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Técnica Processual
Técnica Processual
RESUMO
RIASSUNTO
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operatori del diritto una ragione critica e il questionamento di vari precetti fissato per la
dogmatica.
1 INTRODUÇÃO
Era o inicio da idéia de instrumentalidade, que, entretanto, ainda não possuía objetivos
éticos homogêneos e bem definidos, ou seja, o processo começou a ser visto como
instrumento, mas ainda era um mero instrumento da ordem positivada, sendo muito
incipiente a conscientização dos seus escopos puramente social e político.
Nesse novo contexto, inerente ao Estado Social de Direito, que teve como força motriz
as mazelas criadas pelo paradigma anterior[4], sentiu-se, após um vasto e cinzento
período de vigor de uma falaciosa neutralidade, a influência incontestável de uma nova
perspectiva do direito como um todo, ou seja, de uma nova forma de se enxergá-lo,
detentora de uma preocupação mais contundente com o homem ao invés dos velhos
anseios por neutralidade[5], perspectiva esta, que apesar de não poder ser rigidamente
compartimentada – como também não o pode a idéia de Estado Social, pode muito bem
ser contextualizada, já que emergiu com maior força após a Segunda Guerra
Mundial[6], através de um equilíbrio entre as razões do positivismo e do direito
natural[7], o que por muitos ficou conhecido como pós-positivismo e deu origem a
teoria crítica do direito, termo genérico que identifica inúmeros movimentos de
reconstrução do direito a partir dos novos contornos por ele adquiridos.[8]
Com o influxo de tais transformações, construiu-se aos poucos, nas décadas seguintes,
uma nova visão do processo, que ao invés de ser discernido apenas como uma relação
jurídica, ou um instrumento a serviço da ordem posta, começou a ser pensado como um
genuíno instrumento de pacificação social com justiça, ou seja, sob um panorama
axiológico e ético, momento, que com o passar dos anos, ficou emblematicamente
conhecido como o paradigma da instrumentalidade[9], uma instrumentalidade que já
havia sido descoberta, mas, que desse momento em diante não se prestava mais a
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qualquer fim determinado pela ordem positiva, senão ao alcance de um processo justo,
amplamente modelado pelos princípios constitucionais e que proporcionasse maior
chance de obtenção de decisões justas também.[10]
Dentre as boas novas trazidas por essa mudança, aperfeiçoada ao longo do tempo, a
doutrina se ocupou de dicotomizá-las em aspectos negativos, que exigem o desapego ao
formalismo exacerbado e inútil, desprovido de propósitos relevantes para o direito
material, o que dá substância ao princípio da instrumentalidade das formas, visto agora
com uma incidência muito mais amplificada[11], e aspectos positivos, que exigem uma
mudança não só de postura por parte de todos aqueles que de alguma forma lidam com
o processo, mas também de uma repaginação da conformação tradicional do processo,
principalmente com a superação de dogmas anacrônicos e inconvenientes, que tornam
excessivamente custosos os litígios, olvidam a tutela de direitos coletivos e a
possibilidade de composições extrajudiciais, castram a curiosidade do magistrado e
renegam o princípio da adaptabilidade.[12]
Tais aspectos são a tradução dos escopos sociais, políticos e jurídicos do processo, que
se desdobram na busca pela harmonização e educação da sociedade, pela proteção das
liberdades, da estrutura política e do direito de participação nos rumos do Estado, bem
como pela integridade do ordenamento jurídico, através da aplicação do direito, que não
deve ser reduzido à lei, numa visão exclusivamente jurídica do fenômeno normativo,
indiferente com os valores sociais a serem protegidos por ele.[13]
Dessa maneira, pensando que a emersão dessa lógica humanística do direito como um
todo, provavelmente gerou conseqüências que vão além das explicitamente identificadas
pelo paradigma instrumentalista até o momento, mas, que, entretanto, se alicerçam
também nos seus fundamentos justificadores e nos escopos que o direciona, agora nos
cabe revelar o problema a ser enfrentado por esta pesquisa, qual seja: seria possível
extrair, através do pós-positivismo e das novas visões sobre o direito e os princípios por
ele trazidas, alguma conseqüência no que tange a idéia de técnica processual e
instrumentalidade, que, por via de conseqüência, transforme o próprio modelo de
condução dos processos, ainda estritamente legalista e apegado a tipicidade das formas
na prática?
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2 TÉCNICA PROCESSUAL E INSTRUMENTALIDADE: SEUS SIGNIFICADOS
E SUAS EVOLUÇÕES
Em virtude disto, podemos fazer um corte epistemológico que evite o estudo da técnica
processual em períodos anteriores ao século XIX, haja vista, que se antes de tal data
sequer tínhamos a consciência da existência de uma ciência processual e dos seus
objetivos particulares, a fortiori não haveria como se ter consciência de uma técnica
relacionada a eles.
Apesar de se pensar na finalidade da ação, que serviria para a tutela dos direitos, não se
discernia que o procedimento instaurado a partir dela era muito importante, ainda que
inexistisse direito a ser tutelado, por ele ser um reflexo da cultura que permeia a
respectiva sociedade e ter singular influência na qualidade do resultado final, tendo
inúmeros reflexos sobre a esfera jurídica dos indivíduos e da coletividade, devendo
corresponder, por isto, aos anseios e valores por ela estabelecidos, ignorância esta, que
acarretava o completo menosprezo ao estudo dos meios que possibilitavam o alcance de
tal fim.
Nesse panorama, a técnica era orientada por tal cunho privatista, ou seja, pelo interesse
das partes, além do próprio anseio autonomista, razão pela qual fora sobre tais interesses
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que ela se estruturou, o que traz reflexos ainda hoje, mesmo com a percepção já antiga
dos contornos publicistas e instrumental do processo e seus escopos.
Poiché, dunque, tra questi inviolabili diritti si colloca, con grande rilievo, anche lo
stesso diritto ad un processo <<giusto>> ed all’inderrogabile rispetto delle sue
garanzie <<minime>> (ossia, in altre parole, il diritto ad uma giustizia procedurale
in senso lato), l’ética che lo anima è, appunto, l’insieme di quei valori fondamentali
di civilità e di democrazia, daí quali traggono origine, secondo le premesse
giusnaturalistiche del moderno Stato di diritto, il riconoscimento e la inderrogabile
protezione dei diritti inviolabili dell’uomo.[21] (grifo do original)
Um vez que, portanto, entre estes invioláveis direitos se coloca, com grande relevo,
também o próprio direito a um processo justo e ao inderrogável respeito de suas
garantias mínimas (ou seja, em outras palavras, o direito a uma justiça
procedimental em sentido amplo), a ética que o anima é, de fato, o conjunto de
valores fundamentais de civilidade e de democracia, dos quais se originam,
segundo a premissa jusnaturalística do moderno Estado de Direito, o
reconhecimento e a inderrogável proteção dos direitos invioláveis do homem.
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Não obstante, ainda assim a técnica processual continua a ser entendida por muitos
como o conjunto de regras que disciplina o processo jurisdicional e a instrumentalidade,
para muitos, ainda denota um instrumento a serviço principalmente do direito positivo,
o que constitui o cerne do presente trabalho, já que, sobre tais concepções, sua possível
evolução e seus reflexos é que se assentará a ambicionada resposta aos problemas
iniciais, quais sejam: técnica processual e legalismo seriam sinônimos, ou ela teria um
sentido substancial nessa nova quadra do direito, desgarrada do positivismo que reinou
solidamente durante muito tempo e que fora superado, ou conjugado, com valores éticos
expressos nos direitos humanos, a fim de que o direito e o processo sirvam à
humanidade e não o inverso? Nesse rumo, a obediência ao direito positivo se sobreporia
aos escopos do processo, sendo ela, então o maior dos escopos?
Na idade média essas idéias ganharam o nome de direito natural, ou seja, se tratava de
um direito pré-estatal, identificado a partir de uma análise da essência das pessoas e das
coisas, devendo, por isto, ser reconhecidos pelos operadores do direito no exercício de
suas atribuições; em tal momento, a maior influência para os doutrinadores de tais
direitos era o criacionismo e os dogmas eclesiásticos, o que emprestava a eles um
caráter divino.[24]
Tal perspectiva, entretanto, começou a ser superada no século XVI por um direito
natural fundado na razão, ou seja, na racionalidade humana, o que, por óbvio, era
conseqüência das novas formatações social e científica que vinham sendo construídas e
influenciadas pelas novas conformações mercantilistas, as grandes navegações, o
desenvolvimento artístico e empírico, chegando a sua plenitude no século XVII.[25]
Por mais irônico que pareça, a doutrina denomina como o ponto alto do direito natural o
inicio das codificações legais, já que, em busca de uma maior uniformidade e segurança
os preceitos jurídicos passaram a ser escritos, processo este, que passou a sofrer
deturpações positivistas desde o seu início, final do século XVIII e limiar do século
XIX, com o apego radical da escola exegeta a literalidade dos textos legais[26], criando,
com isto, uma inversão de absolutos, que passou a ter no legislativo o ponto de
desequilíbrio, o que fica muito claro quando examinado o instituto francês do recurso de
caráter geral, que determinava o envio de uma causa ao legislativo para que ele
fornecesse o correto significado da norma.[27]
Aos poucos esse radicalismo foi sendo superado, originando, então, a escola
sociológica, funcional ou teleológica, que tinha como norte interpretativo a finalidade
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da lei ou do direito, momento caracterizado pelo reconhecimento de maior latitude
interpretativa ao juiz, que, ainda assim, não podia reconhecer direitos não positivados
ou refutar a aplicação das regras, nem quando elas parecessem totalmente contrárias aos
valores éticos subjacentes ao comportamento social, o que era efetivamente mais raro,
dada à uniformidade de tais valores, a homogeneidade das classes dominantes e a baixa
complexidade que envolvia as relações jurídicas como um todo, não só no comércio,
como no trabalho, na família e perante o Estado, conforme bem explica Perelman, da
seguinte forma:
Enquanto a prática jurídica não estava muito distante dos costumes, dos hábitos e
das instituições sociais e culturais do meio regido por dado sistema de direito, a
concepção positivista de direito podia expressar de modo satisfatório a realidade
do fenômeno jurídico. Mas, com o advento do Estado criminoso que foi o Estado
nacional-socialista, pareceu impossível, mesmo a positivistas declarados, tais como
Gustav Radbruch, continuar a defender a tese de que “Lei é lei”, e que o juiz deve,
em qualquer caso, conformar-se a ela.[28]
Por ironia do destino, o próprio Kelsen foi um dos maiores prejudicados por essa
falaciosa neutralidade, já que era judeu e abandonou a Europa na época do nazismo[31],
regime legalmente alçado ao poder e que legislava dentro dos rigores formais
preconizados pelos positivistas, apesar de alicerçar-se em valores totalmente avessos ao
humanismo.[32]
Aliás, a queda dos regimes fascista e nazista marca o início do declínio positivista, pois
com o término da Segunda Guerra, houve um quase consenso sobre a impossibilidade
de se estudar e aplicar o direito norteado pela famosa neutralidade, que impedia uma
análise critica do ordenamento existente de fato.
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legalidade vigente e promoveram a barbárie em nome da lei. Os principais
acusados de Nuremberg invocaram o cumprimento da lei e a obediência a ordens
emanadas da autoridade competente. Ao fim da Segunda Guerra Mundial, a idéia
de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos e da lei como estrutura
meramente formal, uma embalagem para qualquer produto, já não tinha mais
aceitação no pensamento esclarecido.[33]
Como um dos maiores símbolos dos novos tempos, fora editada em 1948 a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, que teve seus preceitos ratificados posteriormente em
inúmeras convenções de âmbito mundial e continental para a satisfação dos resquícios
positivistas, já que tais convenções, ao contrário da referida Declaração, possuem
expressa eficácia normativa e, por isto, submetem os Estados signatários aos seus
preceitos[34], situação que traduz o pensamento de uma nova era, da era pós-positivista,
que não infirma a maior facilidade e segurança decorrentes da aplicação de normas
positividas, mas que também reconhece um conteúdo axiológico humanístico inerente
ao direito, do qual o mesmo não pode se afastar, sob pena de se distanciar do anseio
social por justiça e ser reduzido a um mero instrumento “legitimador da ordem
estabelecida. Qualquer ordem”.[35]
Não se pode ignorar, que apesar da marca acima mencionada, causada pelos horrores da
Segunda Guerra e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi a partir dos
anos 70, que, principalmente na Europa e nos E.U.A., se desenvolveu com sagacidade
esse novo semblante humanista do direito, abrigado pela denominação de Teoria Crítica
e capitaneado por escolas como a francesa, a alemã e a americana[36], de pensadores
incansáveis e irresignados com as incongruências do dogmatismo estabelecido.
A partir de então, o direito perde a estrita identidade de lei criada por um Estado e se
aproxima de valores eleitos como universais e inerentes a todo ser humano
indistintamente, e somente a eles, tais como: liberdade, igualdade e dignidade, sem, no
entanto, regressar a obscuridade do jusnaturalismo e olvidar todos os avanços sociais e
científicos presenciados até então.[37]
Apesar dos princípios em si não serem uma inovação, o poder de coerção emprestado a
eles modernamente é[39], o que, entretanto, parece não ter sido muito bem
compreendido pelos operadores do direito em geral, que em muitos casos reduzem sua
função à de orientação interpretativa, negando eficácia plena e imediata a eles nos casos
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em que inexista regra regulamentadora específica, em total descompasso com o texto
constitucional.[40]
Não obstante a tal relutância, podemos afirmar, com base em todos os acontecimentos
que se sucederam e foram acima enfocados, que estamos agora situados em um novo
paradigma jurídico, ou melhor, em um novo ambiente, que insatisfeito com os
resultados da legalidade absoluta, mas ambicionando a preservação do sistema
normativo escrito em concomitância com os valores humanos eleitos expressamente
como uma nova razão guia, se utiliza de princípios, ainda que implícitos, mas desde que
coerentes com os explícitos, para permitir a inserção de um conteúdo axiológico
homogêneo no mundo jurídico e, com isto, gera mudanças na forma de ser de todos os
seus ramos.
No âmbito processual essa mudança não parece ter sido tão sentida pelos operadores do
direito, entretanto, já é hora de se enxergar essa nova realidade e libertar o processo das
amarras da legalidade estrita, assim como ele fora libertado das nulidades processuais
irrelevantes – ao menos no âmbito doutrinário, desafio que passa a ser enfrentado no
tópico seguinte, dedicado justamente a decifrar os efeitos das transformações aqui
anunciadas.
A partir das idéias desenvolvidas nos dois tópicos acima, que abordaram o significado e
a evolução da técnica e da instrumentalidade, bem como a ruptura paradigmática sofrida
pela teoria do direito, já podemos perceber que aquelas não podem ter passado imune a
esta, ou seja, que a técnica processual e a instrumentalidade não estão alheias ao pós-
positivismo hodiernamente vivenciado, o que nos permite começar a construir uma
resposta para os problemas, principal e secundário, inicialmente colocados.
De plano, antes de qualquer outra coisa, é preciso registrar que a incursão de normas
abertas como resultado de uma técnica legislativa adaptada aos tempos atuais, de
pluralismo e dinamismo, que denotam constantes transformações sociais e
complexidade ímpar não é uma constatação nova[41], contudo, a preocupação lançada
nesse estudo não tem por foco esta percepção, conforme se pode perceber, mas sim a
sua causa e a amplitude dos seus reflexos sobre o âmbito do processo, vertente que
segue dominada por dogmas conservadores, os quais pensavam traduzir os valores
segurança e liberdade, que dominaram os desejos predominantemente burgueses do
século XIX.[42]
Dessa maneira, esclarecemos que mediante a expressão normas cingimos tanto a idéia
de princípios como a de regras, e pela expressão abertas abrangemos ainda a idéia de
termos vagos ou indeterminados, e de cláusulas gerais[43], e isto, porque parece, ao
menos hoje, ser plenamente possível que existam tanto princípios como regras que
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possuam termos vagos ou cláusulas gerais em seu bojo, não obstante tais idéias
remetam normalmente a um archetipo principiológico[44].
Feitas essas primeiras considerações, nos cabe agora observar quais os resultados
causados pelo surgimento de um pós-positivismo para o direito processual, que apesar
de já estar consciente do seu caráter instrumental, tradicionalmente esteve apegado à
tipicidade da forma, o que era sustentado, repita-se, com o intuito de se prestigiar a
segurança e a liberdade, como afirma Marinoni, ao lecionar que:
Essa base axiológica é indispensável não só para a interpretação de regras, mas também
para a conformação do método que o processo constitui, já que este nada mais é do que
o resultado do nosso caldo de cultura e, portanto, não pode destoar dos valores humanos
conquistados[49], nem por vontade expressa, nem pela omissão do legislador, que,
como visto, possui restrições impostas pela Constituição Federal, que deverão orientar
não só a forma, mas principalmente o conteúdo dos atos legislativos.
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de dispositivos legais, como os artigos 154 do CPC[50] e 765 da CLT[51], que impõem
o regime da liberdade de formas, e o artigo 126 do CPC[52], que impõe o exame de
pleitos ainda que não haja disposição legal específica para tanto – diga-se de passagem,
desde muito antes de nossa Constituição Federal, o que será feito com base na analogia,
nos costumes e nos princípios gerais de direito (alguns deles constitucionalmente
previstos) e deverá abranger não só o exame de mérito, como também o exame de
questões processuais.
Aliás, para esses resistentes, nem mesmo a Constituição tem qualquer significado, pois
suas normas seriam meramente programáticas, ou seja, imporiam apenas objetivos, que,
apesar disto, não teriam como ser exigidos ou aplicados coercitivamente.[53]
Não obstante, parece mais lógico e mais razoável entender, que o fato de o constituinte
ter consignado expressamente em nosso Diploma Político valores como justiça e
democracia, e princípios como o devido processo legal em concomitância com o direito
de petição e com a cláusula de inafastabilidade do Poder Judiciário, já externa com
clareza o seu desejo de oferecer ao povo brasileiro um instrumento profícuo de
emancipação e pacificação social com justiça, que, para vingar, não pode depender
exclusivamente de regulamentações legislativas, seja porque é impossível ao legislativo
prever técnicas para todas as situações hipotéticas que possam existir conforme a
evolução social, seja porque, se isto ocorresse, se admitiria também, que o direito de
ação, na sua acepção mais substancial[54], ficasse completamente inviabilizado diante
da inércia legislativa, tornando-se meramente ornamental o texto constitucional e o
status de cláusula pétrea inerente a todos os direitos fundamentais[55], que impede o
legislador não só de modificá-los para restringi-los, mas também de se omitir para
cerceá-los, bem como ao juiz de ignorá-los por ausência de regra infra-constitucional
regulamentadora.
É nesse mesmo contexto, que surge com vital importância os princípios constitucionais
e os direitos humanos, insista-se, previstos ou não em diplomas escritos[59], que
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servirão para libertar e guiar o operador do direito nessa nova quadra pós-positivista,
que exige dos magistrados uma postura mais comprometida com os valores
humanísticos e com os fins propostos por eles, que compõem a atual razão guia, no
sentido de não se aceitar os defeitos e as omissões do sistema como algo que deva ser
digerido, algo com que nós devêssemos nos conformar.
Mostra-se totalmente incompatível com a razão humanística, eleita pelo mundo após a
Segunda Guerra Mundial e ratificada pelo Brasil com a Constituição de 1988 e o Pacto
de São José da Costa Rica, um pensamento que sobreponha o apego as regras
positivadas à necessidade de resolução dos problemas (muitas vezes inéditos) do
homem com justiça e preocupado com a sua dignidade, ou seja, aos escopos do
processo, inclusive ao jurídico.
Diante de tal digressão, parece impossível refutarmos, que hoje, a idéia de técnica
processual compreende não só o conjunto de regras predispostas ao direcionamento da
atividade processual em atenção aos seus fins, mas também todo o arsenal de atos
processuais que podem se mostrar necessários em uma demanda a fim de se alcançar em
maior medida a satisfação do nosso anseio constitucional por justiça, ainda que não haja
previsão legal para os mesmos, o que estende a possibilidade de interferência em seu
modo de ser para a seara judicial, ou seja, para além do âmbito legislativo, sem que se
perda de vista os marcos cravados pelo constituinte, que incutem uma meta explícita
para essa técnica processual, qual seja: a de resolver com justiça os problemas do
homem, através de uma preocupação central com a sua dignidade, ao invés da velha
postura legalista.
Cumpre esclarecer no ensejo, que a conclusão acima erigida parece já estar abrangida
pelos argumentos que sustentam a idéia de instrumentalidade do processo e de
existência de escopos éticos perseguidos por este, pois em momento algum se fala que a
satisfação de tais anseios dependeria de previsão legal expressa, questão, que,
entretanto, não parece ter figurado como centro das atenções daqueles que se dedicaram
a compreensão da instrumentalidade, estando apenas nas entrelinhas de algumas
palavras de Dinamarco, principalmente quando este fala dos aspectos positivos dela, o
que se dá nos seguintes termos:
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Além disso, a própria lei reflete atitudes privatistas e individualistas perante o
processo, incluindo-se nisso o conformismo com algumas de suas supostas
fraquezas e pouca disposição a superá-las. Para o exame crítico do sistema
existente, é indispensável identificar os pontos vitais em que as tomadas de posição
se mostram particularmente importantes, considerado o tempo presente e o que
hoje é licito esperar do processo.[60]
Percebe-se que o presente debate não envolve uma mudança dos valores que desde
muito tempo estão reconhecidos nos escopos do processo, mas apenas de uma
preocupação com a irradiação de tais valores sobre a aplicação do direito na condução
do processo, já que, não se mostra razoável, falarmos de uma nova fase pós-positivista,
dos objetivos sociais e políticos a serem alcançados pelo processo, se continuarmos
apegados a estrita legalidade para a prática dos atos processuais; se assim for, todo o
discurso sobre os escopos do processo e sobre a ligação do direito com os valores
humanos será pura falácia.
Nem mesmo um argumento fundado no devido processo legal, parece poder impedir a
prática de atos processuais não previstos expressa e exaustivamente na lei, já que tal
preceito não infirma a aplicabilidade plena e imediata dos princípios, nem significa uma
total sintonia com o positivismo, recebendo hoje, aliás, uma conotação muito mais
humanista, com o objetivo de se impedir julgamentos contrários aos valores humanos
universais, que devem permear todos os processos judiciais, tais como contraditório,
ampla defesa, juiz natural, publicidade e fundamentação dos atos, e efetividade das
decisões judiciais, conforme se extrai das palavras de Comoglio, no magistério que
segue:
- il due process of law non è clausola dal contenuto rígido, precostituito e preciso,
ma, al contrario, contiene aperture flessibile verso una verifica in concreto della
fairness di ciascun procedimento;
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- o processo, então, é due (ou segundo cada idioma, dovuto, debido, devido), não
porque seja completamente regolado por norma legal rígida e pré-constituída, mas
pelo contrário em quanto representa a garantia positiva de um direito natural do
individuo a um processo informado pelos princípios superiores de justiça.
Extrai-se, por fim, dos argumentos acima lançados, que esse prisma sob o qual a
instrumentalidade do processo deve ser vista, não pode ser ignorado, já que ele é obtido
através de sua amálgama com a teoria pós-positivista do direito moderno, com efeitos
originariamente não observados em toda a sua amplitude ou não tratados com a devida
importância, o que permite conceituarmos ela como uma instrumentalidade
humanística, não podendo ser chamada de pós-instrumentalidade, pois os seus preceitos,
felizmente, ainda não foram superados, nem mesmo parcialmente, tendo recebido
apenas, insista-se, um sentido mais amplificado ou claro.
5 CONCLUSÃO
Sobre as assertivas elaboradas no bojo do presente estudo, elas podem ser resumidas e
enumeradas da seguinte forma, de maneira a permitir que sistematizemos e melhor
compreendamos as respectivas conclusões:
1 – O Estado Social e a perspectiva humanista do direito são coisas distintas e, que, por
isto, influenciam distintamente o direito, inclusive o direito processual.
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3 – Com a escalada dos direito humanos, principalmente após a Segunda Guerra
Mundial, surge também uma tendência pós-positivista de se encarar o direito, que tem
como razão guia a dignidade da pessoa humana.
5 – No âmbito processual se percebe até hoje que a idéia de justiça ainda se vincula
muito a realização do direito positivado e a observância da tipicidade das formas, tanto
pelos argumentos dos quais muitos operadores e estudiosos do direito se utilizam, como
pela falta de explicitude e clareza na defesa da eficácia plena e imediata dos direitos
humanos, ainda que subjacentes ao sistema vigente.
6 – Contudo, a importância dessa lógica jurídica, movida pelo humanismo, não pode ser
ignorada, devendo refletir-se sobre uma nova idéia da técnica processual, que não
deverá ser compreendida como conjunto de regras que disciplinam o processo, mas sim
como conjunto de meios, expressos ou implícitos no sistema, que permitem o deslinde
processual tendo por foco a preocupação com a dignidade humana - e não qualquer
foco, o que obviamente não significa uma sub-valoração da efetividade ou da liberdade,
impondo ao juiz uma atividade difícil, mas, ao mesmo tempo, indispensável à
adequação do processo à complexidade e maturidade atingidas pela nossa civilização.
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BARROSO, Luis Roberto; BARCELOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova
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______. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência. 3ª ed. rev.
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[7] PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.
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[19] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 3ª ed. rev.
atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 92.
232
[21] COMOGLIO, op. cit. p. 7, nota 6.
[42] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006, p. 23-25.
233
[43] BUENO, op. cit. p. 19-24, nota 5.
[47] CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006, 422-426.
[50] BRASIL. Código de Processo Civil. Códigos civil, comercial, processo civil e
constituição federal. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 628.
[51] BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Vade mecum saraiva. São Paulo:
Saraiva, 2008, p. 943.
[54] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada:
tutelas sumárias e de urgência. 3ª ed. rev. e ampl., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 79.
[58] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008,
p. 70-71.
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