Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Fazendo Caminho Ao Andar PT
Fazendo Caminho Ao Andar PT
Vamos lembrar que o sujeito para a psicanálise, em tanto ser falante, é sujeito
sujeitado à linguagem. Não há dependência para o humano que não seja dependência da
linguagem. Antes do nosso nascimento real, somos imersos, no banho das palavras. Não
adquirimos a linguagem, ela nos preexiste, e a padecemos. Chegamos a um mundo
simbólico, e vivemos em um mundo de substituições: tudo para nós está ocupando o
lugar de outra coisa, não nos enfrentamos à realidade de maneira imediata, senão
midiatizada pela linguagem. O sujeito no seu caminho desde o inicio se encontrará com
a linguagem e ficará forçado a pedir. A demanda é uma articulação significante onde
fica à mercê da leitura do Outro.
Esse banho simbólico constitui a primeira roupa que nos cobre e veste, e
precisamos de um outro semelhante para sobreviver e tornarmos humanos. Há uma
perda do natural, no sentido da pura necessidade biológica, não se trata de organismo no
sentido biológico, então é condição a passagem pela língua e pelo circuito da demanda e
o desejo.
Precisamos da função simbólica que por excelência é a linguagem, através da qual se
assimila a cultura e arma-se uma vida. Não se trata da teoria da comunicação, não
significa entender-se, senão da primazia do significante, do corpo significante. Não é a
relação do homem com a linguagem como fenômeno social, senão do ser humano como
efeito da estrutura da linguagem.
A língua produz efeitos sobre o corpo, o constrói o atravessa. O significante vai
deixando suas pegadas sobre o corpo, então linguagem e gozo se encontram. Lacan
1
dizia na conferência de Genebra que É sempre com a ajuda das palavras que o homem
pensa. E é no encontro dessas palavras e seu corpo que algo se esboça. Aliás... se não
houvesse palavras, de que poderia testemunhar o homem? É aí que ele coloca o sentido.
Tem que haver um laço então entre a imagem do corpo e esse caos, se essa
relação não funciona bem há pessoas que não poderão, por exemplo, se reconhecer
frente ao espelho... Não funciona ai esse laço necessário. O laço se produz através da
linguagem, a imagem não se produz sem a linguagem, sem o Outro, mas o que permite
a relação entre a imagem e o corpo fragmentado são as zonas erógenas que vão permitir
o intercâmbio entre organismo e mundo exterior. As experiências de gozo, chamados
objetos a, vão articular esta relação. A linguagem permite localizar as experiências de
gozo dentro da imagem. E o olhar é ponto de encontro entre imagem e organismo.
Nessa construção do corpo com certeza a singularidade é um verdadeiro desafio na
capacidade de classificar o que há de subjetivo, o impacto de Lalíngua sobre o corpo.
2
A incorporação de “oficinas de movimento” em Hospital-dia, quando pensado
como abordagem que faz suplência no tratamento de pacientes em crises graves,
permite uma estratégia que poderá ter consequências ou efeitos. É preciso compartilhar
com as outras atividades do hospital-dia alguns critérios como, por exemplo, “o
estabelecimento de algum tipo de laço social”.
Que significa nestes casos convidar a mover-se. Mover que?
3
Que fazer ai? Bem em principio não empreender a retirada se há algum desejo posto em
jogo, alguma posição tomada. Que o que fazer? se transforme em um fazer. Como
definir esse estranho lugar de orelha analítica que convida a mover-se, que intervém que
opera, mas não interpreta nem analisa? Verificar-se-á que inscrição vai ter para cada
paciente este lugar que não convida a falar...
Para coordenar esta proposta de trabalho está claro que não existem estados
ideais a alcançar. Trata-se de uma aposta para habilitar o desenvolvimento das próprias
possibilidades trabalhando desde e com as limitações de cada um. Intentar despertar,
desamarrar o petrificado a traves de consignas que estimulem a exploração em forma
criativa.
Alguma coisa desconecta a “L”, de repente ela fica imóvel como suspensa no ar,
seu olhar perdido, então ai aproximar-lhe um objeto, propor que tome a idéia de outro,
pergunta-lhe como ela quer continuar, são algumas das formas em que ela retorna. Suas
4
pernas e braços vivem colados ao seu corpo, desloca-se como sem descarregar o peso e
assim parece flutuar, sem apoiar-se no chão.
“F”, pelo contrário, parece tirar-se com todo seu peso, então trabalhar ai com os
apoios nessas caídas, com as formas em equilíbrio; marcar nele que o movimento possa
chegar até a cabeça e que não fique cortado no pescoço, diferenciar momentos, antes,
depois, que mover-se não remeta a fazer sempre o mesmo.
Em “C” trata-se de mostrar que cada um está no seu trabalho. Toda pequena
elaboração dele é interrompida só pela presença dos outros, invadido começa a imitar
aos outros, a conversar sem parar ou tratar que os outros copiem seus movimentos, tudo
se torna rapidamente grudento, emaranhado.
“J” tem uma atitude de exploração e descobrimento, vai provando cada consigna
minuciosamente, o espaço que ele usa sempre fica recortado do resto.
Em “K” tudo é diminuto e quando se move parece que vai pedindo licença e
desculpas, tem pouca variedade de movimentos, poucos elementos e que se repetem.
Parece que a atividade só serve para ela se relaxar e entreter.
5
Todos estão em um mesmo espaço, mas são um conjunto? Cada um faz seu
percurso pela atividade, da mesma forma em que em cada um deles habita uma história,
aninha um andar pelo mundo que é único, sem repetição.
O espaço de movimento pode ser um lugar onde alguns possam produzir alguma
expressão criativa. Talvez esses movimentos desenhados no ar, que só duram um
instante, que o tempo todo não cessam de desaparecer, que apostam a inventar algo, não
são mais que intentos de dizer, de expressar esse não-laço social que os marca.
Então, como diz o poeta caminhante não há caminho... se vai fazendo caminho
ao andar....
Sara Arkanian