Você está na página 1de 8

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE PSICOLOGIA
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

DIRCE MEIRE NEVES NOVAIS DE SOUZA

O DESENVOLVIMENTO DA CIDADANIA E DA POLÍTICA


SOCIAL NO BRASIL

Salvador
2017
DIRCE MEIRE NEVES NOVAIS DE SOUZA

O DESENVOLVIMENTO DA CIDADANIA E DA POLÍTICA


SOCIAL NO BRASIL

Trabalho apresentado à disciplina FCH243,


Curso Monográfico de Ciência Política, do curso
de Serviço Social da Universidade Federal da
Bahia, com a finalidade de avaliação parcial.

Docente: Profª. Drª. Sue Iamamoto

Salvador
2017
2

O DESENVOLVIMENTO DA CIDADANIA E DA POLÍTICA SOCIAL NO


BRASIL

Este texto, que tem a finalidade de avaliação parcial da disciplina Curso


Monográfico em Ciência Política, tem a pretensão de discutir brevemente o
desenvolvimento da cidadania e da política social no Brasil.
Inicialmente, aborda-se o conceito de cidadania com base em T. H.
Marshall (1967, p. 62) que, analisando o pensamento de Alfred Marshall, afirma
que
[...] uma espécie de igualdade humana básica associada com o
conceito de participação integral na comunidade – ou, como eu diria,
de cidadania - o qual não é inconsistente com as desigualdades que
diferenciam os vários níveis econômicos da sociedade. Em outras
palavras, a desigualdade do sistema de classes sociais pode ser
aceitável desde que a igualdade de cidadania seja reconhecida
(MARSHALL, 1967, p. 62).

Assim, acredita que a cidadania seria instrumento capaz de regular as


desigualdades sociais provenientes do sistema de classes, característico da
sociedade capitalista. Para isso, divide a cidadania em três partes, conforme
abaixo.
O primeiro elemento constitutivo da cidadania seria o civil, agregando os
direitos necessários ao exercício da liberdade individual: liberdade de ir e vir,
direito à livre expressão do pensamento, de imprensa, de professar uma fé, de
propriedade, à justiça e que teriam sido os primeiros a ser conquistados, no
século XVIII.
O segundo elemento é o político, que seria o direito de votar e de ser
votado, participando ativamente do poder político, acrescentados ao direito à
cidadania no século XIX.
Por fim, os direitos sociais: de bem-estar econômico, ainda que mínimo,
e direito de participar da herança social, de acordo com o padrão prevalente na
sociedade da qual o indivíduo participa, conquistados no século XX.
Dessa forma, o conceito de cidadania em Marshall estaria atrelado à
igualdade de acesso aos direitos acima elencados aos membros de uma
comunidade politicamente organizada, igualando-os em direitos e obrigações.
Além disso, pressupõe uma percepção de pertencimento à comunidade.
3

No Brasil, conforme aponta Carvalho (2008, p. 11-12), a cidadania seguiu


trajetória diferente à que Marshall apresenta, em pelo menos dois aspectos.
Segundo o autor, “a primeira refere-se à maior ênfase em um dos direitos, o
social, em relação aos outros. A segunda refere-se à alteração na sequência em
que os direitos foram adquiridos: entre nós o social precedeu os outros ”.
Em seguida, apresenta-se o conceito de política social, que na acepção
de Sanches Filho (2013, p.369)

[...] envolvem planos, ações e medidas governamentais cuja


implementação objetiva garantir direitos sociais, bem como enfrentar
problemas decorrentes do desenvolvimento econômico, sobretudo do
capitalismo e de seus períodos de crise, como pauperização, pobreza,
insalubridade, condições e regulação do trabalho, seguros
previdenciários, etc.

Complementarmente a essa definição, a política social se constituiria de


planos e ações governamentais cujo objetivo seria a promoção do bem-estar dos
cidadãos, através da redistribuição de recursos. A política social seria, ainda um
instrumento positivo de mudança e se desvelaria em três modelos: O Estado de
Bem-Estar Social, Estado Corporativista e Estado Mínimo (Liberal e Residual)
(TITMUSS,1974, apud IAMAMOTO, 2017).
Os direitos sociais no Brasil segundo Carvalho, até o início do século XX,
eram precários, ofertados como benesses por entidades religiosas ou por
sociedades de auxílio mútuo, eram disciplinados por leis frágeis e incipientes e
teriam sido implantados em um período em que os direitos políticos e alguns
direitos civis, como o direito à liberdade de expressão teriam sido suprimidos
pelo governo ditatorial, porém populista, de Getúlio Vargas, no período do Estado
Novo.
Entretanto, a cidadania no Brasil segue a lógica da cidadania regulada,
conceito cunhado por Wanderley Guilherme dos Santos (1979). Tal conceito
entende a cidadania no Brasil como um sistema estratificado, onde são cidadãos
aqueles que se encontram inseridos formalmente em ocupações reconhecidas
em lei.
Segundo afirmam Behring & Boschetti (2012, p. 105), no período
compreendido entre os anos de 1930 e 1943, que seria “o momento de inflexão
no longo processo de constituição de relações sociais tipicamente capitalistas no
Brasil” acontece a introdução da política social no Brasil, atrelada à
4

regulamentação das leis trabalhistas, com o objetivo de, ainda que por vias
autoritárias e doutrinadoras, criar um ambiente de colaboração entre as classes,
a fim de se evitar conflitos sociais.
Essas primeiras respostas do Estado à questão social, no entanto, segue
a lógica da cidadania regulada, conceito cunhado por Wanderley Guilherme dos
Santos (1979). Tal conceito entende a cidadania no Brasil como um sistema
estratificado, onde são cidadãos aqueles que se encontram inseridos
formalmente em ocupações reconhecidas em lei e onde somente aqueles que
estavam formalmente inseridos no mercado de trabalho eram assistidos e a
proteção era pensada, não para proteger o trabalhador, mas para manter e
ampliar a força de trabalho. A cidadania estaria, portanto, atrelada à profissão e
aqueles que estivessem afastados dessa lógica seriam pré-cidadãos. Dessa
forma, a cidadania, ao invés de direito, seria possibilidade, já que não era
garantia universal e aqueles que estavam de fora poderiam acessar a qualquer
momento, desde que conseguissem a inserção formal no mercado de trabalho.
Essas pessoas, no entanto, continuavam fora do alcance da proteção do Estado,
restando-lhes somente a assistência de entidades filantrópicas.
Dentre as medidas adotadas estão a instituição do salário mínimo, das
férias remuneradas, a regulação dos acidentes de trabalho e do trabalho
feminino e infantil, das aposentadorias e pensões, dos auxílios doença,
delimitação da jornada de trabalho em oito horas diárias, entre outros. Foi criado
o Ministério do Trabalho e instituída a Carteira de Trabalho, que passa a ser o
documento da cidadania no Brasil, uma vez que “eram portadores de alguns
direitos aqueles que dispunham do emprego registrado em carteira”. O Estado
só intervém efetivamente na seguridade através da saúde pública, numa lógica
campanhista, e na medicina previdenciária, pelos Institutos de Aposentadorias e
Pensões (IAP) para as categorias que a eles tinham acesso. (BEHRING &
BOSCHETTI, 2006, p. 106).
No Estado Novo, em que os direitos sociais recrudescem no Brasil, os
direitos políticos e civis estariam sob ataque, não há liberdade de imprensa, o
acesso à justiça se dá através de sistema de privilégios, os direitos trabalhistas
são controlados pela intervenção do governo nos sindicatos. Estabelece-se um
sistema de proteção social básico, um introito de Estado de Bem-Estar Social.
Essa iniciativa segue a lógica de proteger o capital, uma vez que não universaliza
5

as ações, mas destina-as somente para aqueles que estão formalmente


inseridos no mercado formal de trabalho.
Durante o período da ditadura militar (1961-1985), os direitos civis e
políticos são suprimidos quase completamente e governo adota medidas
autoritárias, tais como:

• Prisões feitas sem mandado judicial, presos mantidos isolados, sem


direito à defesa e submetidos à tortura
• Habeas corpus cassado para crimes políticos
• Privacidade do lar e segredo de correspondência: constantemente
violados
• Sindicatos suspensos
• Sem liberdade de imprensa
• Poder Judiciário age com submissão ao regime (IAMAMOTO, 2017,
p. 15)

No entanto, há algum avanço nas políticas sociais: na previdência, foi


criado o INPS, para unificar os IAPs, passando ao controle total do Estado.
Houve uma uniformização de benefícios, criação da previdência rural, o Funrural,
para instituir o benefício de meio salário mínimo para trabalhadores rurais idosos.
Além disso, o trabalhador é contemplado com a criação do Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço (FGTS) e do seguro-desemprego. Um início de política
habitacional é implementado, com a criação do Banco Nacional da Habitação,
que tem a finalidade de gerir os recursos dos financiamentos habitacionais. Mas
essa política também só contempla aqueles que podem comprovar uma renda
através da inserção no mercado formal de trabalho. Os trabalhadores informais
passam a contribuir com a Previdência Social na qualidade de autônomos,
podendo contar com alguma cobertura.
A concepção de cidadania regulada prossegue no Brasil até a
promulgação da Constituição Federal de 1988, quando o Estado precisa dar
respostas às expressões da questão social, através da universalização do
acesso aos direitos sociais, prevista no artigo 6º daquele diploma legal.
E mesmo depois da promulgação da Constituição e reconhecimento dos
direitos sociais como direitos de cidadania na legislação nacional e da instituição
do conceito de seguridade social sustentada no tripé composto por saúde,
assistência social e previdência social, a política social ainda é pensada com a
lógica do seguro e de ações residuais, prestada através de ações focalizadas e
fragmentadas. Ainda que as políticas de saúde e de assistência social tenham
6

adquirido o caráter de universalidade e de caráter distributivo, notadamente no


que concerne à assistência social, sempre tiveram como pano de fundo os
cenários de profunda exclusão social. Ou seja, todas as ações foram e são
pensadas visando não a prevenção dos cenários de exclusão, mas para minorar
seus efeitos.
Para concluir, a percepção que se tem do desenvolvimento da cidadania
no Brasil é que, além de ser o que Carvalho denominou de “o longo caminho”,
ainda não é algo do qual a população se sinta próxima e, portanto, tenha um
sentimento de pertencimento. Avanços significativos foram conquistados, mas
também houve e há retrocesso nesse caminho. No entanto, concorda-se com a
acepção de cidadania que Marshall apresenta, ao pensar que ela estaria
imbricada no acesso pleno aos direitos civis, políticos e sociais e que as políticas
sociais seriam um caminho para a conquista dessa cidadania.
7

REFERÊNCIAS

BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política social: fundamentos


e história. 9 ed. São Paulo: Cortez, 2011. (Coleção Biblioteca Básica do Serviço
Social; v. 2)
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 10 ed. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
IAMAMOTO, Sue. A. Política Social e Estado de Bem-Estar Social. Slides da
aula 5. Disponível em:
https://www.moodle.ufba.br/pluginfile.php/390425/mod_resource/content/1/Aula
%205.pdf. Acesso em: 30 dez. 2017
SANCHES FILHO, Alvino Oliveira. Política Social. In: IVO, Anete Brito Leal
(Coord.) et. al. Dicionário temático desenvolvimento e questão social. São
Paulo; Brasília; Salvador: Annablume; CNPq; FAPESB, v. 1, p. 369-373, 2013.
SANTOS, Wanderley Guilherme. Cidadania e justiça. A política social na ordem
brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 1979.

Você também pode gostar