Você está na página 1de 5

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ

ÓRGÃO JULGADOR : 1ª Câmara de Direito Público


APELAÇÃO CÍVEL (198) No 0000013-03.2008.8.18.0079
APELANTE: PROCURADORIA GERAL DA JUSTICA DO ESTADO DO PIAUI
REPRESENTANTE: PROCURADORIA GERAL DA JUSTICA DO ESTADO DO PIAUI

APELADO: ANA MARCIA LEAL DA COSTA SOUSA, MUNICIPIO DE ANGICAL DO PIAUI, MARINALVA ALVES RIBEIRO
REPRESENTANTE: MUNICIPIO DE ANGICAL DO PIAUI

Advogado(s) do reclamado: MAX NILSEN BORGES DOS SANTOS, RAIMUNDO DE ARAUJO SILVA JUNIOR, FRANCISCO DIEGO MOREIRA BATISTA
RELATOR(A): Desembargador RAIMUNDO EUFRÁSIO ALVES FILHO

EMENTA

EMENTA:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 14.230/2021. DIREITO SANCIONADOR.
PREVISÃO LEGAL. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. PRECEDENTES DO STF E STJ. APLICAÇÃO RETROATIVA DA NOVA LEI.
CONTRATAÇÃO DE TEMPORÁRIOS. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS LEGAIS. REVOGAÇÃO DO INCISO “I” DO ART. 11 DA LEI DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11, V, DA LEI DE IMPROBIDADE. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONCURSO PÚBLICO.
CONTRATAÇÃO IRREGULAR DE TEMPORÁRIOS. NÃO CONFIGURAÇÃO DE IMPROBIDADE. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE
DOLO ESPECÍFICO POR APLICAÇÃO RETROATIVA DA NOVA LEI. NÃO COMPROVAÇÃO. APELOS CONHECIDOS E PROVIDOS.
I – A Lei de Improbidade Administrativa sofreu profundas alterações pela Lei n° 14.230/2021, havendo intensa alteração no que se refere
ao seu aspecto material.
II - Dentre uma das suas alterações, está a previsão de forma expressa da aplicação, em sede de improbidade administrativa, dos
princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador.
III - Em que pese a diferença de gradação entre sanções penais e sanções administrativas, tais campos do Direito Público Sancionador
decorrem de um ius puniendi estatal único, não havendo uma diferença ontológica entre tais regimes.
IV - As sanções penais e administrativas se submetem a incidência de princípios comuns aplicáveis ao Direito Público Sancionador,
dentre estes, o princípio da irretroatividade (art. 5°, XL, da CF) que dispõe: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”, o
que nos leva a crer que tal princípio deve ser aplicado nos casos de improbidade administrativa, ante o caráter de Direito
Administrativo Sancionador, devendo a norma mais benéfica retroagir para beneficiar o reú na interpretação e aplicação nos ato
ímprobos.
V - Um caso de retroatividade de norma benéfica é a necessidade de dolo específico para configuração da improbidade, na forma
exigida pelo § 2º do art. 1º da Lei de Improbidade Administrativa, inserido pela Lei n° 14.230/2021, superando a jurisprudência
tradicional da Corte Cidadã.
VI - O ponto fulcral da lide é a contratação de temporários, no Município de Angical, feita de forma irregular, o que levaria a
configuração de improbidade administrativa.
VII - O mero fato de contratar em desconformidade com os preceitos constitucionais e infralegais não se perfaz, por si só, como ato de
improbidade administrativa.
VIII - Mesmo patente a indevida contratação de temporários, tendo em vista a ausência de necessidade excepcional interesse público,
ao arrepio da Lei, tal ilegalidade não conduz a presença de ato ímprobo.
IX - A inobservância de norma constitucional e legal, quando não comprovado o dolo ou má-fé do agente público, caracteriza ausência
de improbidade administrativa.
X - Aplicando a retroatividade pela necessidade de dolo específico, não há a comprovação do referido dolo, ainda mais, quando o art.
11, V, da Lei de Improbidade, assim prevê: V - Frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de
chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros.
XI - Em razão disso, não há provas de benefício por parte das Apelantes das aludidas contratações temporárias.
XII - Quanto à utilização da máquina pública para frustar a necessidade de concurso público ou da irregularidade de contratação de
temporários com fins de benefício próprio ou de terceiros, necessita-se de prova cabal, não estando presente tais provas.
XIII - Caberia ao Apelado comprovar a violação dos princípios da administração pública (art. 11, V), nos termos que exige a Lei de
Improbidade, ou seja, os elementos trazidos à lide são insuficientes para demonstrar a ocorrência de ato ímprobo, principalmente, no
que se refere ao dolo específico das Apelantes.
XIV – Apelos conhecidos e provido.

RELATÓRIO

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000013-03.2008.8.18.0079

Apelantes : ANA MÁRCIA LEAL DA COSTA SOUSA e MARINALVA ALVES RIBEIRO SOARES.
Advogado : Francisco Diego Moreira Batista (OAB/PI nº 4.885).
Apelado : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ.
Promotora : Valesca Caland Noronha.
Relator : Des. RAIMUNDO EUFRÁSIO ALVES FILHO.
Vistos etc.,

Trata-se, in casu, de Apelações Cíveis, interposta por ANA MÁRCIA LEAL DA COSTA SOUSA e MARINALVA ALVES RIBEIRO SOARES,
contra sentença prolatada pelo Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Angical/PI, nos autos de AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO
DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (proc. nº 0000013-03.2018.8.18.0079), ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ.
Na sentença recorrida, o Juízo a quo julgou parcialmente procedente os pedidos para condenar as Apelantes - ANA MÁRCIA LEAL DA
COSTA SOUSA e MARINALVA ALVES RIBEIRO SOARES - pela prática de atos de improbidade administrativa violadores dos art. 11,
caput, incisos I e V, da Lei 8.249/92, extinguindo o processo com exame do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, impondo as
seguintes sanções: - Para ANA MÁRCIA LEAL DA COSTA SOUSA: a) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 05 (cinco) anos; b)
multa civil no valor de 10 (dez) vezes o valor da remuneração percebida pela mesma; c) proibição de contratar com o Poder Público ou
receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja
sócio majoritário, pelo prazo de três anos; - MARINALVA ALVES RIBEIRO SOARES: a) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 03
(três) anos; b) multa civil no valor de 05 (cinco) vezes o valor da remuneração percebida pela mesma; c) proibição de contratar com o
Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa
jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Nas suas razões, a Apelante/ MARINALVA ALVES RIBEIRO SOARES aduz, em suma: a) da não competência para promover a
contratação de pessoas; b) as contratações de pessoas deram-se de acordo com a Lei; c) as referidas contratações se deram em
substituição a servidores que entraram em licença, mesmo que posteriormente; e d) da exacerbação da pena aplicada.
Na suas razões, a Apelante/ ANA MÁRCIA LEAL DA COSTA SOUSA alega, em síntese: a) o Magistrado a quo utiliza-se de fatos
narrados, inclusive, por informante (Jonaldes Alves Gomes), contraditado em audiência por ser inimigo político da Apelante, sendo
indiscutível que tais informações prestadas por este, não podem ser consideradas para efeito de constatação de ocorrência de
eventual ato de improbidade, uma vez que o referido informante sempre teve interesse em prejudicar a Apelante; b) as contratações de
todas aquelas pessoas, na gestão do Apelante, atenderam às exigências legais, notadamente aquelas postas na Lei nº 8.475/93 e Leis
municipais nº 407/97 e 450/02; c) a sentença reconhece que as referidas contratações se deram em substituição a servidores que
entraram em licença, mesmo que posteriormente, demonstrando que houve uma seleção, com análise de currículos e apresentação de
documentos (diploma) que atestasse a capacidade técnica dos contratados; d) a listagem dos contratados com os respectivos
substituídos, atestando que a atitude da Apelante se voltou para o futuro, satisfazendo as necessidades municipais, implantando meios
que visassem impedir a descontinuidade das atividades postas à disposição da população; e) não se harmoniza o referido
entendimento com as provas nos autos, notadamente com os depoimentos das testemunhas, que aduziram inexistir qualquer propósito
pessoal ou político nas contratações de servidores substitutos no ano de 2008, tendo suas falas corroborado com todas as demais
provas carreadas nos autos; f) não houve qualquer conduta perpetrada pela Apelante, motivadas por dolo ou má-fé ou mesmo alguma
que viesse a causar dano ao erário, daí porque, inexiste qualquer ato de improbidade administrativa; e g) da exacerbação da pena
aplicada.
Nas contrarrazões, o Apelado pugna pela manutenção integral da sentença recorrida, com base em: a) do suficiente dolo genérico; b)
das realizações de contratações sem obediência às formalidadres legais; c) para a configuração da prática de ato de improbidade
administrativa, bastam: (I) a ciência de que o ato praticado é ilegal; e (II) a prática de conduta cujo escopo é frustrar a regra de
obrigatoriedade da realização de concurso público; d) não se faz imprescindível a comprovação de que o agente público, por má-fé,
agiu com a finalidade especial de contratar proposta financeiramente prejudicial à Administração Pública ou benéfica aos seus
interesses privados; e) é suficiente a finalidade genérica de afrontar a exigência legal da realização de concurso público prévio a
qualquer contratação por parte do Poder Público.
Na decisão id 4560607, conheci dos Apelos, pois preenchidos os seus requisitos legais de admissibilidade.
Instado, o Ministério Público Superior não emitiu parecer de mérito, visto que o Ministério Público é uno como instituição e sua atuação
como parte dispensa a sua presença como fiscal da lei (id 4812901).
É o relatório.
Verificando que o feito encontra-se apto a julgamento, DETERMINO a sua inclusão em pauta de julgamento da 1ª Câmara de Direito
Público deste TJPI, nos termos do art. 934, do CPC.
Cumpra-se, imediatamente.

Teresina/PI, 03 de dezembro de 2021.

Des. RAIMUNDO EUFRÁSIO ALVES FILHO


RELATOR

VOTO

VOTO

I – DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Juízo de admissibilidade positivo realizado na decisão id 4560607, razão por que reitero o conhecimento destes Apelos.
Sem questões preliminares ou prejudiciais, passo à análise do mérito recursal.

II – DO MÉRITO RECURSAL
Cinge-se a controvérsia recursal a saber se ocorreu ato ímprobo, mais especificamente, violação do art. 11°, I e V, da Lei 8.429/92.
Ab initio, a Lei de Improbidade Administrativa sofreu profundas alterações pela Lei n° 14.230/2021, havendo intensa alteração no que se
refere ao seu aspecto material.
Dentre uma das suas alterações, está a previsão de forma expressa da aplicação, em sede de improbidade administrativa, dos
princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador.
Dessa forma, em que pese a diferença de gradação entre sanções penais e sanções administrativas, tais campos do Direito Público
Sancionador decorrem de um ius puniendi estatal único, não havendo uma diferença ontológica entre tais regimes.
Nesse sentido, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO proclama, verbis: “Não há, pois, cogitar de qualquer distinção substancial entre
infrações e sanções administrativas e infrações e sanções penais. O que as aparta é única e exclusivamente a autoridade competente para impor
a sanção” (Curso de Direito Administrativo, 32ª ed., São Paulo, Malheiros, 2015, p. 871).
E, também, a respeito do ius puniendi estatal único, EDUARDO GARCÍA DE ENTERRÍA e TOMÁS-RAMÓN FERNÁNDEZ afirmam que o
“mesmo ius puniendi do Estado pode se manifestar tanto pela via judicial como pela via administrativa.”;. GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo;
FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de derecho administrativo. 9. ed. Madri: Civitas, 2004. v. 2, p. 163.
Logo, as sanções penais e administrativas se submetem a incidência de princípios comuns aplicáveis ao Direito Público Sancionador,
dentre esses, o princípio da irretroatividade (art. 5°, XL, da CF) que dispõe: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”, o que
nos leva a crer que tal princípio deve ser aplicado nos casos de improbidade administrativa, ante o caráter de Direito Administrativo
Sancionador, devendo a norma mais benéfica retroagir para beneficiar o reú na interpretação e na aplicação nos atos ímprobos.
Além disso, importante pontuar o art. 9°, do Pacto de São José da Costa Rica: “Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no
momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a
aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinqüente
será por isso beneficiado.”.
Nesse diapasão, transcreve precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça em que já entendiam pela
retroatividade da norma mais benéfica na seara administrativa, in litteris:
“EMENTA Constitucional e Administrativo. Poder disciplinar. Prescrição. Anotação de fatos desabonadores nos assentamentos funcionais.
Declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 170 da Lei nº 8.112/90. Violação do princípio da presunção de inocência. Segurança
concedida. 1. A instauração do processo disciplinar interrompe o curso do prazo prescricional da infração, que volta a correr depois de
ultrapassados 140 (cento e quarenta) dias sem que haja decisão definitiva. 2. O princípio da presunção de inocência consiste em
pressuposto negativo, o qual refuta a incidência dos efeitos próprios de ato sancionador, administrativo ou judicial, antes do
perfazimento ou da conclusão do processo respectivo, com vistas à apuração profunda dos fatos levantados e à realização de juízo
certo sobre a ocorrência e a autoria do ilícito imputado ao acusado. 3. É inconstitucional, por afronta ao art. 5º, LVII, da CF/88, o art. 170 da
Lei nº 8.112/90, o qual é compreendido como projeção da prática administrativa fundada, em especial, na Formulação nº 36 do antigo DASP, que
tinha como finalidade legitimar a utilização dos apontamentos para desabonar a conduta do servidor, a título de maus antecedentes, sem a
formação definitiva da culpa. 4. Reconhecida a prescrição da pretensão punitiva, há impedimento absoluto de ato decisório condenatório ou de
formação de culpa definitiva por atos imputados ao investigado no período abrangido pelo PAD. 5. O status de inocência deixa de ser presumido
somente após decisão definitiva na seara administrativa, ou seja, não é possível que qualquer consequência desabonadora da conduta do
servidor decorra tão só da instauração de procedimento apuratório ou de decisão que reconheça a incidência da prescrição antes de deliberação
definitiva de culpabilidade. 6. Segurança concedida, com a declaração de inconstitucionalidade incidental do art. 170 da Lei nº 8.112/1990.
(STF - MS: 23262 DF, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 23/04/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: “ACÓRDÃO
ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014)”.

“DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO


DISCIPLINAR. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA AO ACUSADO. APLICABILIDADE. EFEITOS PATRIMONIAIS.
PERÍODO ANTERIOR À IMPETRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 269 E 271 DO STF. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973.
APLICABILIDADE. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado
pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II - As condutas atribuídas
ao Recorrente, apuradas no PAD que culminou na imposição da pena de demissão, ocorreram entre 03.11.2000 e 29.04.2003, ainda sob a
vigência da Lei Municipal n. 8.979/79. Por outro lado, a sanção foi aplicada em 04.03.2008 (fls. 40/41e), quando já vigente a Lei Municipal n.
13.530/03, a qual prevê causas atenuantes de pena, não observadas na punição. III - Tratando-se de diploma legal mais favorável ao
acusado, de rigor a aplicação da Lei Municipal n. 13.530/03, porquanto o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica,
insculpido no art. 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador.
Precedente. IV - Dessarte, cumpre à Administração Pública do Município de São Paulo rever a dosimetria da sanção, observando a legislação
mais benéfica ao Recorrente, mantendo-se indenes os demais atos processuais. V - A pretensão relativa à percepção de vencimentos e
vantagens funcionais em período anterior ao manejo deste mandado de segurança, deve ser postulada na via ordinária, consoante inteligência
dos enunciados das Súmulas n. 269 e 271 do Supremo Tribunal Federal. Precedentes. VI - Recurso em Mandado de Segurança parcialmente
provido.
(STJ - RMS: 37031 SP 2012/0016741-5, Relator: Ministra REGINA HELENA COSTA, Data de Julgamento: 08/02/2018, T1 - PRIMEIRA TURMA,
Data de Publicação: DJe 20/02/2018)”.

“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. PODER DE POLÍCIA. SUNAB. MULTA ADMINISTRATIVA. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS
BENÉFICA. POSSIBILIDADE. ART. 5º, XL, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRINCÍPIO DO DIREITO SANCIONATÓRIO. AFASTADA A
APLICAÇÃO DA MULTA DO ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. I. O art. 5º, XL, da Constituição da República prevê a possibilidade
de retroatividade da lei penal, sendo cabível extrair-se do dispositivo constitucional princípio implícito do Direito Sancionatório,
segundo o qual a lei mais benéfica retroage. Precedente. II. Afastado o fundamento da aplicação analógica do art. 106 do Código Tributário
Nacional, bem como a multa aplicada com base no art. 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil. III. Recurso especial parcialmente
provido.
“(STJ - REsp: 1153083 MT 2009/0159636-0, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 06/11/2014, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data
de Publicação: DJe 19/11/2014)”

Daí, um caso de retroatividade de norma benéfica é a necessidade de dolo específico para configuração da improbidade, na forma
exigida pelo § 2º, do art. 1º, da Lei de Improbidade Administrativa, inserido pela Lei n° 14.230/2021, superando a jurisprudência
tradicional da Corte Cidadã.
Feitas essas considerações iniciais, passa-se para a análise da controvérsia recursal.
O Juízo a quo, ao julgar a presente lide, entendeu pela violação do art. 11, I, da Lei de Improbidade.
Entretanto, o presente inciso foi revogado pela Lei n° 14.230/2021.
Assim, passa-se para análise da suposta violação do art. 11, V, em que houve a sua continuidade normativo-típica, apesar de sua
alteração com a Lei n° 14.230/2021.
O ponto fulcral da lide é a contratação de temporários, no Município de Angical, feita de forma irregular, o que levaria a configuração de
improbidade administrativa.
Nos ditames aplicados pelo Superior Tribunal de Justiça, "a lei de improbidade administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o
corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé" (AgRg no AREsp 654.406/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado
em 17/11/2015, DJe 04/02/2016).
Com isso, o mero fato de contratar em desconformidade com os preceitos constitucionais e infralegais não se perfaz, por si só, como ato
de improbidade administrativa.
Não se nega que alguns contratos temporários foram realizados para substituir aposentados, antes mesmo de ocorrer tais
aposentadorias, isto é, em tais casos, as contratações de temporários foram realizadas antes mesmo do afastamento dos servidores
efetivos, o que evidenciaria a ausência de excepcional interesse público.
Todavia, tais apontamentos não fazem, em si mesmo, a configuração de violação ao art. 11, V, da Lei de Improbidade Administrativa,
tendo em vista que o lapso entre o exercício de tais temporários (contratados antes de ocorrer a aposentadoria) e aposentadoria foi no
máximo de 3 (três) meses, além do mais, em alguns casos de licença não houve substituição e, também, alguns dos contratos ocorreram
em fevereiro de 2008.
Em outras palavras, mesmo patente a indevida contratação de temporários, haja vista a ausência de necessidade excepcional interesse
público, ao arrepio da Lei, tal ilegalidade não conduz a presença de ato ímprobo.
Portanto, a inobservância de norma constitucional e legal, quando não comprovado o dolo ou má-fé do agente público, caracteriza
ausência de improbidade administrativa.
Nesse diapasão, vem entendendo os tribunais pátrios, ipsis verbis:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA – PREJUDICIAL DE NULIDADE DA SENTENÇA – AFASTADA – CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES – LEI
MUNICIPAL – EXIGÊNCIA DE PROCESSO SELETIVO – INEXISTÊNCIA DA DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE TEMPORÁRIA DE
EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO – ILEGALIDADE MANIFESTA – DOLO, AINDA QUE GENÉRICO – AUSÊNCIA – MERA
IRREGULARIDADE – VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – NÃO CONFIGURADA – PROVIMENTO. Havendo
demonstração dos motivos que levaram o Juízo singular a aplicar as sanções, previstas no artigo 12, inciso III, da Lei n. 8.429/1992, de forma
cumulada, não há falar em nulidade do ato sentencial recorrido. É manifesta a realização de contratação temporária, sem que haja
demonstração da necessidade temporária de excepcional interesse público e, em contrariedade ao previsto na lei municipal, pertinente
à matéria. A ilegalidade das contratações temporárias não configura ato de improbidade administrativa, por violação aos princípios que
regem a Administração Pública, quando ausente o dolo, ainda que genérico, na conduta do agente público. Para a configuração do ato
de improbidade previsto no artigo 11, da LIA, faz-se necessária a demonstração de que a parte requerida tenha agido, de forma
consciente, no intuito de infringir os princípios da Administração Pública.
(TJ-MT 00006918420148110052 MT, Relator: MARCIO VIDAL, Data de Julgamento: 21/06/2021, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo,
Data de Publicação: 06/07/2021)”.

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA - ILEGALIDADE
- ELEMENTO SUBJETIVO - DOLO - AUSÊNCIA. 1- Para a caracterização da improbidade administrativa a lei exige a comprovação de atos que
importem em enriquecimento ilícito em razão do recebimento de vantagem patrimonial indevida (art. 9º), prejuízo ao erário por ação ou omissão
(art. 10), concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário (art. 10-A) ou que atentem contra “os princípios da administração
pública, violando os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições (art. 11), além do elemento subjetivo do tipo,
que exige a conduta “dolosa no caso dos artigos 9º e 11 e com culpa grave no art. 10; 2- Na análise do elemento subjetivo do tipo para a
caracterização do ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 é imprescindível a demonstração de dolo por parte do agente público,
sem o qual não caberá a condenação nas sanções previstas pela Lei nº 8.429/92; 3- A contratação temporária de servidores em
inobservância à Constituição da Republica ou à norma local, por si só, não caracteriza ato de improbidade administrativa, quando não
comprovado o dolo ou má-fé do agente público; 4- Nos termos do art. 17, § 8º, da Lei nº 8.429/92, "recebida a manifestação, o juiz, no prazo
de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da
inadequação da via eleita". (TJMG - Apelação Cível 1.0476.17.001589-7/001, Relator (a): Des.(a) Renato Dresch , 4ª CÂMARA CÍVEL,
julgamento em 06/06/2019, publicação da sumula em 11/06/2019”.

Vale ressaltar ainda que, conforme já explicado, aplicando a retroatividade pela necessidade de dolo específico, não há a comprovação
do referido dolo, ainda mais, quando o art. 11, V, da Lei de Improbidade, assim prevê: “V - frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter
concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou
indireto, ou de terceiros.”.
Em razão disso, não há provas de benefício por parte das Apelantes das aludidas contratações temporárias.
Cabe destacar, também, que o Juízo a quo fundamentou pela presença de indicativos de que tais contratações tinham caráter eleitoral,
ou seja, com fins de apoio político para as eleições municipais de 2008, conforme se extrai do seguintes trecho (id n° 1599529 – pág. 75):
“Há indicativos, na verdade, de que as contratações foram realizadas na tentativa de acomodação de pessoal na busca de apoio político para as
Eleições Municipais do ano de 2008, conforme se colhe do depoimento da testemunha PATRÍCIA RIBEIRO SOARES LIMA, quando afirma que
lhe foi-lhe pedido que pedisse voto para a Prefeita Dona Márcia”.
Porém, outras testemunhas afirmaram que tais contratações não tiveram caráter eleitoral, consoante consta nas razões recursais das
Apelantes, bem como, a necessidade de dolo específico, não se imputando a conduta de pedir voto para a Apelante/ ANA MÁRCIA
LEAL DA COSTA SOUSA à própria Apelante, visto que tal conduta foi imputada ao Sr. JORGE LOPES, não se podendo a mera presença
de indicativos de uma testemunha ser suficiente para a caracterização de conduta ímproba, em face do testemunho de outras
testemunhas e das provas lastreadas nos autos.
Isto posto, quanto à utilização da máquina pública para frustar a necessidade de concurso público ou da irregularidade de contratação
de temporários, com fins de benefício próprio ou de terceiros, necessita-se de prova cabal, não estando presentes tais provas.
Ademais, caberia ao Apelado comprovar a violação dos princípios da administração pública (art. 11, V), nos termos que exige a Lei de
Improbidade, ou seja, os elementos trazidos à lide são insuficientes para demonstrar a ocorrência de ato ímprobo, principalmente, no
que se refere ao dolo específico das Apelantes.
Vale frisar que não se está a ratificar as contratações temporárias ilegais no âmbito da Administração Pública, mas apenas se afasta a
caracterização da improbidade, ao entendimento de que a mera contratação de temporários de forma irregular, somado com a ausência
de dolo específico, além de que não consta a obtenção de benefícios, seja para as Apelantes, seja para terceiros, desveste-se do
elemento subjetivo imprescindível à configuração do ato ímprobo, à luz das provas e entendimento jurisprudencial e legal.
Assim sendo, evidencia-se que a sentença recorrida merece reparo, no intuito de julgar improcedentes os pedidos da exordial.

III – DO DISPOSITIVO

Ante o exposto, CONHEÇO da APELAÇÃO CÍVEL, por atender aos requisitos legais de sua admissibilidade, e, no mérito, DOU-LHE
PROVIMENTO para REFORMAR a SENTENÇA RECORRIDA, a fim de julgar improcedentes os pedidos da inicial, com fulcro no art. 487,
I, do CPC.
Custas ex legis.
É como VOTO.

Teresina/PI, de dezembro de 2021.

Des. RAIMUNDO EUFRÁSIO ALVES FILHO


RELATOR

Teresina, 07/03/2022

Você também pode gostar