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Como se estudam as línguas?

”Palavras, frases e textos”


18 de outubro
O que é que as línguas têm em
comum?

« Ora, da mesma forma que para construir não chega juntar pedras, materiais, enfim, todas as
coisas necessárias para um edifício, e que é ainda necessário que uma mão hábil as disponha e as
coloque; da mesma forma em matéria de eloquência, seja qual for a multiplicidade de coisas que
tenhamos para dizer, elas não passarão de um amontoado confuso se a disposição não as arranjar
e não as ligar umas às outras, para delas fazer um todo bem regular. (...)»

traduzido de Quintiliano, De lʼInstitution de lʼOrateur, Livro VII, Avant-Propos


Linguagem & Línguas

Língua Materna: língua que as crianças nascidas numa

dada comunidade linguística desenvolvem

espontaneamente como resultado do processo de

aquisição da linguagem (Duarte 2000, adapt)


Palavras, Frases & Textos

• As palavras numa língua só podem ser analisadas porque se


relacionam com outras

• As frases numa língua são analisadas de acordo com a estrutura que


apresentam

• Os textos numa língua são sequências linguísticas, produzidas e


reconhecidas pelos falantes
Palavras & frases
• A palavra <casa> pode ser analisada como Nome ou como Verbo;

• Se é um Nome tem uma distribuição linguística específica (pode


ocupar o lugar de sujeito, de complemento ou de ajunto).
Representa, por isso, um objeto do mundo real ou imaginário

• Se é um Verbo relaciona termos da frase e atribui-lhes


propriedades. O verbo é, por isso, um predicador
Palavras & frases
• As expressões linguísticas que representam (ou referem) objetos do mundo real imaginário são
designadas por expressões (descrições) referenciais

A minha casa fica em S. Paulo | A Maria comprou a casa amarela | muitas casas não têm
projeto de arquitetura | [pro] Conheço todas as casas da Maria | todas as casas têm teto
| [pro] vou comprar uma casa com vista para a lagoa
Palavras & frases
• As expressões linguísticas que predicam propriedades são designadas expressões predicativas
(ou predicadores)

Exemplos

• A minha casa fica em S. Paulo | A Maria comprou a casa amarela | muitas casas não
têm projeto de arquitetura | [pro] Conheço todas as casas da Maria | todas as casas
têm teto | [pro] vou comprar uma casa com vista para a lagoa
Palavras & frases
Quando se estudam as expressões referenciais tem-se em conta:
Os determinantes:
Definidos: ʻO Búzio aparecia ao longeʼ
Indefinidos: ʻ(…) trazia um grande pau que lhe servia de bordãoʼ
Nulo: ʻ(…) rodeado de Ø luz e de Ø ventoʼ
Os Nomes
Próprios: ʻO Búzioʼ
Comuns
Contáveis: ʻ(…) passava um fio (…) atava assim as duas conchasʼ
Não-Contáveis: ʻsaco cheio de pãoʼ
Os Adjetivos
posição à esquerda do Nome: ʻera um LONGO discurso
claroʼ
posição à direita do Nome: ʻera um longo discurso
CLAROʼ
Os Modificadores do Nome: ʻas palmas em conchaʼ
Palavras & frases
Quando se estudam as expressões predicativas caracterizam-se essas expressões
de acordo com as formas linguísticas que as diferentes línguas disponibilizam.

Verbo pleno | classes verbais |marcas de Tempo: ʻIsto passou-se há muitos anosʼ

marcas de Aspeto: ʻO Búzio chegava de dia (…)ʼ | marcas de Modo: ʻ O Búzio não possuía
nada como uma árvore não possui nada / não queria que ele me visse

Nome predicativo (sujeito/ complemento de objeto direto)

Predicativo do Sujeito Nominal: ʻA terra era sua mãe e sua mulherʼ

Predicativo do Sujeito Adjetival: ʻEra alto e direitoʼ

Predicativo do Sujeito Preposicional: ʻ No alto da duna, o Búzio estava com a tardeʼ


Palavras & frases
Todo e qualquer acontecimento linguístico - oral ou escrito - é localizado em
relação a um sistema referencial (SUJEITO/TEMPO-ESPAÇO DA ENUNCIAÇÃO)

ʻQuando eu era pequena, passava às vezes pela praia um velho louco e


vagabundo a quem chamavam o Búzioʼ

ʻEra um pouco antes do pôr do Sol e de vez em quando passava uma


pequena brisa.ʼ
Palavras & frases

Só é possível analisar e classificar linguisticamente um termo se este estiver em


relação com outros, isto é, não há termos linguisticamente isolados

Todas as sequências linguísticas bem formadas gramaticalmente podem ser


analisadas tendo em conta o seu valor semântico, isto é, aquilo que significam
como um todo.
Palavras & frases
ʻQuando eu era pequena, passava às vezes pela praia um velho louco e vagabundo a
quem chamavam o Búzioʼ
Esta sequência é interpretada como sendo:
um acontecimento linguístico localizado no tempo (anterior ao tempo da
enunciação);
um acontecimento linguístico produzido por um sujeito que valida esse
acontecimento linguístico;
o acontecimento linguístico produzido constrói a existência de uma
entidade - um velho louco e vagabundo a quem chamavam o Búzioʼ – que,
por ser determinado por um determinante artigo indefinido, é interpretada
como informação nova.
Frases & textos
As frases ligam-se entre si através de formas linguísticas que
estabelecem a coesão do texto, assegurando a interdependência das
formas em ocorrência.

Processos de coesão:
cadeias de referência;

coesão lexical;
coesão temporo-aspetual;

coesão interfrásica;
Frases & textos
Processos de coesão:
cadeias de referência:
ʻum velho louco e vagabundo a quem chamavam o Búzioʼ (…) ʻO Búzioʼ (…)
tudo nele lembrava coisas marítimas. A sua barba (…) As grossas veias azuis
das suas pernas… O seu corpo …Os seus olhos…E Ø trazia sempre (…)
coesão lexical:
ʻ (…) de maneira a formar com elas duas castanholas. E era com essas
castanholas (…)ʼ
Frases & textos
Processos de coesão:
coesão temporo-aspectual:
ʻEntão, eu resolvi ir atrás dele. Ele atravessou o jardim de areia (…). Quando
chegou ao lugar (…), parou. (…) Eu, que o tinha seguido de longe, aproximei
-me (…)ʼ

coesão interfrásica:
ʻParou em frente da porta de serviço e ao som das suas castanholas de
conchas pôs-se a cantar.ʼ;
ʻMas o Búzio aparecia sozinhoʼ
Frases & textos
ʻQuando eu era pequena, passava às vezes pela praia um velho louco e vagabundo
a quem chamavam o Búzioʼ

Descrição de um velho louco e vagabundo a quem chamavam o Búzio

E foi assim que o vi aparecer naquela tarde em que eu brincava sozinha no jardim.
Frases & textos
Descrição de um velho louco e vagabundo a quem chamavam o Búzio

• 2º § - descrição imagética: ʻO Búzio era como um monumento manuelino. (…)ʼ


• 3º§ - descrição de pormenor - outro objeto (ʻduas conchasʼ)
• 4º§ - descrição no espaço (em profundidade): ʻ o Búzio aparecia ao longe. Via-
se crescer dos confins das areias e das estradas. (…) Mas quando se
aproximava (…)
• 5º§ - descrição de pormenor – ʻNa mão esquerda trazia um grande
pau…um saco de pano…ʼ
• 6º§ - descrição no tempo: ʻO Búzio chegava de dia, (…)ʼ
• 6º§ - descrição de pormenor – outro objecto (ʻo seu cãoʼ): ʻe, dois
passos à sua frente, vinha o seu cão, que era velho, …ʼ
• 7º § e segs - descrição em movimento (lento e repetido): ʻE pelas ruas fora
vinha o Búzio (…). Parava (…). E o Búzio, demoradamente, desprendia (…).
Depois de novo seguia. (…) Parava (…) E o Búzio demoradamente (…)
desprendia o saco do pau (…). E seguia com o seu cão.
Frases & textos
Descrição de um velho louco e vagabundo a quem chamavam o Búzio

ʻO Búzio aparecia ao longe. Via-se crescer dos confins das areias e das
estradas. (…)
Mas quando se aproximava (…)
ʻNa mão esquerda trazia um grande pau…um saco de pano…ʼ
ʻO Búzio chegava de dia, (…)ʼ, dois passos à sua frente, vinha o seu cão,
(…)
ʻE pelas ruas fora vinha o Búzio (…). Parava (…). E o Búzio,
demoradamente, desprendia (…). Depois de novo seguia. (…) Parava (…) E o
Búzio demoradamente (…) desprendia o saco do pau (…). E seguia com o seu cão.
(…)
O Búzio aparecia sozinho, (…)
Os seus pés descalços pareciam escutar o chão que pisavam.
E foi assim que o vi aparecer naquela tarde
em que eu brincava sozinha no jardim
Frases & textos
• E foi assim que o vi aparecer naquela tarde em que eu brincava
sozinha no jardim

• (Descrição)

• Então eu resolvi ir atrás dele.

• (Descrição)

• Não posso repetir as suas palavras: não as decorei e isto passou-


se há muitos anos. (…). Mas lembro-me de que eram palavras (…)
Representações da linguagem
oral/escrita
20 de outubro
O que é a escrita?

Perspetiva 1 - Representação secundária da linguagem

• Não é uma capacidade generalizada da humanidade

• Não se adquire; tem de ser aprendida (escolaridade)

• O escrito não é consequência 'natural' do desenvolvimento do ser humano. É uma

conquista histórica e cultural.

• A escrita tem essencialmente um carácter convencional.


PRODUÇÃO DE UM TEXTO
(generalização)

clareza rigor

Uso adequado das formas (léxico e


Organização das ideias/informação metalinguagem)
Sequencialidade:
Uso adequado das regras de
coesão /coerência gramática
O texto escrito (suporte Kato 1998)

1ª questão: passagem de um texto oral a um texto escrito


a) O ato de escrever pressupõe uma meta e um plano
b) O ato de escrever é um ato de resolução de um problema

2ª questão: qual o formato do texto que vai ser construído /foi construído?
a) Formato piramidal
b) Formato argumentativa
c) Formato de eliminação
d) Formato de uma narrativa
O texto escrito (suporte Kato 1998)
a) Formato piramidal – do geral para o particular (cf. editoriais de
jornais) _ Editorial Público
b) Formato argumentativo – introdução/desenvolvimento
(discussão de argumentos) /conclusões (cf. textos científicos /
textos legais)
c) Formato de eliminação – construção de um argumento,
eliminando propostas alternativas, para construir uma proposta /
sucessão descritiva de argumentos/ou factos, justificação
conjunta desses argumentos no final do texto (textos
jornalísticos / textos científicos)
d) Formato de uma narrativa – descrição de factos encadeados
temporalmente (cf. estrutura de romances / descrição de
experiências)
O texto escrito

coesão frásica (ordem de palavras /fenómenos de concordância

coesão interfrásica (e, mas, ou, se… então, …)

coesão temporal (localizadores: ontem, hoje, depois, antes de, a partir de


…)
coesão referencial (informação nova /retoma – informação reconstruída )
Escrito vs oral - dicotomias estritas

FALA ESCRITA
Contextualizada Descontextualizada
Dependente Autónoma
Implícita Explícita
Redundante Condensada
Não-planeada Planeada
Imprecisa Precisa
Não-normalizada Normalizada
Fragmentária Completa

Marcushi 2000: 16
Síntese: Duarte 2000
•O oral e o escrito constituem dois modos que, embora estabelecendo
relações entre si, possuem princípios de funcionamentos distintos. (Duarte
2000: 379)

•É a oralidade e não a escrita que nos fornece toda a informação


necessária para a execução da descrição gramatical. (ibidem)

•A escrita é uma forma simplificada de representar a realidade mais


complexa que é o oral. (ibidem)
Do oral ao escrito e vice-versa_ Marcucshi 2000

• Oralidade e literacia [letramento] são atividades interativas e


complementares no contexto das práticas sociais e culturais
(Marcuschi 2000: 16)
• As línguas se fundam nos usos e não o contrário. (…) pouco importa
que a faculdade da linguagem seja um fenómeno inato, universal e
igual para todos (…) o que importa é o que nós fazemos com esta
capacidade (ibidem)
• A escrita não pode ser tida como uma representação da fala (op.cit:
17)
• as diferenças entre fala e escrita se dão dentro do continuum
tipológico das práticas sociais de produção textual e não na relação
dicotómica de dois pólos opostos (op.cit: 37)

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