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CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA ADJUNTA DO COMANDO DA AERONÁUTICA
PARECER n. 00177/2022/COJAER/CGU/AGU
NUP: 67280.000231/2022-17
INTERESSADOS: VI COMAR
ASSUNTOS: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO
EMENTA:
I. Direito Administrativo. Direito Penal e Direito Penal Militar. Consulta a respeito
das atribuições, competências e limites de atuação dos militares do Campo de
Provas Brigadeiro Velloso (CPBV), por ocasião de realização de missões
patrimoniais por parte de seu efetivo.
II. Considerações sobre o poder de polícia. Conceito. Sentido amplo e sentido
estrito. Polícia administrativa e polícia judiciária. Críticas à expressão "poder de
polícia". Exercício do poder de polícia administrativa das Forças Armadas.
Atribuições subsidiárias particulares de cada Força. Exercício do poder de polícia
judiciária militar. Dever de realização de prisão em flagrante. Necessidade de
comando legal. Ausência de dever amplo e genérico. Hipóteses restritas em que o
militar está obrigado a realizar a prisão em flagrante. Definição de crime
propriamente militar, crime impropriamente militar e crime militar por extensão.
III. Respostas aos questionamentos formulados pelo órgão assessorado.
Apreensão de natureza puramente administrativa, à qual compete ao próprio
Comando da Aeronáutica regulamentar internamente os procedimentos de
apreensão e seus consectários, inclusive dispondo a respeito da guarda,
alienação ou destruição de tais bens, com fulcro no art. 23, inciso XI e § 1º, do
Anexo I do Decreto nº 6.834/2009. Atuações administrativas que não competem
precipuamente às Forças Armadas, mas a outros órgãos públicos (por exemplo, a
apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio
ambiente, matéria regulamentada pela Instrução Normativa Conjunta
MMA/IBAMA/ICMBIO nº 1, de 12 de abril de 2021). Observância dos limites das
atribuições dessa Força Armada. Apreensão decorrente do poder de polícia
judiciária: só será realizada por militares da Aeronáutica em se tratando
de maquinário e equipamentos utilizados para a prática de crime militar. Crimes
ambientais previstos na Lei n° 9.605/1998 podem, teoricamente, vir a
constituir crimes militares, se realizados em área sob administração militar. Por
se tratar de crime militar, e não comum, não é o caso de formalizar boletim de
ocorrência em alguma delegacia de polícia, mas, sim, de instaurar o competente
inquérito policial militar (IPM). Quanto à destinação dos bens apreendidos,
dever-se-á observar o art. 25 da Lei n° 9.605/1998.
IV. Possibilidade de posse ou utilização do maquinário e dos equipamentos que já
estão no Campo de Provas Brigadeiro Velloso. N atureza de sua apreensão. Se o
bem foi apreendido pelo exercício do poder de polícia administrativa do próprio
Comando da Aeronáutica, em matéria de sua atribuição, competirá a ele
próprio regulamentar internamente os procedimentos de apreensão e seus
consectários. Se o bem foi apreendido por outro órgão público, no exercício do
seu poder de polícia administrativa, e então confiado em depósito ao Comando
da Aeronáutica, deve-se observar a regulamentação respectiva do ente
apreensor, e eventual solicitação de uso deverá ser dirigida a ele - no caso de
apreensão promovida pelos órgãos ambientais federais, por exemplo, a questão
é tratada pelo art. 134 do Decreto nº 6.514/2008. Por fim, em se tratando de
bens utilizados para a prática de crime militar, o art. 12, alínea "b", do Código de
Processo Penal Militar (CPPM) determina a sua imediata apreensão. Nesse caso,
o destino final dos bens apreendidos dependerá da natureza da sentença penal
transitada em julgado, se absolutória ou condenatória, nos termos dos arts. 196
e 197 do CPPM.
V. Atribuição para a lavratura de auto de prisão em flagrante. Em se tratando do
cometimento de crime militar - inclusive de crime militar por extensão, tal como
aquele cometido por civil contra o patrimônio sob a administração militar (art. 9º,
inciso III, alínea "a", do CPM) - impõe-se a realização da prisão em flagrante
delito, a teor do art. 243 do CPPM. Nesse caso, será realizada a lavratura de
auto de prisão em flagrante (APF) e a abertura de inquérito policial militar (IPM).
O procedimento para tanto, tal como o local de encarceramento do autor do fato
ou a forma de realização do exame de higidez física, será rigorosamente aquele
já utilizado pelo Organização Militar em questão quando da ocorrência de crime
militar em suas dependências. Caso se esteja diante de flagrante de crime
comum, convém relembrar inexistir o dever de os militares prenderem em
flagrante o autor do fato, por não ser atribuição própria das Forças Armadas
prover segurança pública (Parecer n. 00484/2019/CONJUR-MD/CGU/AGU, de 05 de
julho de 2019). Caso, ainda assim, se decida pela prisão em flagrante do infrator,
a sua condução à Polícia Federal ou à Polícia Civil estadual dependerá da
natureza da infração. Será atribuição da Polícia Federal lavrar o auto de prisão
em flagrante se se tratar de crime de competência da Justiça Federal ou quando
houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme
dos crimes previstos no art. 1º da Lei nº 10.446/2002. De outro lado, os crimes
de competência da Justiça Estadual serão, salvo na hipótese prevista na Lei nº
10.446/2002, encaminhados à Delegacia de Polícia Civil. A delegacia responsável
pela lavratura do auto de prisão em flagrante, como regra, será aquela da
comarca em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, naquela em
que for praticado o último ato de execução, na forma do art. 70, caput, do Código
de Processo Penal).
VI. Destinação de madeiras apreendidas por órgãos federais ambientais no bojo
de processos administrativos para apuração de infrações ambientais. Disposição
expressa a respeito, no art. 134, inciso II, do Decreto nº 6.514/2008. Assim, basta
que se formule requerimento à autoridade ambiental competente, no sentido de
que as madeiras por ela apreendidas possam ser utilizadas pela Administração
castrense, ou mesmo que lhe sejam doadas. Vale destacar que o requerimento
pode ter por objeto até mesmo madeiras apreendidas em outros lugares que não
a área sob administração militar, pois o Decreto nº 6.514/2008 não traz essa
limitação geográfica.
1. RELATÓRIO
1. Trata-se o presente de consulta jurídica encaminhada pelo Sexto Comando Aéreo Regional
(VI COMAR), por meio do Ofício nº 46/AJUR/265, de 31 de março de 2022 (Seq. 01), a respeito
das atribuições, competências e limites de atuação dos militares do Campo de Provas Brigadeiro
Velloso (CPBV), por ocasião de realização de missões patrimoniais por parte de seu efetivo. Aduz o
consulente:
2. Sobre o assunto, cumpre ressaltar que o CPBV possui extensa área patrimonial e
enfrenta problemas relacionados à grilagem de terra, ao garimpo ilegal e à extração ilegal
de madeiras com elevado valor comercial, bem como, a inexistência, em alguns trechos, de
delimitação física da área do COMAER, dificultando a fiel atuação por parte daquela OM.
3. Com a alteração da sede administrativa para o Município de Guarantã do Norte - MT,
publicada no BCA nº 028/2022 - Portaria GABAER nº 238/GC3, de 08 de FEV de 2022, as
dificuldades acerca da competência territorial se mostram uma crescente, e, tendo em
vista a OM não possuir Assessoria Jurídica própria, solicitou o devido assessoramento deste
Comando.
4. Por tratar-se de assunto sensível, envolvendo dentre outras, demandas oriundas da
esfera ambiental, com relevância e repercussão do tema para a Força, e em atenção ao
preconizado na DCA 19-4/2019, itens 2.1.2, "l", 4.1.3, faz-se necessário a remessa para
apreciação por parte dessa Consultoria.
6. Ademais, a questão do poder de polícia das Forças Armadas, análoga ao objeto da presente
consulta, já foi abordada por esta COJAER no Parecer nº 00114/2018/COJAER/CGU/AGU e no Parecer n.
00076/2019/COJAER/CGU/AGU. No presente opinativo, serão repisados os conceitos já firmados,
acrescentando-se a eles o tema específico ora em análise, como forma de enriquecer e traçar um
panorama mais completo do assunto em comento.
7. É o relatório.
2. FUNDAMENTAÇÃO
8. De início, convém destacar que compete à COJAER prestar consultoria sob o prisma
estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar em aspectos relativos à conveniência e à
oportunidade da prática dos atos administrativos, que estão reservados à esfera discricionária do
administrador público competente, tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica,
administrativa e/ou financeira. Nos termos do Manual de Boas Práticas Consultivas da Advocacia-Geral
da União, Enunciado BPC nº 07:
Enunciado BPC nº 7: A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial
de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-
lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os
técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre
estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter
discricionário de seu acatamento.
10. Antes que se possa adentrar diretamente os questionamentos formulados, convém tecer
algumas noções a respeito do exercício de poder polícia administrativo e judiciário pelas Forças
Armadas, dos casos em que existe ou inexiste dever de realização de prisão em flagrante e da natureza
dos crimes cometidos em local sujeito à administração militar.
11. De início, merece menção uniformização de entendimento jurídico promovida em 2019 pela
Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Defesa (CONJUR-MD) a respeito de áreas sob servidão militar.
Por ocasião da prolação do Parecer n. 00484/2019/CONJUR-MD/CGU/AGU, de 05 de julho de 2019 (anexo
ao presente), fixaram-se as seguintes conclusões:
iii) como regra geral, é dever do Estado, por meio de suas autoridades policiais, realizar
prisões em flagrante delito quando ocorrem crimes comuns, estando tais autoridades
listadas no art. 144 da CF; por outro lado, aos militares compete efetuar prisões em
flagrante na hipótese de cometimento de crimes militares, nos termos do art. 7º e 243
do Código de Processo Penal Militar. Logo, dentro do contexto criminal militar, é possível a
condução de rondas externas (motorizadas e a pé) no perímetro da OM;
iv) prover segurança pública à sociedade não constitui atribuição própria das Forças
Armadas, razão pela qual o argumento de manutenção da ordem pública não enseja o
dever legal de realizar prisões em flagrante nos crimes comuns, mesmo quando ocorridos
em áreas de servidão militar, exceto quando se tratar de operações de Garantia de Lei e da
Ordem ou, ainda, quando do exercício das atribuições subsidiárias de que trata a Lei
Complementar nº 97/99;
vi) orienta-se, como consequência das conclusões anteriores, a aplicação da seguinte tese
de uniformização: "O Decreto-Lei nº 3.437/41 encontra-se válido e vigente, tendo
sido revogada tacitamente pelo Decreto-Lei 9.760/46 apenas a alínea "a" do seu
art. 2º, de modo que a área de 1.320 metros em torno dos estabelecimentos
militares continua a constituir área de servidão militar, sobre a qual o Estado
(Forças Armadas) pode promover ações típicas de polícia administrativa, não lhes
competindo, todavia, o dever de efetuar prisões em flagrante nos crimes
comuns."
13. A doutrina aponta que a expressão "poder de polícia" possui duas acepções, uma ampla e
outra estrita. Em sentido amplo, o poder de polícia abrange toda ação estatal que vise a restringir a
liberdade e a propriedade, de forma a satisfazer necessidades coletivas, aí se incluindo a atividade
legislativa. Em sentido estrito, por sua vez, designa o exercício de função administrativa, exercida por
agente da Administração, que restringe e condiciona a liberdade e a propriedade. O poder de polícia
decorre da supremacia geral da Administração Pública, sendo aplicável a todos os particulares, sem a
necessidade de vínculo de natureza especial.
14. Carvalho Filho, baseado no sentido estrito da definição, conceitua o poder de polícia como
"a prerrogativa de direito público que, calcada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso
e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade"[1].
15. O legislador pátrio, por sua vez, conceituou o poder de polícia no artigo 78 do Código
Tributário Nacional, ao tratar de fatos geradores de taxas, fazendo-o nos seguintes termos:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou
disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato,
em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes,
à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes
de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à
propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando
desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do
processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso
ou desvio de poder.
16. Uma importante distinção a ser feita diz respeito às atividades de polícia administrativa e
polícia judiciária. A polícia administrativa é o que se denomina comumente "poder de polícia", incidindo
sobre atividades, bens e direitos dos indivíduos, exaurindo-se em si mesma e tendo caráter
eminentemente preventivo[2].
17. Já a polícia judiciária é atividade desenvolvida por corporações específicas (como as polícias
civil e federal), preparatória para a função jurisdicional penal, e incidente sobre indivíduos a quem se
atribui o cometimento de ilícitos penais, possuindo caráter eminentemente repressivo. Conforme
exemplifica Carvalho Filho[3]:
18. A partir disso, parcela da doutrina chega a criticar o uso da expressão "poder de polícia",
que confunde a atividade administrativa com a atividade policial, sugerindo outras nomenclaturas, como
"limitações administrativas à liberdade e à propriedade" ou "Administração ordenadora"[4].
19. Vê-se, pois, que, não obstante exista a atividade de polícia judiciária, a expressão "poder de
polícia" é muito mais associada à atividade administrativa que restringe e condiciona a liberdade e a
propriedade. Ademais, não há óbice a que as duas funções estejam concentradas em um só órgão,
como no caso da polícia militar, que exerce normalmente a polícia administrativa (patrulhamento das
vias públicas) ao mesmo tempo em que é polícia judiciária no tocante a crimes militares, conforme o
artigo 8º do Código de Processo Penal Militar[5].
20. As normas gerais de organização, preparo e emprego das Forças Armadas na Segurança e
Defesa Nacional estão previstas na Lei Complementar nº 97/1999, modificada pelas Leis
Complementares n° 117/2004 e n° 136/2010. O artigo 15, caput, do diploma normativo dispõe que o
emprego das Forças Armadas ocorrerá na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da
lei e da ordem, e na participação em operações de paz, repetindo o mandamento constitucional previsto
no artigo 142, caput, da Lei Maior:
Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes
constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de
responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da
Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação:
22. Com relação especificamente à Marinha do Brasil, o artigo 17 da Lei Complementar lhe
designou uma série de atribuições subsidiárias particulares, dentre as quais destacam-se orientar e
controlar a Marinha Mercante e suas atividades correlatas, implementar e fiscalizar o cumprimento de
leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores e prover a segurança da navegação aquaviária, todas
atividades de polícia administrativa.
23. Para bem desenvolver suas atribuições, a Marinha dispõe da “Patrulha Naval” (PATNAV),
prevista no Decreto nº 5.129/2004, anteriormente designada "Patrulha Costeira". Trata-se de patrulha
preventiva e repressiva, caracterizando exercício de poder de polícia administrativa, conforme trecho
da Carta de Instrução PATNAV/Comando de Operações Navais n° 003/09 [6]:
24. No que diz respeito à Aeronáutica, cabem-lhe como atribuições subsidiárias particulares
aquelas definidas no artigo 18 da Lei Complementar nº 97/1999, em especial prover a segurança da
navegação aérea e patrulhar o espaço aéreo contra todos os tipos de tráfego aéreo ilícito, com ênfase
nos envolvidos no tráfico de drogas, armas, munições e passageiros ilegais:
25. Trata-se de exercício de poder de polícia administrativa pela Força Aérea, que pode ser
exercido, inclusive com uso de medida de destruição ("tiro e destruição" ou "abate"), nos termos do
artigo 303, § 2º, da Lei nº 7.565/86, com redação dada pela Lei nº 9.614/98.
26. À polícia judiciária compete a elaboração do inquérito policial e a coleta de informações que
embasarão o exercício da função jurisdicional penal. Consiste na longa manus dos órgãos que viabilizam
a persecução penal, como o Ministério Público e o Poder Judiciário. Conforme ensina Nestor Távora [7]:
Da atuação repressiva, que age, em regra, após a ocorrência de infrações, visando angariar
elementos para apuração da autoria e constatação da materialidade delitiva. Neste
aspecto, destacamos o papel da Polícia Civil que deflui do artigo 144, §4º, da Constituição
Federal, verbis: “as polícias civis, dirigidas por delegados de carreira, incumbem,
ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de
infrações penais, exceto as militares”. No que nos interessa, a polícia judiciária tem a
missão primordial de elaboração do inquérito policial. Incumbirá ainda à autoridade policial
fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias a instrução e julgamento
dos processos; realizar as diligencias requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público;
cumprir os mandados de prisão e representar, se necessário for, pela decretação de prisão
(artigo 13 do Código de Processo Penal).
27. Maria Sylvia Di Pietro [8], lecionando sobre a diferença entre a polícia administrativa e a
polícia judiciária, esclarece ainda que esta última é privativa de determinadas corporações
especializadas, enquanto aquela está espraiada por diversos órgãos da Administração Pública:
28. Conforme o artigo 144, § 1º, inciso IV, é a polícia federal o órgão permanente e organizado a
quem compete exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. Logo, não podem
as Forças Armadas exercer esse mister no que concerne aos crimes comuns.
29. Já a Polícia Judiciária Militar foi instituída em 1895, por regulamento do Supremo Tribunal
Militar, com o nome de Conselho de Investigação[9]. Posteriormente, o Código de Processo Penal Militar
(Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969), em seus artigos 7º e 8º, especificou quais
autoridades exercerão a função de polícia judiciária militar e quais são suas competências. Conforme se
percebe pela leitura de tais dispositivos, o exercício do poder de polícia judiciária militar está restrito a
crimes militares e àqueles sujeitos a jurisdição militar, bem como às atividades de apoio à Justiça Militar.
32. De fato, a polícia de segurança é composta pela polícia ostensiva e pela polícia judiciária. A
primeira visa a preservar a ordem pública, através de medidas preventivas, constituindo exercício de
poder de polícia administrativa. Já a segunda apura e investiga as infrações penais, fornecendo
elementos ao Ministério Público para a propositura da ação penal.
33. O dever de realizar a prisão em flagrante, por seu turno, decorre de determinação legal
expressa, não estando necessariamente imbricado ao exercício do poder de polícia (administrativa ou
judiciária). A partir disso, o Código de Processo Penal Militar, em seu artigo 243, designa as pessoas
responsáveis por efetuar a prisão em flagrante, verbis:
34. Esse comando fixa um dever jurídico para os militares, estando inserido dentro do estrito
contexto do processo penal militar, conforme dita o artigo 1º do mesmo Codex: "Art. 1º O processo
penal militar reger-se-á pelas normas contidas neste Código, assim em tempo de paz como em tempo
de guerra, salvo legislação especial que lhe fôr estritamente aplicável".
35. Logo, o dever do militar de efetuar a prisão em flagrante, nos moldes previstos no CPPM,
está adstrito aos crimes cuja persecução penal ocorrerá sob as balizas do processo penal militar. Vale
dizer: não se pode estender esse dever legal para fora das hipóteses cujo procedimento é regulado pelo
CPPM.
36. No processo penal comum, por sua vez, as pessoas responsáveis por efetuar a prisão em
flagrante delito são designadas no Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de
1941), em cujo artigo 301 consta:
Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão
prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.
37. Pela dicção legal, somente têm o dever legal de realizar a prisão em flagrante delito as
"autoridades policiais e seus agentes". Trata-se do que a doutrina chama de "flagrante necessário" ou
"flagrante obrigatório", sendo certo que as instituições policiais estão arroladas no artigo 144 da
Constituição da República, dentre as quais não se encontram as Forças Armadas.
39. Ademais, interpretar que as Forças Armadas estejam contidas na expressão "autoridade
policial" é estender por demais o conceito legal, criando um dever jurídico não previsto pelo legislador.
Mais do que isso: entender que haveria dever legal do militar de realizar a prisão em flagrante teria
como consequência lógica a imputação do crime de prevaricação (artigo 319 do Código Penal Militar)
para o membro das Forças Armadas que testemunhasse a ocorrência de uma infração penal comum e
nada fizesse.
40. Essa tese acabaria por levar a situações inusitadas, já que militares não têm o treinamento
necessário para o enfrentamento da criminalidade urbana, nem - muitas vezes - os meios materiais de
fazê-lo. Não obstante, estariam obrigados a confrontar e prender os criminosos cujas atividades ilícitas
testemunhassem, sob pena de sofrerem, eles mesmos, persecução penal por prevaricarem.
41. Não bastasse isso, o próprio legislador definiu, nas hipótese de delitos transfronteiriços e
ambientais cometidos na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores, o dever do militar
de realizar prisões em flagrante, em reforço à ideia de que só existe tal dever quando a lei dispuser
expressamente. Conforme dispõe o artigo 16-A, inciso III, da Lei Complementar nº 97/1999 (destacou-
se):
Art. 16-A. Cabe às Forças Armadas, além de outras ações pertinentes, também como
atribuições subsidiárias, preservadas as competências exclusivas das polícias judiciárias,
atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no
mar e nas águas interiores, independentemente da posse, da propriedade, da finalidade
ou de qualquer gravame que sobre ela recaia, contra delitos transfronteiriços e
ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo,
executando, dentre outras, as ações de:
(...)
III - prisões em flagrante delito.
42. Por interpretação sistemática, se a lei pinçou uma determinada hipótese e determinou que,
em ocorrendo, haverá o dever de o militar realizar a prisão em flagrante, não se pode concluir por um
dever genérico de o membro das Forças realizar a prisão em flagrante em qualquer caso. Nesse mesmo
sentido foi o Parecer n. 00484/2019/CONJUR-MD/CGU/AGU, de 05 de julho de 2019:
iii) como regra geral, é dever do Estado, por meio de suas autoridades policiais, realizar
prisões em flagrante delito quando ocorrem crimes comuns, estando tais autoridades
listadas no art. 144 da CF; por outro lado, aos militares compete efetuar prisões em
flagrante na hipótese de cometimento de crimes militares, nos termos do art. 7º e 243
do Código de Processo Penal Militar. Logo, dentro do contexto criminal militar, é possível a
condução de rondas externas (motorizadas e a pé) no perímetro da OM;
iv) prover segurança pública à sociedade não constitui atribuição própria das Forças
Armadas, razão pela qual o argumento de manutenção da ordem pública não enseja o
dever legal de realizar prisões em flagrante nos crimes comuns, mesmo quando ocorridos
em áreas de servidão militar, exceto quando se tratar de operações de Garantia de Lei e da
Ordem ou, ainda, quando do exercício das atribuições subsidiárias de que trata a Lei
Complementar nº 97/99;
43. Percebe-se, pois, não existir um dever amplo e genérico de os militares realizarem a prisão
em flagrante delito em crimes comuns, não se podendo interpretar a expressão "autoridades policiais e
seus agentes", contida no artigo 301 do CPP, de forma tão ampla que os abranja. Nas estritas hipóteses
em que o legislador quis impor tal dever aos membros das Forças, ele o fez expressamente, seja por
meio do art. 243 do CPPM (restrito ao processo penal militar), seja por meio do art. 16-A, inciso III, da Lei
Complementar nº 97/1999 (limitado a delitos transfronteiriços e ambientais cometidos na faixa de
fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores).
44. Até o advento da Lei n° 13.491/17, somente eram considerados crimes militares aqueles
especificamente previstos no Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969),
podendo eles serem crimes militares próprios (que só poderiam ser cometidos por militares) ou
impróprios (que poderiam ser cometidos por militares ou civis).
45. Aponta a doutrina que a Lei n° 13.491/17, ao lado da tradicional classificação entre os
crimes militares próprios e os crimes militares impróprios, acrescentou os crimes militares por extensão,
tipos penais previstos na legislação comum, que, não obstante, podem vir a configurar crimes militares.
Nas palavras de Ronaldo Roth[11]:
46. Com isso, quaisquer outros crimes previstos em legislação extravagante passaram a poder,
ao menos potencialmente, configurar crimes militares. Conforme recente publicação doutrinária na
Revista do Conselho Nacional do Ministério Público[12]:
No que atine à capitulação dos crimes militares ambientais no art. 9º do CPM, a posição
majoritária é no sentido de enquadrar o delito ambiental praticado por militar da ativa “na
hipótese da alínea 'e' do inciso II do art. 9º do Código Penal Militar, que demanda seja o
delito praticado ‘contra o patrimônio sob a administração militar’, já que todas as demais
alíneas do referido inciso II descrevem crimes cometidos contra pessoas físicas” (STJ, CC
162.248, Rel. Min. Reynaldo Soares das Fonseca, DP 04/12/2018, grifo acrescentado).
Na hipótese de a autoria do delito militar ambiental ser atribuída a civil, a capitulação do
crime migrará para a alínea “a” do inciso III do art. 9º (“contra o patrimônio sob a
administração militar, ou contra a ordem administrativa militar”). A exemplo, cita-se caso
de civil que furta areia acondicionada em área sujeita à administração militar, CPM), em
concurso formal com o crime militar ambiental previsto no art. 44 da Lei 9.605/1998 c/c art.
9º, III, “a”, do CPM.
(...)
São, pois, crimes militares ambientais passíveis de acontecer na faixa de fronteira os de
tráfico de plantas e de animais, bem como os que importem em atos lesivos ao meio
ambiente – com previsão na Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), no Código Florestal
(Lei 12.651/2012) e no Código de Proteção à Fauna (Lei 5.197/1967).
47. Tem-se, pois, que crimes ambientais, por exemplo, podem vir a ser considerados
crimes militares, se cometidos por militar em situação de atividade ou assemelhado, em
lugar sujeito à administração militar (art. 9º, inciso II, alínea "b", do CPM) ou se praticados
por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra o patrimônio sob a administração
militar (art. 9º, inciso III, alínea "a", do CPM).
52. Vale ressaltar, no entanto, que existem atuações administrativas que não
competem precipuamente às Forças Armadas, mas a outros órgãos públicos. Mencione-se, a
título de exemplo, a apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas
ao meio ambiente, matéria regulamentada pela Instrução Normativa Conjunta
MMA/IBAMA/ICMBIO nº 1, de 12 de abril de 2021. Nesse âmbito, não compete ao Comando da
Aeronáutica a expedição de qualquer regulamentação, por não se tratar de matéria de sua
competência. Logo, eventual regulamentação de apreensões administrativas no âmbito da
Força Aérea Brasileira deverá observar os limites das atribuições dessa Força Armada.
54. Assim, quaisquer dos crimes ambientais previstos na Lei n° 9.605/1998 podem,
teoricamente, vir a constituir crimes militares, se realizados em área sob administração
militar. Por se tratar de crime militar, e não comum, não é o caso de formalizar boletim de
ocorrência em alguma delegacia de polícia, mas, sim, de instaurar o competente inquérito
policial militar (IPM). Quanto à destinação dos bens apreendidos, dever-se-á observar o art.
25 da Lei n° 9.605/1998:
Art. 25. Verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se
os respectivos autos.
§ 1o Os animais serão prioritariamente libertados em seu habitat ou, sendo tal medida
inviável ou não recomendável por questões sanitárias, entregues a jardins zoológicos,
fundações ou entidades assemelhadas, para guarda e cuidados sob a responsabilidade de
técnicos habilitados.
§ 2o Até que os animais sejam entregues às instituições mencionadas no § 1o deste artigo,
o órgão autuante zelará para que eles sejam mantidos em condições adequadas de
acondicionamento e transporte que garantam o seu bem-estar físico.
§ 3º Tratando-se de produtos perecíveis ou madeiras, serão estes avaliados e doados a
instituições científicas, hospitalares, penais e outras com fins beneficentes.
§ 4° Os produtos e subprodutos da fauna não perecíveis serão destruídos ou doados a
instituições científicas, culturais ou educacionais.
§ 5º Os instrumentos utilizados na prática da infração serão vendidos, garantida a sua
descaracterização por meio da reciclagem.
55. Por cautela, mencione-se que o Supremo Tribunal Federal, na Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF) nº 640, decidiu que a a Constituição Federal não autoriza abate de
animais apreendidos em situação de maus tratos. Conforme constou do recente Acórdão, publicado em
17/12/2021:
59. Se o bem foi apreendido por outro órgão público, no exercício do seu poder de
polícia administrativa, e então confiado em depósito ao Comando da Aeronáutica, deve-se
observar a regulamentação respectiva do ente apreensor, e eventual solicitação de uso
deverá ser dirigida a ele. No caso de apreensão promovida pelos órgãos ambientais federais,
por exemplo, a questão é tratada pelo art. 134 do Decreto nº 6.514/2008, in verbis :
Art. 134. Após decisão que confirme o auto de infração, os bens e animais apreendidos
que ainda não tenham sido objeto da destinação prevista no art. 107, não mais retornarão
ao infrator, devendo ser destinados da seguinte forma:
(...)
II - as madeiras poderão ser doadas a órgãos ou entidades públicas, vendidas ou utilizadas
pela administração quando houver necessidade, conforme decisão motivada da autoridade
competente;
(...)
V - os demais petrechos, equipamentos, veículos e embarcações descritos no inciso IV do
art. 72 da Lei nº 9.605, de 1998, poderão ser utilizados pela administração quando houver
necessidade, ou ainda vendidos, doados ou destruídos, conforme decisão motivada da
autoridade ambiental;
Art. 27. O depósito de bem apreendido deverá ser confiado a pessoa natural ou a órgãos e
entidades de caráter ambiental, beneficente, científico, cultural, educacional, hospitalar,
penal ou militar.
(...)
§ 3º O bem confiado em depósito não poderá ser utilizado pelo depositário, salvo o uso
lícito de veículos e embarcações pelo próprio autuado.
Art. 28. O órgão ambiental federal autuante poderá utilizar o bem apreendido:
(...)
61. Por fim, em se tratando de bens utilizados para a prática de crime militar, o art.
12, alínea "b", do Código de Processo Penal Militar (CPPM) determina a sua imediata
apreensão (realizada pelos próprios militares do Comando da Aeronáutica, como decorrência do poder
de polícia judiciária militar):
Art. 12. Logo que tiver conhecimento da prática de infração penal militar, verificável na
ocasião, a autoridade a que se refere o § 2º do art. 10 deverá, se possível:
(...)
b) apreender os instrumentos e todos os objetos que tenham relação com o fato;
62. Nesse caso, o destino final dos bens apreendidos dependerá da natureza da
sentença penal transitada em julgado, se absolutória ou condenatória, nos termos dos arts.
196 e 197 do CPPM:
Sentença condenatória
Art. 196. Decorrido o prazo de noventa dias, após o trânsito em julgado de sentença
condenatória, proceder-se-á da seguinte maneira em relação aos bens apreendidos:
64. O primeiro passo para a resolução da questão passa pela identificação da natureza do crime
que está sendo cometido, se crime militar ou crime comum.
66. Nesse caso, será realizada a lavratura de auto de prisão em flagrante (APF) e a
abertura de inquérito policial militar (IPM). O procedimento para tanto, tal como o local de
encarceramento do autor do fato ou a forma de realização do exame de higidez física, será
rigorosamente aquele já utilizado pelo Organização Militar em questão quando da ocorrência
de crime militar em suas dependências.
67. Caso se esteja diante de flagrante de crime comum, convém relembrar inexistir o
dever de os militares prenderem em flagrante o autor do fato, por não ser atribuição própria
das Forças Armadas prover segurança pública. Nesse sentido foi a uniformização de tese
promovida pelo Parecer n. 00484/2019/CONJUR-MD/CGU/AGU, de 05 de julho de 2019:
iii) como regra geral, é dever do Estado, por meio de suas autoridades policiais, realizar
prisões em flagrante delito quando ocorrem crimes comuns, estando tais autoridades
listadas no art. 144 da CF; por outro lado, aos militares compete efetuar prisões em
flagrante na hipótese de cometimento de crimes militares, nos termos do art. 7º e 243
do Código de Processo Penal Militar. Logo, dentro do contexto criminal militar, é possível a
condução de rondas externas (motorizadas e a pé) no perímetro da OM;
iv) prover segurança pública à sociedade não constitui atribuição própria das Forças
Armadas, razão pela qual o argumento de manutenção da ordem pública não enseja o
dever legal de realizar prisões em flagrante nos crimes comuns, mesmo quando ocorridos
em áreas de servidão militar, exceto quando se tratar de operações de Garantia de Lei e da
Ordem ou, ainda, quando do exercício das atribuições subsidiárias de que trata a Lei
Complementar nº 97/99;
68. Caso, ainda assim, se decida pela prisão em flagrante do infrator, a sua condução
à Polícia Federal ou à Polícia Civil estadual dependerá da natureza da infração. Será
atribuição da Polícia Federal lavrar o auto de prisão em flagrante se se tratar de crime de
competência da Justiça Federal ou quando houver repercussão interestadual ou
internacional que exija repressão uniforme dos crimes previstos no art. 1º da Lei nº
10.446/2002:
71. Por se tratar de especificação de pergunta já endereçada no subtópico 4.2 deste opinativo,
ora se remete o leitor à explanação ali delineada.
Art. 134. Após decisão que confirme o auto de infração, os bens e animais apreendidos
que ainda não tenham sido objeto da destinação prevista no art. 107, não mais retornarão
ao infrator, devendo ser destinados da seguinte forma:
(...)
II - as madeiras poderão ser doadas a órgãos ou entidades públicas, vendidas ou utilizadas
pela administração quando houver necessidade, conforme decisão motivada da autoridade
competente;
5. CONCLUSÃO
76. Reitere-se, por fim, que as presentes considerações se restringem à análise dos aspectos
jurídico-formais do processo, abstraídas as questões técnicas, financeiras e orçamentárias, as quais
fogem à competência deste órgão consultivo, resguardando-se o juízo de conveniência e oportunidade
ínsito à esfera administrativa.
À consideração superior.
Brasília, 11 de maio de 2022.
Notas
1. ^
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo – 31. ed. rev., atual.
e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 84.
2. ^ OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo - 3. ed. rev., atual.
e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015, pp. 246-247.
3. ^ CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo – 31. ed. rev., atual.
e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 87.
4. ^ OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo - 3. ed. rev., atual. e ampl. -
Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015, p. 246.
5. ^ Ibid., p. 247.
6. ^ TAVEIRA, Ângela Montenegro. O Poder de Polícia dos Membros das Forças Armadas nas
operações de patrulhamento de fronteiras: limites e implicações com a segurança e o
desenvolvimento nacionais. 2011. 67 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Monografia apresentada
ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma
do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia [CAEPE]) – Escola Superior de Guerra, Rio de
Janeiro, 2011 p. 33.
7. ^ TÁVORA, N; ALENCAR, R.R. Curso de Direito Processual Penal. 8. Ed. JUSPODIVM, 2013, p.
98.
8. ^ DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23ª Edição. São paulo: Atlas, 2010, p.
118.
9. ^ Regulamento Processual Criminal Militar do Supremo Tribunal Militar publicado no DOU em
18/07/1895, p. 5, seção 1
10. ^ MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. 2. ed. Rio de
Janeiro: Editora Renovar, 2001, pp. 328-329.
11. ^ Roth, Ronaldo João. Lei 13.491/17: os crimes militares por extensão e o princípio da
especialidade. Disponível em: https://revista.mpm.mp.br/artigo/artigos-tematicos-lei-13-491-os-
crimes-militares-por-extensao-e-o-principio-da-
especialidade/#:~:text=O%20ordenamento%20jur%C3%ADdico%20p%C3%A1trio%20incorporou,nominamos%20crimes%20militares%20por
em 25/04/2022.
12. ^ Leite, Karolyne. Os crimes militares ambientais e a definição da sua dogmática penal
em três degraus interpretativos. Disponível
em: https://ojs.cnmp.mp.br/index.php/revista/article/view/164/209. Acesso em 25/04/2022.
Documento assinado eletronicamente por VICTOR CHAVES RIBEIRO FRANCA GUIMARAES, de acordo com
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13813956. Emissor: Autoridade Certificadora SERPRORFBv4.
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA DEFESA
CGDAM - COORDENAÇÃO-GERAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO E MILITAR
ESPLANADA DOS MINISTÉRIOS, BLOCO Q, SALA 733, CEP: 70049-900, BRASÍLIA-DF TELEFONE: 61-3312-4123. EMAIL: CONJUR@DEFESA.GOV.BR
PARECER n. 00484/2019/CONJUR-MD/CGU/AGU
NUP: 67200.005609/2018-27
INTERESSADOS: COMANDO DE PREPARO - COMPREP
ASSUNTOS: ASSESSORAMENTO ESPECIALIZADO À ATIVIDADE JURÍDICA
Sr. Coordenador-Geral,
1. RELATÓRIO:
[...]
1. Trata o presente expediente acerca do Parecer nº 00114/2018/COJAER/CJU/AGU, no qual
essa Consultoria se manifesta a respeito da inexistência de competência legal para que
membros da Forças Armadas efetuem prisões nas áreas externas aos quartéis, ainda que
em flagrante delito, nas hipóteses de crimes comuns, salvo nos casos expressamente
autorizados pela Constituição Federal e pela Lei Complementar n° 97, de 1999.
2. Em que pese a clareza do referido Parecer, verifica-se que o seu texto deixou de abordar
o tema sob a perspectiva da atuação do efetivo das Forças Armadas na defesa de suas
instalações, a qual, inexoravelmente, vem demandando a presença de militares nas
adjacências das Organizações Militares, sobretudo daquelas localizadas nas regiões com
maiores índices rde violência.
3. É sabido que o interesse público na preservação das áreas contíguas aos quartéis impõe,
inclusive, limitação às construções localizadas dentro do raio de 600 braças (1.320 metros)
no entorno daqueles, em áreas denominadas de servidão militar, conforme inteligência do
art. 2° do Decreto-Lei n° 3.437, de 1941, e entendimento manifestado pelo Superior
Tribunal de Justiça, no AREsp n° 1.214.391 - RJ (2017/0316306-2).
CONCLUSÃO
[...]
4. CONCLUSÃO
(destacou-se)
CONCLUSÃO
- o Exército brasileiro possui pleno poder de polícia nas áreas de servidão militar, tendo um
poder/dever de atuar de diversas formas: expedindo licenças, autorizações, fazendo
controle de trânsito, restringindo a utilização de estacionamento nas imediações de fortes
militares, regulamentando as atividades civis e construções no raio de 1.320 metros após o
término da área de suas fortificações e atuando preventivamente nos delitos que possam
ocorrer em tais áreas.
[...]
7. Por fim, a CONJUR-MB expressou seu entendimento sobre o tema na forma do PARECER nº
00134/2019-ELB/CJACM/CGU/AGU, cuja conclusão foi a seguinte:
III- CONCLUSÃO
a) No que concerne às prisões nas áreas externas aos quartéis, não se pode descurar da
importância das áreas objeto de servidão administrativa - de que trata o Decreto-Lei nº
3.437, de 1941 - para garantir a ordem e a segurança das Instituições Militares, e que,
nesse sentido, há um conjunto de atribuições e responsabilidade para as Organizações
Militares. Assim, embora não se possa falar em obrigatoriedade no sentido do disposto no
art. 301 do CPP acima transcrito, existe inexoravelmente um dever, por parte dos membros
das Forças Armadas, de satisfazer as finalidades em prol do qual o Decreto-Lei nº 3.437, de
1941, foi editado;
8. É o relatório.
2. ANÁLISE:
ii) alcance do poder de polícia das FFAA nas áreas adjacentes às Organizações
Militares, tais como patrulhamento, fiscalização de trânsito e pessoas, condução
de rondas externas - motorizadas e a pé, no perímetro da OM, com
estabelecimento temporário de posições estáticas ao longo do seu itinerário,
junto aos limites das instalações militares, bem como o bloqueio dos acessos ao
quartel.
16. Questão que, por lógica, precede o enfrentamento de mérito acerca dos limites de atuação
das Forças nas áreas adjacentes aos aquartelamentos diz respeito a eventual revogação do Decreto-Lei
3.437/41, o qual estabelece as áreas ora denominadas de servidão militar.
17. Referido Decreto veio a consolidar antigas legislações da época do Brasil imperial que,
historicamente, sempre reservavam às instituições militares áreas em torno do perímetro militar com
vistas à proteção do quartel e à garantia da integridade física dos militares que ali circulavam.
18. Na esteira desse raciocínio, o Decreto-Lei nº 3.437, de 1941, dispôs o seguinte:
DECRETA:
[...] (destacou-se)
19. Analisando-se o texto acima transcrito, percebe-se que o art. 1º trata do perímetro de 33
metros ao redor das organizações militares os quais se consideram, tecnicamente, propriedade da
União, pois o dispositivo menciona expressamente que se reputam nulas as propriedades porventura ali
existentes. Logo, ao cotejar tal dispositivo com o previsto no art. 1º, "i" e "l", do Decreto-Lei 9.760/46, e
com o art. 20, I, da CF/88 [1], é possível inferir que a referida área de 33 metros em torno dos
aquartelamentos constitui bem da União.
20. Por seu turno, o art. 2º fixou o perímetro do que se denomina servidão militar, consistente
em uma área de 1.320 metros ao redor dos quartéis. Sobre aludida área, o legislador impôs aos
particulares restrições de natureza real (proibição de novos aforamentos), de uso e fruição, em face do
interesse público ali envolvido.
21. Conforme alíneas do art. 2º, fixaram-se três restrições legais: i) vedação à concessão de
novos aforamentos; ii) proibição de construção fora das determinações da Forças Armadas; e iii) as
construções em andamento deveriam ser sustadas a fim de adequarem-se às determinações das Forças
Armadas. A partir de então, tais áreas passaram a ser consideradas legalmente como de servidão
militar, sobre as quais a Força Castrense detém poderes administrativos de restringir seu livre uso pelos
particulares.
22. Todavia, a CONJUR-FAB destacou que pairam dúvidas, no âmbito da AGU, sobre a plena
vigência do Decreto-Lei 3.437/41, em razão do advento do Decreto-Lei nº 9.760/46 que, em seu art.
100, "a", supostamente teria promovido a revogação tácita do primeiro. Vejamos o teor de tal
dispositivo:
a) dos Ministérios da Guerra, por intermédio dos Comandos das Regiões Militares; da
Marinha, por intermédio das Capitanias dos Portos; da Aeronáutica, por intermédio dos
Comandos das Zonas Aéreas, quando se tratar de terrenos situados dentro da faixa de
fronteiras, da faixa de 100 (cem) metros ao longo da costa marítima ou de uma
circunferência de 1.320 (mil trezentos e vinte) metros de raio em torno das
fortificações e estabelecimentos militares;
[...]
(destacou-se)
23. Desse modo, a CONJUR do então Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão emitiu o
PARECER Nº 1331 - 5.1.1/2010/AMF/CONJUR/MP, no qual sustentou o entendimento de que o art. 2º do
Decreto-Lei 3.437/41 teria sido revogado pelo retrocitado art. 100, "a", do Decreto-Lei 9.760/46,
porquanto este último passou a dispor sobre o regime de aforamento em terras da União, admitindo-o
dentro da área de 1.320 metros em torno dos estabelecimentos militares, desde que houvesse previa
audiência das Forças Armadas. Veja-se o raciocínio então alinhavado:
(...) I -
Consulta em tese formulada pela Secretaria do Patrimônio da União. Aforamento. Terrenos
em torno de fortificações. Regulamentação pelo Decreto-Lei 3.437/41.
I I - Art. 1º, Decreto-Lei n. 3.437/41. Validade. Norma especial. Compatibilidade
com o regime geral instituído pelo Decreto – Lei n. 9.760/46. Lei de Introdução ao
Código Civil, art. 2º, §2º.
I I I - Art. 2º, Decreto-Lei n.3.437/41. Incompatibilidade com norma posterior,
constante do art. 100, alínea “a” Decreto-Lei n. 9.760/46. Revogação Tácita. Lei
de Introdução ao Código Civil, art. 2º, § 1º.
IV- Concessão de aforamento na faixa de terra de 1320 metros em torno de fortificações.
Desnecessidade de oitiva dos órgãos mencionados na alínea “a”, art. 100. Decreto-Lei
n.9.760/46, nas hipóteses em que as fortificações não mais se prestam ao serviço de
defesa nacional. Interpretação teleológica. Princípio da razoabilidade.
(...)
10. Portanto, no que respeita ao primeiro questionamento formulado pela SPU, constata-
se incompatibilidade normativa apenas entre o art. 2º, Decreto-Lei n. 3.437/41, e
o art. 100, alínea “a”, Decreto – Lei 9.760/46, razão pela qual, ainda que
tacitamente, deve-se considerar o dispositivo mais antigo integralmente
revogado, inclusive no que respeito ao conteúdo de suas alíneas. Já o art. 1º do
Decreto-Lei n. 3.437/41 permanece vigente, na plena produção de seus efeitos
jurídicos, por se tratar de regra especial.
24. Esta Consultoria Jurídica, por sua vez, no bojo do PARECER n. 00745/2018/CONJUR-
MD/CGU/AGU, que analisava na oportunidade minuta de decreto presidencial a respeito das áreas de
interesse da defesa nacional, também manifestou entendimento de que o Decreto 3.437/41 estaria
revogado por força do disposto no Decreto 9.760/46. Veja-se o raciocínio traçado naquele opinativo:
[...]
[...]
25. Com a devida venia aos posicionamentos dissonantes, esta CGDAM/CONJUR-MD, apreciando
mais detidamente a questão, entende que apenas e tão somente o disposto na alínea "a" do art. 2º do
Decreto-Lei nº 3.437/41 encontra-se de fato revogado, nos termos do art. 2º, §1º, da Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro.
26. Isso porque o comando nele contido - vedação de novos aforamento no perímetro de 1.320
metros - realmente foi objeto de tratamento diverso por meio diploma normativo posterior, isto é, pelo
art. 100, "a", do Decreto-Lei 9.760, de 1946. De acordo com este último, tornou-se possível a concessão
de aforamentos na áreas de 1.320 metros em torno das instituições militares, bastando que haja
aquiescência da Força Armada que possua o direito de servidão.
27. Visando ao deslinde do impasse, impõe-se a leitura atenta do art. 2º do Decreto-Lei nº
4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB), que
consagra o princípio da continuidade da norma, ao estabelecer que a partir da sua entrada em vigor ela
tem eficácia contínua, até que outra a modifique ou revogue:
Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique
ou revogue.
§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com
ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
[...]
28. Tomando-se por base teórica o disposto acima, é possível concluir que, à exceção da
possibilidade de novos aforamentos, o Decreto-Lei nº 9.760/46 não dispôs de forma incompatível com o
Decreto-Lei nº 3.437/41, tampouco tratou inteiramente da matéria nele disciplinada, a qual, repita-se,
refere-se especificamente ao tratamento legal das áreas em torno dos quartéis .
29. Logo, com preciso fundamento no §1º do art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro - LINDB, é de se concluir que o Decreto-Lei nº 3.437/41 encontra-se vigente, com exceção da
alínea "a" de seu art. 2º. Por conseguinte, as restrições administrativas constantes das alíneas "b" e "c"
continuam válidas, bem como seu art. 1º.
30. É possível que exista, por exemplo, determinado particular detentor de título jurídico
diverso do aforamento (ex: inscrição de ocupação, cessão de uso, permissão de uso, etc) dentro do
perímetro de 1.320 metros e, nesse contexto, pretenda ali construir, ampliar o prédio ou ainda reformá-
lo. Nessa situação, entendemos que as restrições impostas pela alínea "b" do art. 2º do Decreto-Lei nº
3.437/41 são plenamente aplicáveis, devendo-se, previamente, obter o aval do Comando Militar detentor
da servidão administrativa do local.
31. Em síntese, o Decreto-Lei 9.760/46 apenas mitigou u m a das várias restrições
administrativas aos direitos do particular sobre a área de 1.320 metros, não significando que as demais
limitações que naturalmente recaem sobre áreas de servidão administrativa não permaneçam válidas.
32. Corroborando tal posicionamento, é possível notar que os tribunais do país, inclusive o STF
[2]
, utilizam o mencionado Decreto-Lei como fundamento para inúmeras decisões, havendo, inclusive,
precedente expresso acerca de sua vigência, conforme julgado abaixo transcrito, da lavra do TRF-2ª
Região:
(destacou-se)
33. Também em âmbito doutrinário a servidão militar instituída pelo Decreto-Lei nº 3.437/41 é
plenamente reconhecida, podendo-se registrar, como meros exemplos, as obras de direito
administrativo de Raquel Melo Urbano de Carvalho e Maria Sylvia Zanella Di Pietro, para quem o
Decreto-Lei nº 3.437/41 "consolidou a legislação sobre servidão militar " e, " além dessa servidão, outras
podem ser constituídas por acordo ou sentença judicial com base no art. 40 do Decreto-Lei 3.365/41
[...]". [3]
34. Portanto, em relação à vigência do Decreto-Lei nº 3.437/41, concluímos que apenas a alínea
"a" de seu art. 2º foi revogada tacitamente pelo Decreto-Lei nº 9.760/46. Destarte, a área de 1.320
metros em torno dos estabelecimentos militares continua a constituir área de servidão militar sobre a
qual o Estado (Forças Armadas) possui o direito real de gozo com vistas à manutenção da própria
segurança das instalações militares e à preservação do patrimônio que lhe é afetado, estando o
particular sujeito às restrições estatais impostas em prol do interesse público.
2.3 Ações de polícia administrativa dentro das áreas de servidão militar. Ratio legis
do Decreto-Lei 3.437/41. Princípio da supremacia do interesse público sobre o privado.
39. Nesse contexto, o exercício do poder de polícia nessas áreas exsurge como decorrência
lógica do instituto da servidão administrativa. Aliás, a servidão por si própria traduz o poder de polícia
estatal que, como visto, nada mais é do que a limitação de direitos individuais em razão do interesse da
coletividade.
40. Com efeito, veja-se esclarecedora doutrina acerca do fundamento dessa forma de
intervenção do Estado:
[...]
41. Desse modo, com escoro no princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, a
Administração Militar possui respaldo legal e constitucional para desempenhar medidas de polícia
administrativa nas áreas de servidão, que se consideram imprescindíveis à segurança da Instituição
Militar e ao cumprimento de sua missão constitucional.
42. Outrossim, lembre-se que é dever legal do Poder Público fiscalizar e cuidar do patrimônio
público que lhe é afetado, no caso das Forças Armadas, do patrimônio entregue às Organizações
Militares. O art. 11 da Lei nº 9.636/98, que dispõe sobre o patrimônio imobiliário da União, dispõe
precisamente sobre esse aspecto:
Art. 11. Caberá à SPU a incumbência de fiscalizar e zelar para que sejam mantidas a
destinação e o interesse público, o uso e a integridade física dos imóveis pertencentes
ao patrimônio da União, podendo, para tanto, por intermédio de seus técnicos
credenciados, embargar serviços e obras, aplicar multas e demais sanções
previstas em lei e, ainda, requisitar força policial federal e solicitar o necessário
auxílio de força pública estadual.
§ 1o Para fins do disposto neste artigo, quando necessário, a SPU poderá, na forma do
regulamento, solicitar a cooperação de força militar federal.
§ 2o A incumbência de que trata o presente artigo não implicará prejuízo para:
I - as obrigações e responsabilidades previstas nos arts. 70 e 79, § 2o, do Decreto-Lei
no 9.760, de 1946;
II - as atribuições dos demais órgãos federais, com área de atuação direta ou indiretamente
relacionada, nos termos da legislação vigente, com o patrimônio da União.
(destacou-se)
48. Questão diversa, todavia, diz respeito ao poder de polícia judiciária, que abrange o
questionamento sobre a possibilidade de efetuar-se prisões em flagrante delito, conforme será
abordado no tópico adiante.
2.4 Polícia Judiciária. Prisões em flagrante delito. Dever de atuação das Forças
Armadas quanto aos crimes militares. Mera possibilidade quanto aos crimes comuns.
Exegese do art. 144 da CF, art. 16-A da LC 97/99, art. 243 do CPPM e art. 301 do CPP.
51. Enquanto a polícia administrativa rege-se pelos princípios do Direito Administrativo e " se
difunde por todos os órgãos administrativos, de todos os Poderes e entidades públicas, que tenham
atribuições de fiscalização", a polícia judiciária é regida pelas normas de Direito Processual Penal e " é
privativa dos órgãos auxiliares da Justiça (MP e Polícia em geral), ou seja, é executada por órgãos de
segurança" [7].
52. Nesse sentido, a Constituição Federal, ao tratar da Segurança Pública, definiu em seu art.
144 os órgãos aos quais compete o poder de polícia judiciária, verbis :
CAPÍTULO III
DA SEGURANÇA PÚBLICA
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido
pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
(destacou-se)
53. Como se vê, as funções de segurança pública encontram-se repartidas entre os órgãos
citados no supracolacionado art. 144 da Carta Magna, cabendo à polícia rodoviária federal, à polícia
ferroviária federal e às polícias militares atuarem de forma preventiva por meio de policiamento
ostensivo e, à polícia federal e às polícias civis dos estados, as funções de polícia judiciária.
54. Especialmente acerca da prisão em flagrante delito para os crimes comuns, a disciplina
legal encontra-se estampada no art. 301 do Código de Processo Penal, segundo o qual "qualquer do
povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado
em flagrante delito". Nesses termos, constitui dever do Estado, por meio de suas autoridades policiais,
realizar prisões em flagrante delito caso haja suposto cometimento de crime comum. As autoridades
policiais habilitadas para isso estão, como visto, listadas no art. 144 da CF, anteriormente comentado.
55. Logo, os militares das Forças Armadas, que não são policiais e tampouco estão inseridos no
art. 144 da Carta Magna como integrantes de órgão de segurança pública, não têm o dever legal de
realizar prisões em flagrante delito no caso de crimes comuns.
56. Compete-lhes, de outro lado, o exercício do poder de polícia judiciária na esfera criminal
militar, nos moldes do art. 7º do CPPM:
57. A respeito das prisões em flagrante, o art. 243 do Código de Processo Penal Militar i mpôs,
coerentemente, aos militares o exercício desse dever legal, dispondo que "qualquer pessoa poderá e os
militares deverão prender quem fôr [sic] insubmisso ou desertor, ou seja encontrado em flagrante
delito".
58. Desse modo, resta claro que as Forças Armadas não detêm competência para o exercício
de poder polícia judiciária quanto aos crimes comuns, tendo em vista que não se inserem no rol dos
órgãos responsáveis por realizar segurança pública. Por essas razões, não há viabilidade jurídica para
advogar-se a existência de dever legal de prisões em flagrante delito quanto a esses crimes, a não ser,
por óbvio, em situações de GLO ou no exercício das atribuições subsidiárias previstas na LC 97/99.
59. Oportunamente, lembre-se que, na forma do art. 142 da CF, as funções das Forças Armadas
são a defesa da Pátria, a garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, em
casos excepcionais, da lei e da ordem, não lhes incumbindo, portanto, atividades típicas de segurança
pública.
60. Especificamente sobre segurança pública e Forças Armadas, convém registrar o
posicionamento do ex-Ministro da Defesa Raul Jungmann, em artigo publicado na Revista do Ministério
Público Militar:
[...]
Desse modo, verifica-se que o legislador constituinte não atribui às Forças Armadas o papel
de fazer a segurança pública interna do Estado Brasileiro. Aliás, deixou patente que a
segurança pública é uma atribuição dos diversos corpos policiais e dos corpos de
bombeiros militares.
Sendo assim, por intermédio da leitura do dispositivo constitucional, infere-se com clareza
solar que as polícias em todos os seus ramos e os corpos de bombeiros militares são as
que têm a atribuição normal de manter a ordem pública interna e a segurança pública.
(...)
Nesses termos, é fundamental que o Estado Brasileiro dote as suas forças policiais e corpos
de bombeiros militares de capacidade, dando-lhes condições de lidar com situações graves
de perturbação da ordem, a fim de que os militares das Forças Armadas somente sejam
mobilizados para essas ações em casos episódicos e possam dedicar-se com afinco em
suas funções de defesa e soberania nacional.
(...)
O uso das Forças Armadas em GLO é previsto na Constituição Federal de 1988 e
regulamentado em legislação infraconstitucional. Ainda assim, isto deve ocorrer em
situações especiais, quando as forças policiais não conseguem garantir de modo adequado
o cumprimento da lei, restabelecer a ordem e garantir a paz social. Entretanto, esse uso
não deve ser excessivo, pois os militares não são especificamente destinados para exercer
esse papel de polícia. [8]
61. Espancando definitivamente quaisquer dúvidas, observa-se ainda que a Lei Complementar
nº 97/99 (dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças
Armadas) atribui aos militares competência para realização de prisões em flagrante delito nos crimes
comuns excepcionalmente quando do exercício de suas atribuições subsidiárias. Observe-se:
Art. 16-A. Cabe às Forças Armadas, além de outras ações pertinentes, também como
atribuições subsidiárias, preservadas as competências exclusivas das polícias
judiciárias, atuar, por meio de ações preventivas e repressivas , na faixa de fronteira
terrestre, no mar e nas águas interiores, independentemente da posse, da propriedade, da
finalidade ou de qualquer gravame que sobre ela recaia, contra delitos transfronteiriços e
ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo,
executando, dentre outras, as ações de :
I - patrulhamento;
Parágrafo único. As Forças Armadas, ao zelar pela segurança pessoal das autoridades
nacionais e estrangeiras em missões oficiais, isoladamente ou em coordenação com outros
órgãos do Poder Executivo, poderão exercer as ações previstas nos incisos II e III deste
artigo.
(destacou-se)
3. CONCLUSÃO E ORIENTAÇÕES:
ii) é possível que as Forças Armadas promovam, na área de 1.320 metros ao redor dos
estabelecimentos militares, ações típicas de polícia administrativa, incidentes sobre bens,
direitos ou atividades, citando-se como exemplos: patrulhamento, fiscalização de trânsito
no perímetro da OM, com estabelecimento temporário de posições estáticas ao longo do
seu itinerário, junto aos limites das instalações militares, bem como o bloqueio dos acessos
ao quartel;
iii) como regra geral, é dever do Estado, por meio de suas autoridades policiais, realizar
prisões em flagrante delito quando ocorrem crimes comuns, estando tais autoridades
listadas no art. 144 da CF; por outro lado, aos militares compete efetuar prisões em
flagrante na hipótese de cometimento de crimes militares, nos termos do art. 7º e 243 do
Código de Processo Penal Militar. Logo, dentro do contexto criminal militar, é possível a
condução de rondas externas (motorizadas e a pé) no perímetro da OM;
iv) prover segurança pública à sociedade não constitui atribuição própria das Forças
Armadas, razão pela qual o argumento de manutenção da ordem pública não enseja o
dever legal de realizar prisões em flagrante nos crimes comuns, mesmo quando ocorridos
em áreas de servidão militar, exceto quando se tratar de operações de Garantia de Lei e da
Ordem ou, ainda, quando do exercício das atribuições subsidiárias de que trata a Lei
Complementar nº 97/99;
vi) orienta-se, como consequência das conclusões anteriores, a aplicação da seguinte tese
de uniformização: "O Decreto-Lei nº 3.437/41 encontra-se válido e vigente, tendo
sido revogada tacitamente pelo Decreto-Lei 9.760/46 apenas a alínea "a" do seu
art. 2º, de modo que a área de 1.320 metros em torno dos estabelecimentos
militares continua a constituir área de servidão militar, sobre a qual o Estado
(Forças Armadas) pode promover ações típicas de polícia administrativa, não lhes
competindo, todavia, o dever de efetuar prisões em flagrante nos crimes
comuns."
ii) a abertura de tarefa via Sapiens às três Consultorias Jurídicas-Adjuntas das Forças, para
ciência deste Parecer e adoção das providências cabíveis no âmbito de sua alçada; e
iii) a abertura de tarefa via SEI para o EMCFA, a fim de que tenha ciência deste Parecer e
adote as providências cabíveis no âmbito de sua alçada, inclusive quanto à avaliação em submeter este
parecer à aprovação ministerial, para fins de lhe conferir efeito vinculante.
À consideração superior.
[2] No RE 61508 EDv/BA, o STF reconhece a existência das áreas de servidão militar nos
termos do Decreto 3.437/41, ou seja, 1.320 metros ao redor dos aquartelamentos.
[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 29 ed., rev., atual. e ampl. Rio de
Janeiro: Forense, 2016, pág. 162/163.
[4] CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Editora Podium, 2ª
ed., pág. 356/357.
[5] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 29 ed., rev., atual. e ampl. Rio de
Janeiro: Forense, 2016, pág. 133 e 156
[6] Manual Básico da Escola Superior de Guerra. - Rio de Janeiro: A Escola, 2006, p. 18.
[7] CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Editora Podium, 2ª
ed., pág. 356/357.
[8] JUGMANN, Raul. A Competência das Forças Armadas na Constituição Federal de 1988 e o
seu Papel na Segurança Interna. In: Revista do Ministério Público Militar. Ano 42, nº 27. Brasília:
Procuradoria-Geral de Justiça Militar, 2017, p. 75.
DESPACHO n. 01352/2019/CONJUR-MD/CGU/AGU
NUP: 67200.005609/2018-27
INTERESSADOS: COMANDO DE PREPARO - COMPREP
ASSUNTOS: ASSESSORAMENTO ESPECIALIZADO À ATIVIDADE JURÍDICA
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normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o
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DESPACHO n. 01376/2019/CONJUR-MD/CGU/AGU
NUP: 67200.005609/2018-27
INTERESSADOS: COMANDO DE PREPARO - COMPREP
ASSUNTOS: ASSESSORAMENTO ESPECIALIZADO À ATIVIDADE JURÍDICA
Documento assinado eletronicamente por IDERVANIO DA SILVA COSTA, de acordo com os normativos
legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código
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CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA ADJUNTA DO COMANDO DA AERONÁUTICA
GABINETE
DESPACHO n. 00452/2022/COJAER/CGU/AGU
NUP: 67280.000231/2022-17
INTERESSADOS: VI COMAR
ASSUNTOS: Consulta a respeito das atribuições, competências e limites de atuação dos
militares do Campo de Provas Brigadeiro Velloso (CPBV), por ocasião de realização de
missões patrimoniais por parte de seu efetivo.
4. Considerando que as orientações ora expostas têm aplicação ampla, no âmbito das
organizações militares da Força Aérea Brasileira, encaminhe-se para ciência também ao Estado-Maior
da Aeronáutica e ao Comando de Preparo, para ciência.
5. Abra-se para ciência da equipe jurídica desta COJAER. Publique-se na intranet desta
COJAER.
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