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Capı́tulo III

Fı́sica Molecular

III.1 Introdução
Uma questão importante relacionada à estrutura da matéria é a formação, estabilidade e
propriedades fı́sicas das moléculas. Neste capı́tulo, estas questões serão abordadas sob o ponto
de vista da Mecânica Quântica de uma forma semiquantitativa. De acordo com a Mecânica
Quântica, uma molécula consiste em um grupo de núcleos rodeados por eletrons de um forma tal
que uma configuração estável é possı́vel. Além disto, o formalismo habilita a compreensão e uma
descrição unificada dos processos fı́sicos que estão por trás dos diversos tipos, aparentemente
distintos, de ligações quı́micas, tais como as ligações covalentes e iônicas.

III.2 A Molécula Iônica de Hidrogênio


A molécula mais simples possı́vel é aquela formada por dois protons e um elétron, denomi-
nada molécula iônica de Hidrogênio (H+
2 ). Na quı́mica, a formação desta molécula é representada
por H + H+ → H+ + +
2 , onde o ı́on H é apenas um próton. Ou seja, a molécula de H2 consiste
em uma estrutura estável formada quando um átomo neutro de Hidrogênio captura um próton,
sendo que, uma vez formada a molécula, não é mais possı́vel distingüir a qual próton o elétron
estava previamente ligado.
Para analisar o(s) possı́vel(eis) estado(s) ligado da molécula de H+
2 , deve-se introduzir o
seguinte potencial na Equação de Schroedinger:
 
e2 1 1 1
U =− + − , (III.1)
4π0 r1 r2 r

onde r1 é a distância do elétron ao próton 1, r2 é a distância do elétron ao próton 2 e r é


a distância entre os dois protons. Observa-se que o último termo em (III.1) consiste em um
potencial de repulsão, devido a interação eletrostática entre os protons. A figura III.1 ilustra a
variação da energia potencial dada por (III.1) ao longo da linha que une os dois protons. Se o

67
68 III.2. A Molécula Iônica de Hidrogênio

Figura III.1: Energia potencial da molécula


H+2 ao longo da linha que une os dois núcleos.

próton 1 for posicionado na origem do sistema de coordenadas, então temos r 2 = r 1 − r.


A solução da Equação de Schroedinger usando o potencial (III.1) é bastante complexa.
Portanto, será utilizado um método aproximado denominado Combinação Linear de Orbitais
Atômicos. Consideram-se, inicialmente, os dois núcleos separados por uma distância muito
grande, de tal forma que o elétron encontra-se ligado a somente um destes, formando um
átomo de Hidrogênio neutro no estado fundamental. Esta situação está representada na figura
III.2(a), onde ψ1 = ψ1 (r1 ) descreve o orbital molecular de H+ 2 . Como os dois núcleos estão
muito distantes, ψ1 torna-se assimptoticamente igual à função de onda do orbital 1s. Como a
origem do elétron torna-se desconhecida após a formação da molécula, a mesma situação fı́sica
é ilustrada na figura III.2(b), onde o orbital molecular é descrito por ψ2 = ψ2 (r2 ).
À medida que a separação entre os núcleos diminui, a função de onda do elétron é perturbada
pela aproximação do outro próton, o qual tenta atraı́-lo. Surge então uma competição entre
os dois protons, de forma que uma configuração estável é alcançada se o elétron possuir uma
probabilidade alta de ser encontrado entre os dois protons, mantendo-os próximos entre si
devido à atração eletrostática destes com o elétron. Como neste caso a distância entre o elétron
e cada um dos protons é menor que a distância entre ambos, a força atrativa sobrepõe a repulsão
coulombiana entre os protons. Ou seja, espera-se que a função de onda molecular tenha a forma
ilustrada na figura III.2(c). Como pode-se ver na figura III.1, a energia potencial é simétrica em
relação ao ponto médio entre os núcleos. Portanto, a função de onda molecular deve apresentar
a mesma simetria.
Por outro lado, se o elétron possuir uma probabilidade de ser encontrado no lado oposto de
um dado próton igual à probabilidade de ser encontrado entre os dois, não será possı́vel obter-
se um estado ligado, como está ilustrado na figura III.2(d). Neste caso, a molécula não será
formada e os dois protons irão separar-se, sendo o elétron aprisionado por um destes. Quando o
elétron resulta capturado pelo próton originalmente solitário, ocorre a denominada colisão com
troca de carga (charge-exchange collision).
A formação do orbital molecular será descrita de forma perturbativa ao se considerar que

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Capı́tulo III. Fı́sica Molecular 69

Figura III.2: Orbitais moleculares par (even) ou ı́mpar (odd) da molécula H +


2.

este pode ser dado, aproximadamente, por combinações lineares dos orbitais atômicos ψ 1 e ψ2 ,

ψeven = ψ1 + ψ2 (III.2.a)
ψodd = ψ1 − ψ2 . (III.2.b)

Neste procedimento, despreza-se a distorção introduzida no orbital molecular pelo termo de


repulsão coulombiana entre os protons em (III.1). Entretanto, o seu efeito no cálculo do valor
aproximado da energia total do estado ligado continua sendo considerado.

Ao se calcular o valor esperado da energia total da molécula por este método aproximado,
deve-se resolver a expressão
R ∗
ψ (r1 , r2 )Hψ(r1 , r2 ) d3 r1
E= R ∗ , (III.3)
ψ (r1 , r2 )ψ(r1 , r2 ) d3 r1

onde H é o hamiltoneano associado à molécula, obtido a partir de (III.1)


 
~2  e2 1 1 1
H=− ∇21 + ∇22 − + − .
2me 4π0 r1 r2 r
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70 III.3. Orbitais Moleculares de Moléculas Diatômicas

Resultando, portanto,
e2 1 A ± B
E = E1s + − , (III.4)
4π0 r 1±S
onde
Z Z
e2 |ψ1 |2 3 e2 |ψ2 |2 3
A= d r1 = d r1
4π0 r2 4π0 r1
Z ∗ Z
e2 ψ1 ψ2 3 e2 ψ1 ψ2∗ 3
B= d r1 = d r1
4π0 r1 4π0 r2

e Z Z
3
S= ψ1∗ ψ2 d r1 = ψ1 ψ2∗ d3 r1

é denominada de integral de sobreposição (overlap integral). Em (III.4) pode-se ver que E < 0
(estado ligado) somente se B e S forem substancialmente grandes, ou seja, se houver uma
sobreposição apreciável dos orbitais atômicos ψ1 e ψ2 . Em caso contrário, se B ≈ S ≈ 0, então
(III.4) reduz-se a E ≈ E1s + e2 /4π0 r − A, o qual é sempre positivo.
Os estados correspondendo aos orbitais moleculares ψeven e ψodd são designados, respectiva-
mente, por σg 1s e σu 1s. A figura III.3 ilustra a forma das densidades de probabilidades de cada
orbital. O orbital descrito por ψeven resulta em uma molécula estável, ao passo que o estado
descrito por ψodd não corresponde a uma molécula.
Já a figura III.4 mostra os gráficos da energia para σg 1s (+) e σu 1s (−). A curva para σg 1s
possui um mı́nimo no ponto r0 , correspondendo à separação de equilı́brio dos dois protons que
produz uma configuração estável para H+
2 . Neste ponto, r0 = 1, 06Å e a energia do sistema
é igual a E = −2, 648eV, correspondendo à energia de dissociação da molécula, isto é, ao
trabalho necessário para deslocar o sistema H e H+ a uma distância infinita. A função de onda
ψeven é também denominada de função de onda ligante. Por outro lado, a curva para σu 1s não
apresenta ponto de mı́nimo, o que indica que não existe configuração estável para a molécula
neste estado. A função ψodd é também denominada de função de onda anti-ligante. Funções
anti-ligantes são indicadas por um asterisco; este estado possui então a seguinte notação: σ u∗ 1s.

III.3 Orbitais Moleculares de Moléculas Diatômicas


Serão consideradas agora moléculas formadas por apenas dois núcleos, sendo que estes nú-
cleos podem têr ou não a mesma massa atômica. O exemplo mais simples de uma molécula
deste tipo é a molécula de Hidrogênio, H2 , a qual possui dois eletrons. A diferença para estas
moléculas em relação a H+
2 é que agora o Princı́pio da Exclusão deve ser levado em conta para
os eletrons.
Inicialmente será discutido o movimento orbital destes eletrons. Embora o vetor momentum
angular orbital L de cada eletron não permaneça constante à medida que este se move sob
a influência dos dois núcleos, a componente de L ao longo do eixo que une estes núcleos

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Figura III.3: Densidades de probabilidade para os orbitais moleculares ψ even e ψodd de H+ 2 . (a) Distri-
buição ao longo da linha que conecta os dois protons. (b) e (c) Distribuição no plano que contém os
dois protons.

Figura III.4: Energia potencial em função da


distância internuclear r para a molécula de
H+2 , mostrando as funções ligante (σ g 1s) e
anti-ligante (σu∗ 1s).

(designado eixo z) é constante, pois o torque que atua sobre o elétron está sempre dirigido
na direção perpendicular a ao eixo z. O valor de Lz , portanto, é sempre dado por Lz = ml ~,
onde ml = 0, ±1, ±2, · · · . O sinal de ml designa o sentido de rotação de L; contudo, neste caso
somente o módulo (λ = |ml |) é relevante. Introduz-se, então, a seguinte notação:

ml : 0 ±1 ±2 ±3 · · ·
λ : 0 1 2 3 ···
Sı́mbolo: σ π δ φ··· .

Portanto, exceto para os estados s, todos os outros estados de momenta angulares são dupla-
mente degenerados. Adicionalmente, para cada valor de ml , há sempre 2 valores de ms que
os eletrons podem assumir; em conseqüência, os estados s podem acomodar até dois eletrons,
enquanto que os demais (π, δ, φ, . . .) acomodam até quatro eletrons.

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72 III.4. Configuração Eletrônica de Moléculas Diatômicas

Para os estados de orbitais moleculares de cada eletron será empregada a notação λnl, ou
seja, σnl, πnl, etc, onde nl indica os orbitais atômicos a partir dos quais o respectivo orbital
molecular foi formado por meio de combinações lineares. Cada um dos diferentes estados orbitais
moleculares corresponde a uma energia diferente.
Quando a molécula é composta por núcleos com a
mesma massa e número atômicos, esta é denominada
homonuclear. Este tipo de molécula possui um cen-
tro de simetria O, em torno do qual a distribuição de
probabilidade de um elétron é simétrica e a respectiva
função de onda pode ser construı́da a partir de uma
combinação linear par ou ı́mpar, como foi realizado em
(III.2). Estados de momenta angulares descritos por
funções de onda pares são denominados estados g, ao
passo que aqueles estados descritos por funções ı́mpa-
res são denominados estados u (do alemão gerade, ou
par, e ungerade, ou ı́mpar, respectivamente). Para mo-
léculas homonucleares existem, portanto, estados σg ,
Figura III.5: Momentum angular orbital
σu , πg , πu , etc, com ou sem asterisco, se o estado é ou
de um elétron em uma molécula diatô-
não ligado, respectivamente.
mica.
A figura III.6 mostra a formação de alguns orbitais
moleculares, ligados ou não ligados, a partir de combinações lineares dos orbitais atômicos de
dois átomos previamente separados por uma distância considerável. Pode-se observar que o
orbital molecular πu np, resultante da combinação ı́mpar de dois orbitais px ou py , resulta em
um estado ligado, ao passo que o orbital πg∗ np resulta em um estado não ligado.

III.4 Configuração Eletrônica de Moléculas Diatômicas

III.4.1 Moléculas homonucleares


A molécula homonuclear diatômica mais simples é
a molécula de Hidrogênio (H2 ), composta por dois ele-
trons e dois protons. A figura III.7 ilustra o sistema
fı́sico em consideração. A energia potencial total neste
sistema é dada por
 
e2 1 1 1 1 1 1
U =− + 0 + + 0 − − ,
4π0 r1 r1 r2 r2 r r12
Figura III.7: A molécula de H2 . a qual não permite uma solução analı́tica para a Equa-
ção de Schroedinger. Entretanto, as configurações orbitais possı́veis podem ser compreendidas

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Figura III.6: Orbitais moleculares de moléculas diatômicas homonucleares.

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74 III.4. Configuração Eletrônica de Moléculas Diatômicas

a partir da análise da molécula de H+


2 . Para esta molécula, a configuração eletrônica do estado
fundamental é σg 1s. Como o orbital σ pode ser populado por até dois eletrons, desde que eles
estejam em diferentes estados de spin, a configuração do estado fundamental de H2 será (σg 1s)2 .
Ambos os eletrons estão em um estado ligado que resulta em uma molécula estável.
A energia molecular total para esta molécula, em função da distância internuclear r está
ilustrada na figura III.8. A separação de equilı́brio dos núcleos é 0, 74Å e a energia de dissoci-
ação é 4, 476eV. Se ambos os eletrons possuirem o mesmo spin, a configuração resultante será
(σg 1s)(σu∗ 1s) e o sistema resultante é instável. Esta situação também está ilustrada na figura
III.8. A curva superior mostra que a energia molecular não apresenta um ponto de equilı́brio.

Figura III.8: Energia da molécula de H 2 em


função da distância intermolecular para os es-
tados ligado e anti-ligado.

Em seguida, considera-se o estado fundamental da molécula de He +


2 , a qual possui três
eletrons. Destes, dois estão no estado ligante (σg 1s)2 e o terceiro estará no estado anti-ligante
σu∗ 1s, resultando a configuração (σg 1s)2 σu∗ 1s. Como há um número maior de eletrons em um
estado ligante, a molécula resultante é estável, com uma energia de dissociação de 2, 5eV. Já
a molécula de He2 tem como configuração fundamental (σg 1s)2 (σu∗ 1s)2 . Ou seja, há o mesmo
número de eletrons em um estado anti-ligante que no estado ligante. A molécula resultante não
é estável, explicando porque o Hélio é um gás mononuclear. Contudo, um estado excitado de
He2 é possı́vel, onde um dos eletrons transiciona para o estado σg 2s, resultando a configuração
(σg 1s)2 σu∗ 1s σg 2s.
A tabela III.1 mostra as configurações eletrônicas de moléculas homonucleares até a molécula
+
de Ne2 . Nesta pode-se ver que as moléculas H+ 2 , H2 , He2 , Li2 , B2 , C2 , N2 , O2 e F2 são estáveis,
enquanto que He2 , Be2 e Ne2 são instáveis. Em geral, a estabilidade de uma molécula depende
do número relativo de pares de eletrons nos estados ligantes ou anti-ligantes. Pode-se quantificar
esta tendência definindo-se o parâmetro de ordem de ligação.

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Capı́tulo III. Fı́sica Molecular 75

Tabela III.1: Configurações eletrônicas de moléculas diatômicas homonucleares.

Energia Distância
Mol. Configuração diss. (eV) ligação ( Å)
σg 1s σu∗ 1s σg 2s σu∗ 2s πu 2p σg 2p πg∗ 2p σu∗ 2p
H+
2 ↑ 2,65 1,06
H2 ↑↓ 4,48 0,74
He+2 ↑↓ ↑ 3,10 1,08
He2 ↑↓ ↑↓ Instável
Li2 ↑↓ ↑↓ ↑↓ 1,03 2,67
Be2 ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↓ Instável
B2 ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↑ 3,60 1,59
C2 ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↑↓↓ 3,60 1,31
N2 ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↑↓↓ ↑↓ 7,37 1,09
O2 ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↑↓↓ ↑↓ ↑↑ 5,08 1,21
F2 ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↑↓↓ ↑↓ ↑↑↓↓ 2,80 1,44
Ne2 ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↓ ↑↑↓↓ ↑↓ ↑↑↓↓ ↑↓ Instável

Ordem de ligação. Uma medida da ligação lı́quida em uma molécula diatômica é obtida a
partir da definição:
1
b = (n − n∗ ),
2
onde b é a ordem de ligação, n é o número de eletrons em orbitais ligantes e n∗ o número
de eletrons em orbitais não-ligantes. Desta forma, temos que para a molécula de H 2 , b = 1,
correspondente à sua unica ligação quı́mica H − H; ao passo que para a molécula de O 2 , b = 2,
correspondendo à ligação dupla O = O. Já para a molécula de He2 , terı́amos b = 0, o que indica
que esta molécula não é formada.
Em geral, quanto maior o valor da ordem de ligação de uma dada molécula diatômica, menor
é o seu comprimento de ligação (r0 ) e maior é a sua energia de dissocição (De ).

III.4.2 Moléculas heteronucleares


Estas ocorrem quando os núcleos dos átomos que compõe a molécula são distintos, como
por exemplo as moléculas de HCl, CO ou NaCl. Nestas moléculas, a interação coulombiana
de cada núcleo com os eletrons é diferente e as moléculas não mais possuem um centro de
simetria. Portanto, embora os estados eletrônicos ainda sejam designados por σ, π, δ, etc,
eles não são mais classificados como pares (g) ou ı́mpares (u). Em geral, somente os eletrons
na última subcamada parcialmente preenchida são considerados, quando se está discutindo
moléculas heteronucleares.
Tomando como exemplo a molécula de NaCl, o problema consistem em descrever o movi-
mento dos 11 eletrons oriundos do átomo de Sódio e dos 17 eletrons oriundos do átomo de Cloro
sob a ação do campo elétrico produzido pelos respectivos núcleos. Para simplificar a discussão,

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76 III.4. Configuração Eletrônica de Moléculas Diatômicas

considera-se que os eletrons que compõe:

1. as camadas internas totalmente preenchidas;

2. a subcamada externa, porém cujos spins são pareados,

não afetam a ligação quı́mica entre os núcleos. Restam, então, somente dois eletrons não
pareados, o elétron da subcamada 3s no átomo de Na e um elétron 3p do Cl. Como no caso
das moléculas homonucleares, pode-se supor que uma configuração estável somente é possı́vel
quando os dois eletrons têm uma probabilidade alta de ser encontrados no espaço entre os
núcleos. Contudo, como os números atômicos dos núcleos são distintos, a distribuição de carga
eletrônica não é simétrica. No caso da molécula de NaCl, esta encontra-se deslocada em sentido
ao núcleo do Cl, uma vez que este possui uma carga positiva maior que o núcleo de Na. Em
conseqüência, resulta uma molécula com um momentum de dipolo elétrico lı́quido, cujo valor,
para a molécula de NaCl na fase gasosa é 3, 0 × 10−29 C.m, para uma distância de separação
internuclear de 2, 51Å. Se o elétron 3s do Na fosse completamente transferido ao Cl, a molécula
de NaCl seria um dipolo elétrico de carga 1e = 1, 6 × 10−19 C; um dipolo elétrico com esta carga
e com uma separação d = 2, 51Å possui um momentum de dipolo p = 4, 0 × 10−29 C.m. Conclui-
se, portanto, que cerca de 75% da distribuição eletrônica do elétron de valência 3s do Na está
deslocada em sentido à distribuição eletrônica do Cl. Pode-se considerar, então, esta molécula
como sendo composta por dois ions mantidos ligados pela interação coulombiana. Usualmente,
escreve-se este tipo de molécula iônica como Na+ Cl− .
Este tipo de ligação molecular é chamada de ligação iônica (ou ligação polar), ao passo que a
ligação molecular resultante em uma molécula homonuclear é denominada de ligação covalente.
Entretanto, a natureza fı́sica de ambas as ligações é, em última instância, a mesma, ou seja,
tratam-se de estados ligados resultantes de determinadas configurações de cargas positivas e
negativas interagindo mutuamente por meio da interação coulombiana.
A figura III.9 mostra as curvas de energia para o sistema Sódio-Cloro, na fase gasosa, em
função da separação internuclear. Os átomos neutros de Na e Cl são supostos inicialmente
estando a uma grande distância entre si. A energia deste sistema Na + Cl é suposta nula. A
energia necessária para remover o elétron 3s do átomo de Na é de cerca de 5,14eV (ver figura
II.11), ao passo que o átomo de Cl ao capturar um elétron e completar a sua última subcamada
eletrônica torna-se mais estável, sendo a sua energia cerca de 3,72eV menor que no átomo
neutro.1 Portanto, a energia do sistema Na+ + Cl− quando os átomos encontram-se a uma
grande distância é, aproximadamente, 5, 14eV − 3, 72eV = 1, 42eV. A energia deste sistema
está representada na curva superior da figura III.9 para r → ∞. À medida que a distância
internuclear diminui, a interação entre as distribuições eletrônicas dos eletrons de valência de
ambos os átomo começa a se tornar importante. A uma separação r ≈ 12, 5 Å, a transferência
de carga do Na para o Cl é iniciada, resultando que para distâncias menores a energia potencial
1
Esta propriedade é denominada afinidade eletrônica.

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Capı́tulo III. Fı́sica Molecular 77

Figura III.9: Curvas de energia para


as moléculas NaCl e Na + Cl− .

do sistema Na+ + Cl− torna-se continuamente mais negativa. Contudo, a distâncias muito
pequenas, a sobreposição das coroas eletrônicas de ambos os ions torna-se grande, acarretando
em dois efeitos que contribuem para o aumento da energia potencial do sistema:

1. Os núcleos tornam-se menos blindados, repelindo-se, juntamente com a repulsão entre as


camadas internas fechadas de ambos os ions.

2. A presença de um número grande de eletrons em um espaço pequeno torna importante


o efeito das forças de troca, pois os eletrons tenderão a se parear com spins opostos,
diminuindo a distância média entre eles e, em conseqüência, aumentando a energia total
do sistema.

Portanto, para distâncias abaixo de um ponto de equilı́brio a energia do sistema aumenta


rapidamente. Este comportamento também pode ser visto na figura III.9. A configuração de
menor energia ocorre para uma distância de 2, 51Å.

Energia das ligações polares. A função de onda de uma molécula heteronuclear não pode
ser escrita como uma combinação linear como (III.2.a,b). Ao invés disto, ela deve ser escrita
como
ψ = c A ψA + c B ψB , (III.5)

onde ψA e ψB são as funções de onda atômicas, calculadas em relação a cada núcleo, ao passo
que os coeficientes cA e cB indicam a contribuição de cada ion na ligação; isto é, |cA |2 é a fração

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78 III.4. Configuração Eletrônica de Moléculas Diatômicas

com que o orbital ψA contribui para a ligação, enquanto que |cB |2 indica a fração do orbital
ψB . Estes coeficientes devem ser determinados empiricamente ou calculados a partir de algum
método de perturbação. Para a maior parte das moléculas heteronucleares, o resultado situa-se
entre uma ligação puramente covalente ou puramente iônica, ou seja, cA 6= cB , enquanto que
para uma molécula homonuclear, cA = cB . Quando maior for o caráter iônico da ligação, maior
será o momentum de dipolo elétrico da molécula. A tabela III.2 mostra esta situação para
algumas moléculas.

Tabela III.2: Energias de dissociação (D), comprimentos de ligação (r 0 ) e momenta de dipolo elétrico
(p) para algumas moléculas diatômicas.

Covalente Iônica
Molécula D (eV) r0 (Å) p (D) Molécula D (eV) r0 (Å) p (D)
H2 4,48 0,74 0 NaCl 3,58 2,51 8,50
Li2 1,03 2,67 0 HCl 4,43 1,27 1,07
O2 5,08 1,21 0 LiH 2,50 1,60 5,88
N2 7,37 1,09 0 KBr 3,96 2,94 1,29
Cl2 2,47 1,99 0 KF 5,90 2,55 8,60
HI 3,06 1,61 0,38 CsCl 3,76 3,06 9,97
CO 11,11 1,13 0,12 KCl 4,92 2,79 8,00
NO 5,30 1,15 0,15 KI 3,00 3,23 9,24

Uma aproximação para o cálculo dos coeficientes cA e cB , bem como para os autovalores de
energia nos nı́veis moleculares, é fornecida através da aplicação do Princı́pio Variacional:

Se uma função de onda arbitrária é usada no cálculo dos autovalores de energia, a


melhor aproximação que esta função de onda fornece é aquela na qual os autovalores
assumem o menor valor possı́vel, porém nunca abaixo dos valores reais da energia.

a função de onda empregada será mais realı́stica quanto maior for o número de vetores de
base (ou seja, autofunções atômicas) empregados na sua definição. Para diferentes combinações
lineares dos vetores de base, serão obtides diferentes valores para a energia; porém, o melhor
conjunto de autovalores para um determinado conjunto de vetores de base será aquele obtido a
partir da aplicação do princı́pio variacional.
Deseja-se, então, empregar o princı́pio variacional para minimizar o valor de E, calculado a
partir da equação R ∗
ψ Hψdτ
E= R ∗ , (III.6)
ψ ψdτ
onde será empregada a função de onda expressa em (III.5). O denominador da expressão acima
reflete o fato que a função de onda (III.5) não está normalizada. A aplicação do princı́pio
variacional a E implica em determinar os valores de cA e cB tais que

∂E ∂E
=0e = 0.
∂cA ∂cB
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Capı́tulo III. Fı́sica Molecular 79

Ao se proceder desta forma, obtém-se as seguintes equações seculares:

(αA − E)cA + (β − ES)cB = 0


(β − ES)cA + (αB − E)cB = 0, (III.7)

onde Z Z
S= ψA∗ ψB dτ = ψA ψB∗ dτ

é a integral de sobreposição e
Z Z Z Z
αA = ψA∗ HψA dτ, αB = ψB∗ HψB dτ β= ψA∗ HψB dτ = ψB∗ HψA dτ,

sendo αA e αB denominadas integrais de Coulomb e β denominada integral de ressonância.


As integrais de Coulomb não são outra coisa senão as energias dos orbitais atômicos ψ A e ψB ,
respectivamente, uma vez que estas autofunções são normalizadas.
Para que a solução de (III.7) não seja trivial, é necessário que os autovalores da energia (E)
satisfaçam o determinante secular:

α − E β − ES   2
A
= 0 =⇒ αA − E αB − E − β − ES = 0.
β − ES αB − E

Resultando,
q
1
−βS + (αA + αB ) ±
2
1
4
(αA + αB − 2βS)2 − (1 − S 2 ) (αA αB − β 2 )
E= . (III.8)
1 − S2

A partir de (III.8), temos a seguinte relação entre cA e cB :

ES − β αB − E
cA = , cB = cB ,
αA − E ES − β

o que nos permite escrever, por exemplo,


 
cB
ψ = cA ψA + ψB ,
cA

sendo o coeficiente cA finalmente determinado a partir da condição de normalização de ψ:


Z
ψ ∗ ψdτ = |cA |2 + |cB |2 + 2Re (c∗A cB ) S = 1.

Dois casos particulares. Vamos considerar duas possibilidades:

Molécula homonuclear. Neste caso, obviamente αA = αB = α, resultando para o determi-

Autor: Rudi Gaelzer – IFM/UFPel ao: 16 de julho de 2004


Vers~
80 III.4. Configuração Eletrônica de Moléculas Diatômicas

nante secular
2 2   
α−E − β − ES = 0 =⇒ α − E − β + ES α − E + β − ES = 0

α±β
=⇒ E = ,
1±S
Ao passo que
(α ± β)S − β(1 ± S)
cA = cB = ±cB
(1 ± S)α − (α ± β)
e então
1
2 |cA |2 ± 2 |cA |2 S = 1 ⇐⇒ |cA |2 = ,
2(1 ± S)
o que nos permite escrever, portanto, as autofunções dos orbitais simétricos e anti-
simétricos e os respectivos autovalores de energia:
  21
1 α+β
ψ+ = (ψA + ψB ); E+ =
2(1 + S) 1+S
  21
1 α−β
ψ− = (ψA − ψB ); E− = .
2(1 − S) 1−S

Orbitais não sobrepostos. Se a superposição entre os orbitais A e B puder ser desprezada,


então S ≈ 0 e o determinante secular se torna
   
αA − E αB − E − β 2 = 0 =⇒ αA − E αB − E − β 2 = 0
s
1 1 4β 2
E = (αA + αB ) ± (αA − αB ) 1+ .
2 2 (αA − αB )2
Chamando
s
2β 4β 2 2β
tan 2ζ = =⇒ 1+ 2 = 1+ tan ζ, (III.9)
αA − α B (αA − αB ) αA − α B

resultando
  (
1 1 E + = αA + β tan ζ
E = (αA + αB ) ± (αA − αB ) + β tan ζ ⇒ ,
2 2 E − = αB − β tan ζ
(
cot ζ
cA = c B ,
− tan ζ
enquanto que cA é determinado pela condição de normalização,

E = E + ⇒ cA = cos ζ; cB = sen ζ

Autor: Rudi Gaelzer – IFM/UFPel ao: 16 de julho de 2004


Vers~
Capı́tulo III. Fı́sica Molecular 81

E = E − ⇒ cA = sen ζ; cB = − cos ζ.

Portanto,

E = E + ⇒ ψ+ = cos ζψA + sen ζψB


E = E − ⇒ ψ− = sen ζψA − cos ζψB .

A relação (III.9) mostra que se a diferença energética entre dois orbitais atômicos é grande,
resulta |αA − αB | → ∞ ⇒ ζ → 0, de onde resulta tan ζ ' sen ζ → 0; cos ζ → 1. Como
conseqüência, neste caso resulta E + → αA , ψ+ → ψA e E − → αB , ψ− → −ψB . Ou seja, se
a sobreposição dos orbitais atômicos dos diferentes átomos for negligı́vel, o que ocorre de
forma concomitante com uma grande diferença entre a energia dos respectivos orbitais, os
orbitais moleculares reduzem-se, assintoticamente, aos orbitais atômicos originais. Esta
é a justificativa a posteriori para a aproximação feita no tratamento de moléculas hete-
ronucleares de se considerar somente os orbitais atômicos dos eletrons desemparelhados,
pois estes serão os orbitais com as maiores superposições.

III.5 Moléculas Poliatômicas


Para o caso de moléculas com mais de dois átomos, um elemento novo importante deve ser
considerado: o arranjo geométrico dos eletrons e dos núcleos. Em outras palavras, a simetria
molecular. Da mesma forma como acontece com moléculas diatômicas, uma ligação entre dife-
rentes átomos é favorecida quando as coroas eletrônicas destes possuem a maior sobreposição,
anunciado no Princı́pio de Máxima Sobreposição:

Uma ligação entre dois átomos ocorre ao longo da direção na qual as respectivas
funções de onda atômicas que dão origem a um orbital molecular estão concentradas
ou se sobrepõe; a intensidade da ligação depende on grau de superposição das funções
de onda atômicas.

O Princı́pio de Máxima Sobreposição é bastante útil para se determinar a geometria da molécula.


Considera-se, por exemplo, a molécula de água (H2 O), a qual contém 10 eletrons e 3 núcleos.
Para o caso do Oxigênio, os únicos eletrons que irão participar da ligação são os dois eletrons
sem pares da subcamada 2p. No estado fundamental, estes eletrons deverão ter spins paralelos
e diferentes valores de ml . Sem perda de generalidade, pode-se supor que estes eletrons estejam
preenchendo parcialmente os orbitais px e py . Quando os eletrons dos dois átomos de Hidrogênio
ligam-se a estes orbitais, conclui-se, pelo Princı́pio de Máxima Superposição, que os núcleos de
H deverão estar sobre os eixos x e y, como está ilustrado na figura III.10. Nesta, nota-se que
a forma dos orbitais p do O, após a ligação, apresenta uma assimetria em relação ao núcleo,
devido a presença da ligação quı́mica. Outras caracterı́sticas deste átomo são que o ângulo

Autor: Rudi Gaelzer – IFM/UFPel ao: 16 de julho de 2004


Vers~
82 III.5. Moléculas Poliatômicas

Figura III.10: Distribuição eletrônica da molé- Figura III.11: Distribuição eletrônica da molé-
cula de H2 O. cula de NH3 .

entre os orbitais moleculares não é igual a 90◦ , mas sim a 104, 5◦ , devido à repulsão entre os
núcleos dos dois átomos de H. A outra caracterı́stica é que cada ligação quı́mica apresenta um
momentum dipolo elétrico igual a 6, 2 × 10−30 C.m. Como a forma da molécula de H2 O não é
linear, resulta que esta molécula possui um momentum de dipolo elétrico lı́quido.
Outro exemplo é a molécula de amônia (NH3 ). O átomo de Nitrogênio possui três eletrons
sem pares na subcamada 2p. Novamente, sem perda de generalidade, pode-se denominar estes
orbitais de px , py e pz . Quando cada eletron combinar-se com o elétron de um dos três átomos
de Hidrogênio, ocorrerá o mesmo tipo de distorção na geometria dos orbitais moleculares que
ocorre na molécula de água. Em conseqüência, os orbitais, em vez de terem uma separação
mútua de 90◦ , estarão separados por 107, 3◦ e a molécula tem um aspecto piramidal. A figura
III.11 ilustra a forma da molécula de amônia. O momentum de dipolo elétrico resultante é igual
a 5, 0 × 10−30 C.m, direcionado ao longo do eixo da pirâmide.
O átomo de maior importância para a origem da vida é o átomo de Carbono ( 6 C). Na sua
configuração de mais baixa energia, 6 C : 1s2 2s2 2p2 , este possui apenas dois eletrons sem pares
na subcamada 2p; as subcamadas mais internas consistem em orbitais atômicos s completos.
Um dos primeiros estados excitados do C ocorre na configuração 1s2 2s1 2p3 . Neste estado, o C
possui quatro eletrons de valência, pois o orbital 2s também terá a possibilidade de realizar uma
ligação quı́mica. É com esta configuração que um átomo de C pode se ligar com outros átomos,
idênticos ou não, formando moléculas compostas por cadeias extremamente longas, com um
número grande de átomos. Estas moléculas complexas formam a base da Quı́mica Orgânica e
da Bioquı́mica e são responsáveis pela existência de vida na Terra. A figura III.12 mostra os
nı́veis de energia do C. Nesta figura, observa-se que a diferença energética entre o nı́vel mais
próximo do estado fundamental do C (estado 3 P1 ) e o estado excitado em questão (estado 5 S2 )
é de ≈ 4eV. Esta transição pode ser provocada por um fóton de freqüência ν ≈ 9, 5 × 1014 Hz,

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Vers~
Capı́tulo III. Fı́sica Molecular 83

Figura III.12: Nı́veis de energia do átomo de Carbono.

o qual está próximo do espectro da radiação ultravioleta emitida pelo Sol. Portanto, durante
toda a história da evolução da vida na Terra, sempre houve um suprimento abundante de fotons
capazes de levar o C a este nı́vel de energia.

O mecanismo através do qual o Carbono tetravalente torna-se capaz de realizar uma in-
finidade de ligações quı́micas denomina-se hibridização das funções de onda. O orbital s tem
simetria esférica; portanto, em princı́pio não haveria uma direção preferencial para que a ligação
ocorresse. Esta situação está representada na figura III.13(a). Este problema, entretanto, não
existe, pois a função de onda total dos eletrons de valência do C consiste em uma combinação
linear dos orbitais s, px , py e pz . Dentre as infinitas combinações possı́veis, as mais favoráveis
do ponto de vista energético são as denominadas hibridizações sp3 , sp2 e sp.

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Vers~
84 III.5. Moléculas Poliatômicas

III.5.1 Hibridização sp3


Neste caso, os quatro orbitais s, px , py e pz combinam-se formando quatro novas funções de
onda dadas por

1
ψ1 = (s + px + py + pz )
2
1
ψ2 = (s + px − py − pz )
2
1
ψ3 = (s − px + py − pz )
2
1
ψ4 = (s − px − py + pz ) ,
2

os quais estão representados na figura III.13(b). Os máximos destas distribuições apontam para
os vértices de um tetraedro, existindo um ângulo de 109, 5◦ entre cada orbital. As moléculas de
metano (CH4 ) e etano (C2 H6 ) (figura III.14) são dois exemplos onde esta hibridização ocorre
na natureza. Em particular no etano, o tipo de ligação que ocorre entre os orbitais hı́bridos sp 3
de dois átomos de carbono é denominado de ligação σ, devido a sua semelhança com os orbitais
σ de moléculas diatômicas.

III.5.2 Hibridização sp2


Neste caso, as funções s, px e py combinam-se para produzir três estados hı́bridos, orientados
sobre o plano x − y, com máximos apontando em direções que fazem ângulos de 120 ◦ entre si.
As autofunções da hibridização sp2 são:

1  √ 
ψ1 = √ s + 2px
3
r !
1 1 3
ψ2 = √ s − √ px + py
3 2 2
r !
1 1 3
ψ2 = √ s − √ px − py
3 2 2
ψ4 = p z .

Esta hibridização está representada na figura III.15.


Esta é a hibridização que explica moléculas orgânicas que contêm ligações duplas entre os
átomos de C, tais como o eteno (C2 H4 ) ou H2 C = CH2 , também chamado de etileno, visto na
figura III.16. A ligação dupla entre os átomos de Carbono resulta da sobreposição de uma das
funções de onda hı́bridas sp2 de cada C ao longo da linha que une um C ao outro. Ou seja,
uma ligação σ. A outra ligação resulta da superposição das funções de onda p z , denominada
de ligação π, devido a sua semelhança com os orbitais π das moléculas diatômicas. Os átomos
de Hidrogênio estão ligados ao orbitais sp2 restantes. Como conseqüência, a molécula de eteno

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Vers~
Capı́tulo III. Fı́sica Molecular 85

Figura III.13: Funções de onda resultantes da hibridização sp 3 .

Figura III.14: Orbitais moleculares hı́bridos sp 3 em (a) metano e (b) etano.

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Vers~
86 III.5. Moléculas Poliatômicas

Figura III.15: Funções de onda resultantes da hibridização sp 2 .

tem uma geometria planar.


A ligação σπ dupla possui uma certa rigidez, a qual dificulta a rotação de um átomo de C
em relação ao outro ao longo do eixo que une os núcleos. Esta rigidez não ocorria na molécula
de etano, devido à existência de uma única ligação σ.
Pode-se observar também que o grau de superposição da ligação π é menor que da ligação σ.
Portanto, as ligações π contribuem menos para a energia global da molécula que as outras. Por
exemplo, 6,33eV são necessários para quebrar uma ligação σ, mas apenas 3,98eV são necessários
para quebrar um ligação dupla σπ em uma única ligação σ.

III.5.3 Hibridização sp
O terceiro tipo de hibridização que com mais freqüência é encontrada na natureza é a
hibridização sp. Esta consiste simplesmente em duas combinações lineares entre os orbitais s e
pz , ou seja, os quatro orbitais atômicos da hibridização sp são:

ψ1 = s + p z
ψ2 = s − p z
ψ3 = p x
ψ4 = p y .

A figura III.17 mostra que o efeito das combinações entre os orbitais s e pz consiste em fornecer
um sentido preferencial a cada novo orbital sp.
Este tipo de hibridização explica a existência de moléculas orgânicas nas quais o Carbono

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Vers~
Capı́tulo III. Fı́sica Molecular 87

Figura III.16: Distribui-


ção eletrônica do eteno
a partir da hibridização
sp2 : (a) ligação σ, (b) li-
gação π.

realiza ligações triplas, tais como ocorre com a molécula de etino (ou acetileno) (C 2 H2 ) ou
HC ≡ CH. Esta molécula pode ser vista na figura III.18. Nesta, pode-se ver que a ligação tripla
entre os átomos de Carbono resulta da sobreposição de um orbital hı́brido sp oriundo de cada
átomo, resultando uma ligação σ, mais duas sobreposições dos orbitais px e py , resultando duas
ligações π. Os átomos de Hidrogênio estão ligados ao orbital sp restante em cada átomo de C.
Como conseqüência, o etino é uma molécula linear.

III.6 Moléculas Conjugadas


Trata-se de uma classe especial de moléculas, formadas por um número arbitrário de átomos
de Carbono que formam cadeias unidas por ligações σ ou σπ. Um exemplo desta classe de
moléculas é o buteno (ou butadieno) (C4 H6 ). Os átomos de Carbono ao longo da cadeia estão
unidos por ligações σ usando os orbitais hı́bridos sp2 , os quais também ligam os átomos de

Autor: Rudi Gaelzer – IFM/UFPel ao: 16 de julho de 2004


Vers~
88 III.6. Moléculas Conjugadas

Figura III.17: Funções de onda resultantes da hibridização sp.

Figura III.18: Distribuição


eletrônica do etino a partir da
hibridização sp. (a) Funções de
onda com átomos separados.
(b) Ligações σ e π.

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Vers~
Capı́tulo III. Fı́sica Molecular 89

Figura III.19: Distri-


buição eletrônica do bu-
teno. (a) Cadeia de áto-
mos de Carbono unidos
por ligações σ localizadas.
Os átomos de Hidrogênio
ligam-se à molécula atra-
vés dos orbitais sp2 . (b)
Ligações π delocalizadas.

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Vers~
90 III.6. Moléculas Conjugadas

Hidrogênio. Adicionalmente, há quatro eletrons pz que se juntam aos pares em ligações π,
também ao longo da cadeia dos Carbonos. Contudo, os dois pares de ligações π não estão
separados entre si; cada par liga-se ao outro, de modo a formar uma espécie de canal que
serve para deslocalizar os eletrons dos orbitais pz , possibilitando-os a se deslocar com relativa
liberdade ao longo da molécula. A figura III.19(a) mostra a cadeia de átomos de Carbono
unidos por ligações σ, ao passo que a figura III.19(b) mostra os dois pares de ligações π que se
juntam, criando um canal de deslocamento dos eletrons ao longo da cadeia da molécula.
A ocorrência dos orbitais π delocalizados
em moléculas conjugadas confere a elas certas
caracterı́sticas especiais. Estas moléculas po-
dem facilmente ser eletricamente polarizadas,
pois o canal π lhes confere liberdade para se
deslocar de uma extremidade da molécula a
outra. As ligações π também conferem uma
elevada rigidez elástica à estrutura molecu-
lar, forçando todos os núcleos a se localizarem
sobre o mesmo plano. Por fim, a existência
do canal π aumenta a estabilidade molecular,
uma vez que a energia associada aos eletrons
π do buteno é menor do que a energia de dois
pares de ligações π independentes.
Para se tentar compreender fisicamente a
ocorrência do canal π em moléculas conjuga-
das, utiliza-se novamente o método de combi-
Figura III.20: Possı́veis combinações lineares dos nação linear de orbitais atômicos. O gráfico
na parte mais inferior da figura III.20 repre-
orbitais atômicos pz que irão resultar nas ligações
π delocalizadas no átomo de buteno. senta os orbitais atômicos pz de quatro áto-
mos de Carbono quando estes encontram-se afastados. Quando os átomos se combinam, for-
mando a molécula, surgem quatro novos estados de energia, oriundos das possı́veis combinações
lineares dos orbitais atômicos. Devido à simetria da molécula, as novas funções de onda devem
ser ou simétricas ou anti-simétricas com respeito ao centro da molécula. Estas quatro funções
de onda moleculares para os eletrons π são denominadas ψ1 , ψ2 , ψ3 e ψ4 na figura III.20 e
cada uma corresponde a um diferente autovalor de energia. Como ocorre em diversos sistemas
quânticos, o autovalor de energia aumenta com o número de nodos da autofunção. Portanto, à
medida que os átomos se aproximam, a energia do sistema divide-se em quatro nı́veis próximos
entre si, ao invés de dois, como ocorre com moléculas diatômicas, tipo o H+
2 ou o H2 . Estas
quatro curvas de energia são mostradas na figura III.21 em função da distância internuclear.
Cada nı́vel de energia pode aceitar dois eletrons com spins opostos. Portanto, no estado
fundamental do buteno os quatro eletrons ocupam os estados correspondentes a ψ1 e ψ2 . Os

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Vers~
Capı́tulo III. Fı́sica Molecular 91

Figura III.21: Energia dos eletrons


π do buteno em função da distância
de separação internuclear.

Figura III.22: Distribui-


ção de probabilidade to-
tal dos eletrons π do bu-
teno.

dois nı́veis de energia superiores, correspondentes a ψ3 e ψ4 são vazios. A distribuição de


probabilidade resultante é mostrada na figura III.22. O orbital molecular ψ1 é do tipo ligante
para ambos os pares de eletrons, enquanto que o orbital ψ2 é ligante para os pares 1–2 e 3–4,
mas anti-ligante para o par 2–3. Por esta razão, a distribuição de probabilidade total apresenta
uma concavidade no centro da molécula. Isto significa que, embora qualquer elétron possa se
deslocar de um lado ao outro, a intensidade da ligação entre o par 2–3 de átomos de Carbono
é menor que dos outros dois pares. Experimentalmente, o distância internuclear do par 2–3 é
de 1, 46Å, ao passo que a distância dos pares 1–2 e 3–4 é de 1, 35Å. Cálculos mais detalhados
dos nı́veis de energia dos eletrons π do buteno (ver, por exemplo, Atkins, capı́tulo 14) mostram
que a energia de ligação do orbital molecular delocalizado é cerca de 0,4eV menor que de duas
ligações π isoladas, conferindo uma estabilidade maior à molécula. Esta diferença energética é
denominada energia de delocalização.
Esta discussão pode ser facilmente generalizada para incluir um polieno, ou molécula conjun-
gada consistindo em uma cadeia de 2n átomos de Carbono, representada, em notação quı́mica,
como · · · − C = C − C = C − C = · · · . Juntamente com as ligações σ entre pares de átomos de
Carbono adjacentes, há 2n eletrons π distribuı́dos ao longo da cadeia. Existem, portanto, 2n
nı́veis de energia ligeiramente espaçados, com capacidade para 4n eletrons. Em conseqüência,
quando estas moléculas estão no estado fundamental, somente a metade inferior dos nı́veis de
energia estão populados. Movimento eletrônico nestas moléculas pode ser excitado por uma

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Vers~
92 III.6. Moléculas Conjugadas

Figura III.23: Orbitais


moleculares do benzeno.
(a) Ligações σ localiza-
das, entre átomos de C e
H. (b) Ligações π deloca-
lizadas.

quantidade relativamente pequena de energia, porque os nı́veis estão próximos uns dos outros.
Esta propriedade é responsável pelo fato de que diversas moléculas conjugadas absorvem fotons
do espectro visı́vel, o que lhes confere cores caracterı́sticas.

Um outro exemplo importante de molécula conjugada é o benzeno (C6 H6 ), na qual os áto-


mos de Carbono ocupam os vértices de um hexágono regular. Orbitais hı́bridos sp 2 ligam os
Carbonos entre si e cada um destes com um átomo de Hidrogênio, de tal maneira que todos
os núcleos encontram-se sobre o mesmo plano. Adicionalmente, há seis eletrons π, um oriundo
do orbital pz de cada átomo de Carbono. Uma representação desta molécula está na figura
III.23. Estes eletrons π podem deslocar-se ao longo do hexágono, gerando uma corrente elétrica
circular. Esta caracterı́stica resulta em um diamagnetismo intenso por parte da molécula do
benzeno e de outras moléculas conjugadas cı́clicas. A análise das funções de onda dos eletrons π
do benzeno é semelhante à realizada para o buteno. A energia de ligação do estado delocalizado
do benzeno (ou energia de delocalização) é cerca de 1,6eV menor que de três ligações π isoladas,
o que torna a molécula de benzeno o mais notável exemplo de estabilidade adicional conferida
pela delocalização das ligações π.

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Vers~
Capı́tulo III. Fı́sica Molecular 93

III.7 Espectro Rotacional Molecular


Consideram-se agora as rotações executadas pelos núcleos de moléculas diatômicas em torno
de seu centro de massa. Inicialmente, será suposto que a rotação se procede como se a molécula
fosse um corpo rı́gido, isto é, a distância internuclear não varia durante a rotação. Este efeito
será analisado na seção III.8, acerca do espectro vibracional molecular.
Para estudar a rotação de uma molécula diatômica, considera-
se um referencial centrado sobre o centro de massa da mesma.
Neste referencial, consideram-se os eixos de inercia principais, os
quais são o eixo Z0 , que une os núcleos N1 e N2 e o eixo per-
pendicular a este. Uma ilustração deste sistema pode ser vista
na figura III.24. Os momenta de inércia dos eletrons são des-
Figura III.24: Rotação de uma
prezados, porque a massa total destes é desprezı́vel. Portanto,
molécula diatômica em torno
o momentum de inércia da molécula em relação ao eixo Z0 é
de seu centro de massa.
nulo, bem como o momentum angular de rotação da molécula
em torno do mesmo eixo. O momentum angular total L da molécula se deve a sua rotação em
torno do eixo perpendicular a Z0 .
Sendo r0 a distância internuclear de equilı́brio e µ a massa reduzida da molécula, o momen-
tum de inércia sobre o eixo perpendicular a Z0 e que passa pelo centro de massa é I = µr02 . A
energia cinética de rotação da molécula é, portanto, Er = L2 /2I. Em virtude da quantização
do momentum angular, pode-se escrever então

~2
Er = l(l + 1) = Bhcl(l + 1), (III.10)
2I

onde foi definida a quantidade B = ~/4πIc. A tabela III.3 mostra os valores de ~2 /2I e B
para diversas moléculas diatômicas. As quantidades ~ω0 e ν̃0 = 1/λ referem-se ao espectro
vibracional e serão definidas na seção III.8.

Tabela III.3: Constantes vibracionais e rotacionais de algumas moléculas diatômicas.

Molécula ~2 /2I (eV) B (cm−1 ) ~ω0 (eV) ν̃0 (cm−1 )


H2 8, 00 × 10−3 60,809 0,5430 4395
Cl2 3, 10 × 10−5 0,244 0,0698 565
N2 2, 48 × 10−4 2,010 0,292 2360
Li2 8, 30 × 10−4 0,673 0,0434 351
O2 1, 78 × 10−4 1,446 0,194 1580
CO 2, 38 × 10−4 1,931 0,268 2170
HF 2, 48 × 10−3 20,94 0,510 4138
HCl 1, 31 × 10−3 10,59 0,369 2990
HBr 1, 05 × 10−3 8,47 0,326 2650
BeF 1, 84 × 10−4 1,488 0,151 1266

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Vers~
94 III.7. Espectro Rotacional Molecular

Figura III.25: Nı́veis de energia rotacional de


uma molécula diatômica, ilustrando a pari-
dade de cada nı́vel e as possı́veis transições.

Nı́veis de energia sucessivos, correspondentes ao valores l e l 0 = l + 1 estão separados pela


quantidade
∆Er = 2Bhc(l + 1).

Ou seja, a separação entre os autovalores de energia rotacional aumenta monotonicamente com


l. Como a quantidade ~2 /2I ∼ 10−4 eV (ver tabela III.3) é pequena comparada com a energia
cinética translacional média de uma molécula, a qual é da ordem de kT ∼ 2, 5 × 10 −2 eV à
temperatura ambiente, estas moléculas encontram-se geralmente em algum estado excitado a
esta temperatura.
As funções de onda associadas com os nı́veis de energia rotacionais são proporcionais aos
harmônicos esféricos Ylml (θ, φ), onde os ângulos (θ, φ) estão definidos em relação a um referencial
que inclui o eixo Z0 . Conseqüentemente, a paridade de cada nı́vel de energia é (−1)l e nı́veis de
energia sucessivos têm paridade oposta. Portanto, quando a molécula transiciona de um nı́vel
rotacional a outro, emitindo ou absorvendo um fóton, a transição mais provável é aquela que
segue a regra de seleção
∆l = ±1,

semelhante à regra de seleção encontrada no caso atômico. A figura III.25 ilustra os nı́veis de
energia rotacional, a paridade de cada nı́vel e as possı́veis transições entre estes. A freqüência
ν e o comprimento de onda ν̃ = ν/c = 1/λ dos fotons absorvidos ou emitidos pela rotação de
uma molécula diatômica são dados por

∆Er
ν= = 2Bc(l + 1) e ν̃ = 2B(l + 1).
h

Portanto, o espectro rotacional de uma molécula diatômica consiste em uma série de linhas
igualmente espaçadas pela quantidade ∆ν̃ = 2B (cm−1 ). Esta caracterı́stica é claramente visı́vel

Autor: Rudi Gaelzer – IFM/UFPel ao: 16 de julho de 2004


Vers~
Capı́tulo III. Fı́sica Molecular 95

Figura III.26: Espectro de absorção rotacional da molécula de HCl na fase gasosa.

na figura III.26, que mostra o espectro de absorção da molécula de HCL. Medindo-se a separação
dos picos de absorção (∆ν̃), obtém-se B e, portanto, o momentum de inércia I da molécula.
Um espectro rotacional puro situa-se, geralmente, nas regiões de microondas ou infraver-
melho. Além disso, para que que a molécula possa emitir (ou absorver) fotons devido a sua
rotação, é necessário que ela possua um momentum de dipolo elétrico permanente (como o HCl
possui), pois o processo de emissão ou absorção de um fóton pela molécula ocorre através da
interação do dipolo elétrico desta com o campo eletromagnético da radiação. Como conseqüên-
cia, moléculas homonucleares em geral não apresentam espectros rotacionais, apenas moléculas
heteronucleares.
A equação (III.10) é válida somente para o caso de uma molécula rı́gida. Contudo, quando
a energia rotacional aumenta, ocorre um aumento na separação internuclear, devido ao efeito
centrı́fugo. Isto resulta no aumento do momentum de inércia, demandando uma correção a
(III.10).

III.8 Espectro Vibracional Molecular


Na seção anterior, a qual tratou do espectro rotacional, considerou-se que a distância in-
ternuclear permanece constante durante a rotação da molécula. Entretanto, pode-se ver nas
curvas de energia potencial para moléculas diatômicas, tanto homonucleares quanto heteronu-
cleares (figuras III.4, III.8 e III.9), que a forma do potencial em torno da distância de separação
internuclear de equilı́brio, r0 , é semelhante ao de um oscilador harmônico. Por conseguinte, os
núcleos podem exibir oscilações harmônicas em torno de r0 , dependendo da temperatura em
que o ensemble de moléculas se encontra.
Considera-se uma molécula diatômica cuja energia potencial de interação é dada novamente
por uma curva semelhante a que aparece na figura III.27, onde r0 é a separação de equilı́brio.
Se a energia total da molécula é igual a E, então os pontos A e B correspondem aos limites

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96 III.8. Espectro Vibracional Molecular

Figura III.27: Energia potencial


eletrônica em uma molécula diatô-
mica. Os pontos A e B corres-
pondem aos limites de movimento
de um oscilador clássico. Mostra-se
também o nı́vel de energia de ponto
zero.

do movimento clássico. Se os pontos A e B encontram-se próximos do ponto de equilı́brio r 0 ,


ou seja, as oscilações clássicas são de pequena amplitude, então a forma da curva na figura
III.27 pode ser aproximada pelo potencial de um oscilador harmônico, V ' 12 k(r − r0 )2 , onde
a constante k corresponde a uma “constante elástica” a ser determinada. Neste caso, os nı́veis
de energia vibracionais serão dados pela fórmula usual
 
1
Ev = v+ ~ω0 , (III.11)
2
p
onde v = 0, 1, 2, 3, . . . , ω0 = k/µ é a freqüência angular das oscilações e µ é a massa
reduzida da molécula. Portanto, os nı́veis de energia vibracionais são igualmente espaçados
pela quantidade ~ω0 e a molécula possui uma energia vibracional de ponto zero igual a 12 ~ω0 .
Devido à energia de ponto zero, a energia de dissociação de uma molécula diatômica é não
é mais D, como aparece na figura III.27, mas sim De = D − 12 ~ω0 . A regra de seleção para
transições do tipo dipolo eletrico oscilante entre os nı́veis vibracionais é

∆v = ±1.

Uma vez que a única transição permitida ocorre entre nı́veis vizinhos, a única freqüência de
fóton absorvida ou emitida é igual a freqüência natural de vibração ν0 = ω0 /2π. As duas últimas
colunas da tabela III.3 mostram os valores de ~ω0 e ν̃0 = ν0 /c para os estados vibracionais de
algumas moléculas diatômicas. Em geral, a freqüência destes fotons situa-se na região do

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Capı́tulo III. Fı́sica Molecular 97

Figura III.29: Transições vibracionais-


Figura III.28: Nı́veis de energia vibracional e rotacional rotacionais em uma molécula diatômica.
de uma molécula diatômica.

infravermelho. Além disto, como no caso do espectro rotacional, para que a molécula possa
interagir com o campo eletromagnético, emitindo ou absorverdo um foton, é necessário que ela
possua um momentum de dipolo elétrico permanente. Portanto, moléculas homonucleares em
geral não apresentam um espectro vibracional.
Combinando os nı́veis de energia rotacional e vibracional, dados pelas equações (III.10) e
(III.11), obtém-se que a energia total é dada pela expressão
 
1 ~2
E = E v + Er = v+ ~ω0 + l(l + 1).
2 2I

A figura III.28 ilustra a combinação destes nı́veis de energia.


Em geral, a quantidade ~2 /2I ∼ 10−4 eV é muito menor que ~ω0 ∼ 0, 1eV. Pode-se dizer

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98 III.8. Espectro Vibracional Molecular

Figura III.30: Espectro vibracional-rotacional de absorção da molécula de HCl. As pontas mais


pronunciadas correspondem a H35 Cl, mais abundante, e as pontas mais curtas correspondem a H 37 Cl.

então que para cada nı́vel vibracional correspondem vários nı́veis rotacionais. Esta caracterı́stica
também é ilustrada na figura III.28. Combinando-se as regras de seleção ∆l = ±1 e ∆v = ±1,
obtém-se o espectro vibracional-rotacional surge. Este consistem em linhas de emissão ou
absorção cujas freqüências são dadas por

νv,r = ν0 ± 2Bc(l + 1) ou ν̃v,r = ν̃0 ± 2B(l + 1), l = 0, 1, 2, . . . ,

onde l refere-se ao nı́vel rotacional mais baixo. Esta relação indica que o espectro distribui-se
tanto acima quanto abaixo de ν̃0 , com espaçamento constante 2B. A figura III.29 ilustra as
possı́veis transições rotacionais para a transição vibracional v = 1 → v = 0. As linhas com
∆l = +1 são denominadas ramo R do espectro, enquanto que as linhas com ∆l = −1 são
denominadas ramo P do espectro. A linha com freqüência ν0 não é emitida, porque seria
necessário haver uma transição com ∆l = 0, a qual é proibida. Na figura III.30 pode-se ver o
espectro vibracional-rotacional de absorção da molécula de HCl. Devido ao fato de que tanto
ν0 quanto I dependem da massa da molécula, o espectros emitidos por moléculas de diferentes
isótopos, tais como H35 Cl e H37 Cl estão ligeiramente deslocados, o que pode ser discernido na
figura III.30.
Finalmente, quando a molécula é poliatômica, ela possui um número maior de graus de
liberdade que uma molécula diatômica, a qual possui somente um grau de liberdade. Neste

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Capı́tulo III. Fı́sica Molecular 99

Figura III.31: Vibrações normais das molécu-


las poliatômicas: (a) CO2 : ν̃1 = 1337cm−1 ,
ν̃2 = 667cm−1 , ν̃3 = 2349cm−1 ; (b) H2 O : ν̃1 =
3657cm−1 , ν̃2 = 1595cm−1 , ν̃3 = 3756cm−1 .

caso, existe um número maior que um de modos normais de vibração, os quais são vibrações
nas quais todos os núcleos vibram com relações de fase constantes. Para cada modo normal
corresponde um valor diferente de freqüência de vibração. A figura III.31 mostra alguns modos
normais para as moléculas de CO2 e H2 O.

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