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APROVEITAMENTO DO PERICARPO DE PEQUI (Caryocar

brasiliense Camb.): OBTENÇÃO DE FARELOS POR


DIFERENTES MÉTODOS DE SECAGEM E
CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-QUÍMICA

B.O. Santos1, J.O.F. Melo2, S.V.C. Souza1, R.L.B. Araújo1

1- Departamento de Alimentos – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Farmácia – CEP: 31270-
901 – Belo Horizonte – MG – Brasil, Telefone: (31) 3409-6722 – e-mail: (barbara_oliveira_s@hotmail.com)
2- Departamento de Ciências Exatas e Biológicas – Universidade Federal de São João Del Rei, Campus Sete
Lagoas – CEP: 35701-970 – Sete Lagoas – MG – Brasil, Telefone: (31) 3697-2033

RESUMO - O pequi apresenta elevado potencial nutricional e econômico para a população da região
do cerrado brasileiro. Esse fruto nativo é composto pelo endocarpo, semente e pericarpo, este último
considerado um resíduo agroindustrial, cuja utilização poderia minimizar o desperdício de alimentos, a
geração de resíduos e gerar uma nova fonte alimentar. Neste sentido, o presente estudo propôs a
obtenção de farelos do pericarpo de pequi empregando-se diferentes métodos de secagem, e sua
caracterização quanto à sua composição centesimal e teor de carotenoides totais, agregando valor
tecnológico e nutricional à cadeia produtiva deste importante fruto. O pericarpo in natura de pequi
apresentou-se como fonte de fibra alimentar e carotenoides, com teores que não diferiram
significativamente daqueles determinados para o endocarpo. Os métodos de secagem por liofilização e
atomização foram os que geraram farelos com melhor perfil, ou seja, teores elevados de lipídeos,
proteínas, carboidratos e carotenoides totais.

ABSTRACT - Pequi has high nutritional and economic potential for the population of the Brazilian
cerrado region. This native fruit is composed of the endocarp, seed and pericarp, the latter considered
an agroindustrial residue, and their use could minimize food waste, residue generation and generate a
new food source. In this sense, the present study proposed to obtain brans of pequi pericarp using
different drying methods, and their characterization as their chemical composition and total carotenoid
content, adding technological and nutritional value to the productive chain of this important fruit. The
pericarp in natura of pequi presented itself as a source of dietary fiber and carotenoids, with
concentrations that did not differ significantly from those determined for the endocarp. The methods
of drying by lyophilization and atomization generated the brans with the best profile, with high levels
of lipids, proteins, carbohydrates and carotenoids.

PALAVRAS-CHAVE: Pericarpo de pequi; resíduo agroindustrial; farelo; secagem.

KEYWORDS: Pequi pericarp; agroindustrial residue; bran; drying.


1. INTRODUÇÃO

O pequizeiro é uma planta nativa típica da região do cerrado brasileiro pertencente ao gênero
Caryocar e à família Caryocaraceae. A espécie de maior destaque no cerrado brasileiro é a Caryocar
brasiliense Camb., sendo encontrada em vários estados brasileiros (Damiani, 2006; Rigueira, 2003).
O fruto do pequizeiro, o pequi, é composto por exocarpo (porção verde-amarelada),
mesocarpo (porção amarelo-claro), endocarpo (porção amarela ou alaranjada, também chamada de
polpa), revestimento da semente (porção castanha, dura, revestida por uma camada de espinhos finos e
rígidos) e semente (porção branca, também chamada de amêndoa, formada por embrião carnoso e bem
desenvolvido tegumento e resquícios de endosperma) (Rigueira, 2003). O conjunto do exocarpo e
mesocarpo constitui o pericarpo, também conhecido como casca, e corresponde a 76,7 % do fruto
(Monteiro, 2013).
Esta porção do fruto, considerada um resíduo agroindustrial, ainda é pouco estudada, e ainda,
torna-se um problema ambiental, pelo fato de se deteriorarem e servirem como ambiente de
proliferação de microrganismos, além de produzirem um cheiro bastante desagradável que causa
desconforto à população próxima aos locais de descarte (Monteiro, 2013).
A adição dos farelos do pericarpo de pequi, contendo elevados teores de fibras, pode agregar
valor tecnológico e nutricional para diversos produtos, principalmente os do setor de panificação,
contribuindo com a melhora da qualidade da alimentação dos consumidores.
Assim sendo, diferentes métodos de secagem foram empregados visando à obtenção de farelos
de pericarpo de pequi, os quais foram caracterizados, com a perspectiva de aproveitar este resíduo,
agregando valor do ponto de vista tecnológico e nutricional e contribuindo para a cadeia produtiva
deste importante fruto do cerrado brasileiro.

2. MATERIAL E MÉTODOS

2.1 Amostras
As amostras de pequi utilizadas neste estudo foram provenientes de um único produtor, da
microrregião de Sete Lagoas, município de Paraopeba, Minas Gerais. A coleta foi realizada durante a
safra de 2014 e os frutos foram coletados diretamente das copas de diferentes árvores para evitar
qualquer rachadura no pericarpo.
No laboratório, os frutos foram inspecionados, sendo descartados aqueles que não
apresentaram o pericarpo intacto. Em seguida, estes foram higienizados e secos com auxílio de papel
toalha.
Os frutos foram cortados no diâmetro longitudinal, separando-se assim o endocarpo do
pericarpo. Estas porções do fruto foram imersas em solução aquosa de ácido cítrico a 0,5 % por 10
minutos. Após esta etapa, estas foram homogeneizadas, trituradas em processador de alimentos e
armazenas sob refrigeração entre 9 e 12 ºC (pericarpo) e sob congelamento entre -18 e -22 ºC
(endocarpo).

2.2 Obtenção dos Farelos


As amostras de pericarpo devidamente preparadas foram divididas em cinco porções, das
quais uma foi mantida na sua forma in natura e as demais foram submetidas a diferentes métodos de
secagem, em três bateladas cada.
Para viabilizar a secagem por atomização em spray dryer, as amostras foram adicionadas de
solução aquosa de ácido cítrico, homogeneizadas em ultraturrax e peneiradas. Após este preparo, estas
foram secas no equipamento utilizando as seguintes condições: temperatura de entrada do ar de 110º
C, temperatura de saída do ar de 85 ºC, fluxo de alimentação de 0,5 L/h e vazão do ar de 20 L/min.
Para liofilização, as amostras foram distribuídas em tubos tipo Falcon de 50 mL, congeladas a
-18 a -22 ºC e levadas ao liofilizador a -52 ºC, por cerca de 90 horas.
Na secagem em estufa ventilada, as amostras foram levadas à estufa a 60ºC por 9 horas, até
apresentarem-se completamente secas.
Para a secagem ao sol, as amostras foram espalhadas em bandeja de aço inoxidável, protegida
com uma tela mosquiteiro, em local com incidência solar direta por cinco dias.
Os farelos obtidos após cada tratamento e a porção de pericarpo mantida in natura foram
homogeneizados em mixer e congelados (-18 a -22 oC) até a realização das análises.

2.3 Composição Centesimal


As amostras de cada tratamento foram analisadas em triplicata de acordo com os métodos
descritos na AOAC (2012). Foram determinados os teores de umidade, lipídeos, proteínas, cinzas e
fibra alimentar solúvel, insolúvel e total. O teor de carboidratos foi calculado por diferença percentual,
subtraindo-se do total da soma dos outros nutrientes.

2.4 Análise de Carotenoides Totais


A determinação de carotenoides totais foi conduzida conforme procedimento descrito por
Rodriguez-Amaya et al. (1976), com modificações principalmente em relação à homogeneização das
amostras em ultraturrax com posterior centrifugação.
Foram pesados 0,5 g dos farelos de pericarpo e do pericarpo in natura e 0,1 g do endocarpo
em tubo tipo Falcon de 50 mL. A etapa de extração foi realizada com a adição de celite e acetona às
amostras, com posterior homogeneização em ultraturrax, centrifugação e retirada do sobrenadante.
Na etapa de partição, o extrato obtido foi transferido para um funil de separação, ao qual foi
adicionado hexano e água destilada, posteriormente drenadas a cada adição. A porção de hexano,
contendo os carotenoides extraídos foi filtrada através de lã de vidro e sulfato de sódio anidro para
remoção da água remanescente. O extrato final foi transferido para um balão de 50 mL e o volume foi
completado com hexano.
Para a curva de calibração foram preparadas soluções padrão de betacaroteno com
concentração variando entre 1,0 µg/mL a 3,0 µg/mL), sendo triplicata de cada nível.
Extratos de amostras e soluções padrão da curva de calibração foram submetidos às leituras,
em espectrofotômetro a 450 nm.

2.5 Análise Estatística


Análise de variância foi aplicada aos resultados obtidos nas determinações de umidade, cinzas,
proteínas, lipídeos, fibra alimentar solúvel, insolúvel e total, carotenoides e colorimetria. A
discriminação das médias estimadas para os diferentes tratamentos foi feita por meio do teste de
Tukey, com 95 % de significância, empregando Microsoft Excel 2013 (Montgomery & Runger, 2012).
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Composição Centesimal


Os teores de umidade, lipídeos, cinzas, proteínas, fibra alimentar solúvel, insolúvel e total e
carboidratos do endocarpo, pericarpo in natura e farelos do pericarpo de frutos de pequi obtidos
empregando-se diferentes métodos de secagem encontram-se apresentados na Tabela 1.

Tabela 1 - Teores de umidade lipídeos, cinzas, proteínas, fibra alimentar solúvel, insolúvel e total e
carboidratos do endocarpo, pericarpo in natura e farelos do pericarpo de frutos de pequi

Fibra Fibra
Fibra
Umidade Lipídeos Cinzas Proteínas alimentar alimentar
Tratamento alimentar Carboidratos
(%) (%) (%) (%) solúvel insolúvel
total (%) (%)
(%) (%)
45,81d ± 34,61b ± 0,42a ± 3,95a ± 0,28a ± 8,64a ± 8,91a ±
Endocarpo 6,30
2,47 1,64 0,06 0,17 0,20 0,38 0,47
Pericarpo 83,63e ± 0,31a ± 0,40a ± 3,89a ± 0,47a ± 5,23a ± 5,70a ±
6,07
in natura 1,02 0,04 0,09 0,01 0,24 0,37 0,26
Pericarpo 10,48b ± 0,37a ± 2,84c ± 3,94a ± 7,79b ± 7,17a ± 14,96b ±
67,41
atomizado 0,79 0,02 0,37 0,58 0,34 0,48 0,82
Pericarpo 2,83a ± 0,65a ± 2,45c ± 3,73a ± 5,66a,b ± 32,17b ± 37,83c ±
52,51
liofilizado 0,21 0,06 0,08 0,17 3,13 1,10 2,30
Pericarpo
7,45a,b ± 0,16a ± 1,98b ± 3,46a ± 2,41a,b ± 36,96b,c ± 39,38c,d ±
seco em 47,57
0,63 0,02 0,02 0,29 2,15 2,82 0,70
estufa
Pericarpo 19,91c ± 0,12a ± 2,63c ± 3,22a ± 5,53a,b ± 38,75c ± 44,28d ±
29,84
seco ao sol 3,58 0,00 0,05 0,29 3,44 2,92 3,59
Valores médios ± desvio padrão. Médias seguidas de mesma letra minúscula na mesma coluna não diferem entre si, pelo Teste de
Tukey (α = 0,05; n=3).

Os resultados apresentados da caracterização físico-química do endocarpo e pericarpo in


natura permitem inferir que ambos são boas fontes de fibras alimentares.
Ao comparar os farelos produzidos, foi possível constatar que com exceção do farelo obtido
por secagem ao sol, todos os farelos apresentaram teores de umidade dentro do limite máximo de 15 %
preconizado na legislação brasileira para farelos. Além disso, as médias estimadas para lipídeos,
cinzas e proteínas nos diferentes métodos de secagem não diferiram significativamente (p > 0,05) e os
farelos obtidos por secagem em estufa e secagem ao sol apresentaram maiores teores de fibras
alimentares.

3.2 Análise de Carotenoides Totais


Os teores de carotenoides totais do endocarpo, pericarpo in natura e farelos do pericarpo de
frutos de pequi obtidos empregando-se diferentes métodos de secagem encontram-se apresentados na
Tabela 2.
Tabela 2 - Teores de carotenoides totais do endocarpo, pericarpo in natura e farelos do pericarpo de
frutos de pequi
Tratamento Teor de carotenoides totais (mg/100g)

Endocarpo 97,99e ± 1,39


Pericarpo in natura 15,60b ± 0,08
Pericarpo atomizado 18,79c ± 0,20
Pericarpo liofilizado 24,05d ± 0,08
Pericarpo seco em estufa 13,00a ± 0,40
Pericarpo seco ao sol 18,24c ± 0,65
Valores médios ± desvio padrão. Médias seguidas de mesma letra minúscula não diferem entre si, pelo Teste de Tukey (α = 0,05;
n=3).

Os teores de carotenoides totais do pericarpo in natura (15,60 mg/ 100 g) apresentou-se cerca
de 6 vezes menor ao quantificado no endocarpo (97,99 mg/ 100 g). Apesar disto, a quantidade de
carotenoides presente no pericarpo do presente estudo foi superior aos dados reportados para o
endocarpo por Alves (2014) e Ramos (1987) que apresentaram teores médios de carotenoides totais de
10,93 mg/100 g e 55,90 mg/100 g, respectivamente.
Os resultados encontrados no presente estudo para carotenoides totais do endocarpo de pequi
diferiram bastante dos relatados por outros autores. Essa diferença pode ser justificada pela grande
variabilidade existente entre pequis de diferentes regiões causadas por diferenças na exposição ao sol,
fertilidade e pH do solo, tipo de manuseio, processamento e conservação, estágio de maturação e
período de colheita dos frutos utilizados, bem como pela variabilidade genética dos frutos e pelo uso
de métodos analíticos distintos (Rodriguez-Amaya, 2001). No presente estudo foram incluídas etapas
de homogeneização em ultraturrax e de centrifugação para garantir maior extração dos carotenoides. O
processamento e a homogeneização mecânica dos alimentos leva à redução do tamanho das partículas
aumentando a biodisponibilidade destes compostos (Edwards et al., 2002), o que pode justificar a sua
maior quantificação no presente trabalho.

4. CONCLUSÃO

Os resultados apresentados da caracterização físico-química do endocarpo e pericarpo in


natura permitem inferir que ambos são boas fontes de fibras.
O teor de carotenoides totais do endocarpo foi superior ao do pericarpo. No entanto, o
pericarpo de pequi apresentou teores de carotenoides totais mais elevados quando comparado com a
abóbora e pitanga, que são alimentos considerados ricos em carotenoides.
Os resultados obtidos no presente estudo demonstraram o grande potencial dos farelos de
pericarpo de pequi como fontes de fibras alimentares, bem como de carotenoides podendo ser
utilizados em produtos de panificação, lácteos, massas, barras de cereais, molhos de tomate, produtos
integrais e produtos à base de chocolate, entre outros.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Alves, A. I. (2014) Obtenção de extrato de carotenoides de polpa de pequi (Caryocar brasiliense


Camb.) encapsulado pelo método de secagem por atomização (Dissertação de Mestrado).
Universidade Federal de Viçosa, Viçosa.
Association of Official Analytical Chemists – AOAC. (2012). Official Methods of Analysis of the
AOAC International. (19th ed). Maryland: AOAC International.

Damiani, C. (2006) Qualidade e perfil volátil de pequi (Caryocar brasiliense Camb.) minimamente
processado, armazenado sob diferentes temperaturas (Dissertação de Mestrado). Universidade
Federal de Lavras, Lavras.

Edwards, A. J., Nguyen, C. H., You, C. S., Swanson, J. E., Emenhiser, C. & Parker R. S. (2002) α-
and β-carotene from a commercial carrot puree are more bioavailable to humans than from boiled-
mashed carrots, as determined using an extrinsic stable isotope reference method. The Journal of
Nutrition, 32(1), 159–167.

Monteiro, S. S. (2013) Caracterização química da casca de pequi (Caryocar brasiliense Camb.),


avaliação de seus extratos e aplicação em linguiça de frango para aumento do shelf life (Dissertação
de Mestrado). Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria.

Montgomery, D. C. & Runger, G. C. (2012) Estatística aplicada e probabilidade para engenheiros (5.
ed.). Rio de Janeiro: LTC.

Ramos, M. I. L. (1987) Desidratação do piqui (Caryocar brasiliense, Camb.): avaliação do processo


através dos teores de carotenóides totais (Dissertação de Mestrado). Universidade de São Paulo, São
Paulo.

Rigueira, J. A. (2003) Pequi: cultivo, caracterização físico-química e processamento (Monografia).


Faculdade de Brasília, Brasília.

Rodriguez-Amaya, D. B., Raymundo, L. C., Lee, T. C., Simpson, K. L. & Chichester, C. O. (1976)
Carotenoid pigment changes in ripening Momordica charantia fruits. Annual Botanic, 40(1), 615-624.

Rodriguez-Amaya, D. B. (2001) A Guide to Carotenoides Analysis in Foods. Washington DC:


International Life Sciences Institute (ILSI) Press.

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