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TEXTO 5. Áreas de Atuação, Atividades e Abordagens Teóricas Do Psicólogo Brasileiro
TEXTO 5. Áreas de Atuação, Atividades e Abordagens Teóricas Do Psicólogo Brasileiro
área Jurídica, apesar de muitas vezes rea mais associadas às instituições de forma-
lizarem atividades clínicas e de avaliação ção pública do que às particulares, mantêm
psicológica, orientam seu trabalho para dar forte vinculação, por se supor que a atua-
suporte a decisões judiciais, o que justifi- ção em docência está apoiada em ativi-
caria a sua especificidade. Por último, a dades de pesquisa bibliográfica e de estu-
docência e a pesquisa, apesar de estarem dos empíricos.
Das 2214 respostas válidas, 1462 (66%) de atuação dos psicólogos brasileiros pes
dos psicólogos atuam em uma única área; quisados. Dos 61,7% dos psicólogos que em
648, (29%), em duas áreas e 97, (4%) em 1988 atuavam em clínica e outras áreas,
três áreas (Figura 9.1). O quadro geral mu 39,3% (representando 63% do total) atuavam
dou um pouco em relação à pesquisa reali exclusivamente nela. Os dados de 2006 re
zada na década de 1980, revelando um de velam queda para 50,8% do total. Na área
créscimo dos psicólogos que se dedicam ape organizacional e do trabalho, representada
nas a uma área de atuação. Em 1988, 73% por 22% dos profissionais que atuam nessa
dos profissionais entrevistados exerciam, ex área ou a combinam com outras, 17,6% (80%
clusivamente, atividades em uma área es do total) exerciam suas atividades com ex
pecífica; enquanto somente 22% combina clusividade. Pelos dados de 2006, essa porcen
vam duas e 5% atuavam em três áreas si tagem caiu para 61,2% do total.
multaneamente. As outras áreas que permitem compa
A Figura 9.2 permite a visualização do ração com os dados de 1988 são a docência
quadro atual de dedicação exclusiva por área e a escolar, visto não terem sido mapeadas
178 Bastos, Guedes e colaboradores
4%
29%
Uma área
66%
Duas áreas
Três áreas
as áreas social e da saúde, incluídas na pes recuo aparece em relação à área escolar e
quisa de 2006. Dos 14,9% que, em 1988, se educacional em 2006 (39,2%). A área do
dedicavam à área escolar combinada com cente, no entanto, fugiu a essa tendência,
outras áreas, 7,1% (47% do total) atuavam pois 16,1% dos psicólogos que se dedicavam
com exclusividade. A mesma tendência de a ela, em 1988, em combinação com outras
O trabalho do psicólogo no Brasil 179
Organi-
Clínica Saúde Docência Escolar Social
zacional
Dedicação
exclusiva 50,8% 61,2% 42,0% 40,2% 39,2% 18,7%
30% 36%
10%
13%
11%
Clínica / Saúde Clínica / Organizacional Outros
A mesma tendência de predomínio da Uma das razões pode ser atribuída à maior
clínica é observada quando o psicólogo atua instabilidade dos empregos, dos novos vín
em três áreas (Figura 9.4), mas neste último culos com as organizações na forma de
caso o que se torna mais evidente é a impor prestação de serviço terceirizado, o que fez
tância da área de saúde. Três combinações com o que o psicólogo tivesse de se adaptar
mais significativas são: clínica/organizacio a esta nova realidade. Tal hipótese expli
nal/saúde (21%), clínica/docência/saúde cativa encontra respaldo no fato de os re
(16%) e clínica/social/saúde (12%). sultados da pesquisa terem revelado que
Ao serem comparados com o cenário de muitos psicólogos autônomos exercem ati
1988, os resultados da área de psicologia vidades de consultoria na área organiza-
organizacional e do trabalho permitem in cional e do trabalho. É preciso refletir criti
ferir que houve uma pequena queda, pois camente se esta forma de inserção na área
naquela época, 80% dos psicólogos que organizacional e do trabalho (consulto-
atuavam nessa área se dedicavam exclu ria externa) é um sinal de consolidação ou
sivamente a ela. Em outras palavras, atual enfraquecimento e quais impactos teria na
mente, há menos psicólogos dedicando-se formação do psicólogo. Estudos adicionais
exclusivamente à área organizacional e do são necessários para tentar responder a es
trabalho do que no final da década de 1980. sas questões.
21%
51%
16%
12%
No que se refere à área escolar e educa que dizem atuar nela, mais de 60% o fazem
cional, o quadro sofre profundas mudanças em combinação com outras áreas. Portanto,
quando comparado a áreas anteriores. Primei somente 40% deles atuam exclusivamente na
ro, há uma queda quantitativa brusca, pois área educacional. O quadro é o mesmo en-
enquanto 1190 dos psicólogos que atuam em contrado em 1988, pois entre os profissio-
clínica, 616 atuam em saúde e hospitalar e nais que se dedicavam a essa área, 61% atua
554 atuam na área organizacional e do tra vam também em outra área, contrapondo-se
balho, somente 217 atuam na área escolar e a 39% que permaneciam exclusivamente nela
educacional. Em segundo lugar, ao analisar (Bastos, 1988).
os dados da área clínica, fica claro o equilíbrio A partir da Figura 9.5 é possível cons
entre quem atua somente na clínica e quem a tatar a diversidade de inserções profissio
concilia com outras áreas, ao passo que, na nais nas diferentes áreas de atuação. Essa
área escolar e educacional, dos psicólogos mesma figura explicita o peso atribuído a
O trabalho do psicólogo no Brasil 181
cada área no total de inserções possíveis tempo, os seus trabalhos (ou empregos) de
(setor público, privado, terceiro setor e au mandam de modo mais expressivo atividades
tônomo) e o percentual de psicólogos iden de natureza clínica. Em segundo lugar, des
tificados por área de atuação. ponta a área de saúde, pois dos 27% que
A área clínica indiscutivelmente possui o atuam nessa área de modo exclusivo ou não,
maior peso, pois as inserções profissionais 20,2% dos trabalhos ou inserções (empregos)
relacionadas às atividades clínicas repre estão a ela relacionado. Na terceira posição,
sentam 39,9% para 53,9% dos psicólogos encontra-se a área organizacional e do tra
que atuam nela de modo exclusivo ou não. balho, com peso de 18,1% (inserções ou tra
Em outras palavras, mesmo que o psicólogo balhos) para 25,1% dos psicólogos que man
atue na clínica e em outra área ao mesmo têm alguma inserção nessa área.
2,2
Atuam na área jurídica
1,6
27
Atuam na área da saúde
20,2
4,8
Atuam na área social
3,5
14,6
Atuam na área docente
10,5
9,8
Atuam na área educacional
7,1
53,9
Atuam na área clínica
39,9
O que leva o psicólogo a se inserir si humano e intervir para melhorar o bem-es
multaneamente em várias áreas de atuação? tar e a realização pessoal. A variedade de
Em 1988, Bastos discutia que esse fato po oferta de trabalho, a insatisfação com a área
deria ser explicado pela fragilidade dos li de atuação e a baixa remuneração também
mites entre as áreas de atuação e a facili- poderiam explicar essa múltipla inserção,
dade de movimentação entre elas. Em ou- mas aqui o sentido seria outro. Enquanto,
tras palavras, independente de se trabalhar no primeiro caso, a expansão da identidade
em contextos diversificados (escola, organi do psicólogo (um profissional com um per-
zações formais, hospitais, comunidades, con fil definido para atuar em vários contex-
sultório, etc.), o psicólogo se perceberia como tos) explicaria as múltiplas inserções, no se
um profissional capaz de com-preender o ser gundo as insatisfações profissionais (salá-
182 Bastos, Guedes e colaboradores
r io e área de atuação) explicariam esse mes rado, recorre ao modelo predominante que
mo fato. oferece status e serve de referência, sem que
Que fatores direcionam tão fortemente avalie criticamente sua adequação para essa
o interesse do psicólogo pela atuação na nova situação. Então, a ausência de formação
área clínica? É na clínica que o profissional é compensada pelo uso de um modelo teó
se percebe realizando mais plenamente o rico-metodológico de atuação que, embora
ideal de atuação psicológica e isso é cons seja reconhecido socialmente, não contribui
truído durante o processo de formação pro de modo efetivo para o contexto em que se
fissional (Bastos, 1988; ver também o Capí pretende atuar.
tulo 5 deste livro). Estudantes de psicologia Também, não se pode ignorar que o ce
ignoram situações e contextos de atuação nário atual indica claramente que o psicólogo
prática para além do modelo clínico, e isso está ocupando mais espaço social e está se
repercute nos horizontes de inserção pro inserindo de modo ativo no sistema público
fissional futuros, limitando a visualização de de saúde e assistência social quando compa
onde o psicólogo poderia ou deveria atuar rado aos resultados de 1988. Cresceu subs
para cumprir a contento o seu papel (Bo- tancialmente a participação de psicólogos
tomé, 1988). Reconhece-se também que em equipes multidisciplinares de saúde, a
grande parte das demandas de trabalho psi exemplo dos Centros de Atenção Psicosso
cológico está associada a atividades de psi cial (CAPs) que integram o Sistema Único de
coterapia e aconselhamento, sinalizando Saúde (SUS) e possuem como principais ob
que a atividade clínica ultrapassa os limites jetivos minimizar as internações de pacientes
dos consultórios particulares. com transtornos mentais e favorecer sua in
Qual seria a consequência de um pre tegração na comunidade e na família. Outro
domínio de uma área sobre as demais? A exemplo de inserção dos psicólogos em tais
limitação de outras possibilidades de atuação espaços é o Centro de Referência da Assis
repercute na identidade profissional e tam tência Social (CRAS), que tem como proposta
bém contribui para fortalecer um modelo orientar o convívio sociofamiliar e comu
teórico-prático de atuação percebido como nitário, em contextos de desigualdade so-
elitista (Sass, 1988). O continuísmo de um cial, incentivando e oferecendo condições
modelo de atuação considerado elitista não para o desenvolvimento da cidadania e da
é decorrência apenas da qualidade e da emancipação social da população local.
quantidade dos conhecimentos produzidos, Esses espaços de atuação indicam que é
nem das contingências institucionais que crescente a demanda social por uma atua-
obrigam o psicólogo a limitar sua esfera de ção do psicólogo integrada ao contexto em
atuação, mas também da ação profissional que o indivíduo se insere, o que tem impac-
dos próprios psicólogos que reproduzem de tos evidentes na constituição da identida-
modo acrítico os modelos de atuação in de desse profissional e na necessidade de
corporados desde o processo de formação, desenvolvimento de competências e de aqui
restringido suas possibilidades de inserção sição de conhecimentos que auxiliem a prá
nesses contextos. tica profissional nesses contextos.
Por outro lado, é necessário levar em
consideração que muitas dificuldades no
exercício profissional se devem ao despre Renda, vínculo empregatício e
paro para lidar com demandas sociais diver titulação por área de atuação
sificadas (Borges-Andrade, 1988). Se o psi
cólogo se vê diante de situações novas de No que se refere à renda e ao vínculo em
trabalho para as quais não se sente prepa- pregatício, não foram constatadas muitas di
O trabalho do psicólogo no Brasil 183
ferenças na caracterização dos psicólogos exceção fica por conta da área clínica, cuja
que atuam em uma única área de atuação. maioria (62%) se insere como autônomo.
As diferenças apareceram somente quando é Na área organizacional e do trabalho, cer-
levada em consideração a titulação máxima ca da metade (48%) mantém vínculos em
em cada área de atuação. A Figura 9.6 ilus- pregatícios, mas é preciso considerar que
tra essas diferenças. uma das atividades principais de quem atua
Observa-se que a condição empregatícia nessa área é a consultoria, o que contribui
de assalariado é uma realidade para a maior para que uma parcela de sua remuneração
parte das áreas de atuação em psicologia. A seja a de um profissional autônomo.
61% ganha 5 e
Organizacional 48% trabalha como 12% ganha 7 salários 48% de graduados
n = 339 assalariado mínimos 40% de especialistas
Grande variabilidade
Docência 85% trabalha como 13% ganha 15 33% de mestres
n = 129 assalariado salários mínimos 64% de doutores
Figura 9.6 Diferenças de vínculos, renda e titulação de psicólogos por área de atuação.
Obs: As áreas de atuação social/comunitária e jurídica, dada a baixa frequência, não foram incluídas
nesta análise.
Ao analisar a renda dos psicólogos por profissional. Além disso, há uma grande va
área de atuação, é digno de nota que a área riabilidade nas taxas cobradas por consulta,
clínica ofereça a mais baixa remuneração especialmente nos primeiros anos de prática,
(de 1 a 3 salários mínimos), o que reforça ou no qual, muitas vezes, os gastos para manu
evidencia que parte importante da inserção tenção e formação complementar superam
na clínica caracteriza-se como um trabalho os valores cobrados por consulta, realidade
precário. Em parte, isso pode ser explicado não muito diferente da constatada na pes
pelo fato de muitos psicólogos não traba quisa da década de 1980 (Langenbach e Ne
lharem em consultório ou escritório próprios, greiros, 1988).
possuindo gastos com aluguel, pagamento A área que melhor remunera é a do
da supervisão dos casos clínicos e impostos cência de nível superior (13% ganham mais
necessários para a regularização do exercício de 15 salários mínimos), na qual se con
184 Bastos, Guedes e colaboradores
centram os profissionais com mais altas ti é destacado o percentual de psicólogos que,
tulações stricto sensu. A área organizacional atuando na área, exclusivamente ou não, re
e do trabalho é a que oferece a segunda me lata desempenhar as atividades.
lhor remuneração, pois 61% dos psicólogos As principais atividades de psicólogos
que nela atuam recebe cerca de 5 salários que atuam na área clínica/avaliação psico
mínimos, além de 12% atingiram a faixa dos lógica permitem inferir que os trabalhos
7 salários, o que está coerente com os valo- realizados nessa área estão relacionados a
res de mercado praticados, especialmente dois focos principais. O primeiro é o aten
no que se refere às consultorias. As áreas dimento psicológico sob a modalidade de
de escolar/educacional e a área de saúde/ psicoterapias (individual, de casal e de gru
hospitalar ocupam posições intermediárias po), aconselhamento (adolescentes, pais e
em relação às demais, mas ambas ratificam crianças com problemas de aprendizagem)
o quadro geral da profissão. Ou seja, a psi ou assistência psicológica a enfermos. O
cologia é uma profissão, cuja remuneração segundo foco é na elaboração de psicodiag
não é das mais atraentes. nóstico e pareceres psicológicos, com base
No que se refere à titulação, a área de do em testes psicológicos.
cência/pesquisa é a que mantém um percen Os psicólogos que atuam na área escolar/
tual elevado de doutores (64%) e mestres educacional também fazem uso de testes psi
(33%). Nas demais áreas, o predomínio é de cológicos para dar suporte à orientação de
profissionais graduados (porcentagens bem adolescentes (vocacional/profissional) e de
próximas a 50%) ou de especialistas (porcen crianças com problemas de aprendizagem.
tagens variando de 36 a 54%). A área clínica Esses profissionais também se dedicam à ela
é a que abriga o menor número de especialistas boração de políticas educacionais, interven
(36%), contrastando com a área escolar (e ções em contextos institucionais, além do pla
educacional) que possui 54%. A atuação em nejamento e da execução de projetos. A par
clínica (e avaliação psicológica) atende à ex ticipação em equipes técnicas, sinal de sua
pectativa previsível de quem se insere no cur experiência em trabalhar em equipes multi
so de psicologia. Ao contrário de outras áreas disciplinares, também é uma atividade desse
de atuação, que necessitam ter vínculo for- grupo de psicólogos.
mal empregatício, o psicólogo clínico pode Os psicólogos organizacionais e do traba
fazer atendimento psicológico assim que se lho mantêm suas atividades tradicionais vin
graduar, pois é suficiente ter um registro no culadas a recrutamento e seleção de pessoas,
conselho profissional e um local para pres- fazendo uso de testes psicológicos para dar su
tar o atendimento (próprio ou alugado). É porte ao psicodiagnóstico. Assumem, no entan
fato, também, que muitos psicólogos man- to, funções de chefia, o que indica o seu im
têm gastos com supervisão de colegas ex- portante papel no desenvolvimento de equipes
perientes, sem que para isto precisem estar de trabalho. A avaliação de desempenho e o
vinculados a programas de formação, lato ou diagnóstico organizacional são as principais
stricto sensu. atividades quando o foco recai na organiza-
ção. A atividade de consultoria também está
presente na atuação em organizações de tra
Principais atividades de balho. E isso é importante porque todas as
cada área de atuação atividades desempenhadas pelo consultor po-
dem ser realizadas tanto por um psicólogo
Nesta seção serão apresentadas as prin que mantém vínculo empregatício permanente
cipais atividades desenvolvidas pelos psicó com uma organização quanto por aquele que é
logos em cada área de atuação. Na Figura 9.7 contratado como prestador de serviços.
O trabalho do psicólogo no Brasil 185
Psicodiagnóstico (83,0%)
Aplicação de testes psicológicos (64,2%)
Atendimentos a crianças
com distúrbios de aprendizagem (44,5%)
Psicoterapia individual (adulto, criança
e adolescente (31,1%)
Orientação de pais (23,4%)
Clínica (616) Pareceres e laudos psicológicos (18,2%)
Psicodiagnóstico (66,1%) Orientação psicopedagógica (15,7%)
Aplicação de testes psicológicos (52,4%) Psicoterapia de grupo (14,3%)
Assistência psicológica a pacientes Orientação a gestante (14,1%)
clínicos e cirúrgicos (51,9%) Psicoterapia de casal (13,2%)
Atendimentos a crianças com Orientação a adolescentes (13,1%)
distúrbios de aprendizagem (41,7%) Orientação vocacional/profissional (10,7%)
Psicoterapia individual (adulto, criança Assistência materno infantil (9,6%)
e adolescente (28,8%)
Orientação de pais (26,8) Saúde (616)
Assistência materno infantil (19,5%)
Planejamento e execução de projetos (19,3%) Aplicação de testes psicológicos (61,2%)
Orientação a gestante (17,9%) Avaliação de desempenho (52,5%)
Participação em equipes técnicas (16,2%) Diagnóstico organizacional (49,5%)
Orientação a adolescentes (14%) Consultoria (45,3%)
Orientação a grupos na Psicodiagnóstico (28,1%)
área de saúde pública (13,9%) Supervisão extra-acadêmica (24,3%)
Orientação psicopedagógica (13,7%) Organizacional (216) Cargo administrativo (gerência ou direção) (23,4%)
Dinâmica de grupo (11,9%) Análise de função ou ocupacional (21,9%)
Recrutamento/seleção (19,4%)
Dinâmica de grupo (16,3%)
Desenvolvimento de grupos e equipes (15,8%)
Reabilitação profissional (13%)
Atividades Análise de cargos e salários (12,5%)
por áreas Intervenção em organizações e instituições (12,3%)
de atuação
É previsível que o psicólogo que atue em atividades de gestão pelo fato de assumir
docência tenha nela a sua principal atividade. funções de coordenação de curso, chefia de
A supervisão de estágios também é com departamento e demais cargos administrati
patível e complementar ao exercício da vos. A coordenação e a participação em equi
docência no curso superior. No setor públi- pes técnicas sinalizam também que ativi
co, em particular, o docente de nível supe- dades de extensão e consultoria técnica es
rior concilia suas atividades de ensino com tão relacionadas à docência.
186 Bastos, Guedes e colaboradores
em órgãos ou empresas públicas (14,2%) e Baró, 1997, apud Dimenstein, 2000). Os cur
em serviços de psicologia vinculados a ins sos de psicologia, por não possibilitarem ao
tituições de ensino (12,1%). estudante a visualização dos aspectos sociais,
Um resultado da pesquisa que suscita políticos e ideológicos mais amplos que in
reflexão crítica cuidadosa é o fato de o con terferem na sua prática, findam por reforçar o
sultório particular se manter como um local modelo individualista, promovendo um dis
de trabalho para os psicólogos nas diversas tanciamento da dimensão social (Dimenstein,
áreas de atuação. A questão a ser respondida 2000), o que pode explicar o número expres
é se a atividade que o psicólogo exerce no sivo de psicólogos de diversas áreas atuando
seu consultório particular contribui para que em consultórios particulares.
ele reproduza o modelo clínico de atendi
mento individualizado em contextos a prin
cípio inapropriados para esse nível de inter Orientações teóricas
venção.
Essa indagação adquire sentido, porque As orientações teóricas dos psicólogos
há uma crença de que, embora a psicologia são informações-chave para compreender
deva assumir o seu papel de questionadora e como se fundamentam as atividades e os
transformadora do status quo, pode estar re espaços de atuação do psicólogo brasileiro.
produzindo estruturas sociais e relações de Oito diferentes abordagens teórico-meto
poder, na medida em que os psicólogos pa dológicas foram apresentadas como opções
recem não compreender claramente quem é o sendo facultado aos psicólogos escolher uma
real beneficiário do conhecimento e das in ou várias dessas alternativas. A Figura 9.9
tervenções que realizam na sua prática de mostra o percentual com que cada abordagem
trabalho (Botomé, 1996; Gil, 1985; Martín- foi citada.
569; 9,2%
1253; 20,2%
397; 6,4%
796; 12,8%
842; 13,6%
790; 12,7%
925; 14,9%
642; 10,3%
Psicanálise/cognitivo-
Psicanálise Psicanálise/cognitivo-
-comportamental/
18,2% -comportamental 4,6%
humanista-existencial 4,6%
Psicanálise/cognitivo- Psicanálise/
Cognitivo--comportamental
-comportamental/ humanista-existencial/
10,0%
humanista-existencial 4,3% Sócio-histórica 4,6%
Psicanálise/ Cognitivo-comportamental/
Humanista-existencial
Sócio-histórica humanista-existencial
6,1%
4,2% Sócio-histórica 4,6%
Psicanálise/ Psicanálise/
Sócio-histórica
humanista-existencial humanista-existencial/
2,6%
3,8% Sócio-histórica 4,6%
Psicanálise/cognitivo-
Psicodrama Humanista-existencial/
-comportamental/
10,0% Sócio-histórica 4,6%
sócio-histórica 1,3%
Cognitivo-comportamental/
Todas as abordagens
sócio-histórica
4,6%
2,1%
Humanista-existencial/
Psicodrama
4,3%
40,0%
35,0%
30,0%
25,0%
20,0%
15,0%
10,0%
5,0%
0,0%
Psicanálise Cognitivo- Humanista Sócio- Psicodra- Combina Combina Combina
comporta- existencial histórica matista duas três mais de três
mental abordagens abordagens abordagens
de trabalho. A porcentagem de uso de várias para dar suporte e também de que a preo
abordagens teóricas, todavia, se mantém cupação com a formação generalista encon
alta na maior parte do tempo, o que é um tra mais respaldo empírico do que a opção
forte indicador de que a atuação psicoló- prematura pela especialização ainda duran-
gica exige mais de um referencial teórico te a graduação.
Até 2 anos 38,8% 6,8% 18,0% 0,8% 1,7% 5,1% 11,7% 17,1%
Entre 3 e 5 anos 31,9% 8,5% 19,8% 1,1% 1,8% 5,8% 11,4% 19,7%
Entre 6 e 10 anos 34,9% 8,9% 22,9% 0,9% 1,4% 6,6% 9,4% 15,0%
Entre 11 e 20 anos 33,1% 6,5% 22,6% 0,6% 3,3% 7,7% 7,1% 19,1%
Mais de 20 anos 27,4% 7,4% 22,9% 1,6% 5,9% 5,3% 9,4% 20,1%
Figura 9.12 Porcentagem do uso de duas ou mais abordagens teóricas por tempo de graduação do
psicólogo.
trapsíquica, mas considerado como sujeito seguida, percebe-se a utilização de uma com-
situado na história e na cultura, o que requer binação de duas abordagens (20%) e, logo
uma abordagem multidisciplinar bem mais após, de mais de três abordagens (18%).
complexa da oferecida nos cursos de for Tanto para quem atua somente na clí
mação em psicologia. nica quanto, para aqueles que a conciliam
Se, de um lado, essa ampliação e essa com outras áreas de atuação, a psicanálise
diversificação de áreas de atuação são sinais continua sendo o referencial teórico mais
claros das demandas práticas crescentes di importante: 162 (27%) e 150 (26%). A com
rigidas ao psicólogo, de outro, compelem o binação de duas abordagens, 120 (20%) e
questionamento sobre se o referencial teó 145 (25%), e de mais de três abordagens,
rico disponível na atualidade consegue dar 111 (18%) e 138 (24%), aparecem em se
suporte e fundamentar a prática psicológi- quência em termos de frequência. Desse
ca em todos esses contextos. Se o exercício modo, mesmo com o predomínio da psica
profissional e a ampliação das áreas de nálise como abordagem teórica daqueles
atuação demandam amadurecimento teó que estão inseridos na clínica, observa-se
rico ainda não disponível na psicologia, a que há uma tendência em utilizar também
alternativa é buscar a integração dos mo outras abordagens, o que pode ser explicado
delos teóricos existentes e criar novos ar por duas razões: i) o fortalecimento de abor
ranjos de intervenção para dar suporte à dagens alternativas em atendimento clínico
atuação do psicólogo. individual e grupal, e ii) a necessidade de
usar outros referenciais teóricos para abordar
os fenômenos psicológicos em contextos
Áreas de atuação e orientações diversificados de atuação.
teórico-metodológicas Ao se apoiar em Santos (1990) e em
Coimbra (1993), Dimenstein (2000) res
Esta seção é dedicada a explorar um salta que a psicanálise teve um papel im
pouco mais as relações entre abordagens portante nos anos de 1960 e 1970, ao pro
teóricas e áreas de atuação, para encontrar por libertar os indivíduos das repressões
sinais de multiplicidade teórica e redire sociais e políticas, ideal almejado pela po
cionamento para um modelo social de in pularização e pela difusão do conhecimen-
tervenção que supere o modelo individual to psicológico. Isso explicaria a grande ex
até então predominante. Por causa do nú pansão da psicanálise entre psicólogos e o
mero pouco expressivo de psicólogos da público leigo naquele contexto histórico.
amostra que se inserem na área jurídica e A partir dos anos de 1970, as críticas
social, essas duas áreas de atuação não serão ao modelo de atendimento da psicologia clí
objeto de análise. nica ganharam força. O foco apenas na di
nâmica e nos conflitos intrapsíquicos dos
sujeitos, desconsiderando os contextos his
Orientações teórico-metodológicas tórico, social e cultural de inserção, não es
da atuação em clínica tava sendo mais aceito, compelindo a um
redirecionamento da atuação em psicologia
Para os 1190 psicólogos cuja área de atua clínica. O modelo de atendimento diádico
ção é exclusivamente a clínica (n = 605) – ou em consultórios particulares (psicoterapeuta
está combinanda com outras áreas (n = 585) – e paciente) cede lugar para novas modali
a psicanálise (27%) continua sendo o referen dades de atendimento grupal e familiar. E a
cial teórico mais utilizado (Figura 9.13). Em clínica deixa de ser apenas uma atividade
194 Bastos, Guedes e colaboradores
Clínica
700
600
Nº de respondentes
500
400
300
200
100
0
Cognitivo- Combina Combina Combina
Humanista Sócio- Psicodra-
Psicanálise comporta- duas abor- três abor- mais de três Total
existencial histórica matista
mental dagens dagens abordagens
restrita ao consultório, ocupando espaço nas outro lado, vencer esse desafio de conciliação
instituições públicas e privadas, nos centros pode servir de estímulo para estabelecer um
de saúde e na comunidade (Féres-Carneiro e firme e continuado diálogo entre as diver
Lo Bianco, 2003). sificadas correntes teóricas de pensamento
É previsível que esse redimensionamen em psicologia.
to dos espaços da clínica tenha repercutido
no referencial teórico que passou a ser ado
tado pelos psicólogos, visto que a psicanálise Orientações teórico-metodológicas da
ou qualquer outra abordagem teórica isola atuação na área de saúde-hospitalar
damente apresenta limitações para abarcar
os diversos aspectos culturais, econômicos, No grupo dos que atuam em outras áreas
sociais e históricos que influenciam a psique além de saúde e hospitalar, 23% (n = 83) uti
e no comportamento humano. liza duas abordagens e 22% (n = 80) com
A utilização de mais de um referencial bina mais de três abordagens teóricas. A psi
teórico na prática clínica pode ser decor canálise responde por 27% (n = 96) das pre
rente dessa ampliação do olhar sobre o ferências teóricas desse grupo de psicólogos.
fenômeno psicológico e de uma maior com Dentre aqueles que atuam exclusivamente
preensão das limitações teóricas das abor na área saúde-hospitalar, 27% (n = 70) com
dagens para incluir aspectos culturais, eco bina mais de três abordagens, enquanto 23%
nômicos, sociais, históricos, etc. O desafio é (n = 61) o faz com duas abordagens teóricas.
incluir todos esses aspectos sem perder a A psicanálise é a abordagem teórica usada
coerência na utilização de abordagens teó por 20% (n = 53) dos psicólogos que atuam
ricas, visto que algumas delas são anta exclusivamente na área de saúde (ver Fi-
gônicas em seus pressupostos básicos. Por gura 9.14).
O trabalho do psicólogo no Brasil 195
Saúde-Hospitalar
400
350
Nº de respondentes
300
250
200
150
100
50
0
Cognitivo- Combina Combina Combina
Psicanálise Humanista Sócio- Psicodra-
comporta- duas abor- três abor- mais de três Total
existencial histórica matista
mental dagens dagens abordagens
Saúde-hospitalar 53 18 18 7 1 61 31 70 259
Organizacional e do trabalho
350
Nº de respondentes
300
250
200
150
100
50
0
Cognitivo- Combina Combina Combina
Humanista Sócio- Psicodra- Total
Psicanálise comporta- duas abor- três abor- mais de três
existencial histórica matista
mental dagens dagens abordagens
Organizacional 50 51 23 7 7 83 27 91 339
Docência
200
180
160
Nº de respondentes
140
120
100
80
60
40
20
0
Cognitivo- Combina Combina Combina
Humanista Sócio- Psicodra-
Psicanálise comporta- duas abor- três abor- mais de três Total
existencial histórica matista
mental dagens dagens abordagens
Docência 15 19 7 17 1 34 6 30 129
Educacional
140
120
Nº de respondentes
100
80
60
40
20
0
Cognitivo- Combina Combina Combina
Humanista Sócio- Psicodra- duas abor- três aor- mais de três Total
Psicanálise comporta-
existencial histórica matista dagens dagens abordagens
mental
Educacional 7 7 4 1 1 25 8 32 85
atualidade, pois mesmo que a clínica siga e o conjunto de competências básicas espe
sendo a área mais importante para o psi radas do recém-graduado.
cólogo, assiste-se hoje a inclusão de popu Não se pode ignorar, todavia, que os
lações antes muito pouco assistidas. dados encontrados neste estudo somados
Se os psicólogos desempenham ativi aos resultados do ENADE (Exame Nacional
dades fortemente atreladas à aplicação de de Desempenho do Ensino Superior) rea
testes psicológicos para embasar psicodiag lizado em 2006, apontaram que Fundamen-
nósticos e pareceres independentemente de tos Históricos e Epistemológicos é um dos
sua área de atuação é preciso colocar em eixos no qual os alunos apresentam, no país
discussão se é defensável prosseguir com o todo, os piores desempenhos: isso indica
conceito de áreas de atuação que até o mo problemas relacionados à forma como tais
mento tem servido mais para se referir ao orientações estão sendo contempladas nos
local de trabalho e não aos diferentes enfo cursos de formação. Na realidade, mais do
ques e atividades que o psicólogo adota na que conhecê-las, confrontá-las e compará-
sua intervenção prática. Talvez seja neces las para propiciar escolhas conscientes, a
sário redefinir o conceito de área de atuação, adoção de perspectivas diversas sugere uma
em parte porque os resultados apontam o adesão acrítica. O problema é que essa reali
crescimento do número de psicólogos que se dade não se restringe aos psicólogos recém-
inserem em mais de uma. formados e parece ser um traço disseminado
Quanto à orientação teórico-metodoló entre os profissionais, o que requer estudos
gica, se em fins da década de 1980 já havia adicionais para compreender o que efeti
sinais claros de que os psicólogos necessi- vamente está ocorrendo no processo de for
tavam usar de mais de um referencial teórico mação desses profissionais.
para dar suporte às suas atividades profissio
nais, hoje essa tendência é marcante. Apesar
da experiência adquirida ao longo dos anos notas
fazer diminuir a tendência de usar três ou
mais abordagens teóricas simultâneas, a efe 1 Para o cálculo, foi usado o teste t revelando se
tiva diminuição em busca de um maior dire rem significativas as diferenças (x² = 172,76,
cionamento teórico ocorre após os 11 anos gl 21, p < .00).
de formação e se consolida após os 20. Ape- 2 O teste t revelou que as diferenças são signifi
sar de a formação especializada contribuir cativas (x² = 79,253 (28) p < .00).
também para o maior direcionamento teóri-
co, essa mudança se faz notar somente quan
do o psicólogo obtém o título de doutor. Referências
As fortes evidências de que o psicólo-
go necessita usar mais de um referencial teó Bastos, A. V. B. Áreas de atuação – em questão
rico para dar suporte ao seu trabalho colo- o nosso modelo profissional In: Conselho Federal
ca em discussão um pressuposto largamente de Psicologia. Quem é o psicólogo brasileiro? São
aceito, especialmente por estudiosos e do Paulo: Edicon, 1988, p. 163-193.
Bastos, A. V. B.; Achcar, R. Dinâmica pro
centes, da necessidade de uma formação plu
fissional e formação do psicólogo: uma pers
ralista que assegure o contato do aluno com pectiva de integração In Conselho Federal de
as principais orientações teórico-metodoló Psicologia. Psicólogo Brasileiro: práticas emergen-
gicas existentes no campo da Psicologia. Tal tes e desafios para a formação. São Paulo: Casa do
preocupação foi contemplada nas Diretrizes Psicólogo, 1994, p. 299-329.
Curriculares para os cursos de Psicologia, ao Borges-Andrade, J. E. A avaliação do exercí-
fixar os valores que devem guiar a formação cio profissional In: Conselho Federal de Psicolo-
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campo profissional In: Conselho Federal de Psi Futuro In O.H. Yamamoto; V.V. Gouveia (Org.).
cologia. Quem é o psicólogo brasileiro? São Paulo: Construindo a Psicologia Brasileira: desafios da
Edicon, 1988, p. 273-297. ciência e prática psicológica. São Paulo: Casa do
Carvalho, A. M. A. Atuação psicológica: uma Psicólogo, 2003, p. 261-278.
análise das atividades desempenhadas pelos Langenbach, M.; Negreiros, T.C.G.M. A for
psicólogos In: Conselho Federal de Psicologia. mação profissional, um labirinto profissional. Em:
Quem é o psicólogo brasileiro? São Paulo: Edicon, Conselho Federal de Psicologia. Quem é o psicólogo
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