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REALIDADE

SOCIOECONÔMICA
E POLÍTICA
BRASILEIRA
Daniele Fernandes da Silva
As transformações
do mundo do trabalho
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Explicar o desenvolvimento do trabalho dentro da sociedade capita-


lista: taylorismo, fordismo e toyotismo.
 Relacionar o conceito de trabalho ao conceito de alienação.
 Analisar as transformações do mundo do trabalho, diferenciando o
conceito de trabalho do conceito de emprego.

Introdução
Na história da humanidade, toda e qualquer atividade desenvolvida pelo
ser humano – seja esta atividade física ou mental – é considerada trabalho,
e a forma como os homens desenvolveram e aprimoraram esse trabalho
variou no tempo e no espaço.
Neste capítulo, analisaremos como essas mudanças alteraram
profundamente as relações de trabalho, discutindo os métodos do
taylorismo, do fordismo e do toyotismo, bem como os conceitos de
trabalho, alienação e emprego.

O desenvolvimento do trabalho dentro


da sociedade capitalista
A figura do empresário, numa sociedade capitalista, é a do detentor de bens de
capital (edifícios, equipamentos, instalações, máquinas, etc.) ou dos meios de
produção. Dentre as suas principais decisões diárias, encontram-se a quanti-
ficação do nível ideal de produção e a identificação do melhor processo a ser
utilizado, de modo a alcançar o seu maior objetivo: a maximização do lucro.
A combinação dos recursos de produção (mão de obra e bens de capital) é

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fundamental nesse processo. Quanto menor for o custo de produção e maior


a produtividade dos fatores produtivos, maior é o lucro.
A acumulação de capital (lucro, riqueza) é uma das principais característi-
cas do capitalismo. Em paralelo, encontram-se os trabalhadores, que ofertam
a sua força de trabalho, um custo importante para o empresário capitalista
e que, por isso, deve ser minimizado. Além disso, devem ser produtivos,
aumentando a produção sem que seja necessário elevar a remuneração desse
fator: a produtividade significa a quantidade de bens e serviços produzidos
por trabalhador em cada hora de atividade (MOCHÓN, 2006).
A especialização do trabalho foi uma forma encontrada para que o trabalha-
dor, dono da força de trabalho, elevasse a sua produtividade. Quanto mais vezes
determinada atividade fosse realizada, maior seria a habilidade na produção
do bem e, consequentemente, maior a produção por trabalhador por hora.
O impacto dessa forma de produção, característica do capitalismo, provoca
impactos positivos na sociedade: o aumento de bens e serviços disponibilizados
no mercado está relacionando a melhores níveis de bem-estar da população.
Segundo Mochón (2006), países mais desenvolvidos têm a presença de tra-
balhadores mais produtivos, diferentemente de países menos desenvolvidos,
em que a produtividade é inferior.
Com o passar do tempo, o desenvolvimento das tecnologias permitiu um
maior leque de fatores produtivos para os empresários escolherem e os resulta-
dos no processo de produção são maiores quando da sua utilização adequada.
Cabe ao empresário, no papel de gestor, identificar a melhor combinação entre
os recursos existentes, buscando extrair maiores vantagens.
Diante da tamanha complexidade que envolve a produção de bens e
serviços e a importância dos mesmos para a sociedade, as empresas se
tornam fundamentais na gestão de todo esse processo. A disponibilização
dos fatores de produção pelos empresários, das instalações necessárias e da
capacidade administrativa permite que a produção seja realizada em massa,
minimizando os custos e, consequentemente, melhorando a formação dos
preços que serão praticados no mercado.
Nas últimas décadas do século XIX, Frederick Winslow Taylor já defendia
o papel do empresário na gestão das organizações por meio de métodos cien-
tíficos, ficando conhecido como o pai da Administração Científica. Naquela
época, a dimensão das empresas aumentava cada vez mais em função do
desenvolvimento da indústria e dos bens de capital. O distanciamento que
o empresário tinha dos processos operacionais era cada vez maior, exigindo
maior planejamento e controle e as técnicas científicas seriam grandes aliadas
na busca pela eficiência e eficácia produtiva (RIBEIRO, 2015).

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Dentre os métodos que Taylor propôs, e que levaram o apelido de taylorismo,


estava a criação de métodos de experimentação do trabalho, regras e padro-
nização das atividades produtivas. Todas essas questões estão relacionadas
à produtividade do trabalho, ou seja, à eficiência e à eficácia produtiva. Isso
porque cada processo deveria ser analisado com cuidado pelos administradores,
definindo-se a melhor combinação entre o tempo e o movimento; a partir daí,
estabelecendo padrões de produção, os resultados da empresa melhorariam.
Taylor deixava clara a importância do controle absoluto do administra-
dor nas atividades operacionais para que o objetivo fosse alcançado. Não
importava o conhecimento do trabalhador em determinado processo de
produção: devia seguir rigorosamente a técnica imposta pelo empresário/
administrador, que, por sua vez, era o único capaz de realizar essa função
gerencial. Por isso, aqueles que tinham grande conhecimento técnico, mas
que apenas podiam executar a atividade conforme as regras, apresentavam
uma postura de resistência. Essa atitude se devia ao conhecimento que os
trabalhadores tinham do interesse do administrador/capitalista pela ma-
ximização dos lucros, mesmo que, para tal, fosse exigida a exploração do
trabalho. Além disso, o aumento da produtividade poderia reduzir postos
de trabalho, e a postura de resistência (ou “vadiagem”, como considerava
Taylor) preservaria os empregos (RIBEIRO, 2015).
O fato de Taylor não se importar com o conhecimento do trabalhador sobre
os processos de trabalho espelhava a baixa importância que se tinha sobre a
qualidade do trabalho. Assim, o tempo de produção era a maior preocupação
que o empresário deveria ter, assim como a capacidade de adaptação do
trabalhador em relação à necessidade do bem de capital, em cada etapa do
processo produtivo.
No início do século XX, Henry Ford também ficou conhecido pelas suas
contribuições para o processo de administração, na busca pelo aumento da
produtividade. Ford implementou em sua fábrica um novo modo de organi-
zação do processo produtivo: a esteira rolante. Esse método permitia que o
bem chegasse fixo em cada etapa linha de produção de forma automatizada
e intensa, o que permitia um grande controle do empresário sobre o tempo
de produção em cada etapa do processo produtivo, bem como estimulava a
adaptação do trabalhador ao novo ritmo.
Os trabalhadores passavam a se especializar em apenas uma das etapas da
produção do bem, fazendo com que a repetição do trabalho aumentasse a sua
habilidade naquela tarefa e, consequentemente, a sua produtividade. Assim,
o fordismo permitiu a produção em massa, sem deixar de controlar todas as
atividades operacionais, o que era defendido pelo seu antecessor Taylor.

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A introdução dessa nova modalidade exigiu grande esforço e resistência


física por parte dos trabalhadores. Assim, para evitar rebeldia e alta rotati-
vidade, Ford procurava conquistar a adesão de seus trabalhadores por meio,
por exemplo, do aumento dos salários e proporcionando novas condições de
trabalho em relação à quantidade de horas diárias, que passou a ser menor.
Em relação ao impacto sobre a sociedade estadunidense, o aumento con-
siderável da produtividade levou à queda drástica dos custos, permitindo a
redução dos preços de forma tão intensa que o produto passou a ser mais
acessível para a população em geral. Desse modo, a produção em massa da
fábrica de Ford também influenciou o consumo em massa na sociedade. Outras
empresas se inspiraram e passaram a adotar o método de produção fordista.
Maiores salários e preços mais baixos levaram ao aumento do consumo em
geral, bem como a melhores condições de vida da sociedade.
Com o passar do tempo, entre as décadas de 1960 e 1970, o método de
produção fordista passou a enfrentar períodos de crise, principalmente devido
à insatisfação da classe trabalhadora pelo alto controle do processo operacional
bem como de suas vidas particulares. Este último era realizado de modo a
controlar o desgaste físico dos trabalhadores fora do horário de trabalho, o que
poderia prejudicar a dedicação e o esforço durante a realização das atividades
operacionais – desse modo, colocava-se em questão o modo de produção
capitalista utilizado até então (RIBEIRO, 2015).
Em paralelo a isso, no pós-Segunda Guerra Mundial, outro país se
destacava pelo seu crescimento econômico, o Japão, que sofreu graves
consequências pela guerra, levando o governo local a apelar pelo empenho
da população em relação à reconstrução do país, de modo a recuperar a
economia. Assim, para que esse objetivo fosse alcançado, foi utilizado um
novo padrão de produção, que se diferenciava dos anteriores no mundo
ocidental, o fordismo e o taylorismo: o toyotismo, como foi conhecido,
nasceu pelo novo modo de organização do trabalho na fábrica Toyota, que,
devido ao grande sucesso nos resultados, propagou-se rapidamente por outras
importantes organizações japonesas.
Segundo Ribeiro (2015), as principais contribuições do toyotismo foram:

a) Em relação ao sistema de emprego:


■ Foi criado o emprego vitalício, com o qual o trabalhador teria vín-
culo com a empresa ao longo de sua vida. Porém, essa questão não
constava em nenhum documento informal.
■ As empresas passaram a oferecer promoção ao trabalhador por tempo
de serviço.

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■ O trabalhador que era admitido receberia um determinado cargo,


e não mais um posto de trabalho, e seu salário variava conforme o
grau de importância.
■ Foi adotado o sistema de organização e gestão do trabalho cha-
mado just-in-time, ou seja, produção no tempo certo e na quantidade
determinada.
■ Foi criado o kanban – termo japonês que significa placa, cartão, ou
senha –, que apresentava informações visuais em relação à necessi-
dade de reposição de peças ou de materiais de estoque.
■ Uma questão muito importante e que viria modificar a forma de
enxergar o trabalhador foi a implementação de sistemas de qualidade,
que ocorreu no sentido de promover o envolvimento dos trabalhadores
para a melhoria da produção.
■ O trabalho em equipe recebeu grande atenção: grupos de trabalha-
dores polivalentes desempenhavam múltiplas funções.
b) Quanto ao sistema de representação sindical, cada sindicato repre-
sentante das respectivas empresas passou a ser integrado à política de
gestão do trabalho, de modo a minimizar as lutas sindicais que ocorre-
ram a partir da primeira metade de 1950. Os sindicatos passaram a ser
incorporados às empresas, transmitindo ao trabalhador a importância
que as organizações davam à sua ascensão na vida profissional.
c) O sistema de relações interempresas se refere a relações entre as
grandes, médias e pequenas empresas, mesmo que por meio de uma
forma bastante hierarquizada, em que as últimas assumiam uma posição
de subordinação. No entanto, a subcontratação de empresas menores
para a realização de determinadas atividades foi fundamental para o
modelo de produção do toyotismo.

O sucesso do modelo japonês de produção se espalhou pelo mundo ocidental


e passou a ser utilizado em paralelo ao modelo fordista. O resultado foi um
profundo processo de flexibilização do mundo do trabalho, passando a haver
uma maior participação do trabalhador no processo produtivo em relação ao
seu conhecimento e à sua capacidade de iniciativa.

Trabalho versus alienação


O modo de produção capitalista revela uma estrutura hierarquizada da socie-
dade, em que de um lado se encontram os empresários, donos dos meios de

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produção, e, do outro, encontram-se os trabalhadores, donos da sua própria


força de trabalho. Os primeiros apresentam como principal objetivo o acúmulo
de riquezas e, para isso, procuram minimizar os custos de produção e elevar
a produtividade. Os trabalhadores, por sua vez, representam um custo de
produção para ao proprietário, recebendo salários para a sua subsistência.
Segundo Marx (apud TRINDADE, 2017), existem três princípios no modo
de produção capitalista, os quais são inconsistentes e contraditórios, tornando
o capitalismo propenso a crises:

1. o capitalismo é orientado para o crescimento;


2. esse crescimento resulta da exploração do trabalho no processo de
produção de bens e serviços;
3. o capitalismo é tecnológica e organizacionalmente dinâmico.

Ao longo do século XX, ocorreram crises na estrutura organizacional


do taylorismo e do fordismo, principalmente pós-Segunda Guerra Mundial.
Embora diferentes, ambas se complementavam, uma contribuindo pela im-
portância do domínio da força de trabalho pelo empresário e a outra visando,
além do controle, a adesão do trabalhador.
Desde o início do processo fordista de produção, o trabalhador passou
a ser visto como fundamental no processo produtivo. A oferta de maiores
salários em relação ao mercado estadunidense da época foi o que representou
esse avanço. Até os dias atuais, nota-se que uma das grandes lutas sindicais
é a busca por melhores salários em todas as áreas representadas. Portanto,
as consequências do fordismo para a população foram marcantes, pois, além
do maior poder de compra, passou-se a ter um novo estilo de vida, com mais
produtos à disposição com preços mais acessíveis.
Apesar desse avanço das questões sociais, a produção em massa exigiu,
também, por parte do governo, maiores investimentos em relação a melhorias
na infraestrutura, por exemplo, para um melhor escoamento da produção,
mais incentivos políticos para estimular a produção privada e, com isso,
o crescimento econômico, entre outras questões. Tudo isso em função do
maior poder de consumo e, também, do nível de exigência da população, que
aumentava devido às novas condições de vida. Novas necessidades são criadas
e estimuladas pela indústria de produção em massa, bem como novos desejos,
como a aquisição da casa própria e do automóvel.
Em paralelo a essa evolução nas questões sociais, encontra-se a insatisfação
dos trabalhadores em relação às condições de trabalho e ao elevado controle que
as empresas tinham tanto durante quanto depois do horário de trabalho. A vida

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particular também era controlada, de modo que os trabalhadores não sofressem


desgaste físico e perdessem o ritmo de produtividade (RIBEIRO, 2015).
A insatisfação dos trabalhadores se refletiu no absenteísmo, na alta ro-
tatividade de pessoal, nas sabotagens e nas greves, o que provocou queda
na produtividade e, portanto, nos lucros dos empresários (DRUCK, 1999;
BIHR, 1999 apud RIBEIRO, 2015). Além disso, ocorria a luta sindical pela
manutenção dos salários, que se viam ameaçados pela queda na lucratividade.
Tais episódios sugeriam uma crise do capitalismo, representado pelo modo de
produção do binômio taylorismo/fordismo, que, caracterizado pela automatização
dos processos e pela disciplina excessiva em relação à vida profissional e pessoal,
tornava o trabalhador alienado. Isso significa que as atividades desempenhadas
estavam de tamanha forma padronizadas que reduziam a capacidade de senso
crítico por parte do operário em prol do enriquecimento do empresário.
A crise se efetivou na década de 1960, pois o questionamento em relação
à organização dos processos de trabalho se propagou pela sociedade como
um todo, para além do mundo do trabalho, principalmente entre os jovens e
estudantes, que manifestavam nas ruas as suas preocupações. Para além da
rigidez nos padrões de trabalho, contestavam o modo americano de viver as
formas com que os seus saberes e qualificações seriam utilizados na sociedade
(RIBEIRO, 2015).
O pensador alemão Marx utilizava a questão da alienação em sua obra
“O Capital”, aplicando-a à noção de trabalho. Para a sua sobrevivência, os
homens ofereciam no mercado a sua força de trabalho, submetendo-se aos
processos padronizados e limitando os seus pensamentos. A consequência
era a divisão de classes e desigualdades sociais – daí a necessidade do ser
humano de examinar a realidade que o cerca, emancipar o seu pensamento,
consciência e subjetividade (VANNUCCHI, 2017).
Um novo modelo organizacional, que sugeria o fim da alienação do trabalho,
surgia no Japão na mesma época em que a crise do capitalismo ocorria no
mundo ocidental: o toyotismo. Através desse modelo, o indivíduo poderia expor
a sua opinião acerca do processo de produção em qualquer de suas etapas,
recuperando a unidade entre concepção e execução. O trabalhador passou a
poder usar sua capacidade de iniciativa e criatividade e tinha a sua importância
considerada nos diferentes níveis salariais entre os cargos. Assim, deixou de
ser apenas mais um em uma organização, e o seu valor para o crescimento da
empresa passou a ser considerado. Isso estimulou a dedicação do trabalhador
e os resultados foram significativamente positivos, levando o toyotismo a ser
utilizado em outras grandes organizações do país e, inclusive, nos Estados
Unidos e em outros países do mundo ocidental.

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Trabalho versus emprego


Foi em meio à crise do fordismo e do taylorismo e ao surgimento do toyo-
tismo que as primeiras teorias em relação à importância do capital humano
para o sucesso das organizações começaram a surgir, ligadas à disciplina
Economia da Educação (criada pelo professor de economia Theodore W.
Schultz na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, em meados dos
anos 1950). O principal motivo disso foi a procura pela explicação dos
ganhos de produtividade que eram resultado do “fator humano” no pro-
cesso de produção. Esse estudo identificou que a qualificação do trabalho
humano por meio da educação era um dos principais motivos do aumento
da produtividade econômica, ou seja, do crescimento das taxas de lucro
(MINTO, 2006).
Desse modo, a ideia de que a educação poderia influenciar tanto o de-
senvolvimento econômico quanto o desenvolvimento do próprio indivíduo
se disseminou; a educação se tornou sinônimo de valorização do próprio
indivíduo, na mesma lógica em que se valoriza o capital. Assim, sendo um
fator econômico fundamental para o desenvolvimento, os investimentos em
educação passaram a ser considerados como um dos critérios do investimento
capitalista (MINTO, 2006).
Junto à a valorização do nível instrucional do indivíduo, as exigên-
cias do trabalhador passaram a ser cada vez maiores e o fortalecimento
do poder sindical contribuiu para que isso acontecesse. No Brasil, essa
questão se destacou ao longo dos anos 1980, em meio ao processo de
democratização da economia. Assim, a possibilidade de o cidadão poder
votar de forma direta nos candidatos políticos elevou os esforços por
parte dos governantes no sentido de conquistar os seus eleitores. A luta
pelas questões trabalhistas envolveu entidades patronais e sindicatos em
muitos debates durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte.
Segundo Paulo Paim, deputado constituinte na época, a resistência por
parte do empresariado se devia ao temor de que os benefícios trabalhistas
pudessem inviabilizar o crescimento econômico do país (que enfrentava
períodos de grande instabilidade nos anos 1980). O resultado dessa luta foi
a inclusão de direitos inéditos dos trabalhadores na Constituição de 1988
(ALTAFIN, 2008). Esse documento foi um grande passo para a criação de
direitos e garantias essenciais para a classe trabalhadora, os quais eram
inéditos para a época e surtem efeitos até os dias atuais, pois passaram
a ser incorporados definitivamente no cotidiano das relações formais de
trabalho, como:

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 licença-maternidade;
 licença-paternidade;
 redução da jornada de trabalho de 48 horas semanais para 44 horas;
 autonomia sindical;
 direito ao décimo-terceiro salário;
 direito ao aviso prévio;
 direito de greve para trabalhadores da iniciativa privada e do setor
público;
 mecanismos contra a demissão arbitrária e contra a redução de salário;
 liberdade de organização sindical (inclusive para servidores públicos).

Essas relações formais se referem ao trabalhador que possui algum vínculo


empregatício, ou seja, um emprego com carteira assinada, através do regime
de Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (Lei N.º 5.452, de 1943). O que
não apresenta vínculo empregatício não se enquadra nas relações de emprego,
mas sim nas relações de trabalho; verifica-se, assim, que existe diferença entre
os termos “trabalho” e “emprego” (FARACHE, 2011).
Para Süssekind (2009, p. 17), “O conceito de relação de trabalho é tão amplo,
abrangendo todo contrato de atividade, que o fundamento da sua conceituação
é a pessoa do trabalhador, qualquer que seja a modalidade do serviço prestado”.
Alguns exemplos de relações de trabalho nesse caso são o trabalho autônomo,
o eventual, o avulso e a residência médica. Porém, as formas de trabalho que
não se encontram sob o regime CLT não são consideradas “empregos”, mas
acabaram sendo abrangidas por alguns direitos comuns ao trabalhador como
a jornada de trabalho. Por outro lado, os direitos à aposentadoria, ao seguro-
-desemprego e à assistência social em caso de invalidez, por exemplo, não
cabem ao trabalhador que não possui carteira assinada. Em ambas as situações,
prevalece a Justiça do Trabalho, mas a cada uma cabe a aplicação de legislação
pertinente na solução de seus litígios (FARACHE, 2011).
Com relação ao vínculo empregatício, a Lei N.º 5.452, de 1943, estatui as
normas que regulam as relações individuais e coletivas de trabalho. Conforme
a legislação, o empregador consiste na empresa, seja individual ou coletiva,
que assume os riscos da atividade econômica, bem como realiza a admissão,
paga pelo serviço mediante salário e dirige a prestação pessoal de serviço. Do
outro lado, encontra-se o empregado, que é toda a pessoa física que prestar
serviços de natureza não eventual a empregador, seja intelectual, técnico e
manual, sob a dependência deste e mediante o pagamento de salário (BRASIL,
1943). A Figura 1 apresenta a evolução do saldo das contratações formais (com
carteira assinada), nos meses de fevereiro, de 2003 a 2018, no Brasil:

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Figura 1. Brasil: saldo do emprego formal nos meses de fevereiro (2003 a 2018), segundo
o CAGED – Sem Ajustes.
Fonte: Brasil (2018, documento on-line).

Conforme o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED),


a evolução das contratações formais no início do século XXI foram positivas,
refletindo o aumento do acesso de trabalhadores às garantias trabalhistas
dispostas na Constituição Federal de 1988. Além disso, espelha a crescente
importância dada pelo empregador em relação à contratação formal, sendo
um aspecto positivo a ser observado pelo trabalhador na hora de escolher a
empresa à qual pretende oferecer os seus serviços. No entanto, desde 2011,
essa situação passou a ser revertida em função da crise econômica e política
interna, que impactou o mercado de trabalho brasileiro – apenas ao longo
de 2017 esse mercado passou a apresentar sinais de retomada no ritmo de
contratações formais (BRASIL, 2018).
A intervenção do governo nas relações trabalhistas foi fundamental para
a valorização do trabalhador nas empresas. Os direitos mínimos passaram a
ser garantidos pela justiça, minimizando os abusos e a exploração trabalhista
por parte do empregador. Além disso, cada vez mais a opinião do traba-
lhador era considerada, bem como a atenção pelos seus objetivos pessoais
e profissionais, pois as empresas começaram a se dar conta de que quanto
maior a satisfação do funcionário, melhor a sua dedicação, produtividade e
qualidade nos resultados.
A introdução do setor de Recursos Humanos (RH) nas organizações
representa essa evolução em relação à importância do trabalhador nos re-
sultados. A sua função consiste em adquirir, desenvolver, usar e reter os
colaboradores da organização, o que pode ser realizado por uma pessoa ou por
um departamento (profissionais em recursos humanos). Todas essas tarefas
devem estar alinhadas à “estratégia” da organização. Assim, o foco dessa
área passou a ser o trabalhador como um ser que pensa, que tem sonhos,

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desejos, expectativas e que é dotado de inteligência – diferentemente do que


se observava ao longo do século XX, quando o trabalhador era apenas uma
mão de obra física, como se fosse uma extensão das máquinas (MARTINS;
MACHADO; FERREIRA, 2014).
Para o empresário, a introdução do departamento RH foi feita devido
ao que essa área poderia agregar de valor a seu capital financeiro e eco-
nômico; para o trabalhador, refere-se ao valor que vai ser agregado à sua
carreira, à sua vida e à vida de sua família (MARTINS; MACHADO;
FERREIRA, 2014).
As necessidades de pensar, agir e propor dos trabalhadores são orientadas
pelos objetivos propostos pela empresa, os quais aparecem, muitas vezes,
mascarados pela necessidade de atender ao mercado consumidor. Porém,
como o consumo é o que sustenta o sistema produtivo de capital, defender
o consumidor e sua satisfação é fundamental para preservar a própria con-
tinuidade da empresa no mercado (ANTUNES, 2002).

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