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A Senhora Dos Dragões
A Senhora Dos Dragões
-
Inverno
por
Liliana Novais
ainda, fora do alcance dos dragões que tinham crias, os quais não se podiam
afastar muito delas. Os mais fracos, que haviam ficado para trás, já tinham sido
caçados pelos habitantes famintos das montanhas Farlam e da floresta de
Holvar.
As montanhas eram o ponto mais a norte de Ahelanae, e eram a zona
que mais sofria no Inverno. Estas estendiam-se por centenas de quilómetros. A
sua extensão variava com a espécie de que se falava. De acordo com os elfos,
seriam oitocentos, mas segundo os dragões, seriam mil e duzentos quilómetros,
nunca chegaram a um consenso. A floresta de Holvar crescia na base das
montanhas envolvendo-as, as árvores de folhas perenes criavam um manto
verde e branco no Inverno. Era aí que habitavam as ninfas e as fadas.
Ela havia tomado uma decisão, iria arriscar tudo e voar até mais longe do
que seria imaginável, iria até aos limites da floresta e das montanhas. Se fosse
necessário, iria procurar alimentos fora do seu mundo mágico, para o mundo
exterior. Sabia que tal era um enorme risco, mas tinha que o correr. Pelo
menos tentaria, e caso fosse bem-sucedida e caçasse uma presa de grande
porte ganhava mais algum tempo, possivelmente o necessário até os animais
voltarem às montanhas com o início da Primavera que não tardaria a chegar, se
a tríade quisesse.
Ela estava tão perdida nos seus pensamentos que nem reparou que o dia
tinha nascido sem uma única nuvem no céu, anunciando o final do Inverno e o
regresso dos dias quentes e com eles das manadas. Mas, o desespero que
sentia era tanto que nem prestou atenção à pequena alteração que estava a
ocorrer. Tinha de voar o mais depressa que conseguisse para chegar à Porta
Branca o mais cedo possível, para passar para o mundo exterior.
Enquanto voava, Aluminir relembrava as palavras bruscas que o seu
companheiro trocara com ela.
«Aluminir, não sei o que mais eu posso fazer para te alegrar. – Começou
ele irado.
«Não entendo, Seneth. Eu não te estou a pedir nada. – Disse ela confusa,
não percebendo o sentido que aquela conversa tomaria.
«Eu sei que não estás, mas eu como pai tenho de prover para a minha
família. Eu tenho de trazer o sustento e tenho falhado. – Ele encontrava-se
desolado por não conseguir encontrar alimento.
«A culpa não é tua, mas sim deste maldito Inverno que não acaba. Temos
de ter paciência, tudo vai melhorar. – Ela tentou acalmá-lo, desejando no fundo
do seu ser ter razão, e que em breve tudo melhoraria.
«Dizes isso para me alegrares, mas nada me prova que tens razão. Os
animais já deveriam ter voltado nesta época do ano. E eu não consigo ir mais
longe para os procurar e regressar a tempo de alimentar as nossas crias. –
Exaltou-se ele, Aluminir aproximou-se delas que se haviam assustado com o
seu pai.
«Tem calma, Seneth. Estamos aqui os dois, havemos de conseguir
superar tudo, como é hábito.
Ela voava por cima dos picos altos da cordilheira, brancos pela neve que
caíra, sendo que nos mais altos esta nunca derreteria. Nos vales que se
estendiam por toda a cordilheira, os rios estavam gelados, muitas árvores da
floresta estavam envolvidas pela neve. Esta parecia um lugar desolado e sem
vida. Voou durante muito tempo, sempre pensando como poderia convencer os
dragões que guardavam o portal a deixá-la atravessá-lo. Sabia que assim que o
transpusesse estaria por sua conta e risco, caso algo corresse mal, ninguém
poderia ajudar, nem mesmo Seneth sabia para onde ela iria. E quando
descobrisse, talvez já fosse tarde demais, pois não poderia abandonar assim as
crias.
A Porta Branca era um portal que unia o mundo mágico ao mundo
exterior, esta era guardada por dois dragões, conhecidos entre os dragões
como Galtinares. Existiam várias portas, as quais eram guardadas por
diferentes espécies de criaturas que viviam naquele mundo.
Avistou, ao longe, a montanha mais alta da cordilheira. Finalmente
chegara, ela sabia que o portal estava nesta montanha que apenas podia ser
alcançada por ar. Dirigiu-se para esta sem mais demoras pois o tempo
escasseava, aterrou perto da entrada e dirigiu-se para o seu interior.
rubi deitado, e por trás dele, estava a porta para o mundo exterior, idêntica à
porta anterior mas sem o texto escrito. As paredes estavam incrustadas de
pedras preciosas que brilhavam com a luz do Sol que entrava por uma pequena
abertura no topo da caverna.
Estavam sempre lá dois dragões a guardarem a porta. Ficavam naquele
lugar durante uma média de 600 anos e depois mudavam. Estavam sempre lá
de forma a evitar que entrasse algo, ou mesmo que algo saísse. Alguns dragões
eram destacados como caçadores para lhes levarem comida.
- Aluminir! - Este era o seu nome. - Não sabia que tinham mudado os
caçadores, o Uhturu nada nos disse da última vez que cá veio trazer-nos
comida há umas semanas atrás. Aconteceu-lhes algo? Vens trazer-nos comida?
É que estamos esfomeados, já não comemos nada de jeito há algum tempo e
não podemos hibernar enquanto estamos aqui. – Perguntou Hubimel, um
dragão rubi, que apresentava uma coloração vermelha escura. Tinha as garras
afiadas e era maior que Aluminir. Tinha espigões desde a cabeça até ao fim das
costas, e a sua cabeça era mais pontiaguda que a da Aluminir.
Antes que ela tivesse tempo de responder ao que Hubimel que
perguntara, um outro dragão, um aqua-marina fêmea, surgiu de dentro do
lago. Esta espécie de dragões não consegue voar, é um dragão aquático, mas
por seu lado, era o melhor nadador de todas as criaturas aquáticas. Sua
coloração era azul, e em vez de asas, tinham uma espécie de barbatana
enorme para impulsionar o seu corpo quando nadava, com uns olhos enormes
para ver nas cavernas escuras subaquáticas. Era longo e esguio, de forma a
poder estreitos rios e também, para serem velozes.
- O que foi Hubimel? Quem é que é esta?
- Sim, Haquarina, deixa-me apresentar uma antiga amiga dos meus
tempos de infância, esta é a Aluminir.
- Prazer. Vieste trazer-nos comida? – Inquiriu-a, olhando diretamente,
afastando a pupila que protegia os seus olhos debaixo de água.
- Prazer Galtinar.- Que quer dizer guardião da porta. - Peço-vos desculpa
mas não venho trazer-vos nada.
passava-lhes à frente, sempre que isso acontecia ela voltava para a cauda da
manada, dando uma cambalhota no ar. Era desta vez, com tantas presas, iria
de certeza conseguir caçar algo para levar para casa assim que chegassem à
clareira. Estavam quase lá e ela preparou-se para o golpe final. Assim que
chegaram à clareira, ela esticou as suas patas ergueu as asas um pouco, como
que se estivesse a aterrar, e investiu sobre uma das corsas que tinha escolhido,
fazendo com que as suas garras se cravassem nela e a matassem
instantaneamente. A que ela tinha escolhido era grande o suficiente para
alimentar as suas crias e assim salvá-las. Quando aterrou as suas patas
dianteiras despedaçaram a jugular do animal e o seu pescoço com o impacto. O
resto da manada partira, o que não lhe interessava uma vez que ela já tinha o
que pretendia daquele lugar. Ela ergueu-se orgulhosa do seu feito, já tinha
como alimentar as suas adoradas crias. Agora apenas teria de esperar que o
animal sangrasse completamente antes de o levar.
Em Ahelanae, não tinha essa preocupação, mas ali era essencial, pois se
uma gota de sangue caísse em cima de um ser humano, que por acaso
passasse. Ela poderia ser descoberta no seu caminho para a Porta Branca, e
tudo estaria perdido.
Continuava faminta, mas não se iria alimentar daquela carcaça, esta era
para as suas crias. Então decidiu lamber o sangue do pescoço da corça morta,
não era muito mas chegava para aplacar um pouco a fome que sentia.
Enquanto comia sentiu um odor de putrefação, este não vinha da presa
que acabara de chacinar. Era sim de uma morte antiga, com algumas horas,
pelo menos. Procurou a origem do cheiro, tinha de se apressar, uma vez que
este era demasiado apelativo para abutres e os outros animais necrófagos, e
ela não gostava particularmente de se encontrar com eles. Avançou em direção
ao cheiro proveniente da floresta, segui-o até encontrar o corpo de uma mulher
estendida, esta havia sido trespassada por uma flecha, estava abraçada a um
embrulho como se o estivesse a proteger. Gentil e respeitosamente, afastou o
corpo da mulher com o nariz. Soprou de modo a conseguir abrir o cobertor e
para seu espanto encontrava-se um bebé no seu interior. Estaria vivo ou
morto?
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