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EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA

VARA CÍVEL DA COMARCA DE CHAPECÓ – SC TUTELA DE URGÊNCIA

LUIZ GONZAGA DE OLIVEIRA, brasileiro, solteiro, portador da cédula de identidade nº


1942164, expedida pelo SSP – PE, inscrito no CPF sob o nº 220.478.404-49, domiciliado Na Av.
Coronel Chico Romão, Serrita-PE, por meio de seu advogado ao final subscrito, conforme
instrumento de mandato anexo (doc.1), vem perante V. Exa., propor a presente

AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO DE CARTÃO DE


CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RCM) E
INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇAO DE INDÉBITO E PEDIDO DE
TUTELA DE URGÊNCIA ANTECIPADA E INDENIZAÇÃO POR DANO
MORAL
Em face de BANCO BRADESCO, inscrita no CNPJ sob o nº 60.746.948/0001-12,
com sede no Núcleo Cidade de Deus, s/n, Vila Yara, Osasco/SP, CEP 06029-900, pelas
razões de fato e de direito a seguir expostas.

1. DA JUSTIÇA GRATUITA
O autor é pessoa que não tem recursos suficientes para arcar com as custas e
despesas do processo sem prejuízo próprio ou de sua família, diante disto, qualifica-se
como pessoa pobre nos termos da lei.

Nesse sentido, em consonância a declaração de hipossuficiência anexa e


conforme previsão legal Art.5, inciso LXXIV, da Constituição Federal, bem como o
Art. 98, do Código de Processo Civil, o autor faz jus à concessão da gratuidade da
justiça.

2. DA SÍNTESE FÁTICA
O Autor, servidor público estadual, buscou a instituição financeira com o intuito
de obtenção de empréstimo consignado tradicional, mas restou nitidamente ludibriado
com a realização de outra operação, qual seja, contração de cartão de crédito com
reserva de margem consignável (RCM), porém, sem nunca receber o cartão de crédito.
Todavia, teve creditado em sua conta bancária, em razão dessa operação, o valor de R$.
Essa modalidade de empréstimo, funciona da seguinte maneira: o banco credita
na conta bancária do requerente, antes mesmo do desbloqueio do aludido cartão e sem
que seja necessária a sua utilização, o valor solicitado, e o pagamento integral é enviado
no mês seguinte sob a forma de fatura. Se o requerente pagar integralmente o valor
contraído, nada mais será devido. Não o fazendo, porém, como é de se esperar, será
descontado em folha apenas o VALOR MÍNIMO desta fatura e, sobre a diferença,
incidem encargos rotativos, evidentemente abusivos.
Desde modo, o valor a ser pago no mês seguinte ao da obtenção do empréstimo
é o valor TOTAL da fatura, isto é, o valor total obtido de empréstimo, acrescido dos
encargos e juros. Esse pagamento deve ocorrer por duas vias: o mínimo pela
consignação (desconto em folha) e o restante por meio de fatura impressa enviada à
residência do consumidor com valor integral.
Como dificilmente aquele que busca empréstimo consignado, como é o caso do
Autor, tem condições de adimplir o valor total já no mês seguinte, incidirão em todos os
meses subsequentes juros elevados sobre o valor não adimplido. Além disso, o desconto
via consignação induz o cliente a erro, acreditando que o empréstimo está sendo
adequadamente quitado.
Em verdade o cartão de crédito contratado nem chega a ser encaminhado para o
endereço do consumidor, tampouco as faturas ou informações detalhadas do débito.
Ocorre que, a ilegalidade da contratação realizada normalmente só vem à tona quando o
cliente percebe, após anos de pagamento, que o tipo de contratação realizada não foi o
solicitado e ainda, que não há previsão para o fim dos descontos.
In casu, o Autor realizou o empréstimo de R$ em data, e até data adimpliu o
montante de R$, e não há previsão de termino. Atualmente, o valor descontado em
folha, é na média de R$ conforme extrai-se dos contracheques.
Em outras palavras, a dívida nunca será paga, vez que os descontos mensais
abatem apenas os juros e encargos da dívida, gerando, assim, descontos por prazo
indeterminado e, portanto, como ainda irão incidir juros e encargos, esse valor nunca
será abatido.
Excelência é certo que nenhum consumidor aceitaria realizar a contração de
cartão de crédito com reserva de margem consignável (RCM), se não fosse ludibriado e
induzido ao erro dolosamente. Neste ponto, resta claro, que nunca a parte autora quis
contratar cartão de crédito algum e, ainda que essa fosse sua intenção, o Réu jamais
prestou qualquer informação a respeito da constituição da reserva de margem
consignável (RMC), tão pouco, enviou as faturas do referido cartão ao endereço do
Autor, possibilitando a amortização total do débito.
Portanto, o termo de adesão é visivelmente nulo, pois viola os direitos do Autor
consumidor, especialmente aqueles relacionados à informação e à transparência das
relações de consumo, além de ser omisso quanto às informações vitais para o mínimo de
entendimento da avença por parte do cliente, pois, não há indicação do número de
parcelas; data de início e de término das prestações; do custo efetivo com e sem a
incidência de juros; etc.
Além do mais, o termo de adesão firmado com o Réu contêm práticas abusivas
vedadas pelo CDC, pois tal como formuladas, geraram parcelas infindáveis e
pagamentos que irão ultrapassar facilmente 3 vezes o valor inicialmente obtido,
constituindo vantagem manifestamente excessiva e onerosa ao Autor, razão pela qual
faz-se necessária a obtenção de tutela jurisdicional.
3. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
3.1. DA APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Preambular, é de ressaltar que tratam-se de questões afeitas às relações de consumo,


justificando a escolha desse foro para apreciá-la, a teor do art. 101, I do Código de
Defesa do Consumidor (CDC), prevendo a possibilidade de propositura desta demanda
no domicílio do Autor porquanto reconhecidamente hipossuficiente.

Dispõe a Constituição Federal de 1988 (CF/88) em seu artigo 5º, inciso XXXII, que “o
Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. A defesa de seus direitos
é, portanto, garantia constitucional.

Dessa forma, por meio da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, o Estado Brasileiro
instituiu o CDC, que regulamenta as formas de proteção do consumidor, com normas de
ordem pública e interesse social, em consonância com a CF/88.

Entre os direitos básicos previstos no CDC está à garantia de reparação dos danos
patrimoniais e morais, o acesso à justiça e a inversão do ônus da prova em favor do
consumidor, nos termos do artigo 6º, incisos VI, VII e VIII.

Cumpre destacar, em relação ao art. 6º, VIII, do CDC, que o Autor encontra-se em
nítida desvantagem em relação ao Réu, o que por si só autoriza a inversão do ônus
probandi, uma vez que se trata de aplicação do direito básico do consumidor, inerente à
facilitação de sua defesa em juízo.

Sobre a relação de consumo, as partes enquadram-se nos conceitos de consumidor e


fornecedor conforme dispõem os arts. 2º e 3º do CDC, vez que o Autor é consumidor
final e o Réu instituição financeira, nos termos da Súmula 297 do STJ.

Sendo assim, inexistem maiores dificuldades em se concluir pela aplicabilidade do


referido Código, visto que este corpo de normas pretende aplicar-se a todas as relações
desenvolvidas no mercado brasileiro que envolvam um consumidor e um fornecedor.

Portanto, re quer desde logo que o caso seja analisado e julgado sob o prisma da relação
de consumo, deferindo-se em favor do Autor o benefício da inversão do ônus da prova
consoante artigo 6º, VIII, do CDC, ante a manifesta hipossuficiência técnica e financeira
em relação ao Réu.
3.2. DA VIOLAÇÃO AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
A modalidade de empréstimo consignado via contração de cartão de crédito com reserva
de margem consignável (RCM) é marcada por abusividade, vez que o Réu,
deliberadamente, impõe ao Autor o pagamento mínimo da fatura mensal, o que para ele
é vantajoso, já que enseja a aplicação, por muito mais tempo, de juros e demais
encargos contratuais, sem data final de pagamento.

Nesse diapasão, o CDC considera tal situação abusiva, in verbis:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas
I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro
produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
XII – deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação
de seu termo inicial a seu exclusivo critério.

Ao tecer comentário acerca do inciso I do art. 39, a Professora Cláudia Lima Marques:

Tanto o CDC como a Lei Antitruste proíbem que o fornecedor se prevaleça de sua
superioridade econômica ou técnica para determinar condições negociais desfavoráveis
ao consumidor. Assim, proíbe o art. 39, em seu inciso I, a prática da chamada venda
“casada”, que significa condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao
fornecimento de outro produto ou serviço. O inciso ainda proíbe condicionar o
fornecimento, sem justa causa, a limites quantitativos. A jurisprudência assentou que a
prática de venda casada não pode ser tolerada, pois apenas os limites quantitativos é que
podem ser valorados como justificados ou com justa causa.[3]
A despeito dos incisos V e XII do art. 39, restam violados porquanto o Réu já exigiu do
Autor, quantia muito superior à contratada, sem estipular data de início e fim para
pagamento das parcelas. Evidente essa abusividade flagrante dispensa ensinamentos
doutrinários.

O Autor, diante da necessidade, apenas buscou contrair um empréstimo consignado,


mas como dito, restou ludibriado, por práticas abusivas e sórdidas cometidas pelo Réu.
A jurisprudência já apreciou milhares de casos assim:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES CUMULADA COM


INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TOGADO DE ORIGEM QUE JULGA
IMPROCEDENTES OS PEDIDOS DEDUZIDOS NA EXORDIAL. IRRESIGNAÇÃO
DA AUTORA. […] CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE
MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). DESCONTOS REALIZADOS DIRETAMENTE
DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA REQUERENTE, PESSOA
HIPOSSUFICIENTE E COM PARCOS RECURSOS. CONTEXTO PROBATÓRIO
QUE INDICA QUE A AUTORA PRETENDIA FORMALIZAR APENAS
CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INEXISTÊNCIA DE
DECLARAÇÃO DE VONTADE QUANTO À CELEBRAÇÃO DE AJUSTE DE
CARTÃO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO À UTILIZAÇÃO DO
CARTÃO DE CRÉDITO E TAMPOUCO DO SEU ENVIO PARA O ENDEREÇO DA
CONSUMIDORA. PRÁTICA ABUSIVA CONFIGURADA. INTELIGÊNCIA DO
ART. 39, INCISOS I, III E IV DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
PRECEDENTES DESTE AREÓPAGO. SENTENÇA REFORMADA. […] (Apelação
Cível n. 0300073-36.2018.8.24.0029, Rel. Des. José Carlos Carstens Köhler, j. em
26/6/2018) (sem grifos no original)
Convêm pôr em relevo, que o Réu afigura à contração de cartão de crédito com reserva
de margem consignável (RCM) como sendo um empréstimo consignado normal,
quando de fato, não é! Registre-se que a publicidade enganosa é definida pelo CDC
como:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.


1º É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter
publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por
omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características,
qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre
produtos e serviços.
[…]
3º Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de
informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

A despeito do r. artigo, leciona Rizzatto Nunes:

A primeira leitura nos remete ao problema do “dado essencial”. A lei diz que a
publicidade é enganosa por omissão quando deixa de informar sobre dado essencial do
produto ou serviço: “Para os efeitos deste Código, a publicidade é enganosa por omissão
quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço” (§ 3º do art. 37).
[…] constrói-se um conceito de essencial naquilo que importa à publicidade. E, nessa
linha, é de dizer que essencial será aquela informação ou dado cuja ausência influencie
o consumidor na sua decisão de comprar, bem como gere um conhecimento adequado
do uso e consumo do produto ou serviço, “realmente”, tal como são.[4]
Logo, vez que não se tem dúvida de que a intenção do Autor, era a de simples
empréstimo consignado, a de contratação de cartão de crédito com reserva de margem
consignável (RCM) se mostra abusiva, e, portanto, nula, nos termos do art. 51, IV, e §
1º, III, do CDC:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao
fornecimento de produtos e serviços que:
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a
equidade;
1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e
conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

Resta mencionar, que o Réu trata a contração de cartão de crédito com reserva de
margem consignável (RCM) como sendo um Termo de Adesão. Pois bem, o § 3º do art.
54 do CDC dispõe:

3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres


ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a
facilitar sua compreensão pelo consumidor.
Clarividente é, a violação ao CDC praticada pelo Réu, porquanto o referido termo de
adesão, sequer expressa o número de parcelas; data de início e de término das
prestações.

3.3. DA VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO NA FASE PRÉ


CONTRATUAL
Outra constante na realização do contrato de cartão de crédito com reserva de margem
consignável – RMC é a ausência de informações mínimas acerca da data de início e de
término das parcelas referentes à obtenção do empréstimo e das taxas de juros aplicadas
ao contrato, o que viola o disposto pelo Código de Defesa do Consumidor em seu art.
52:

Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou


concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros
requisitos, informá-lo previa e adequadamente sobre:
I – preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;
II – montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;
III – acréscimos legalmente previstos;
IV – número e periodicidade das prestações;
V – soma total a pagar, com e sem financiamento.

No termo de adesão assinado pelo Autor, não constam informações quanto à data de
início e de término das parcelas, percentual de juros, nem tampouco valor total de
pagamento em razão do acréscimo de juros. E se assim o é, deve incidir a regra disposta
no art. 46 do CDC:

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os


consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu
conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a
compreensão de seu sentido e alcance.
Não obstante, jamais foi enviado qualquer cartão de crédito ao endereço do Autor,
tampouco as faturas destinadas à amortização do saldo devedor que sobejasse após o
descontado mensal sobre o seu subsídio.

Evidente, pois, que o contrato sob análise afronta direitos básicos do Autor como
consumidor, em especial por estabelecer desvantagem manifestamente excessiva, em
clara violação ao dever de informação insculpido no art. 52 do CDC. Impõe-se, então,
reconhecer a nulidade do negócio jurídico em questão, com o consequente retorno das
partes ao seu status quo ante.

3.4. DA NULIDADE DA CONTRAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM


RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RCM)
Os danos causados ao Autor são oriundos do vício existente no negócio jurídico
chamado “dolo”. Trata-se de um vício em que uma das partes da relação jurídica induz a
outra ao erro, causando-lhe um dano. Todo negócio jurídico que possui como fato
gerador o dolo é anulável nos termos do art. 145 do Código Civil:

Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa.
O final do artigo supra demonstra a necessidade em que um negócio jurídico para ser
anulado por dolo faz-se necessário que este elemento tenha sido sua causa. No caso em
questão, o Autor, com certeza, não teria aceitado um contrato tão adverso, se não fosse
levado a cometer tal erro, por isso, vale destacar também o artigo 147 do Código Civil:
Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a
respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa,
provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.
O CDC, em seu art. 6º prevê ser um dos direitos básicos do Consumidor a prestação que
as informações sobre o produto ou serviço devam ser adequadas e claras, com
especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos
incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentarem, além de proteção contra
práticas e cláusulas abusivas no fornecimento de produtos e serviços.

No caso em comento, restou evidenciado que o Autor não possuía informação clara
sobre o serviço que estava adquirindo. Não sabia que aquele contrato de crédito
consignado que acreditava estar assinando, era na verdade um contrato de cartão de
crédito com reserva de margem consignável (RCM), IMPAGÁVEL.

Não sabia ele, igualmente, que a parcela debitada mensalmente em seus contracheques
era apenas uma forma de adimplemento mínimo, incapaz de amortizar a dívida original,
em flagrante violação à publicidade enganosa e falta de informação.

Neste sentido, o Emérito Desembargador Robson Luz Varella, durante a relatoria da


Apelação Cível n. 0301292-89.2018.8.24.0092, da Capital – Bancário registrou que:

Sobre essas duas modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define
como “empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente
em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de
pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à
instituição financeira concedente”
(http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.Asp).
Já a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito
com margem consignável, coloca-se “à disposição do consumidor um cartão de crédito
de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser
realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando
tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e
por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é
realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem
acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim,
descontos por prazo indeterminado[…]” (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação
Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha).
Ressalte-se que a prática abusiva e ilegal difundiu-se, atingindo escala significativa de
aposentados e pensionistas, tendo como consequência o ajuizamento de inúmeras ações,
inclusive visando tutelar o direito dos consumidores coletivamente considerados, a fim
de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto via “RMC”.
O “modus operandi” utilizado pelas instituições financeiras foi assim descrito pelo
Núcleo de Defesa do Consumidor da defensoria Pública do Estado do Maranhão, na
ação civil pública ajuizada pelo órgão na defesa dos interesses dos “aposentados e
pensionistas do INSS”:
O cliente busca o representante do banco com a finalidade de obtenção de empréstimo
consignado e a instituição financeira, nitidamente, ludibriando o consumidor, realiza
outra operação – a contratação de cartão de crédito com RMC.” Assim, na folha de
pagamento é descontado apenas um pequeno percentual do valor obtido por empréstimo
e o restante desse valor é cobrado através de fatura de cartão de crédito, com incidência
de juros duas vezes mais caros que no empréstimo consignado
normal.(http://condege.org.br/noticias/473-ma-defensoria-promove-ação-civil-pública-
contrabancos-por-ilegali...)

A jurisprudência firmada em ocasião do julgamento supra foi a seguinte:

[…] DEMANDA OBJETIVANDO A DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE


CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO POR MEIO DE CARTÃO DE
CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) – ACIONADO
QUE DEFENDEU A LEGALIDADE DOS DESCONTOS EFETUADOS NO
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA AUTORA – ATO ILÍCITO CONFIGURADO –
DEDUÇÃO A TÍTULO DE CONSIGNAÇÃO VIA CARTÃO DE CRÉDITO JAMAIS
UTILIZADO PELA CONSUMIDORA – PRÁTICA ABUSIVA – VASTO
CONJUNTO PROBATÓRIO A DERRUIR A TESE DEFENSIVA – EXTRATOS
QUE EVIDENCIAM A AUSÊNCIA DE ABATIMENTO DO MONTANTE DO
MÚTUO – INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 6º, III, E 39, V, DO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR – POSSIBILIDADE DE READEQUAÇÃO DA
AVENÇA CONVENCIONADA PARA A MODALIDADE INICIALMENTE
PRETENDIDA, QUAL SEJA, DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO PURO E
SIMPLES – RECLAMO PROVIDO NO CAPÍTULO. A prática abusiva e ilegal de
contrair modalidade de empréstimo avesso ao objeto inicialmente pactuado é conduta
infensa ao direito, sobretudo quando a instituição financeira, ao difundir seu serviço,
adota medida anômala ao desvirtuar o contrato de mútuo simples consignado,
modulando a operação via cartão de crédito com reserva de margem. Ao regular seus
negócios sob tal ótica, subverte a conduta que dá esteio as relações jurídicas, incidindo
em verdadeira ofensa aos princípios da transparência e da boa fé contratual, situando o
consumidor em clara desvantagem, provocando, por mais das vezes, a cobrança de
valores reconhecidamente descabidos e infundados, gerando toda sorte de injusto
endividamento. Na hipótese, constata-se devidamente demonstrada a consignação ilegal
da reserva de margem consignável (RMC) em cartão de crédito jamais utilizado pela
demandante. Assim, em observância à pretensão expressamente externada na exordial,
determina-se a readequação da contratação para a modalidade inicialmente pretendida,
qual seja, de empréstimo consignado puro e simples. […] (TJSC, Apelação Cível n.
0301292-89.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara
de Direito Comercial, j. 20-11-2018).
Quando a Instituição Financeira omite que o valor descontado no contracheque é
insuficiente para amortizar a dívida, incorre com propaganda enganosa, induzindo o
cliente a erro, uma atitude claramente criminosa nos termos do Código de Defesa do
Consumidor:

Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou
abusiva.
Pena: Detenção de três meses a um ano e multa.

Portanto, a desvirtuação do contrato de empréstimo buscado pelo Autor para um cartão


de crédito com reserva de margem consignável (RCM), implica em ofensa aos
princípios da transparência e da boa-fé, além de caracterizar abusividade, colocando o
consumidor em franca desvantagem ao gerar um endividamento sem termo final, e
portanto, é nulo!

3.5. TAXA DE JUROS MUITO SUPERIOR ÀQUELA DIVULGADA PELO BANCO


CENTRAL
Conforme restou demonstrado, o Autor, após ser ludibriado à contração de cartão de
crédito com reserva de margem consignável (RCM), recebeu via TED em sua conta
bancária, a quantia de R$ 1.795,84 em 18.11.2014, cujo desconto atual no contracheque
é de aproximadamente R$ 90,00, e sem previsão de término.

Ocorre, que o Autor já adimpliu a quantia estarrecedora de R$ 4.215,59, pelos mesmo


R$ 1.795,84 que recebeu à época do empréstimo, ou seja, os juros, encargos e taxas
cobradas pelo Réu, são notadamente abusivas, e muito acima da média de mercado.

Ocorre que, a taxa média de juros para crédito pessoal consignado na data da
contratação pelo Autor, conforme divulgado pelo Banco Central do Brasil para o Réu,
era, de 2.06% a.m., totalizando 27,74% a.a.

Após longa discussão tanto na doutrina quanto na jurisprudência, consolidou-se o


entendimento de que os juros remuneratórios somente possuem caráter abusivo, desde
que ultrapassada a taxa média de mercado à época do contrato, tomando como base a
lista divulgada pelo Banco Central do Brasil que dispõe sobre as taxas médias de juros
cobradas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional.
Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE DESCONTO EM


FOLHA DE PAGAMENTO E REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA
DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. CONSUMIDOR QUE PRETENDIA OBTER
EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. EFETIVAÇÃO DE CONTRATO DE CARTÃO DE
CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL – RMC. DESCONTOS
NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DESTINADOS AO PAGAMENTO MÍNIMO
INDICADO NA FATURA DO CARTÃO. TAXA DE JUROS INCOMPATÍVEIS
COM A ESPÉCIE CONSIGNADA. PRÁTICA ABUSIVA. ADEQUAÇÃO DA
MODALIDADE CONTRATUAL QUE SE IMPÕE. ATO ILÍCITO CONFIGURADO.
DANO MORAL PRESUMIDO. DEVER DE INDENIZAR. REPETIÇÃO DO
INDÉBITO NA FORMA SIMPLES. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO
DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0301908-34.2017.8.24.0081, de Xaxim, rel.
Des. Cláudio Barreto Dutra, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 22-11-2018).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE DESCONTO
EM FOLHA DE PAGAMENTO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. TERMO DE ADESÃO A CARTÃO DE
CRÉDITO CONSIGNADO COM AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA
DE PAGAMENTO. RESERVA DE MARGEM DE CARTÃO DE CRÉDITO (RMC)
DESCONTADO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA AUTORA. TAXA DE
JUROS ACIMA DAQUELA PRATICADA NO MERCADO PARA CRÉDITO
CONSIGNADO A APOSENTADOS E PENSIONISTAS DO INSS. PRÁTICA
ABUSIVA. ARTIGO 39 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
NULIDADE RECONHECIDA. ADEQUAÇÃO DO AJUSTE À VONTADE
MANIFESTADA DO CONSUMIDOR. CONVERSÃO DO CONTRATO PARA
EMPRÉSTIMO CONSIGNADO, COM A OBSERVÂNCIA DOS ENCARGOS
PREVISTOS PARA OPERAÇÕES DE CRÉDITO PESSOAL CONSIGNADO A
APOSENTADOS E PENSIONISTAS DO INSS. ABATIMENTO NO SALDO
DEVEDOR DOS VALORES DESCONTADOS. […] (Apelação Cível n. 0300459-
71.2018.8.24.0092, Rel. Des. Jânio Machado, j. em 23/8/2018)

Assim, à luz do entendimento que vem sendo adotado, a revisão dos contratos
financeiros, tem como base para aferição de abusividade a média de juros praticados
pelo mercado, que difere em muito daquela imposta ao Autor.

3.6. DANO MORAL CARACTERIZADO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DE


INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS
De início resta evidente que o Autor não pretendia contratar o cartão de crédito
oferecido pelo Réu, em que pese tenha autorizado os descontos sobre o limite da
margem consignável em seu contracheque, que, como se percebe, só serviram para
efetuar o pagamento mínimo das faturas mensais do cartão de crédito, com abatimento
quase insignificante do saldo devedor.

Outrossim, a jurisprudência é pacífica no que tange à responsabilidade objetiva da


instituição financeira, ou seja, esta responde, independentemente da caracterização de
culpa, pelos danos causados ao consumidor, sendo suficiente a comprovação do dano
(in reipsa) e do nexo de casualidade.

Assim, estando evidente a conduta ilícita da instituição financeira (venda casada de


cartão de crédito e reserva de margem consignável) e o dano moral (desvirtuar contrato
de empréstimo consignado e submeter o consumidor à dívida impagável), resta
caracterizado o nexo de causalidade, uma vez que a falha na prestação de serviço deu
causa ao dano, ou seja, é uma relação lógica jurídica, de causa e efeito.

Isso porque, não há adimplemento além do mínimo deduzido diretamente da fonte de


renda do Autor, tampouco utilização do cartão de crédito para qualquer outra finalidade
que não os próprios descontos, vez que é recalculado a cada novo pagamento parcial da
fatura, com acréscimo dos encargos mensais, e portanto, notadamente impagável.

Por conseguinte, sabe-se que, nos termos dos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil,
aquele que por ação voluntária violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, ficará obrigado a repará-lo. In verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou
pelos bons costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.

Sobre o assunto, leciona Maria Helena Diniz:

Para que se configure o ato ilícito, será imprescindível que haja: a) fato lesivo
voluntário, causado pelo agente, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência; b) ocorrência de um dano patrimonial ou moral; c) nexo de causalidade
entre o dano e o comportamento do agente.[5]
O doutrinador Carlos Alberto Bittar conclui:

Assim sendo, para que haja ato ilícito, necessária se faz a conjugação dos seguintes
fatores: a existência de uma ação; a violação da ordem jurídica; a imputabilidade; a
penetração na esfera de outrem. Desse modo, deve haver um comportamento do agente,
positivo (ação) ou negativo (omissão), que, desrespeitando a ordem jurídica, cause
prejuízo a outrem, pela ofensa à bem ou a direito deste. Esse comportamento (comissivo
ou omissivo) deve ser imputável à consciência do agente, por dolo (intenção) ou por
culpa (negligência, imprudência, imperícia), contrariando, seja um dever geral do
ordenamento jurídico (delito civil), seja uma obrigação em concreto (inexecução da
obrigação ou de contrato). […] Deve, pois, o agente recompor o patrimônio (moral ou
econômico) do lesado, ressarcindo-lhe os prejuízos acarretados, à causa do seu próprio,
desde que represente a subjetividade do ilícito.[6]
Constatado o ato do agente e o nexo de causalidade, resta perquirir a extensão do
prejuízo, não para garantir o recebimento da indenização, mas para que o valor seja
arbitrado com fundamento no artigo 944 do Código Civil, in verbis:

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.


No caso, o fato do Autor já ter adimplido mais do dobro do valor incialmente
contratado, é com certeza, um dano significativo, que causou prejuízos para além da
ordem patrimonial, motivo para fixação da indenização no montante de R$ 15.000,00,
consoante o abalo psíquico experimentado.

O CDC, por seu turno, também contempla a indenização por dano moral, nos incisos VI
e VII, do artigo 6º, in verbis:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:


VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais,
coletivos e difusos;
VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou
reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada
a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

Tecidas estas considerações e, verificada a presença dos requisitos necessários à


caracterização da responsabilidade civil, cabe ao Réu suportar o pagamento de
indenização, já que estabelece a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso V que “É
assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo, além da indenização por dano
material, moral ou à imagem“.
E ainda, o inciso X do referido artigo diz que “São invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação“.

Ademais, a norma consumerista estatui que a responsabilidade por falha na prestação


dos serviços é objetiva, in verbis:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa,


pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação
dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição
e riscos.
No que concerne ao quantum, deve ser levando em conta os seguintes parâmetros,
aceitos tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência: a) a posição social e econômica
das partes; b) a intensidade do dolo ou o grau de culpa do agente; c) a repercussão social
da ofensa; e d) o aspecto punitivo-retributivo da medida. Nesse sentido, o montante não
pode ser irrisório, a ponto de menosprezar a dor e o abuso sofridos pelo Autor.

Ainda durante o julgamento da r. Apelação Cível n. 0301292-89.2018.8.24.0092, da


Capital – Bancário, o Des. Relator Robson Luz Varella fixou o quantum indenizatório:

DANO MORAL – ATO ILÍCITO – RELAÇÃO DE CONSUMO – INCIDÊNCIA DO


ART. 14 DA LEI N. 8.078/1990 – ABALO ANÍMICO EVIDENCIADO –
DESCONTOS INDEVIDOS EFETUADOS QUE COLOCARAM EM RISCO A
SUBSISTÊNCIA PESSOAL DA ACIONANTE, HAJA VISTA O ÍNFIMO VALOR
PERCEBIDO A TÍTULO DE PENSÃO POR MORTE PREVIDENCIÁRIA –
AGASALHAMENTO DA IRRESIGNAÇÃO NO PARTICULAR. Nas relações de
consumo o fornecedor de serviços responde objetivamente na reparação de danos
causados aos consumidores, nos casos de defeito ou por informações não prestadas ou
inadequadas (CDC, art. 14). Assim, para a configuração do dever de indenizar,
necessária a prova do ato ilícito, do dano e nexo causal entre a conduta do agente e os
prejuízos causados (CC, arts. 186 e 927) […]As normas jurídicas pátrias não definiram
expressamente os critérios objetivos para arbitramento do “quantum” indenizatório,
sabendo-se, apenas, que “a indenização mede-se pela extensão do dano” (CC, art. 944).
Dessa forma, devem ser analisadas as particularidades de cada caso concreto, levando
em consideração o mencionado dispositivo, as condições econômico-financeiras das
partes envolvidas, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e o caráter
pedagógico do ressarcimento. Na hipótese em análise, trata-se de pessoa cujo benefício
previdenciário perfaz a cifra de pouco mais de um salário mínimo mensal, enquanto que
a responsável pela reparação é instituição financeira dotada de grande poder econômico
com larga atuação no mercado creditício. Sopesando tais circunstâncias, principalmente
em atenção ao caráter punitivo pedagógico da condenação, entende-se adequada a
fixação do “quantum” indenizatório em R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigidos pelo
INPC, a partir do presente arbitramento, e com incidência de juros de mora de 1% (um
por cento) ao mês, desde o evento danoso (Súmulas 362 e 54 do STJ, respectivamente).
(TJSC, Apelação Cível n. 0301292-89.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz
Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).
Nesse norte, considerando-se que a contratação do cartão de crédito ocorreu por meios
ardilosos do Réu, que ignorou os deveres da boa-fé objetiva e constrangeu o consumidor
em evidente necessidade financeira a contratar serviço por ele não desejado, obrigando-
o a pagar valores manifestamente excessivos, motivo pelo qual deve ser fixado como
valor justo e adequado, o montante de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a título de
indenização por dano moral.

3.7. DEVOLUÇÃO EM DOBRO


Constatada a cobrança de valores indevidos pela instituição financeira, cabível é a
aplicação do art. 876 do Código Civil, que estabelece: “Todo aquele que recebeu o que
lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe
dívida condicional antes de cumprida a condição”.

Nítida é, a percepção que o Réu sabia exatamente dos descontos que realizou e continua
a realizar, mesmo ultrapassando o dobro do valor incialmente contratado, e que também
tem conhecimento da ilegalidade da operação, entretanto, cômodo é cobrá-las e
transferir ao consumidor o ônus de reclamá-las.

E nesse norte, tem entendido a Corte Catarinense que o ato de se apropriar


indevidamente de valores referentes a salário, configura hipótese de culpa gravíssima,
equiparada, portanto, ao dolo, razão pela qual sujeita o Réu à restituição em dobro dos
valores descontados, na forma do artigo 42, parágrafo único, do CDC:

Art. 42. […]


Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do
indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção
monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

Ocorre que não há, no caso em tela, engano justificável para a cobrança de R$ 4.215,59
com a continuidade dos descontos sem previsão de término, quando o valor emprestado
pelo Réu foi de R$ 1.795,84. Ao realizar descontos sobre o subsídio do Autor, sem
possibilitar a real amortização do saldo devedor ─ procedimento que certamente atende
a seus interesses econômicos ─ a toda evidência o Réu assumiu o risco de prejudicá-lo.
A este proceder desidioso, por certo não se pode conferir a qualidade de causa
“justificável” de engano, eis que presente está, o dolo do Réu, que jamais enviou
qualquer fatura ou documento ao endereço do Autor a fim de informá-lo do valor
devido ou adimplido.

Neste mesmo sentido, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina já decidiu:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO


POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DO BANCO
RÉU. CONTRATO DE UTILIZAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM
DESCONTO NO BENEFÍCIO DA AUTORA. (…) DESCONTO INDEVIDO NO
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA AUTORA DECORRENTE DE CONTRATO
ENTABULADO MEDIANTE INDUZIMENTO EM ERRO. DEVOLUÇÃO EM
DOBRO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. (…)
(Apelação Cível n. 2015.070554-6, rel.ª Des.ª Soraya Nunes Lins, j. em 04.02.2016).
APELAÇÃO CÍVEL. DANOS MORAIS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DESCONTO
INDEVIDO. AUSÊNCIA DE ENGANO JUSTIFICÁVEL. OBRIGAÇÃO DE
DEVOLVER EM DOBRO O VALOR DESCONTADO. (…) DESCONTOS
INDEVIDOS. CONTA BANCÁRIA NA QUAL A PARTE RECEBE PENSÃO.
DANO MORAL CONFIGURADO. A diminuição da capacidade financeira decorrente
de descontos mensais em benefício previdenciário relativos a empréstimo consignado
realizado de forma ilegal, carateriza abalo moral, passível de compensação pecuniária
(TJSC, Ap. Cív. n. 0021112- 95.2010.8.24.0045, de Palhoça, rel. Des. Joel Figueira
Júnior, j. 8-9-2016). (…) (Apelação Cível n. 0300034-78.2016.8.24.0071, rel.ª Des.ª
Janice Ubialli, j. em 02.05.2017).

Por fim, resta pleitear a devolução em dobro dos valores que o Réu dolosamente cobrou
a mais do Autor, que deverá ser apurado em eventual liquidação de sentença.

4. DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE


Isto posto, torna-se necessário pleitear ainda, o julgamento antecipado da lide nos
moldes do art. 355, inciso I do NCPC, ante a desnecessidade de produção de provas em
audiência.

Tem-se que, o julgamento antecipado da lide, decorrida a contestação do Réu, não causa
o cerceamento de defesa, posto que todos os documentos necessários para compreensão
dos fatos e julgamentos do processo acompanham a presente petição inicial.
Isso porque, o art. 355, inciso I do NCPC autoriza o juiz a julgar o mérito de forma
antecipada, quando não houver necessidade de fazer-se prova em audiência. Mesmo
quando a matéria objeto da causa for de fato, o julgamento antecipado é permitido se o
fato for daqueles que não precisam ser provados em audiência, como, por exemplo, os
notórios, os incontroversos, etc.[7]

Dessa forma, presente todo o conjunto probatório necessário ao desfecho da demanda, e


deferida a inversão do ônus da prova para que o Réu junte (i) o saldo devedor do Autor;
(ii) prova de desbloqueio, de uso e as próprias faturas do suposto cartão de crédito; e,
(iii) a prova de envio das faturas e do próprio cartão ao Autor, requer-se o julgamento
antecipado da lide nos moldes do art.3555, inciso I doNCPCC.

5. NECESSIDADE DE CONCESSÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA


A concessão da tutela de urgência depende do preenchimento de três requisitos: a)
existência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito; b) perigo de dano ou
o risco ao resultado útil do processo; e c) ausência de perigo de irreversibilidade do
provimento antecipado (CPC, art. 300, caput, e § 3º).

In casu, a probabilidade do direito resta evidenciada porquanto o Autor já adimpliu o


valor inicialmente contratado. Já o perigo de dano, exsurge no risco a subsistência do
Autor com a continuidade dos descontos em seu contracheque do Autor, vez que não há,
no termo de adesão, data de início e fim para o pagamento, muito menos, o número de
parcelas que ainda restam.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina já decidiu que os descontos relativos à reserva


de margem consignável são incompatíveis com o empréstimo consignado e merecem
ser suspensos de início:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO


CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. TUTELA DE URGÊNCIA
ANTECIPADA DEFERIDA NA ORIGEM. INSURGÊNCIA DO BANCO. MÉRITO.
TUTELA DE URGÊNCIA ANTECIPADA. PROBABILIDADE DO DIREITO E
PERIGO DE DEMORA DEMONSTRADOS NA ORIGEM VERIFICADOS.
PRETENSÃO DE CONTRATA EMPRÉSTIMO BANCÁRIO QUE RESULTOU EM
CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL.
DESVIRTUAMENTO DA PRETENSÃO OBRIGACIONAL. PRESSUPOSTOS DO
ARTIGO 300 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL SATISFEITOS. MULTA DIÁRIA
FIXADA PARA OBRIGAÇÃO DE FAZER. LEGALIDADE ESTAMPADA NOS
ARTIGOS 497 E 537 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E NO ARTIGO 84 DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE.
Recurso conhecido e desprovido. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4013678-
60.2018.8.24.0900, de Laguna, rel. Des. Guilherme Nunes Born, Primeira Câmara de
Direito Comercial, j. 23-08-2018).
Por fim, cumpre destacar que a medida pleiteada não é irreversível, porquanto, em caso
de improcedência do pedido requerido ao final da demanda, é viável, faticamente, ao
retorno da situação anterior. Portanto, cabível a medida liminar a fim de suspender os
descontos no contracheque do Autor, é o que se requer.

6. DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS

Ante o exposto, REQUER:

A concessão de tutela de urgência antecipada, para que o Réu se abstenha de descontar


do contracheque do Autor, o valor referente à contração de cartão de crédito com
reserva de margem consignável (RCM), sob pena de multa por desconto realizado a ser
arbitrado por Vossa Excelência, não inferior a R$ 2.000,00;
A citação do Réu por carta, para apresentar contestação, caso queira, bem como, que
seja intimado a trazer aos autos, (i) o saldo devedor do Autor; (ii) prova de desbloqueio,
de uso e as próprias faturas do suposto cartão de crédito; e, (iii) a prova de envio das
faturas e do próprio cartão de crédito ao Autor;
No mérito, seja declarada nula a contração de cartão de crédito com reserva de margem
consignável (RCM) com a consequente inexistência de débito.
Requer a devolução em dobro dos valores que o Réu cobrou a mais do Autor, bem
como, de valores eventualmente cobrados durante o processo, que deverá ser apurado
em liquidação de sentença, acrescidos de juros e correção monetária.
A condenação do Réu em R$ 15.000,00 a título de danos morais, consoante todo o
narrado.
A concessão de inversão do ônus da prova em favor da Autor;
A concessão do benefício da Justiça Gratuita ao Autor;
A dispensa da designação de audiência de conciliação;
Condenar o Réu ao pagamento de custas e despesas processuais, bem como, de
honorários advocatícios, estes em 20% sobre o valor da condenação, consoante o
art.855 doCPCC;
O julgamento antecipado da lide;
Por fim, REQUER A PROCEDÊNCIA TOTAL DOS PEDIDOS, declarando nula a
contratação do termo de adesão de cartão de crédito com reserva de margem
consignável (RCM) com a consequente inexistência de débito, confirmando eventual
tutela provisória concedida, e ainda, condenar o Réu à restituição em dobro e ao
pagamento de danos morais.
Na remota hipótese de ser considerado válido o contrato objeto da presente demanda,
requer, subsidiariamente, ao pedido acima, seja realizada a conversão do termo de
adesão de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RCM) para
empréstimo consignado tradicional, com aplicação de percentual de juros à taxa média
de mercado da época da contratação, afastando-se todas as cláusulas abusivas, e
utilizando os valores já pagos a título de RMC para amortizar eventual saldo devedor, o
qual deverá ser feito com base no valor liberado à época, desprezando-se o saldo
devedor atual, e mantendo-se os demais pedidos, inclusive referente ao dano moral e
devolução em dobro;
Protesta provar o alegado, através de todos os meios de provas em direitos admitidos;
Que as futuras intimações e notificações sejam todas feitas em nome do advogado
subscritor.
Dá-se à causa o valor de R$ 15.000,00.

Nestes termos
Pede deferimento.

Salgueiro – PE, 16 de dezembro de 2021.


Advogado
OAB/PE

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