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Ciência Política e Teoria Do Estado - Formação Do Estado-Nação
Ciência Política e Teoria Do Estado - Formação Do Estado-Nação
O Estado Nacional como objeto das preocupações do pensamento político moderno ocidental e
sua constituição histórica.
PROPÓSITO
O Estado, como aparelho burocrático-militar-institucional, é uma das invenções mais
importantes da modernidade ocidental, tendo sido difundido pelo mundo a partir das
experiências de colonização que os países europeus impuseram a outros territórios. Por isso, é
fundamental compreender, em suas dimensões teórica e prática, o Estado Nacional Moderno.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Identificar como o “Estado” tornou-se a questão fundamental para os tratados filosóficos que
fundaram o pensamento político moderno
MÓDULO 2
MÓDULO 3
INTRODUÇÃO
Entre os séculos XVI e XIX formou-se na Europa aquela que se tornou uma das principais
organizações institucionais da modernidade, estruturando nossas vidas até os dias atuais: o
Estado Nacional, entendido como aparelho burocrático-militar-institucional mais ou menos
centralizado e capaz de exercer soberania sobre determinado território.
O CONCEITO DE ESTADO
Assista ao vídeo.
The Course of Empire - Destruction, de Thomas Cole.
O conceito “Estado” costuma ser utilizado para definir o organismo institucional que nasceu na
Europa, na transição do século XIV para o século XV, sendo caracterizado pela centralização
administrativa, burocrática e militar e pela capacidade de exercer soberania sobre um território
delimitado por fronteiras.
Porém, se estudarmos com mais cuidado os escritos de Maquiavel, perceberemos que seu
interesse era desenvolver uma teoria de governo capaz de garantir a “virtude da República”. A
ideia de “República” que, segundo o historiador inglês Quentin Skinner, Maquiavel herdou da
tradição republicana, é fundamental para o pensamento político do intelectual florentino e para
o próprio pensamento político moderno.
Foi nesse momento, ainda segundo Quentin Skinner, que as estruturas políticas dos
principados medievais, comandados por monarcas com direito hereditário, começaram a ser
repudiadas no território que, no século XIX, passaria a ser chamado de “Itália”. As sociedades
italianas, ou regnum italicum, como eram chamadas na época, estavam preocupadas em
desenvolver formas de convivência coletiva capazes de resistir ao despotismo monárquico e
garantir a estabilidade interna e externa, proporcionando aos seus cidadãos aquilo que
Aristóteles chamava de “boa vida”.
Fronteira do Sacro Império
Borgonha Suábia
Baviera
Caríntia
Marquesado Hungria
Reino da de Verona
Lombardia
Veneza
Gênova
Romanha
República Croácia
Pe de Veneza
Pisa nt
áp
Marquesado ol Zara
is
de Toscana
Espalato
Córsega
Ducado Mar
(disputado por de Espoleto
Adriático
Gênova e Pisa)
Estados Roma Principado de
Pontifícios Benevento
Giudicado Geta
Principado Bari
da Sicília de Cápua
(disputado com Nápoles Principado Brindisi
os sarracenos) de Salerno
Ducado
Tarento
de Amalfi
Catapanato da Itália
Mar Tirreno
Itália (Império Bizantino)
Palermo
Para isso, era necessário encontrar meios que impedissem, ou amenizassem, a “corrupção” da
República — outro conceito trazido do vocabulário político aristotélico. Corrupção, disse
Aristóteles no tratado da Política, é o efeito natural do tempo nos governos, podendo, no
máximo, ser atenuado por governantes virtuosos. Foi essa atmosfera conceitual dentro da qual
Maquiavel pensou, escreveu e atuou politicamente, como analista, poeta, historiador e
conselheiro do poder.
Tito Lívio, autor e historiador romano que registrou a história de Roma e seu significado
político, elaborou o texto Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio entre 1513 e 1521.
Na obra, Maquiavel tem interesse de entender as leis, a liberdade e as instituições políticas no
funcionamento de uma República. Em sua discussão sobre política e governos, Maquiavel
parte da premissa de que os assuntos terrenos estão na alçada das competências humanas,
não restando espaço para a interferência divina.
REPÚBLICA
REFLEXÃO
A boa vida comum, portanto, é da responsabilidade dos seres humanos, a eles cabendo
desenvolver mecanismos que tornem possível o convívio coletivo harmônico. A Ciência Política
elaborada por Maquiavel afirma a laicização da vida social.
LAICIZAÇÃO
(MAQUIAVEL, 1982)
Temos, na citação, muitos elementos que nos permitem compreender o núcleo do pensamento
político de Maquiavel para além dos clichês compartilhados no senso comum. Na época de
Maquiavel, Florença era objeto de constantes assédios de repúblicas vizinhas e impérios
estrangeiros, o que colocou o tema da estabilidade do governo no primeiro plano das
preocupações do autor.
A cidade, que no texto de Maquiavel pode ser tomada como sinônimo de “Estado”, é resultado
de uma escolha racional, feita por grupos humanos, que antes viviam de forma desagregada e
esparsa. Não há em Maquiavel um “Estado natural”, pré-social, como vamos encontrar em
outros teóricos do Estado Moderno. A agregação social é um “desde sempre” no pensamento
do escritor florentino.
O Estado surge quando esses grupos, movidos por necessidade prática, decidem que é melhor
se unir e pactuar a organização de um poder relativamente centralizado que seja capaz de
defender os interesses de todos. A partir desse momento fundacional, o desafio da comunidade
política passa a ser a defesa da “virtude” da República, entendida como a capacidade de
prover o bem comum contra os assédios internos das facções e os ataques dos inimigos
estrangeiros.
É essa a discussão que Maquiavel desenvolve em O Príncipe, sem dúvida um dos livros mais
famosos da literatura política ocidental. O interesse do autor é aconselhar o príncipe no melhor
caminho para a conservação da República.
O PRÍNCIPE
(MAQUIAVEL, 2002)
O governante, diz Maquiavel, deve ser julgado por critérios específicos, diferentes daqueles
usados para avaliar o caráter dos homens comuns. Temos aqui a diferença entre os
governantes e os homens comuns, entre a vida política e a vida privada, estabelecida por
Maquiavel como “razão de Estado”.
A política teria moral própria e seu objetivo sempre é manter a “saúde cívica da República”,
ainda que para isso o governante precise fazer aquilo que seria considerado inadequado para
o homem comum, como matar. É fundamental que o governante, continua Aristóteles, tenha
sorte (fortu) e a capacidade de ser amado pela comunidade (virtu). Um governante azarado e
odiado pela maioria jamais conseguiria manter a República saudável e capaz de exercer
“soberania sobre territórios e corações”.
Se é fundamental ser “amigo do povo”, o governante precisa dosar os bons e os maus atos. Os
bons atos são executados em ritmo lento para “perpetuar a memória da bondade”, enquanto os
“maus atos” devem ser “executados de uma só vez para que sua memória seja curta”.
Isso não significa que tenham abordado o tema do Estado da mesma maneira, pois há
diferenças substantivas entre os pensamentos políticos desenvolvidos pelos dois autores. Em
comum entre eles estão a sintaxe política e os conceitos acionados na reflexão.
Thomas Hobbes é autor do Leviatã, publicado em 1651 e um dos mais famosos tratados de
filosofia política da modernidade, popularmente reconhecido pela máxima “o homem é o lobo
do homem”. Porém, da mesma forma como fizemos há pouco com Maquiavel, é necessário
entender o pensamento político de Hobbes para além dos clichês e como um esforço de
teorizar sobre a própria ontologia humana.
Que vivem em bandos ou em grupos. Em sentido mais amplo, aqueles que são sociáveis,
que vivem bem socialmente.
LEVIATÃ
O livro traz a ideia de um grande ser, monstruoso, mas que precisava ser entendido
para que o senso e o coletivo não permitissem ser o monstro que era.
Toda a discussão que o autor propõe a respeito do Estado parte de uma premissa ontológica,
segundo a qual nós, seres humanos, somos naturalmente ruins e racionais. Ou seja, nascemos
perversos, egoístas e apetitosos, mas nascemos também capazes de entender que nossa
natureza é potencialmente destrutiva, e que é necessário domá-la para que a própria vida seja
possível.
O estado natural, então, é violento, selvagem, uma situação de “guerra de todos contra todos”,
como o próprio Thomas Hobbes afirmava.
ONTOLÓGICA
(ROUSSEAU, 1999)
Em comum entre eles está a ideia de que a saída da situação pré-social se deu por um acordo,
por um contrato estabelecido pela maioria e movido pelos imperativos da razão. Diz Hobbes
que os primeiros humanos perceberam que o estado de natureza, se perpetuado, significaria a
extinção da espécie. Pactuaram, então, que melhor seria abrir mão das liberdades primitivas
para submeterem-se a um poder externo, acima de todos, e que fosse capaz de garantir a vida
e a propriedade, tornando a própria existência coletiva possível.
O FIM ÚLTIMO, CAUSA FINAL E DESÍGNIO DOS
HOMENS (QUE AMAM NATURALMENTE A LIBERDADE
E O DOMÍNIO SOBRE OS OUTROS), AO INTRODUZIR
AQUELA RESTRIÇÃO SOBRE SI MESMOS SOB A
QUAL OS VEMOS VIVER NOS ESTADOS, É O CUIDADO
COM SUA PRÓPRIA CONSERVAÇÃO E COM UMA VIDA
MAIS SATISFEITA. QUER DIZER, O DESEJO DE SAIR
DAQUELA MÍSERA CONDIÇÃO DE GUERRA QUE É A
CONSEQUÊNCIA NECESSÁRIA (CONFORME SE
MOSTROU) DAS PAIXÕES NATURAIS DOS HOMENS,
QUANDO NÃO HÁ UM PODER VISÍVEL CAPAZ DE OS
MANTER EM RESPEITO, FORÇANDO-OS, POR MEDO
DO CASTIGO, AO CUMPRIMENTO DE SEUS PACTOS E
ÀQUELAS LEIS DE NATUREZA QUE FORAM
EXPOSTAS.
(HOBBES, 1983)
RESUMINDO
Na teoria hobbesiana, então, o Estado nasce de uma situação original de caos e violência e
como produto da racionalidade humana. Em Rousseau, a decadência não é original, intrínseca
à natureza humana, mas sim resultado de uma escolha infeliz: a invenção da propriedade
privada, que se deu no momento em que o primeiro ser humano “demarcou no chão um
pedaço de terra para dizer que era seu, encontrando outros inocentes o suficiente para
acreditar nele”.
Começava aqui a guerra geral rousseauniana, porque, não havendo nenhum poder externo
capaz de regular os limites de cada propriedade, estabeleceu-se o “reino da força”, que, no
limite, não era proveitoso para ninguém, “pois nada garante que o mais forte hoje se manterá
forte amanhã, e a obrigação de se manter forte para sempre é fardo tão pesado que ninguém
pode carregar sobre os ombros” (ROUSSEAU, 1999).
Surge, então, o Estado, como um pacto no qual os homens abdicam de sua liberdade original
para dar aval à existência de um poder comum, responsável pela salvaguarda do interesse
coletivo.
Rousseau, no entanto, resguarda a possibilidade de ruptura com esse poder, desde que ele
não cumpra seu papel no contrato. Então, o contrato social para Rousseau poderia ser rompido
unilateralmente pela sociedade civil, em uma ação revolucionária.
(ROUSSEAU, 1999)
Fonte: Maurice Quentin de La Tour/ Wikimedia commons/licença(CC BY 3.0...)
Jean-Jacques Rousseau
Thomas Hobbes
ESTADO E LIBERDADE
Outra tradição que, na modernidade, trouxe o Estado para o centro de suas preocupações
filosóficas foi o liberalismo político, um “fenômeno histórico pertencente à história europeia e
marcado pelos embates com o absolutismo monárquico e outras formas de tirania política que
existiram na Europa no início da modernidade” (MATEUCI, 2000).
Fonte: artistique7/Shutterstok.com
Locke e Constant notabilizaram-se por delinear dimensões mais claras ao ideário político
liberal, escrevendo importantes tratados sobre a limitação institucional do poder do Estado.
Destacam-se aqui o Primeiro tratado sobre o governo civil e o Segundo tratado sobre o
governo civil, escritos por Locke e publicados em 1689, além de Sobre a liberdade dos antigos
comparada com a dos modernos, escrito por Constant e publicado em 1819.
LIBERAL
Ambos os autores partem da premissa de que a boa vida em comunidade somente é possível
a partir de uma premissa: a existência de um Estado comprometido com o bem-estar coletivo e
com a defesa da vida e da propriedade dos indivíduos (entendidas como direitos naturais), sem
que com isso se exerça tirania ou poder absoluto sobre a sociedade.
A noção de “governo consentido” é fundamental para Locke, que acredita que os seres
humanos, dotados de racionalidade intrínseca, são perfeitamente capazes de idealizar formas
de governo que atendam às suas necessidades, ou seja, a defesa da vida e da propriedade.
Segundo Locke, portanto, a existência dos governos, e no limite do próprio Estado, justifica-se
pelas necessidades da sociedade civil e não pelos interesses do próprio governo, ou do
próprio Estado.
(LOCKE, 1990)
Benjamin Constant, por sua vez, está interessado em entender as especificidades da liberdade
moderna quando comparada com a antiga, com o objetivo de teorizar formas de governo
adequadas às modernas sociedades de massa, em muitos aspectos diferentes das sociedades
antigas. O autor argumenta que, na Antiguidade, a liberdade republicana era viável, pois
garantia aos cidadãos participarem diretamente do governo.
Esse tipo de liberdade somente seria possível em pequenos territórios, ocupados por
populações pouco numerosas. Como na modernidade a situação é bastante diferente, uma vez
que as nações modernas costumam ser mais extensas e populosas do que as repúblicas
antigas, fez-se necessária a reconceituação das ideias de liberdade e de participação política.
A LIBERDADE MODERNA CONSISTE NO DIREITO,
PARA CADA UM, DE INFLUIR SOBRE A
ADMINISTRAÇÃO DO GOVERNO, SEJA PELA
NOMEAÇÃO DE TODOS OU DE CERTOS
FUNCIONÁRIOS, SEJA POR REPRESENTAÇÕES,
PETIÇÕES, REIVINDICAÇÕES, ÀS QUAIS A
AUTORIDADE É MAIS OU MENOS OBRIGADA A LEVAR
EM CONSIDERAÇÃO. COMPARAI AGORA A ESTA A
LIBERDADE DOS ANTIGOS. ESTA ÚLTIMA CONSISTIA
EM EXERCER COLETIVA, MAS DIRETAMENTE, VÁRIAS
PARTES DA SOBERANIA INTEIRA, EM DELIBERAR NA
PRAÇA PÚBLICA SOBRE A GUERRA E A PAZ, EM
CONCLUIR COM OS ESTRANGEIROS TRATADOS DE
ALIANÇA, EM VOTAR AS LEIS, EM PRONUNCIAR
JULGAMENTOS, EM EXAMINAR AS CONTAS, OS
ATOS, A GESTÃO DOS MAGISTRADOS; EM FAZÊ-LOS
COMPARECER DIANTE DE TODO UM POVO, EM
ACUSÁ-LOS DE DELITOS, EM CONDENÁ-LOS OU EM
ABSOLVÊ-LOS.
(CONSTANT, 2019)
Aqui o autor está formulando aquela que é uma das principais características do liberalismo
político: a defesa de uma democracia fundada em instituições legislativas responsáveis
por representar os interesses da população, que participaria do governo de forma
indireta. Assim, seria possível garantir direitos políticos às populações numerosas, que
periodicamente seriam convocadas ao debate público, no período eleitoral, para escolher
livremente seus representantes.
Outra filosofia política moderna que se preocupou em teorizar limites institucionais ao poder do
Estado foi o Constitucionalismo, principalmente com Montesquieu (1689-1756), autor do
tratado O espírito das leis, publicado em 1748 e considerado a matriz teórica inspiradora das
Constituições modernas. No texto, Montesquieu idealizou o sistema de “freios e contrapesos”,
segundo o qual o poder do Estado é dividido em três partes independentes entre si:
PODER LEGISLATIVO
PODER EXECUTIVO
PODER JUDICIÁRIO
(MONTESQUIEU, 1990)
Percebe-se claramente como a preocupação com a liberdade contra a tirania do Estado pauta
o pensamento político moderno desde o século XVI, junto com outras questões, como a
segurança territorial contra as invasões estrangeiras e a prosperidade econômica da
República.
RESUMINDO
Essa relação de dominação somente seria superada pela abolição da divisão de classes e do
próprio Estado, dando lugar a uma sociedade comunista em que as pessoas viveriam
solidariamente, consumindo o que produzem, sem se apropriarem da riqueza produzida por
outros.
No próximo módulo, nos debruçaremos sobre a realidade histórica que, na Europa, deu origem
ao Estado Nacional, buscando entender como foi forjada a estrutura de poder que por tanto
tempo tem sido o principal objeto do pensamento político ocidental.
MAQUIAVEL
LIBERALISMO
Fortuna - está ligado a sorte. Nada poderia acontecer para limitar o poder do rei.
O bom governo devia estar comprometido com o bem-estar coletivo, defesa da vida e da
propriedade privada.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. O intelectual florentino Nicolau Maquiavel costuma ser reconhecido pela máxima “os
fins justificam os meios”, que se tornou sinônimo de legitimação da perversidade
política. No entanto, a obra de Maquiavel é muito mais complexa. Assinale, entre as
alternativas a seguir, aquela que melhor define a obra de Maquiavel.
MÓDULO 2
ESTADO NACIONAL
Assista ao vídeo.
O Estado Nacional, entendido como estrutura de poder centralizada e capaz de exercer
soberania burocrática, política e militar sobre um território delimitado por fronteiras, é resultado
da história europeia ocidental entre os séculos XIV e XVII.
Nesse período, entende-se por “Europa Ocidental”, segundo o historiador inglês Perry
Anderson (2004), a aproximação de França e Inglaterra com a Península Ibérica, formada por
Portugal e Espanha. Crises democráticas agudas, guerras civis religiosas, início da laicização
das mentalidades e dos costumes, modernização das relações econômicas, urbanização. São
essas as experiências que aconteceram em uma Europa Ocidental plural e extremamente
diversificada, e que serviram de pano de fundo para o surgimento dos Estados Nacionais.
Começar a contar a história da origem dos Estados Nacionais nos convida, segundo Guy
Fourquin, a entender a dinâmica da prosperidade material vivida pela Europa no século XI. O
crescimento produtivo aumentou a quantidade de alimentos disponíveis para o comércio,
fazendo com que seus preços dos víveres alimentícios diminuíssem e a qualidade de vida
aumentasse, resultando no crescimento demográfico e, consequentemente, no crescimento
das cidades e na intensificação da atividade comercial.
GUY FOURQUIN
E essa evolução também pode ser percebida nos âmbitos artístico e intelectual.
Na vida cultural, observou-se notória expansão das atividades artísticas e intelectuais, com a
difusão de universidades pelo continente. Tratava-se, portanto, de um ciclo virtuoso
experimentado em graus distintos em diversas regiões da Europa e que aponta para um
cenário de desenvolvimento econômico, prosperidade material e grandeza cultural, bem
diferente da imagem de uma Idade Média atrasada e decadente, que muitas vezes modula o
imaginário histórico coletivo.
Fonte: Etienne Collault/ Wikimedia commons/licença(CC BY 3.0...)
Manuscrito medieval mostrando uma reunião de doutores na Universidade de Paris
Um dos resultados desse cenário, ainda seguindo os estudos de Fourquin, foi o aumento do
custo de vida da aristocracia feudal, pois, com a Revolução Comercial, para utilizarmos as
palavras de Henri Pirenne (apud FOURQUIN, 1987), ficou mais caro manter os signos de
distinção tão importantes para alimentar o ethos aristocrático em sociedades pré-modernas.
HENRI PIRENNE
E, com isso...
Temos aqui um impasse que, na racionalidade econômica moderna, capitalista, não seria dos
mais difíceis de se resolver. Bastaria que a nobreza diminuísse seus gastos ou aumentasse os
impostos cobrados sobre seus dependentes. No entanto, a racionalidade econômica feudal
funciona a partir de outras prioridades, como demonstra Witold Kula (1974) no livro Teoria
econômica do sistema feudal.
WITOLD KULA
Witold Kula (1916-1988) foi cientista social, historiador e economista polonês, próximo da
metodologia do materialismo histórico.
Fonte: anonymous (Queen Mary Master)/ Wikimedia commons/licença(CC BY 3.0...)
Obrigações Feudais
O princípio da reciprocidade de direitos e deveres entre fortes e fracos, diz Kula, também é
basilar da cosmovisão feudal.
VERIFICAR
Se o menor deve obediência e impostos (em forma de serviços e produtos) ao seu senhor, o
aristocrata também tem suas obrigações, como proteger seus dependentes e não cobrar taxas
abusivas. O endividamento da aristocracia colocava, então, um impasse ao sistema.
Ou seja, se a nobreza não pode cortar gastos porque precisa manter seu estilo de vida
ostentatório, e os servos não aceitam impostos que consideram abusivos, o que fazer? Essa
situação é o ponto de partida para a famosa “crise do feudalismo”. A crise do feudalismo,
portanto, foi o resultado da disfunção do próprio sistema, pois suas causas foram endógenas,
isto é, internas. A epidemia de Peste Negra, que assolou a Europa durante o século XIV, não
foi a causa da crise, mas sim o seu agravante.
GEORGES DUBY
Georges Duby (1919-1996) foi um dos grandes medievalistas de seu tempo, teve
foco principal sobre as dinâmicas da organização política da França, decorrentes da
formação do Estado francês.
Fonte: Rob Bogaerts (ANEFO)/Wikimedia commons/licença(CC BY 3.0...)
ESTAMENTO SOCIAL
O estamento constitui uma forma de estratificação social com camadas mais fechadas do
que as classes sociais, e mais abertas do que as castas, ou seja, possui maior
mobilidade social do que o sistema de castas, e menor mobilidade social do que o
sistema de classes sociais.
Aconteceu, nesse momento, aquilo que Perry Anderson, no livro Linhagens do Estado
Absolutista, chama de Revolução Militar, que marcou o nascimento dos exércitos modernos,
formados não mais por servos que pagavam o “tributo de sangue”, mas sim por soldados
profissionais, remunerados e subordinados ao Estado centralizado, personificado na pessoa do
rei, o “primeiro entre iguais, o primus inter pares”, como se costumava dizer na época.
A ideia de monarquia precede a de República, mas a ideia de noção de identidade nacional
remete diretamente às dinâmicas da construção da identidade monárquica.
EXEMPLO
No Brasil, a identidade monárquica é tão forte, que, mesmo na tentativa de ruptura republicana,
as cores e muitos dos símbolos foram mantidos.
Agora, uma casa aristocrática específica detinha o poder sobre as outras e sobre o território.
Surgiu, assim, o Estado Nacional, impulsionado pela tentativa de salvar as hierarquias
tradicionais da destruição, preservando o máximo possível a ordem social feudal. Para isso,
entretanto, foi necessário mudar, e a nobreza perdeu suas antigas liberdades, passando a
estar subordinada ao rei.
Desse jeito foi possível impor ao campesinato a “segunda servidão”, novamente utilizando as
palavras de Perry Anderson. Essa foi a contradição que caracterizou a formação dos Estados
Nacionais. Para salvar a ordem feudal, o novo arranjo político deixou aquele que era um dos
seus valores fundamentais: a autarquia aristocrática.
Surgiu, junto com o Estado, um novo tipo de nobreza. Não mais aquela que vivia no campo,
com hábitos rústicos e no controle de seu exército particular. O nobre deixou de ser o “senhor
da guerra” para tornar-se o cortesão, sedentarizado, desarmado, vivendo na corte, sob controle
do trono.
Portugal foi o primeiro caso de modernidade política na Europa, no pleno sentido do termo,
com sistema fiscal, exército e burocracia em dimensão centralizada, supralocal. Tal como
aconteceu no restante da Europa, o Estado surgiu em Portugal como um dos resultados de
experiências de intensa movimentação militar e guerra civil provocadas pelo cenário geral da
crise feudal, que estudamos anteriormente.
Foi a chamada Revolução de Avis, iniciada em 1383 e terminada em 1385, que levou D. João
(1385-1433), chefe da casa de Avis, ao trono português, com o título de D. João I. A partir de
então, todos os empreendimentos da sociedade portuguesa, inclusive a expansão marítima e
comercial a partir do final do século XIV, seriam coordenados pela autoridade central do
Estado. Comparado com o restante da Europa, Portugal tinha vantagem em termos de
eficiência e rapidez, o que explica a dianteira que tomou na geopolítica continental na época.
Fonte: Jean d'Wavrin (Chronique d'Angleterre)/Wikimedia commons/licença(CC BY 3.0...)
Batalha de Aljubarrota, de Jean de Wavrin.
Esse condado, juntamente com os outros senhores do norte, manifestou o desejo de ampliar
seus domínios (autoridade e riqueza) por meio da expansão militar e da guerra com os
muçulmanos. Nesse momento, as cidades do Porto e de Viana eram extremamente
importantes para o contato comercial com Flandres, atual Bélgica e centro comercial da época.
A aliança com essas cidades, que eram chefiadas por uma oligarquia mercantil, permitiu à
coalizão cristã a aquisição de recursos para a formação de exércitos.
Nessas cidades tinha-se grande autonomia municipal, pois as câmaras detinham forte poder
em relação aos senhores do norte. Essas câmaras eram governadas pelos homens bons (elite
local), que tinham interesse em garantir sua autonomia, que estava sendo contestada pelos
senhores do norte.
Afonso Henriques surgiu nesse contexto para oferecer proteção militar a fim de que essas
cidades mantivessem sua autonomia. Em troca, essas cidades ofereceriam dinheiro a Afonso
Henriques.
Por meio da aliança com as cidades, Afonso Henriques acumulou dinheiro e, com os nobres,
otimizou a atividade militar. Tal fato conferiu notória força militar ao Condado Portucalense, a
ponto de outras casas aristocráticas reconhecerem sua ascendência sobre elas. A partir do
século XII, essas casas aristocráticas proclamaram a família dos Bourbon como dinastia real.
Surge, assim, a monarquia feudal em Portugal, liderada por um grande senhor de terras, que
se sobrepõe aos demais.
A expansão marítima e comercial portuguesa, portanto, foi potencializada por uma monarquia
com longo histórico de centralização administrativa, que gerenciou a nobreza com ethos militar
e que efetivamente se lançou aos mares.
RECOMENDAÇÃO
Fonte: Luís Vaz de Camões/Wikimedia commons/licença(CC BY 3.0...)
Para entender melhor esses acontecimentos históricos, leia os textos de Luís Vaz de Camões,
em especial Os Lusíadas, obra de poesia épica da epopeia portuguesa.
O caso do Estado Nacional espanhol remete à principal experiência imperialista dos primeiros
anos da modernidade, visto o poder que a Espanha exerceu sobre grande parte do continente
americano e sobre o extenso território na própria Europa. Mais do que qualquer outro país
europeu, a Espanha beneficiou-se da política de alianças matrimoniais/diplomáticas
característica das sociedades monárquicas.
No século XIV, pressionados pela crise estrutural que assolava as sociedades europeias e pela
ocupação muçulmana, alguns reinos ibéricos decidiram unir-se com o objetivo de centralizar
esforços para a superação da crise e a reconquista cristã do território. Entre esses reinos, os
maiores eram o de Castela e o de Aragão, que se uniram por meio do casamento de Isabel I e
Fernando II, em 1649.
Fonte: Alexandre Vigo/Wikimedia commons/licença(CC BY 3.0...)
Localização de Castela
ISABEL I
Fonte: Michel Sittow/Wikimedia commons/licença(CC BY 3.0...)
FERNANDO II
Perry Anderson mostra como, durante a escassez de mão de obra provocada pela crise geral
do feudalismo, Castela mostrou-se sede de uma lucrativa economia lanífera (Que produz lã.) .
Enquanto isso, Aragão, que já era potência territorial e comercial com capacidade de controlar
territórios mediterrânicos, como a Sicília e a Sardenha, garantia o fluxo comercial para
abastecer o Estado espanhol.
VERIFICAR
Granada, o último reduto mouro, foi destruída, completando a reconquista.
Nápoles foi anexada.
Navarra, absorvida.
E, acima de tudo, as Américas foram descobertas e subjugadas.
O Império espanhol chegou ao apogeu, em 1519, com Carlos I (1550-1558), que foi também o
Carlos V do Sacro Império Romano-Germânico. Devido a uma complexa teia de relações
dinásticas, Carlos, ao mesmo tempo um Bourbon e um Habsburgo, acabou herdando aqueles
que na época eram os maiores impérios do mundo: o espanhol, voltado ao Atlântico, e o
Habsburgo, continental, voltado ao centro da Europa. Surgiu assim, comandado a partir de
Madri, o maior império da era moderna.
RECOMENDAÇÃO
A transição espanhola é muito bem explorada na literatura de Dom Quixote, que fala sobre
um novo mundo e os grupos apegados. No grande livro de Miguel de Cervantes (1547-1616), é
trabalhada a “confusão” de ideias entre um velho e um novo mundo, com a transição da
mentalidade e a confusa relação entre o ideal de cavalaria e a velha aristocracia.
Temos aqui, também segundo Perry Anderson, o evento que fundou o exército moderno, ao
centralizar no rei o direito exclusivo de convocar e coordenar a força militar. A nobreza foi,
então, desarmada, sedentarizada, em um ato voluntário, consentido, por uma questão de
sobrevivência. Como se diz popularmente: “entregou os anéis para não perder os dedos”.
Já na Inglaterra...
A formação do Estado Nacional deu-se de maneira distinta quando comparada à situação dos
países continentais (Portugal, Espanha e França). Para entender essas particularidades,
precisamos conhecer a situação de quase colapso na qual se encontrava a Inglaterra na
segunda metade do século XV.
Após perder a guerra para os franceses, a Inglaterra, que tinha tradição de descentralização
político-administrativa, foi dividida por uma guerra civil travada entre duas de suas principais
casas aristocráticas.
Foi a chamada Guerra das Duas Rosas (1450-1485), envolvendo os York e os Lancaster. A
guerra foi tão longa e sangrenta que praticamente extinguiu as duas casas, abrindo um vazio
de poder que foi ocupado por outra dinastia, a dos Tudor.
Fonte: Unknown Derivative/Wikimedia commons/licença(CC BY 3.0...)
Guerra das Duas Rosas
Henrique VII (1457-1509) foi o primeiro rei da dinastia Tudor, diante da fragilidade das outras
casas aristocráticas, sempre rivais potenciais da dinastia. O projeto de centralização político-
administrativa liderado por Henrique VII, na avaliação do historiador Perry Anderson, teve três
movimentos:
PRIMEIRO MOVIMENTO
Desarmar a nobreza, fragilizando-a ainda mais e concentrando, na autoridade central, o poder
de convocar e formar exércitos.
SEGUNDO MOVIMENTO
Mais complexo, consistiu no esvaziamento político da nobreza.
TERCEIRO MOVIMENTO
Como consequência direta, foi o rompimento com a tradição que orientava o monarca a
delegar cargos para a aristocracia, nomeando em seu lugar novas famílias emergentes e
enriquecidas em virtude do comércio de lã.
Assim, a monarquia feudal menos centralizada da Europa Ocidental fortaleceu sua autoridade
central em virtude do profundo esgotamento da aristocracia, e não por causa dos esforços do
grupo em sobreviver à crise estrutural do feudalismo, como aconteceu no continente.
Fonte: https://futurehistory.wikia.org/es/wiki/Guerra_civil_francesa
O irrestrito amor à nação como elemento formador de uma nova visão política
RESUMINDO
Trata-se de convencer todos os que nasceram no território controlado por determinado Estado
de que fazem parte de uma comunidade, de que existem vínculos afetivos que os irmanam.
Para isso, foi fundamental o “nacionalismo”, um ambiente político-cultural que teve seu lugar na
Europa e nas Américas durante o século XIX.
NAÇÃO E NACIONALISMO
A ERA DOS EXTREMOS
Foi necessário a criação de vínculos identitários entre as pessoas como a criação de tradições,
ícones e sentimento de pertencer.
Revolução inglesa como ponto de partida para a descentralização do poder real, formação da
monarquia parlamentarista.
Com a Revolução francesa o conceito de nação se torna mais próximo de todos, o poder sai
das mãos de uma elite e o estado passa a ser comandado por parte da população;
Fazer com que as pessoas se sintam parte daquela luta e anseiem em defender os interesses
do seu grupo gera um sentimento de pertença que ajuda a construir a ideia de nação.
Os discursos nacionalistas são usados não mais para unir o povo, agora é necessário atacar
os adversários, provar a superioridade da nação.
O belicismo como consequência dos conflitos entre nações;
Durante o século XX regimes como Nazismo e Fascismo usaram do discurso nacionalista para
atacar inimigos e promover a guerra.
ATIVIDADE
VERIFICANDO O APRENDIZADO
B) Portugal foi o primeiro caso de modernidade política na Europa porque precisou formar um
exército nacional e centralizado pra lutar contra a França no conflito que ficou conhecido como
Guerra dos Cem Anos.
C) Portugal foi o primeiro caso de modernidade política na Europa porque já contava com
situação de relativa centralização militar e administrativa desde a Idade Média, quando a
aristocracia cristã formou uma coalizão pra reconquistar o território ibérico, então ocupado
pelos muçulmanos.
D) Portugal foi o primeiro caso de modernidade política na Europa porque a expansão marítima
comercial forneceu recursos para a burguesia portuguesa, que se articulou politicamente e
fundou o primeiro Estado capitalista do mundo.
E) Portugal foi o primeiro caso de modernidade política na Europa porque a guerra com a
Espanha fortaleceu a nobreza, que derrotou a burguesia incipiente, fundando assim o primeiro
Estado aristocrático do mundo.
GABARITO
As guerras camponesas travadas entre os séculos XIII e XIV colocaram a hierarquia feudal em
perigo, o que fez com que a nobreza europeia pactuasse que casas aristocráticas específicas
centralizariam os esforços para o restabelecimento da ordem.
MÓDULO 3
O período compreendido entre os séculos XVII e XIX foi, ao mesmo tempo, o momento de
consolidação e crise dos Estados Nacionais. Foi nessa época que o modelo de Estado
centralizado, originado na Europa Ocidental no século XIV, se espalhou pelo mundo, mas foi
também quando a sociedade civil questionou e confrontou a autoridade centralizada.
Estudaremos aqui o ciclo de rebeliões sociais e políticas que aconteceu na Europa e nas
Américas nesse período. Foram experiências tão transformadoras que chegaram a modificar o
vocabulário político, como demonstra a filósofa alemã Hannah Arendt (1998), que identificou
aquela que teria sido a principal transformação político-semântica trazida pela modernidade: a
mudança no sentido do conceito “revolução”.
Se antes “revolução” era uma palavra associada ao movimento circular dos corpos celestes,
agora passa a ser um sinônimo de ruptura social e política drástica, que transforma para
melhor as sociedades, que acelera a marcha da história rumo ao futuro, como, por exemplo:
REVOLUÇÃO INGLESA
A REVOLUÇÃO FRANCESA
Foi assim que se construiu uma memória positiva desse conjunto de rebeliões sociais e
políticas que aprendemos a chamar de “Revoluções Burguesas”.
INGLATERRA
Ainda no século XVII, a Inglaterra foi desestabilizada por um conjunto de revoltas sociais que
acabaram por instituir aquele que se tornaria um dos valores mais sagrados das democracias
liberais modernas: o Constitucionalismo, que, como vimos no módulo 1, está fundado na
premissa de que o poder do Estado deve ser limitado pela lei.
CONSTITUCIONALISMO
SAIBA MAIS
Enquanto Christopher Hill, em perspectiva marxista, afirma que a Revolução Inglesa foi o
evento de inauguração da fase moderna da luta de classes, ao decretar a primeira grande
vitória da burguesia sobre a aristocracia; Stone argumenta que o processo de aburguesamento
da Inglaterra se deu pela modernização da própria nobreza rural, a gentry.
Seja como for, apesar das diferenças, ambos os autores interpretam as revoluções inglesas do
século XVII como o momento de fundação da ordem capitalista, que passaria a estruturar a
vida social e política no mundo ocidental.
A Revolução Inglesa (1640-1688) foi um processo plural, cheio de idas e vindas e atravessado
por diversas guerras civis. Desde o século XVI, a burguesia inglesa (famílias ricas, mas sem
signos aristocráticos de distinção) era um grupo influente devido ao processo de cercamento
dos campos, que pioneiramente passou a subordinar o espaço rural às demandas comerciais e
industriais urbanas.
Fonte: Desconhecido/ Wikimedia commons/licença(CC BY 3.0...)
Guerra Civil Inglesa durante a Revolução Inglesa
O campo inglês especializou-se em criar ovelhas para servirem como fonte de matéria-prima
para a incipiente indústria têxtil. Esse foi o “cercamento dos campos”, enclosures, aquilo que
Karl Marx (1818-1883) chamou de “acumulação primitiva do capital”.
VOCÊ SABIA
Regicídios são normais nas monarquias, pois é comum que o trono seja objeto de desejo e
alvo de conspirações, quase sempre envolvendo grupos aristocráticos próximos ao monarca.
No caso da morte de Carlos I, o regicídio não foi conspiratório, mas sim realizado em execução
pública, em nome da “autoridade do povo”. O povo, então, empoderou-se a ponto de condenar
o rei à morte, o mesmo monarca que até então era visto como o portador de um direito divino.
Depois da execução de Carlos I, a Inglaterra viu, ainda, a formação de uma ditadura
comandada por um líder militar chamado Oliver Cromwell (1599-1658). A monarquia foi
restaurada com a dinastia dos Stuart, e uma nova guerra civil, a Revolução Gloriosa, em 1688,
instituiu a primeira monarquia constitucional da história.
Agora, a verdadeira soberania não pertencia ao rei, mas sim à lei, entendida como a
manifestação da vontade do “povo”.
É a máxima que diz que “o rei reina, mas não governa”.
Em todo esse período, o trono esteve em conflito com o parlamento, disputando a quem
caberia o controle político da monarquia. O parlamento venceu. O parlamentarismo sobrepôs-
se ao absolutismo.
COMENTÁRIO
A formação dos Estados Unidos nunca contou com uma organização única, tendo cada uma
das colônias estruturas singulares. Sua unidade nunca feriu esse princípio, não à toa foi ali que
se consolidou o modelo de federalismo.
Declaração da independência dos Estados Unidos.
SÉCULO XVII
Entre os períodos de 1641 a 1660 e entre 1688 a 1689, ocorreram crises nas relações
entre a Coroa inglesa e a classe inglesa proprietária de terras, das quais o King-in-
Parliament saiu fortalecido, embora profundamente transformado. A capacidade da
Inglaterra de criar e consolidar a “Grã-Bretanha” e seguir em busca de um império
atlântico foi um dos subprodutos de 1688. Porém, em 1776, ou mais propriamente entre
1764 e 1801, a capacidade do parlamento de exercer o governo sobre as províncias — e,
em menor grau, a maneira como ele agora governava a sociedade inglesa — foi
severamente desafiada. Nas colônias americanas teve lugar a revolução contra o
parlamento (POCOCK, 2003).
Os conflitos entre as colônias e o parlamento começaram na década de 1760, logo após o fim
da Guerra dos Sete Anos (1756-1763).
Tendo saído da guerra com as contas desequilibradas, o parlamento britânico, que, como
sabemos, governava o Império desde a Revolução Gloriosa (1688), apertou o rigor em suas
relações mercantis com as colônias.
Caricatura britânica representando as leis como uma violação de Boston
Entre 1764 e 1774, o parlamento criou dura legislação que pressionou os interesses
econômicos coloniais.
THOMAS JEFFERSON
Para Bernard Bailyn (2003), o que alimentou a insatisfação das colônias foi a convicção de que
seus direitos tradicionais estavam sendo atacados, de que suas liberdades adquiridas corriam
risco. O algoz não era a monarquia centralizada. Era o parlamento.
(BAILYN, 2003)
Sem dúvida alguma, as revoltas sociais que desestabilizaram o mundo francês durante as
décadas de 1780 e 1790, e que posteriormente ficariam conhecidas como Revolução
Francesa, tornaram-se o evento simbolicamente mais importante da cultura política moderna.
Já tendo sido objeto de diversos estudos especializados, a Revolução Francesa precisa ser
pensada como um processo complexo, cheio de idas e vindas e não restrito apenas ao
território europeu francês, visto que se manifestou também em terras coloniais, como na ilha
caribenha de Santo Domingo, palco da mais radical e violenta revolução social dos primeiros
anos da modernidade.
MODERNIDADE
A independência de uma parte da ilha conhecida atualmente como Haiti, liderada pelos
negros locais, gerou uma intensa reação dos senhores do restante da ilha, Santo
Domingo, além de desestabilizar o governo revolucionário haitiano.
Nos diversos momentos dos conflitos, em alguns de forma mais aguda, em outros de maneira
mais pálida, a “tirania” do Estado monárquico foi questionada pela sociedade. O historiador
francês Albert Soboul (1914-1982) divide o processo revolucionário em três momentos, cada
qual apresentando níveis diferentes de radicalismo disruptivo e projetos distintos para a
organização político-institucional do Império francês.
Entre 1789 e 1791, o projeto vitorioso foi o girondino, marcado pelo objetivo de transformar a
monarquia absolutista comandada pelos Bourbons em uma monarquia constitucional, à moda
inglesa. A propriedade privada foi defendida e a desigualdade social não foi pautada como
problema estrutural da sociedade francesa.
FOI UM MOMENTO DE COMPROMISSO ENTRE A
BURGUESIA E OS SETORES MAIS PROGRESSISTAS
DA ARISTOCRACIA E DA IGREJA. O OBJETIVO DO
PACTO ERA ABOLIR A FEUDALIDADE, AMPLIAR O
ACESSO AOS DIREITOS POLÍTICOS, NUMA
REVOLUÇÃO PACÍFICA QUE NÃO ALMEJAVA
QUESTIONAR A PROPRIEDADE PRIVADA E A
AMPLIAÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS.
(SOBOUL, 1995)
REVOLUÇÃO FRANCESA
Revolução Francesa
A partir de 1792 até 1795, começaria o momento de maior radicalidade do conflito, quando a
própria estrutura da sociedade francesa foi posta em questão pelo projeto jacobino,
comandado pela aliança entre operariados urbanos e a pequena burguesia liderada por
Maximilien François Marie Isidore de Robespierre (1758-1794). Esses grupos situavam-se mais
à esquerda do espectro político francês e demandavam mais do que apenas o fim da
monarquia absolutista e o fim da feudalidade. Desejavam questionar a estrutura fundiária, a
divisão de terras, a miséria dos trabalhadores urbanos.
Nos anos da Revolução Pacífica girondina, como explica Eugene Genovese, a elite colonial
manifestou o desejo de ser representada na Assembleia dos Estados Gerais e gozar da
ampliação dos direitos políticos. Porém, com a radicalização jacobina, a escravidão foi abolida
em todo o império colonial francês.
O termo “revolucionário” provocou a formação de um amplo arco de forças, que passou a ter o
objetivo de derrotar a agenda social e republicana dos jacobinos. Nobreza, clero, potências
internacionais e alta burguesia juntaram-se para atacar a Revolução Jacobina e retroceder o
processo ao estágio do capitalismo monárquico liberal, tal como era o objetivo na fase jacobina
do processo.
Se, entre os séculos XIV e XVI, a Europa construiu o Estado Moderno, com sua estrutura
política, administrativa e militar centralizada e com seu espírito aristocrático, os séculos XVIII e
XIX questionaram tanto a centralização como a dimensão feudal dos Estados Nacionais, dando
origem a uma série de disputas ideológicas que marcariam a história humana no século XX.
VEM QUE EU TE EXPLICO!
Estados Modernos e a invenção do capitalismo
ESTADOS MODERNOS
A busca por mercados não é só econômica é também por influência política em outros
territórios;
Partilha da África como símbolo desse momento da história, onde a busca por mercados,
matéria prima e poder de influência vai fazer com que Estados europeus subjuguem o
continente africano a sua vontade;
ATIVIDADE
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. A REVOLUÇÃO AMERICANA GUARDA ALGUMAS PARTICULARIDADES
QUANDO COMPARADA COM AS REVOLUÇÕES INGLESAS DO SÉCULO
XVII. ASSINALE ENTRE AS ALTERNATIVAS A SEGUIR AQUELA QUE
MELHOR APRESENTA ESSAS PARTICULARIDADES.
A) Diferentemente das revoluções inglesas do século XVII, que questionaram o poder político
da burguesia, a Revolução Americana questionou o poder político da Igreja, considerada
responsável pelo endurecimento das relações coloniais a partir da década de 1760.
B) Diferentemente das revoluções inglesas do século XVII, que questionaram o poder político
da Igreja, a Revolução Americana questionou o poder político da burguesia, considerada
responsável pelo endurecimento das relações coloniais a partir da década de 1760.
A) A Revolução Francesa não ficou restrita apenas ao território europeu, chegando também à
América, e a partir disso surgiu o segundo país independente das Américas: a República do
Haiti, fundada em janeiro de 1804.
D) A Revolução Francesa não ficou restrita apenas ao território europeu, chegando também à
América, e a partir disso surgiu o primeiro país independente das Américas, os EUA, fundado
em janeiro de 1804.
GABARITO
A rebelião das Treze Colônias inglesas aconteceu pela insatisfação com o parlamento, e não
com o rei, ou seja, o alvo da revolta colonial não foi a monarquia centralizada, mas sim as
políticas fiscais mercantis desenvolvidas pelo parlamento britânico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como aprendemos, estudar a história dos Estados Nacionais nos convida e entender a
heterogeneidade dos processos históricos que, em diversos lugares da Europa, levaram à
formação de estruturas políticas centralizadas, cujo objetivo foi salvar o feudalismo da
experiência de crise que começou no século XIV.
O tempo passou e, nos séculos XVIII e XIX, os Estados Nacionais tornaram-se alvo de
contestações das sociedades civis europeias, em um momento de urbanização e
industrialização do Velho Mundo. Vários projetos políticos foram formulados nesse momento:
liberalismo, anarquismo, comunismo, que seriam aprofundados no século XX e, de alguma
maneira, estão presentes até hoje nos conflitos políticos do nosso tempo.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
ANDERSON, B. Comunidades imaginadas. São Paulo: Geral, 2008.
CONSTANT, B. A liberdade dos antigos comparada à dos modernos. São Paulo: Edipro,
2019.
ENGELS, F.; MARX, K. O manifesto comunista. Rio de Janeiro: Expressão Popular, 2003.
HILL, C. O mundo de ponta cabeça: ideias radicais durante a Revolução Inglesa de 1640.
São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
HOBBES, T. Leviatã ou matéria, forma e poder de Estado eclesiástico e civil. 2. ed. São
Paulo: Abril Cultural, 1983.
HOBSBAWM, E.; RANGER, T. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
KULA, W. Teoria económica del sistema feudal. Buenos Aires: Século XXI, 1974.
LOCKE, J. Dois tratados sobre o governo civil. São Paulo: Le Books, 1990.
MAQUIAVEL, N. Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio. Brasília: UnB, 1982.
MATEUCI, N. Liberalismo. In: BOBIO, N.; MATEUCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de política.
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000.
SKINNER, Q. Machiavelli’s Discorsi and the pre-humanist origins of republican ideas. In:
BOCK, G.; SKINNER, Q.; VIROLI, M. Machiavelli and Republicanism. Cambridge: University
Press, 1999.
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Assista também ao vídeo História - Fome, peste e rebeliões populares na Idade Média,
disponível no canal Aula De, no YouTube.
A Guerra dos Cem Anos é um dos eventos mais emblemáticos da história, inclusive sendo
fortemente representada. Por isso, acesse o site do Opera Mundi e veja o registro.
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representada.
CURRÍCULO LATTES