriais irão permitir
um grande avanço nesta área, nos próximos anos [23].

8. Conclusão

Ao longo das últimas décadas, o desenvolvimento de novos materiais capazes de


tratar doenças ou lesões, tem vindo a sofrer um enorme crescimento. Estes materiais
podem ser classificados como metais, polímeros, cerâmicos e compósitos, cada um com
estruturas e consequentemente propriedades distintas, possibilitando a sua implantação
em diferentes partes do corpo e em diferentes áreas de aplicação dentro da Biomedicina.
Para além disso, uma vez que estes materiais estão em contacto direto com o
organismo é necessário pensar na sua biocompatibilidade e toxicidade de forma a escolher
o biomaterial perfeito para o objetivo a cumprir.

Apesar do enorme progresso nesta área, existe um vasto espaço de melhoramento


incluindo o desenvolvimento de novos biomateriais mais funcionais bem como a sua
expansão para novas áreas de aplicação.

21
Referências

[1] G. A. dos Santos, “The Importance of Metallic Materials as Biomaterials,” Adv. Tissue
Eng. Regen. Med. Open Access, vol. 3, no. 1, pp. 300–302, 2017, doi:
10.15406/atroa.2017.03.00054.
[2] K. C. Dee, D. A. Puleo, and R. Bizios, “Dee, Puleo, Bizios - 2003 - Wound Healing,” 2002.
[3] B. D. Ratner, A. S. Hoffman, F. J. Schoen, and J. E. Lemons, Biomaterials Science. 1996.
[4] B. D. Ratner and G. Zhang, A History of Biomaterials, Fourth Edi. Elsevier, 2020.
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