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Khronos, Revista de Histéria da Ciéncia nn? 12, dezembro 2021 ARTIGOS - ARTICLES Geologia e Barroco: a teoria sacra da Terra de Thomas Burnet Alexandee Henrique da Silva dos Santos micnyuse And Prof Pet Mm de Sin sheanoeduep Resumo: Este artigo discute as relagdes entre a obra Teoria Sacra da ‘Tetra, ela- borada pelo tedlogo anglicano inglés Thomas Burnet (1635-1715), e © Barroco vivenciado pela sociedade europeia seiscentista, Nessa andlise, constatou-se a forte influéncia da cosmovisdo barroca sobre o tempo na teoria geol6gica elabo- rada por Burnet, a qual, por sua ve“, apresenta importantes contribuigdes para claboradas pela moderna Geologia sobre o tempo da Terra ¢ a dinimica de seus fendmenos. Diante disso, é possivel perceber uma tensio teérica sobre © tempo jd no séeulo XVIT, o qual antecede as discusses empiricas sobre 0 tempo profundo vivenciadas pela Geologia em fins do século XVIII inicio do XIX. as tes Palayras-chave: Barroco, Thomas Burnet, Teoria da Terra, Histéria da Geologia, Tempo profundo. Geology and Baroque: Thomas Burnet’s Sacred Theory of the Earth Abstract: This article discusses the relations between the book Sacred Theory of the Earth, elaborated by the English Anglican theologian Thomas Bumet (1635-1715), and the Baroque experienced by 17 European society. In this study, it was possible to iden- tify the strong influence of the Baroque eosmovision about time in Burnet’s geological theory, that has important contributions to the thesis elaborated by the modern Geol- ogy about the Earth and the dynamics of terrestrial phenomena. So, it’s possible to verify a theorical tension about time in 17 century, which precedes the empirical dis- »ns on deep time attended by the Geology in the late 184 and the 19% centuries Khronos, Revista de Histéria da Cidnela revistas.usp.br/khronos Contato pelo e-mail: revista, kronos@usp.br Centro Interunidades de Histéria da Ciéncia- USP Khronos, Revista de Histéria da Ciéncia nn? 12, dezembro 2021 Keywords: Baroque, Thomas Burnet, Theory of the Earth, History of Geology, Deep time. Introdugao De acordo com Roges',a’Teoria da ‘Terra constituiu-se como um amplo campo de estudos capaz de ageupar todos os temas do que hoje comprcendemos como pes tencentes as chamadas Ci “Terra teve vida longa, aleancando seu auge no século XVIITe perdurado até meados do século XIX, momento no qual um novo campo do saber, a Geologia, passou a assumie snuitas de suas teorizagbes. cias da Terra. Iniciada em fins do século XVII, a Teoria da Conforme afirmado por Roger’, a Teoria da Terra procurou consteuir um sis- tema explicativo para a Terra enquanto um planeta isolado, rompendo com as tradicio- nais teorias platonicas ¢ aristotélicas sobre 0 surgimento ¢ desenvolvimento do mundo. Nesse sentido, essa teoria caracterizou-se pela elaboracaio de uma explicagio histrica & fisica da Terra, a qual considerava tanto sua estrutura interna quanto 0s sua superficie. Para Roger’ e Gohaut, Teoria da Terra é um produto direto da chamada “Revolucio Copernicana”, pois, de acordo com os autores, foi por meio da teoria heli- océntrica que a Terra deixou de ser vista como o centro do Universo passou a ser caracterizada apenas como um planeta tio relevante quanto qualquer outro. fendmenos de Além disso, Gohau® também aponta para periodo das Grandes Navegacdes como um momento importante para uma mudanca da geografia que se tinha do planeta. Segundo o autor, com a descoberta do continente americano, o qual se estende desde 0 polo Norte até 0 polo Sul, antigas torias medievais sobre a alterniincia entre um hemis- Féio inteiramente emerso € outro totalmente imerso nos oceanos no encontrava mais sustentagio. Dessa forma, para Roger, o surgimento da Teoria da Terra permitiu construir una histéria individualizada para o planeta, no havendo mais a necessidade de se plicar os fendmenos terrestres diretamente vinculados aos fendmenos cosmol6gicos vice-versa, Nesse contexto, a Teoria da Terra teve como principal caracteristica separar a Terra da Cosmologia, pois, se antes a histéria do Universo se confundia com a da " ROGER, J La théorie de ln Teme au XVIle sgcle Revue Histoire des Sciences, tome 26, 0° 1 pe 23-48, 1973. Disponivel em: hit porsce fdooths 0151-4105 1973 pum 26 1 S311. Aces edo em: 27 nov. 2021 21d. 1973 31d. 1973 4.GOHAU, G Les Sciences dela Terre auc XVII et XVI sideles. Naisance de la Géologie. Pais ditions Aibin Michel, 1990. Série I'Evolution de Thumanié.F-book no paginado. Std, 1990 1d. 1990, 49 Geologiae Barroco: A Teoria Sacra da Terra de Thomas Burnet prdpria Terra, haja vista que ch oeupava 0 seu centro, agora as diversas feigdes e fend ‘menos terrestres, como 0 suggimento das montanhas, por exemplo, comegam a ter suas cespectivas causas associadas 4 propria Terra ¢ no mais a eventos exteriores a ela? 1 justamente nesse contexto que surgem os primeiros esbocos de uma nova interpretagao sobre a origem da Terea e seus fendmenos, a qual tem inicio com 0 filé- sofo francés René Descartes em sua obra Principios de Filosofia, ¢ que sexi deseavol- vida pelo tedlogo anglicano Thomas Burnet (1635-1715) sob o titulo de Teoria da ‘Tessa’ A Teoria Sacra da Terra de Thomas Burnet Algumas perspectivas sobre o Barroco De acordo com Maraval?, o Barroco compreendeu o periodo entre 1600 ¢ 1680, eujo momento de maior significincia encontea-se entre 1605 até 1650. Essa é uma Epoca tensa na Hist6ria europea, Guerras, fome, pestes, miséria ¢ uma aguda conscién- cia de que a violéncia estava presente em todos os lugares trouseram 20 imaginario curopeu a percepeao de que o mundo caminhava para a sua efetiva desteuicio, Tudo é desordem ¢ nada que pertenga ao dominio do mundano é eterno. 7 Um exemplo da uilizagao de causas externas ao planeta para se explicar fegdes terrestres pode ser vista na obra La Compasizione del Mundo, do italiano Risto d’Atezzo (1210-1286), na qual consta a tese de que as estrelas exeroetiam uma viltude atrativa sobre o relevo teteste. Assim, tal como um. fim, as constelagbes mais distantes desenvelveriam montanhas, enquanto as mais proximas apenas va- les (CL ELLENBERGER F Histoire dela Geologie. Des Anciens ala premiére moité du XVI sigele Paris: Technique et Documentation ~ Lavoisier, I988. v. 1. Petite Collection d'Histoire des Sciences. . 93), Alem disco, Roger (Idem) aponta para atese dos quatro elementos como a causa para a pov Investigagdo do interior da Terra pelos antigos e medievos. Assim. tendo em vista que a Tetra ocuparia ‘© centro do Universo, © qual também ¢o local preferencial do elemento mais pesado, o elemento tera, Ibid, p. 9 1d, 1990, 25 “Endo, ouvi uma vor fort, vinda do templo, eu dizia aos sete anjs’ Ide, ¢ deramai pela terra as sete tagas do Turor de Deus. E o primeira pariv e derramou sua taga na terra Uma uleera maligna e Perniciosa fer os homens que trziam a marea da best e adoravam a sua imagem O segundo dere ‘mou sua taga no mar: ele mudou-se em sangue como um mort, tudo © que, no mar, tia sopro de vida, morte. O terceito derramou sta taga nos ries e nas fontes das éguas: eles transformaram-se em sangue. (..) Ja que eles derramaram o sangue dos santos e dos profes. € também sangue que thes deste a beber.Eles 0 merecem! (..) O quarto derramou sua taga sobre o sol: foi-Ihe concedide abrasar (05 homens cam seu fogo_(..) O quinta derramou sua taga sobre otrano da besta: seu rena ficou mer: gulhado em trevas. ( .) 0 sexto derrubow sua taga sobre o grande rio Euffates ea sua agua secou ( .) ‘O setimo derramou sua taga pelos aes, e, do templo,saiu uma voz forte, vinda do trono. Ela dizi: Esta feito Sobrevieram entdo rekampagos, vozes e trovdes, e um terremoto tio violento como jamais howve ‘gual desde que o homem esti na terra (_.)"(BIBLIA. Tradug2o Ecuménica da Biblia - TEB. Edigio Loyola Jesuits: $30 Paulo, 2015, Ap. 16. 1-18) 2 BETTINA. Cosma e dpocalise. Teoria del Millenni e Storia dela Terra nell Tnghilterra del Set- cento, Firenze: Leo S, Olsehki, 1997, p. 25-26. 54 Khronos, Revista de Histéria da Ciéncia nn? 12, dezembro 2021 John Wycliffe?” (1328-1384) e Jan Tluss* (1369-1415) comecaram a predicar a verda- a qual, segundo sua visio, teria sido a fé protestante. A segunda adveio com a obra de Lutero ¢ a tercciea com os assassinatos dos representantes do poder papal pelos seformadores, Quanto as quatro diltimas tagas, Mede as coloca no futuro, correspondendo sespectivamente 4 destruicio da Casa da Austria, quarta taga; a aniquilacio de Roma, vista como a grande meretriz, quinta taga; © chamado dos hebreus 4 terra prometida, sexta taga; ¢ por fim, o inicio da batalha do bem contca 0 mal, com o fim definitive de toda a maldade do mundo, a qual eorsesponde a sétima ¢ iltima taga. Nese momento, desradeizo, Mede aponta que esta batalha limparii o mundo do poder papal ¢ preparard a Terra para o reino milenitio de Cristo ¢ 0s Santos. ‘Diante do esposto, o Milenasismo inglés aponta para uma cronologia dos acon- tecimentos que podem ser agrupados em trés momentos bem distintos. © primeiro caracterizar-se-ia por um mundo mesgulhado no pecado e na desordem, estando na Jminéncia de uma renovacio, O segundo seria a chegada do Milénio, com a restauragio da verdadeira f€ € 0 governo dos justos. Por fim, temos o terceito, mareado pela grande batalha contea o mal, tendo os verdadeieos eristios como os vencedores desse con- fronto. “Tudo isso inspira a uma preparagio para a guerra iminente, a qual exige uma disciplina para estar & frente desse enorme momento apocaliptico que se aproxima, esse sentido, Bettini” destaca o pensamento surgido entre os pregadores ingleses, n0- tadamente entee os puritanos, pasa preparar 0 homem para esse desafio, ou seja, para a sta salvacio ¢, consequentemente, sua permanéncia junto 20s eleitos no Milenio, Assim, todo aquele que sera salvo, ou eleito, deve obrigatoriamente passar por um movimento constituido por 5 fases, as quais compiiem um verdadeiro processo de regeneracio, sendo elas: eeigio, vocagio, justiieacao, santifieagao ¢ glorifieagao » John Wycliffe foi um tedloge da Universidade de Oxford e © primeita a promaver uma tradusso completa da Biblia para a lingua inglesa. F considerado como um dos precursores do movimento pro- testante por promover uma série de eritica Igrea, dentre as quais 0 pedido para que ela se desfizesse ‘de suas trras no mundo todo e a visio de que a existéncia de uma figura como o Papa nao encontrava ‘nenhuma justificativa nas Eserituras que legitimasse a sua existéneia (CE BRITANNICA. John Wycli= fe. Disponivel em: htips/vww:britannica com/biography/John-Wyeliffe. Disponivel em: 27 nov. 2021.) 2 Jan Huss foi um importante teblogotcheco que propunha uma série de reformas i Igreja, Por toda a sua vida esteve envolvido no Grande Cisma do Ocidente, momento no qual a lzreja no século XIV se vi sob o comando de dois Papas rivais: um em Roma, Urbana VI,¢ outro em Avignon, Clemente VIL No Coneilio de Constanga, I414-1418, realizado justamente para solueianas de uma vee por todas esse ‘impasse, Jan Huss fot condenado por suas teses reformistas, declaradas como heréticas, ¢ queimado vivo (Cf. BRITANNICA. Jan Hus Disponivel em: huips:/www britanniea eom/biography/Tan-Fus, ‘Acessado em: 27 nov. 2021) S°RETTINI, A. Cosmo e dpacalisse. Teoria del Millennia ¢ Storia dela Terra nell Inghilterra del Set- cento, Firenze: Lea S, Olschki, 1997 55 Geologiae Barroco: A Teoria Sacra da Terra de Thomas Burnet Assim, a primeira fase coloca-se como inegociivel, pois tudo comeca com a leigio divina de um determinado grupo. A segunda fase, a vocagio ou chamado, se presenta como um ponto fundamental, pois nesse momento o homem se compreende como convocado por Deus, estabelecendo uma selagio privilegiada com a divindade e colocando sua prépria vida e seu trabalho como testemunhos dele. A terceira fase ea sacteriza-se pela perspectiva da salvagio. Se no comeco ela era apenas uma esperanca, agora cla é uma certeza, pois justfica-se na promessa de Deus de construie uma nova Jerusalém para 0s justos, ou seja, 08 eleitos. A quarta e quinta fases estio intimamente ligadas, pois, ao aceitar 0 chamado ¢ uansformas sua vida como testemunho de Deus na certeza da salvacio, também se accita um determinado estilo de vida, 0 qual leva o homem para a sua prépria santifica- io. Assim, para atingie plenamente esse propdsito de vida, o cleito precisa cumpric um plano que se desdobea em duas acdes: uma geral, elacionada as suas obrigacdes para com Deus, ¢ outea particular, que consiste em combater o dembnio em todos as suas manifestagdes, inclusive na vida mundana, para, assim, atingie a quinta ¢ tiltima fase: a glorificacao de Deus Bettini ressalta que foi com essa mentalidade que puritanos ingleses abando- ‘naram a Inglaterra rumo 20 novo mundo, com o objetivo de fundarem a nova cidade de Deus na regido do atual estado norte-americano de Massachussetts. Nese evento, que Bettini denomina de “Sacro experimento”, torna-se dificil separar milenarismo e utopia, A América, vista como um territrio selvagem ¢ distante da Igreja Catdlica © do Anticristo, coloeava-se para esses colonos como um segundo paraiso terrestre, 0 qual seria capaz de reconduzie 0 homem pureza moral originieia. Assim, (.) A sua coragem {dos puritanos] ea sua determinaeao, superando enormes problemas buroeriticos e pea ticos, exemplificava claramente a cuforia e a forga revolucioniria de um sentiment seligioso que se incarnava em ideal politieo.(..)"2 juncdo entre milenarismo ¢ utopia, a qual se concretizava com a sealizagio do Sacro experiment, mostrava uma forea que © distanciava do milenarismo pura mente tedrico, tal como fora apresentado por Joseph Mede, por exemplo, Tal momento, portanto, pode ser caracterizado como © nascimento do Milenarismo poli O Milenarismo politico Q Milenarismo politico pode ser earacterizado como o resultado do. processo. da fusio entre o milenarismo ¢ 0 utopismo, o qual substituéa a esperanea de uma felici- dade distante ¢ segura por uma esperanga laiea de um possivel mundo mais justo e mais Khronos, Revista de Histéria da Ciéncia nn? 12, dezembro 2021 gual. Dessa forma, sob 0 impulso do puritanismo e da Revolucdo Puritana, a perspec tava de criagio de um novo mundo pos meio da simples aniquilagio do antigo passou a ser substituida pela visio de refundacdo, ou seja, um novo mundo que emergiria a partie da completa seforma do mundo antigo.» Assim, uma reforma total (da eigncia, da religio e da sociedade) nto somente € possivel, como também estaria na iminéncia de ocosres, pois a nova Jerusalém que se anuncia com a chegada do Milénio nao pode mais see procrastinada. A Tglaterra é 0 lugar escolhido e a Igeeja reformada coloca-se como o seu atifice™. Diante disso, Bettini destaea intimeros trabalhos que apresentam propostas dde uma nova sociedade eristi, a qual se fundaria sobre novas bases cientiieas, instituci- omais ¢ econd micas. Dentre essas obras, podemos destaear aquela produzida por Samuel Harthb (1600-1662), Macara, a qual propunha uma sociedade cicatifia e ceisti, com uma nova relacio entre ciéncia e instituicao polities; a de Gerrard Winstanley (1609- 1676), The law of Freedom in a Plajorme or Tre Magictrayy Restored, na qual reconheceu a teera como a origem da riquea e, diante de sua ma distribuieko, peopés a completa aboligio da propriedade peivada; ¢, por fim, a de Joba Milton (1608-1674) e de Jan Amos Comenio (1592-1670), os quais eeconheciam na organizacio da educagio ¢ do saber um elemento chave para a constituicio de uma sociedade nova e mais justa. O ponto em comum entre todos esses teabalhos é o destaque dado 4 reforma como um agente restaurador lém, wulgo Inglaterea, que surgicia uma nova, garantindo, portanto, a sua perpetuidade no tempo, 1 partir do velho, da antiga sociedade, da velha decadente Jerusa- De acordo com Bettini, 0 Milenaismo, em tse, teria terminado em 1660 com. a Restauragio inglesa. Entretanto, a obsa Tells Teoria Sara (Teoria Sacea da Teeea), de “Thomas Burnet, a qual teve sua primeira parte publicada em 1681, inaugura o que foi chamado de Milenarismo cosmolégico, © qual perdurou aproximacdamente até o fim da Revolucio Francesa. O Milenarismo cosmologico ¢ a Teoria da Terra de Burnet ‘Thomas Burnet publicou sua Teoria Sacra da ‘Terra em duas partes, sendo a primeira em 1681 ¢ a segunda em 1689, ambas em latim. A primeira parte ganhou uma versio para a lingua inglesa em 1684, enquanto a segunda jé em 1690. Essas duas partes io compostas por quatro livros que, em seu conjunto, descrevem uma trajetdria para a 314, 1997 31d, 1997 1a) 1997 1d) 1997 57 Geologiae Barroco: A Teoria Sacra da Terra de Thomas Burnet ‘Terra em comunhao com os grandes eventos biblicos. Divididos em dois grandes blo- cos, a peimeiea parte preocupa-se em consteuir um passado para a Terra, enquanto 0 segundo dedica-se a0 seu futuro.” ‘Comecando pelos primeiro e segundo livros, neles temos uma discussio sobre 4 constituigao do planeta e a transformagao de sua superficie ocasionada pelo Dikivio. ‘Jano terceiso, Burnet apresenta de que modo ocorteri a Conflagracio ¢ a chegada do Milénio, finalizando no quarto e tiltimo livro, com a constituigao e a apresentacao de uma nova Terra. Bettini ressalta que a primeira parte, ou seja, os dois primeisos livros, so aqueles que mais s20 debatidos pela Histéria das Ciéneias, justamente por Burnet discuti e selacionar os eventos da narsativa mosaica com aquilo que estava sendo apse- sentado pelas novas descobertas cientificas. De fato, as obras de Roger”, Gohau", Rossi*t, Gould® e Rappapost* (1997), por exemplo, concentram-se quase que exclusi- vamente nos dois primeiros livros, pouco analisando os dois tiltimos®, ou simples- mente ignorando-os Considerando a obsa como um todo, verifica-se que ela é marcada pela tentativa de Burnet de coneilias a fisica cactesiana com os eventos descritos pelos textos sactos, utilizando, para isso, uma leitura alegdrica da Biblia, Desse modo, Bumet se propde a climinar todas as contradigdes surgidas na comparacio entze aquilo que fora relatado pelas Eserituras ¢ as discusses produzidas pela Filosofia Mecanicista, Isto posto, Burnet inicia seu texto a partis da constatagio de que toda a super- ficie da ‘Terra esti em desordem, pois temos, a0 mesmo tempo, coxpos de diferent ‘pesos compartilhando os mesmos espagos, ou seja, grandes corpos sochosos se er- ‘guendo ém direcio aos céus (montanhas), enquanto grandes volumes de ar preen- chendo profundas dreas da Terra (eavernas). E. quem nio pode ver os elementos deslocados ¢ desordenados, ‘como eles pasecem dispostos no presente; 0s corpos mais pesados « grossos nos lugares mais altos ¢ aqueles liquidos e voliteis man- tidos absixo; pesadas massas de peda rocha langadas 20 ar € a {gua rastejando aos seus ps enquanto esta é 0 cospo mais eve © 1a, 1997 > tba, p. 103, >” ROGER, La théorie de la Terre au XVHle siecle Revue d Histoire des Sctences, tome 26, n° 1, p= 23-48, 1973 Disponivel em: hnip www perscef/dociths 0151-1105 1973 num 26 14311 Aces sado em: 27 nov. 2021 * GOHAU, G. Les Sciences de la Terre aux XVI et XVIII sites. Naisance de la Géologi. Paris Editions Albin Michel, 1990. Série I'Evolution de humane. E-book nao paginado. ‘T ROSSI, P. Os sinais do tempo. Histéria da Terra e histérsa das nagaes de Hooke a Vico, Sao Paulo: Gia. das Letras, 1992 GOULD, $. 3 Seiado Tempo, Cielo do Tempo - Muto e metifora na descoberta do tempo geoligico. So Paulo: Cia, das Letras, 1991 © RAPPAPORT, R_ then geologists were historiens (1665 ~ 1750). New York: Cornell University Press, 1997 +E mesmo nesta, a fisea de Bumet éapresentada de maneira muito resumida “© Talvez isso reflta a perspectiva da Geologia moderna, na qual a construgio do passado da Terra & infinitamente mais importante do que pensar sobre o seu futuro, 58 Khronos, Revista de Histéria da Ciéncia nn? 12, dezembro 2021 ative, no deveria pela lei da natureza estar no lugae das eochas € pedsas? Entio nds vemos, como detordem, o ar langado aos eala- bbougos da terra e a terra aleangando as nuvens, pois existem os topos das montana, sob suas etizes, nos buracos ¢ eavernas, 0 ar é frequentemente detectado, (.). Diante dessa situacao cadtica na qual se encontea 0 mundo, Burnet indaga-se sobre 0 que poderia ter causado tamanha desorganizagio, encontrando no Dilivio bi- blico 0 Gnico evento capaz de promover tamanha desordem sobre a superficie terrestre Mile seiscentos e alguns anos depois que a Terra foi feta e habi- ‘ada, cla foi iaundada e desteuida em um Dilivio de gua. (..) Nao tum Dilivio regional, mas um que se espalhou por toda a face da ‘Tera, de Polo a Polo®, ¢ de Lesta a Oeste, € que em tal Exeesso, as §guas ultrapassaram os topos das Montanhas mas alas; (.) en to uma Destraigia e Devastagio gerais foram trazidas sobre a “Tereae sobse todas as Coisas nela, Humanidade e outras eviatueas Vivas; exceto Noé e sua familia (.). Depois que essas Aguas asso- laam por algum tempo a Terra elas comesaram a diminuie ¢ re ‘cua, (.}; as Montanhas e Campos comegaram a aparecer,¢ todo ‘6 mundo habitivel da Terra naquela Forma ¢ Contomnos que te ‘#905 hoje. Entio, 0 Mundo comecou novamente (..)- Assim pete ‘coud Antigo Mundo, ¢ o presente emergiu das Ruinas e Remanes- ccontes dele: Portanto, a Tecra atual nao é somente uma superficie desordenada, mas confi- _gurz-se como um conjunto de ruinas de um mundo anterior, as quais se dispdem de maneira desorganizada, tal como os escombros oriundos do desabamento de um edifi- cio. Fsse mundo antigo, na visao de Burnet, era 0 Paraiso terrestre, sendo as suas ruinas palco onde a humanidade vive atualmente. és ainda temos os materias quebrados do primeio mundo e an damos sobre suas ruinas, Enquanto 0 mundo transcorsa,existia © Paraiso ¢ as eenas da Idade de Ouro, Quando ele eaiuy f Dilivio; e esta Terra sem forma que nis habitamos a forma en ‘contrada quando as iguas foram setieadas ea terra seca apareceu.? BURNET, T. The Sacred Theory of the Earth: Containing an Account of the Original ofthe Earth, ‘and of all the General Changes which it hath already undergone, ort to undergo, tl the Consumma tion ofall Things 6b Ed. London: Hooke, 1726.2v.p. 42-43, Disponivel em: hiins archive oreide- ‘Acessade em: 27 nov 2021 ‘As palavras geafadas com a primeira letra em maiiscula ne interior das frases sfo de autoria do prdprio autor Sid, 12-13 * Td. p. XII 59 Geologiae Barroco: A Teoria Sacra da Terra de Thomas Burnet Assim, & a partie do presente, ou seja, das ruinas da antiga estrutura que com- punha o Paraiso que Burnet se prope a desvendar as sucessivas mudanas pelas quais Terra passou. Nés somos habitantes da Testa, os seus Senhores ¢ Mestres; € 96s somos dotados com Razio e Entendimento; entio, propriamente a nds examinar ¢ desembaracar os ‘Tr Deus nesta parte do Universo, qual sea o nosso Destino, qual seja nossa Heranga e Habitagio? K serd encontrado, talvez, sobre uma cestrita Investigigio, que na presente Forma ¢ Constituigio da “Tersa,existem certos Marcos ¢ Indicagies do seu primeiro Fstigio; ‘com as q are vadas na Histéria Sagrada, rlativo an primeiea Caos, Paraiso e um se comparaemos com aquelas Coisas que est Dilivio Universal, ads podemos descobrie, pela ajuda dessas Lue es, 0 que a Testa foi em seu primeico Original, e quais Mudangas se sucederam nela desde entao.®” ‘No entanto, Burnet nfo se limita apenas em reconstruir o passado a partir do presente, mas também em demonstrar como se dari o futuro da Terra, Assim, Por estados da ‘Terra que ji sic passados, nds compreendemos, vio (.). Para os estados futuro, principalmente, o Paraiso ¢ 0 Di ‘entendemos a Conflagragio e qual nova Ordem da Natureza pode seguir disso, até todo o Citeulo do Tempo ¢ Providéneia estiver completado. (.)*" Apés apresentar esse panorama geral sobre sua teoria, Burnet inicia sua discus- so sobre a formacio da ‘Tesra propsiamente dita, a qual ser apresentada aqui de ma- cia suscinta. Desse modo, no principio, a tintos, os quais, com o passar do tempo, foram se organizando em camadas concéntri- ‘erra era um composto de elementos indis- as, mas adquirindo, no conjunto, uma forma ovalada, O micleo, constituide por um Fogo central, acompanhado por uma imensa camada de gua e esta, por sua vez, estaria eavolta por uma fina ¢ lisa camada sélida, Nese momento da historia da Terra, niio existiriam montanhas, lagos ou oceanos, ou seja, nfo haveria relevo na superficie terres- tte, sendo ela completamente lisa ¢ uniforme. No entanto, segue Burnet, a agi0 do sol, ao aquecer essa eamada superficial, provoca 0 seu ressecamento, 0 qual, acompankado do fervilhar da camada aquosa ime- diatamente abaixo dessa erosta, provoea 0 seu dilaceramento € consequente desaba- thid p12 bid 3 60 Khronos, Revista de Histéria da Ciéncia nn? 12, dezembro 2021 Nessa desericio, Bumet prcocupa-se em realizar uma coreclagao histérica entre cada episédio fisico vivenciado pela Terra em sua teoria, com alguma passagem impos rante apresentada plas Fseritueas, de modo que um mio possa existie sem 0 outro. essa forma, 0 Paraiso teria ocorrido justamente sobre esta crosta tesrestre lisa, perfeita © sem qualquer tipo de irregularidade. F justamente nela que encontramos uma comu- idade antediluviana pusa, inocente e simples, vivendo sobre um solo de fertilidade jerestrta © em um permanente clima primavesil® A catistrofe que se segue, eacacteri- vada pela ruptura dessa camada originsria e a consequente sobreposicao das fguas, foi justamente 0 momento do Dilivio, o qual resultou em um mundo completamente de- sorganizado, composto de ruinas dessa Terra antiga Desse modo, para Burnet, as montanhas, 0s picos, os imensos occanos ete, setiam o testemunbo de um paraiso perdido, um mundo de escombsos ¢ deteitos de um passado glorioso, onde tas estruturas seriam verdadcieos monumentos histéricos, ates- tando uma antiga era vista como esplendorosa para os seres humanos. Nesse sentido, paca Burnet, a humanidade viveria hoje sobre um grande amontoado de ruinas, sobre- vivendo em meio aos eseombros daquilo que nao era, de fato, 0 projetoinicial de Deus paca os homens. Por esse ponto de vista, Rossi demonstra que Burnet** emprega 0 termo ruina com o mesmo sentido que as Artes do século XVII a utilizam, om seja,ligada de envelhecimento, decadéncia ¢ corruy ideias Jo, exatamente como © Barroco interpreta 0 mundo. Assim, na visio de Burnet, esse nao seria 0 melhor dos mundos, muito menos © espelho da sabedoria divina, mas um Paraiso desgastado, resultado de um lento pro- cesso de coreupeio ¢ decadéncia, o qual caminhasia para a sua total destruigio.* ‘Com essa perspectiva, Burnet propée, jf no frontispicio do seu primeito liveo (Figura 11), uma geande esquemati {vel relagio entre a explicagio fisica da Terra e os grandes eventos biblicos, conforme defendidos pelo Milenarismo inglés. Acompanhando a Figura 11, temos que 0 mundo atual (4) € 0 resultado direto do Dilivio universal (3), © qual destruiu a Terra originria ()advinda do caos (1). © presente (4) vive na angxistia de uma iminente transformacio 6) coma chegada do Milénio e de um novo mundo (6), qual teri como base as ruinas cdo mundo antigo e finalizara sua trajetdria quando tornar-se uma esfera de pura luz (7), pds o Juizo o sobre a trajetdria da ‘Terra, em uma indissoci- Zssa proposta de Burnet tornou a sua obra ‘Teoria Sacea da ‘Terra um sucesso editorial, tendo, em 1726, aleangado a marca de 16 edigdes e revisada imtimeras vezes & ROSSI P. Os sinais do tempo. Histir da Terra e historia das nagdes de Hooke a Vico. Sa0 Paulo: Cha. das Letras, 1992, p 59. SSBETTINI. A. Cosmo e Apacalisse, Teoria del Millennio ¢ Storia dela Terra nell nghilterra del Sei- cento, Firenze: Leo S, Olschki, 1997, p 110-111 S ROSSI, P. Os sinais do tempo. Histéria da Terra e historia das nagdes de Hooke a Vico. S80 Paul: Cin, das Letras, 1992. 1a, 1982, 61 Geologiae Barroco: A Teoria Sacra da Terra de Thomas Burnet pelo seu autor. Esse sucesso também foi acompanhado por um intenso debate reali- zado por seus contemporincos, os quais crticaram, sobretudo, a forte influéncia carte- siana de sua teoria © as consequéncias disso para o mundo cristio.7 Jé na metade do século XVII, Burnet continuou sendo alvo de debates, mas, dessa vez, sendo profun- damente rechagado pelo Tuminismo francés, notadamente por autores como Buffon, Diderot e Desmarest % ROGER. J. La théorie de la Terre au XVIle stele. Revue d Histoire des Sciences, tome 26," 1, p= 23-48, 1973, Disponivel em: hitn/wwww persce fi/dociths 151-4105 1973 num 26 1 3311. Aces sado em: 27 nov. 2021 5 RAPPAPORT. R. When geologists were historiens (1665 ~ 1750). New York: Cornell University Press, 1997 62 Khronos, Revista de Histéria da Ciéncia nn? 12, dezembro 2021 iguea 1 — No sentido hosivio: Caos iniial. Paraiso. Dilivio. Terea atual. Retorno de Jesus & Conflagragio. © Milénio, Juizo Final ea“Terra toxna-se uma esteclaS* S BURNET, T. The Sacred Theory ofthe Earth: Comaining an Account of the Original of te Earth, and of all the General Changes which t hath already undergone, ort to undergo, tl tke Constamma- ‘ton ofall Things. 6th Fd. London: J. Hooke, 1697 2v. Frontispicio, Disponivel em: hun books 2o- ‘oole cam brthooks?id=p1330CWIRGECE printsee=fronteoverd¢h=pl-BRAsource™ebs ge sum. manyicad=div=onenagestgit false ‘Acessado em: 27 nov. 2021 63 Geologiae Barroco: A Teoria Sacra da Terra de Thomas Burnet sages sobre a teoria de Thomas Burnet Diante do que pode rnesse momento, é possivel verificar que hé um forte alinhamento entre sua teoria & a visio de mundo earacteristica do Barroco, Dessa forma, assim como a transitoriedade inte que atravessa toda a sociedade barroca, poxlemos identificar em Burnet essa mesma transitoriedade tradhuvida em uma trajet6ria para Terra, a qual passa por sucessivas mudancas, do comeco ao fim. No entanto, se o Barroco vive na angiistia de uma histéria que chega a0 seu dersadeito final, a transitoriedade em Burnet ganha um outro significado, a partir do momento em que ela é colocada em uma determinada dimensio religiosa, ou seja, dentro da perspectiva do Milenarismo inglés er explorado sobre a Teoria da Terra de Thomas Burnet Assim, é interessante notar que no Milenarismo cosmolégico de Burnet, a'Teera deve obrigatoriamente acompanha, far pass, a bi todas as transformagdes pela qual passa a sociedade, conforme pode ser extraido do reclato biblico. 0 mundo é, portanto, colocado como o espetho do ser humano. N sentido, tal como © homem guarda em seu interior uma centelha divina dentro de um mar de pecados e contradicdes, o gual permitiria eeconstruir essa humanidade primave- sil, ¢ mundo atual, por sua vez, também guardaria, em meio a desordem ¢ ruinas a qual se encontea, pedagos dessa ‘Terra antiga e mais préxima do plano de Deus. Desse modo, analisar seus escombros e coletar seus e1cos, permitiria restabelecer esse mundo n0 ‘plano das ideias, bem como identifiear os processos que levaram a sua destruicio, Nesse sentido, Burnet di as ruinas 0 mesmo sentido empregado a clas pelo Barroco: um tempo cristalzado, testemunho de uma glosiosa época passada, a qual traz consigo a confirma- co da decadéncia do mundo. Dessa forma, como bem observou Bettini’, Bumet apre- senta um olhar arqueolégico sobre a Terra, ou seja, da mesma forma que € possivel econstruir 0 passado de antigas civilizagies a partic de suas euinas, também é possivel fazer 0 mesmo para a historia da ‘Terra. Sria da humanidade, vivenciando também, Por outro lado, Bumet nao se limita apenas a pensar 0 pasado, ‘nos demonstra como sera o futuro. Se o Barroco tende a instaurar 0 novo com o intuito, de renovar o presente e, assim, adiar 0 futuro catastr6fico que se aproxima, pespetuando © tempo da existéncia, o Milenarismo cosmolgico de Burnet anseia pelo fim, A Con- Aagragao nao é apenas desejada, mas ansiosamente aguardada, pois é somente através dela que um novo mundo pode emergir completamente restaurado, ‘Dessa forma, em Busnet, vemos que pensar o passado da Terra é importante, ‘na medida que ele nos demonstra como s truir um passado para o planeta se podemos vislumbrar nele auilo que esti por vie. Em 0 futuro, Portanto, s6 faz sentido recons- © BETTINI, A. Cosmo e dpacalisse. Teoria del Millennia e Storia dela Terra nell Inghilterra del Set- cento, Firenze: Lea S, Olschki, 1997, p. 11 Khronos, Revista de Histéria da Ciéncia nn? 12, dezembro 2021 linhas gerais, passado e futuro colocam-se como momentos indissociiveis, pois o pas sado indica em quais condigSes ¢ sob quais formas o funuro se concsetizaci, futuro esse amplamente aguardado tanto pelos Milenaristas quanto pela sociedade Barroca. esse sentido, Gould faz, uma anilise minuciosa dessa imagem, na qual po- demos ver refletida a perspeetiva do mundo Barroco sobre o tempo, em sua imposi¢a0 do ciclo 4 linha implacivel do teanscurso dos acontecimentos. E:m sua anilise, Gould identifica nessa inteinseca relacao elaborada por Burnet entre passado e Futuro da Terra a sobreposicio dessas concepgdes temporais a linha, a qual ele denomina como seta, 0 ciclo. Na visio de Gould, Burnet apresentaria a trajetdria da Terra como um conjunto, de eventos tinicos, porém repetitives. A principio, essa afirmagio sesia, sem davidas, extremamente contraditéria em um primeiro momento, mas vejamos isso de acordo coma articulagio proposta pelo autor. ‘© Diivio e a Conflagracio Universal, conforme previstos pelo frontispicio de Burnet, sio apresentados como eventos tinicos, caracteristicos de uma linearidade tem- poral, pois ambos se realizam em momentos diferentes, com razdes diferentes e de ma- cia diferente. Assim, temos 0 primeiio evento ocorsendo logo apés 0 Paraiso, tendo por razio a desobediéncia humana para com Deus, ¢ & coneretizado por meio de uma inundacio de proporces gigantescas. Quanto 20 segundo, ele acontece apds 0 estigio ais baixo da hist6ria humana, tem por objetivo a restauragio da sociedade e realiza-se por meio de um cataclisma incendiirio. No entanto, apesar de tinieos, ambos se epetem ‘a histéria enquanto catistrofes mundiais, Sio dados como certos e previsiveis na tra- jetéria da Terra, tal como pensado por uma estrutura ccliea do tempo. Portanto, temos a repeticio de eventos, mas uma sepeti¢io que se coneretiza de mancira tinica. Es amélgama realizada por Burnet entre estas duas dimensoes temporais foi genialmente definida por Bettin#* como ciclico-etilinea 1 justamente nessa amélgama que Gould gia Moderna. Assim como Burnet, a Geologia també sdes temporais para construir seus modelos teéricos de explieacio sobre a historia da modo, formacio das eadeias de montanhas, por exemplo, sempre estaia submetida & tectonica de placas. Porém, a coneretizacio desse processo se di de aconlo com caracteristicas particulates, locais. por isso que o Himalaia, por exemplo, é algo Ainico ma historia da Terra ¢, a0 mesmo tempo, um evento repetido, Ou seja, enquanto Himalaia, ele 6 inico, mas como montanha, éo resultado do mesmo processo que gerou € gera outeas montanhas 20 redor do mundo, ou seja, a tectOnica de placas. Em outeas palaveas, é possivel dizer que nunca houve outea cadein montanhosa sigorosamente ‘déntica 20 Himalaia 20 longo do tempo, embora sempre teaha ocosrido a Formagio de smontanhas. lentifica um paradigma da Geolo- secorreria a essas duas dimen- ra, Des “© GOULD, 8.1 Setado Tempo, Ciclo de Tempa - Mio e metifora na descoberta do tempo geolégica, Sto Paulo: Cia, das Lewes, 1991 SIBETTINI, A. Cosmo e dpocalise. Teoria del Millennio e Storia dela Terra nell Tnghilterra del Set- ccento. Firenze: Leo S, Olschki, 1997, p11 © GOULD, Op it 65 Geologiae Barroco: A Teoria Sacra da Terra de Thomas Burnet Diante do exposto, é possivel verificar que a relagao entre Geologia e Barroco 6 um tema que precisaria ser mais bem explorado, pois é nitida a existéncia de impos- tantes ideias desse periodo histbrico na moderna Geoeiéncias. Nesse sentido, a obra ‘erea de Thomas Burnet coloca-se como um ponto chave, ou pelo menos um bom ponto de partida, para essas andlises. ‘Teoria Sacea da ‘Alem disso, essa discussio permite cepensar a consteucio das temporalidades em Geologia a partir de uma perspectiva que ndo seja puramente empirica. No Barroco € em Burnet, vemos uma tensio te6rica sobre 0 tempo manifestada muito antes da deseaberta do chamado tempo profundo. © quanto isto impacta nessa importante tese _geol6gica é algo que ainda precisa de maioses estudos. 66

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