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Educação Matemática

e Currículos
Material Teórico
Ideias de Currículo e Desenvolvimento Curricular

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms.Gilberto Januário.

Revisão Textual:
Profa. Ms. Fatima Furlan.
Ideias de Currículo e Desenvolvimento
Curricular

• O Emergir do Termo Currículo

• Origem do Currículo no Contexto Escolar

• Em Busca da Definição de Currículo

• Níveis do Desenvolvimento Curricular

Nesta unidade veremos os significados e o conceito de


Currículo, além da abordagem dada ao aspecto histórico e
aos níveis do desenvolvimento curricular.
O principal objetivo é apresentar o Currículo como uma
práxis, que se relaciona com diferentes agentes do saber-fazer
pedagógico, seja no âmbito das relações governamentais, seja
nas questões relativas à instituição escolar, ou aos processos
de ensino e aprendizagem e a seus respectivos atores.

Currículo não pode entendido como uma lista de conteúdos relacionados com objetivos,
metodologia e avaliação de um programa de ensino. Esperamos que você compreenda o
Currículo como um plano de ação pedagógica, objetivando a formação crítico-social de
crianças, jovens, adultos e idosos, constituído por princípios que promova um processo
educativo emancipatório, autônomo e reflexivo.
É importante que você leia o texto proposto, destaque os pontos que achou mais interessante
e marque as partes que deve dificuldade para compreender. Nesse caso, utilize o espaço de
discussão on line e socialize suas dúvidas, esse é um procedimento que contribuirá para que
você atribua significado ao que está sendo sugerido. Caso você se interesse em ampliar os
conhecimentos sobre Currículo, poderá realizar a leitura de textos indicados nas referências
bibliográficas ou de outras obras sugeridas ao longo da unidade.

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Unidade: Ideias de Currículo e Desenvolvimento Curricular

Contextualização

A imagem acima traz a capa do jornal Folha de São Paulo, edição de 18 de junho de 2013,
que retrata a onda de manifestações ocorridas naquele mês em diferentes regiões do Brasil e
que você deve se lembrar. ‘Contra tudo’ e por mudanças, milhares vão às ruas no país – é a
principal manchete do jornal. Mas, o que o assunto abordado pela manchete tem a ver com
currículo? Para ajudar a você a pensar nessa questão, vamos propor outras: o que entendemos
por educação e qual educação desejamos para as crianças, jovens, adultos e idosos de nosso
Brasil? O que podemos fazer, na condição de estudantes e de professores, para que a educação
contribua para uma formação crítico-social, que desenvolva, nos alunos, a autonomia e a
reflexão acerca dos problemas da sociedade brasileira? É importante considerar que no bojo
desse processo formativo o currículo tem fundamental importância para desenhar e delimitar o
plano de ação do fazer pedagógico. É o currículo que vai possibilitar o fazer pedagógico para
colocar a educação que desejamos na agenda das ações realizadas. Nesse sentido, provocamos
você a refletir: qual a importância de se discutir currículo na sua formação inicial?

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O Emergir do Termo Currículo

No livro intitulado A Construção da Pesquisa em Educação no Brasil, a educadora


brasileira Bernadete Gatti expõe que a prática da pesquisa em Educação teve seu início de
consolidação a partir da criação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep), no final dos anos 1930. Posteriormente, com a implementação dos programas
de pós-graduação, final da década de 1960, houve um aumento significativo de pesquisas nas
universidades. Após a década de 1970, as investigações, influenciadas pelos contextos histórico
e social, passaram a focar diferentes questões, dentre elas o currículo.
Ao escreverem sobre Educação Matemática, os educadores brasileiros Dario Fiorentini e
Sérgio Lorenzato consideram que desde o momento de sua origem, final dos anos 1970, o
número de pesquisas nessa área do saber, no âmbito dos programas de pós-graduação, tem
crescido consideravelmente e ampliado o foco de estudo.
A pesquisa publicada em 1992 pelos pesquisadores Carmen Batanero, Juan Godino, Hans-
Georg Steiner e Elfriede Guttenberger, realizada a partir de um levantamento em 87 programas de
mestrado e doutorado em 61 universidades de 19 países, constatou que desenvolvimento curricular
é a quarta linha de pesquisa – juntamente com álgebra e pensamento algébrico – que aparece com
maior frequência nos programas investigados, em um total de 33 linhas identificadas.
Jeremy Kilpatrick, educador norte-americano, em artigo publicado em 1998 destacou que os
estudos realizados, ou em desenvolvimento, até aquele momento abrangiam grande variedade
de temas, os quais ele identificou como tendência, para os anos 1990, dentre outras temas, as
mudanças curriculares.
Observamos que, em momentos e contextos diferenciados, o currículo configura-se como
tema de investigação: em Gatti (2002), no cenário nacional brasileiro, em contexto de reformas
educacionais em plena década de 1980; em Batanero et al (1992) e em Kilpatrick (1998) no
cenário mundial, no contexto da Educação Matemática. Os trabalhos desses pesquisadores
apontam que essa temática tem sido tendência de investigação em Educação Matemática em
contexto mundial, revelando que trata de um interesse global de pesquisadores que intencionam
identificar, compreender e intervir nos processos de elaboração e implementação do currículo
de Matemática.

Em relação às mudanças curriculares apontadas por Kilpatrick (1998), os


fatores que podem provocá-las e o modo que elas se processam no interior
das instituições escolares, Fiorentini e Lorenzato (2006) consideram que,
além das pressões sociais, econômicas e políticas em relação à formação
dos novos profissionais, há pressão dos especialistas e acadêmicos em
querer transpor para a sala de aula os resultados de suas pesquisas sobre
o ensino da matemática. Outra mudança no currículo é devida ao uso
de novas tecnologias e novas aplicações no ensina da matemática. Um
terceiro tipo de mudança é atribuído aos próprios professores que, por
meio da pesquisa-ação, tentam, eles mesmos, produzir as inovações
curriculares que julgam convenientes (p. 43).

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Unidade: Ideias de Currículo e Desenvolvimento Curricular

Uma pergunta que possivelmente esteja nos incomodando até aqui é: O que é currículo?
Esse termo foi “dicionarizado” pela primeira vez em 1663, no Oxford English Dictionary,
com o significado de um curso escolar ou universitário. Algumas vezes localiza-se a origem do
termo currículo na antiguidade clássica, porém a certeza que se tem é que a realidade escolar e
a realidade curricular sempre coexistiram, sugerindo que seu significado – uma trajetória a ser
seguida – se impôs no vocabulário escolar, conforme considera José Augusto Pacheco, educador
e pesquisador português.
Ele expõe ser recente a origem do vocábulo currículo, o qual apresenta uma concepção
de organização do processo de ensino ou de disciplina. A ideia de disciplina está associada
às ideias de João Calvino; disciplina seria a essência do calvinismo e nesse pensamento, há
uma relação entre currículo e disciplina: currículo estaria para as ações educativas calvinistas e
disciplina, para as ações sociais (PACHECO, 2001, 2005).
Do ponto de vista religioso de João Calvino, a vida assemelhava-se a uma corrida, ou trilho
de corrida, no sentido de uma trajetória, o que possivelmente o fez ter se apropriado do termo
curriculum – uma pista de corrida do Circus Maximus, arena de entretenimento na antiga
Roma – que descrevia a trajetória, percurso, o modo de vida que se deveria prosseguir. (DOLL
JR., 2004).
No sentido de um projeto que perpassa o sistema de escolarização, o conceito de currículo
sofreu, e tem sofrido, modificações que vão de uma concepção restrita de um programa de
ensino a um projeto de formação. Essas modificações têm causado a polissemia do termo que
representa um conceito utilizado com duas tradições diferentes.
Pacheco (2005) expõe que a primeira tradição representa um ponto de vista técnico de
entender a escola e a formação, tendo início no período da Idade Média, a partir do ensino
do Trivium e Quadrivium – dois grupos de disciplinas que englobavam as artes liberais,
incluindo, respectivamente, a lógica (ou dialética), a gramática e a retórica; e a aritmética, a
música, a geometria e a astronomia.
Nessa tradição, o currículo é definido no sentido de um plano organizador da aprendizagem
num contexto educacional, projetado a partir de propósitos e a determinação de ações formais,
por meio da formulação de objetivos; desse modo,

inserem-se nesta tradição as definições que apontam para o currículo como


o conjunto de conteúdos a ensinar (organizados por disciplinas, temas,
áreas de estudo) e como o plano de ação pedagógica, fundamentado e
implementado num sistema tecnológico (PACHECO, 2005, p. 31).

Na tradição técnica, as definições de currículo o reduzem a intenções prescritivas, situadas


no que se deve ocorrer ou ser feito, numa instrução previamente determinada em termos de
resultados de aprendizagem, que podem ser traduzidas em um plano de estudos ou programas
de ensino, “muito estruturado e organizado na base de objectivos-conteúdos-actividades-
avaliação e de acordo com a natureza das disciplinas” (PACHECO, 2005, p. 31).
Desse modo, o currículo representa algo muito planificado, que passará a ser implementado
a partir de ações baseadas nas intenções ali previstas. Assim, currículo e programa tornam-se a
mesma realidade:
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Um currículo é um plano de ação pedagógica muito mais largo que
um programa de ensino [...] que compreende, em geral, não somente
programas, para diferentes matérias, mas também uma definição das
finalidades da educação pretendida. (D’HAINAUT, 1980, p. 21)

A segunda tradição está ligada a uma perspectiva prática e emancipatória de uma relação
recíproca dos diversos contextos de decisão, o que imprime ao currículo o significado de
um projeto resultante não apenas da planificação das intenções, mas da planificação de sua
realização no seio de uma estrutura organizacional.
Nessa tradição, as definições de currículo indicam um conjunto das experiências de
escolarização vivenciadas pelos alunos, dentro do contexto escolar, que dependem, todavia, de
intenções prévias e/ou como objetivos flexíveis. Nessa perspectiva, “um currículo é uma tentativa
de comunicar os princípios e aspectos essenciais de um propósito educativo, de modo que
permaneça aberto a uma discussão crítica e possa ser efetivamente realizado” (STENHOUSE,
1984, p. 29).

Quer dizer, pois, que não se conceituará currículo como um plano,


totalmente previsto ou prescrito, mas como um todo organizado em função
de propósitos educativos e de saberes, atitudes, crenças e valores que os
intervenientes curriculares trazem consigo e que realizam no contexto das
experiências e dos processos de aprendizagem formais e/ou informais.
(PACHECO, 2005, p. 33)

Na tradição técnica o currículo é entendido como um instrumento idealizado que


se faz material de modo enrijecido, fechado, limitado, expressando as intenções em
relação àquilo que se deve ensinar e o que deve ser realizado. Nesse sentido, pode
ser traduzido como programas de ensino ou listas de conteúdos a serem ensinados.
Na tradição prática e emancipatória, embora idealizado e planificado, o currículo
é concebido de modo flexível à discussão e à retomada de ações, o que o faz
ser aberto no sentido de remodelação pelos profissionais da educação, gestores
e professores, permitindo, desse modo, que o que foi idealizado, discutido, seja
replanejado e ressignificado, transcendendo a ideia de mero elenco de conteúdos.

Origem do Currículo no Contexto Escolar

Etimologicamente, o termo currículo tem origem do étimo latino scurrere, referente a um


curso ou carro de corrida. Esse modo de exposição é constituído de significados que possibilitam
interpretações conforme concepções e intencionalidades diversas, destacando se o currículo
seria um impeditivo de acessos.

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Unidade: Ideias de Currículo e Desenvolvimento Curricular

O currículo entendido enquanto ato de correr ou local onde se corre


[...] pode ser interpretado como metáfora de uma pista de corrida, cujas
marcações geram a previsibilidade de um conjunto de disciplinas que
devem ser desenvolvidas em determinado tempo, e com determinada
segurança e aproveitamento. (LIMA et al, 2011, p. 21).

No campo da educação, esse termo é entendido como uma trajetória pela qual o aluno
deve passar em sua vida escolar, constituída pelos conteúdos a serem ensinados, objetivos,
metodologias, avaliação e demais iniciativas tomadas pelos profissionais da instituição formativa
a fim de promover a formação de crianças, jovens, adultos e adolescentes.
O currículo como objeto de estudo e pesquisa surge como foros de cidadania epistemológica
com os trabalhos de Jonh Dewey, John Franklin Bobbit, Werrett Wallace Charters, e Ralph Tyler, no
interior das universidades norte americanas, nos anos 1920, quando da criação dos departamentos
de currículo e instrução, associados, no entanto, ao estudo de políticas educacionais.
Esse período foi marcado pelo processo de industrialização e pelos grandes movimentos de
migração, intensificando a massificação da escolaridade e tornando necessária uma discussão a
respeito da administração educacional, com o intuito de racionalizar os processos de elaboração,
desenvolvimento e avaliação de currículo.
Nesse contexto, sob um modelo institucional tendo a fábrica e o sistema administrativo
baseado no fordismo-taylorismo como paradigmas, o governo estadunidense elege um grupo
com a responsabilidade de propor políticas educacionais sob um projeto de currículo em que os
alunos deveriam ser concebidos como um modelo fabril. Tratava-se de uma estrutura curricular
produto da pressão de grupos políticos, econômicos e culturais, os quais procuravam cingir os
objetivos e o desenho educacional de massa conforme suas concepções.
Nesse cenário crucial da história da educação estadunidense, Franklin Bobbit, em 1918,
publica o livro The Curriculum, tido como marco do estabelecimento do currículo como
campo especializado de estudo.
As ideias de Bobbit (1918) a respeito de currículo atende, no entender de Pacheco (2005),
as necessidades dos mentores da política educacional norte-americana dos anos 1920, evidente
na especificação precisa de objetivos, procedimentos e métodos para a obtenção que poderiam,
e podem ser mensurados.
A concepção curricular de Franklin Bobbit reside na tradição técnica. Pacheco (2005) destaca
a seguinte prescrição de Bobbit, presente no livro How to make a curriculum, publicado em
1924, que fundamenta nossa afirmação: “a educação é essencialmente para a vida adulta, não
para a vida infantil. A sua responsabilidade fundamentalmente é preparar para os cinquenta
anos de vida adulta e não para os vinte anos de infância e adolescência”.
Possivelmente por essa concepção de formação, ele define currículo de dois modos:

é todo o leque de experiências, sejam estas dirigidas ou não, que visam o


desdobramento das capacidades do indivíduo; ou é a série de experiências
instrutivas conscientemente dirigidas que as escolas usam para completar
e aperfeiçoar o desdobramento. (BOBBIT, 1918, p. 43).

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O autor também faz referência aos objetivos, propondo-os como elementos que estruturam
o processo formativo escolar:

quando o currículo é definido como incluindo tanto experiências


dirigidas como não-dirigidas, então os seus objetivos são todo o leque de
capacidades humanas, hábitos, sistemas de conhecimento etc., que cada
indivíduo deve processar. (BOBBIT, 1918, p. 43).

No livro How to make a curriculum, o autor resume a ideia de currículo a 821 objetivos
que são contemplados por 10 dimensões, aproximando as atividades educacionais à forma de
uma engenharia do currículo. Para o autor,

a educação é o processo de crescimento na direção certa. Os objetivos


são as metas do crescimento. As atividades e experiências do aluno são
os passos que contemplam a sua jornada em direção a estas metas. As
atividades e experiências são o currículo. (ROBBIT, 1924, p. 44)

A publicação, em 1950, do livro Basic Principles of curriculum and instruction, de Ralph Tyler,
influenciou o processo educacional de diversos países, inclusive o Brasil, que nessa época contava
com as primeiras escolas profissionalizantes para atender as necessidades formativas da classe
trabalhadora. Esse autor passou a influenciar a educação principalmente porque associou as ideias
dos eficientistas sociais com os princípios de Dewey, definindo como fonte para as finalidades os
estudos sobre os alunos, o modo de vida contemporânea e os conteúdos específicos.

Embora o objetivo de Ralph Tyler não tenha sido o de tornar o livro um manual, no entender
de Pacheco (2005, p. 87) “o certo é que rapidamente se converteu num best-seller curricular,
já que tem sido compreendido como uma proposta teórica quer para a conceptualização do
currículo, quer para a organização das práticas curriculares”.

Em Busca da Definição de Currículo

Currículo é um termo polissêmico e como consequência, não há consenso acerca de seu


significado; seu conceito encontra-se na diversidade de concepções acerca dos processos de
ensino e de aprendizagem. Nesse sentido, definir currículo pode tornar-se uma tarefa complexa,
pois cada curriculista tem sua visão, impregnada por crenças, valores e atitudes político-sócio-
culturais, do processo de formação.

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Unidade: Ideias de Currículo e Desenvolvimento Curricular

Diálogo com o Autor


O educador espanhol José Contreras Domingos, no livro Enseñanza, curriculum y
profesorado: introducción critica a la didáctica, publicado em 1990, pela Editora Akal,
em Madrid, explicita algumas interrogações quando da complexidade do significado de currículo: “O
currículo deve propor o que se deve ensinar ou aquilo que os alunos devem aprender? O currículo
é o que se deve ensinar e aprender ou é também o que se ensina e aprende na prática? O currículo
é o que se deve ensinar e aprender ou inclui também a metodologia (as estratégias, métodos) e os
processos de ensi¬no? O currículo é algo especificado, delimitado e acabado que logo se aplica ou
é de igual modo algo aberto que se delimita no próprio proces¬so de aplicação? (CONTRERAS,
1990, p. 177-179)”

Se por um lado as ideias não se aglutinam em volta do significado ou conceitualização de


currículo, por outro, isso se torna um aspecto positivo no sentido de incutir aos curriculistas
discussões e reflexões para uma problematização profícua acerca das ideias curriculares. Embora
essas ideias apresentem divergências, há, no entanto, “consenso – o que permite falar de um
campo epistemológico específico – quanto ao objeto de estudo, que é de natureza prática e
ligado à educação, e quanto à metodologia, que é de natureza interdisciplinar, no quadro das
ciências sociais e humanas” (PACHECO, 2005, p. 35).
Se entre os curriculistas não há consenso acerca do conceito de currículo, no interior da
escola as ideias a respeito de seu conceito se materializam de modo amplo.
Dentro da diversidade de entendimento de seu conceito, a prática do currículo é concebida
por uma multiplicidade de influência, as quais o educador e pesquisador espanhol José Gimeno
Sacristán destaca: “comportamentos didáticos, políticos, administrativos, econômicos”, que
se faz presente por trás de fundamentados e “pressupostos, teorias parciais, esquema de
racionalidade, crenças, valores” que estabelece relações para a teorização sobre o currículo
(SACRISTÁN, 2000, p. 13).
Ao definirmos currículo descrevemos os modos de concretização das funções da instituição
escolar e a forma de enfocá-los em momento específico histórico e cultural, para níveis e
modalidades diferenciadas de educação. Desse modo, a organização curricular deve ser
diferenciada a cada nível e modalidade, assumindo funções por meio de seu desenvolvimento
e atentando-se para sua função social. Desse ponto de vista, ao pensarmos em propostas
curriculares de Matemática, da organização ao desenvolvimento, estas devem ser concebidas de
modo diferenciado ao nos referirmos à educação básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental
e Ensino Médio); níveis (Regular e Educação de Jovens e Adultos); ensino superior (bacharelado,
licenciatura, tecnólogo etc.); e modalidades (presencial, a distância).
O controle sobre a organização e o desenvolvimento do currículo se dá por meio da ação de
diferentes atores envolvidos com sua prática. Mesmo que o currículo reflita o interesse de um
grupo dominante, a comunidade acadêmica, profissionais da educação, gestores e professores
imprimem suas ideologias, concepções, valores e culturas no processo de organização e
desenvolvimento dentro de suas atividades escolares.
Sacristán (2000) alerta que o currículo não pode ser entendido apenas como o produto de
práticas pedagógicas de ensino, mas como o resultado de múltiplas práticas dadas a partir de
“ações que são de ordem política, administrativa, de supervisão, de produção de meios, de
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criação intelectual, de avaliação etc.” (p. 22). Porém, as múltiplas práticas, na perspectiva do
autor, promovem o entendimento que o currículo materializa-se numa prática pedagógica.
Se o currículo é materializado por meio da prática pedagógica, ele se concretiza em função
de múltiplos contextos relacionados à sala de aula: a competência profissional do professor ao
trabalhar determinado tema; as competências cognitivas dos alunos e as habilidades a serem
desenvolvidas; o conjunto de materiais didáticos a serem utilizados (livros, jornais, calculadoras,
jogos, caderno, por exemplo); as relações professor-aluno, aluno-aluno, aluno-saber, que
demarcam o clima social do ambiente de aprendizagem; as práticas administrativas (da equipe
gestora escolar); os recursos materiais necessários (sala, carteiras, cadeiras, lousa, projetor para
multimídia, computadores); o contrato didático estabelecido; a avaliação a ser desenvolvida,
seja no processo ou ao final de uma situação de aprendizagem.
O currículo materializado na prática pedagógica assume, desse modo, a característica de
ser multicontextualizado e as diferentes atividades que o desenvolvem estão articuladas entre
si, logo, essas atividades atribuem significados concretos ao currículo e os contextos aos quais
ele está inserido são cingidos de crenças, valores, tradições em relação ao saber e ao papel da
educação; concepção de ensino e de escola e suas funções na formação e na sociedade.
No âmbito da pesquisa, as diferentes problemáticas estudadas – emergidas no bojo de
discussões escolar – estão coadunadas com a região de inquérito curricular, ou seja, o estudo
de práticas curriculares abarcam variadas atividades inseridas na multiplicidade de contextos
educacionais: formação de professor; desenvolvimento de recursos educacionais; políticas
públicas para a educação; teorias que alicerçam a prática do professor e os processos de
ensino e de aprendizagem; macroavaliações; metodologia e didática; projetos de intervenção
pedagógica, por exemplo, aulas de reforço ou de recuperação. Assim, o currículo pode ser
entendido como uma amálgama de múltiplas práticas e atividades que circundam o processo
de formação escolar.
Embora se apresente como um termo polissêmico, amalgamado por práticas e atividades
multifacetadas, encontramos em diferentes autores definições para currículo. Na concepção de
Pacheco (2001, p. 20), o currículo defini-se

como um projeto, cujo processo de construção e desenvolvimento é


interativo, que implica unidade, continuidade e interdependência entre
o que se decide ao nível do plano normativo, ou oficial, e ao nível do
plano real, ou do processo de ensino-aprendizagem. [...] O currículo
é uma prática pedagógica que resulta da interação e confluência de
várias estruturas (políticas, administrativas, economicas culturais,
sociais, escolares,...) na base de quais existem interesses concretos e
responsabilidades compartilhadas.

Para Sacristán (2000, p. 15-16) o currículo é definido como

uma práxis antes que um objeto estático emanado de um modelo coerente


de pensar a educação ou as aprendizagens necessárias das crianças e
dos jovens, que tampouco se esgota na parte explícita do projeto de
socialização cultural nas escolas. É uma prática, expressão da função
socializadora e cultural que determinada instituição tem, que reagrupa em

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Unidade: Ideias de Currículo e Desenvolvimento Curricular

função socializadora e cultural que determinada instituição tem, que


reagrupa em torno dele uma série de subsistemas ou práticas diversas,
entre as quais se encontra a prática pedagógica desenvolvida em
instituições escolares que comumente chamamos ensino.

Tomando como uma opção cultural e conscientizando-se da amplitude de seu significado,


o autor assume ainda o currículo como “o projeto seletivo de cultura, cultural, social, política e
administrativamente condicionado, que preenche a atividade escolar e que se torna realidade
dentro das aplicações da escola tal como se acha configurado” (SACRISTÁN, 2000, p. 34).
O currículo vislumbra o conjunto de saberes a ser aprendido pelos alunos em uma
determinada fase escolar. Conjunto esse constituído pela seleção: de conteúdos a serem
desenvolvidos no interior da sala de aula; pela metodologia a ser adotada para que os saberes
sejam aprendidos; pela didática que alicerça a prática pedagógica do professor; pelos objetivos
que especialistas da educação e comunidade escolar têm do processo de formação, bem como
do entendimento que se tem de educação; das expectativas e necessidades de aprendizagem dos
alunos; das competências e habilidades a serem desenvolvidas/potencializadas; pelos diferentes
conhecimentos que crianças, jovens, adultos e idosos trazem de suas relações sociais para o
interior da sala de aula; pelas crenças, valores e conhecimentos do professor.
O currículo está além da simples seleção de conteúdos ou do programa escolar; é o produto de
todas as ações (pedagógica, cultural, social, política, administrativa, econômica) que compõem
os desenhos de ensino.

Níveis do Desenvolvimento Curricular


Sacristán (2000) defende que o currículo projeta-se diretamente sobre a prática pedagógica,
o que implica que a melhoria e/ou a mudança da prática é produto de teorias que alicerçam o
currículo, ou seja, das metateorias que o faz emergir. Nesse sentido, a prática do currículo tem
diferentes versões e essa prática se processa por diversas intervenções que nele se dá.

Explore
A revista Nova Escola, nº 209, edição de janeiro/fevereiro de 2008, publicada pela
Editora Abril, traz textos e reportagens sobre Currículo. O conteúdo dessa edição
poderá ser consultado clicando no link.
99 http://revistaescola.abril.com.br/edicoes-impressas/209.shtml

Sacristán (2000) desenha um modelo constituído de sete fases, ou níveis, que visa à
interpretação do currículo como a construção dada no entrelaçamento de influências e campos
de atividades diferenciados e inter-relacionados.

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O currículo prescrito é o nível em que há a existência de prescrição ou orientação do que
se entende por seu conteúdo e pode ser caracterizado por um conjunto de decisões e orientações
normativas tomadas no interior das secretarias federais, estaduais e municipais de educação. Esse
conjunto de decisões e normas se materializa em diretrizes, resoluções, orientações e parâmetros
curriculares, constituindo, estes, documentos de referência na ordenação do sistema curricular,
servindo como ponto de partida para autores elaborarem diferentes materiais didáticos e para
professores e gestores vislumbrarem suas práticas pedagógicas.

Nessa primeira fase, então, o currículo é idealizado e organizado por uma instância de realidade
distante da comunidade onde a instituição escolar está inserida. O nível que, de certo modo, traduz
as prescrições oficiais aos profissionais da educação, é o currículo apresentado aos professores. De
modo geral, os autores de materiais didáticos ao desenvolver livros, apostilas, ou recursos similares,
traduzem para o professor os significados e os conteúdos do currículo prescrito, a partir de seus
modos de interpretar as diretrizes oficiais. Além de autores de materiais didáticos, guias para a
elaboração desses livros também fazem uma transposição do conjunto das orientações oficiais
como, por exemplo, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), iniciativa do governo federal
brasileiro que se configura como subsídio para autores e para o trabalho pedagógico do professor ao
escolher as obras didáticas aprovadas pelo referido programa.

A concretização dos conteúdos a serem desenvolvidos e o significado do currículo para o


docente se dá a partir da transformação que ele dá aos recursos didáticos que dispõe. Essa fase
de progressão curricular é chamada de currículo moldado pelos professores.

Nesse nível, o currículo prescrito ou apresentado é moldado pelo docente a partir de suas
decisões alicerçadas em sua cultura profissional e por meio de sua prática, este profissional
constrói novas alternativas curriculares. Portanto, o currículo moldado se materializa, por
exemplo, em planos de aula, projetos de intervenção pedagógica, sequências didáticas e/ou
situações-problema.

No processo de desenvolvimento, a concretização do currículo se dá em situações de aula,


a partir da prática do professor, denominando o currículo em ação. Esse nível de currículo,
dado pela ação do professor e sua postura na sala de aula em momentos de ensino e de
aprendizagem, é direcionado por ideais teóricas e práticas do docente. Trata-se, então, do
conjunto de aprendizagens vivenciadas pelos alunos em consequência dos atos docentes no
decorrer da aula.

Como consequência do que é proposto ao aluno, seja em prescrições, em materiais didáticos,


em planos de ensino ou em ações do professor, tem-se o currículo realizado, produto de efeitos
cognitivo, afetivo, social, moral, cultural, entre outros. O currículo realizado, ou seja, aquele
praticado materializa-se no que, a partir do que estava proposto, foi realmente trabalhado em
situações de aula, podendo ser identificado em semanários, diário de classe, cadernos de alunos
ou relatórios docentes.

Conforme já destacamos, o nível da prescrição é responsabilidade de especialistas da


administração, enquanto os demais níveis estão sob a responsabilidade de autores de materiais,
gestores e professores. Um modo de verificar o que da prescrição foi efetivamente praticado nos
interiores das escolas é por meio de avaliações, ou seja, o currículo avaliado.

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Unidade: Ideias de Currículo e Desenvolvimento Curricular

O currículo avaliado também pode ser concebido a partir das atividades avaliativas realizadas
em sala de aula como, por exemplo, provas e exames, os quais informam ao docente o quanto
o aluno se apropriou dos saberes ensinados ou a defasagem existente em relação ao conteúdo
trabalhado.
Pacheco (2005) ao escrever sobre o desenvolvimento curricular expõe que este se dá num
continuum de decisões presentes em três contextos: “político/administrativo – no âmbito
da Administração central; de gestão – no âmbito da escola e da administração regional; de
realização – no âmbito da sala de aula” (p. 50).
O currículo oculto, por sua vez, é produto de experiências no interior da escola que não
estão previstas nas prescrições oficiais ou em nenhuma outra fase do processo. Também não é
possível identificá-lo por nenhum instrumento escrito, pois ele não é documentado. No entender
de Pacheco (2005) esse currículo pode ser resumido a duas centrais: “o que os alunos aprendem
com a experiência social da escola; a imprevisibilidade da ação pedagógica” (p. 54).

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Material Complementar

Para ampliar e complementar seus estudos e ajudar você a compreender melhor os diferentes aspectos
relacionados ao currículo, sugerimos quatro filmes.

Pro Dia Nascer Feliz


Gênero: documentário
Tempo de duração: 88 minutos
Ano de lançamento (Brasil): 2005
Direção: João Jardim
Sinopse: Documentário sobre as diferentes situações que adolescentes de 14 a 17
anos, ricos e pobres, enfrentam dentro da escola: a precariedade, o preconceito, a
violência e a esperança. Foram ouvidos alunos de escolas da periferia de São Paulo,
Rio de Janeiro e Pernambuco e também de dois renomados colégios particulares,
um de São Paulo e outro do Rio de Janeiro.

O Sorriso de Monalisa
Gênero: drama, dramas sobre questões sociais, obras de época do século XX.
Tempo de duração: 125 minutos
Ano de lançamento (EUA): 2003
Direção: Mike Newell
Sinopse: Em 1953, a recém-graduada Katherine Watson (Julia Roberts) torna-
se professora de História da Arte do respeitado e conservador colégio Wellesley.
Decidida a lutar contra normas tradicionais que existem na sociedade e no
próprio colégio, a jovem professora inspira suas alunas, como Betty (Kirsten
Dunst) e Joan (Julia Stiles), a vencer seus desafios de vida.

Preciosa
Gênero: drama
Tempo de duração: 100 minutos
Ano de lançamento (EUA): 2003
Direção: Lee Daniels
Sinopse: No Harlem, a jovem Claireece “Precious” Jones (Gabourey Sidibe)
sofre as mais diversas privações. Abusada pela mãe, violentada pelo pai e
grávida de seu segundo filho, é convidada a frequentar uma escola alternativa,
na qual vê a esperança de conseguir dar.

Tempos Modernos
Gênero: comédia
Tempo de duração: 87 minutos
Ano de lançamento (EUA): 1936
Direção: Charles Chaplin
Sinopse: O filme é uma sátira à vida em uma sociedade industrial e consumista. Trump
(Chaplin) confronta-se com todas as invenções desumanas de uma fábrica. A crítica não
é só à mecanização, mas também a outras questões sociais da época: Trump é preso
a toda hora, confundido com comunistas, grevistas ou por qualquer motivo tolo; seu
romance com uma jovem órfã é impedido pelas autoridades; para todo esforço parece
haver um empecilho por parte do governo ou da sociedade.
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Unidade: Ideias de Currículo e Desenvolvimento Curricular

Referências

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Anotações

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