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| | organizadores: Hupson F. Gotino Cristiano M. A. Gomes Amanpa AMANTES Geipe CoELHO v Casa do Psicdlogo” ‘uma empresa PEARSON CaprituLo TeoRIA DA MEDIDA Eo Mopeto RAscH Hudson Fernandes Golino Universidade Estadual de Feira de Santana Cristiano Mauro Assis Gomes Universidade Federal de Minas Gerais Em’ ciéncias humanas, estamos ainda’ engatinhando no processo de construir medidas verdadeiras. Buscando iniciar nossa caminhada, pre- cisaremos compreender dois aspectos basicos neste capttulo. O primeiro sustenta que © tratamento'de uma varidvel com métodos quantitativos nao necessariamente é uma medida desta. A medida est4 além da quan- tificagao, pois nem toda quantificagaéo é uma acao de medida. O segun- do sustenta que a quantificaco somente se torna uma medida verdadei- ta se atingir algumas propriedades fundamentais. Vamos apresenté-las, assim como mostrar que a famflia de estatfsticas Rasch alcanga seus requisitos e propicia medidas verdadeiras. 14 = PsICOMETRIA CONTEMPORANEA: COMPREENDENDO OS Mopetos RascH Medir e quantificar nado sao a mesma coisa: desmistificando um equivoco Vamos procurar refletir sobre 0 que normalmente pensamos quando nog referimos a medida. Imagine que um professor lhe pede para fazer uma prova de matematica. Essa prova conta com 20 questées, cada uma valen- do 1 ponto. O somatério dessa prova seré de 20 pontos, e 0 professor darg a vocé a pontuagaio de 16 pontos se vocé acertar 16 questes da prova, Se outra pessoa também fizer essa prova e acertar 12 questdes, o professor dar a essa pessoa a pontuagao de 12 pontos, e assim por diante. Nao é incomum pensarmos na pontuag&o da prova dada pelo professor como uma medi- da para o conhecimento em matemética. No entanto, por mais estranho que possa parecer, isso esté errado. Ao longo do livro, esperamos poder explicar por que nem toda quantificagdo ¢ uma mensuraco e por que o professor, por mais bem intencionado que seja, nao esta medindo seu co- nhecimento em matematica. A primeira coisa que precisamos ter em mente para compreender o de- safio da medida é entender que nao basta ter numeros para que algo seja medido. Nao é incomum alguém realizar um tratamento quantitativo em seus dados, como o exemplo do professor que somou os itens corretos da prova de matematica, e acreditar que os nimeros relacionados s&o medi- das. A crenga presente é mais ou menos a seguinte: se alguma coisa pode apresentar numeros, como é 0 caso da prova, em que cada item certo valia um ponto, entao, essa coisa esta sendo medida. Buscaremos mostrar, nes- te capitulo, que essa crenga esta errada e que medir nado é 0 mesmo que quantificar ou colocar numeros nas coisas. Evidentemente, nossa inteng40 nao € apenas mostrar o que nao é uma medida. Mais adiante, em capitulos futuros, mostraremos com calma as caracteristicas fundamentais de uma medida e a sua importancia capital para o desenvolvimento de qualquet campo da ciéncia, Em sintese, para refletir, mantenhamos em mente que: = Contar moedas nao é um ato de medida. . As Notas que um aluno da oitava série tira no fim do ano, em todas a5 disciplinas de sua escola, no sio medidas, Capftulo 1 -Teoria da Medida eo Modelo Rasch = 15 = A nota média global que um aluno universitério obtém no final do se- mestre letivo nao é uma medida. Muito bem, estamos com um problema complicado, Estamos dizendo que uma crenga arraigada esta errada. Usar niimeros nao é medir. Vamos continuar nosso argumento e mostrar a vocé de onde vem essa crenga equi- vocada. Esperamos que ao final do livro vocé esteja do nosso lado. A crenga de que quantificar e medir sio a mesma coisa provém de um momento histérico importante, relacionado ao desafio de realizar medidas em ciéncias humanas. Em 1946, Stevens elaborou um novo postulado so- bre a medida cientifica, como resposta a um comité especial da Associagdo Britanica para o Avango da Ciéncia, que concluira que a medida em Psico- logia era uma tarefa impossivel de ser obtida (Borsboom, 2003). Ganhando extrema popularidade, a proposta de Stevens obteve uma forte influéncia para a definigfo de medida nas ciéncias sociais, humanas e da salide e, mais importante, manteve essa influéncia até os dias atuais. Ele definiu a medida como a atribuigdo de ntimeros a objetos, coisas, fe- ¢ etc. de acordo com alguma r regra especifica qualquer. Em outras palavras, segundo seu postulado, medir é inserir mimeros para representar a variagdo de uma varidvel qualquer, a partir de alguma regra bem definida, seja ela qual for. Segundo essa ideia, a mensurag&o do comprimento de uma pessoa, por exemplo, é a atribuicao de algum ntimero para a distancia existente’ entre o chiio e o ponto mais alto da cabega da pessoa, com a uti- lizagfio de uma régua que represente uma regra bem definida que estipule a sequéncia de niimeros da medida, Conforme ja dito, essa definigo surge como uma tentativa de mostrar, por meio de postulados e axiomas matema- ticos, que os atributos psicolégicos poderiam ser mensuraveis. ~~ A partir da concepgao de que a medida é a atribuigéio de um ntimero | a coisas, de acordo com certas regras, Stevens claborou uma hierarquia de escalas de medida, organizadas de acordo com as regras empregadas, Ele propés quatro tipos de escalas de medida, sendo que as mais com- pletas englobavam as caracteristicas das escalas anteriores, e adiciona- yam novos componentes (Figura 1.1). 16 = PsicomeTRiA CONTEMPORANEA: COMPREENDENDO OS MonELos RascH Aescala de medida do tipo nominal é definida como o processo de agru- par objetos em classes de modo que todos aqueles dentro de uma mesma classe sejam equivalentes em relag&o a um atributo ou propriedade. Nao apresenta propriedades numéricas, exceto aquelas relacionadas com a ca- tegorizagdo, ou seja, 1 é diferente de 2, e ambos sao diferentes de 3. Pode- mos apontar alguns exemplos desse tipo de escala de medida: a) sexo, que pode ser dividido em pelo menos duas categorias, masculino e feminino, 1 e 2, por exemplo; b) classe social, que pode ser dividida em categorias ou grupos distintos, tais como classes A, B, C € D, ow 1, 2, 3 e 4; c) diagnés- tico clinico, que é dividido em categorias especificas, como transtorno de personalidade antissocial (1), transtorno de personalidade borderline (2), transtorno de personalidade dependente (3), e assim por diante. Nesse tipo de escala, as categorias ou os grupos podem ser representados tanto por ni- meros quanto por letras ou outros simbolos quaisquer. Nesse nivel, 0 que importa é a singularidade de cada grupo ou categoria, e qualquer simbolo que preserve essa caracteristica pode ser utilizado. Jéa escala de medida do tipo ordinal informa, para além da singularidade, diferentes niveis de um atributo ou propriedade nos objetos medidos. Esse tipo Capitulo 1 —Teoria da Medida eo Modelo Rasch = 17 de escala diz respeito 4 ordem ou ao grau de um atributo que algo ou alguém possui, do menor para o maior (ou vice-versa). Tem como propriedades numé- ticas a singularidade e o ordenamento. Os questionarios psicoldgicos utilizam esse tipo de escala, por exemplo, a Escala de Depressdo, na qual as pessoas res- pondem quio fortemente um comportamento relacionado com o quadro clini- co de depressio esta presente em suas vidas, variando de 0 (nao esta presente) a5 (estd completamente presente). Nesse exemple, o resultado final dos esco- res de 10 itens somados forma uma escala ordinal com pontuagao maxima de 50 pontos. Por meio desta, vocé consegue classificar as pessoas de acordo com a intensidade autorrelatada da presenga de um conjunto de comportamentos especificos, de menos presentes a mais presentes, Além disso, vocé pode infe- tir que José, por exemplo, que teve um escore total de 10, obteve uma pontua- ¢4o menor que Joana, Junior e Jaqueline, que tiveram 20, 30 e 40 pontos, res- pectivamente. No entanto, nao podemos inferir que a diferenga entre 10 e 20 pontos representa a mesma quantidade que a diferenca entre 40 e 50 pontos. A Figura 1.2 mostra graficamente esse aspecto; as distincias entre os escores de 10, 20, 30 e 40 pontos nao séo as mesmas e representam, pois, diferentes magnitudes na escala. Em uma escala ordinal, os niimeros presentes (de 0 a 50, no nosso exemplo) n&o possuem todas as propriedades numéricas. Em uma escala ordinal, eles representam apenas a ordem daquilo que se estd iden- tificando, possuindo apenas as propriedades de singularidade e ordenamento. Eles nfo representam corretamente as disténcias'entre os valores ordenados. 0 50 ol L 1 | 20 0 50 L { L J 30 0 50 L 1 L fou J 40 50 18 = PsicoMeTRIA CONTEMPORANEA: Compretnpenoo os Monetos RascH Podemos substituir a pontuagéo de 1 a 50 de nosso exemplo por quais. quer outros simbolos que mantenham apenas a singularidade (por exemplo, oals..#4), em que um simbolo é igual somente a si mesmo e diferente de todos os demais, ¢ o ordenamento (o>I>...>4), no qual um simbolo ¢ maior que o outro, seguindo uma ordem especifica. Fazer esse exercicig mental ajuda a compreender que, em uma escala ordinal, o numero é ape. nas um simbolo com as duas propriedades mencionadas anteriormente, A escala de medida do tipo intervalar, por sua vez, ¢ utilizada para distinguir diferentes quantidades de uma propriedade em determinado objeto, bem como para discernir diferengas iguais entre objetos. Além da singularidade e do ordenamento, as escalas i alares apresentam a seguinte pro} diferencas iguais entre nimeros representam di- ferengas iguais no montante da propriedade ou atributo medido (veja a Figura 1.3). No exemplo da Figura 1.2, a diferenga entre os pontos 0 e 25 represen- ta uma magnitude igual a diferenca entre 25 e 50, ou seja, as distincias entre os pontos so as mesmas e representam diferengas iguais de mag- nitude daquilo que se esté medindo. Nao importa se dentro do intervalo 0 e 25 os outros valores existentes, por exemplo 5, 12, 18 e 23, nao tem uma relago intervalar. O importante é que existam intervalos cujas dis- tancias entre os pontos sejam iguais. E claro que, quanto menor for 0 intervalo, mais precisa é a medida. Por exemplo, se, em vez de distancias iguais entre o intervalo 0-25 e 25-50, houvesse distancias iguais 4 cada unidade, 0-1 € 1-2, a medida obtida por esse ultimo exemplo seria mals precisa que o primeiro exemplo. Esse tipo de escala necessita de uma unidade de medida para ser matematicamente operacionalizada. O zero Capitulo 1 -Teoria da Medida eo Modelo Rasch = 19 nao indica, necessariamente, auséncia da propriedade ou do atributo, uma vez que é arbitrariamente definido. Um exemplo desse tipo de escala é a temperatura medida na escala Celsius. Essa escala apresenta, usualmente, 100 pontos equidistantes (centigrados) que representam aumentos médios iguais na energia cinética das moléculas de um sistema. Diferentemente das escalas anteriores, as escalas intervalares podem ser matematicamente operacionalizadas com sucesso, e podem ter suas estatisticas paramétri- cas calculadas. Por exemplo, pode-se calcular a média da temperatura em graus Célsius de uma estado do ano. No caso das ciéncias humanas, so- ciais e da satide, é possivel obter escalas intervalares por meio de algumas estratégias. A mais conhecida e empregada é a utilizag&o do Escore Z, que constrange um dado de origem ordinal (como o escore total em um teste ou questiondrio) em um sistema intervalar. Outra maneira de produ- unidade € chamada de Jogits (ver capitulos 4 e 5). Por ultimo, as escalas de raz&o contam com zero no arbitrario, isto é, © zero de fato indica auséncia da propriedade ou do atributo medido, ea razdio dos mimeros na escala é significativa. As propriedades numéricas desse tipo de escala englobam todas as propriedades anteriores mais a propriedade de multiplicagao ¢ divistio. Se medirmos a temperatura de duas panelas com agua na escala Kelvin, uma com 273, e a outra, com 373 graus (ver Figura 1.4), € possivel afirmar que a segunda panela tem 1,37 vezes mais energia cinética média das moléculas de seu sistema que a outra. A primeira panela com Agua, a 273 °K, esta no exato ponto de fusdo da 4gua, ao passo que a segunda panela, a 373 °K, esté no exato ponto de ebuligéo da agua. O ponto 0 °K indica a auséncia absoluta de temperatura, ou seja, auséncia de energia cinética média dos 4tomos da Agua. Os construtos da Fisica contam com instrumentos de medida com escalas de razdo. No entanto, nem todas as escalas fisicas stio de razao. As escalas Celsius € Fahrenheit de temperatura, por exemplo, sfo escalas intervalares. 20. = PsicomerRiA CONTEMPORANEA: COMPREENDENDO OS Monetos Rasch A definigaio de medida criada por Stevens (1946) foi uma tentativa de enquadrar a Psicologia dentro do campo das ciéncias passiveis de mensu- ragao. As varidveis em ciéncias humanas poderiam ser medidas e tratadas cientificamente, tendo em vista a tipificag&o de suas escalas, que geral- mente se enquadravam nas categorias ordinal ¢ intervalar. Essa forma de compreender as variaveis psicoldgicas, seu tratamento quantitativo ¢ sua medida parece ser a mais usual e presente em quase todos, se nfo em todos, os manuais de ensino de estatistica e medida em ciéncias humanas (Borsboom, 2003). A esta altura, vocé pode estar pensando: “Sim, foi as- sim que aprendi na faculdade e é assim que os livros ensinam!”. E é isso mesmo. O que estamos querendo Ihe mostrar é que os livros, todos ou quas¢ todos, estiio ensinando errado, por causa da influéncia de Stevens (1946). Ao buscar solucionar a questéio da mensurabilidade em ciéncias huma- nas, Stevens gerou um sério problema. A partir do momento em que definiu a medida como a atribuic4o de um numero a objetos, fendmenos etc. de acordo com alguma regra, ele abriu espago para que qualquer regra PU- desse ser empregada, uma vez que nao definiu ou especificou a naturez@ da regra que deveria ser utilizada. Em consequéncia, a medida tornou-s¢ Capitulo 1 —Teoria da Medida eo Modelo Rasch # = 21 passivel de ser alcangada em qualquer atividade de quantificagao. Essa visio permanece fortemente estabelecida até o presente momento, sendo reforgada pela sua exposicao nos principais livros didaticos sobre o tema (Borsboom, 2003). Vamos fazer um rapido exercicio de raciocinio para que fique mais cla- ra a necessidade de se especificar a natureza das regras para a atribuigao de ntmeros a objetos ou fendmenos, a fim de que uma medida possa ser de fato constitufda. Ela ajudaré a perceber que nem toda regra é valida para repre- sentar as magnitudes do que se est4 medindo, facilitando o entendimento sobre 0 equivoco de Stevens. Primeiro, imagine uma situagdo na qual desejamos medir 0 compri- mento de um conjunto de pedagos retos de madeira. Podemos manusear esses pedacos, pegd-los, perceber pelos cinco sentidos algumas de suas caracteristicas. Continuando com a situagdo do exemplo, os varios peda- gos de madeira presentes tem tamanhos variados, e inclusive repetidos. Por exemplo, os pedagos ae a’ tem o mesmo tamanho perceptivel visual- mente, assim como be b' ec ec’. Ou seja, nesse momento vocé nfo tem uma medida do comprimento desses pedagos, mas sua percep¢do visual esta lhe “dizendo” que eles s&o iguais em comprimento, ou praticamente iguais. Também pela percepgao visual, ou seja, olhando diretamente para 08 objetos, podemos identificar que os pedagos a, b, e c tém tamanhos diferentes. Agora que vocé entrou em nosso exemplo imaginario, continuemos com o desafio. Precisamos medir esses pedagos. O que vamos fazer? Su- gestdio: fagamos o que Stevens (1946) indica. Nao sabemos 0 valor exato do comprimento de cada pedago de madeira, mas podemos construir a seguinte regra, que articula os niimeros aos pedagos de madeira: cada pedaco, seja ele o pedacoa, b, c, ou outro qualquer, devera ter um ntimero aleatério qualquer, mas diferente dos outros pedagos. Pedagos que pa- recem ser visualmente do mesmo tamanho deverdo apresentar 0 mesmo numero. Assim, cada pedago de madeira tera, na sorte (aleatoriamente), um ntimero préprio, e os pedacos que parecem visualmente ter o mesmo tamanho também terao esse mesmo numero, de tal modo que: ‘oMPREENDENDO OS MoneLos RascH Ie ———— IE] =) 22 = PsicoMETRIA CONTEMPORANEA: C Por puro acaso, o pedago de madeira a recebeu 0 numero 2 para re- presentar seu comprimento, e o pedago a’ também, em fungdo de parecer visualmente ser do mesmo tamanho. Por conseguinte, os dois pedagos b e b' receberam o numero 5, e os pedagos c e c' receberam o numero 3. Vocé pode estar se perguntando por que nio utilizamos os ntimeros maiores para representar os pedacos que nossa percepedo visual mostra que sao maiores, e deixamos os nimeros menores para representar os pedacos perceptivel- mente menores. No entanto, lembremo-nos de que estamos fazendo o que Stevens indica. A defini¢#o de medida de Stevens (1946) determina clara- mente que qualquer regra pode ser utilizada para atribuir nimeros a objetos, coisas ou fenémenos que se desejam medir. Em nosso exercicio imaginario, estamos adotando como regra a selegao de numeros aleatérios quaisquer para representar pedagos com comprimentos perceptivelmente diferentes. Na base da sorte, os nimeros 2, 5 ¢ 3 foram os escolhidos para representar cada pedaco (a, b, c). Agora, fagamos a seguinte tarefa: peguemos um pedaco de madeira de cada tamanho, concatenando-os, ou seja, juntando-os de modo que no final tenhamos trés pedagos de madeira com tamanhos perceptivelmente dife- rentes: a° b °c (lé-se: a concatenado a b concatenado a c). E esperado que, caso coloquemos um pedago de madeira ao lado do outro, ligando uma de suas extremidades, tenhamos uma magnitude Y qualquer, ou seja, a°b° c~ X (lé-se: a concatenado a b concatenado ac é semelhante a X). Pode- mos realizar a mesma opera¢do com os outros pedagos de mesmo tamanho (ae bc’), também com tamanhos diferentes entre si, cuja unio ger um pedaco grande semelhante aX". A magnitude de X e a de X' devem ser semelhantes. Por consequéncia, o Processo de medida desses pedagos Capitulo 1 Teoria da Medida eo Modelo Rasch = 23 (a atribuigao de nimeros aos pedagos de madeira de acordo com alguma regra qualquer) deve produzir nimeros semelhantes: acbocnX a'ebloc'n Xt X~X Fazendo uma representacao visual, temos: a b c Substituindo as letras pelos niimeros que representam o comprimento de cada pedaco de madeira, ou seja, aplicando uma fungdo ¢ que mapeia as propriedades do atributo medido a um conjunto de niimeros, assim como mapeia a concatenagéio “>” com a adigdo (+), e a semelhanga (~) com a igualdade (=), encontramos que: @Ob ec aebecdwX XeX Ou seja, o que foi verificado por nosso sentido da visdo, isto é, me ex' apresentam magnitudes semelhantes, est refletido em nossa operagio de medida (utilizagéio de uma fungaio ¢ que mapeia as propriedades de um atributo a um sistema numérico especifico). Encontramos que x eX'tém valor 10. Mas sera que as relages qualitativas entre a, be ¢ verificadas por meio de nossa percep¢ao serdo sempre corretamente refletidas na operagéo 24 = Psicomerkia CONTEMPORANEA: ComPRrEENDENDO OS MODELOS KascH de medida? Vamos fazer outra concatenagao utilizando 0 mesmo exem. plo. Concatenemos os pedagos beb'.Como o numero atribuido a cada um desses pedagos € 5, entio, a jungao de b com b' é igual a 10. beb'=54+5=10 0 b b Da mesma forma, se concatenarmos a, b e c, cujos os valores atribuidos no processo de medida foram (a) = 2, $(b) = 5 e $(c) = 3, teremos: aebec=24+54+3=10 0. —————— a b e Se compararmos b © b' com a° b © c, veremos que, pelo processo de medida, deveriamos obter uma relago tal que b° b'~ ae b °c (leia-se: b concatenado com b' é semelhante 4 concatenagiio de a, b ec). No entanto, quando utilizamos os pedagos de madeira, observamos visualmente que 0 tamanho resultante de b ° b' é completamente diferente do tamanho resul- tantedeaoboc: ° o—______, : Ou seja, a definic&io de medida de Stevens (1946) leva a erros légicos inadmissiveis. O processo de medida deve ser tal que as relagdes qualitati- vas verificadas, como é 0 caso de nossa anélise perceptiva visual do tama- nho dos pedagos de madeira, sejam adequadamente refletidas pelo sistema numérico adotado. As telagdes como a > b > c tém de ser preservadas no Ptocesso de medida, Na proxima seg%o, veremos que a utilizacao de regras nko pode ser feita de mancira indiscriminada. Ha de se especificar quais tipos de regras so validas para fazer que 0 processo de medida consig+ chegar a sua finalidade, isto é, representar fidedignamente, em um sistema numérico, a magnitude daquilo que se est4 medindo, Capitulo 1 -Teoria da Medida eo Modelo Rasch = = 25 Teoria Representacional da Medida Tome um félego. Até agora tivemos de lidar com muita informagiio ao mesmo tempo, pois o que argumentamos anteriormente vai contra 0 pen- samento comum sobre medida. Vamos relembrar? Até agora, vimos que: a Medida no é igual a colocar numeros nas coisas. = Normalmente aprendemos errado nos livros didaticos sobre as medidas em fungAo da influéncia de Stevens (1946), que tentou resolver 0 pro- blema da medida em ciéncias humanas ¢ sociais. = A medida implica regras bem definidas que articulam os ntimeros as coisas. Nosso maior desafio, agora, sera compreender quais regras definem uma medida. Sem isso, teremos apenas uma critica ao trabalho de Stevens e nada mais. Retomou o folego? Pois agora desbravaremos justamente o caminho das regras para uma medida verdadeira. Repetindo mais uma vez, para que vocé nao se esquega mais: a utiliza- go de regras para atribuir nimeros a coisas, fenémenos etc., como defi- nido por Stevens (1946), abre espago para que se empregue qualquer tipo de regra. A nao especificidade dessas regras pode gerar situagdes bastante estranhas, como visto no exemplo dos pedagos de madeira representados pelos nimeros aleatérios. A Teoria Representacional da Medida (TRM), por outro lado, ¢ uma abordagem_ que especifica as condigdes necess4- rugdo de uma representagto adequada dos atributos me- didos por me a numérico (Borsboom, 2003). Ela estipula uma série de condigdes que tém de ser satisfeitas para que se obtenha uma medida, ou como os proponentes da drea a chamam, uma medida extensiva. Para podermos conversar sobre o modelo formal da TRM, vamos empre- gar algumas nogdes da Teoria dos Conjuntos, mas de maneira intuitiva. O Capitulo 2 ¢ inteiramente dedicado ao tépico dos conjuntos e 4 sua im- portancia para a compreensio dos Modelos Rasch. Imaginemos um conjunto de pedagos de madeira, o qual chamaremos de conjunto A. Esses pedagos de madeira so exatamente iguais aos peda- gos do exemplo da sego anterior. Eles podem ser combinados de diversas 26 = PsicomeTsiA CONTEMPORANEA: COMPREENDENDO OS Mooetos RascH maneiras, de modo que possamos comparar seus comprimentos, por exem. plo, verificar visualmente que a madeira a' apresenta mator comprimento que a madeira c. ‘Vamos chamar essa relacdo entre a madeira a'e a madeira cde R,, ou seja, relagao 1. As outras relagdes receberdo none diferentes, até que todas as relagdes possiveis entre as madeiras estejam representa. das, Nao sabemos o numero possivel de relagdes existentes entre elas, ¢ por isso daremos um nome diferente para esse numero: R,. Sendo assim, 0 conjunto A de pedagos de madeira conta com varias relaces possiveis entre as madeiras: R = R,, R,, R,, . Tal qual fizemos na seco anterior, vamos representar a operacfo de con- catenagao entre os pedacos de madeira por meio do simbolo “”. A combi- nagao dos pedagos a, b e c é representada por meio da expressdo a° bec. Até aqui, nao ha muita novidade. Jé brincamos com a operagéio de conca- tenacao anteriormente. A novidade é a definicio do sistema de relagées empiricas: os pedacos de madeira do conjunto A, junto com as relagdes Re a operagao de concatenacao °, formam um sistema S de relagdes empiricas entre os pedagos de madeira. Esse sistema completo pode ser representado da seguinte maneira: S = (4, R, 2), O sistema S é eminentemente empirico, ou seja, tanto os objetos de A (as madeiras) quanto suas relagdes observa- veis (R) e a operagao de concatenagiio © so dados empiricos, observados no mundo. Em outras palavras, vocé esté pegando nos pedagos de madeira desse conjunto, comparando-os visualmente e determinando as relag6es entre eles por meio dessa comparacao visual empirica. Compreendeu 4 brincadeira? O processo de medida na Teoria Representacional da Medida éa ago de mapear esse sistema de relagdes empiricas S em um sistema Rumerico que preserve suas informacdes (Borsboom, 2003; B orsboom, & Capitulo 1 -Teoria da Medida eo Modelo Rasch» 27 Scholten, 2008; Krantz, Luce, Suppes, & ‘Tversky, 1971). Em outras pa- lavras, 0 que se pretende é atribuir: a) para cada pedago de madeira, um elemento de um sistema numérico (niimero) N; b) para cada relagaio empi- rica R, uma relagao matemitica especifica M; e c) para a operagiio de con- catenac&o, uma operacaio matematica *, de tal modo que teremos um novo sistema R, denominado sistema representacional: R = Ww, M, *), O sistema Seo sistema R formam a chamada estrutura da medida. As relagdes entre A e N, Re Me entree * sto possiveis gragas a apli- cago de uma fungiio ¢, que deve satisfazer certas propriedades. = essas propriedades sejam satisfeitas, obtém-se a chamada medida extensiva. Para verificar quais s&o essas propriedades, vamos retornar ao exemplo da secdo anterior. A regra utilizada (atribuicao aleatéria dos niimeros 2,5 3 para os pedagos de madeira) pode funcionar bem para determinadas jungdes das madeiras, como vimos na obtengdo dos pedagos X eX’, compostos Pela con- catenagfo de a, b ec, ea’, b' ec’, respectivamente. A regra também funcionou bem para a comparacao de jungdes semelhantes, por exemplo ae @. Mas € bastante claro que esse procedimento, ou a regra utilizada, nao vai repre- sentar adequadamente o comprimento das madeiras em todas as situagdes. RASCH 28 PsicometRiA CONTEMPORANEA: Cowtpreennendo 0s MoDELOS . s o valor atribuido ao pedago b e 0 somar- .o b', teremos um valor igual a 10, pois; terminologia da Teoria Representacional ia o elemento empirico b' ao elemen- Medida, temos que a fun¢ao gmapeiao l Cdeiiieae numérico representado por, 5, bem,como mapeia o elemento empirico b' ao elemento do sistema numérico representado por 5. Entio, a concatenagiio de b com b', cuja fungio ¢ vai também mapear a operaciio matematica de soma ser: Por exemplo, se pegarmo: mos ao valor atribufdo ao pedag (1) =5; 96) =5- Utilizando a beb'=5+5=10 es Be b Da mesma forma, se concatenarmos a, b c, cuja fungao (ou regra) atribuiu os valores f(a) = 2, 6(b) = 5 e H(c) = 3, teremos: aebec=2+54+3=10 o_o a b 2 O valor 10 obtido da soma dos valores de b ¢ b' é igual ao valor obtido da soma dos valores atribuidos a a, b e c, mas representam diferentes mag- nitudes do objeto medido, o que nao pode acontecer. Vejamos, entio, as regras fundamentais para uma medida. Em primeiro lugar, a singularidade dos elementos empiricos tem de ser preservada no sis- tema numérico, ou seja, se os elementos a, b ¢ c sio tais que a # b # c (lé-se: a nao é igual nem aproximadamente igual a b, que no é igual nem aproxi- madamente igual a c), entAo, o sistema numérico utilizado para represent4- -los deve garantir que essa condigéio se mantenha, Em nosso exemplo, essa condicdo foi mantida, uma vez que $(a) = 2, #(b) =5¢ d(c) = 3 tem uma estrutura singular, tal que 2 + 5 + 3 mantém a informag&o empirica a # b # ¢. Se por algum motivo b tivesse sido representado pelo numero 3, nao terla~ mos a manutenco das informagdes empiricas no sistema representacional, jé que a singularidade estaria afetada, No entanto, isso nfo quer dizer que dois objetos nao possam receber dois nimeros iguais. Caso dois objetos tenham comprimentos semelhantes, ou Seja,x~ y, podemos representé-los pelo mes- mo numero, por exemplo, 4. A singularidade estara mantida caso a relagao 4 % b % x~y soja mantida pelos numeros, por exemplo, 2 # 5 #4~ 4. Capitulo 1 -Teoria da Medida e o Modelo Rasch #29 ‘Em segundo lugar, o ordenamento percebido visualmente no plano em- pirico tem de ser refletido no ordenamento do sistema numérico, Em nosso exemplo sabemos, por meio de uma inspecao visual répida nos pedagos de madeira, que a > b > c (1é-se: a é maior que b que é maior que c. Observagiio: os simbolos > e < esto sendo empregados para representar uma relagdo entre dois elementos n4o numéricos, e os simbolos > e < estfio sendo utilizados para representar uma relagfo entre dois elementos numéricos). Essa caracte- ristica, de ordenamento, nao foi mantida pelos nimeros que foram atribuidos aos pedacos de madeira, uma vez que 3 > 5 > 2 nfo é valido numericamente nem reflete a relago encontrada nos pedagos de madeira (a > b > c). Em ou- tras palavras, a caracteristica de ordenamento dos elementos empiricos nao foi mantida pelo sistema numérico adotado. Para que ela seja mantida, é ne- cessario que o valor numérico atribuido a objetos, fenémenos etc. reflitam a ordem empirica de magnitude do que se est4 medindo. Ent&o, como em nosso caso a > b > c, os niimeros atribuidos a cada um dos pedagos de madeira de- vem ser tais que 6(a)>$(b) >¢(c) seja valido. Um exemplo disso seria se (a) = 10, 6(6) =7e d(c) = 4, uma vez que 10> 7 > 4. Assim, as relagdes empiricas (>) estariam bem representadas pelas relagdes numéricas (>). ‘Além do problema encontrado no ordenamento, a concatenagao (°) nfo é representada fielmente pela operagio matematica de soma (+) em nos- so exemplo. A aditividade nao ¢ mantida, pois: a°bec ~ X, ou sejaa concatenagiio de a, be c é semelhante aX, ao passo que bo b + X, ou séja b concatenado a b, nao é semelhante aX. Vimos que, ao substituir as letras pelos nimeros, acabamos encontrando que 2+ 5 + 3 = 10, e que 5 +5 = 10, 0 que fere a relagdo percebida visualmente de que bo b + X. Quando a atribuigao de um numero (¢) a um objeto ou fenémeno mantém fitividade, diz-se que houve um homomorfismo entre a estrutura empirica e a estrutura numérica’. 1 Krantz et al, (1971) utilizam a expressdo homomorfismo (em vez de isomorfismo), porque a relagdo entre o sistema empirico e o sistema numérico nto 4 geralmente, de um para tum, Por exemplo, eles afirmam, na pégina 8, que (a) = $(b) nto implica que os pedagos ab sio iguais, mas apenas que tém o mesmo comprimento, Outro exemplo que pode ser dado é que, ao mapear um sistema empirico em um sistema numérico, como os niimeros yimero nao vai representar exclusivamente uma mesma magnitude de um mes- reais, um nt i Hi sr mo atributo, podendo representar magnitudes diferentes de atributos diferentes, ASCH 30 = Psicomeraia CONTEMPORANEA: COMPREENDENDO O5 Mooetos R, A partir dessas trés andlises rapidas de nosso exemplo, vimos que, ape. sar de estar correta do ponto de vista de Stevens, a atribuigado de niimeros aos pedagos de madeira nfo refletiu de maneira adequada ° que conse. guimos perceber visualmente (empiricamente). A singularidade é mantida, mas nem o ordenamento nem a concatenagao sao fielmente traduzidos do sistema empirico para a representacao numérica. A ultima condigao a ser satisfeita envolve a regra de que, independentemente da unidade de medi. da com que se trabalhe, a razdo dos mimeros tem de ie unica. Em outras palavras, se eu tenho a medida de uma madeira h na unidade de metro, de tal modo que o(h) = 5 (metros), ¢ outra madeira g com $B) = 7 (metros), a transformag&o da escala de metros para centimetros deverd produzir o seguinte resultado: ¢'(h) = 5 * 100 = 500 (centimetros) e ¢'(g) = 7 * 100 = 700 (centimetros). Se dividirmos ¢(/) por ¢'(1), e #(g) por ¢'(g), teremos de encontrar o mesmo valor: $(h)/¢' (A) = 0,01, enquanto #(g)/'(g) = 0,01. Aconversao de metros para centimetros, por exemplo, é chamada transfor- magio de semelhanga. De acordo com a Teoria Representacional da Medida (TRM), qualquer procedimento de medida ¢ extensivo se trés axiomas forem satisfeitos: * 1. O mapeamento do conjunto dos elementos empiricos a um sistema nu- mérico € tal que reflete, por meio de nimeros, as relacdes de ordem en- contradas no sistema empirico. 2. O mapeamento das operagdes empiricas (por exemplo, a concatenago "das madeiras) a um conjunto de operagdes matemiaticas (por exemplo, a soma), é tal que mantém a aditividade encontrada nas concatenagoes. 3. O mapeamento do sistema empirico a um sistema numérico manterd as } caracterfsticas empiricas, independentemente das transformagGes de se- melhanga a que suas unidades forem submetidas, Esses trés pontos sio denominados, na TRM, axiomas de unicidade, € determinam matematicamente o tipo de escala de medida. Caso uma medida gere apenas um mapeamento numérico das relacdes empiricas de ordenamento, sua escala seré de nivel ordinal. Caso uma medida gere U™ mapeamento entre o sistema empirico e 0 numérico, de modo a manter 4 Telagdes de ordem e a aditividade em telag&o A concatenagdo, sua escala sera de nivel intervalar. Por outro lado, mantendo-se a carrie empiric® Capitulo 1 -Teoria da Medida e o Modelo Rasch = 31 independente da unidade de medida, ou seja, as transformagées do tipo 41g) = a4(g), sendo 4(g) a escala original e a a unidade de medida, entdo, a escala serd do tipo de razio. Alguns autores, como Campbell (1920, como citado por Borsboom, 2003), argumentam que as medidas s6 so verdadeiras quando sao exten- sivas, no sentido de que o mapeamento do sistema empirico no sistema representacional satisfaz todos os axiomas de unicidade, mantendo todas as informagées do sistema empirico. Ademais, autores que seguem a tra- dig&o de Campbell argumentam que qualquer medida sem concatenagao empirica nao é uma medida (Pasquali, 2011). Essa abordagem, que pode ser chamada de representacionalismo classico (Borsboom, 2003), ajudou a sustentar a ideia de que os construtos psicolégicos ndo s4o mensuraveis, conclusio esta atingida pelo comité especial da Associago Britanica para o Avanco da Ciéncia, citado no inicio do capitulo. Stevens (1946) tentou definir a medida de tal modo que n&o dependesse da concatenagfio empi- rica, possibilitando Psicologia e as ciéncias sociais, humanas e da saiide, no geral, a defesa da mensurabilidade de suas varidveis. Como vimos ao longo das duas primeiras segdes deste capitulo, em um dos lados da histé- ria temos a tentativa de Stevens, a qual afirmamos no ser bem-sucedida, e, no outro lado, temos uma teoria (a TRM) que forneceu subsidios capa- zes de tirar a Psicologia e outros dominios das ciéncias humanas do rol das disciplinas cujos construtos séo mensurdveis, afirmando que medidas verdadeiras nao sfio possiveis em areas nas quais nfio se trabalha com a concatenago empirica daquilo que se pretende medir ou em que nao ha interpretagdo adequada da concatenacao. No entanto, a histria nao termina com esses dois caminhos, mas aponta uma terceira frente, chamada de representacionalismo contempordneo, que surge a partir do trabalho seminal de Krantz ef al. (1971). Nesse trabalho, os autores axiomatizam a teoria da medida e definem matematicamente uma série de propriedades fundamentais que resultam em medidas numéri- cas adequadas, tanto para a Fisica, a Geometria e outras areas exatas, quan- to para a Psicologia ¢ as ciéncias humanas em geral. Beane et al (1971) argumentam que é errado pensar que apenas um tnico sistema formal de medida verdadeira. Mais que isso, eles argumentam que relagdes leva a u “apesar de valiosa quando disponivel, a concatenagéio empirica nfo éuma ASC 32 = PSICOMETRIA CONTEMPORANEA: COMPREENDENDO OS Mobetos RascH condic&o necessaria para se obter uma medida verdadeira” (Krantz etal, 1971, p. 123). A propria Fisica trabalha com a mensura¢ao de atributos que niio sfo passiveis de operagdes de concatenagao empirica € que nao contam com uma interpretagao adequada sobre tais operagOes, por exemplo, atem. peratura, Imagine se, para medir a temperatura de algum objeto, um pes. quisador tivesse de observar as relagdes entre os elementos fundamentais da temperatura. Esse pesquisador chegaria 4 conclusao de que nao seria possivel mensurar a energia cinética média das moléculas daquele objeto, porque ele nao teria como verificar sua concatenagdo empirica. Borsboom (2003) fornece outro exemplo que nos leva a verificar que, mesmo na Fisica, a concatenagaio empirica dos objetos e fenémenos que se deseja medir é dificil de ser operacionalizada e pensada: ‘Ao mesmo tempo em que é possivel concatenar hastes rigidas de com- primentos possfveis de serem manejados, é sem dtivida muito dificil conca- tenar objetos que possam pér a prova distancias interestelares, ou colocar JGpiter em uma balanga. Ainda assim, minha enciclopédia menciona o fato de que a distancia média entre a Terra e o Sol é de cerca de 149597890 quilémetros, e que a massa de Jupiter 6 1,967 x 10” quilos; e eu suspeito fortemente que os escritores da minha enciclopédia quando falam desses valores, se referem as mesmas dimensGes como, por exemplo, a distancia entre a minha xicara de café e o meu telefone, e a massa do meu compu- tador onde estou trabalhando. Na forma rigida da teoria da medida [...] essa interpretagdo nao é garantida; mas em uma interpretacdo mais liberal do representacionalismo, sim. Além do mais, qualquer estrutura imagindvel que permita uma representacao homomérfica, pode ser submetida a alguma categoria geral de medida. Isso inclui.estruturas observadas em medidas psicoldgicas (Borsboom, 2003, pp. 82-83), Teoria da Medida Aditiva Conjunta Vamos formar um cendrio do que falamos até agora. Vimos que: = E obrigatoria a presenga de uma definicao precisa de regras que demar cam o que é de fato uma medida. aA definigdo precisa, dada pela teoria da representagao classica, tira da Psi” logia ¢ de varias ciéncias humanas € sociais a possibilidade de ter medidas Capitulo 1 Teoria da Medida eo Modelo Rasch = 33 . No entanto, a tentativa de Stevens (1946) de resolver esse problema mais atrapalhou do que ajudou. Mas haverd outra definigfio capaz de indicar regras claras de medida e que sirva aos propésitos ¢ as necessidades das ciéncias humanas e sociais? Evidentemente que sim, senfo nao teriamos escrito este livro! Brincadeira & parte, Krantz ef al. (1971) argumentam que é errado pensar que apenas um sistema formal de relagdes leva 4 medida verdadeira. Eles propuseram a Teoria da Medida Aditiva Conjunta (TMAC) e demonstraram matemati- camente que é possivel fazer um mapeamento do sistema empirico em um sistema numérico, sem que seja preciso satisfazer alguns dos axiomas da Teoria Representacional da Medida, que sio dificeis de serem satisfeitos em reas das ciéncias humanas, sociais, da satide, da educagdo etc. A ideia de estruturas aditivas conjuntas diz respeito a relagao entre trés va- ridveis: duas “independentes” e uma “dependente”. A medida nao é definida isoladamente em nenhuma das trés variéveis, mas simultaneamente entre elas (Borsboom, 2003), e em fungao dessa simultaneidade obrigatéria se encontra a origem da expresstio medida conjunta (Krantz et al., 1971). Por exemplo, suponha que desejemos estimar a habilidade das pessoas ¢ a dificuldade dos itens de determinado teste. O Grafico 1.1 mostra a habilidade de trés pessoas (b; by b,) € mostra o grau de dificuldade de trés itens do teste (d,, d, d). d, d, d, é As habilidades so tais que b, > 6, > b, sendo que o simbolo > deno- ta uma relag&o qualitativa. A interpretagdo dessas relagdes ¢ a de que b, 34 = PsicoMeTRIA CONTEMPORANEA: COMPREENDENDO OS Mopetos RascH apresenta uma habilidade qualitativamente maior ou semelhante Ade, a qual, por sua vez apresenta habilidade qualitativamente maior 0u seme. Ihante 4 de b,, Quanto maior a habilidade, mais para cima no eixo y ficarg localizada a pessoa, ¢ pessoas com habilidades semelhantes s&o alocadas no mesmo ponto do eixo y. Por sua vez, as dificuldades dos trés itens sf tais que d, > d,>d, 0 que significa que d, apresenta uma dificuldade qua. litativamente maior ou semelhante a de d,, que, por sua veZ, apresenta uma dificuldade qualitativamente maior ou semelhante & de d.. Quanto maior a dificuldade, mais para a direita no eixo x ficara localizado 0 item, ¢ itens com dificuldades semelhantes so alocados no mesmo ponto do eixo x, Krantz et al. (1971) mostram que o ordenamento > ocorre pela relag&o conjunta de duas varidveis, em nosso caso, a varidvel habilidade das pessoas ea varidvel dificuldade dos itens. S6 é possivel verificar a relagdo quali- tativa de ordem quando uma das varidveis é deixada fixa. Por exemplo, b, > b, ocorrerd se, e somente se, 0 efeito produzido por (b, d,) for maior ou semelhante ao efeito produzido por (6, d,). Ou seja, para que a relacao de ordem 6, > b, entre as habilidades seja verdadeira, ao fixar o fator dificul- dade (6) em d, 0 efeito conjunto de bd_ deve ser maior ou semelhante ao efeito conjunto de bd. Da mesma forma, 4, = qd, ocorrera se, e somente se, 0 efeito produzido por d,b, for maior ou igual ao efeito produzido por db, Facamos uma pequena pausa. Vocé percebeu que Krantz et al. (197!) esto propondo uma maneira alternativa de concatenar varidveis, na me- dida em que a relacao entre as varidveis pode ser tratada como se fossem “pedagos de madeira”? Qual é a grande novidade? Nessa proposta, nao é necessdrio que os objetos medidos sejam observados diretamente pelos sentidos humanos para que a concatenagdo seja poss{vel. Mas isso signi- fica que, gragas a esse estratagema, o dia foi salvo e as ciéncias humanas podem construir medidas verdadeiras? Sim, pois os autores propdem ma tematicamente que é possivel concatenar elementos puramente abstratos intangiveis. Ideia maluca? Vejamos como isso funciona. Para ficar mais claro, vamos voltar ao Grdafico 1.1. Vamos supor 44° uma pessoa com habilidade b, acerte um item dificuldade d, e que outra Pessoa com habilidade b, erre esse mesmo item. A partir dessa constatagdo é Possivel verificar que a pessoa com habilidade b, apresenta maior grav ae habilidade que a Pessoa b,. Agora, imagine a relagdo da pessoa / com m p, ¢ a da pessoa j com o item q. E facil perceber que, na Figura 1h Capitulo 1 ~Teoria da Medida eo Modelo Rasch #35 a relagdo de.i com p(b, d,), representado no grafico pelo ponto preto, é maior que a de j com q (b, d,), tepresentado no grafico pelo ponto cinza escuro. Dessa forma, podemos representar (by 4) > (bp d)), lembrando que 0 simbolo > denota uma relacao qualitativa. Podemos, entio, atribuir um numero a (b,, 4) que seja maior que o numero atribuido a (, d,) por meio de uma fungao especifica ¢. Sendo assim, podemos supor, por exemplo, que a pessoa i respondeu corretamente ao item Pp do teste, ao passo que a pessoa j respondeu incorretamente ao item q. Atribuiremos, portanto, um numero tal que ¢(b, q,) > $(b, d,). O que fizemos foi basicamente utilizar o sistema relacional qualitativo S = (2, 6, >), com- posto pelo produto cartesiano das varidveis independentes (habilidade e dificuldade; B, 5) e pela operagiio qualitativa de comparagdo >, ¢ o ma- peamos em um sistema representacional numérico R = (R, >), composto pelos nimeros reais e pela operagio matematica de comparagdo >, por meio de uma fung&o especifica d. Com os nimeros que atribuimos a cada uma das duas combinagées de pessoas ¢ itens, temos que: (5, d) =Xe (by q, ) = Y. Mantemos a relagdo de ordem se, e somente se, X > Y. Nao ha necessidade de empregarmos qual- quer tipo de concatena¢ao empirica. As relages sao todas do nivel qualitati- vo entre as combinagées das varidveis independentes, O segredo para chegar a.esse tipo de operagdo é encontrar uma fungao @ que tenha um conjunto de propriedades que permita o mapeamento do sistema de relagdes qualitativas em um sistema representacional numérico. Nao é fantastico? Considerando o Grafico 1.1 e os argumentos dos pardgrafos anteriores, sabemos que a habilidade da pessoa i é maior que a habilidade da pessoa j, ou seja, b,> b. As habilidades sao diferentes porque n&o se encontram no mes- mo ponto do eixo y do grafico cartesiano. Suponha que queiramos tornar as duas habilidades semelhantes (b, ~ 6). E razoavel pensar que se “adicio- narmos” a uma quantidade X de habilidade semelhante a diferenga entre b, eb, ou seja, b, Ob, ~X, entio, poderemos igualar as duas habilidades: bOX~b, Wright e Stone (1999) fazem uma manobra légica interessante ao realizar um exemplo parecido. Os autores propdem que um item de dificuldade especifica d,, seja dado 4 pessoa 5, e um item de dificuldade d, seja dado a pessoa b,, de modo que o efeito produzido por bd, seja seme- lhante ao efeito produzido por bd,. No fundo, o que os autores propdem 36 = PsicomeTRiA CONTEMPORANEA: Compreennenoo 0s Monetos Rascu é que sé substitua 0 X de b, © bX por uma relagao entre dois itens ded. magnitude representada pela diferenca de um item pelo outro deverg 55, igual 4 magnitude da diferenca da habilidade b, pela b; 5, 8 b=40 a. Assim, a 8,2 b) a b, @(d,Od,)= by. Estamos utilizando og sim. bolos @ e Q, porque as relagdes que estamos expressando sao todas qua. litativas, construgées légicas, e nao construgdes numéricas. Essa ¢ uma forma aditiva de construir uma escala linear intervalar sem a utilizagao dy concatenacao empirica! Vamos entender, no préximo pardgrafo, por que esse procedimento gera uma escala intervalar sem utilizar 0 processo de concatenacdo empirica, mas por meio de concatenacées qualitativas, Quando temos uma estrutura relacional qualitativa S = (8 x 6 >), cuja operacdo de ordenamento > surja como efeito conjunto de duas varidveis~ habilidade da pessoa e dificuldade do item (@, 5) -, € possivel haver concatenacAo (Krantz et al., 1971). No‘entanto, essa concatenag&o ocorre nos intervalos dentro de uma das variaveis, diferente da teoria represen- tacional classica da medida, na qual as concatenagées tinham de ser todas de natureza empirica (literalmente pegar pedagos de madeira de diferentes magnitudes e colocar um junto ao outro para fazer comparagées de mag- nitudes!). Seguiremos a estratégia de Krantz et al. (1971), que utilizaram um plano cartesiano para mostrar essas concatenacées qualitativas dentro de uma varidvel. O Grafico 1.2 é relativamente semelhante ao Grafico 1.1 do exemplo anterior. No entanto, substituimos as' letras minusculas (qué Tepresentavam diferentes pessoas ou itens) por numeros. 2 2 ae 2 o Capitulo 1 -Teoria da Medida e o Modelo Rasch = 37 O intervalo d,d, é adjacente ao intervalo dd, ed,> d,> d,, Portanto, o intervalo d,d, pode ser representado como jungo ou concatenagdo dos intervalos d,d, e d,d,: ,d,~ (a,d,® d,d,) Em outras palavras, a magnitude do intervalo d,d, € semelhante a magnitude da jungdo dos intervalos d,d, e d,d,. Essa concatenagio sé é possivel caso tenhamos um intervalo no fator B que seja semelhante ao intervalo d,d, do fator 6. Considerando que 0 intervalo b,b, representa a mesmamagnitude de Bqueointervalod,d, representa de 6, podemoscons- truiruma sequéncia crescente de magnitude em 6: d,d, < d,d, < d,d,< dd,. Como 6, é constante em todos os pares de coordenadas, conclui-se que d,>d,>d,>d,ea concatenag¢io, ou aditividade, torna-se possivel. A concatenagao qualitativa em um fator (varidvel) é resultado da ag&o conjunta de ambos os fatores (varidveis), uma vez que o ordenamento > ocorre pelo efeito conjunto de B ¢ 6. Essa concatenagao gera uma se- quéncia-padrao com unidades semelhantes, porém, para visualizarmos essa relacdo, precisaremos de outra figura, a qual construiremos a partir da anterior e de acordo com o exemplo de Krantz et al. (1971). Na Figura 1.7 estiio representados os fatores 5 do lado esquerdo e 8 do lado direito. As dificuldades d,, d,, d, so as mesmas do Gréfico 1.2, assim como as habilidades b,, b,. Quanto mais para cima nas retas, maior é a habili- dade ou a dificuldade. A linha pontilhada no meio representa «w, que represen- tao efeito conjunto de Se B. Perceba que, assim como vimos anteriormente, se fixarmos B no ponto b, teremos que d, > d, > d, > d,, e que dd, pode ser representado pela jungdo ou concatena¢ao dos intervalos d,d, ¢ d,d,. Se ima- ginarmos 0 ponto b, como 0 apice de um triangulo, veremos que a base d,d, é semelhante a jungao de dois outros tridngulos menores com 4pices também em b,: um de base d,d,e outro de base d,d, (Figura 1.7a). Ou seja, a Figura 1.7 representa exatamente 0 que vimos no Grafico 1.2, mantendo todas as rela- Ges jé discutidas. No entanto, ela facilita a verificagao da sequéncia-padrao produzida pelo efeito conjunto de Se B. Veja que o intervalo criado na linha 38 = PSICOMETRIA ConTeMpoRANEA: COMPREENDENDO os Mopetos Rasch pontilhada pelos pares d,b, © 4,6, € semelhante ao intervalo criado pelgg pares d,b, ¢ d,b,. Esses intervalos esto representados por pequenas linha, ada do meio) de tamanho perceptualmente semelhan. cinzas (na linha pontilh P , tes (sequéncia-padrao). O efeito de d,b, © d,b, € superior a0 efeito de a,b, é d.p,, B assim que a Figura 1.7 deve ser interpretada, ou seja, ela informa que 0 efeito do item com dificuldade d, é superior ao efeito do item com dificul. dade d, relativo a0 intervalo b,b,. Note, também, que esses intervalos se re. petem para qualquer par formado por um dos elementos de Se pelos dois de B listo €, d,b, € d,b,, ou d,b, € d,b,, ou d,b, ed,b,). Se mudarmos 0 intervalg de referéncia de b,b, (Figura 1.7a) para d,b, Figura 1.7b € c), veremos que a magnitude da sequéncia-padrao muda, mas também permanece igual nas comparagées dos intervalos. Por exempl i na Figura 17) seme oe bid e b,d, tem um efeito (linha cinza-clat Figura 1.7c). O ee 5 te a0 intervalo b,d, ¢ bd, (linha cinza-claro ™ © € semelhante visualmente, pois as duas linhas ranjas visualm po ihe heal apresentam 0 mesmo tamanho ou magnitude. Portanto, ver claram : ' fatores pode Ponte ae ° P lano grifico que a medida conjunta de dois en e itividade (concatenagao) e sequéncia em um far le de medida, relativo a intervalos iguais n0 onto Capitulo 1 —Teoria da Medida eo Modelo Rasch ™ 39 fator. Intervalos iguais tm magnitudes semelhantes; logo, a escala gerada pela Teoria de Medida Aditiva Conjunta é de natureza intervalar. Vale lembrar que Wright e Stone (1999) sugerem a utilizagio da relagao entre dois itens para “igualar” o efeito sobre duas habilidades de magni- tudes diferentes. O que eles fazem pode ser visualizado em um exemplo presente na Figura 1.7. Sabemos que d, > d,, e a manobra légica proposta pelos autores € que se utilize um par de itens, por exemplo b,b,, que faga 0 efeito sobre d, ser semelhante ao efeito sobre d,. A manobra légica de Wright ¢ Stone (1999, p. 4) leva-os a formular a seguinte questdo: “Qual item j de dificuldade d, fara a performance da pessoa B ser semelhante & performance da pessoa'd no item i?”. Se olharmos a Figura 1.7, veremos um exemplo que reflete a manobra logica dos autores: a linha formada pela relac&o entre d,b, cruza a linha do meio no mesmo ponto em que a linha formada pela relagiio de d,b,. Isso significa que d,Od)~ b, © 4,), ou seja, 0 intervalo d,b, é semelhante ao intervalo b,, . Para que todas as caracteristicas apontadas acontecam e a estrutura seja do tipo aditiva conjunta, é necessdrio que quatro regras ou axiomas das medidas aditivas conjuntas sejam satisfeitas: 1. Aortlem entre as combinagées deve ser uma “ordem fraca”. Para obter a chamada “‘ordem fraca”, é necessario que haja transitividade, ou seja, se (by dr & d)e(b, d)) > (by 4); entdo, G, d,)> (b, 4)- Além da transi- tividade, é é necessério que haja conectividade: para todas as comparagées, pelo menos uma dessas relages deve ocorrer, ou seja, (b,, d,) > (6, d,) ou (,d)> (b, 4), ou ambas. 2.A treluigllo entre as varidveis B e 8, deve ser duplamente independente. Utiliza-se aqui a expresso “duplamente independente” porque ha dois tipos de independéncia de componentes, como veremos a seguir, que silo interconectados. O primeiro tipo é a independéncia de realizagao dos componentes, ou seja, o valor de 8 pode ser escolhido sem afetar 0 va- lor de 8, O segundo tipo'de independéncia advém da chamada estrutura decomposta, que garante que 0 componente 6 e 0 6 contam com efeitos independentes no atributo a ser: medido. A partir dessa propriedade, é pos- s{vel mapear o sistema de relagdes empiricas qualitativas S em um siste- ma representacional numérico R para os dois componentes, e encontrar at COMPREENDENDO OS Mopevos RascH 49 = PsICOMETRIA ConTEMPORAN uma fungao F que combine Be Sde modo que se preserve 0 ordenamentg qualitativo do atributo medido. Em outras palavras, a independéncia te mitird o ordenamento independente de Be 6a0 longo da variavel w, duplo cancelamento. O aumento na varidye] 3. As combinagdes devem gerar n dependente produz um efeito especifico de aumento na variavel habj. lidade B e na variével dificuldade 6, mas de maneira independente uma da outra, Borsboom (2003) fornece um exemplo elucidativo. Ele sugere que seja construido uma tabela de trés linhas por tr’s colunas, com as informagdes sobre ambos os fatores independentes; em nosso caso, Bes, crescente da esquerda para a direita e de cima para baixo. Jabela 1.1 @ Dois fatores independentes. } eae (by d) (b, d) (b, d) Fator 5 q (by d,) (6, d,) (b, 4) p (by d (6, d (6, d oO autor pontua que a aditividade requer que qualquer combinagio 2 seja representada por meio da fungaio f(b) + f(d). Suponha que (by 4) ique um maior valor de w do que (b,, d.); enta aconteceré se, e somente se, mee REE (Kb) + ad) » (Ab) + (a) Suponha, também que (, d) > (bp d): i): (Kb) + (4) > (Rb) + ad) Sendo 0s efeitos de Be 8 aditivos, entao: b Ab) + 84) +0) + gd) > f,) + ad) +b) + (4) . Cancelando os ant element direito, temos: os do lado esquerdo com seus iguais do Jado JR) + (4) +10) p + BAS > NO) + afd + )+a(d) Capitulo 1 —Teoria da Medida e 0 Modelo Rasch * Al Gerando a-nova inequagao: (Rb) + a(d)) > (Rb) + 84) 4. Deve-se ser satisfeito 0 axioma de Arquimedes. Esse axioma basicamente estipula que nenhuma diferenga em 8 gera uma mudanga infinitamente maior em @ que qualquer outra diferenga em 8. O mesmo évalido para 6. Em outras palavras, esse axioma estipula que quaisquer valores de B sio comparaveis, assim como quaisquer valores de 6. A partir das medidas aditivas conjuntas, 2 Psicologia e as demais ciéncias humanas, sociais e da satide contam com um sistema formal de medida que & semelhante aqueles encontrados na Fisica, possibilitando medidas verda- deiras, mas sem levar em consideragao a necessidade de concatenagdo empi- rica dos objetos a serem medidos (orsboom, 2003; Borsboom, & Scholten, 2008; Krantz et al., 1971). Esse tipo de medida é obtido quando se aplica uma fungiio especifica que mapeia as relagdes qualitativas encontradas em estruturas aditivas conjuntas em um sistema representacional numérico, de modo que sejam satisfeitos todos os quatro axiomas da Teoria de Medidas Aditivas Conjuntas. Essa fungao quase milagrosa existe e foi desenvolvida na década de 1960 pelo estatistico dinamarqués Georg Rasch, Os Modelos Rasch sao os tinicos modelos probabilisticos da Teoria da Medida Aditiva Conjunta O que o modelo desenvolvido por Rasch (1960) faz é verificar na estrutura de dados obtida, por meio dos instrumentos psicolégicos ou educacionais, se existem relagdes do tipo aditivas conjuntas que satisfa- gam os quatro axiomas mostrados anteriormente. Quando nao ha ajuste aos Modelos Rasch os dados nfo refletem uma estrutura aditiva conjunta. Como os Modelos Rasch so as fungées que possibilitam o mapeamento das relagdes qualitativas em um sistema representacional numérico, se — pENDO OS MODELOS RascH 42 8 PsicomeTRIA CONTEMPORANEA: CCOMPREENT processo de medida verdadeira. Portanto, 9 a os Modelos Rasch fazem é buscar anomalias 10 dado que o distancie ie um critério operacional matematicamente bem definido, 80 gual © dady deveria se ajustar. Nao havendo ajuste dos dados ao critério operacig, nal de medida, novos dados so obtidos, ¢ esse procedimento & repetidg até que oS dados se ajustem ao modelo. Como Andrich (2004, p, 1 “jdentificar anomalias substantivas a partir da anilise de de, dificagio do modelo, [e] coletando novos dados 1 da medida nas ciéncijas nao ha ajuste, nao ha um argumenta, sajuste, resistindo a mot guiados pelo modelo é consistente com 0 pape fisicas como enunciado por Kuhn”. Mas como esses Modelos Rasch funcionam? Bom, para exemplificar essa discussio, apresentaremos brevemente 0 modelo dicotémico, que éo modelo mais simples. Uma discussdo mais aprofundada sobre esse modelo sera realizada no Capitulo 4. O modelo dicotémico de Georg Rasch, também chamado de modelo logistico simples (MLS), estabelece que a resposta X, Cp que Surge do en- contro da pessoa p com o item i, depende da habilidade B da pessoa e da dificuldade 6 do item, e é expressa em termos probabilisticos. A probabili- dade de a pessoa acertar determinado item varia de acordo com sua habi- lidade B. Assim, se B, for igual 4 5, estima-se que a pessoa tenha 50% de chance de acertar o item. Caso B, seja menor que 5, espera-se que a pessoa tenha menos que 50% de chance de acerto. Por outro lado, se 8, for maior que 6, espera-se que a pessoa tenha mais de 50% de chance de respondet corretamente. A relagfo entre habilidade e dificuldade é representada pe# seguinte relaco matematica genérica para respostas dicotémicas: en(6.-5) P4X =x, }=——_. {== ay Par ae as varias propriedades do MLS, a invaridncia pode set pot" la como uma das mais importantes. Essa propriedade garante que 0s Parametros do objeto medido e do instrumento de medida sao S¢ past vels, ou seja, comparagées de habilidades das pessoas in dependem a dificuldade dos itens, e vice-versa. E essa é uma propriedade do modele Capitulo 1 -Teoria da Medida eo Modelo Rasch #43 matematico, endo dos dados empiricos em si (Wright, & Stone, 1999). Em um par de itens, a probabilidade de uma pessoa acertar o primeiro e er- tar 0 segundo, dado que ela acerta apenas um dos dois, depende unica e exclusivamente da dificuldade desses itens, Essa propriedade pode ser expressa da seguinte maneira: P(x. = X= 0)|(x =I, x,.=0) OU(x,, =0, x,.=1)}= +e% De forma semelhante, sendo duas pessoas, 1 e 2,,respondendo a um item i, a probabilidade de a primeira acertar e a segunda errar o item, dado que apenas uma das duas acerta, depende tinica e exclusivamente da habilida- de dessas pessoas. Essa propriedade pode ser expressa da seguinte maneira: Pa P(x, =h a= 0)| (u =1, x,;=0) OU (x, =0, X= 1} Aas A expressio de invariancia dos parametros no modelo dicotémico de Rasch satisfaz um dos principais axiomas da Teoria da Medida Aditiva Conjunta (TMAC), que é 0 da relagéo duplamente independente entre os fatores (no caso, habilidade e dificuldade). Trata-se de uma verificaco ma- tematica de que o modelo satisfaz duas condigées. A primeira condigdo é que o valor de B pode ser escolhido sem afe- tar o valor 6 (independéncia de realizago dos componentes). A segunda condigdio garante que os componentes f e 5 tém efeitos independentes no atributo a ser medido. Desse modo, o modelo dicotémico de Rasch prova, matematicamente, que ha ordenamento independente de Be 6, ao longo da varidvel latente, satisfazendo o axioma 2 da TMAC. Além de satisfazer as duas condigdes do axioma 2, a expressio de in- variancia dos parémetros tem como consequéncia, também, que o aumento na varidvel latente produz um efeito especifico de aumento na habilidade Bena dificuldade 6, mas de maneira independente uma da outra. Assim, satisfaz-se o axioma 3 da TMAC (duplo cancelamento). Por ultimo, como a comparagio da habilidade de duas pessoas 8, ¢ 8, depende da relagao en- tre as habilidades dessas pessoas, ent&o, os valores de B sio comparaveis, 44 @ PSICOMETRIA CONTEMPORANEA: (COMPREENVEN™ da relag&o entre as dificuldades desses itens, en Hi ae tame sio comparaveis. Satisfaz-se, assim, 0 Exon a aa (@xioma de Arquimedes). Por tiltimo, se os dados se qqustain ao modelo dicotémicy de Rasch, entéo, a ordem entre as relagdes ¢ do tipo fraca, satisfazendy 0 axioma 1 da TMAC. Sea ordem das relagdes nao for fraca, os dados nig ¢ i ao modelo. erat modelo dicotémico de Rasch (1960) € os modelos de. rivados siio as tnicas fungdes probabilisticas “magicas” que mapeiam as relagdes qualitativas encontradas em estruturas aditivas conjuntas em um sistema representacional numérico, de modo que sejam satisfeitos todos os quatro axiomas da Teoria de Medida Aditiva Conjunta. Uma das primeiras evidéncias de que 0 Modelo Rasch é um caso especial da Teoria de Medida Aditiva Conjunta foi elaborada por Perline, Wright e Wainer em 1979, mas aprova matematica definitiva s6 foi apresentada recentemente por Newby, Conner, Grant e Bunderson (2009). Este livro vai ajuda-lo(a) a compreen- der melhor os detalhes dos principais Modelos Rasch, suas caracteristicas e aplicagées. REFERENCIAS Andrich, D. (2004) Controversy and the Rasch model: a characteristic of incompatible paradigms? Medical Care, 42, 7-16. \ Borsboom, D. (2003). Conceptual issues in ‘Psychological measurement. : Amsterdam: Universiteit van Amsterdam, B orsboom, D., & Scholten, A. (2008). The Rasch model and additive conjoint measurement theory from the perspecti : PocholosyiI8 MIAN eee ee as Eran D. H., Luce, R. D., Suppes, P,, & Tversky, A. t measurement (Vol. I). New York: Academic P. (1971). Foundations of. Tess. > <

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