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INTRODUÇÃO GERAL À BÍBLIA E

HISTÓRIA DE ISRAEL
CURSOS DE GRADUAÇÃO – EAD
Introdução Geral à Bíblia e História de Israel – Prof.ª Dra. Elisa Rodrigues e Prof.ª Ms.
Elizangela Soares

Meu nome é Elisa Rodrigues, natural de Osasco-SP. Sou bacha-


rel em Teologia e doutora em Ciências da Religião, na área de
Literatura e Religião do Mundo Bíblico, pela Universidade Me-
todista de São Paulo. Também sou bacharel em Sociologia e
Política pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São
Paulo e doutoranda em Ciências Sociais, na área de Cultura e
Política, pela Universidade Estadual de Campinas. Pesquiso te-
mas relacionados à religião, especialmente a hermenêutica de
textos sagrados (judaico-cristãos) e a recepção dessa literatura
pelos protestantismos, neopentecostalismos e catolicismos.
Além de artigos publicados em periódicos especializados em
Teologia e Religião, sou uma das autoras do livro intitulado Palavra de Deus, palavra da
gente: as formas literárias na Bíblia, publicado pela Editora Paulus, e escrevi o livro O que
é teologia?, publicado pela MK Editora.
E-mail: e_rodrigues@yahoo.com

Meu nome é Elizangela Aparecida Soares, natural de Divino de


São Lourenço-ES. Sou mestre em Ciências da Religião e gradua-
da em Teologia pela Universidade Metodista de São Paulo. Tam-
bém sou redatora da revista Oracula, uma publicação do Grupo
Oracula de Pesquisa em Apocalíptica Judaica e Cristã, do qual
sou membro desde 2004. Minhas pesquisas estão voltadas, es-
pecialmente, para literatura e religião no mundo bíblico, histó-
ria cultural e história das ideias no judaísmo antigo e cristianis-
mo primitivo.
E-mail: elizangela.soares@metodista.br
Prof.ª Dra. Elisa Rodrigues
Prof.ª Ms. Elizangela Aparecida Soares

INTRODUÇÃO GERAL À BÍBLIA E


HISTÓRIA DE ISRAEL

Caderno de Referência de Conteúdo


© Ação Educacional Claretiana, 2008 – Batatais (SP)
Trabalho realizado pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais (SP)

Cursos: Graduação
Disciplina: Introdução Geral à Bíblia e História de Israel
Versão: jul./2013

Reitor: Prof. Dr. Pe. Sérgio Ibanor Piva


Vice-Reitor: Prof. Ms. Pe. José Paulo Gatti
Pró-Reitor Administrativo: Pe. Luiz Claudemir Botteon
Pró-Reitor de Extensão e Ação Comunitária: Prof. Ms. Pe. José Paulo Gatti
Pró-Reitor Acadêmico: Prof. Ms. Luís Cláudio de Almeida

Coordenador Geral de EAD: Prof. Ms. Artieres Estevão Romeiro


Coordenador de Material Didático Mediacional: J. Alves

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Preparação Revisão
Aline de Fátima Guedes Felipe Aleixo
Camila Maria Nardi Matos Rodrigo Ferreira Daverni
Carolina de Andrade Baviera
Talita Cristina Bartolomeu
Cátia Aparecida Ribeiro
Vanessa Vergani Machado
Dandara Louise Vieira Matavelli
Elaine Aparecida de Lima Moraes
Josiane Marchiori Martins Projeto gráfico, diagramação e capa
Lidiane Maria Magalini Eduardo de Oliveira Azevedo
Luciana A. Mani Adami Joice Cristina Micai
Luciana dos Santos Sançana de Melo
Lúcia Maria de Sousa Ferrão
Luis Henrique de Souza
Luis Antônio Guimarães Toloi
Patrícia Alves Veronez Montera
Rita Cristina Bartolomeu Raphael Fantacini de Oliveira
Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Tamires Botta Murakami de Souza
Simone Rodrigues de Oliveira Wagner Segato dos Santos

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SUMÁRIO

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 9
2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA DISCIPLINA............................................. 11
3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 34

Unidade 1 – INTRODUÇÃO GERAL À BÍBLIA


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 35
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 35
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 36
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 36
5 AS LÍNGUAS ORIGINAIS E OS PRIMEIROS LIVROS.......................................... 38
6 AS PRIMEIRAS TRADUÇÕES DA BÍBLIA............................................................ 44
7 O DEBATE SOBRE AS AUTORIAS DA BÍBLIA E SEUS LOCAIS DE ORIGEM...... 51
8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 58
9 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 59
10 E-REFERÊNCIAS ................................................................................................. 60
11 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 60

Unidade 2 – ASPECTOS LITERÁRIOS DA BÍBLIA E A FORMAÇÃO DO


ANTIGO TESTAMENTO
1 OBJETIVOS......................................................................................................... 61
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 61
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 62
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 63
5 FORMAS E GÊNEROS LITERÁRIOS DA BÍBLIA.................................................. 63
6 O QUE SÃO FORMAS E GÊNEROS LITERÁRIOS?.............................................. 68
7 OS GÊNEROS MAIORES NA BÍBLIA................................................................... 78
8 VISÃO GERAL SOBRE O ANTIGO TESTAMENTO.............................................. 80
9 ABORDAGENS SOBRE O A "TORAH" OU O "PENTATEUCO"........................... 95
10 Q UESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 97
11 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 98
12 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 99
13 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 99

Unidade 3 – ANTES DA MONARQUIA: O PERÍODO DAS TRIBOS


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 101
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 101
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 102
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 102
5 INTRODUÇÃO GERAL AO TRIBALISMO............................................................ 103
6 PATRIARCA ABRAÃO E HISTÓRIA DE ISRAEL................................................... 107
7 TRIBOS E OS AGRUPAMENTOS......................................................................... 116
8 ESTABELECIMENTO DAS TRIBOS...................................................................... 121
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 123
10 C ONSIDERAÇÕES............................................................................................... 123
11 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 124
12 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 125

Unidade 4 – ISRAEL PRÉ-MONÁRQUICO


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 127
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 127
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 127
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 128
5 UM ISRAEL PRÉ-ESTATAL................................................................................... 129
6 DE PRÉ-ESTATAL A SISTEMA MONÁRQUICO................................................... 132
7 CRISE TRIBAL E AS ORIGENS ESTATAIS DE ISRAEL.......................................... 134
8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 137
9 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 137
10 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 138
11 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 138

Unidade 5 – MONARQUIAS: ISRAEL E JUDÁ


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 139
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 139
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 140
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 140
5 "DÁ-NOS UM REI... COMO AS OUTRAS NAÇÕES" .......................................... 141
6 PROBLEMA DA SUCESSÃO DINÁSTICA............................................................ 154
7 ISRAEL, REINO GLORIOSO: O GOVERNO SOB SALOMÃO............................... 155
8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 169
9 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 169
10 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 170
11 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 171

Unidade 6 – DE NABUCODONOSOR A ALEXANDRE


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 173
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 173
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 174
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 174
5 NABUCO QUEM?............................................................................................... 175
6 ORIGEM DA HISTÓRIA DO CATIVEIRO DOS JUDEUS NA BABILÔNIA............ 176
7 VÃO-SE OS BABILÔNIOS, VÊM OS PERSAS...................................................... 181
8 SAI A PÉRSIA, ESTABELECE-SE O PERÍODO HELENÍSTICO.............................. 186
9 DEPOIS DE ALEXANDRE.................................................................................... 188
10 REVOLTA DOS MACABEUS............................................................................... 189
11 Q UESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 197
12 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 197
13 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 198
14 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 199

Unidade 7 – ANTIGO TESTAMENTO COMO FONTE PARA O ESTUDO DA


HISTÓRIA DE ISRAEL
1 OBJETIVOS......................................................................................................... 201
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 201
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 202
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 202
5 HISTÓRIA DE ISRAEL OU "HISTÓRIAS" DE ISRAEL? ........................................ 203
6 NOVAS PERSPECTIVAS SOBRE A HISTÓRIA DE ISRAEL................................... 204
7 LEITURA DO ANTIGO TESTAMENTO................................................................ 206
8 O ANTIGO TESTAMENTO COMO FONTE: DO COTIDIANO ÀS GRANDES
QUESTÕES POLÍTICAS....................................................................................... 208
9 LEGISLAÇÃO E ORDENAÇÃO SOCIAL .............................................................. 213
10 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 217
11 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 218
12 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 219
Caderno de
Referência de
Conteúdo

CRC

Ementa––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Panorama sobre as línguas, materiais, autores, divisão e traduções. Compre-
ensão da Bíblia e seu conteúdo: cânon e visão geral do Antigo Testamento. O
processo formador do cânon e dos livros bíblicos, gêneros literários e condiciona-
mentos da Bíblia. Experiência fundante do povo hebreu no seu contexto histórico
e geográfico. Formação dos textos bíblicos como testemunho da experiência da
fé hebraica, da sua noção de sagrado e de especificidades dadas a partir das
suas relações sociais, culturais e geopolíticas. História: diferentes etapas da for-
mação do povo, desde o período patriarcal até o período helenístico.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

1. INTRODUÇÃO
Primeiramente, o estudo da disciplina Introdução Geral à Bí-
blia e História de Israel consiste na apresentação da literatura bíbli-
ca como fonte, segundo a historiografia, bem como parte do com-
plexo conjunto de documentos (os canônicos) que dizem respeito
ao judaísmo antigo. Em segundo lugar, essa disciplina concede tra-
tamento à história da Israel com base nas narrativas e depoimen-
tos fornecidos pelos livros que compõem o Antigo Testamento.
10 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

Os conteúdos apresentados a seguir visam propiciar o en-


tendimento de que a Bíblia é um livro formado por muitos outros
livros. Essa diversidade literária se reflete nas diversas narrativas,
poemas, cânticos, profecias, crônicas e outras formas e gêneros li-
terários distribuídos entre o Novo e o Antigo Testamento. Por essa
razão, a historiografia e outras disciplinas das Ciências Humanas
têm se apropriado desse material como fonte de conhecimento
para a pesquisa sobre judaísmos e cristianismos na Antiguidade.
Diante desse contexto, a tarefa de quem lê, traduz e inter-
preta os textos da Bíblia (o exegeta e ou hermenêuta) é a de reco-
nhecer o formato, as características e o tipo de utilização que os
autores dos tempos bíblicos fizeram dessas memórias, registradas
conforme demandas e questões que se impunham aos escritores
no período de redação.
Nessa disciplina, verificaremos que o ambiente e as inten-
ções de cada autor contribuíram e, em certo ponto, determinaram
o ato da comunicação das memórias, das lembranças e das histó-
rias do povo de Deus relacionadas na Bíblia. Desse modo, é possí-
vel afirmar que entre o ambiente e o texto existe influência, visto
que a maneira de se comunicar algo indica, também, o "olhar" de
alguém sobre certa realidade, sua própria experiência e repertó-
rio.
Essa compreensão é relevante, pois indica-nos que o cami-
nho para conhecer a Bíblia tem como estágio compreendê-la como
um conjunto de elementos ligados intimamente: as línguas origi-
nais dos escritos bíblicos, os povos e suas culturas narradas nos
textos, a geografia dos locais por onde estes andaram, residiram,
guerrearam, amaram e cultuaram ao seu Deus, Lahweh. Cada um
desses elementos constitui a Bíblia, fonte histórica e Livro Sagrado
para judeus e cristãos.
Em Introdução Geral à Bíblia e História de Israel, trataremos,
fundamentalmente, da história de Israel. Contudo, antes de en-
trarmos no quadro histórico do povo de Deus, serão apresenta-
das informações necessárias à compreensão dessa fonte e de seu

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© Caderno de Referência de Conteúdo 11

processo de constituição. Com isso, pretende-se demonstrar que


a literatura bíblica propõe um complexo conjunto de documentos
que exigem ser considerados à luz de sua escrita, da cultura das
pessoas que a escreveram e da memória do povo de Israel.
Após essa introdução aos conceitos principais da disciplina,
apresentamos, no tópico a seguir, algumas orientações de caráter
motivacional, bem como dicas e estratégias de aprendizagem que
poderão facilitar o seu estudo.

2. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA DISCIPLINA

Abordagem Geral da Disciplina


Neste tópico, apresenta-se uma visão geral do que será es-
tudado nesta disciplina. Aqui, você entrará em contato com os
assuntos principais deste conteúdo de forma breve e geral e terá
a oportunidade de aprofundar essas questões no estudo de cada
unidade.
Esta Abordagem Geral visa fornecer-lhe o conhecimento bá-
sico necessário para que você possa construir um referencial teó-
rico com base sólida – científica e cultural –, para que, no futuro
exercício de sua profissão, você a exerça com competência cogniti-
va, ética e responsabilidade social. Vamos começar nossa aventura
pela apresentação das ideias e dos princípios básicos que funda-
mentam esta disciplina.
Antes de iniciarmos o estudo da disciplina Introdução Geral
à Bíblia e História de Israel, devemos nos atentar para o fato de
que existe uma ampla bibliografia disponível sobre os conteúdos
que serão estudados. Portanto, tudo o que for apresentado é pas-
sível de discussão e de crítica.
Em princípio, deve-se compreender que a história de Israel
Antigo é sempre uma "nova" história de Israel antigo. Tal afirma-
ção não é descabida, visto que é com base nos livros colecionados
12 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

pelo Antigo Testamento que reconstruímos a história de Israel, a


qual, de fato, está distante de nós, intérpretes modernos, há cerca
de dois mil anos. Logo, o que temos é uma construção idealizada
de sua história.
Assim, cabe-nos compreender que, ao construirmos um
quadro histórico acerca de alguém, de um acontecimento passa-
do ou de qualquer coisa, sempre nos valemos do conjunto de co-
nhecimentos e de experiências que temos à nossa disposição. Isso
significa que, ao relatarmos uma história, discorremos a partir de
vocabulários específicos, ideologias e metodologias que estão ao
nosso alcance.
Para ilustrar esse ponto, basta pensar em uma cena históri-
ca ocorrida há décadas. Agora, imagine que é necessário recontar
essa história muitos anos depois e com os recursos literários dis-
poníveis nesse período. Obviamente, desde que o primeiro relato
sobre o fato foi tecido, algum tempo se passou e se acumularam
pesquisas, documentos e descobertas. Portanto, experiência, co-
nhecimento, vocabulário, metodologia e outros elementos impor-
tantes cooperam para a construção de um discurso.
Esse conjunto de informações e de elementos está circuns-
crito por uma historicidade, que é diferente da historicidade da-
queles primeiros homens e mulheres que relataram os episódios
da história. Com isso, a história de Israel, por exemplo, sempre
será nova a partir do ponto de vista de quem constrói o relato his-
toriográfico.
Quando Martin Noth escreveu sobre Israel como uma "con-
federação de tribos", e Albrecht Alt, em 1944, escreveu que o rit-
mo da história de Israel tinha relação com a situação geográfica e
climática do Antigo Oriente Próximo, ambos falavam e interpreta-
vam documentos do mesmo Israel.
Todavia, os próprios contextos de pesquisa, os interesses
e as metodologias conduziram a diferentes perspectivas sobre a
história de Israel, pois, a cada década, novas descobertas arqueo-

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© Caderno de Referência de Conteúdo 13

lógicas, novas evidências e novos documentos indicam diferentes


rumos para a pesquisa. Portanto, o que sabemos hoje é um pouco
mais em relação ao que sabíamos no começo do século 20, mas,
possivelmente, pode ser menos do que o futuro nos reserva.
Isso nos conduz à afirmação não dogmática de que a histó-
ria de Israel está mudando. O consenso que havia até meados da
década de 1970 foi despedaçado; hoje, o racionalismo positivista
que entendia somente o texto bíblico como base, como o único
manual sobre a história de Israel, tem sido ampliado nos meios
acadêmicos e nos círculos de leitura da Bíblia. Já são muitas as pu-
blicações de documentos e de descobertas de manuscritos antigos
que fornecem ricas informações sobre a história do povo de Israel,
suas tradições, crenças e símbolos.
A sequência patriarcal, antes vista como única possibilidade
histórica para Israel, isto é, José no Egito, a escravidão, o êxodo,
a conquista da terra, a divisão em tribos, os impérios de Davi e
de Salomão, a divisão dos reinos em Norte e Sul, o exílio e a volta
para a terra prometida, hoje tem sido revista à luz das descobertas
arqueológicas, da comparação de fontes e da metodologia da his-
tória comparada das religiões.
O uso exclusivo dos textos bíblicos como única fonte para a
história de Israel tem sido questionado por muitos. A arqueologia
ampliou as perspectivas sobre as etapas da formação de Israel, e,
nesse sentido, a "arqueologia bíblica" tornou-se uma chave geral,
pois hoje se sabe que existem ramos da pesquisa mais especiali-
zados, como a "arqueologia da Palestina", a "arqueologia da sírio-
-palestina" e, ainda, uma "arqueologia do Levante Sul".
Mesmo a crítica literária, uma escola de investigação que se
ocupa de examinar os textos bíblicos nos níveis da história da tra-
dição, da redação e das formas, já tem apontado para a perspec-
tiva de que os gêneros literários que formam o complexo bíblico
não são predominantemente históricos; existem mitos, fábulas,
etiologias, parábolas, sátiras, lamentos e tantas outras formas de
redação que o material bíblico evoca para si um olhar atento, mi-
nucioso, quase que investigativo.
14 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

Essa perspectiva nos convida a examinar os textos bíblicos


como se tivéssemos uma lupa em punho, um instrumento que é
necessário para a identificação de vestígios e pistas que possam nos
ajudar a montar esse "quebra-cabeça" que é a história de Israel.
Nesse sentido, é cada vez mais atrativa a elaboração de uma
"história de Israel" que considere o material bíblico, a arqueologia
e os documentos extrabíblicos.
A construção de um relato histórico, isto é a compreensão
de Israel, inicialmente, à parte de chaves teológicas familiares que,
muitas vezes, nos impedem de ver o povo hebreu, as tribos, o es-
tado monárquico e outros episódios da história de Israel como a
história de um povo que contraiu e desfez alianças políticas, que
lutou pela posse da terra no Oriente Próximo Antigo e que, em
razão desses acontecimentos, desenvolveu intercâmbios culturais
com os povos vizinhos, pode nos ajudar a ver Israel a partir de ou-
tro prisma, que não apenas a perspectiva do "povo escolhido" ou
do "povo de Deus".
O que a arqueologia e a historiografia contemporâneas pre-
tendem é construir uma história de Israel e dos povos vizinhos ou,
quem sabe, uma história da Síria/Palestina.
Controvérsias na História de Israel
A partir de 1967, o norte-americano Thomas L. Thompson,
ao pesquisar sobre os textos do Gênesis, sobre os patriarcas e os
paralelos com os costumes de Nuzi, chegou à conclusão que o am-
biente adequado para as tradições patriarcais era o primeiro milê-
nio AEC.
Contrariamente ao que a maioria dos pesquisadores disse,
até então, Thompson descartou o segundo milênio como ambien-
te das tradições sobre os patriarcas. Em 1974, com o lançamento
de seu livro, houve grande reboliço entre os pesquisadores do An-
tigo Testamento.

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© Caderno de Referência de Conteúdo 15

Décadas depois, em 1987, Thompson examinou a questão


das origens de Israel e retomou os argumentos da década de 1970,
na qual localizou as origens de Israel em uma região montanhosa,
ao Norte de Jerusalém, e durante o século 9 AEC. Essa conclusão
propunha que não poderia haver monarquia unida sob Davi e Sa-
lomão em Jerusalém, no século 10 AEC.
Quando, mais tarde, em 1992, a tese de Thompson foi publi-
cada, a reação ao seu livro foi bastante explosiva, o que o fez ser
afastado da universidade onde lecionava e desenvolvia pesquisas,
nos Estados Unidos, e convidado a trabalhar no Departamento de
Estudos Bíblicos da Universidade de Copenhague. Mas essa não foi
a única controvérsia em torno da história de Israel.
Ainda na década de 1960, o canadense John Van Seters revi-
sou, criticamente, a Hipótese Documentária do Pentateuco e exa-
minou as tradições sobre Abraão. Como se sabe, desde que foi de-
senvolvida, no século 18, a Hipótese Documentária afirmava que
o Pentateuco foi elaborado em etapas, em momentos distintos e
conforme diferentes tradições.
A Teoria Documentária do Pentateuco surgiu no século 18 e
tem passado por diversas fases. Julius Wellhausen é o nome clás-
sico dessa teoria e publicou suas obras de referência em 1878 e
1883. Esse estudioso se baseou em uma filosofia evolucionária
naturalista da história e da religião de Israel, de acordo com a ten-
dência racionalista típica de seu tempo.
A expressão clássica dessa teoria afirma o Pentateuco como
obra bem posterior a Moisés, constituída de quatro documentos,
que pode ser resumida da seguinte forma:
1) "J": o nome de Deus é sempre escrito como JHVH e
transliterado como Javé.
2) "E": o nome de Deus é sempre apresentado como Elo-
him (Hebraico para Deus ou poder).
3) "D": escreveu o livro de Deuteronômio, os livros de Jo-
sué, de Juízes, 1 e 2 Samuel e 1 e 2 Reis.
16 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

4) "P": material sacerdotal (em inglês priestly). Usa Elohim


e El Shaddai como nomes de Deus.
Desse modo, é formada a sigla JEDP.
As fontes javista, eloísta, deuteronômio e sacerdotal foram
elaboradas desde o século 10 AEC, na corte davídico-salomônica,
até o século 5 AEC, com Esdras, na Jerusalém pós-exílica.
Porém, Van Seters concluiu que a fonte J deveria ser conside-
rada como tradição pós D; por isso, toda a Hipótese Documentária
deveria ser examinada novamente. A pesquisa de Van Seters foi pu-
blicada em 1975, e, nos anos subsequentes, 1976 e 1977, duas ou-
tras pesquisas sobre o mesmo tema foram publicadas; desde então,
a teoria clássica das fontes do Pentateuco nunca mais foi a mesma,
conforme verificamos no emblemático título da pesquisa publicada
pelo prof. Walter Kaiser Explodindo a teoria JEDP, de 1991.
Segundo Van Seters, em 1992 e 1994, a tradição javista é
uma obra unificada que se estende da criação do mundo até a
morte de Moisés, e, portanto, os javistas elaboraram uma obra his-
toriográfica, que Van Seters compara à obra do historiador grego
Heródoto. Para tanto, a tradição J teria se baseado tanto na tradi-
ção oral quanto na escrita, mas teria concedido especial atenção a
uma construção teológica e unificadora para Israel.
Assim, o objetivo da obra J era corrigir o nacionalismo e o
ritualismo da tradição deuteronômica; por isso, o Javista era pos-
terior ao Deuteronômio e contemporâneo ao Dêutero-Isaías, que
tinha afinidades com Jeremias e com Ezequiel. Contudo, a tradição
J deveria ser considerada anterior à tradição sacerdotal, P, que,
por sua vez, não seria uma obra independente, mas uma série de
suplementos pós-exílicos ao deuteronomistas e javistas. Por fim, a
tradição eloísta, E, não se sustentaria como documento indepen-
dente e desapareceria.
Pode-se perceber, dessa forma, que a pesquisa sobre a his-
tória de Israel tem um leque de investigações, perspectivas e me-
todologias muito amplo, mas, nem sempre, consensual, o que, a

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© Caderno de Referência de Conteúdo 17

despeito do que possa parecer, não é ruim; antes, demonstra que


há espaço para diferentes abordagens e posturas sobre Israel, sua
religião, expressão cultural e literatura.
O Antigo Israel
Mas, então, onde fica o Antigo Israel?
Em 1992, o professor Philip Davies, da Universidade de She-
ffield, no Reino Unido, publicou um interessante e provocador li-
vro sobre o Antigo Israel . Nessa obra, Davies argumentou que a
expressão "Antigo Israel" era um construto erudito elaborado pe-
los estudiosos, a partir da imagem de um Israel bíblico e de alguns
dados arqueológicos.
Entretanto, esse Israel não era o Israel histórico, e, assim,
seria necessária uma busca pelo "Antigo Israel", imerso e esque-
cido na construção ideal de um Israel comunitário e escolhido por
Deus. A imagem de um Israel bíblico era mais um problema do que
um dado, e a correção desse problema se daria com a exclusão da
literatura bíblica, isso porque as definições de "Israel", dos "cana-
neus", do "exílio" e do "período persa" apresentadas pelo material
bíblico não ofereciam um retrato suficientemente claro para que
se pudesse reconstituir Israel. Para Davies, o historiador precisa
investigar a história real, independentemente do conceito bíblico.
Davies questionou a continuidade étnica entre os exilados
judaítas do século 6º e os que vieram da Babilônia na época persa
para repovoar Judá. Ele afirmou que a literatura bíblica foi inventa-
da nas épocas persa e grega, com o objetivo de formar um quadro
cultural para exportação, entendeu que as histórias foram criadas
e colecionadas na sequência que hoje conhecemos e, por fim, su-
geriu que o estado asmoneu (ou macabeu) é que tornou possível a
transformação do Israel literário em um Israel histórico.
Importa-nos que as possibilidades de compreensão da his-
tória de Israel são muitas e, algumas delas, bastante controversas,
mas, para nós, pesquisadores de religião e de teologia, são válidas
18 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

como arsenal metodológico e, sobretudo, como recursos para re-


pensar nossos próprios pressupostos.
Outra discussão muito interessante está relacionada às ori-
gens dos estados israelitas.
Em 1996, foi publicado um livro, editado por Volkmar Fritz
e Philip R. Davies, denominado As origens dos antigos estados is-
raelitas, no qual os autores discutem a existência ou não de uma
monarquia unida em Israel e, especialmente, de um império daví-
dico-salomônico.
O sempre polêmico Philip Davies, logo na introdução do li-
vro, lembrou que o debate sobre a formação dos estados israelita
e judaico já existia desde longa data e que ele havia significativa-
mente esquentado com a descoberta, em 1993, da inscrição de Tel
Dan.
Desde 1966, Avraham Biran escavava o sítio arqueológico de
Tel Dan. Foram vários anos de trabalho até que a descoberta mais
importante ocorresse, finalmente, em 1993, ocasião em que sua
equipe removia o entulho da área do portão da cidade. Parte da
muralha, destruída em 733-732 AEC, continha um fragmento de
um monumento inscrito.
Por se tratar de um fragmento, a mensagem estava incom-
pleta. Havia 13 linhas incompletas escritas em hebraico arcaico, a
escrita usada antes do exílio, em 586 AEC. As palavras eram sepa-
radas por pontos e a inscrição reza como segue:
(1) ...meu pai subiu
(2) ...e meu pai morreu, ele foi para...
(3) real outrora na terra de meu pai...
(4) Eu (lutei contra Israel?) e Hadad foi diante de mim...
(5) ...meu rei. E eu matei de (entre eles) X infantes, Y char-
(6) retes e dois mil cavaleiros...
(7) o rei de Israel. E matou (...o parente)

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© Caderno de Referência de Conteúdo 19

(8) g da casa de Davi. E eu pus...


(9) sua terra ...
(10) outro...(ru)
(11) conduziu contra is(rael...)
(12) sítio contra...
Nessa polêmica inscrição, alguns especialistas leem um par
de palavras como uma referência a um rei da "casa de Davi" – o
que faria dessa inscrição a primeira e, até agora, única referência
extrabíblica a Davi e ao seu reino; outros, porém, preferem negar
qualquer apoio desse texto à existência de um reino davídico na
região da Palestina.
A partir dessa descoberta arqueológica, Davies pergunta: O
que teria sido esse primeiro "estado israelita"? Um reino unido
composto pelas tribos de Israel e Judá que dominou todo o terri-
tório da Palestina e, em seguida, foi dividido em reinos do "Norte"
e do "Sul"? Ou seria tudo isso mera ficção? O que teria acontecido
na região central da Palestina nos séculos 10 e 9 AEC?
Uma possibilidade de resposta a essas perguntas foi pro-
posta por Christa Schäfer-Lichtenberger, da Alemanha. De acordo
com sua perspectiva, muitos autores atualmente defendem uma
reconstrução da sociedade israelita do século 10 apenas com o uso
da arqueologia e das fontes do Antigo Oriente Médio.
Todavia, ao contrário do texto bíblico, o silêncio dessas duas
fontes leva tais autores:
• à negação da existência de um estado israelita no século
10;
• à afirmação de que esses primeiros reis e sua organização
política nada mais eram do que projeções pós-exílicas.
Portanto, antes de falar da emergência do estado israelita,
seria necessário fazer algumas considerações sobre sua situação.
20 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

A ausência de documentos escritos no Antigo Oriente Médio


sobre Israel na Idade do Ferro I (1200-900 a.C.) pode ter quatro
causas, uma independente da outra:
1) Não existiu uma entidade política de nome Israel nessa
época.
2) Síria/Palestina, Egito e Assíria não conseguiram hege-
monia política sobre essa região nessa época e, por isso,
nada registraram.
3) Os textos não sobreviveram porque foram registrados
em papiros.
4) Os escritos ainda não foram encontrados.
Christa Schäfer-Lichtenberg assegura que a ausência de mo-
numentos e inscrições dessa época indicam que não devemos co-
locar Judá (reino de Israel) no mesmo nível do Egito ou da Assíria,
pois esses impérios, por sua grandeza, teriam deixado vestígios de
sua época na mesma proporção de sua importância; portanto, es-
tados com estruturas menores ou menos representativas em rela-
ção ao Egito e à Assíria não poderiam ser medidos com os mesmos
critérios usados para os grandes impérios.
E mesmo que inscrições em monumentos tenham existido,
elas estariam em Jerusalém, onde dificilmente teriam sobrevivido
às reformas religiosas de reis como Josias – isso porque continham
os títulos de outras divindades que não Javé – ou às maciças des-
truições militares de que a cidade foi vítima.
Christa encerra sua abordagem concluindo que a arqueolo-
gia não possui todas as chaves para a elaboração da história de Is-
rael e que esse debate é predominantemente teórico; em seguida,
ela propõe uma perspectiva teórica, que tem início com a discus-
são sobre a noção do Estado como forma de organização política.
Para tanto, entre outros teóricos, ela usou a abordagem sociológi-
ca de Max Weber ao compreender Israel a partir da categoria de
estado primitivo.
Niels Peter Lemche, da Dinamarca, introduziu o conceito de
"sociedade patronal" ("patronage society") para explicitar a varie-

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© Caderno de Referência de Conteúdo 21

dade social da Síria e, especialmente, da Palestina, no período do


Bronze Recente (1500-1200 AEC).
Esse modelo, frequentemente chamado de "sistema social
mediterrâneo", parece ter sido onipresente em sociedades com
certo grau de complexidade, mas que não constituíam, ainda, es-
tados burocráticos. Aqui, Lemche também parece lançar mão da
sociologia weberiana para estudar o estado de Israel, cuja organi-
zação vertical ele definiu, porém, como típica de uma sociedade
patronal, isto é, no topo, encontramos o patrono, um membro de
uma linhagem líder, e, abaixo dele, deparamos-nos com seus clien-
tes, normalmente homens e suas famílias.
Lemche explicou que a ligação entre patrono e cliente é pes-
soal, com juramento de lealdade do cliente ao patrão e de prote-
ção do patrono ao cliente. Assim, em tal sociedade, códigos de leis
não seriam necessários, pois ninguém diria ao patrono como jul-
gar. O problema dessa abordagem é que Lemche não considera o
sistema de patronagem uma espécie de código, mas uma espécie
de nomos que ordena e impõe limites ao comportamento social.
Seguindo Lemche, a crise da Palestina pode ser explicada a
partir desta realidade: os senhores das cidades-estado palestinas
interpretavam o faraó como seu patrono e requeriam proteção em
nome de sua fidelidade; todavia, o estado egípcio não reconhe-
cia os israelitas do mesmo modo e, por isso, os tratava de modo
impessoal, segundo normas burocráticas. Em decorrência disso, a
percepção era a de que os pequenos reis das cidades de Canaã
foram abandonados pelo faraó.
Nota-se, portanto, que os estudiosos lançam mão de dife-
rentes instrumentais e metodologias para a construção de suas
abordagens. Tanto a pesquisadora alemã quanto o estudioso di-
namarquês empregaram os conceitos e o modelo weberiano de
análise sociológica.
Todavia, os resultados foram diferentes pela própria natu-
reza do interesse de cada estudioso, o que nos mostra o quanto
22 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

a história de Israel pode ser uma nova história. Para nós, é muito
importante dedicar especial atenção à identificação dos referen-
ciais teóricos e ideológicos de cada autor que estudamos. Qual é
a tese central dos autores que lemos? Quais são os argumentos
relacionados que visam legitimar a tese apresentada? Como cada
autor constrói sua história de Israel?
Essas perguntas são muito relevantes, tendo em vista que,
a partir delas, podemos nos afastar de abordagens fundamenta-
listas, utópicas e/ou românticas demais. Isso não quer dizer que
podemos contar a verdadeira história de Israel, mesmo porque
estamos anos-luz dos acontecimentos, da cultura e das condições
que o rodearam; mas a atenção ao que lemos e o olhar crítico po-
dem nos facultar aproximações honestas do que teria sido o Israel
tribalista, monárquico, dividido e dominado.
É possível a escrita de "uma" história de Israel?
Esse questionamento nos leva à observação de que, assim
como nos estudos sobre o Jesus histórico e sobre as origens da
cristandade, parece cada vez mais comum a pesquisa na área de
Literatura Bíblica, que valoriza a pluralidade e a diversidade no ju-
daísmo antigo.
Se, de um lado, durante muito tempo, os estudiosos da Bí-
blia se esforçaram para construir um quadro retilíneo e uniforme
da história de Israel até Jesus e seu movimento, com a finalidade
de manter certa unidade no cristianismo, hoje em dia, por outro
lado, a tendência da pesquisa tem sido conduzida, justamente,
para o lado oposto.
Isto é, a exegese, amparada por outras disciplinas das Ciên-
cias Humanas, como a antropologia social e a história cultural, tem
buscado interpretar o material bíblico a partir dos detalhes e das
peculiaridades da cultura de Israel. Segundo essa abordagem da
história, às vezes, pequenos gestos revelam mais do que qualquer
atividade formal cuidadosamente preparada por algum redator.

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© Caderno de Referência de Conteúdo 23

Essa é a proposta de um método interpretativo centrado so-


bre os resíduos, sobre os dados marginais, considerados revelado-
res de um grupo social, de uma religião, de uma cultura.
Atualmente, existe um grupo de pesquisadores que se reú-
nem com o intuito de discutir a metodologia histórica. Esse grupo
surgiu com o objetivo de abordar, de maneira sistemática, as ques-
tões centrais da história de Israel, tendo como coordenador Lester
L. Grabbe, professor de Bíblia hebraica e judaísmo antigo.
Para ele, o debate sobre o modo como a história de Israel
tem sido escrita está se tornando cada vez mais complexo nas últi-
mas décadas, pois alguns pesquisadores julgam perigosos o deba-
te e suas conclusões mais recentes.
Basicamente, existem duas posturas que necessitam ser es-
pecificadas: a primeira, chamada maximalista, defende que tudo
o que, nas fontes, não é falso deve ser aceito como histórico; já a
segunda, chamada minimalista, propõe que tudo o que não pode
ser legitimado por evidências que corroborem para sua autentici-
dade deve ser descartado.
Desde 1996, o grupo tem apresentado suas conclusões para
discussão, e, nesses encontros, os debates giram em torno das se-
guintes perguntas: é possível a escrita de uma história de Israel?
Como? Nesse empreendimento, qual é o papel dos escritos do An-
tigo Testamento?
Em um dos relatórios, os pesquisadores admitiram que al-
gumas posturas são irreconciliáveis; contudo, todos concordaram
que a história da Antiga Palestina e da Síria deve considerar toda a
região do Mediterrâneo, bem como as trocas simbólicas e os po-
vos que nela viveram. Tratar a história de uma nação específica
como a história de "todo o Oriente próximo" parece ser um erro,
especialmente quando essa história traz elementos de outros po-
vos, relatos de conflitos e de divisões.
Relegar os intercâmbios e as relações que existiram entre
Israel e os povos vizinhos, bem como escrever uma história do an-
24 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

tigo Israel, seria como corroborar para a escrita de uma história


fictícia. Com isso, os pesquisadores não negaram a existência de
um reino de Israel, assim como de um reino de Judá, testemunha-
dos pela Assíria.
Todavia, os membros desse seminário fizeram objeções a
duas concepções correntes:
• o construto literário "Israel bíblico" pode ser diretamen-
te traduzido em termos históricos. A ideia é que essa
expressão não dá conta da complexidade de Israel, con-
siderando as várias etapas de sua formação. Assim, não
teria existido apenas um Israel, mas vários, e não teria
existido apenas um judaísmo, mas diferentes judaísmos
propiciados pelos contatos étnicos e processos de cons-
trução identitária.
• Israel deve canalizar e dominar o estudo da região na
Antiguidade. Os membros do seminário consideraram
que a história de Israel não se circunscreve ao universo
de acontecimentos ocorridos com os israelitas, mas que
esses fatos estavam inseridos num lastro histórico muito
mais amplo, que envolve o conhecimento de outros po-
vos, como os egípcios, os babilônios, os persas, os gregos,
os romanos etc.
Após esse acirrado debate, alguns pesquisadores, imbuídos
pelo espírito pós-moderno, cogitaram a impossibilidade de se fa-
zer história. Mas essa postura, segundo a qual "tudo é interpre-
tação", parece não ter cedido espaço aos anseios de muitos dos
pesquisadores, os quais ainda reconhecem na Bíblia uma podero-
sa fonte de informações e de dados antigos a serem investigados
e interpretados.
Talvez, em face desse debate, a postura mais adequada seja
a honestidade quanto a nós mesmos, nossos pressupostos, ideo-
logias e lentes, as quais colocamos com a finalidade de achar no
texto o que queremos. Se pudermos identificar essas motivações

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© Caderno de Referência de Conteúdo 25

nem sempre adequadas, porventura possamos escrever e recons-


truir não a história de Israel, mas uma história de Israel, sempre
atentos aos limites de nossas propostas.

Glossário de Conceitos
O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rá-
pida e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um
bom domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de
conhecimento dos temas tratados na disciplina Introdução Geral à
Bíblia e História de Israel. Veja, a seguir, a definição dos principais
conceitos desta disciplina:
1) Anacronismo: trata-se da atribuição de data, período
ou época incorretos. Quando há erro cronológico. Por
exemplo: atribuir a um acontecimento moderno uma
datação antiga, quando tal acontecimento não poderia
ter ocorrido.
2) Anômalo, anomalia: a anomalia pode ser entendida
como aquilo que escapa à norma ou ao conjunto de leis
que servem para classificar em ordens específicas. Para
a antropologia, anômalo é o comportamento, a condi-
ção, a pessoa ou o objeto considerado inadequado em
relação ao compêndio de elementos rejeitados de certo
sistema ordenado. A antropóloga Mary Douglas chama
a atenção para a diferença entre os termos "anomalia" e
"ambiguidade", embora tanto um quanto o outro apon-
tem uma espécie de inadequação. Anômalo é aquilo que
foge a certos padrões; ambíguo é o que apresenta pos-
sibilidade de duas interpretações: "[...] uma anomalia é
um elemento que não se ajusta a um dado conjunto ou
série; a ambigüidade é um tipo de afirmação sujeita a
duas interpretações. Mas a reflexão sobre certos exem-
plos mostra que há pouca vantagem em se distinguir en-
tre estes dois termos na aplicação prática. O melaço não
é sólido nem líquido; pode-se dizer que nos dá uma im-
pressão sensorial ambígua. Pode-se dizer também que o
melaço é anômalo na classificação de líquidos e dos só-
26 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

lidos, não estando nem em um nem em outro conjunto"


(DOUGLAS, 1966, p. 53).
3) Apócrifo: para a tradição judaico-cristã, os livros apócri-
fos são considerados textos não inspirados, assim como
os pseudoepígrafos, coleções judaicas do mesmo perío-
do cujos autores reais são desconhecidos. Em geral, es-
ses textos recebiam nomes de autores conhecidos, mas
não há evidência de que tenham sido realmente escri-
tos por eles. Conjectura-se que essa tenha sido a forma
encontrada por editores menores para que seus textos
fossem aceitos.
4) Cânon: (kanón) palavra grega originária de um emprés-
timo semítico "‫( "הנק‬kanê), cujo sentido é "junco" que
passou a designar "vara de medir" e, posteriormente,
"regra", "padrão" ou "norma". Tardiamente, adquiriu o
significado de "lista" ou "tabela". Durante os séculos 2 e
3, o vocábulo referiu-se ao conteúdo normativo doutri-
nário e ético da fé cristã e, por volta do século 4, passou
a designar lista de livros que constituem o Antigo e o
Novo Testamento. Atualmente, o sentido mais comum
corresponde à coleção encerrada de documentos que
formam a Bíblia.
5) Concílio: em sentido religioso, esse termo diz respeito
à assembleia realizada pelo alto clero, a fim de elaborar
decisões doutrinárias, disciplinares ou relacionadas à fé.
6) Copta, escrituras gnósticas, gnosticismo: esses três con-
ceitos estão relacionados; o copta é uma língua africana
usada na redação dos textos chamados gnósticos; gnos-
ticismo é o movimento formado por judeus convertidos
ao cristianismo e espalhados pelo império até o Norte
da África que mesclava as culturas judaicas, gregas e
coptas. O que se sabe dos gnósticos ainda é pouco e o
conhecimento que se tem atualmente veio por meio da
pesquisa em textos gnósticos, datados, aproximadamen-
te, entre os séculos 1 e 4, e descobertos na região de
Nag Hammadi (Egito), em 1945. Dentre os textos gnós-
ticos mais conhecidos, está o Evangelho de Tomé (EvT),
escrito em língua copta.

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© Caderno de Referência de Conteúdo 27

7) Dialética: "Em grego, a palavra dia quer dizer dois, du-


plo; o sufixo lética deriva-se de logos e do verbo legin
(cujo sentido estudamos nos capítulos dedicados à lin-
guagem e ao pensamento). A dialética, como já vimos,
é um diálogo ou uma conversa em que os interlocutores
possuem opiniões opostas sobre alguma coisa e devem
discutir ou argumentar de modo a passar das opiniões
contrárias à mesma idéia ou ao mesmo pensamento so-
bre aquilo que conversam. Devem passar de imagens
contraditórias a conceitos idênticos para todos os pen-
santes. A dialética platônica é um procedimento intelec-
tual e lingüístico que parte de alguma coisa que deve ser
separada ou dividida em dois ou duas partes contrárias
ou opostas, de modo que se conheça sua contradição e
se possa determinar qual dos contrários é verdadeiro e
qual é falso. A cada divisão surge um par de contrários,
que devem ser separados e novamente divididos, até
que se chegue a um termo indivisível, isto é, não for-
mado por nenhuma oposição ou contradição e que será
a idéia verdadeira ou a essência da coisa investigada.
Partindo de sensações, imagens, opiniões contraditórias
sobre alguma coisa, a dialética vai separando os opostos
em pares, mostrando que um dos termos é aparência
e ilusão e o outro, verdadeiro ou essência. A dialética é
um debate, uma discussão, um diálogo entre opiniões
contrárias e contraditórias para que o pensamento e a
linguagem passem da contradição entre as aparências à
identidade de uma essência. Superar os contraditórios
e chegar ao que é sempre idêntico a si mesmo é a ta-
refa da discussão dialética, que revela o mundo sensí-
vel como heraclitiano (a luta dos contrários, a mudança
incessante) e o mundo inteligível como parmenidiano
(a identidade perene de cada idéia consigo mesma)"
(CHAUI, 2000, p. 229).
8) Dialógica, dialogismo: o princípio da dialógica e do dia-
logismo, fundamentalmente desenvolvidos na obra de
M. Bakhtin, relaciona-se à concepção de linguagem, mas
também de mundo e de vida. Essa concepção se opõe
ao monologismo da cultura moderna do relativismo, de
28 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

um lado, e do dogmatismo, do outro. O dialogismo pres-


supõe interação, deslocamento da noção de sujeito que
tem ação sobre o objeto, como se fossem domínios se-
parados. Assim, o princípio constitutivo do pensamento
dialógico é a descentralização, isto é, o "[...] sujeito per-
de o papel de centro e é substituído por diferentes (ain-
da que duas) vozes sociais, que fazem dele um sujeito
histórico e ideológico. Em outros termos, concebe-se o
dialogismo como o espaço interacional entre o eu e o tu
ou entre o eu e o outro" (BARROS, 2003, p. 2-3). Trata-se
do espaço criado entre ambos.
9) Diáspora: trata-se do movimento mundial de dispersão
dos judeus no decorrer dos séculos.
10) Endogamia: termo originário de endo (dentro) e gamia
(casamento). Refere-se a casamentos entre membros de
um mesmo grupo social, seja família, linhagem ou clã.
11) Epônimo: palavra originária do grego epónymos, cujo
significado aponta para o que cede seu nome a alguém
ou a alguma coisa.
12) Exegese: disciplina por meio da qual se elabora uma in-
terpretação, comentário ou explicação de literatura reli-
giosa como a Bíblia. Envolve procedimentos gramaticais,
filológicos, históricos, geopolíticos e culturais.
13) Exogamia: termo originário de exo (para fora) e gamia
(casamento). Refere-se a casamentos realizados entre
pessoas de famílias, linhagens ou clãs diferentes.
14) Helenismo, helenização: termos usados quando nos
referimos à cultura e a um modo de vida que se segui-
ram às conquistas de Alexandre. Para M. Hengel e J. G.
Droysem, por exemplo, o helenismo define-se como o
sincretismo entre culturas gregas e orientais. De fato, a
definição desse conceito é mais complexa do que a sua
abstração; mas, por ora, importa-nos apenas ter em
mente que o helenismo estava relacionado, essencial-
mente, às questões de cunho cultural.
15) Mediterrâneo: trata-se de um mar interior do Atlânti-
co Oriental, localizado entre a África Setentrional, a Ásia
Ocidental e a Europa Meridional. A extensão do mar

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© Caderno de Referência de Conteúdo 29

abrange cerca de 2,5 milhões de km2, o que o torna o


maior mar continental do mundo.
16) Nômades: povos, grupos sociais ou tribos caracterizados
por não fixarem moradia em lugares específicos. O com-
portamento nômade é marcado por ser itinerante e pela
mobilidade.
17) Prescrição: em sentido jurídico, trata-se de ordem for-
mal e explícita. Também significa preceito.
18) Pseudoepígrafo: os livros pseudoepígrafos são assim
designados porque possuem autoria e autenticidade
questionáveis. Portanto, tanto títulos quanto autores
são falsamente atribuídos com o propósito de terem au-
toridade legitimada.
19) Satrapias: denominação para a divisão do antigo impé-
rio persa.
20) Seminômades: povos, grupos sociais ou tribos caracte-
rizados por fixarem moradia em determinados lugares
temporariamente. Apesar da possibilidade de mobilida-
de, esse traço não é acentuado, visto que lugares que
apresentam condições satisfatórias podem ser escolhi-
dos para fixar moradia e desenvolver outras atividades
relacionadas à vida social e econômica do grupo. Um
clérigo ou monarca exerce poder em governos de cará-
ter teocrático.
21) Teocracia: do grego "téo" (Deus, divino) e "cracia" (go-
verno). Portanto, significa governo de Deus ou instituído
por Deus. Um governo teocrático é caracterizado por ser
centrado em uma autoridade legitimada pelo divino, ou
seja, o poder emana de Deus.
22) Vernáculo: trata-se da língua própria de um país ou de
uma região; língua nacional, idioma, vernáculo.

Esquema dos Conceitos-chave


Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais im-
portantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um Es-
quema dos Conceitos-chave da disciplina. O mais aconselhável é
que você mesmo faça o seu esquema de conceitos-chave ou até
30 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

mesmo o seu mapa mental. Esse exercício é uma forma de você


construir o seu conhecimento, ressignificando as informações a
partir de suas próprias percepções.
É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos
Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações en-
tre os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais
complexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você
na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de
ensino.
Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-se
que, por meio da organização das ideias e dos princípios em esque-
mas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu conheci-
mento de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pedagógi-
cos significativos no seu processo de ensino e aprendizagem.
Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es-
colar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas
em Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda,
na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que es-
tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos
conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim,
novas ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem
pontos de ancoragem.
Tem-se de destacar que "aprendizagem" não significa, ape-
nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preci-
so, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure
como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante con-
siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais
de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos concei-
tos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez
que, ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog-
nitivas, outros serão também relembrados.
Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é
você o principal agente da construção do próprio conhecimento,

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© Caderno de Referência de Conteúdo 31

por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações in-


ternas e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por ob-
jetivo tornar significativa a sua aprendizagem, transformando o
seu conhecimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja,
estabelecendo uma relação entre aquilo que você acabou de co-
nhecer com o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo
(adaptado do site disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/eduto-
ols/mapasconceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em:
11 mar. 2010).

Processo
de redação

Fonte do Bíblia Esfera


período (Antigo histórico-
Testamento) -política

Esfera sócio-
-cultural

Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave da disciplina Introdução Geral à


Bíblia e História de Israel.

Como pode observar, esse Esquema oferece a você, como


dissemos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais im-
portantes deste estudo. Ao segui-lo, será possível transitar entre
os principais conceitos desta disciplina e descobrir o caminho para
construir o seu processo de ensino-aprendizagem.
32 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de


aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambien-
te virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como
àqueles relacionados às atividades didático-pedagógicas realiza-
das presencialmente no polo. Lembre-se de que você, aluno EaD,
deve valer-se da sua autonomia na construção de seu próprio co-
nhecimento.

Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem ser
de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertativas.
Responder, discutir e comentar essas questões, bem como
relacioná-las com a prática do ensino de Introdução Geral à Bíblia
e História de Israel pode ser uma forma de você avaliar o seu co-
nhecimento. Assim, mediante a resolução de questões pertinentes
ao assunto tratado, você estará se preparando para a avaliação fi-
nal, que será dissertativa. Além disso, essa é uma maneira privile-
giada de você testar seus conhecimentos e adquirir uma formação
sólida para a sua prática profissional.

Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus
estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio-
grafias complementares.

Figuras (ilustrações, quadros...)


Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte-
grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustra-
tivas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no
texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con-
teúdos da disciplina, pois relacionar aquilo que está no campo vi-
sual com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual.

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© Caderno de Referência de Conteúdo 33

Dicas (motivacionais)
O estudo desta disciplina convida você a olhar, de forma
mais apurada, a Educação como processo de emancipação do ser
humano. É importante que você se atente às explicações teóricas,
práticas e científicas que estão presentes nos meios de comunica-
ção, bem como partilhe suas descobertas com seus colegas, pois,
ao compartilhar com outras pessoas aquilo que você observa, per-
mite-se descobrir algo que ainda não se conhece, aprendendo a
ver e a notar o que não havia sido percebido antes. Observar é,
portanto, uma capacidade que nos impele à maturidade.
Você, como aluno do curso de Graduação na modalidade
EaD, necessita de uma formação conceitual sólida e consistente.
Para isso, você contará com a ajuda do tutor a distância, do tutor
presencial e, sobretudo, da interação com seus colegas. Sugeri-
mos, pois, que organize bem o seu tempo e realize as atividades
nas datas estipuladas.
É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em
seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas pode-
rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ-
ções científicas.
Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie
seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discu-
ta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoau-
las.
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os
conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos
para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas,
pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-
cimento intelectual.
Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na
modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando
sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.
34 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a


esta disciplina, entre em contato com seu tutor. Ele estará pronto
para ajudar você.

3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, D. L. P.; FIORIN, J. L. (Org.). Dialogismo, polifonia, intertextualidade: em torno de
Mikhail Bakhtin. São Paulo: Edusp, 2003.

CHAUI, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000.

DOUGLAS, M. Pureza e perigo. São Paulo: Perspectiva, 1966.

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EAD
Introdução Geral à
Bíblia

1
1. OBJETIVOS
• Reconhecer e analisar a Bíblia como um conjunto de li-
vros que versam a respeito da história de Israel em duas
etapas: Antigo e Novo Testamento.
• Conhecer aspectos relacionados à formação do cânon bí-
blico, as tradições que o constituem e suas traduções.
• Interpretar o processo de elaboração da Bíblia como fru-
to de um longo processo histórico, do qual participaram,
ativamente, homens e mulheres.

2. CONTEÚDOS
• As línguas originais dos textos bíblicos.
• Os primeiros livros bíblicos e as primeiras traduções.
• As origens dos autores e dos escritos bíblicos.
36 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Ao estudar esta unidade, tenha uma ou mais versões da
Bíblia, a fim de identificar, na fonte, as citações bíblicas
que serão apontadas e comparar os textos. Sugerimos as
traduções: Bíblia de Jerusalém e/ou Bíblia Sagrada, tra-
duzida por João Ferreira de Almeida (versão atualizada).
2) Outros recursos como dicionários, dicionários de termos
em grego e mapas também são úteis para a compreen-
são dos conteúdos a seguir.
3) Leia esta unidade e as próximas sem perder de vista que
os textos do Antigo e do Novo Testamento constituem
literatura matizada num período histórico específico e,
como toda produção literária, também falam a respeito
do seu tempo, da cultura da época, de costumes, de prá-
ticas e ideias típicas desse período.
4) Observe que usaremos a seguinte forma de citar os ca-
pítulos e versículos:
a) a vírgula separa capítulos de versículos (por exemplo:
Gn 1,3);
b) o ponto separa versículos (por exemplo: Gn 24,25.32);
c) o hífen une versículos (por exemplo: Gn 24,28-32);
d) o travessão une capítulos (por exemplo: Gn 47—50).

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Ao iniciarmos o estudo desta unidade, é muito importante
que compreendamos a origem da palavra "Bíblia". Isso equivale à
pergunta: qual a etimologia da palavra "Bíblia"?
A palavra "Bíblia" é originária da língua grega: "τὰ βίβλια"
("tá bíblia"), plural de "βίβλιον", cuja transliteração é "bíblion", e
significa:

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© Introdução Geral à Bíblia 37

• "os livros";
• "a coleção de livros".
Trata-se, portanto, de uma "biblioteca", geralmente conhe-
cida pelo seu caráter de texto religioso central para o judaísmo e
para o cristianismo, mas é, também, uma fonte primária de inves-
tigação e de estudos do Mediterrâneo Antigo.
A Bíblia é constituída por dois blocos literários:
• O Antigo Testamento: que conta a história do povo de Is-
rael, suas crenças, costumes e memórias; bloco literário
conhecido como Primeiro Testamento.
• O Novo Testamento: que apresenta Jesus de Nazaré, sua
vida, obra e ministério na terra. Esse conjunto de livros é
também conhecido como Segundo Testamento.
Além de ser conhecida como Bíblia, essa biblioteca de textos
sagrados também é denominada "Sagrada Escritura", "Palavra de
Deus", "Sagradas Letras", "Livro da Aliança" e "Livro Sagrado".
O termo "Testamento", oriundo da língua hebraica e que
traduzimos por "aliança", é aplicado à Bíblia porque, na tradição
judaica e cristã, esse conjunto de livros é entendido como docu-
mento que expressa a vontade de Iahweh para seu povo.
Em função dessa relação entre Iahweh, o povo de Israel e as
comunidades cristãs, manifestada por intermédio das suas tradi-
ções e memórias registradas na Bíblia, a população hebraica mere-
ceu ser chamada "Povo do Livro" durante muito tempo.
Hoje, a Bíblia é um dos livros mais procurados, seja para lei-
turas devocionais entre fiéis, seja para literatura ou fonte de es-
tudos históricos e exegéticos; trata-se de um livro que, além de
expressar a vida religiosa de judeus e cristãos, contém prescrições
morais e éticas usadas por esses grupos, que contribuíram para
a sua organização social e, ainda hoje, servem como parâmetros
para a religiosidade de diversos grupos religiosos ou não.
38 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

A Bíblia migrou do Oriente para o Ocidente e foi traduzida


para vários idiomas. Apropriada por diferentes expressões religio-
sas, é lida, interpretada e ensinada em igrejas cristãs, em grupos
religiosos diversos, em pastorais, grupos de oração, grupos inde-
pendentes de estudo, centros de pesquisa etc. Inquirida, investi-
gada e questionada, trata-se de uma literatura importante para a
compreensão dos aspectos que tangem à religiosidade cristã, bem
como para o entendimento de traços que constituem o pensa-
mento e as sociedades modernas.
Em razão disso, nesta unidade, será feita uma breve intro-
dução à Bíblia e seu processo de redação e transmissão, com a
finalidade de fornecer referências básicas sobre essa importante
literatura de caráter religioso, histórico e cultural.

5. AS LÍNGUAS ORIGINAIS E OS PRIMEIROS LIVROS


No tempo em que os hebreus iniciaram a redação da Bíblia,
o sistema de escrita silábica cedeu lugar ao alfabeto, que usava dez
vezes menos sinais. Anteriormente, eram utilizados, pelo menos,
300 sinais, e, com a simplificação proporcionada pelo alfabeto, na
segunda metade do segundo milênio a.C., quando se presume que
Moisés libertou os israelitas da dominação egípcia, torna-se mais
fácil o acesso à leitura e à escrita; todavia, essas práticas não eram
para todos. Ler e escrever eram privilégios geralmente atribuídos
a sacerdotes, escribas e pessoas ligadas à nobreza.
Originalmente, a Bíblia foi escrita em três línguas:
• hebraico;
• grego;
• aramaico.
É importante saber que o hebraico e o aramaico eram lín-
guas com certa semelhança. A língua hebraica é composta, basica-
mente, de consoantes que, desde os séculos iniciais de nossa era,
passaram a ser acompanhadas pelas vogais, sob a forma de um
sistema de pontos e grifos.

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© Introdução Geral à Bíblia 39

Enquanto o hebraico constituía a primeira língua, o aramaico


correspondia à língua popular, por meio da qual os hebreus se co-
municavam cotidianamente. Pode-se dizer que o aramaico era um
tipo de dialeto que descendia do hebraico e que teria assimilado
um pouco da lógica da língua grega, bem como o uso de alguns de
seus termos.
Portanto, era comum, no tempo de Jesus, falar aramaico, es-
crever em hebraico e arriscar algumas sentenças em grego. Essa
dinâmica foi possibilitada pelo intercâmbio político e cultural do
período, dado em função do governo romano, mas também em
razão das relações de comércio que permitiram a construção de
estradas e rotas que favoreceram o circuito de viajantes, comer-
ciantes, artesãos, civis em geral e soldados. Desse modo, podemos
entender o processo de influência de uma língua sobre a outra em
razão das demandas políticas e sociais da época.
O processo de redação do Antigo ou Primeiro Testamento
deu-se em hebraico, com algumas exceções:
• Em aramaico, foram escritas as passagens de Esdras 4,6—
6, 18; 7,12-26; Daniel 2,4-7.28; duas palavras em Gênesis
31,47; uma frase em Jeremias 10,11.
• Em grego, foram escritos os livros de 2 Macabeus, Sabe-
doria e Eclesiástico (embora o original desse último seja
hebraico).
• Escritos parcialmente em grego foram os livros Ester, Ju-
dite, 1 Macabeus, Tobias, além de partes de Daniel (3,24-
90; 13-14), Baruc e Carta de Jeremias (C.Jr).
• O Novo ou Segundo Testamento foi todo escrito em grego
κοινῆ (koiné = comum).

Koiné –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A koiné pode ser considerada um tipo de linguagem grega coloquial e popular
com influências semíticas. Com a expansão do império grego e, posteriormente,
do romano, o mundo tornou-se helenista e bilíngue, devido a isso, sabemos que
os judeus falavam tanto a koinê quanto a sua língua nativa. Já na segunda meta-
de do século 2 d.C. (após 150 d.C.), o grego suplantou todos os outros dialetos.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
40 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

Materiais usados na confecção dos escritos


Acerca do material empregado para o registro dos escritos
bíblicos, sabemos que os mais primitivos e comuns para o registro
escrito eram:
• a pele crua, comumente de carneiro;
• o papiro, comum no Egito e usado desde 3000 a.C.;
• o pergaminho, pelo ano 100 a.C., oriundo de Pérgamo, na
Ásia Menor, de onde proveio sua denominação;
• outros materiais como pedra, metal, tijolo, cerâmica e ós-
traca (concha de ostra).
Os primeiros livros eram muito diferentes da aparência que
tem a Bíblia hoje. Na Babilônia, por exemplo, quando desejavam
registrar algo (como a narrativa sumeriana do dilúvio, datada de
2.100 a.C.), o material usado era o barro moldado em forma de
placas (ou pranchas), que eram levadas ao forno e secas. Desse
modo, adquiriam a necessária resistência para as longas jornadas.
Ao final do século 2 a.C., a composição do Antigo Testamen-
to, como o conhecemos, foi encerrada, embora ainda houvesse
alguma diferença na ordem dos livros, que foram escritos em rolos
de pergaminho. No hebraico moderno, o termo que significa "li-
vro" possuía o sentido de "rolo" no hebraico bíblico.

Após a escrita
No terceiro milênio a.C., é provável que os egípcios já empre-
gassem o papiro para o registro de documentos, cartas e tratados.
O papiro (P) era extraído de uma planta que se desenvolvia às mar-
gens do delta do Rio Nilo; era um material produzido, basicamen-
te, pelos egípcios. O caule que chegava a 6 metros de altura era
cortado em lâminas bem finas, por meio de um instrumental espe-
cial desenvolvido pelos egípcios; após as lâminas serem cortadas,
eram dispostas lado a lado, verticalmente, e, a seguir, sobre essa
fila disposta, eram colocadas outras lâminas na posição horizontal,

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© Introdução Geral à Bíblia 41

formando um ângulo reto, as quais eram molhadas, prensadas e


polidas; após secas, eram utilizadas para a escrita.

Entende-se que a cor desse material era amarelo ou cinza claro,


mas o tamanho variava conforme a necessidade. Há papiros de até
45 metros de comprimento. As obras gregas alcançavam entre 10
e 12 metros de extensão. Sabe-se que os gregos importavam esse
material do Egito, provavelmente, desde meados do V século a.C.
(BITTENCOURT, 1993, p. 66).

A face em que os escritos apareciam nos papiros se chamava


recto, e as colunas possuíam cerca de 7cm de largura (entre linhas
de 1,5 a 2,0cm para as anotações). Tratava-se de um material para
redação precioso e frágil, que, em temperaturas altas, se tornava
quebradiço. Em função do difícil manuseio, no começo do século
2, começou a ser substituído pelos cadernos. Não se sabe se os
cadernos foram inventados por cristãos, mas foram seguramente
colocados em uso por eles.
Com seu uso frequente, percebeu-se que o espaço que os
rolos requeriam era demasiado grande, o que tornava ainda mais
difícil o seu manuseio. Isso pode ser ilustrado pelo códice de Ches-
ter Beatty, formado por três papiros que contêm diferentes tre-
chos bíblicos:
1) Papiro Chester Beatty nº 1 (P45) − os quatro evangelhos
(Mateus, Marcos, Lucas e João) e Atos.
2) Papiro Chester Beatty nº 2 (P46) − Romanos, Primeira Co-
ríntios, Segunda Coríntios, Efésios, Filipenses, Colossen-
ses, Gálatas, Primeira Tessalonicenses e Hebreus.
3) Papiro Chester Beatty nº 3 (P47) − Apocalipse – primeira
metade do século 1.
No século 3 d.C., havia um códice formado por quatro evan-
gelhos e pelo livro de Atos. Assim como no caso mencionado ante-
riormente, esses livros, na forma de rolos, formaram um conjunto
de cinco rolos separados, o que causava alguma dificuldade no
manuseio dos textos.
Quando os copistas iniciavam uma obra (códice), tinham de
calcular o tanto de material que iriam necessitar, e, por isso, alguns
42 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

papiros eram usados frente e verso. Quando usados no verso, a lei-


tura tornava-se mais difícil; por vezes, todo o trabalho era efetuado
em apenas um único caderno, como é o caso do P75 (Lucas e João).
Os primeiros cadernos reunidos em livros tinham de oito a
dez folhas e, mesmo assim, continham muito conteúdo. Segundo
Peter Katz "parece verossímil de que foram os cristãos gentios que
adotaram a forma de códice para as Escrituras para diferenciarem-
-se do uso feito pelos judeus na sinagoga".
Já por volta do século 4 d.C., o material que passou a ser
utilizado foi o couro dos cordeiros (dos currais) e das gazelas (dos
campos). Assim, surgiram os pergaminhos.
Modo de preparo dos pergaminhos:
• O pelo era removido e o interior raspado com pedra-po-
mes.
• Depois, era purificado com um tipo de material seme-
lhante a cal e, assim, tornava-se branco, de grande du-
rabilidade e de fácil escrita; poderia receber tinta preta e
outros motivos decorativos.
• O lado usado para a escrita era aquele cujos pelos foram
raspados.
O pergaminho, entre judeus e cristãos, era conhecido antes
do século 4; há pergaminhos datados dos séculos 2 e 3. Na litera-
tura não religiosa, sabe-se de seu uso bem mais cedo, por volta do
século 1, todavia, este só superou o papiro por volta dos séculos
3 e 4.
A escrita sobre os pergaminhos era inicialmente realizada
com penas metálicas e, posteriormente, com penas de ganso so-
bre linhas feitas com estilete. A delicadeza e a arte empregadas na
redação desses pergaminhos podiam ser notadas no uso de moti-
vos coloridos e letras douradas e prateadas; mas, em geral, usava-
-se tinta preta e vermelha. Como esse material era caro, poderia
ser reutilizado, e, se caso um pergaminho fosse reaproveitado, as
palavras eram raspadas, e o material, novamente usado.

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© Introdução Geral à Bíblia 43

Essa prática foi condenada pelo Concílio de Trullo (692 d.C.),


mas, dos 297 manuscritos que se conhece, 52 são os palimpsestos
(pergaminhos nos quais, por meio da raspagem, se faz desapare-
cer a primeira escrita para, então, a sua reutilização). Por vezes, a
primeira escrita pode ser recuperada com o auxílio de processos
químicos, e, atualmente, o uso de raio ultravioleta tem servido à
leitura desses textos raspados.
O uso do pergaminho só diminuiu por volta do século 12,
quando começou a ser substituído pelo papel. O papel foi inventa-
do pelos chineses no século 1 d.C., mas passou a ser utilizado pelo
mundo árabe apenas no século 8. Dos 5.300 manuscritos (MSS) do
Novo Testamento, sabemos que 1.250 foram escritos em papel,
que era uma imitação do pergaminho.
Quanto à escrita, nas inscrições, usavam-se letras altas e re-
gulares; os MSS mais antigos possuíam apenas letras maiúsculas,
que se diferenciavam das outras maiúsculas por serem mais re-
dondas e sem separação muito definida. Essas letras eram chama-
das unciais e se caracterizavam por serem um tipo de texto contí-
nuo. Somente após o século 11, a escrita passou a ser contínua e
em letra minúscula, passando a se chamar cursiva.
Os manuscritos mais antigos não tinham elementos para
auxiliar o leitor. O sistema de separação mais antigo pode ser
encontrado no Códice Vaticano, que é o mais antigo dos Unciais
(325-350 d.C.), e, até 1475, não se tinha conhecimento dele. Ao
ser catalogado na biblioteca do Vaticano, descobriu-se que esses
manuscritos continham grande parte do Antigo Testamento (ver-
são LXX), alguns apócrifos e o Novo Testamento em grego.
Há, também, o sistema criado por Eusébio de Cesareia para
a localização de trechos dos evangelhos: os cânones eusebianos.
Vírgula e ponto não eram sinais comuns nos escritos originais;
eles somente passaram a ser utilizados por volta do século 4 d.C.
para indicar uma frase simples ou uma pequena frase de senti-
do completo. Tampouco existia, também, a divisão dos textos em
44 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

capítulos e versículos; essa organização foi elaborada por Estêvão


Langton, arcebispo de Cantuária (1226-1228), e, posteriormente,
aplicada pelo frei Sante Pagnini ao Antigo Testamento.

6. AS PRIMEIRAS TRADUÇÕES DA BÍBLIA


Atualmente, é comum a publicação e o comércio de Bíblias
de diferentes tradutores e editores. Há versões em diferentes lín-
guas, com traduções em linguagem popular e anotações direcio-
nadas para os públicos adulto, jovem e infantil. Nas traduções mais
confiáveis, contudo, o texto de referência é o escrito original em
língua hebraica, conhecido por Bíblia hebraica (BH) ou texto mas-
sorético (TM) e os originais em grego.

Traduções do Antigo Testamento


A fim de melhor entender esse tópico, vamos começar defi-
nindo o termo "cânon".
Cânon ("κανών" − kanón) é uma palavra grega originária de
um empréstimo semítico ‫( הנק‬kanê), cujo sentido é "junco", que
passou a designar "vara de medir" e, posteriormente, "regra", "pa-
drão" ou "norma". Tardiamente, adquiriu o significado de "lista"
ou "tabela"; durante os séculos 2 e 3, o vocábulo referiu-se ao con-
teúdo normativo doutrinário e ético da fé cristã e, por volta do
século 4, passou a designar lista de livros que constitui Antigo e o
Novo Testamento. Atualmente, o sentido mais comum correspon-
de à coleção encerrada de documentos que formam a Bíblia.
O cânon da BH, como o da Bíblia protestante, não contém os
chamados livros apócrifos. Para a tradição judaico-cristã, os livros
apócrifos são considerados textos não inspirados, assim como os
pseudoepígrafos, coleções judaicas do mesmo período cujos auto-
res reais são desconhecidos. Em geral, esses textos recebiam no-
mes de autores conhecidos, mas não há evidência de que tenham
sido realmente escritos por eles. Conjectura-se que essa tenha

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© Introdução Geral à Bíblia 45

sido a forma encontrada por editores menores para que seus tex-
tos fossem aceitos.
Os sete livros deuterocanônicos adotados pela Septuaginta
(LXX) são: Tobias, Judite, 1 e 2 Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico e
Baruc. Esse cânon corresponde ao reconhecido pelos rabinos em
Jamnia (90 d.C.).

O arranjo da BH (cânon hebraico, judaico ou texto massoréti-


co) corresponde a 24 livros. São eles:
a) A Torá (a Lei): Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deu-
teronômio.
b) Os Profetas:
• os Anteriores: Josué, Juízes, Samuel (1 e 2 considera-
dos em conjunto) e Reis (1 e 2 em conjunto);
• Os Posteriores: Isaías, Jeremias, Ezequiel e o Rolo dos
Doze: Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miqueias,
Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Mala-
quias.
c) Os Escritos:
• Poesia e Sabedoria: Salmos, Provérbios e Jó;
• Os Cinco Rolos (Megilot), usados por ocasião de uma
festa específica: Cântico dos Cânticos (Festa da Pás-
coa), Rute (Festa dos Pentecostes), Lamentações (9
do mês de Abibe), Eclesiastes ou Coélet (Festa dos Ta-
bernáculos) e Ester (Festa do Purim).
• História: Daniel, Esdras-Neemias e Crônicas (1 e 2 em
conjunto).
Esse conjunto de livros é conhecido, também, sob o título
de Livros Protocanônicos (Próteros + kanón), pois corresponde à
primeira lista de livros catalogados. Dele surgiram:
• a versão da Septuaginta (LXX, Setenta), 3º ao 2º século
a.C.;
46 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

• as traduções de Áquila, Símaco e Teodocião, no século 2


d.C.;
• a Hexapla de Orígenes (século 3 d.C.), uma compilação
em seis colunas da BH, uma transliteração dessa mesma
BH, da Septuaginta, além das traduções de Áquila, Símaco
e Teodocião.
O mais antigo manuscrito completo da LXX é de proveniên-
cia cristã (século 4 d.C.). Seu arranjo é considerado deuterocanôni-
co, pois foram aceitos pelo segundo cânon, assim disposto:
a) Livros da Lei (o nome "Pentateuco" é de origem helêni-
ca, com uso a partir de Fílon): Gênesis, Êxodo, Levítico,
Números e Deuteronômio.
b) Livros de História: Josué, Juízes, Rute; Quatro livros dos
reinos: 1 e 2 Samuel, 3 e 4 Reis, 1 e 2 Crônicas, 1 (apócri-
fo) e 2 Esdras-Neemias, Tobias, Judite, Ester e adições a
Ester, 1 e 2 Macabeus (3 e 4 apócrifos).
c) Livros de Poesia e Sabedoria: Salmos, Provérbios de
Salomão, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Jó, Livro da
Sabedoria (Sabedoria de Salomão), Eclesiástico (ou Sa-
bedoria de Sirácida).
d) Livros Proféticos:
• Os Doze Profetas Menores: Oseias, Amós, Miqueias,
Joel, Abdias, Jonas, Naum Habacuc, Sofonias, Ageu,
Zacarias e Malaquias.
• Os Profetas Maiores: Isaías, Jeremias, Baruc, Lamen-
tações, Carta de Jeremias, Ezequiel e Daniel (incluin-
do Susana = Daniel 13, Bel e o Dragão = Daniel 14 e o
Cântico dos três mancebos).
A tradução dos Livros da Lei (Pentateuco) foi completada
cerca de 250 a.C., a dos Profetas, aproximadamente, 200 a.C., e a
dos Escritos, cerca de 100 a.C.
É notório que as listas cristãs mais antigas seguem, principal-
mente, o cânon hebraico da Palestina; por exemplo, a lista da Pa-
lestina em Alexandria, no Egito (cerca de 275-100 a.C.). Entretanto,

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© Introdução Geral à Bíblia 47

os primeiros cristãos geralmente usavam a LXX sob a alegação de


que os judeus da Palestina não incluíam os apócrifos e pseudoepí-
grafos em suas coleções. A lista da LXX foi aceita pela maioria dos
sínodos de 393 d.C., embora um dos votos contrários tenha sido o
de Jerônimo.
No século 16 d.C., os reformadores retomaram o cânon he-
braico. Em 1546 d.C., o Concílio de Trento aceitou como canônicos
os seguintes livros: Tobias, Judite, Sabedoria de Salomão, Eclesi-
ástico, Baruc e 1 e 2 Macabeus; além disso, aceitou adições aos
livros de Ester, Baruc (a Carta de Jeremias) e Daniel (O Cântico dos
três mancebos, A história de Susana, Bel e o Dragão e a Oração de
Azarias). Em 1592 d.C., a edição Vulgata (autorizada pelo Concílio
de Trento) incluiu 1 e 2 Esdras e a Oração de Manassés.
Assim, as primeiras comunidades cristãs adotaram a versão
grega do Antigo Testamento, a qual contemplava, como mencio-
nado, em seu conjunto, alguns livros que o cânone hebraico não
possuía e que posteriormente foram considerados "apócrifos".
Embora existam contradições quanto ao caráter "inspirado"
de alguns dos textos antes mencionados, as tradições orais e as
memórias relegadas, de algum modo, serviram para a composição
do Antigo Testamento, bem como para o Novo Testamento e, ain-
da hoje, constituem importantes fontes do período e são frequen-
temente visitadas, a fim de subsidiar estudos históricos.

Traduções do Novo Testamento


Como traduções do Novo Testamento, temos:
• as versões Siríaca, Copta e Vetus Latina;
• A Vulgata de São Jerônimo para o latim ao final do sécu-
lo 4, elaborada a pedido do Papa Dâmaso I (ACIDIGITAL,
2007).
"Vulgata" é o termo usado para indicar a versão latina da BH;
trata-se da abreviatura de "vulgata editio" ou "vulgata versio" ou
48 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

"vulgata lectio". Essas expressões correspondem, respectivamen-


te, a edição, tradução ou leitura de divulgação popular do texto
bíblico referente ao Antigo Testamento.
Em geral, o arranjo dessa versão segue a LXX; entretanto,
1 e 2 Esdras são iguais a Esdras-Neemias, e os livros de 3 e 4 Es-
dras, assim como a Oração de Manassés, foram dispostos ao fim
do Novo Testamento. Os Profetas Maiores foram colocados antes
dos Profetas Menores.
Além desses livros, a Vulgata traz prólogos críticos (do grego
"πρόλογος", no latim prologos) elaborados e inseridos nessa versão
por Jerônimo. O cânon foi assim organizado:
• Prólogos de Jerônimo:
a) Pentateuco (Gênesis);
b) Josué;
c) Reis − Prologus Galeatus;
d) Crônicas;
e) Esdras;
f) Tobias;
g) Judite;
h) Ester;
i) Jó;
j) Salmos (LXX);
k) Livros de Salomão;
l) Isaías;
m) Jeremias;
n) Ezequiel;
o) Daniel;
p) 12 Profetas (Menores);
q) Os evangelhos;
r) Epístolas Paulinas − Primum Quaeritur.
• Notas de Jerônimo:
a) Salmos (Hebreus);
b) Adições de Ester.

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© Introdução Geral à Bíblia 49

No século 20, em 1979, foi promulgada a Neovulgata, que


consiste em uma tradução latina da Bíblia com objetivo litúrgico;
destinada, principalmente, à igreja. Essa tradução foi iniciada em
1907, e, em 1965, foi constituída a Comissão Pontíficia para a Neo-
vulgata, que desenvolveu um trabalho acurado, verso a verso, de
tradução, revisão e comparação com os originais em hebraico e
grego.

Traduções em vernáculo
Vernáculo é "a língua própria de um país ou de uma região;
língua nacional, idioma vernáculo" (HOUAISS, 2009).
A seguir, algumas traduções em vernáculo.
a) a Espanha conheceu múltiplas versões a partir do século
13;
b) com a invenção da imprensa, por Gutenberg (a partir de
1450), fizeram-se 15 traduções latinas e 10 alemãs;
c) "[...] a primeira tradução da Bíblia para o português de
Portugal foi feita pelo calvinista João Ferreira de Almei-
da, em 1680. No Brasil, a Bíblia foi impressa pela primei-
ra vez em 1864, no Rio de Janeiro, por Garnier Livreiro-
-Editor" (SAB, 2001/2003, p. 4);
d) entre 1570 e 1770, a Igreja católica proibiu as traduções
vernáculas da Sagrada Escritura;
e) no começo do século 20, porém, Pio X recomendava
que, ao menos, os Evangelhos estivessem à disposição
das famílias.

Tradições, traduções e seus condicionamentos


O processo de escrita dos textos bíblicos e dos textos rela-
cionados ao período bíblico, como os apócrifos e os pseudoepígra-
fos, pode ser compreendido à luz do ideal de preservação de uma
identidade cultural (a judaica), o qual implica crenças, hábitos,
códigos e valores, mas também como a "chave" da manutenção
de certo modo de organização social que se pauta na religião. O
50 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

registro, portanto, corresponde a uma forma de documentação e


fixação dessa ordem por meio da escrita.
É preciso entender que essa escrita está inscrita em um uni-
verso linguístico que está diretamente associado a um período his-
tórico; nesse caso específico, o período antigo. Assim, traduzir os
escritos bíblicos do hebraico, do aramaico ou do grego não repre-
senta tarefa fácil, mas exige conhecimento da língua, da lógica da
língua e da cultura à qual essa língua está ligada.
Por essa razão, a tradução deve gerar, por parte do tradutor,
a preocupação quanto às implicações da realização de seu traba-
lho; em outras palavras, preocupação quanto à transmissão dos
conteúdos, de maneira que não se perca a lógica da mensagem
devido às suas especificidades culturais e, ao mesmo tempo, que
a mensagem seja transmitida numa outra língua que também está
inscrita espacial e temporalmente.
Não é de hoje que um dos principais problemas da tradução,
sempre evocado nas discussões, expresso no provérbio italiano
"traduttore, traditore" e cujo significado é que "todo tradutor é
um traidor", aponta a impossibilidade de se transmitir, reter ou
conduzir os sentidos de um texto de modo completo, com todas as
suas configurações. O contrário da traição seria a fidelidade, obje-
tivo de equivalência que se mostra inalcançável, dado que se tem
o "texto de partida", mas não "a mente da autoria".
A tarefa de tradução, portanto, exige interpretação. Assim,
tanto para fazer exegese dos textos originais quanto para a inter-
pretação, deve-se considerar que:
a) entre o tradutor-intérprete (sujeito) e o texto (objeto)
não há separação;
b) a linguagem humana determina o seu horizonte de com-
preensão e de conhecimentos;
c) entre o todo (o mundo) e o particular (o texto) há uma
relação de circularidade;

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© Introdução Geral à Bíblia 51

d) sempre existe um ponto de referência por meio do qual


se institui certa compreensão.
Logo, se a tradução pode ser considerada, em alguma medi-
da, "espelho" ou "pintura" que visa à representação imperfeita do
texto de partida, é preciso considerar que essa tarefa é sempre um
exercício e que a tradução se faz num jogo circunscrito pelos âm-
bitos anteriormente descritos. As traduções nunca serão "cópias"
exatas.
Destarte, sobre essa dicotomia no traduzir – devoção e máximo
respeito ao texto estrangeiro versus liberdade em nome da beleza
ou da maior receptividade da obra, dentre outros fatores – pairam
essas duas palavras-chave, ou seja, fidelidade e traição, conceitos
há muito tempo enfocados dentro do âmbito dos Estudos de Tradu-
ção [...] (FARIA, 2010, p. 88-89).

Desse modo, é importante entender que todas as traduções


serão diferentes entre si, e isso ocorre porque os sentidos do texto
não são estáveis, estão em relação aos âmbitos que o circunscre-
vem historicamente e aos âmbitos nos quais o tradutor está ins-
crito.
Em razão dessa complexidade, também a literatura bíblica
traduzida de modo vernacular pode apresentar diferenças de uma
versão para outra. Metodologicamente, então, o estudo da Bíblia
amparado por diferentes traduções é estrategicamente adequado,
a fim de se obter resultados satisfatórios. A comparação entre tex-
tos, originais e traduções, é um método recomendado nos estudos
de textos antigos e de caráter sagrado, como é o caso da Bíblia.

7. O DEBATE SOBRE AS AUTORIAS DA BÍBLIA E SEUS


LOCAIS DE ORIGEM
É notório que um grande número de manuscritos bíblicos
chegou até nossa era. Isso é muito interessante, porque nos lega
bastantes informações sobre o período bíblico. Em contraste, os
conhecimentos obtidos sobre a história e o pensamento filosófico
52 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

grego apoiam-se em um número bem inferior de documentos e


de manuscritos, que, em geral, datam de centenas de anos após a
morte de seus autores.
No caso da Bíblia, diferentemente, há uma série de docu-
mentos relacionados ao Novo Testamento. Esses documentos
constituem além de textos sagrados, fontes primárias para o estu-
do histórico e exegético. Assim, a grande quantidade de documen-
tos relacionados ao mundo bíblico fornece a possibilidade de se
conhecer mais sobre o período, a região, a cultura e a vida socio-
política dos hebreus e do Mediterrâneo Antigo.
Falar sobre a autoria dos livros que compõem a Bíblia é deli-
cado e exige certo arcabouço teórico. Como estudantes de teolo-
gia, é necessário atentar para as considerações feitas pela Crítica
Literária, disciplina que se ocupa há alguns séculos de estudar, tra-
duzir, comparar, interpretar e reconstruir a história judaica e cris-
tã, partindo dos textos bíblicos, dos manuscritos e dos fragmentos
descobertos pelos pesquisadores. Trata-se, portanto, de um traba-
lho arqueológico e comparativo que leva em consideração a histó-
ria dos povos que cultuaram Iahweh como seu Deus.
Partindo dessa relação entre Deus, os povos e as pessoas
descritos na Bíblia, podemos intuir quem foram os autores dos tex-
tos bíblicos. Como consequência disso, Deus está presente como
autor da Bíblia e se revela para a humanidade por meio das muitas
pessoas que creram na sua existência e se envolveram no trabalho
de redação da história de seu povo.
Desse modo, podemos afirmar que, com o intuito de trans-
mitir a revelação de Deus para outros, é que diferentes autores
escreverem a história, as memórias, as leis, as tradições e as men-
sagens contidas na Bíblia, a fim de orientar o povo hebreu a viver
individual e coletivamente. Isso nos permite compreender que,
embora a Bíblia seja interpretada e entendida como a "Palavra de
Deus", trata-se de uma fonte escrita por pessoas humanas, em lin-
guagem humana e, portanto, com caráter simbólico, social e ético.

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© Introdução Geral à Bíblia 53

Trata-se de um verdadeiro livro feito em mutirão, em lugares


diferentes, distintas épocas e por muitas pessoas. Assim, expressa
a Constituição Dei Verbum:
As palavras de Deus, expressas em línguas humanas, tornaram-se
intimamente semelhantes à linguagem humana, como já o Verbo
Eterno do Pai, tomando a fraqueza da carne humana, se tornou
semelhante aos homens (CONSTITUIÇÃO DEI VERBUM 13).

Para a formação da Bíblia, contribuíram diferentes pessoas:


homens, mulheres, pais, mães, artesãos, comerciantes, poetas, sá-
bios, escribas e tantos outros. Portanto, pode-se dizer que a Bíblia
corresponde a um conjunto de livros que retratam o modo de vida
de um período, bem como as expectativas de um grupo social.
O processo de constituição da Bíblia foi longo. Sabe-se que
o Antigo Testamento levou mais de mil anos para ser escrito, e o
Novo Testamento, mais ou menos, 50 anos – entre 1250 a.C. e 100
d.C. aproximadamente, o que nos conduz à compreensão de que o
processo de redação, seleção, edição e compilação dos livros que
compõem a Bíblia, executado por copistas e tradutores, contou
com o registro de tradições, mas também com acréscimos e cor-
reções feitas a partir de um ideal de santidade, correção e pureza
que se pretendia alcançar para que se agradasse a Deus.
Em relação ao Novo Testamento, a partir do ano 50 d.C., as
primeiras comunidades cristãs passaram a colecionar cartas es-
critas e transmitidas por seus líderes, com o objetivo de orientar
espiritual e moralmente os grupos cristãos que se formavam. Par-
ticularmente, as cartas ou epístolas do apóstolo Paulo eram as que
mais circulavam entre as comunidades, e tais cartas colecionadas
foram compiladas juntamente com os evangelhos e o livro conhe-
cido como Atos dos Apóstolos, de redação inspirada em extratos e
tradições orais que remontam ao período entre, aproximadamen-
te, 70 e 90 d.C. Ao fim do século 1 d.C., a redação do Novo Testa-
mento fora praticamente encerrada.
Quanto aos locais onde a Bíblia teria sido escrita, sabe-se
que o Antigo Testamento foi escrito na Palestina: em Judá (o reino
54 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

do Sul) e em Samaria (o reino de Israel, ao Norte); na Babilônia,


onde o povo judeu esteve exilado entre 587 e 539 a.C., e no Egito,
onde muitos judeus viviam na diáspora. Entenda-se por diáspora
a "dispersão dos judeus, no decorrer dos séculos, por todo o mun-
do" (HOUAISS, 2009).
Os livros do Novo Testamento foram escritos na Palestina
(região que se acredita ser o lugar de origem de Jesus de Nazaré),
na Síria (Ásia Menor), na Grécia e na Itália, particularmente, Roma.
Esses lugares correspondem às regiões por onde os discípulos de
Jesus teriam efetuado suas primeiras pregações e fundado peque-
nas comunidades (SAB 2001/2003, mapa 1).
Para compreender melhor os locais de redação dos escritos
bíblicos, observe o mapa na Figura 1 a seguir:

Figura 1 Prováveis regiões de redação dos escritos bíblicos.

Do mesmo modo que os escritos do Antigo Testamento fo-


ram elaborados gradualmente, levando em consideração as expec-
tativas populares e as lideranças judaicas, também o Novo Testa-
mento contou com um acurado processo de compilação. Em certa
medida, isso tem relação com a própria lógica sociocultural judai-

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© Introdução Geral à Bíblia 55

ca. O povo que produziu o Antigo Testamento também contribuiu,


fundamentalmente, para a produção do Novo Testamento, o que
nos leva a compreender esses conjuntos de forma complementar.
Pesquisadores do século 1 e do cristianismo das origens jul-
gam necessário considerar, atentamente, a inserção de Jesus no
judaísmo. Para alguns estudiosos do Novo Testamento, a origem
judaica de Jesus poderia apontar a relação entre o seu "Movimen-
to" e a formação das primeiras comunidades cristãs como grupos
de renovação dentro do judaísmo. Decorre dessa perspectiva, o
abandono da abordagem que considera judaísmo e cristianismo
movimentos separados, pois "[...] a pregação de Jesus é uma esca-
tologia da restauração que tem por objetivo a restauração do povo
judaico" (THEISSEN, 2002, p. 29).
De pronto, essa perspectiva acerca dos escritos bíblicos re-
futa a ideia de que o Antigo e o Novo Testamento são conjuntos
literários sem relação um com o outro. A leitura atenta de cada
um desses blocos revelará que há continuidade entre eles, muito
embora existam diferenças significativas no estilo da redação, nos
objetivos de cada Testamento e mesmo na teologia, isto é, na per-
cepção do sagrado, de cada um dos conjuntos. Essas diferenças,
que até podemos entender como rupturas, se devem ao que pre-
tendiam as autorias por ocasião da escrita desses documentos e,
nesse sentido, estão relacionadas com as diversas nuances sociais
e culturais que constituíram o quadro histórico subjacente.

Para compreender a Bíblia


Para compreender a Bíblia, é necessário conhecer a história
do povo hebreu, as peculiaridades das terras e dos povos do Me-
diterrâneo Antigo, bem como os assuntos relacionados às culturas
da época, aos costumes, hábitos, valores e códigos. Esses conhe-
cimentos nos auxiliam a compor um quadro de referências que
lança luz sobre os textos, visto que a literatura bíblica emerge de
contextos específicos.
56 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

Para o registro desses eventos, as autorias bíblicas emprega-


ram recursos literários com o intuito de melhor expressarem seus
conteúdos. Tais recursos dizem respeito, principalmente, à forma
da redação. São os gêneros literários, dentre os quais destacamos:
o histórico, o profético, o sapiencial, o poético e o doutrinário.
Mas também há outros indícios que atestam a concretude
das narrativas. Além dos gêneros, que visam à representação de
acontecimentos, de fatos etc., por meio da forma da redação ora
poética, ora de sabedoria, há, na literatura bíblica do Antigo e do
Novo Testamento, a ocorrência de localizações geográficas, de
nomes de reis e outras personagens históricas que, em conjunto,
constituem evidências do período que contribuem para a recons-
trução da história do povo de Israel.
Deve-se atentar que o processo de constituição da Bíblia
segue estágios que compreendem a transmissão oral, a escrita, a
compilação do texto e a última etapa, nominada "canonização".
Esse processo diz respeito à comunicação e à recepção de uma
mensagem, conforme a Figura 2 a seguir.

Figura 2: Comunicação e Recepção de mensagem

A comunicação de uma mensagem pressupõe a existência


de emissores e receptores. A mensagem, isto é, o conteúdo a ser
propagado, somente pode ser transmitido se o código entre emis-
sor e receptor for o mesmo. Por código, entendemos o sistema de
símbolos sistematizados e que formam uma língua conhecida pelo
emissor e pelo receptor, a fim de que possa haver decodificação
e compreensão dos conteúdos enviados. A mensagem deve ser

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© Introdução Geral à Bíblia 57

transmitida por um mesmo canal (isto é, fala, escrita etc.); a sín-


tese dessa mensagem transmitida é o referente, constituído pelo
contexto, pela situação e pelos objetos a que ela remete.
No caso da Bíblia, histórias, narrativas, tradições sobre o
povo de Israel no Antigo Testamento, ensinos e milagres atribuídos
a Jesus, posteriormente, seu movimento e o surgimento das co-
munidades cristãs no Novo Testamento, transmitidos oralmente,
conformam a mensagem dos textos que compõem o cânon bíbli-
co. Ademais, os emissores – povo de Israel, comunidades cristãs,
autores e autoras, copistas e outros –, envolvidos no processo de
escrita divulgaram suas mensagens por meio da redação, usando
como canal a escrita, nas línguas hebraica e grega. Códigos comuns
para as sociedades do Mediterrâneo Antigo.

Devemos notar, entretanto, que o processo de comunicação


não é linear, envolvendo interferências e ruídos que comprome-
tem a transmissão e o ideal de integridade no relato dos conte-
údos e das mensagens. Dessa forma, vontade pessoal, idiossin-
crasias, vícios de linguagem, preferências, pressupostos e outros
erros humanos constituem o documento bíblico e não lhe extraem
a relevância, tanto para fins de estudo acadêmico quanto para fins
devocionais. Esses "ruídos" também podem ser considerados par-
te da revelação bíblica porque são dados históricos.
Destarte, para compreender a Bíblia, é importante reconhe-
cer que há saberes locais, isto é, respectivos ao tempo, à cultura
e às questões materiais do período em que cada livro foi escrito,
que necessitam ser especificados e estudados. À luz desse quadro
de referências, a compreensão torna-se mais viável, assim como as
relações com o tempo e as situações presentes.

Leitura Complementar–––––––––––––––––––––––––––––––––
A Bíblia como complexo literário
"[...] uma leitura é sempre uma leitura: a abertura de uma janela, e não a contem-
plação de um espelho" (BOYARIN)
58 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

A literatura bíblica constitui amplo material religioso e cultural que foi forjado no
decorrer de extenso período histórico. Aproximadamente, em 1200 a.C., Israel
iniciava seu processo de consolidação. Deste ponto em diante, se diz que Israel
lançava-se à escrita de sua história, o que para estudantes, professores e pes-
quisadores da Bíblia faz da disciplina história de Israel importante componente
da exegese. Nesse sentido, o mundo literário obviamente fornece dados a res-
peito da tradição judaica e, posteriormente, da tradição cristã, que não exclui a
primeira, mas desenvolve-a agregando novos sentidos. Todavia, a história de
Israel "[...] pergunta por acontecimentos e processos que são refletidos nas e
pelas imagens da história" (GUNNEWEG, 2005, p. 33), nas e pelas narrativas
que podem ou não ser históricas.
Essa literatura ampla é formada pelos manuscritos considerados canônicos
– Bíblia Hebraica e Novo Testamento (NT) – e pelos textos não canônicos –
pseudoepígrafos e escrituras gnósticas. Durante muito tempo, o primeiro grupo
era considerado oficial, enquanto o segundo foi classificado como não oficial e,
portanto, não confiável, visto que seu estilo era constituído de uma linguagem,
muitas vezes, rebuscada, outras, simplória, caracterizada por descontinuidade e
simbolismos. Para estudiosos, no entanto, tais textos formam um complexo lite-
rário que lança luz sobre a história dos judaísmos e dos cristianismos e coopera
para a formulação de teorias acerca desses movimentos.
Apesar de procurarmos superar a dicotomia oficial/não oficial, a abordagem
compreensiva desse complexo deve fiar-se pelo estabelecimento de critérios.
Primeiro, é preciso reconhecer que esse material é peculiar, pois, como se sabe,
nem todos os textos encerram descrições claras do período e tampouco objeti-
vam transmitir com neutralidade os fatos e acontecimentos da época. Narrativas
fictícias, imagens e simbolismos, quando produzidos e representados na litera-
tura, provavelmente, dialogavam com suas realidades e, em certa medida, de-
sencadeavam mudanças na própria história. Dessa dialética, decorreu uma das
peculiaridades da literatura judaico-cristã: a pluralidade de gêneros e de formas
literárias que compõem o complexo literário judaico-cristão.
Segundo, tal sorte de textos, ao mesmo tempo em que aproxima o leitor/intérpre-
te moderno, também o afasta à medida que mantém certa reserva de sentidos
que só se permite desvelar à luz: de si mesma – no contexto histórico-social mais
amplo em que está inserida da metodologia exegética dos instrumentais forneci-
dos por outras disciplinas das ciências humanas – como antropologia, sociologia
e arqueologia da criatividade hermenêutica. Em função disso, o estudo das for-
mas e dos gêneros literários tem se revelado ferramenta útil para a compreensão
dos judaísmos e dos cristianismos.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar
as questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta
unidade.

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© Introdução Geral à Bíblia 59

A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para


você testar o seu desempenho. Se você encontrar dificuldades em
responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estuda-
dos para sanar as suas dúvidas. Esse é o momento ideal para que
você faça uma revisão desta unidade. Lembre-se de que, na Edu-
cação a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma
cooperativa e colaborativa; compartilhe, portanto, as suas desco-
bertas com os seus colegas.
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Qual é a relação entre os livros bíblicos e a vida do povo de Israel no Antigo
Testamento?

2) Qual é a relação entre os livros do Novo Testamento e a vida de Jesus?

3) Qual é a relação entre os textos do Novo Testamento e a vida de seus segui-


dores e seguidoras?

4) Quais motivos podem ter conduzido à redação dos textos bíblicos?

5) Qual é a relevância de se registrar tradições e memórias de um grupo social


por meio da redação?

9. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, pudemos entender que a Bíblia é uma biblio-
teca de livros cuja variedade de autores, memórias e tradições que
elenca a torna uma importante fonte histórica sobre o povo de Isra-
el, sua cultura e tradições, desde o Antigo até o Novo Testamento.
Essa biblioteca é constituída de dois blocos que, embora
apresentem períodos diferentes da história de Israel, devem ser
compreendidos em conjunto.
As concepções sobre Iahweh, pureza, salvação e outros as-
suntos que dizem respeito às crenças judaico-cristãs, portanto,
apresentam-se conforme as demandas do próprio povo de Israel
retratado na Bíblia. A transmissão de toda essa mensagem, do oral
60 © Introdução Geral à Bíblia e História de Israel

ao escrito, envolveu o trabalho de muitas pessoas, e, por essa ra-


zão, a Bíblia não está livre de certos condicionamentos, que devem
ser examinados à luz de instrumentais metodológicos de diferen-
tes disciplinas.
Nesse sentido, o estudo das formas e dos gêneros literários,
bem como dos processos que dizem respeito à formação do An-
tigo Testamento, são necessários para o desenvolvimento de um
quadro de referências propício à exegese dos textos do Antigo e do
Novo Testamento, conforme verificaremos na próxima unidade.

10. E-REFERÊNCIAS
Sites pesquisados
FARIA, J. C. A tradução entre a cruz e a espada: fidelidade versus traição. Revelli – Revista
de Educação, Linguagem e Literatura da UEG-Inhumas, Inhumas, v. 2, n. 1, p. 88-89, mar.
2010. Disponível em: <http://www.ueginhumas.com/revelli/revelli3/numero_2/Revelli.
v2.n1.artigo07.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2012.

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ARTOLA, A. M.; SÁNCHEZ CARO, J. M. Bíblia e palavra de Deus. São Paulo: Ave-Maria,
1996.
BALLARINI, T. (Org.). Introdução à Bíblia com antologia exegética: atos dos apóstolos e
epístolas paulinas. Petrópolis: Vozes, 1968.
BITTENCOURT, B. P. O Novo Testamento: metodologia da pesquisa textual. Rio de
Janeiro: JUERP, 1993. 233 p. (Publicado anteriormente pela ASTE, sob o título "O Novo
Testamento: cânon, língua, texto").
GUNNEWEG, A. H. J. História de Israel: dos primórdios até Bar Kochba e de Theodor Herzl
até os nossos dias. Tradução de Monika Ottermann. São Paulo: Teológica/Loyola, 2005.
(Série Biblioteca de Estudos do Antigo Testamento).
HOUAISS, Antônio (Ed.). Dicionário eletrônico Houaiss. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. 3
CD-ROM.
SCHLAEPFER, C. F., OROFINO, F. R.; MAZZAROLO, I. A Bíblia: introdução historiográfica e
literária. Petrópolis: Vozes, 2004.
THEISSEN, G.; MERZ, A. O Jesus histórico: um manual. Tradução de Milton Camargo Mota
e Paulo Nogueira. São Paulo: Loyola, 2002. (Bíblica Loyola 33).

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