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Fı́sica Molecular
III.1 Introdução
Uma questão importante relacionada à estrutura da matéria é a formação, estabilidade e
propriedades fı́sicas das moléculas. Neste capı́tulo, estas questões serão abordadas sob o ponto
de vista da Mecânica Quântica de uma forma semiquantitativa. De acordo com a Mecânica
Quântica, uma molécula consiste em um grupo de núcleos rodeados por eletrons de um forma tal
que uma configuração estável é possı́vel. Além disto, o formalismo habilita a compreensão e uma
descrição unificada dos processos fı́sicos que estão por trás dos diversos tipos, aparentemente
distintos, de ligações quı́micas, tais como as ligações covalentes e iônicas.
67
68 III.2. A Molécula Iônica de Hidrogênio
este pode ser dado, aproximadamente, por combinações lineares dos orbitais atômicos ψ 1 e ψ2 ,
ψeven = ψ1 + ψ2 (III.2.a)
ψodd = ψ1 − ψ2 . (III.2.b)
Ao se calcular o valor esperado da energia total da molécula por este método aproximado,
deve-se resolver a expressão
R ∗
ψ (r1 , r2 )Hψ(r1 , r2 ) d3 r1
E= R ∗ , (III.3)
ψ (r1 , r2 )ψ(r1 , r2 ) d3 r1
Resultando, portanto,
e2 1 A ± B
E = E1s + − , (III.4)
4π0 r 1±S
onde
Z Z
e2 |ψ1 |2 3 e2 |ψ2 |2 3
A= d r1 = d r1
4π0 r2 4π0 r1
Z ∗ Z
e2 ψ1 ψ2 3 e2 ψ1 ψ2∗ 3
B= d r1 = d r1
4π0 r1 4π0 r2
e Z Z
3
S= ψ1∗ ψ2 d r1 = ψ1 ψ2∗ d3 r1
é denominada de integral de sobreposição (overlap integral). Em (III.4) pode-se ver que E < 0
(estado ligado) somente se B e S forem substancialmente grandes, ou seja, se houver uma
sobreposição apreciável dos orbitais atômicos ψ1 e ψ2 . Em caso contrário, se B ≈ S ≈ 0, então
(III.4) reduz-se a E ≈ E1s + e2 /4π0 r − A, o qual é sempre positivo.
Os estados correspondendo aos orbitais moleculares ψeven e ψodd são designados, respectiva-
mente, por σg 1s e σu 1s. A figura III.3 ilustra a forma das densidades de probabilidades de cada
orbital. O orbital descrito por ψeven resulta em uma molécula estável, ao passo que o estado
descrito por ψodd não corresponde a uma molécula.
Já a figura III.4 mostra os gráficos da energia para σg 1s (+) e σu 1s (−). A curva para σg 1s
possui um mı́nimo no ponto r0 , correspondendo à separação de equilı́brio dos dois protons que
produz uma configuração estável para H+
2 . Neste ponto, r0 = 1, 06Å e a energia do sistema
é igual a E = −2, 648eV, correspondendo à energia de dissociação da molécula, isto é, ao
trabalho necessário para deslocar o sistema H e H+ a uma distância infinita. A função de onda
ψeven é também denominada de função de onda ligante. Por outro lado, a curva para σu 1s não
apresenta ponto de mı́nimo, o que indica que não existe configuração estável para a molécula
neste estado. A função ψodd é também denominada de função de onda anti-ligante. Funções
anti-ligantes são indicadas por um asterisco; este estado possui então a seguinte notação: σ u∗ 1s.
Figura III.3: Densidades de probabilidade para os orbitais moleculares ψ even e ψodd de H+ 2 . (a) Distri-
buição ao longo da linha que conecta os dois protons. (b) e (c) Distribuição no plano que contém os
dois protons.
(designado eixo z) é constante, pois o torque que atua sobre o elétron está sempre dirigido
na direção perpendicular a ao eixo z. O valor de Lz , portanto, é sempre dado por Lz = ml ~,
onde ml = 0, ±1, ±2, · · · . O sinal de ml designa o sentido de rotação de L; contudo, neste caso
somente o módulo (λ = |ml |) é relevante. Introduz-se, então, a seguinte notação:
ml : 0 ±1 ±2 ±3 · · ·
λ : 0 1 2 3 ···
Sı́mbolo: σ π δ φ··· .
Portanto, exceto para os estados s, todos os outros estados de momenta angulares são dupla-
mente degenerados. Adicionalmente, para cada valor de ml , há sempre 2 valores de ms que
os eletrons podem assumir; em conseqüência, os estados s podem acomodar até dois eletrons,
enquanto que os demais (π, δ, φ, . . .) acomodam até quatro eletrons.
Para os estados de orbitais moleculares de cada eletron será empregada a notação λnl, ou
seja, σnl, πnl, etc, onde nl indica os orbitais atômicos a partir dos quais o respectivo orbital
molecular foi formado por meio de combinações lineares. Cada um dos diferentes estados orbitais
moleculares corresponde a uma energia diferente.
Quando a molécula é composta por núcleos com a
mesma massa e número atômicos, esta é denominada
homonuclear. Este tipo de molécula possui um cen-
tro de simetria O, em torno do qual a distribuição de
probabilidade de um elétron é simétrica e a respectiva
função de onda pode ser construı́da a partir de uma
combinação linear par ou ı́mpar, como foi realizado em
(III.2). Estados de momenta angulares descritos por
funções de onda pares são denominados estados g, ao
passo que aqueles estados descritos por funções ı́mpa-
res são denominados estados u (do alemão gerade, ou
par, e ungerade, ou ı́mpar, respectivamente). Para mo-
léculas homonucleares existem, portanto, estados σg ,
Figura III.5: Momentum angular orbital
σu , πg , πu , etc, com ou sem asterisco, se o estado é ou
de um elétron em uma molécula diatô-
não ligado, respectivamente.
mica.
A figura III.6 mostra a formação de alguns orbitais
moleculares, ligados ou não ligados, a partir de combinações lineares dos orbitais atômicos de
dois átomos previamente separados por uma distância considerável. Pode-se observar que o
orbital molecular πu np, resultante da combinação ı́mpar de dois orbitais px ou py , resulta em
um estado ligado, ao passo que o orbital πg∗ np resulta em um estado não ligado.
Energia Distância
Mol. Configuração diss. (eV) ligação ( Å)
σg 1s σu∗ 1s σg 2s σu∗ 2s πu 2p σg 2p πg∗ 2p σu∗ 2p
H+
2 ↑ 2,65 1,06
H2 ↑↓ 4,48 0,74
He+2 ↑↓ ↑ 3,10 1,08
He2 ↑↓ ↑↓ Instável
Li2 ↑↓ ↑↓ ↑↓ 1,03 2,67
Be2 ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↓ Instável
B2 ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↑ 3,60 1,59
C2 ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↑↓↓ 3,60 1,31
N2 ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↑↓↓ ↑↓ 7,37 1,09
O2 ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↑↓↓ ↑↓ ↑↑ 5,08 1,21
F2 ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↑↓↓ ↑↓ ↑↑↓↓ 2,80 1,44
Ne2 ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↑↓↓ ↑↓ ↑↑↓↓ ↑↓ Instável
Ordem de ligação. Uma medida da ligação lı́quida em uma molécula diatômica é obtida a
partir da definição:
1
b = (n − n∗ ),
2
onde b é a ordem de ligação, n é o número de eletrons em orbitais ligantes e n∗ o número
de eletrons em orbitais não-ligantes. Desta forma, temos que para a molécula de H 2 , b = 1,
correspondente à sua unica ligação quı́mica H − H; ao passo que para a molécula de O 2 , b = 2,
correspondendo à ligação dupla O = O. Já para a molécula de He2 , terı́amos b = 0, o que indica
que esta molécula não é formada.
Em geral, quanto maior o valor da ordem de ligação de uma dada molécula diatômica, menor
é o seu comprimento de ligação (r0 ) e maior é a sua energia de dissocição (De ).
não afetam a ligação quı́mica entre os núcleos. Restam, então, somente dois eletrons não
pareados, o elétron da subcamada 3s no átomo de Na e um elétron 3p do Cl. Como no caso
das moléculas homonucleares, pode-se supor que uma configuração estável somente é possı́vel
quando os dois eletrons têm uma probabilidade alta de ser encontrados no espaço entre os
núcleos. Contudo, como os números atômicos dos núcleos são distintos, a distribuição de carga
eletrônica não é simétrica. No caso da molécula de NaCl, esta encontra-se deslocada em sentido
ao núcleo do Cl, uma vez que este possui uma carga positiva maior que o núcleo de Na. Em
conseqüência, resulta uma molécula com um momentum de dipolo elétrico lı́quido, cujo valor,
para a molécula de NaCl na fase gasosa é 3, 0 × 10−29 C.m, para uma distância de separação
internuclear de 2, 51Å. Se o elétron 3s do Na fosse completamente transferido ao Cl, a molécula
de NaCl seria um dipolo elétrico de carga 1e = 1, 6 × 10−19 C; um dipolo elétrico com esta carga
e com uma separação d = 2, 51Å possui um momentum de dipolo p = 4, 0 × 10−29 C.m. Conclui-
se, portanto, que cerca de 75% da distribuição eletrônica do elétron de valência 3s do Na está
deslocada em sentido à distribuição eletrônica do Cl. Pode-se considerar, então, esta molécula
como sendo composta por dois ions mantidos ligados pela interação coulombiana. Usualmente,
escreve-se este tipo de molécula iônica como Na+ Cl− .
Este tipo de ligação molecular é chamada de ligação iônica (ou ligação polar), ao passo que a
ligação molecular resultante em uma molécula homonuclear é denominada de ligação covalente.
Entretanto, a natureza fı́sica de ambas as ligações é, em última instância, a mesma, ou seja,
tratam-se de estados ligados resultantes de determinadas configurações de cargas positivas e
negativas interagindo mutuamente por meio da interação coulombiana.
A figura III.9 mostra as curvas de energia para o sistema Sódio-Cloro, na fase gasosa, em
função da separação internuclear. Os átomos neutros de Na e Cl são supostos inicialmente
estando a uma grande distância entre si. A energia deste sistema Na + Cl é suposta nula. A
energia necessária para remover o elétron 3s do átomo de Na é de cerca de 5,14eV (ver figura
II.11), ao passo que o átomo de Cl ao capturar um elétron e completar a sua última subcamada
eletrônica torna-se mais estável, sendo a sua energia cerca de 3,72eV menor que no átomo
neutro.1 Portanto, a energia do sistema Na+ + Cl− quando os átomos encontram-se a uma
grande distância é, aproximadamente, 5, 14eV − 3, 72eV = 1, 42eV. A energia deste sistema
está representada na curva superior da figura III.9 para r → ∞. À medida que a distância
internuclear diminui, a interação entre as distribuições eletrônicas dos eletrons de valência de
ambos os átomo começa a se tornar importante. A uma separação r ≈ 12, 5 Å, a transferência
de carga do Na para o Cl é iniciada, resultando que para distâncias menores a energia potencial
1
Esta propriedade é denominada afinidade eletrônica.
do sistema Na+ + Cl− torna-se continuamente mais negativa. Contudo, a distâncias muito
pequenas, a sobreposição das coroas eletrônicas de ambos os ions torna-se grande, acarretando
em dois efeitos que contribuem para o aumento da energia potencial do sistema:
Energia das ligações polares. A função de onda de uma molécula heteronuclear não pode
ser escrita como uma combinação linear como (III.2.a,b). Ao invés disto, ela deve ser escrita
como
ψ = c A ψA + c B ψB , (III.5)
onde ψA e ψB são as funções de onda atômicas, calculadas em relação a cada núcleo, ao passo
que os coeficientes cA e cB indicam a contribuição de cada ion na ligação; isto é, |cA |2 é a fração
com que o orbital ψA contribui para a ligação, enquanto que |cB |2 indica a fração do orbital
ψB . Estes coeficientes devem ser determinados empiricamente ou calculados a partir de algum
método de perturbação. Para a maior parte das moléculas heteronucleares, o resultado situa-se
entre uma ligação puramente covalente ou puramente iônica, ou seja, cA 6= cB , enquanto que
para uma molécula homonuclear, cA = cB . Quando maior for o caráter iônico da ligação, maior
será o momentum de dipolo elétrico da molécula. A tabela III.2 mostra esta situação para
algumas moléculas.
Tabela III.2: Energias de dissociação (D), comprimentos de ligação (r 0 ) e momenta de dipolo elétrico
(p) para algumas moléculas diatômicas.
Covalente Iônica
Molécula D (eV) r0 (Å) p (D) Molécula D (eV) r0 (Å) p (D)
H2 4,48 0,74 0 NaCl 3,58 2,51 8,50
Li2 1,03 2,67 0 HCl 4,43 1,27 1,07
O2 5,08 1,21 0 LiH 2,50 1,60 5,88
N2 7,37 1,09 0 KBr 3,96 2,94 1,29
Cl2 2,47 1,99 0 KF 5,90 2,55 8,60
HI 3,06 1,61 0,38 CsCl 3,76 3,06 9,97
CO 11,11 1,13 0,12 KCl 4,92 2,79 8,00
NO 5,30 1,15 0,15 KI 3,00 3,23 9,24
Uma aproximação para o cálculo dos coeficientes cA e cB , bem como para os autovalores de
energia nos nı́veis moleculares, é fornecida através da aplicação do Princı́pio Variacional:
a função de onda empregada será mais realı́stica quanto maior for o número de vetores de
base (ou seja, autofunções atômicas) empregados na sua definição. Para diferentes combinações
lineares dos vetores de base, serão obtides diferentes valores para a energia; porém, o melhor
conjunto de autovalores para um determinado conjunto de vetores de base será aquele obtido a
partir da aplicação do princı́pio variacional.
Deseja-se, então, empregar o princı́pio variacional para minimizar o valor de E, calculado a
partir da equação R ∗
ψ Hψdτ
E= R ∗ , (III.6)
ψ ψdτ
onde será empregada a função de onda expressa em (III.5). O denominador da expressão acima
reflete o fato que a função de onda (III.5) não está normalizada. A aplicação do princı́pio
variacional a E implica em determinar os valores de cA e cB tais que
∂E ∂E
=0e = 0.
∂cA ∂cB
Autor: Rudi Gaelzer – IFM/UFPel ao: 16 de julho de 2004
Vers~
Capı́tulo III. Fı́sica Molecular 79
onde Z Z
S= ψA∗ ψB dτ = ψA ψB∗ dτ
é a integral de sobreposição e
Z Z Z Z
αA = ψA∗ HψA dτ, αB = ψB∗ HψB dτ β= ψA∗ HψB dτ = ψB∗ HψA dτ,
Resultando,
q
1
−βS + (αA + αB ) ±
2
1
4
(αA + αB − 2βS)2 − (1 − S 2 ) (αA αB − β 2 )
E= . (III.8)
1 − S2
ES − β αB − E
cA = , cB = cB ,
αA − E ES − β
nante secular
2 2
α−E − β − ES = 0 =⇒ α − E − β + ES α − E + β − ES = 0
α±β
=⇒ E = ,
1±S
Ao passo que
(α ± β)S − β(1 ± S)
cA = cB = ±cB
(1 ± S)α − (α ± β)
e então
1
2 |cA |2 ± 2 |cA |2 S = 1 ⇐⇒ |cA |2 = ,
2(1 ± S)
o que nos permite escrever, portanto, as autofunções dos orbitais simétricos e anti-
simétricos e os respectivos autovalores de energia:
21
1 α+β
ψ+ = (ψA + ψB ); E+ =
2(1 + S) 1+S
21
1 α−β
ψ− = (ψA − ψB ); E− = .
2(1 − S) 1−S
resultando
(
1 1 E + = αA + β tan ζ
E = (αA + αB ) ± (αA − αB ) + β tan ζ ⇒ ,
2 2 E − = αB − β tan ζ
(
cot ζ
cA = c B ,
− tan ζ
enquanto que cA é determinado pela condição de normalização,
E = E + ⇒ cA = cos ζ; cB = sen ζ
E = E − ⇒ cA = sen ζ; cB = − cos ζ.
Portanto,
A relação (III.9) mostra que se a diferença energética entre dois orbitais atômicos é grande,
resulta |αA − αB | → ∞ ⇒ ζ → 0, de onde resulta tan ζ ' sen ζ → 0; cos ζ → 1. Como
conseqüência, neste caso resulta E + → αA , ψ+ → ψA e E − → αB , ψ− → −ψB . Ou seja, se
a sobreposição dos orbitais atômicos dos diferentes átomos for negligı́vel, o que ocorre de
forma concomitante com uma grande diferença entre a energia dos respectivos orbitais, os
orbitais moleculares reduzem-se, assintoticamente, aos orbitais atômicos originais. Esta
é a justificativa a posteriori para a aproximação feita no tratamento de moléculas hete-
ronucleares de se considerar somente os orbitais atômicos dos eletrons desemparelhados,
pois estes serão os orbitais com as maiores superposições.
Uma ligação entre dois átomos ocorre ao longo da direção na qual as respectivas
funções de onda atômicas que dão origem a um orbital molecular estão concentradas
ou se sobrepõe; a intensidade da ligação depende on grau de superposição das funções
de onda atômicas.
Figura III.10: Distribuição eletrônica da molé- Figura III.11: Distribuição eletrônica da molé-
cula de H2 O. cula de NH3 .
entre os orbitais moleculares não é igual a 90◦ , mas sim a 104, 5◦ , devido à repulsão entre os
núcleos dos dois átomos de H. A outra caracterı́stica é que cada ligação quı́mica apresenta um
momentum dipolo elétrico igual a 6, 2 × 10−30 C.m. Como a forma da molécula de H2 O não é
linear, resulta que esta molécula possui um momentum de dipolo elétrico lı́quido.
Outro exemplo é a molécula de amônia (NH3 ). O átomo de Nitrogênio possui três eletrons
sem pares na subcamada 2p. Novamente, sem perda de generalidade, pode-se denominar estes
orbitais de px , py e pz . Quando cada eletron combinar-se com o elétron de um dos três átomos
de Hidrogênio, ocorrerá o mesmo tipo de distorção na geometria dos orbitais moleculares que
ocorre na molécula de água. Em conseqüência, os orbitais, em vez de terem uma separação
mútua de 90◦ , estarão separados por 107, 3◦ e a molécula tem um aspecto piramidal. A figura
III.11 ilustra a forma da molécula de amônia. O momentum de dipolo elétrico resultante é igual
a 5, 0 × 10−30 C.m, direcionado ao longo do eixo da pirâmide.
O átomo de maior importância para a origem da vida é o átomo de Carbono ( 6 C). Na sua
configuração de mais baixa energia, 6 C : 1s2 2s2 2p2 , este possui apenas dois eletrons sem pares
na subcamada 2p; as subcamadas mais internas consistem em orbitais atômicos s completos.
Um dos primeiros estados excitados do C ocorre na configuração 1s2 2s1 2p3 . Neste estado, o C
possui quatro eletrons de valência, pois o orbital 2s também terá a possibilidade de realizar uma
ligação quı́mica. É com esta configuração que um átomo de C pode se ligar com outros átomos,
idênticos ou não, formando moléculas compostas por cadeias extremamente longas, com um
número grande de átomos. Estas moléculas complexas formam a base da Quı́mica Orgânica e
da Bioquı́mica e são responsáveis pela existência de vida na Terra. A figura III.12 mostra os
nı́veis de energia do C. Nesta figura, observa-se que a diferença energética entre o nı́vel mais
próximo do estado fundamental do C (estado 3 P1 ) e o estado excitado em questão (estado 5 S2 )
é de ≈ 4eV. Esta transição pode ser provocada por um fóton de freqüência ν ≈ 9, 5 × 1014 Hz,
o qual está próximo do espectro da radiação ultravioleta emitida pelo Sol. Portanto, durante
toda a história da evolução da vida na Terra, sempre houve um suprimento abundante de fotons
capazes de levar o C a este nı́vel de energia.
O mecanismo através do qual o Carbono tetravalente torna-se capaz de realizar uma in-
finidade de ligações quı́micas denomina-se hibridização das funções de onda. O orbital s tem
simetria esférica; portanto, em princı́pio não haveria uma direção preferencial para que a ligação
ocorresse. Esta situação está representada na figura III.13(a). Este problema, entretanto, não
existe, pois a função de onda total dos eletrons de valência do C consiste em uma combinação
linear dos orbitais s, px , py e pz . Dentre as infinitas combinações possı́veis, as mais favoráveis
do ponto de vista energético são as denominadas hibridizações sp3 , sp2 e sp.
1
ψ1 = (s + px + py + pz )
2
1
ψ2 = (s + px − py − pz )
2
1
ψ3 = (s − px + py − pz )
2
1
ψ4 = (s − px − py + pz ) ,
2
os quais estão representados na figura III.13(b). Os máximos destas distribuições apontam para
os vértices de um tetraedro, existindo um ângulo de 109, 5◦ entre cada orbital. As moléculas de
metano (CH4 ) e etano (C2 H6 ) (figura III.14) são dois exemplos onde esta hibridização ocorre
na natureza. Em particular no etano, o tipo de ligação que ocorre entre os orbitais hı́bridos sp 3
de dois átomos de carbono é denominado de ligação σ, devido a sua semelhança com os orbitais
σ de moléculas diatômicas.
1 √
ψ1 = √ s + 2px
3
r !
1 1 3
ψ2 = √ s − √ px + py
3 2 2
r !
1 1 3
ψ2 = √ s − √ px − py
3 2 2
ψ4 = p z .
III.5.3 Hibridização sp
O terceiro tipo de hibridização que com mais freqüência é encontrada na natureza é a
hibridização sp. Esta consiste simplesmente em duas combinações lineares entre os orbitais s e
pz , ou seja, os quatro orbitais atômicos da hibridização sp são:
ψ1 = s + p z
ψ2 = s − p z
ψ3 = p x
ψ4 = p y .
A figura III.17 mostra que o efeito das combinações entre os orbitais s e pz consiste em fornecer
um sentido preferencial a cada novo orbital sp.
Este tipo de hibridização explica a existência de moléculas orgânicas nas quais o Carbono
realiza ligações triplas, tais como ocorre com a molécula de etino (ou acetileno) (C 2 H2 ) ou
HC ≡ CH. Esta molécula pode ser vista na figura III.18. Nesta, pode-se ver que a ligação tripla
entre os átomos de Carbono resulta da sobreposição de um orbital hı́brido sp oriundo de cada
átomo, resultando uma ligação σ, mais duas sobreposições dos orbitais px e py , resultando duas
ligações π. Os átomos de Hidrogênio estão ligados ao orbital sp restante em cada átomo de C.
Como conseqüência, o etino é uma molécula linear.
Hidrogênio. Adicionalmente, há quatro eletrons pz que se juntam aos pares em ligações π,
também ao longo da cadeia dos Carbonos. Contudo, os dois pares de ligações π não estão
separados entre si; cada par liga-se ao outro, de modo a formar uma espécie de canal que
serve para deslocalizar os eletrons dos orbitais pz , possibilitando-os a se deslocar com relativa
liberdade ao longo da molécula. A figura III.19(a) mostra a cadeia de átomos de Carbono
unidos por ligações σ, ao passo que a figura III.19(b) mostra os dois pares de ligações π que se
juntam, criando um canal de deslocamento dos eletrons ao longo da cadeia da molécula.
A ocorrência dos orbitais π delocalizados
em moléculas conjugadas confere a elas certas
caracterı́sticas especiais. Estas moléculas po-
dem facilmente ser eletricamente polarizadas,
pois o canal π lhes confere liberdade para se
deslocar de uma extremidade da molécula a
outra. As ligações π também conferem uma
elevada rigidez elástica à estrutura molecu-
lar, forçando todos os núcleos a se localizarem
sobre o mesmo plano. Por fim, a existência
do canal π aumenta a estabilidade molecular,
uma vez que a energia associada aos eletrons
π do buteno é menor do que a energia de dois
pares de ligações π independentes.
Para se tentar compreender fisicamente a
ocorrência do canal π em moléculas conjuga-
das, utiliza-se novamente o método de combi-
Figura III.20: Possı́veis combinações lineares dos nação linear de orbitais atômicos. O gráfico
na parte mais inferior da figura III.20 repre-
orbitais atômicos pz que irão resultar nas ligações
π delocalizadas no átomo de buteno. senta os orbitais atômicos pz de quatro áto-
mos de Carbono quando estes encontram-se afastados. Quando os átomos se combinam, for-
mando a molécula, surgem quatro novos estados de energia, oriundos das possı́veis combinações
lineares dos orbitais atômicos. Devido à simetria da molécula, as novas funções de onda devem
ser ou simétricas ou anti-simétricas com respeito ao centro da molécula. Estas quatro funções
de onda moleculares para os eletrons π são denominadas ψ1 , ψ2 , ψ3 e ψ4 na figura III.20 e
cada uma corresponde a um diferente autovalor de energia. Como ocorre em diversos sistemas
quânticos, o autovalor de energia aumenta com o número de nodos da autofunção. Portanto, à
medida que os átomos se aproximam, a energia do sistema divide-se em quatro nı́veis próximos
entre si, ao invés de dois, como ocorre com moléculas diatômicas, tipo o H+
2 ou o H2 . Estas
quatro curvas de energia são mostradas na figura III.21 em função da distância internuclear.
Cada nı́vel de energia pode aceitar dois eletrons com spins opostos. Portanto, no estado
fundamental do buteno os quatro eletrons ocupam os estados correspondentes a ψ1 e ψ2 . Os
quantidade relativamente pequena de energia, porque os nı́veis estão próximos uns dos outros.
Esta propriedade é responsável pelo fato de que diversas moléculas conjugadas absorvem fotons
do espectro visı́vel, o que lhes confere cores caracterı́sticas.
~2
Er = l(l + 1) = Bhcl(l + 1), (III.10)
2I
onde foi definida a quantidade B = ~/4πIc. A tabela III.3 mostra os valores de ~2 /2I e B
para diversas moléculas diatômicas. As quantidades ~ω0 e ν̃0 = 1/λ referem-se ao espectro
vibracional e serão definidas na seção III.8.
semelhante à regra de seleção encontrada no caso atômico. A figura III.25 ilustra os nı́veis de
energia rotacional, a paridade de cada nı́vel e as possı́veis transições entre estes. A freqüência
ν e o comprimento de onda ν̃ = ν/c = 1/λ dos fotons absorvidos ou emitidos pela rotação de
uma molécula diatômica são dados por
∆Er
ν= = 2Bc(l + 1) e ν̃ = 2B(l + 1).
h
Portanto, o espectro rotacional de uma molécula diatômica consiste em uma série de linhas
igualmente espaçadas pela quantidade ∆ν̃ = 2B (cm−1 ). Esta caracterı́stica é claramente visı́vel
na figura III.26, que mostra o espectro de absorção da molécula de HCL. Medindo-se a separação
dos picos de absorção (∆ν̃), obtém-se B e, portanto, o momentum de inércia I da molécula.
Um espectro rotacional puro situa-se, geralmente, nas regiões de microondas ou infraver-
melho. Além disso, para que que a molécula possa emitir (ou absorver) fotons devido a sua
rotação, é necessário que ela possua um momentum de dipolo elétrico permanente (como o HCl
possui), pois o processo de emissão ou absorção de um fóton pela molécula ocorre através da
interação do dipolo elétrico desta com o campo eletromagnético da radiação. Como conseqüên-
cia, moléculas homonucleares em geral não apresentam espectros rotacionais, apenas moléculas
heteronucleares.
A equação (III.10) é válida somente para o caso de uma molécula rı́gida. Contudo, quando
a energia rotacional aumenta, ocorre um aumento na separação internuclear, devido ao efeito
centrı́fugo. Isto resulta no aumento do momentum de inércia, demandando uma correção a
(III.10).
∆v = ±1.
Uma vez que a única transição permitida ocorre entre nı́veis vizinhos, a única freqüência de
fóton absorvida ou emitida é igual a freqüência natural de vibração ν0 = ω0 /2π. As duas últimas
colunas da tabela III.3 mostram os valores de ~ω0 e ν̃0 = ν0 /c para os estados vibracionais de
algumas moléculas diatômicas. Em geral, a freqüência destes fotons situa-se na região do
infravermelho. Além disto, como no caso do espectro rotacional, para que a molécula possa
interagir com o campo eletromagnético, emitindo ou absorverdo um foton, é necessário que ela
possua um momentum de dipolo elétrico permanente. Portanto, moléculas homonucleares em
geral não apresentam um espectro vibracional.
Combinando os nı́veis de energia rotacional e vibracional, dados pelas equações (III.10) e
(III.11), obtém-se que a energia total é dada pela expressão
1 ~2
E = E v + Er = v+ ~ω0 + l(l + 1).
2 2I
então que para cada nı́vel vibracional correspondem vários nı́veis rotacionais. Esta caracterı́stica
também é ilustrada na figura III.28. Combinando-se as regras de seleção ∆l = ±1 e ∆v = ±1,
obtém-se o espectro vibracional-rotacional surge. Este consistem em linhas de emissão ou
absorção cujas freqüências são dadas por
onde l refere-se ao nı́vel rotacional mais baixo. Esta relação indica que o espectro distribui-se
tanto acima quanto abaixo de ν̃0 , com espaçamento constante 2B. A figura III.29 ilustra as
possı́veis transições rotacionais para a transição vibracional v = 1 → v = 0. As linhas com
∆l = +1 são denominadas ramo R do espectro, enquanto que as linhas com ∆l = −1 são
denominadas ramo P do espectro. A linha com freqüência ν0 não é emitida, porque seria
necessário haver uma transição com ∆l = 0, a qual é proibida. Na figura III.30 pode-se ver o
espectro vibracional-rotacional de absorção da molécula de HCl. Devido ao fato de que tanto
ν0 quanto I dependem da massa da molécula, o espectros emitidos por moléculas de diferentes
isótopos, tais como H35 Cl e H37 Cl estão ligeiramente deslocados, o que pode ser discernido na
figura III.30.
Finalmente, quando a molécula é poliatômica, ela possui um número maior de graus de
liberdade que uma molécula diatômica, a qual possui somente um grau de liberdade. Neste
caso, existe um número maior que um de modos normais de vibração, os quais são vibrações
nas quais todos os núcleos vibram com relações de fase constantes. Para cada modo normal
corresponde um valor diferente de freqüência de vibração. A figura III.31 mostra alguns modos
normais para as moléculas de CO2 e H2 O.