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A Senhora dos Dragões

-
Inverno

por

Liliana Novais

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A Senhora dos Dragões – Inverno Liliana Novais 1

Ela passou uma noite agitada, tendo acordado cansada e faminta.


Haviam passado semanas desde a última vez que conseguira caçar uma presa
de grande porte. Apenas encontrava pequenas presas, as quais eram
imediatamente dadas às suas três adoradas crias. Ela olhou para estas com
preocupação, quer ela, quer o seu companheiro Seneth conseguiriam
sobreviver mais algum tempo sem comer, mas elas não, ainda eram muito
pequenas e frágeis para isso. Tinham de caçar algo em breve, senão iriam
morrer à fome, e ela não podia permitir isso. Na manhã anterior, Seneth partira
em caçada e quando regressara não trouxera nada. Hoje seria a sua vez, iria
tentar caçar enquanto ele ficava a descansar e a tomar conta dos seus
rebentos.
Imzahr era o mais velho, nesse Verão fazia duzentos anos e em breve
aventurar-se-ia pela primeira vez no mundo exterior abandonando o ninho. Ele
partilhava-o com mais duas crias. O que era muito raro uma vez que os
dragões reproduziam-se muito lentamente. As duas crias eram fêmeas, gémeas
de cinquenta anos chamadas Alnith e Zahin. Elas necessitavam de muitos
cuidados devido à sua tenra idade.
Aluminir levantou-se lentamente e dirigiu-se para a entrada da gruta
onde habitavam. A luz do Sol ofuscou-a momentaneamente. As suas escamas
eram brancas e prateadas, e brilhando ao Sol, não se conseguia distinguir um
padrão definido, mas tal como as manchas de uma zebra, as suas escamas
eram únicas para cada dragão, como a nossa impressão digital é pessoal e
única no mundo inteiro. Seus olhos eram verde-esmeralda e seu olhar era
profundo e conhecedor. Ela tinha seis membros, duas asas e quatro patas, as
quais terminavam em garras afiadíssimas. A sua cabeça era triangular,
apresentando dois espigões na cabeça. Seu dorso era liso, ao contrário de
muitas espécies que apresentam uns espigões a partir do seu pescoço até à sua
cauda. Quando os seus olhos se habituaram à luz, esticou as suas asas e voou
para os céus.
Aquele Inverno estava a ser muito rigoroso para todos os habitantes
daquelas paragens. Todos os animais haviam migrado para bem longe, para sul
em direção ao calor. Mas nesse ano parecia que tinham ido para mais longe

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ainda, fora do alcance dos dragões que tinham crias, os quais não se podiam
afastar muito delas. Os mais fracos, que haviam ficado para trás, já tinham sido
caçados pelos habitantes famintos das montanhas Farlam e da floresta de
Holvar.
As montanhas eram o ponto mais a norte de Ahelanae, e eram a zona
que mais sofria no Inverno. Estas estendiam-se por centenas de quilómetros. A
sua extensão variava com a espécie de que se falava. De acordo com os elfos,
seriam oitocentos, mas segundo os dragões, seriam mil e duzentos quilómetros,
nunca chegaram a um consenso. A floresta de Holvar crescia na base das
montanhas envolvendo-as, as árvores de folhas perenes criavam um manto
verde e branco no Inverno. Era aí que habitavam as ninfas e as fadas.
Ela havia tomado uma decisão, iria arriscar tudo e voar até mais longe do
que seria imaginável, iria até aos limites da floresta e das montanhas. Se fosse
necessário, iria procurar alimentos fora do seu mundo mágico, para o mundo
exterior. Sabia que tal era um enorme risco, mas tinha que o correr. Pelo
menos tentaria, e caso fosse bem-sucedida e caçasse uma presa de grande
porte ganhava mais algum tempo, possivelmente o necessário até os animais
voltarem às montanhas com o início da Primavera que não tardaria a chegar, se
a tríade quisesse.
Ela estava tão perdida nos seus pensamentos que nem reparou que o dia
tinha nascido sem uma única nuvem no céu, anunciando o final do Inverno e o
regresso dos dias quentes e com eles das manadas. Mas, o desespero que
sentia era tanto que nem prestou atenção à pequena alteração que estava a
ocorrer. Tinha de voar o mais depressa que conseguisse para chegar à Porta
Branca o mais cedo possível, para passar para o mundo exterior.
Enquanto voava, Aluminir relembrava as palavras bruscas que o seu
companheiro trocara com ela.
«Aluminir, não sei o que mais eu posso fazer para te alegrar. – Começou
ele irado.
«Não entendo, Seneth. Eu não te estou a pedir nada. – Disse ela confusa,
não percebendo o sentido que aquela conversa tomaria.

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«Eu sei que não estás, mas eu como pai tenho de prover para a minha
família. Eu tenho de trazer o sustento e tenho falhado. – Ele encontrava-se
desolado por não conseguir encontrar alimento.
«A culpa não é tua, mas sim deste maldito Inverno que não acaba. Temos
de ter paciência, tudo vai melhorar. – Ela tentou acalmá-lo, desejando no fundo
do seu ser ter razão, e que em breve tudo melhoraria.
«Dizes isso para me alegrares, mas nada me prova que tens razão. Os
animais já deveriam ter voltado nesta época do ano. E eu não consigo ir mais
longe para os procurar e regressar a tempo de alimentar as nossas crias. –
Exaltou-se ele, Aluminir aproximou-se delas que se haviam assustado com o
seu pai.
«Tem calma, Seneth. Estamos aqui os dois, havemos de conseguir
superar tudo, como é hábito.
Ela voava por cima dos picos altos da cordilheira, brancos pela neve que
caíra, sendo que nos mais altos esta nunca derreteria. Nos vales que se
estendiam por toda a cordilheira, os rios estavam gelados, muitas árvores da
floresta estavam envolvidas pela neve. Esta parecia um lugar desolado e sem
vida. Voou durante muito tempo, sempre pensando como poderia convencer os
dragões que guardavam o portal a deixá-la atravessá-lo. Sabia que assim que o
transpusesse estaria por sua conta e risco, caso algo corresse mal, ninguém
poderia ajudar, nem mesmo Seneth sabia para onde ela iria. E quando
descobrisse, talvez já fosse tarde demais, pois não poderia abandonar assim as
crias.
A Porta Branca era um portal que unia o mundo mágico ao mundo
exterior, esta era guardada por dois dragões, conhecidos entre os dragões
como Galtinares. Existiam várias portas, as quais eram guardadas por
diferentes espécies de criaturas que viviam naquele mundo.
Avistou, ao longe, a montanha mais alta da cordilheira. Finalmente
chegara, ela sabia que o portal estava nesta montanha que apenas podia ser
alcançada por ar. Dirigiu-se para esta sem mais demoras pois o tempo
escasseava, aterrou perto da entrada e dirigiu-se para o seu interior.

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A entrada da caverna era colossal, pois tinha de permitir a entrada a


todas as espécies de dragões, desde as espécies mais pequenas até as maiores.
Avançou na escuridão que estava no interior, mas tal não era um problema
porque os dragões vêm muito bem na escuridão. Logo, mesmo estando escuro,
ela podia ver bem por onde andava. A entrada era em tudo semelhante às
entradas das grutas onde nidificavam. Era desprovida de qualquer adorno ou
escrita, tornando-a assim numa vulgar entrada de uma gruta. Avançou por um
longo corredor, ligeiramente inclinado para a frente, que penetrava cada vez
mais no interior da montanha e cada vez mais fundo. Após andar bastante,
finalmente chegou à câmara massiva. Parecia que o interior da enorme
montanha era oca pois facilmente se podia voar no seu interior. As paredes
eram lisas, e estalactites e estalagmites cresciam umas contra as outras até
formares colunas enormes que sustentavam toda a caverna. Algumas estavam
partidas, talvez por algum dragão que fosse mais desastrado e tivesse colidido
com elas, ou mesmo por algum cataclismo natural. Uma enorme cascata de um
rio subterrâneo erguia-se à direita, enchendo o ar de nevoeiro e formando uma
grande piscina no centro. Do outro lado desta câmara, uma porta maciça
erguia-se em torno destas, onde se encontravam desenhadas as 14 espécies de
dragões existentes, estando estes representados a prestarem vassalagem aos
três dragões titânio que, segundo a lenda tinham criado aquele mundo. Uma
inscrição escrita na antiga linguagem dos dragões, a qual apenas por eles era
conhecida, encontrava-se em torno deles e estava escrito o seguinte:
Ilanir, Elazir e Xadrantil criaram Ahelanae para proteger todos os
necessitados. Se és amigo avança, se és inimigo treme.
Ela avança em direção à porta e fala na língua secreta dos dragões.
- Em nome de Iludir, Elazir e Xandratil criadores de Ahelanae, declaro que
sou amiga e peço cedência de passagem. – Assim que acabou de proferir estas
palavras, os grandes portões abriram-se para ela passar. À sua frente estendia-
se um longo corredor.
Quando chegou ao fim deste estava noutra sala tão, ou mais, colossal
como anterior, onde o rio começava num largo lago. Era por este rio que os
dragões aquáticos entravam na caverna. Ao fundo desta, estava um dragão

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rubi deitado, e por trás dele, estava a porta para o mundo exterior, idêntica à
porta anterior mas sem o texto escrito. As paredes estavam incrustadas de
pedras preciosas que brilhavam com a luz do Sol que entrava por uma pequena
abertura no topo da caverna.
Estavam sempre lá dois dragões a guardarem a porta. Ficavam naquele
lugar durante uma média de 600 anos e depois mudavam. Estavam sempre lá
de forma a evitar que entrasse algo, ou mesmo que algo saísse. Alguns dragões
eram destacados como caçadores para lhes levarem comida.
- Aluminir! - Este era o seu nome. - Não sabia que tinham mudado os
caçadores, o Uhturu nada nos disse da última vez que cá veio trazer-nos
comida há umas semanas atrás. Aconteceu-lhes algo? Vens trazer-nos comida?
É que estamos esfomeados, já não comemos nada de jeito há algum tempo e
não podemos hibernar enquanto estamos aqui. – Perguntou Hubimel, um
dragão rubi, que apresentava uma coloração vermelha escura. Tinha as garras
afiadas e era maior que Aluminir. Tinha espigões desde a cabeça até ao fim das
costas, e a sua cabeça era mais pontiaguda que a da Aluminir.
Antes que ela tivesse tempo de responder ao que Hubimel que
perguntara, um outro dragão, um aqua-marina fêmea, surgiu de dentro do
lago. Esta espécie de dragões não consegue voar, é um dragão aquático, mas
por seu lado, era o melhor nadador de todas as criaturas aquáticas. Sua
coloração era azul, e em vez de asas, tinham uma espécie de barbatana
enorme para impulsionar o seu corpo quando nadava, com uns olhos enormes
para ver nas cavernas escuras subaquáticas. Era longo e esguio, de forma a
poder estreitos rios e também, para serem velozes.
- O que foi Hubimel? Quem é que é esta?
- Sim, Haquarina, deixa-me apresentar uma antiga amiga dos meus
tempos de infância, esta é a Aluminir.
- Prazer. Vieste trazer-nos comida? – Inquiriu-a, olhando diretamente,
afastando a pupila que protegia os seus olhos debaixo de água.
- Prazer Galtinar.- Que quer dizer guardião da porta. - Peço-vos desculpa
mas não venho trazer-vos nada.

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- Então porque vieste até cá? - Perguntou Hubimel. No lago, Haquarina


agitou-se, não estava a gostar do que ouviu, não fazia sentido visitas,
principalmente destas, só os caçadores é que ali iam e mais ninguém, nem
mesmo família.
- Se não nos vieste trazer comida, o que vieste aqui fazer? - Perguntou
Hubimel.
- Vim aqui para vos pedir que me deixem ir até ao mundo exterior.
- E porque é que havíamos de fazer isso? Consegues dar-nos uma razão
plausível? - Resmungou Haquarina.
- Eu vim aqui por desespero. Este é o meu último recurso, já não sei
mais o que fazer. Vocês sabem que este Inverno tem sido muito rigoroso, e
que tem sido muito difícil encontrar caça de grande porte para alimentarmos as
nossas crias…
- Sim sabemos, o Uthuru disse-nos que estava muito complicado lá fora,
e por isso iria demorar algum tempo até nos conseguir trazer comida
novamente. Foi por isso que achamos que nos vinhas trazer comida. Mas,
interrompi-te, continua. – Disse Hubimel.
- Obrigado Hubimel. Tal como estava a dizer, o Inverno está a ser tão
rigoroso que não consigo caçar nada para alimentar as minhas crias, e se não
conseguir caçar nada, depressa elas acabarão por morrer.
- E o que temos a ver com isso? – Perguntou Haquarina - O que pensas
que vais fazer lá fora? Sabes lá se no mundo exterior o Inverno não foi tão
rigoroso como aqui. Estás a atirar-te para o desconhecido quando o que devias
era fazer era esperar.
- Pelo menos, se for lá fora, estou a tentar fazer algo. Não estou parada
a ver as minhas crias a morrerem, não posso ficar parada e deixar isso
acontecer. Pelo menos tento caçar algo.
- Mas isso é muito perigoso, se um humano te vê pode alertar alguém e
podem matar-te e aí, o que vai ser das tuas crias? – Perguntou Hubimel. – Se
te acontece algo lá, estás por tua conta e risco, nenhum de nós te pode ir
ajudar. Não nos podemos arriscar no mundo exterior, temos de permanecer
mortos para eles, de forma a sobrevivermos.

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- Eu sei muito bem disso. Eu terei o máximo de cuidado. Não se


esqueçam que são as minhas crias que dependem disso. Não me posso
descuidar, eu sei, não é só a minha vida que está em risco assim que passar
por aquele portal, sei que arrisco tudo, a minha vida e das minhas crias, que
caso eu seja morta ou capturada elas ficam só com o pai, o que é muito difícil.
Arrisco também a vida de todos os que habitam esta terra, pois se os Slang –
nome que os dragões davam aos humanos que viviam no exterior do mundo
mágico - me virem, tentarão descobrir de onde eu vim e podem encontrar este
lugar, o que seria catastrófico. Mas mesmo assim, a vida das minhas crias está
acima de tudo, e por isso tenho de me arriscar a ir.
- Não é que não entendamos a tua situação, Aluminir. Nós os dois
entendemos perfeitamente. – Disse Haquarina. – Mas tenta também te colocar
na nossa posição se algo correr mal, quem tem de responder em frente ao
conselho somos nós, e somos nós que temos de acartar com a punição que nos
incutirem por te termos deixado passar. Tu já estiveste na nossa posição, e
sabes bem que o que nos exigem não é nada de mais a não ser protegermos a
nossa própria existência. Pelo que uma decisão dessas não deve ser tomada de
ânimo leve. Eu e o Hubimel vamos conversar e já te respondemos.
Após uns minutos de conversa os dois dragões viraram-se para Aluminir.
- Sabendo qual é a tua situação, vamos abrir uma exceção. E aceitamos
qualquer punição que nos seja incutida. Vai e que tenhas uma boa caçada, e
que consigas salvar a tua família.
- Obrigada Galtinar.
As portas massivas começaram a abrir-se lenta e pesarosamente,
rangendo devido à falta de uso. O som ecoava por toda a caverna. Era um som
que gelaria o sangue aos mais fracos, pois parecia-se com o rugir de guerra de
um dragão quando se preparam para esta. Aluminir pensava em como isto
passaria despercebida no mundo exterior.
Aluminir atravessou o portal para mundo exterior e ali estava ela, num
penhasco com o mar à sua frente, onde ela estava era impossível chegar a pé,
ou mesmo montado em algum animal por mais ágil que este fosse. Apenas
voando é que se conseguiria chegar até aquele local.

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Ela voou até ao topo do penhasco. De lá podia ver, olhando para o


horizonte, uma cidade a Sul, apenas um dragão com a sua visão extremamente
apurada é que conseguia ver a essa distância. Cheirou o ar, também estava frio
deste lado, também era Inverno. Mas o frio era menos intenso que em
Ahelanae.
A Porta Branca ligava Ahelanae a este país no exterior da cortina
chamado Indahar. Era improvável que as outras portas ligassem também a este
reino, uma vez que os habitantes de Ahelanae vinham de partes diferentes do
mundo e tinham diferentes capacidades de mobilidade. Por exemplo, nem as
sereias nem os dragões aqua-marina poderiam ter entrado pela Porta Branca.
Preparou-se para voar, esticou as suas longas asas e elevou-se no ar. A
sua visão apurada permitia-lhe ver presas que estivessem no solo com clareza
mesmo que tivesse de voar a altitudes muito elevadas. Ela tinha de se manter
bastante longe do solo para o caso de que se alguém em terra a visse,
pensasse que se tratava de um pássaro e não de um dragão, o que era
bastante difícil, já que ela tinha dez vezes a altura de um cavalo alto. Tinha de
se manter atenta quer a futuras presas, quer aos humanos. Estes eram
considerados criaturas vis, sem qualquer respeito pela vida e pelas outras
criaturas, apenas pensavam em si e serviam-se se tudo o que existia na
Natureza ao mínimo capricho.
Ela tinha 1000 anos e nunca vivera no mundo exterior, sabia o que se
passara através dos mais antigos, dos que haviam habitado o mundo exterior.
Mas, ela não se podia perder nestes pensamentos, não agora, uma vez que
toda a sua família dependia dela para sobreviver. Voltou a concentrar-se na sua
caçada. Voava em círculos, procurando o que caçar e também mantendo o olho
aberto para os humanos.
Observava a extensa floresta com árvores coladas umas às outras, seria
difícil e arriscado caçar ali, poderia facilmente embater contra os ramos e
magoar-se seriamente, ficando vulnerável no chão, impossibilitada de voar para
junto da sua família. Tinha de procurar uma clareira suficientemente grande
para que pudesse aterrar com segurança.

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Ao fim de mais duas ou três voltas completamente concentrada na sua


busca, encontrou o que queria. Ao longe, a Este, podia ver uma abertura nas
árvores, dirigiu-se para lá, sempre voando alto, de forma a não ser detectada
antes de estar pronta, alarmando os animais e assim perdendo toda a
esperança de caçar algo para levar de volta.
Em Indahar notava-se que a Primavera esta a chegar, a neve já estava a
derreter e os rios estavam a engrossar os seus caudais devido à água
proveniente do degelo. As árvores que haviam perdido as suas folhas no
Outono anterior já começavam a rebentar. A floresta estava de novo a acordar
para a vida. O som de pássaros e animais enchia a floresta. Era a altura
perfeita para caçar, uma vez que os primeiros animais migratórios já haviam
chegado e estavam cansados da longa viagem que tinham feito, fazendo com
que eles fossem presas fáceis para Aluminir. Agora só os tinha de localizar e
guiar para a clareira. O problema que ela via com aquela clareira era uma
estrada que a atravessava, mas ela não tinha outra hipótese, pois não havia
outra perto. Tinha de se arriscar, mas antes de o fazer, tinha de se assegurar
que o caminho estava livre.
Voou em círculos sobre a clareira durante algum tempo para estudar a
estrada e não aparecia ninguém, não devia ser muito usada e grande parte
dela estava coberta pelas árvores. Estando satisfeita com as suas conclusões,
passou a procurar caça. Sempre voando em círculos, encontrou finalmente o
que queria num riacho ali perto, uma manada de veados estava a beber água e
descansava da longa viagem, eram mais pequenos que as presas que ela
geralmente caçava em Ahelanae, mas para aguentar mais uns tempos serviam
perfeitamente. Agora só tinha de os levar para a clareira.
Mergulhou em direcção ao riacho fechando as asas para aumentar a sua
velocidade, um dos veados que estava de guarda deu o alerta e começaram
todos a correr.
“Estão a ir exactamente para onde eu os quero”- pensou ela com
satisfação.
Eles corriam cegamente enquanto ela planava por cima da copa das
árvores guiando-os. Mas, mesmo assim, ela era mais rápida que eles e

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passava-lhes à frente, sempre que isso acontecia ela voltava para a cauda da
manada, dando uma cambalhota no ar. Era desta vez, com tantas presas, iria
de certeza conseguir caçar algo para levar para casa assim que chegassem à
clareira. Estavam quase lá e ela preparou-se para o golpe final. Assim que
chegaram à clareira, ela esticou as suas patas ergueu as asas um pouco, como
que se estivesse a aterrar, e investiu sobre uma das corsas que tinha escolhido,
fazendo com que as suas garras se cravassem nela e a matassem
instantaneamente. A que ela tinha escolhido era grande o suficiente para
alimentar as suas crias e assim salvá-las. Quando aterrou as suas patas
dianteiras despedaçaram a jugular do animal e o seu pescoço com o impacto. O
resto da manada partira, o que não lhe interessava uma vez que ela já tinha o
que pretendia daquele lugar. Ela ergueu-se orgulhosa do seu feito, já tinha
como alimentar as suas adoradas crias. Agora apenas teria de esperar que o
animal sangrasse completamente antes de o levar.
Em Ahelanae, não tinha essa preocupação, mas ali era essencial, pois se
uma gota de sangue caísse em cima de um ser humano, que por acaso
passasse. Ela poderia ser descoberta no seu caminho para a Porta Branca, e
tudo estaria perdido.
Continuava faminta, mas não se iria alimentar daquela carcaça, esta era
para as suas crias. Então decidiu lamber o sangue do pescoço da corça morta,
não era muito mas chegava para aplacar um pouco a fome que sentia.
Enquanto comia sentiu um odor de putrefação, este não vinha da presa
que acabara de chacinar. Era sim de uma morte antiga, com algumas horas,
pelo menos. Procurou a origem do cheiro, tinha de se apressar, uma vez que
este era demasiado apelativo para abutres e os outros animais necrófagos, e
ela não gostava particularmente de se encontrar com eles. Avançou em direção
ao cheiro proveniente da floresta, segui-o até encontrar o corpo de uma mulher
estendida, esta havia sido trespassada por uma flecha, estava abraçada a um
embrulho como se o estivesse a proteger. Gentil e respeitosamente, afastou o
corpo da mulher com o nariz. Soprou de modo a conseguir abrir o cobertor e
para seu espanto encontrava-se um bebé no seu interior. Estaria vivo ou
morto?

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Com o auxílio dos seus poderes mágicos, conseguiu sentir o coração


deste. Foi muito difícil encontrar qualquer batimento, pois este era muito fraco,
estava quase a morrer. Ao olhar para aquele bebé pensou em quão indefesas
as crias podem ser. O seu coração encheu-se de carinho e pena por aquele
bebé moribundo, e uma lágrima correu dos seus olhos.
«Tenho de salvar esta cria de humano.» Pensou ela, deixando que a
lágrima escorresse para a cabeça de modo a sarar o seu corpo frágil.
O seu espírito estava muito fraco e abandonava o seu corpo. Portanto,
Aluminir deitou-se ao seu lado e tentou voltar a encontrar o batimento cardíaco
do bebé. Demorou mais tempo do que anteriormente a encontrá-lo. Quando
finalmente o sentiu, elevou o seu espirito, fragmentando-o. O pedaço mais
pequeno pairava sobre o bebé, acabando por se juntar à alma deste. Um clarão
de luz envolveu-os aquando da junção, e assim tudo terminara. Sentia-se
satisfeita com a sua ação, mas essa sensação não durou muito tempo, ela não
podia abandonar a bebé naquele lugar. Nunca antes um dragão prateado havia
partilhado a sua força de vida com um ser humano, e o resultado era
imprevisível. Ela teria de levar o bebé consigo, uma menina de meses de idade,
era sua responsabilidade tomar conta dela e a guiar para usar os poderes, que
eventualmente desenvolvesse, para o bem. Partiu de regresso à floresta
mágica, levando a bebé e a sua presa.

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Copyright

“A Senhora dos Dragões” por Liliana Novais (Setembro 2012).


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proibido a reprodução e publicação do mesmo sem a autorização da autora.
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