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Revista Duc In Altum Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai.-ago. 2015.

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O GIRO Criminal law system. Philosophy of


language. Meaningful action concept.
LINGUÍSTICO E O
DIREITO PENAL
TURNING OF
LANGUAGES AND Introdução
CRIMINAL LAW A história mostra
que desde que o direito em
Paulo César Busato* geral e o Direito penal em
Professor da UFPr especial buscaram a sua
afirmação como ciência, que
Resumo
cada sistema de imputação
O presente artigo apresenta uma encontrou ancoragem em
visão geral sobre a teoria do delito a uma racionalidade específica1.
partir do paradigma da filosofia da A evolução das sucessivas
linguagem, apontando, de modo teorias do delito sempre
geral, para os ganhos
criminológicos, político criminais e correspondeu, de algum
dogmáticos da adoção da referida modo, a uma sucessão de
perspectiva. paradigmas associados a
Palavras-chave novas formas de pensar que
Teoria do delito. Filosofia da
linguagem. Concepção significativa pretenderam, com sua
de ação. abordagem, oferecer soluções
cientificamente mais
Abstract adequadas, ou seja, capazes
This article provides an overview about de oferecer respostas mais
the criminal law system from the
paradigm of the philosophy of language,
corretas ao problema central
pointing the criminological, political and de como imputar.
dogmatical advantages that can be No plano
provided by the adoption of that epistemológico, porém, a
perspective.
Keywords
1 MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ,
* O autor é professor de Direito Carlos. A concepção significativa de ação
penal da UFPR e da FAE-Centro de T.S. Vives e sua correspondência
Universitário, Doutor em direito sistemática com as concepções teleológico-
penal e Procurador de Justiça do funcionais do delito. Trad. de Paulo
Ministério Público do Estado do César Busato, Rio de Janeiro:
Paraná. Lumen Juris, 2007, pp. 1-2.
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evolução das racionalidades matéria jurídico penal, que é


conduziu ao giro lingüístico traduzida pelo modelo
que, com raízes filosóficas, significativo de teoria do delito
espraiou-se por todos os e propor uma breve análise a
distintos âmbitos do respeito das implicações que
conhecimento humano. a adoção desta perspectiva
Sua chegada ao possui em termos
sistema de imputação próprio criminológicos, político
do Direito penal, porém, foi criminais e dogmáticos.
tardia, somente se Naturalmente, sem a
produzindo no último quartel pretensão de esgotamento de
do Século XX. tais perspectivas, senão como
Não obstante a mera introdução a campos
tardança, a influência da que podem e devem ser
filosofia da linguagem em explorados mais
matéria de imputação vai verticalmente em outros
muito além da mera estudos.
superação de um paradigma
científico por outro. O que se 1. O que é o
propõe é muito mais do que modelo significativo de
isso. À raiz da epistemologia teoria do delito.
lingüística a mudança
proposta é de quebra da Conquanto não a
própria pretensão científica tenha denominado assim, a
do sistema de imputação, partir de bases assentadas na
rompendo não com o filosofia da linguagem, Tomás
paradigma científico, mas Salvador Vives Antón
com a própria racionalidade ofereceu, em meados dos
científica, aproximando o anos 90 do Século XX, uma
Direito penal da praxis e proposta de estruturação de
dotando a fórmula de teoria do delito que pode ser
imputação de objetivos muito chamada de teoria significativa
mais pragmáticos. do delito.
Este artigo se A razão para
propõe a oferecer um esboço assim denominá-la é que a
da proposição lingüística em sua estruturação
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metodológica parte de uma


concepção de ação que o “Dolus in re ipsa”, in [Carbonell
próprio autor denomina Mateu, Juan Carlos - González
significativa, à vista de que esta Cussac, José Luis y otros directores
y Cuerda Arnau, María Luisa –
traduz uma expressão de
coordinadora], Constitución, derechos
sentido, com bases assentadas fundamentales y sistema penal.
na filosofia da linguagem. Semblanzas y estudios con motivo del
A partir da setenta aniversario del profesor Tomás
iniciativa de Vives, muitos Salvador Vives Antón, Valencia:
outros penalistas passaram a Tirant lo Blanch, 2009; ORTS
BERENGUER, Enrique.
estrutrurar trabalhos a partir
“Consideraciones sobre los
das bases por ele oferecidas2. elementos subjetivos de algunos
tipos de acción”, in [Carbonell
Mateu, Juan Carlos - González
2 MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ,
Cussac, José Luis y otros directores
Carlos. Derecho penal económico y de la
y Cuerda Arnau, María Luisa –
empresa. 4a ed., Valencia: Tirant lo
Blanch, 2014; BORJA JIMÉNEZ, coordinadora], Constitución, derechos
Emiliano. “Algunas reflexiones fundamentales y sistema penal.
sobre el objeto, el sistema y la Semblanzas y estudios con motivo del
función ideológica del Derecho setenta aniversario del profesor Tomás
penal”, in Nuevo Foro Penal no 62, Salvador Vives Antón, Valencia:
Antioquia: Centro de Estudios Tirant lo Blanch, 2009; CUERDA
Penales de la Universidad de ARNAU. “Limites constitucionales
Antioquia, 1999 (também existe de la comisión por omisión”, in
versão brasileira publicada em [Carbonell Mateu, Juan Carlos -
Justiça e Sistema Criminal no 10, González Cussac, José Luis y otros
Curitiba, 2014; ORTS directores y Cuerda Arnau, María
BERENGUER, Enrique e Luisa – coordinadora], Constitución,
GONZÁLEZ CUSSAC, Jose Luiz. derechos fundamentales y sistema penal.
Compendio de Derecho penal. Parte Semblanzas y estudios con motivo del
General. Valencia: Tirant lo Blanch, setenta aniversario del profesor Tomás
2004 (2a ed., 2010, 3a ed., 2011); Salvador Vives Antón, Valencia:
GORRIZ ROYO, Elena. El concepto Tirant lo Blanch, 2009 (existe
de autor en Derecho penal. Valencia: versão brasileira na Revista Justiça e
Tirant lo Blanch, 2008; RAMOS Sistema Criminal, no 10, Curitiba,
VÁZQUEZ, José Antonio. 2014; FLETCHER, George.
Concepción significativa de la acción y Conceptos básicos de Derecho penal.
teoría jurídica del delito. Valencia: Trad. de Francisco Muñoz Conde,
Tirant lo Blanch, 2008; Valencia: Tirant lo Blanch, 1997;
GONZÁLEZ CUSSAC, José Luis. RUIZ ANTÓN, Luis Felipe. “La
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Esta As razões para


estruturação, que consistiu no tanto são duas: o seu caráter
último giro copernicano a eminentemente prático, sua
respeito da teoria do delito é, capacidade de rendimento a
sem dúvida, a mais recente respeito da resolução de
contribuição sobre os problemas concretos e a
fundamentos dos sistema de possibilidade que abre de
imputação e é apontada como conexão entre os sistemas do
uma proposição “destinada a civil law e do common law.
lograr uma ampla aceitação No que refere ao
na doutrina e na primeiro aspecto, o
jurisprudência”3. rendimento prático de um
modelo associado à
linguagem já tinha sido
acción como elemento de la teoría
del delito y la teoría de los actos de
detectado antes por
habla: cometer delitos con Hassemer. Segundo este
palabras” in El nuevo Código penal: autos, a aproximação
presupuesto y fundamentos. Libro progressiva entre o Direito e
homenaje al doctor Don Ángel Torío a linguagem deriva
López. Granada: Comares, 1999;
ALCÁCER GUIRAO, “Cómo
justamente da necessidade
cometer delitos con el silencio. daquele de produzir respostas
Notas para un análisis del lenguaje a problemas práticos, em
de la responsabilidad” in Estudios especial em sua dimensão
penales en recuerdo del Profesor Ruiz pragmática4.
Antón. [Emilio Octavio de Toledo y
Ubieto, Manuel Guardiel Sierra e
Emilio Cortés Bechiarelli – Coord.], 4 Nesse sentido, refere o autor que
Valencia: Tirant lo Blanch, 2004 e “A classificação da semiótica –
BUSATO, Paulo César. Derecho teoria da linguagem e de seu uso – é
penal y acción significativa. Valencia: muito útil, se se quer conhecer os
Tirant lo Blanch, 2007 (Há também limites aos quais a lei pode vincular
edição argentina, publicada por em si o juiz. Na “sintaxe” ou
Didot, em 2013). No Brasil, veja-se, sintática trata-se das relações dos
BUSATO, Paulo César. Direito signos lingüísticos entre si, de
penal. Parte Geral. São Paulo: Atlas, gramática, de lógica, de formas e de
2013 (2a ed., 2015). estructuras. Na semântica trata-se das
3 MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, relações dos signos lingüísticos com
Carlos. Derecho penal económico y de la a realidade, de significado, de
empresa...cit., p. 35. experiência, de realidade. Na
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Quanto ao trabalho bastante mais


segundo, bastaria referir que pragmática – e por isso, mais
as mesmas bases filosóficas simples – que o monumental
voltadas à linguagem foram livro de fundamentos do
apontadas por George Patrick Prof. Vives, Fletcher oferece
Fletcher5 para a composição un conceito intersubjetivo de
de uma concepção intersubjetiva ação que, por um lado,
de ação ou concepção humanista, pretende superar o modelo
que serve de base para a ontológico que orientou
composição do seu sistema sempre os estudos jurídico-
de imputação, que, na opinião penais estadounidenses e, por
do próprio autor, tem uma outro, estabelece uma base
grande semelhança com a estrutural para o próprio
concepção de Vives. sistema de imputación,
Ainda que conjugando-se com as
6
vinculado a uma forma de exigências normativas .
O fato de que
dois autores de formação
pragmática trata-se da relação dos absolutamente distinta, estu-
signos lingüísticos com a realidade,
de significado, de experiência, de
diosos de sistemas jurídicos
realidade. Na pragmática trata-se da completamente díspares, che-
relação dos signos lingüísticos con guem às mesmas conclusões a
seu uso em situações concretas, de respeito dos fundamentos do
ação, de comunicação, de retórica, sistema de imputação é
de narração”. HASSEMER,
Winfried. Fundamentos del Derecho
revelador de que a evolução
penal. Trad. de Francisco Muñoz
Conde y Luís Arroyo Zapatero,
Barcelona: Bosch, 1984, p. 221. 6 Comentan la coincidencia
5 Veja-se FLETCHER, George metodológica entre las
Patrick. Rethinking Criminal Law. proposiciones de Vives y Fletcher
New York: Oxford University MUÑOZ CONDE, Francisco e
Press, 2000; FLETCHER, George CHIESA, Luís Ernesto. “A
Patrick. Basic Concepts In Criminal exigência de ação como conceito
Law. New York: Oxford University básico de direito penal”, in Justiça e
Press, 1998 e FLETCHER, George Sistema Criminal nº 1. Trad. de
Patrick. The Grammar Of Criminal Rodrigo Jacob Cavagnari e Paulo
Law. Vol. 1. Foundations. New York: César Busato, Curitiba:FAE, jul.-
Oxford University Press, 2007. dez. 2009, p. 13.
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natural do pensamento “giro pragmático” da filosofia


humano passa por estas bases com base na ação e na
e conduziria, inexoravelmen- racionalidade prática e, por
te, a uma evolução do sistema outro, no que se refere à
de imputação nesta direção. metodologia de apresentação
Vives baseia sua do sistema na teoria da ação
estruturação de teoria do comunicativa e na teoria do
delito especificamente na discurso de Habermas.
contribuição filosófica mais Na realidade é o
marcante do Século XX, que próprio pensamento humano
é a filosofia da linguagem e, a que se organiza ao redor
partir, especificamente, de um destes fundamentos e o que
de seus autores mais faz Vives é agrupar a
importantes: Ludwig racionalidade penal a partir
Wittgenstein. Mais precisa- dos jogos de linguagem expressos
mente, a partir do chamado na ação e as formas de vida que
segundo Wittgenstein, que é dão racionalidade prática às
identificado com a postura de regras. Por outro lado, na
seu trabalho fundamental, metodologia de apresentação
Investigações Filosóficas, com o dos temas de parte geral
qual o próprio autor refuta, afirma as realidades a partir
em certa medida as da compreensão da
conclusões de sua obra linguagem como acordo
anterior, o Tractatus Logico- comunicativo que legitima as
Philosophicus. normas segundo pretensões
A proposta de de validade.
Vives se assenta, por um Toda a filosofia
lado, na filosofia da lingüística tem por base as
linguagem do segundo contribuições do segundo
Wittgenstein7, que produziu o Wittgenstein, a respeito do
jogo de linguagem ou jogo
7 O Wittgenstein de Investigaciones linguístico. Wittgenstein parte
Filosóficas, que assume o caráter de negar uma idéia central do
dinâmico da linguagem com base seu Tractatus lógico-philosoficus
nos jogos de linguagem que põem
em conexão distintos quadros ou
que expressa a busca da
formas de mundo. linguagem logicamente
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perfeita, substituindo esta pelo contexto onde ela se


idéia pela de que a essência da desenvolve e não com base
linguagem está nos “jogos de em vinculações prévias.
linguagem” (Sprachspiele)8, Pode-se dizer que uma
com o que se verifica que o expressão é “apropriada, mas
sentido do linguagem é dado só para este domínio
estritamente circunscrito, não
para a totalidade do que
8 Wittgenstein abre seu Investigações pretendemos representar”9.
filosóficas citando uma interessante
passagem de Confissões de Santo
Coerentemente
Agostinho: “Quando eles (os con sua teoria - de substituir a
adultos) nomeavam alguma coisa e descrição por compreensión,
conseqüentemente com essa por significação - ,
apelação se moviam até algo, o via e Wittgenstein opta por não dar
compreendia que com os sons que
pronunciavam chamavam eles
um conceito de “jogo de
aquela coisa quando pretendiam linguagem”, limitando-se a
apontá-la. Pois o que eles oferecer exemplos, como dar
pretendian se percebia de seu ordens e obedecê-las,
movimento corporal: qual descrever a aparência de um
linguagem natural de todos os
povos que com mímica e jogos de
objeto ou dar suas medidas,
olhos, com o movimento do resto expor um caso concreto,
dos membros e com o som da voz formular e testar hipóteses.
fazem indicação das afeições da Estas situações evidenciam
alma ao apetecer, ter, rechaçar ou que se deve ter presente no
evitar coisas. Assim ouvindo
repetidamente as palabras colocadas
jogo de linguagem a
em seus lugares apropriados em existência de uma descrição e
diferentes orações, se dava conta uma compreensão, ou seja,
paulatinamente de que coisas eram que os participantes deste
signos e, uma vez adestrada a língua jogo compartilhem
nesses signos, expressava com eles
meus desejos”. Daí conclui
determinadas impressões a
Wittgenstein que esta passagem respeito da linguagem,
ilustra “a essência da linguagem determinadas regras,
humana”. WITTGENSTEIN, determinados pontos de
Ludwig. Investigaciones Filosóficas. 2ª
ed., trad. de Alfonso García Suárez
y Ulises Moulines, Barcelona: 9 WITTGENSTEIN, Ludwig.
Editorial Crítica, 2002, p. 17. Investigaciones Filosóficas...cit., p. 21.
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partida, para que estes jogos supõe a existência de uma


façam sentido. Por isso se única regra a respeito da qual
associa a linguagem a ações, e se possa convir, pelo que se
o todo formado por estas chega ao paradoxo descrito
relações é o chamado jogo de por Wittgenstein: “uma regra
linguagem. não podia determinar
Com isto logra nenhum curso de ação
comprovar, desde logo, que porque todo curso de ação
não é possível a pretensão de pode fazer-se concordar com
uma linguagem unívoca de a regra”12.
paradigma descritivo. Mas, há uma
Mas os jogos de intensa relação entre regra e
linguagem, como qualquer erro, já que só é possível falar
outro jogo, são regidos por de erro onde uma regra não é
regras10. As regras devem ser cumprida, ou seja, a violação
compartilhadas entre os de um padrão determinado
participantes do mesmo jogo entre correto e incorreto. A
de linguagem. Para que uma reação de um participante do
regra exista, é necessário que jogo de linguagem ao erro é
algumas pessoas as obedeçam um importante marco da
em algumas ocasiões. própria existência da regra e é
Deriva disso que o único que se pode
não é possível falar de regra considerar efetivamente uma
quando é seguida uma única regra fundamental, ou seja:
vez ou por uma só pessoa. A seguir ou não a regra
regra supõe convir a respeito proposta. Wittgenstein13 o
de sua existência11. Mas não expresa ao afirmar que “a
resposta era: se tudo pode ser
feito de modo a concordar
10 WITTGENSTEIN, Ludwig.
Investigaciones Filosóficas...cit., p. 359.
com a regra, então também
11 “«Quando significamos algo, não pode ser feito de modo a
é como ter uma figura morta (do
tipo que seja), mas é como se nos
dirigíssemos a alguém». Nos 12 WITTGENSTEIN, Ludwig.
dirigimos àquilo que significamos”. Investigaciones Filosóficas...cit., p. 203.
WITTGENSTEIN, Ludwig. 13 WITTGENSTEIN, Ludwig.
Investigaciones Filosóficas...cit., p. 319. Investigaciones Filosóficas...cit., p. 203.
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discordar”, pelo que como certos ou errados16.


“mostramos que há uma Tão somente é possível
captação de uma regra que impor um “quadro de
não é uma interpretação, mas mundo” através da persuasão
que se manifesta, de caso a e não através de justificativas,
caso de aplicação, no que se pois elas são relativas à
chama «seguir a regra» e no própria “forma de vida”.
que se chama «contrariá-la». Disso deriva um
Com isto, é profundo interesse para o
possível concluir que as discurso racional prático e
regras são práticas14 logo, para o discurso jurídico,
compartilhadas da vida diária pois o uso descritivo da
que subjazem a certos jogos linguagem não é o único e
de linguagem e que foram por isso, não é essencial ou
moldadas por certas fundamental. Assim, não há
convicções e regras razões para a redução da
fundamentais. linguagem normativa ao
Essas regras modelo descritivo e ademais,
fundamentais constituem um a lógica dos “jogos de
sistema que é um “quadro de linguagem” - inclusive no
mundo”. Assim, justamente discurso jurídico - somente
porque este “quadro de pode ser compreendida a
mundo” é a configuração de partir da consideração de
regras básicas que compõem outros fatores além de sua
as “formas de vida” 15, eles
não necessitam justificar-se e 16 Wittgenstein afirma que “a
não podem ser valorados linguagem é um instrumento. Seus
conceitos são instrumentos.
Cremos então que não se pode ter
muita importancia quais conceitos
14 WITTGENSTEIN, Ludwig. empreguemos. Como,
Investigaciones Filosóficas...cit., p. 203. definitivamente, podemos tornar
15 “A noção de jogo de linguagem nas físicas com pés e polegadas do
Investigações é correlativa à forma de mesmo modo que com metros e
vida”. BUSTOS, Eduardo. Filosofía centímetros; trata-se somente de
Contemporánea del Lenguaje I uma diferença na comodidade”.
(Semántica filosófica). 1ª reimp., WITTGENSTEIN, Ludwig.
Madrid: UNED, 1994, p. 18. Investigaciones Filosóficas...cit., p. 359.
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expressão verbal, inclusive as Parte-se, pois, de


circunstâncias em que tem tratar de verificar como
lugar. Com isto, para o atuam os processos sociais.
estabelecimento do Habermas considera que o
argumento jurídico, não são mundo social não é algo dado
desprezíveis as circunstâncias previamente, mas algo dotado
do caso concreto, nem de sentido, que depende,
tampouco sua situaçao sempre, de interpretação e de
histórica, social, cultural e validade. Por isso, as relações
política. sociais são expressas segundo
Por outro lado, pretensões de validade. Nesse
as raízes da idéia de «ação sentido, observa Jiménez
comunicativa» de Habermas se Redondo:
encontram situadas
principalmente na Filosofia “sempre que
da linguagem proposta por tratamos de nos entender com
Wittgenstein17. Já de entrada alguém sobre algo (ser seres
esclarece Habermas18 que seu dotados de linguagem
intento não coincide com “o implica, pois, habitar três
interesse metodológico por mundos, o subjetivo, o
uma fundamentação das objetivo e o mundo social do
ciências sociais em uma teoria sentido), sempre que
da linguagem”, como seria o pronunciamos ainda que só
caso do estabelecimento de seja uma frase para coordenar
um “conceito de ação” mas com o próximo nossos
sim o oferecimento de uma planos de ação, […] não
“teoria da sociedade”. temos alternativa além de
pretender inteligibilidade para
nossos meios de expressão,
17 En ese sentido, VIVES ANTÓN,
verdade para aquilo que
Tomás Salvador. Fundamentos del dizemos sobre o mundo ou
Sistema Penal. Valencia: Tirant lo para aquilo que implicamos
Blanch, 1996, p. 195. sobre o mundo objetivo,
18 HABERMAS, Jurgen. Teoría de la
correção para nossa própria
acción comunicativa. Vol. I, trad. de
Manuel Jiménez Redondo, Madrid:
ação de falar ou para o que
Taurus, 1987, p. 9. fazemos falando e veracidade
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para o que dizemos enquanto teleológicas dos participantes


expressão do nosso para que se possa constituir
pensamento”19. uma interação”.
Este caráter
O propósito de compartilhado do
entender-se, levado a cabo entendimento lingüístico
por um processo de distingue os atos de fala das
comunicação através da comunicações não verbais,
linguagem é o sentido não apenas por sua expressão
primário da linguagem e por reflexiva e autoexplicativa,
isso, deve estar presente em mas também pelo objetivo
todas as formas de emprego que persegue de buscar
da linguagem, ou seja, em sentido. Por isso, os atos de
todos os processos de fala ultrapassam a condição
socialização. Assim, todo o de entidades ontológicas e
processo de socialização não podem, ser entendindos
depende de uma “ação simplesmente desde um
coordenada mediante um ponto de vista causal22.
emprego da linguagem com Mas Habermas23
as características se adianta em afirmar que “o
20
assinaladas” . modelo comunicativo de ação
Habermas21 não equipara ação e
propõe que “o entendimento comunicação. A linguagem é
lingüístico é só um um meio de comunicação que
mecanismo de coordenação serve ao entendimento,
da ação, que ajusta os planos enquanto que os atores, ao
de ação e as atividades entenderem-se entre si, para
coordenar suas ações,
perseguem, cada um,
19 JIMÉNEZ REDONDO,
Manuel.Estudio Preliminar a la obra
determinadas metas”.
Fundamentos de Derecho penal, de
Tomás S. Vives Antón. Valencia:
Tirant lo Blanch, 1996, p. 72. 22 En ese sentido VIVES ANTÓN,
20 JIMÉNEZ REDONDO, Tomás Salvador. Fundamentos...cit.,
Manuel.Estudio Preliminar...cit., p. 72. p. 192.
21 HABERMAS, Jurgen. Teoría de la 23 HABERMAS, Jurgen. Teoría de la

acción comunicativa...cit., p. 138. acción comunicativa...cit., pp. 145-146.


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Definitivamente, “a ação Assim, aparece a


comunicativa designa um tipo idéia de que “do conceito de
de interações que vêm seguir uma regra deriva um
coordenadas mediante atos conceito de capacidade de ação,
de fala, mas que não conforme o qual um sujeito
coincidem com eles”. Para a) sabe que segue uma regra
Habermas24 “o entendimento b) (se) nas circunstâncias
lingüístico é somente o apropriadas está em
mecanismo de coordenação condições de dizer que regra
da ação, que ajusta os planos está seguindo, ou seja, de
da ação e das actividades indicar o conteúdo
teleológicas dos participantes proposicional da «consciência
para que possam constituir de regra»”26.
uma interação”. Resta assim,
O que sim, deriva desenhado o conceito de ação
destas conclusões, é que comunicativa de Habermas,
Habermas25 pode, a partir que vai mais além da simples
disso, estabelecer a diferença idéia de um movimento final,
entre ação e o mero e a converte em uma
movimento corporal, o qual, expressão de sentido. A
ainda que faça parte da ação, diferença se situa no campo
não pode ser confundido metodológico, pois a análise
com ela. “As ações são da ação nas perspectivas
realizadas de certo modo reducionistas, ao confundí-la
mediante movimentos do com o mero comportamento,
corpo. Mas isto debe ser reduzem seu campo a uma
entendido no sentido de que idéia meramente empírico-
o ator co-realiza esses descritiva do objeto,
movimentos quando segue enquanto que uma
uma regra de ação, técnica ou perspectiva da ação como a
social”. aqui proposta, converte a
tarefa em uma descrição das
24 HABERMAS, Jurgen. Teoría de la
acción comunicativa...cit., p. 138. 26 VIVES ANTÓN, Tomás
25 HABERMAS, Jurgen. Teoría de la Salvador. Fundamentos...cit., pp. 193-
acción comunicativa...cit., p. 141. 149.
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objetivações dotadas de portanto também ao da luta


sentido, exigindo a análise entre interpretações”29. Daí
deste mesmo sentido deriva que a construção
conforme as regras segundo jurídica “tem sempre também
as quais se produziu27. o sentido de uma atribuição
A ação de significado, ou seja, não se
comunicativa é um fenômeno trata nunca de uma descrição
dotado de sentido, por isso, de algo acabado que, com
pode-se dizer que é um efeito, simplemente caiba
produto de “um processo de passar a descrever ou definir,
interpretação conforme mas sim sempre o trabalho
regras”28. teórico tem um sentido
Aparece aqui a prático, interpretativo e
importância da teoria da ação aplicativo30”.
para o direito. Habermas31
Não é possível reconhece que através do
negar que o direito é um movimento corporal o agente
processo social que se muda algo no mundo, mas
expressa sob uma forma de entende que é possível
linguagem que tem que estar “distinguir os movimentos
conectada com os cânones com que um sujeito intervém
gerais da expressão lingüística no mundo (atua
primária, pelo que, “pertence instrumentalmente) dos
ao âmbito da ação e por movimentos com que um
consiguinte também ao do sujeito encarna um
sentido e da interpretação e significado (expressa-se
comunicativamente)”.
Evidentemente é distinto o
27 “«os movimentos e as ações movimento físico em si de
exigem conceitos básicos
categorialmente diversos»: os
estender a mão para o alto e
primeiros estão sujeitos a nexos
causais, enquanto que as ações são 29 JIMÉNEZ REDONDO,
produzidas conforme regras”. Manuel.Estudio Preliminar...cit., p. 57.
VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. 30 JIMÉNEZ REDONDO,
Fundamentos...cit., p. 195. Manuel.Estudio Preliminar...cit., p. 57.
28 VIVES ANTÓN, Tomás 31 HABERMAS, Jurgen. Teoría de la

Salvador. Fundamentos...cit., p. 195. acción… cit., pp. 139-140.


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este mesmo movimento substrato, mas como sentido; e,


realizado pelo guarda de consequentemente, a
trânsito ordenando que o determinação de estar ou não
fluxo de tráfego se detenha. A diante de uma ação – e a do
ação só pode ter sentido tipo de ação ante o qual se
jurídico desde que está – já não se efetua com
interpretada em conjunto parâmetros psico-físicos,
com seu entorno. Logo, as mediante o recurso à
valorações jurídicas só podem experiência externa e interna,
ser consideradas como ações, mas tem lugar em termos de
dentro do marco de seu regras, isto é, em termos
significado. normativos. É a obediência a
A consideração regras (e não um inapreensível
da ação como expressão de acontecimento mental) o que
sentido afeta o próprio permite falar de ações, em
modelo cartesiano sobre o lugar do que as constitui
qual se estrutura a teoria do como tais (o significado) e ao
delito e logo, todas as contrário dos simples fatos”33.
doutrinas aí contidas cuja Como se vê, não
ancoragem se encontra nele. apenas a natureza da ação é
Em especial, como aponta afetada, mas inclusive o tipo
Vives32, a dotrina da ação e a de ação a que se refere. Logo,
doutrina do dolo. saber se uma ação é omissiva
ou comissiva, dolosa ou
“A ação era imprudente, passa a depender
concebida ontologicamente, da análise de regras de
como algo que existe no validade segundo as quais tal
mundo, e ocorre, no ação expressa seu significado.
pensamento de autores muito E de conseqüência, saber, por
significativos, a entender-se, exemplo, se houve uma
não como o que os homens tentativa de delito, não pode
fazem, nas como o significado reduzir-se a uma mera análise
do que fazem, não como ontológica ou psicológica da

32 VIVES ANTÓN, Tomás 33 VIVES ANTÓN, Tomás


Salvador. Fundamentos...cit., p. 197. Salvador. Fundamentos...cit., p. 197.
Revista Duc In Altum Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai.-ago. 2015. | 139

conduta do autor, mas se estrutura a validade do


dependerá, isso sim, de uma sistema normativo34.
verificação do sentido A fundamentação
expresso na ação, também normativa do Direito no
através de uma análise de modelo discursivo se
regras de validade. estrutura em um conceito
Em termos espe- procedimental de
cificamente jurídico-penais, racionalidade, segundo o qual
esta fórmula, ademais de somente podem ser legítimas
superar o modelo finalista as normas que mereçam tal
vinculado especificamente à reconhecimento por parte
filosofia da consciência, dos seus destinatários, através
igualmente se afasta, por de um processo de
superação, das idéias comunicação que garanta a
funcionalistas, no sentido de expressão de vontade
35
propor as soluções para as racional .
questões penais em termos de Adotada a
ação e não em termos de perspectiva de entender que a
sistema. criação da norma se dá não
Além disso, a só no processo de
proposta metodológica do criminalização primária, mas
discurso habermasiano principalmente no processo
contempla uma concepção de de criminalização secundária,
comunicação completamente é de reconhecer que o
diferente do sentido deste modelo discursivo resulta em
termo no âmbito da teoria ampliação de garantias, uma
dos sistemas, que serve de
paradigma para o funcio-
nalismo luhmaniano. A
34 De forma similar a análise de
MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ,
comunicação aqui não é Carlos. Derecho penal económico y de la
apenas instrumental, funcio- empresa...cit., p. 38.
nando como veículo de 35 Veja-se HABERMAS, Jürgen.

efetivação das expectativas Direito e Democracia. Entre faticidade e


contrafáticas, senão que é a validade I. Trad. de Fábio Beno
Siebeneichler, Rio de Janeiro:
verdadeira base sobre a qual Tempo Brasileiro, 2003, pp. 154 e
ss.
140 | Revista Duc In Altum - Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai-ago. 2015.

vez que recruta a validade realização desta conjugação,


tópica, reclamando uma que é a concepção a respeito
circunstância de reconhe- da liberdade de ação.
cimento pela dialética do
processo36. 1.1. A concepção
A fórmula de significativa da ação.
estruturação proposta por
Vives se assenta em dois Vives parte da
pilares fundamentais: uma concepção fundamental de
teoria da ação e uma teoria da que a ação não pode ser um
norma, conjugadas de tal fato específico e nem
sorte que a norma pretende tampouco ser definida como
ser válida para o o substrato da imputação
reconhecimento de um delito jurídico-penal, mas sim
expresso em uma ação. representa “um processo
Acrescenta-se, porém, o eixo simbólico regido por
de equilíbrio entre ambas na normas”37 que traduz “o
significado social da
conduta”38. Assim, para Vives
36 Importa destacar, nesse sentido,
o equívoco de uma preconceituosa
o conceito de ações é o
e equivocada crítica usualmente seguinte: “interpretações que,
endereçada ao método discursivo, segundo os distintos grupos
sustentando-se que ela parte de de regras sociais, possíveis de
uma suposta e inexistente igualdade dar-se ao comportamento
de oportunidade entre partes para a
formulação da validade. O
humano”39 e, portanto, elas
equívoco desta visão é mais do que deverão representar, em
evidente, porque a postura aqui termos de estrutura do delito,
adotada não presume um prius já não o substrato de um
existente de igualdade, porque
considera que nada precede a
linguagem, que é a matriz da
realidade. O que se afirma, muito
ao contrário, é que a falta de 37 VIVES ANTÓN, Tomás
realização do processo de inclusão Salvador. Fundamentos...cit., p. 205.
do seu destinatário em igualdade de 38 VIVES ANTÓN, Tomás
oportunidade discursiva impede a Salvador. Fundamentos...cit., p. 205.
pretensão de validade da norma 39 VIVES ANTÓN, Tomás
contra ele. Salvador. Fundamentos...cit., p. 205.
Revista Duc In Altum Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai.-ago. 2015. | 141

sentido mas o sentido de um A expressão de sentido,


substrato40. porém, não deriva das
Com isso, logra intenções que os sujeitos que
diferenciar entre ações – que atuam pretendam expressar,
são dotadas de sentidos ou mas sim do “significado que
significados41 e comportam socialmente se atribua ao que
interpretações – e fatos - que façam”43. Assim, não é o fim
não têm sentido e mas o significado que
comportam, tão somente – determina a classe das ações,
descrições -. logo, não é algo em termos
Por outro lado, o ontológicos, mas normativos.
sentido de tais ações é ditado Vives o deixa claro com um
por regras que as regem42. exemplo:
Tais regras, porém, são
reconhecidas como tais “[...] minha
enquanto tenham seu uso compreensão de uma partida
estabelecido, pois, somente de futebol depende de que
assim podem determinar o conheça as regras do jogo e
sentido de uma conduta. Ou de que, por conseguinte,
seja, o reconhecimento da possa efetuar uma correta
ação deriva da expressão de atribuição de intenções aos
sentido que uma ação possui. movimentos dos jogadores:
se desconheço as regras, não
sou capaz de inferi-las e
40 VIVES ANTÓN, Tomás
Salvador. Fundamentos...cit., p. 205.
ninguém me explica, não
41 Com a palavra “sentido”, ou entenderei o jogo e não
“significado”, Vives pretende saberei, em realidade, o que
referir a teoria do significado como está ocorrendo ali (nem
uso de expressões, que arranca do sequer poderei prever o que
pensamento do primeiro
Wittgenstein, do Tractatus, e
tenta fazer um jogador que
combina com a teoria dos jogos de esteja de posse da bola). Mas,
linguagem, para cuja descrição mais uma vez as conheço e posso
detida remeto a VIVES ANTÓN, fazer por conseguinte, as
Tomás Salvador. Fundamentos...cit.,
pp. 208-211.
42 VIVES ANTÓN, Tomás 43 VIVES ANTÓN, Tomás
Salvador. Fundamentos...cit., p. 213. Salvador. Fundamentos...cit., p. 214.
142 | Revista Duc In Altum - Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai-ago. 2015.

atribuições de intenção concreta intenção que o


corretas, nem sempre sujeito queira levar a cabo,
qualificarei as jogadas (as mas sim do código social
ações dos jogadores) com conforme o qual se interpreta
base nas intenções que lhes o que faz”45.
atribuo: v.g., se um defensor As práticas
tem a intenção de afastar a sociais são pois, contingentes
bola de sua área, mas acaba da ação e da intenção46. Fala-
enviando-a ao seu próprio se de intenções já expressas
gol, não direi que aliviou a nas ações e não
defesa, mas sim que marcou determinantes delas. Por isso,
um gol contra. As atribuições “os movimentos corporais
de intenção encontram-se, não são interpretados como
segundo o referido, ações por causa da presença
encravadas no seguir de prévia o concomitante de
regras e são construtivas do intenções”47, na realidade, é a
significado, em termos gerais, existência de uma obediência
mas não na forma de uma a regras que permite
relação um a um: as regras, identificar o sentido que jaz
que se materizalizam em na ação e inferir a realização
atribuições de intenção, de uma intenção48. Logo, “há
operam, com freqüência, uma intencionalidade externa,
prescindindo do propósito de objetiva, uma prática social
quem as segue ou infringe”44. constituinte do significado”49.
Mas é também
O fim fica certo que nem toda ação é
claramente desvinculado da
determinação da ação. A ação
é identificada pelo sentido
45 VIVES ANTÓN, Tomás
Salvador. Fundamentos...cit., p. 216.
que lhe dão as regras segundo 46 VIVES ANTÓN, Tomás
as quais se lhe interpreta. Por Salvador. Fundamentos...cit., p. 218.
isso, “a determinação da ação 47 VIVES ANTÓN, Tomás
que se realiza não depende da Salvador. Fundamentos...cit., p. 218.
48 VIVES ANTÓN, Tomás
Salvador. Fundamentos...cit., p. 218.
44 VIVES ANTÓN, Tomás 49 VIVES ANTÓN, Tomás
Salvador. Fundamentos...cit., p. 215 Salvador. Fundamentos...cit., p. 219.
Revista Duc In Altum Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai.-ago. 2015. | 143

intencional50, o que, outra quanto dolosos, sendo que o


vez, comprova que o núcleo que identifica estes últimos –
da ação não está na por certo – normativamente,
intencionalidade, o que é a expressão de sentido que
explica claramente o fracasso se traduz no compromisso
do modelo finalista proposto com a produção do resultado
por Welzel em explicar o típico, que não ocorre na
delito imprudente. Ao imprudência.
contrário, a propuesta de Os estudos de
Vives, ao seguir o modelo George P. Fletcher, partindo
filosófico de Wittgenstein, se de uma interpretação dos
afasta de tudo isso para trabalhos de Welzel, apontam
identificar a ação segundo o coincidentemente para um
significado, as regras e a conceito intersubjetivo de
obediência das regras, o que ação que tem exatamente o
se, por um lado, reconhece mesmo perfil.
que há uma relação interna Fletcher começa
entre ação e intenção, de por sustentar que há uma
modo algum determina que questão de fundo no Direito
toda a ação, enquanto penal que é a decisão de
expressão de sentido, deva como interpretar as pessoas
consistir, necessariamente, na acusadas de delitos. Se os
expressão de uma intenção51. tratamos como sujeitos ou
Resulta, pois, que como objetos. Observa ainda
em termos normativos, há que “os sistemas jurídicos
tanto casos imprudentes variam segundo a atitude que
mostrem a respeito dos
acusados e condenados por
50 VIVES ANTÓN, Tomás um delito.”52
Salvador. Fundamentos...cit., pp. 215-
216.
Fletcher
51 VIVES ANTÓN, Tomás desenvolve seu raciocínio
Salvador. Fundamentos...cit., p. 223. fazendo uma breve análise
Sobre a crítica ao modelo sobre as idéias dominantes a
welzelizano veja-se VIVES
ANTÓN, Tomás Salvador.
Fundamentos...cit., p. 222, 52 FLETCHER, George Patrick.
especialmente nota 54. Conceptos básicos...cit., p. 77.
144 | Revista Duc In Altum - Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai-ago. 2015.

respeito do conceito de ação que substitua a idéia de


para concluir pela «explicação» do conceito.
necessidade de percepção do Assim, conclui que o conceito
significado53. Diz que a ação de ação demanda a
foi primeiramente compreensão humanista de
identificada com o seu significado
movimento corporal para, contextualizado, cujas bases
logo depois, agregar-se-lhe o já foram ofertadas pelo
componente da próprio Welzel.
voluntariedade. Porém, desde Para Fletcher55,
aí começam os problemas, aos sucessores de Welzel
pois cumpre identificar
quando exatamente está
presente a vontade. Para isso, diferenciação provém da filosofia
alemã de princípios do século XX e
se costuma admitir que essa especificamente o filósofo alemão
vontade só é perceptível Dilthey, que distinguiu entre
quando o sujeito verstehen (compreensão) e erklären
efetivamente atua, o que (explicação). A idéia é que o
conduz a um círculo vicioso. comportamento humano - em
oposição a fenômenos naturais - só
A proposta pode ser compreendido e não
consiste na composição do explicado em termos científicos”.
conceito de ação humana se FLETCHER, George Patrick.
faça a conjugação de dois Conceptos básicos...cit., p. 90.
55 “Talvez o mais proveitoso da
fatores: um alto grau de
teoria de Welzel é pensar nisso mais
contextualização na como uma teoria da relação entre a
percepção da conduta e uma ação e a finalidade do que como
«compreensão humanista»54 uma teoria da ação em si. A
proposição de que um ato não pode
ser compreendido
53 FLETCHER, George Patrick. independentemente da sua
Conceptos básicos...cit., pp. 78-90. finalidade implica que o ato não
54 “Um humanista da compreensão pode ser separado da intenção do
de ação exige que abandonar a idéia ator. ... Finalidade e ato estão
de uma explicação científica que unidos; as duas dimensões do
conceber a ação como produto de mesmo fenômeno não devem ser
forças causais, mas a compreensão dissociadas e tratadas
de como os seres humanos agem separadamente na análise da
quando eles realmente fazem. Esta responsabilidade penal.”
Revista Duc In Altum Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai.-ago. 2015. | 145

preocupou mais intensamente O que é relevante


as conseqüências de sua não é só o elemento subjetivo
teoria em outros âmbitos, final presente na ação delitiva,
ainda que o próprio jurista senão melhor ainda o
alemão insistia que seu conjunto de fatores que
principal interesse consistiu produzem uma percepção e
no estabelecimento de uma compreensão dos propósitos
nova concepção de ação. Isto do sujeito. Os elementos
é, mais que negar subjetivos que reconhecemos
simplesmente a ação na ação têm origem em uma
mecanicista, consistente em multiplicidade de atos
mero «movimento corporal seqüenciais produzidos sob
voluntário» adicionando o um determinado contexto.
«domínio da vontade final», Na verdade, é da percepção e
Welzel abriu uma nova compreensão do global das
fronteira à percepção e circunstâncias relativas ao
compreensão do propósito fato de onde se deduz sua
do agente. Welzel percebeu qualidade final.
que o homem atuava com Assim, o
uma finalidade, mas o essencial não é explicar o que
essencial deste argumento é o se entende por ação, senão
fato de que se pode perceber apreender “a linguagem do
a intenção e não o fato de propósito”57 o ainda melhor
que dita ação contenha um “aprender quando as
propósito. Em realidade, circunstancias nos permitem
segundo Fletcher56 neste dizer que alguém quis golpear
ponto é onde os trabalhos de a outro e não simplesmente
Welzel “coincidem com dizer que o golpe foi
outras tendências da moderna acidental ou foi dado
Filosofia” como os distraidamente”.58 O
postulados de Wittgenstein. importante da aportação

FLETCHER, George Patrick. 57 FLETCHER, George Patrick.


Conceptos básicos...cit., pp. 92-93. Conceptos básicos...cit., p. 93.
56 FLETCHER, George Patrick. 58 FLETCHER, George Patrick.

Conceptos básicos...cit., p. 92. Conceptos básicos...cit., p. 93.


146 | Revista Duc In Altum - Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai-ago. 2015.

welzeliana foi impelir à Fletcher valora a


percepção das circunstâncias ação com os elementos
que juridicamente são circundantes, na busca de sua
traduzidas nos elementos do compreensão humanista, é
delito. dizer, na busca do significado
Tanto é que na que tal ação comunica. Com
medida em que alteramos as isso, sustenta seu conceito tão
circunstâncias, uma mesma longe da idea ontológica de
ação tem distinta ação quando da idéia de
interpretação. Se imaginar- fundo normativo. Situa sua
mos um indivíduo que aborda ação na compreensão, na
outro na rua, apontando-lhe transmissão de sentido que
com um facão, perguntando
ao seu interlocutor - “o que
você quer?” - , certamente paralisados, mas é um
pensaremos que se trata de compromisso que assumiram
um assalto ou uma briga. Sem anteriormente, de assim
embargo, a mesma situação permanecer. Existem inúmeros
ocorrendo no supermercado, dados que sugerem que eles estão
firmes em uma posição de atenção
onde o indivíduo com o facão (seus uniformes, seu grupo de
está atrás do balcão de frios, formação, a sua localização em
vestido com um avental frente ao castelo, o horário, a
branco e seu interlocutor do regularidade de sua conduta).
outro lado, na fila para Todos esses dados sugerem que
façamos uma seleção do mundo
comprar carne, perde circundante, do contexto. Vejamos
completamente qualquer agora o mesmo guarda, vestido
relevância penal. O mesmo com traje de rua e colocado
demonstra Fletcher com seu sozinho no meio de uma floresta.
conhecido exemplo do Ninguém que passar por lá vai
saber se ele é um paralítico, um
guarda do Palácio de hipnotizado ou um robô que move
Buckingham.59 os olhos. ... Observe que o mundo
circundante e o contexto não são
meios para explicar o
59“Com efeito, enquanto eles estão comportamento, mas para percebê-
em serviço, os guardas do Palácio lo e compreendê-lo”. FLETCHER,
referido parece que não se movem, George Patrick. Conceptos básicos...cit.,
mas não é porque eles estão pp. 90-91.
Revista Duc In Altum Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai.-ago. 2015. | 147

produz a interrelação entre são decisões de poder e


sujeito e objeto. também determinações da
razão.
1.2. A norma Esta perspectiva
como expressão de uma demanda, naturalmente, uma
pretensão geral de justiça. pretensão geral, algo para o
qual vai dirigida a afirmação
Do ponto de de validade normativa, com a
vista da responsabilidade qual se pretende realizar um
penal, a fórmula de processo argumentativo
imputação consiste realmente racional. Esta pretensão geral,
em um ato de contemplar a durante muito tempo, esteve
conduta a partir da norma, mal proposta, focada em uma
visando reconhecer a validade pretensão científica de
de determinada norma para a afirmação de uma verdade. A
afirmação de que a conduta é correspondência do fato à
criminosa. Por isso, no que ordenação normativa
refere à organização do pretendia afirmar a verdade
sistema normativo, Vives do crime.
propõe a substituição da É preciso
discussão entre o ser e o rebaixar este nível de
dever ser, entre o ontolo- pretensão. Não se afirma a
gicismo e o deontologicismo, verdade com direito. O
entre norma de valoração e máximo a que se pode aspirar
de determinação, por um como pretensão geral da
sistema que substitua a razão norma é à promoção de um
técnico-instrumental pela resultado o mais justo
razão prática60. ainda segundo possível. A pretensão de
Vives61 as normas jurídicas justiça é, portanto, o valor
possuem uma dupla essência: fundamental que guia todo o
ordenamento jurídico. Isto
60Nesse sentido o reconhecimento porque, obviamente, o delito
de MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, não é um objeto real,
Carlos. Derecho penal económico e de a portanto, sua estrutura não
empresa...cit., p. 52.
61 VIVES ANTÓN, Tomás S.. tem porque basear-se em uma
Fundamentos...cit., p. 341. pretensão de verdade.
148 | Revista Duc In Altum - Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai-ago. 2015.

Obviamente, a utilidade, etc.”64, segundo


razão fundamental pela qual pretensões de legitimidade e
existe o sistema jurídico é validade que só se pode
responder a exigências de concretizar através de uma
justiça62. O que pretende a justificação procedimental65,
norma jurídica é ser em sentido habermasiano.
essencialmente válida, cuja Tal justificação se
pretensão obviamente não procede com o fim de atribuir
fica satisfeita com a responsabilidade penal
presunção de legitimidade mediante a comprovação
formal. Também é certo que procedimental, primeiramen-
não pode aspirar converter-se te da execução de uma ação
em norma moral, pois ainda lesiva ameaçada de pena, uma
que pretenda afirmar-se por si pretensão de relevância
mesma e não em relação a expressa pela realização de
um fim, porque não aspira ao um tipo de ação, logo a
aperfeiçoamento humano, verificação de se a intenção
mas simplesmente a gerir a que regia a ação estava ou
ordem de coexistência não de acordo com as
humana. Trata-se, definitiva- exigências do ordenamento
mente, da assunção de uma jurídico, correspondendo a
racionalidade prática em uma pretensão de ilicitude,
substituição a uma em seguida, se aquele que
63
racionalidade teórica . atuou sabia que não poderia
Mas, obviamente fazê-lo e poderia atuar de
a pretensão de justiça se outro modo o que permite
expressa segundo distintas identificar uma pretensão de
exigências, “como segurança reprovabilidade e, finalmente,
jurídica, liberdade, eficácia, comprovando se o castigo
efetivamente era necessário,

62 COBO del ROSAL, Manuel e


VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. 64 VIVES ANTÓN, Tomás
Derecho Penal. 5ª edição, Tirant lo Salvador. Fundamentos...cit., p. 482.
Blanch: Valencia, 1999, p. 267. 65 MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ,
63 VIVES ANTÓN, Tomás S.. Carlos. Derecho penal económico y de la
Fundamentos...cit., p. 481. empresa...cit., p. 49.
Revista Duc In Altum Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai.-ago. 2015. | 149

revelando uma pretensão de que, ao mesmo tempo insere


punibilidade66. a dimensão de preservação do
O resultado final componente humano – ainda
é uma evidente conexão entre que seja normativamente
direito e política derivada de estruturado – é a idéia de
uma racionalidade procedi- liberdade de ação, que é
mental que conecta a idéia justamente o ponto de união
geral de Estado social e entre sua teoria da ação e sua
democrático de Direito67. teoria da norma (os dois
pilares básicos de seu sistema
1.3. A liberdade de imputação). Assim refere
de ação como eixo Vives Antón:
estrutural do sistema
normativo. “A liberdade de
ação constitui —como
É necessário, implicitamente se mostrou até
finalmente, deixar posto que agora— o ponto de união
o elemento fundamental que entre a doutrina da ação e a
orienta o esquema de Vives e doutrina da norma: pois só se
os movimentos corporais não
66 VIVES ANTÓN, Tomás se acham inteiramente
Salvador. Fundamentos...cit., pp. 482- regidos por leis causais, só se
483,Também MARTÍNEZ- há uma margem de
BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho indeterminação que permita
penal económico y de la empresa...cit.,
pp. 52-53.
falar das ações como distintas
67 Veja-se evidências sobre isso em dos fatos naturais, é possível
HABERMAS, Jürgen. Direito e pretender, por sua vez, que
Democracia. Entre faticidade e validade estas sejam regidas por
I....cit., pp. 170 e ss. Sobre a normas. a análise das normas
utilidade da fórmula procedimental
para a composição da teoria do
como algo distinto da
delito, veja-se VOGEL, investigação das leis da
“Legislación penal y ciencia del natureza só tem sentido
derecho penal (reflexiones sobre desde a pressuposição da
una doctrina teórico-discursiva de liberdade de ação, que se
la legislación penal”, in Revista de
Derecho penal y Criminología, n. 11.
converte, assim, no
Madrid: Uned, 2003. pressuposto sobre o qual —
150 | Revista Duc In Altum - Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai-ago. 2015.

necessariamente—, deve girar uma oposição desta natureza


a sistemática” 68. tem que partir da
admissibildade de uma
É importante premissa não só abolicionista
deixar sentado que a idéia de mas diretamente anarquista. a
liberdade de ação de Vives no idéia de liberdade de ação
despreza as condicionantes aqui proposta, se refere à
humanas. Isto é importante, ação enquanto expressão de
porque a partir das críticas um sentido comunicativo, ou
deterministas de corte seja, enquanto forma de
criminológico crítico, é linguagem, enquanto forma
possível chegar à descabida de transmissão de um
crítica de que a liberdade de significado, onde a própria
ação como tal, não existe. validade das regras utilizadas
Mas, a liberdade de ação à em sua interpretação
qual refere é simplesmente determinam o contexto de
aquela que permite identificar liberdade69.
a ação como obra pessoal e A análise de
não do acaso. Ou seja, uma normas se processa de modo
possível proposta crítica de distinto da simples verificação
corte determinista, para de fatos da natureza e
afastar a idéia de liberdade de somente tem sentido a partir
ação de Vives deveria partir de uma idéia de liberdade de
de um absoluto determinismo ação. É que não se comprova
na totalidade das atuações a liberdade de ação em bases
humanas, com o que o empíricas, mas se trata de
desprezível já não seria o conceber o mundo desde a
mero conceito, mas a própria liberdade de ação expressa
existência de um sistema de nela própria, que é o que
imputação de permite o juízo de
responsabilidade jurídico-
penal ou inclusive um sistema 69 Com argumentos adicionais a
jurídico enquanto tal. Assim, estes na defesa do conceito de
liberdade de ação em Vives,
RAMOS VÁZQUEZ, José
68 VIVES ANTÓN, Tomás Antonio. Concepcción significativa de la
Salvador. Fundamentos...cit., p. 334. acción...cit., pp. 469 e ss.
Revista Duc In Altum Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai.-ago. 2015. | 151

aplicabilidade de alguma Estado sobre o indivíduo não


norma. Ao contrário, ao tropeçariam com o limite
reconhecer a ausência de tal representado pela dignidade
liberdade, não é possível humana, que se baseia na
pretender a aplicação de idéia de que o indivíduo é um
nenhuma classe de ser capaz de escolha,
regulamentação jurídica. ‘legislador no reino dos fins’
Nesse sentido, referem Vives para empregar a expressão
Antón e Cobo del Rosal: kantiana. As garantias
próprias do Estado de direito
“Certamente, pareceriam desprovidas de
pode produzir rechace a idéia sentido, e inclusive a própria
de que se castiga sobre a base idéia de Estado de direito
de uma indesmostrável seria absurda, pois em uma
pressuposição de liberdade de sociedade governada segundo
vontade. Mas, castigar não é a hipótese determinista não
uma opção teórica, mas uma teria sequer porque existir
opção prática. Ou se Direito” 70.
presupõe que o homem é
livre, e se lhe castiga pelas Afinal, o espaço
infrações das normas que de normativização é
livremente comete, ou se representado tão somente por
prosupõe que não o é, e aquelas situações nas quais se
então é necessário recorrer a pode ou não atuar. O que se
esquemas causais (não realizaria de qualquer
normativos) para dirigir sua maneira, a despeito de que
conduta. Por insatisfatório haja ou não previsão
que pareça castigar sobre a normativa e o que não ocorre
base de uma pressuposição, de modo nenhum, a despeito
mais insatisfatório resultaria de que haja normativização,
governar a sociedade humana são âmbitos absolutamente
como se se tratasse de um irrelevantes normativamente.
mecanismo. O homem
poderia então ser tratado 70COBO del ROSAL, Manuel e
como um puro fenômeno VIVES ANTÓN, Tomás Salvador.
natural. Os poderes do Derecho Penal...cit., pp. 542-543.
152 | Revista Duc In Altum - Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai-ago. 2015.

Só é possível se estabelecer nem é uma questão a ser


uma norma a respeito de algo discutida no aporético âmbito
que se possa ou não fazer. de competição entre livre
Ou seja, o espaço normativo arbítrio e determinismo, mas
é o espaço em que a liberdade sim uma questão relacionada
de ação é um pressuposto. à própria existência de ação.
Portanto, a Isto deriva de que a liberdade
liberdade de ação é um não pode ser concebida de
pressuposto necessário sobre mordo empírico, mas deve,
o qual gira a sistemática de isso sim, ser reconhecida
imputação71. como uma forma de ver o
Resulta que para mundo72.
Vives, a idéia de liberdade de
ação que, situada na 2. As derivações em
culpabilidade provocou um perspectiva.
intenso e aporético debate
entre o determinismo e o No tópico que
livre arbítrio, a nada conduz. segue, aponta-se para as
Assim, propõe algo vantagens que supõe a
completamente distinto: que adoção do paradigma da
a liberdade de ação não linguagem na formulação da
fundamenta a culpabilidade, estrutura do sistema de
mas a ação. A liberdade de imputação, destacando tanto
ação há de ser o pressuposto aspectos criminológicos e
da imagem de mundo que dá político criminais, quanto
sentido à própria ação. elementos dogmáticos.
Assim, o
problema da liberdade não se 2.1. Perspectivas
refere à esfera da criminológicas.
culpabilidade como
tradicionalmente se discute,

71 Nesse sentido MARTÍNEZ- 72 Nesse sentido MARTÍNEZ-


BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho
penal económico y de la empresa...cit., p. penal económico y de la empresa...cit., p.
62. 63.
Revista Duc In Altum Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai.-ago. 2015. | 153

A partir de que a que o Direito penal é, e passando


criminologia – em sua a ocupar-se de para que o
vertente crítica – apontou Direito penal serve.
seus holofotes para o próprio Entretanto, tal
sistema punitivo, resposta foi ainda tímida,
identificando-o como fonte porquanto preservou, na
do crime, tornou-se essência, a fórmula discursiva
insustentável que se das concepções pseudo-
preservasse um sistema de científicas construídas na
imputação anódino, baseado virada do Século XIX para o
em uma pretensão de Século XX.
verdade, em A proposta de
condicionamentos pré- um modelo significativo,
jurídicos como os conceitos ancorado na filosofia da
de ação causal e finalista e linguagem, tem o mérito de
evidenciou que a postura de dar um passo adiante na
um esteta não serve para o direção de uma aproximação
jurista. com a criminologia, ao adotar
A atividade o discurso prático, ao trocar a
jurídica move-se no campo da base kantiana da razão pura
política, da decisão de caráter pela razão prática.
axiológico, que não pode nem A perspectiva de
deve sacrificar-se em prol de identificação da fórmula de
qualquer coerência siste- imputação a partir da praxis,
mática interna, menos ainda vale dizer, a partir da idéia
ao amparo de uma pretensão central de fazer derivar o
de afirmação científica. reconhecimento dos
A reação a tal elementos do conceito do
situação, porém, foi uma crime a partir das práticas
guinada axiológica, havida sociais que os identificam,
pela mão do chamado aproxima os resultados
funcionalismo teleológico de daquilo que socialmente é
Roxin, que tem o evidente efetivamente identificado
mérito de mudar a pergunta a como crime. Ou seja, o
respeito do Direito penal, estudo empírico do
deixando de tentar explicar o fenômeno criminal realiza
154 | Revista Duc In Altum - Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai-ago. 2015.

uma alimentação direta do imputação resulta insusten-


sistema de imputação, sem tável, carente de funda-
passagem pelo filtro mentação.
científico. Portanto, para
Assim, se para a que o juiz, diante do caso
identificação das ações e concreto, possa fundamentar
omissões, do dolo e da culpa, a imposição de uma pena,
das justificações e torna-se necessário o recurso
exculpações, o procedimento a uma linguagem que logre
parte do processo de estabelecer um a
comunicação do sentido com- comunicação com o destina-
partilhado socialmente a tário do resultado do
respeito de tais conceitos, há processo de criminalização
uma clara aproximação dos secundário. Isso só se faz
destinatários da pretensão de mediante a sintonia discursiva
validade normativa com o seu entre o transmissor e o
conteúdo. receptor da comunicação.
Isto obriga, inclu- Resumidamente,
sive, a uma mudança de a prestação jurisdicional passa
linguagem. Se a compreensão a fazer sentido e sair do
da validade da norma como esconderijo proveniente da
pretensão de justiça para o desconexão discursiva que
caso concreto se dá pela emana do linguajar técnico-
compreensão do significado jurídico, pretensamente cien-
de uma ação, as tífico.
fundamentações judiciais A linguagem
passam a exigir a prática não é isolante; ao
demonstração disso. Tal contrário, propõe a inclusão
demonstração demanda um do outro.
exercício de expressão
jurídica que só é possível pela 2.2. Perspectivas político-
fórmula linguística de criminais.
compartilhamento de quadros
de mundo, sem o que, a No plano político
comunicação simplesmente criminal o ganho é evidente.
não se estabelece e a
Revista Duc In Altum Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai.-ago. 2015. | 155

Se as perspectivas capaz de uma auto-


funcionalistas lograram sustentação realizada pela
comprovar a falácia do troca com o meio, através de
cientificismo ontológico que inputs e outputs, segundo
amparou as construções padrões de funcionalidade.
clássicas até o finalismo, por Este ponto extre-
outro lado, abriu passo à mo a que chegaram as
normativização de caráter fórmulas normativistas só foi
extremo. possível pela abertura de uma
O alheamento a perspectiva que desequilibrou
condicionamentos ônticos a relação entre norma e ação,
promoveu uma abertura aos desta feita, em favor da
juízos de valor que, pouco a primeira.
pouco, deram passo à Como resultado,
colocação da norma no colheu-se uma proposição
centro do sistema. que traslada o eixo do sistema
De fato, as de imputação do ser humano
construções funcionalistas para a norma em si mesma.
sistêmicas, alinhadas à pro- A perda é clara.
posta de Jakobs, conquanto Não se pode
assumam a idéia central de transigir com perspectivas de
que imputar é algo que sistema de imputação que não
provém de uma decisão e não sejam antropocêntricos.
de uma constatação, chegam Menos ainda com sistemas
a defender que o sistema que convertam pessoas
normativo se auto-justifica. humanas em subsistemas psico-
Ou seja, que o sistema de físicos74.
imputação jurídico penal é A proposta do
autopoiético73, portanto, modelo significativo, nesse
sentido, representa o resgate
73 Veja-se, a respeito, JAKOBS,
Günther. Derecho penal. Parte General.
Fundamentos y teoría de la imputación. 74 JAKOBS, Günther. Sociedade,
2a ed., trad. de Joaquín Cuello norma e pessoa: teoria de um direito penal
Contreras y Jose Luís Serrano funcional. Trad. de Maurício Antonio
González de Murillo, Marcial Pons: Ribeiro Lopes. Barueri, São Paulo:
Madrid, 1997, pp. 44 e ss. Manole, 2003, p. 10.
156 | Revista Duc In Altum - Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai-ago. 2015.

do humano através do geral de justiça, resultam


sentido. equilibradas ação e norma
A linguagem é a mediante sua conjugação e
característica central da ativi- não como superposição de
dade humana e determina a uma sobre a outra como
realidade das coisas. aconteceu sucessivamente
A estruturação de com as perspectivas clássicas
um sistema de imputação (que privilegiaram a ação
sobre a base do significado só sobre a norma) e as
afasta do plano ontológico, perspectivas funcionalistas
sua pretensão de verdade (que privilegiaram a norma
empírica, preservando a sobre a ação).
importância da ação como
expressão do que as pessoas fazem. 2.3.
Do outro lado, a Perspectivas dogmáticas.
base normativa de pretensão Há também,
de validade segundo um como não, evidentes ganhos
critério axiológico de justiça técnicos para o próprio
incorpora a política, a idéia de sistema dogmático.
decisão em contraposição à A dogmática se
descrição, trazendo para a estrutura segundo sua
discussão as razões e verdadeira funcionalidade que
fundamentos. Porém, já não outra não é que a de permitir
como meros argumentos o ajuste de uma norma a uma
lógicos de coerência interna conduta segundo critérios de
vinculados ao conhecimento, validade reconhecidos, cuja
mas sim de argumentos análise bem pode ser
concretos de racionalidade conduzida pela mão do
prática, vinculados ao precursor da aplicação da
reconhecimento. filosofia da linguagem em
Finalmente, ao matéria penal, o Prof. Vives
estruturar-se o sistema de Antón.
imputação
concomitantemente entre os
pilares da ação como sentido
e da norma como pretensão
Revista Duc In Altum Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai.-ago. 2015. | 157

Vives75 clássica que se identifica


estabelece que o ponto de como a possibilidade de
partida da estruturação do agir de modo diverso,
sistema é a relação entre a ancorada no livre arbítrio.
norma e a ação que se Em realidade, Vives77
resume, segundo seu subtrai esta discussão do
ponto de vista no âmbito da culpabilidade e
reconhecimento do que diz que a liberdade é
ele chama de “liberdade de pressuposto da própria
ação”. ação e como tal, não pode
ser afirmada ou negada,
Se a ação é um
mas tão só percebida.
significado, um sentido,
obviamente não está Desta forma, a
regida unicamente por proposta é a reordenação
normas causais. Liberta das categorias do delito
dos grilhões da causalidade segundo uma perspectiva
a ação é livre. Justamente que arranca da relação
por constituir um descrita entre norma e
significado de livre eleição, ação. Ao reconhecer uma
a ação justifica o seu pretensão de validez
controle por normas. Ele genérica da norma, Vives78
propõe então, que a propõe que as distintas
liberdade da ação seja o pretensões que compõem
eixo central da esta pretensão de validez
organização do sistema representem as categorias
penal76. do delito.
Esta mudança
de perspectiva tem efeitos 2.3.1. A pretensão de
diretos na desconstituição relevância: o tipo de
do perfil de culpabilidade

75Veja-se VIVES ANTÓN, Tomás 77 FLETCHER, George Patrick.


Salvador. Fundamentos...cit., p. 313. Conceptos básicos...cit., p. 313.
76 FLETCHER, George Patrick. 78 VIVES ANTÓN, Tomás
Conceptos básicos...cit., p. 334. Salvador. Fundamentos...cit., p. 483.
158 | Revista Duc In Altum - Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai-ago. 2015.

ação e a antijuridicidade ou perigo ao bem jurídico,


material. o equivalente ao conceito
clássico de antijuridicidade
Como cate-
material80.
goria central do sistema de
imputação, ponto de Os elementos
partida da análise do do tipo de ação são
delito, aparece não já a configurados
ação típica, senão o tipo normativamente e não
de ação, identificado como ontologicamente. É que se
uma realização de algo que o tipo de ação é o
interessa ao direito penal79. reconhecimento de um
Deste modo, o tipo de significado, é certo que sua
ação corresponde a uma configuração somente
pretensão de relevância. pode ser normativa.
Assim, a identificação de
O conteúdo
cada um dos elementos
do tipo de ação se resume
componentes do tipo
a uma pretensão concei-
consiste precisamente na
tual de relevância, e uma
valoração das circuns-
pretensão de ofensividade.
tâncias dentro das quais
A primeira eles podem ou não ser
equivale à adequada reconhecidos.
compreensão lingüística da
O problema
definição típica pela lei
da ação ou omissão torna-
(tipicidade formal) e sua
se então meramente
conseqüente limitação
aparente, na medida em
pelo princípio de
que se trata de identificar,
legalidade em todas as suas
circunstancialmente a
vertentes.
existência de ação ou
A pretensão omissão tipicamente rele-
de ofensividade corres- vante.
ponde ao caráter de dano

79 VIVES ANTÓN, Tomás 80 VIVES ANTÓN, Tomás


Salvador. Fundamentos...cit., p. 484. Salvador. Fundamentos...cit., p. 484.
Revista Duc In Altum Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai.-ago. 2015. | 159

Assim tam- vidade, que incorpora


bém a relação de causa- definitivamente a questão
lidade, pois a identificação do bem jurídico à teoria
do sentido de causa só é do delito, internalizando
possível a partir de ao sistema o princípio de
práticas, interpretações e intervenção mínima, de
novas práticas81. modo que, ainda que uma
conduta contemple com-
A aferição dos
pletamente o significado
elementos subjetivos
dos elementos da preten-
especiais do tipo de ação
são conceitual de
não responde ao questio-
relevância, ela só será
namento a respeito dos
criminosa se presente um
processos psicológicos por
ataque grave a um bem
que passa o agente, mas
jurídico importante para o
sim à observação de suas
desenvolvimento social da
manifestações exter-nas,
vítima.
que não compõem o tipo
desde um ponto de vista As vantagens
conceitual, mas sim dogmáticas desta propo-
substantivo. sição são várias.
Não aparece Em primeiro
no tipo de ação a intenção, lugar, a etapa inicial de
já que se reconhece que as valoração, qual seja, a
condutas podem ser verificação de se a conduta
realizadas estando ou não sob análise é uma das que
presente a intenção82. resultam relevantes para o
Direito penal se faz por
A pretensão
um processo de valoração
de relevância se completa
que contrapõe o fato ao
pela pretensão de ofensi-
tipo tal como ele é.
O tipo é um
81 Veja-se VIVES ANTÓN, Tomás
Salvador. Fundamentos...cit., pp. 283 e
conceito, nada mais. Seus
ss. elementos são aspectos
82 VIVES ANTÓN, Tomás que devem estar presentes
Salvador. Fundamentos...cit., p. 252.
160 | Revista Duc In Altum - Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai-ago. 2015.

na conduta analisada reconhecer-se na conduta


dentro de um quadro de A, a produção do
binário de sim e não, à luz resultado morte de B, já é
de uma correspondência possível antever a
conceitual. relevância de tal conduta
em termos jurídico-penais,
A estruturação
antes mesmo de valorar se
é muito mais lógica do que
tal conduta foi produzida
aquela que exige que se
orientada por consciência
identifique dados para
e vontade ou por uma
além do próprio conceito,
simples má escolha de
inferidos, pressupostos e,
meios pelos quais agir.
pior ainda, inacessíveis.
É bastante
Afinal, se o
óbvia a evidência de que a
dolo consiste em
análise normativa de
consciência e vontade,
circunstâncias do caso
nenhum dos conceitos
para atribuir um móvel
típicos contempla tais
subjetivo pertence a um
expressões. Do mesmo
momento analítico poste-
modo, não se define
especificamente – até por rior à mera identificação
da relevância da conduta.
impossibilidade lógica – as
circunstâncias de eventual Além de
violação de dever de aproximar-se mais da
cuidado. realidade do processo de
formulação da imputação
Portanto,
na prática judicante, esta
supera-se a ficção que
opção contempla a
consiste na pretensão de
vantagem de aliviar a
que seja possível aferir
categoria da tipicidade de
dolo e imprudência a
sua evidente sobrecarga.
partir da simples
verificação da correspon- Finalmente,
dência do fato à previsão deve-se observar que com
legal. Não é difícil concluir a introdução da antijuri-
que, por exemplo, que ao dicidade material no plano
Revista Duc In Altum Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai.-ago. 2015. | 161

da pretensão de ofensi- do ordenamento jurídico


vidade, incorpora-se defi- que seja traduzível por um
nitivamente o resultado no compromisso para com a
tipo de ação, afastando os produção do resultado.
problemas que o finalismo A pretensão
trouxe na questão do de ilicitude se desdobra na
desvalor do ilícito tentado. intenção regente já não do
tipo de ação, mas da
existência ou não de um
2.3.2. A pretensão de
compromisso com a
ilicitude: elementos
violação de um bem
subjetivos do injusto e
jurídico, que corresponde
justificação.
ao tipo subjetivo – assim
A segunda entendido o dolo e a
pretensão específica a imprudência – e, de outro
compor a pretensão lado, a consideração a
genérica de validade na respeito da exclusão da
norma é a pretensão de ilicitude pela presença de
ilicitude, que corresponde permissividades do
a antijuridicidade formal sistema, que podem ser
acrescida dos aspectos permissões fortes (causas de
subjetivos do injusto. justificação) ou permissões
Neste ponto, fracas (escusas ou causas de
de um lado propõe Vives83 exclusão de
que se faça a identificação responsabilidade pelo
da intenção de violação da fato)84.
norma, de realização de Os elementos
uma ação ofensiva de um subjetivos referidos por
bem jurídico não Vives compõem uma
suportável pelas exigências “intenção subjetiva” que
não define a ação, mas sim
83 Amplamente em VIVES permite ou não a
ANTÓN, Tomás S. “Reexame do
Dolo”, in Dolo e Direito penal. 2a ed.,
trad. de Paulo César Busato, São 84 VIVES ANTÓN, Tomás
Paulo: Atlas, 2014, pp. 85 e ss. Salvador. Fundamentos...cit., p. 485.
162 | Revista Duc In Altum - Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai-ago. 2015.

persecução da conduta afastar a ilicitude com uma


realizada pelo sujeito. O permissão forte ou fraca.
que se verifica aqui é a As permissões
intenção a que alude o fortes – consistentes nas
sentido da ação, vale dizer, tradicionalmente denomi-
se a ação realizada nadas causas legais de
manifesta o compromisso justificação – consistem
de atuar por parte do em aprovações jurídicas da
autor, caso em que haverá
conduta, capazes de
dolo, ou se há uma dupla afastar responsabilidade de
ausência de compromisso: autor e partícipe e devem
com o resultado típico e ser analisadas sistemati-
com possibilidade de camente afastando a
evitá-lo, caso em que está ilicitude por razões gerais e
presente a falta de dever em todos os casos.
de cuidado que caracteriza
a imprudência, isso sim, Por seu turno,
analisada aqui desde um as permissões fracas
ponto de vista eminen- congregam de um lado as
temente subjetivo, já que a tradicionalmente
análise de violação do denominadas causas legais
dever objetivo já figura na de exculpação e por outro
pretensão de relevância. as causas supra-legais de
exculpação ou justificação,
No que tange congregando um ponto
à antijuridicidade formal, aberto do sistema, que
Vives85 propõe a realização permita integração analó-
de uma dupla verificação: gica para fins de exclusão
da presença de causas de da pretensão de ilicitude.
justificação e de exclu- Outrossim, trata-se de
dentes de responsa- uma exclusão tópica,
bilidade, por entender que porque deve ser analisada
o mesmo fundamento caso a caso, afastando a
conduz o legislador a responsabilidade penal,
porém preservando
85 VIVES ANTÓN, Tomás
Salvador. Fundamentos...cit., p. 485. eventual responsabilidade
Revista Duc In Altum Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai.-ago. 2015. | 163

extra-penal e excluindo a pretensão de ilicitude, por


responsabilidade do autor, ser igualmente uma
mas preservando a de prospecção negativa
eventuais partícipes. permite a exclusão de tal
pretensão por razões
O maior
objetivas – presença dos
ganho com esta
elementos objetivos de
perspectiva de situar o
uma permissão – ou
dolo e a imprudência na
subjetivas – ausência de
pretensão de ilicitude é a
contribuição subjetiva para
evitação da bipartição das
a prática do ilícito –.
considerações subjetivas
acerca do injusto. Também há
um ganho na antecipação
Se a análise
da discussão das causas
valorativa do dolo é
legais de exculpação,
concomitante à confor-
consistente precisamente
mação da ilicitude por
na possibilidade de
exclusão de uma permis-
afastamento de conse-
são, acaba a necessidade
quências jurídico-penais ao
de nominar um elemento
subjetivo específico para inimputável em situação
de inexigibilidade de
as causas de justificação,
conduta diversa.
como pretendia a vertente
finalista e ficam resolvidos 2.3.3. A pretensão de
a priori as questões reprovação: o juízo de
relativas às situações culpabilidade.
objetivas de exclusão da
Ademais das
pretensão de ilicitude pretensões de relevância e
como é o caso do disparo de ilicitude que se referem
que acidentalmente evidentemente à ação,
provoca a contenção de aparece a pretensão de
uma agressão não reprovação, que se dirige
percebida que sofreria o ao sujeito e se traduz em
agente. Isto porque, a
concomitante análise
objetiva e subjetiva da
164 | Revista Duc In Altum - Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai-ago. 2015.

um juízo de consciência da ilicitude de


culpabilidade86. sua ação, que cuida em
concreto da análise das
Em
hipóteses de erro de
conformidade com o
proibição. Aqui a análise
postulado central da
se reduz a se o sujeito
construção de Vives, qual
possui capacidade de
seja, o da liberdade de
reprovação (imputabili-
ação, se reprova juridica-
dade) e consciência da
mente ao autor uma a
ilicitude de sua ação.
realização de um ato
ilícito, em situação em que As
lhe era exigível que se considerações específicas a
comportasse de acordo respeito da inexigibilidade
com o direito, porém, não de conduta diversa passam
aqui no sentido do livre para a pretensão de
arbítrio, senão no sentido ilicitude, sob a forma de
de que a ação é permissões fracas.
fundamentalmente a Isto permite
expressão de um atuar importantes ganhos
incondicionado pelo meio, dogmáticos, que não se
pois do contrário, não restringe à já mencionada
transmite este sentido, evitação de aplicação de
senão o mero sentido de medida de segurança ao
um acontecimento. inimputável em situação
Esta pretensão de inexigibilidade de
de reprovação se apóia em conduta diversa.
duas condições: a O ganho mais
imputabilidade, consis- importante aqui é de
tente na verificação de se o ordem lógica e
sujeito possui a capacidade principiológica. Se a
de ser reprovado e a culpabilidade é um juízo
de reprovação pessoal87,
86Veja-se VIVES ANTÓN, Tomás
Salvador. Fundamentos...cit., pp. 486- 87Veja-se, a respeito da reprovação
487. pessoal da culpabilidade, BUSATO,
Revista Duc In Altum Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai.-ago. 2015. | 165

não pode contemplar uma pergunta pessoal, de


juízos de valor voltados aferição individual.
não às condições do Ao lado desta
sujeito, mas de um modelo. capacidade geral de
É fácil compreensão, situa-se a
verificar a diferença lógica pergunta sobre a potencial
entre as duas sub-catego- consciência da ilicitude,
rias remanescentes na que individualiza os dados
pretensão de reprovação ainda mais, buscando
em face da lógica da saber a respeito das
inexigibilidade de conduta condições sociais, políti-
diversa, atendendo às cas, históricas, culturais e
perguntas que se impõem educacionais do agente,
para suas aferições. visando identificar se nas
circunstâncias dadas
A pergunta a
concretas, era possível a
respeito da imputabilidade
ele saber que praticava um
visa saber se, no momento
ilícito.
do fato, o seu autor era
capaz de entender o Novamente,
caráter ilícito do fato ou trata-se de uma pergunta
determinar-se, pessoal, sobre condições
genericamente, de acordo eminentemente
com tal compreensão. individuais.
Trata-se, A pergunta
obviamente, de uma sobre a inexigibilidade da
pergunta sobre o autor, conduta diversa é
exatamente o oposto
disso: o que se quer saber
Paulo César. Introdução a um Direito é se na situação de fato,
penal democrático. 4a ed., São Paulo: qualquer pessoa no lugar
Atlas, 2013, pp. 181 e ss. Sobre a do agente faria o que ele
fórmula de estruturação da
culpabilidade como pretensão de
fez.
reprovação, veja-se BUSATO, Perceba-se
Paulo César. Direito penal. Parte
Geral. 2a ed....cit., pp. 521 e ss.
que a pergunta aqui não é
166 | Revista Duc In Altum - Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai-ago. 2015.

sobre o agente, mas sobre de necessidade de pena88,


um modelo que é que deve fazer parte da
representado por qualquer pretensão de validez
pessoa. Aliás, se quer saber normativa, que pode
algo a respeito de qualquer eventualmente ser
pessoa menos o autor! O comparada com o que
único padrão desprezado é alguns autores classificam
o dado concreto. Ou seja, de punibilidade, porém,
só não se quer saber do com conteúdo diverso.
autor! Não se trata
Portanto, da punibilidade em si, mas
trata-se de uma pergunta de uma pretensão de
sobre o fato: se naquela punibilidade. Ora, se o
situação específica dos Direito penal produz pena,
fatos, qualquer pessoa se uma ação penal
agiria como o réu agiu. somente tem por objetivo
a aplicação de pena, onde
Se é uma
esta não se aplicará, resulta
pergunta sobre o fato, o
completamente
seu lugar lógico é
exatamente no plano da desnecessário afirmar que
o fato que se apura no
ilicitude, que é fática e
processo penal é crime.
genérica e não da
reprovação, que é pessoal Aqui já não se
e individual. trata tão só da análise da
presença ou ausência de
condições objetivas de
2.3.4. A pretensão de punibilidade ou de causas
necessidade de pena: pessoais de exclusão da
punibilidade pena, senão que se
Além dos inserem também as causas
demais requisitos do pessoais de anulação ou
delito, há uma pretensão afastamento da pena ao

88 VIVES ANTÓN, Tomás


Salvador. Fundamentos...cit., p. 487
Revista Duc In Altum Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai.-ago. 2015. | 167

caso concreto, quer antes ocorrido foi um


derivadas ou não da lei. crime. A afirmação do
crime procede somente da
Trata-se, em
sentença e é um
verdade, de levar a
qualificativo derivado dela
extremo a aplicabilidade
que se acrescenta ao fato.
do princípio de
proporcionalidade, que Sendo assim,
claro, desempenha função não há crime sem sentença
de marco abstrato nas condenatória.
demais pretensões de Por isso, a
validade e aqui se consagra exclusão da pretensão de
concretamente. punibilidade afasta
Esse é o completamente o crime e
principal ganho. Se atrai não só a pena.
definitivamente – em Há também
conexão com o um ganho linguístico-
funcionalismo teleológico
comunicativo de caráter
– a teoria da pena para prático, pois se há algo
dentro da teoria do delito. que não faz o menor
Com efeito, sentido para a coletividade
não há o menor sentido em geral é que se afirme a
em afirmar a existência de existência de um crime
um crime onde não se para, em seguida, afirmar-
pretende aplicar pena. se que não se lhe vai
aplicar nenhuma pena em
Bem visto, o
função da presença de
processo não é a apuração
uma causa extintiva. Isto
de um crime, mas a
gera uma inafastável
apuração de um fato. Isto
impressão coletiva
é assim em função do
discursiva de impunidade.
princípio de não
culpabilidade. Apura-se, A prospecção
enfim, o fato, visando a negativa aqui proposta –
confirmação, pela restrita às hipóteses que
sentença, de que o fato precedem a sentença,
168 | Revista Duc In Altum - Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai-ago. 2015.

portanto, incluindo a antropocêntrico89 que se


prescrição da pretensão havia perdido em alguns
punitiva, mas não a modelos recentes de
executória – se dá visando normativização exacerbada.
a verificação da eventual Produz, ainda, a
existência de situação que aproximação com a realidade
exclua a necessidade de sociológica cotidiana,
pena. correspondendo melhor à
identificação criminológica do
Com isso, a
fenômeno delitivo.
afirmação será a de que
Político-
sobreveio uma situação
criminalmente, representa o
que impediu afirmar que o
resgate do pilar
fato que vinha sendo
antropocêntrico perdido pelo
apurado pelo processo
excessivo normativismo, e a
fosse reconhecido como
aproximação a uma razão
criminoso. Desta forma,
prática.
perde sentido pensar em
Finalmente, a
impunidade.
estrutura dogmática
decorrente desta perspectiva
3. A modo de conclusão. assume bons resultados
derivados de algumas
Como foi construções normativistas
possível notar, a proposição como a aproximação para
da ancoragem estrutural com as teorias do bem
sobre a filosofia da linguagem jurídico e as teorias sobre os
oferece para a teoria do delito fundamentos da pena e ajusta
uma concepção melhor a disposição das
genuinamente democrática, na categorias do delito, com um
medida em que preserva os
interesses de todos e, ao 89No mesmo sentido a observação
mesmo tempo, humanista, pois de Martínez-Buján Pérez, para
resgata o eixo de construção quem “tal concepção situa o ser
para um modelo humano no centro do sistema”. In
MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ,
Carlos. Derecho penal económico y de la
empresa...cit., p. 36.
Revista Duc In Altum Cadernos de Direito, vol. 7, nº12, mai.-ago. 2015. | 169

evidente ganho de lógica Centro de Estudios Penales de la


interna. Universidad de Antioquia, 1999.
O presente BUSATO, Paulo César. Derecho
trabalho apresenta tão penal y acción significativa. Valencia:
somente um esboço do Tirant lo Blanch, 2007.
potencial enorme de BUSATO, Paulo César. Direito
possibilidades escondidas nas penal. Parte Geral. 2a ed. São Paulo:
Atlas, 2015.
dobras do modelo de
estruturação jurídico-penal BUSATO, Paulo César. Introdução a
derivado da filosofia da um Direito penal democrático. 4a ed.,
São Paulo: Atlas, 2013.
linguagem. É uma mera
incitação a que novos estudos BUSTOS, Eduardo. Filosofía
críticos ou alinhados possam Contemporánea del Lenguaje I
(Semántica filosófica). 1ª reimp.,
realizar a sintonia fina que, no Madrid: UNED, 1994.
estreito espaço destas linhas
COBO del ROSAL, Manuel e
não foi possível tratar. VIVES ANTÓN, Tomás Salvador.
Derecho Penal. 5ª edição, Tirant lo
Blanch: Valencia, 1999.
REFERÊNCIAS CUERDA ARNAU. “Limites
BIBLIOGRÁFICAS constitucionales de la comisión por
omisión”, in [Carbonell Mateu,
UTILIZADAS:
Juan Carlos - González Cussac,
José Luis y otros directores y
Cuerda Arnau, María Luisa –
ALCÁCER GUIRAO, “Cómo
coordinadora], Constitución, derechos
cometer delitos con el silencio.
fundamentales y sistema penal.
Notas para un análisis del lenguaje
Semblanzas y estudios con motivo del
de la responsabilidad” in Estudios
setenta aniversario del profesor Tomás
penales en recuerdo del Profesor Ruiz
Antón. [Emilio Octavio de Toledo y Salvador Vives Antón, Valencia:
Ubieto, Manuel Guardiel Sierra e Tirant lo Blanch, 2009.
Emilio Cortés Bechiarelli – Coord.], FLETCHER, George Patrick. Basic
Valencia: Tirant lo Blanch, 2004. Concepts In Criminal Law. New York:
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