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BIOFÍSICA DO SISTEMA RENAL

SUMÁRIO
1. Introdução...................................................................... 3
2. Equilíbrio acidobásico................................................ 5
3. Fluxo renal sanguíneo............................................... 8
4. Filtração........................................................................12
5. Reabsorção.................................................................17
5. Excreção.......................................................................19
Referências Bibliograficas..........................................21
BIOFÍSICA DO SISTEMA RENAL 3

1. INTRODUÇÃO Filtração é o movimento de líquido


do sangue para o lúmen do néfron.
O sistema renal é responsável pela
A filtração ocorre apenas no corpús-
manutenção do volume dos líquidos
culo renal, onde as paredes dos ca-
extracelulares e pela concentração
pilares glomerulares e da cápsula de
dos mais variados íons e substâncias.
Bowman são modificadas para per-
Participa da regulação da pressão ar-
mitir o fluxo do líquido.
terial média e retira resíduos e impu-
rezas do sangue. Embora seja um sis- Uma vez que o fluido filtrado, cha-
tema relacionado à excreção, sabe-se mado de filtrado, chega ao lúmen do
que este está intimamente ligado ao néfron, ele se torna parte do meio ex-
sistema cardiovascular, desde o con- terno ao corpo, da mesma forma que
trole volumétrico e seus íons até a as substâncias no lúmen intestinal
síntese de enzimas que modulam fazem parte do meio externo. Devido
diretamente a pressão arterial como a essa razão, tudo que é filtrado nos
da renina, reguladora da produção da néfrons é destinado à excreção na
angiotensina. urina, a não ser que seja reabsorvido
para o corpo.

SE LIGA! Os rins regulam o volume do


Após o filtrado deixar a cápsula de
líquido extracelular, a pressão do sangue Bowman, ele é modificado pelos pro-
e a osmolalidade; mantêm o balanço iô- cessos de reabsorção e secreção. A
nico; regulam o pH; excretam resíduos e reabsorção é um processo de trans-
substâncias estranhas; e participam de
vias endócrinas. porte de substâncias presentes no fil-
trado, do lúmen tubular de volta para
o sangue através dos capilares peri-
Os rins realizam suas diversas fun- tubulares. A secreção remove sele-
ções através da filtração glomeru- tivamente moléculas do sangue e as
lar, reabsorção e secreção tubular. O adiciona ao filtrado no lúmen tubular.
sangue é levado ao néfron, unidade Embora a secreção e a filtração glo-
funcional dos rins, através das arterí- merular movam substâncias do san-
olas aferentes, as quais se ramificam gue para dentro do túbulo, a secreção
no interior do corpúsculo glomerular, é um processo mais seletivo que, em
onde acontece a filtração. Estes ca- geral, usa proteínas de membrana
pilares anastomosam para formar as para transportar as moléculas através
arteríolas renais eferentes que con- do epitélio tubular.
duzem o sangue para os capilares
peritubulares em direção a circulação
sistêmica.
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Figura 1. Movimento de solutos através do néfron. Fonte: SILVERTHORN, D. Fisiologia Humana: Uma Abordagem
Integrada, 7ª Edição, Artmed,. 2017.

Movimento do sangue
Filtração
para o lúmen

Excreção Do lúmen para fora do corpo


Função
do néfron
Reabsorção Do lúmen para o sangue

Secreção Do sangue para o lúmen


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2. EQUILÍBRIO a concentração de hidrogênio dentro


ACIDOBÁSICO dos limites aceitáveis pelo organismo.
A regulação do equilíbrio acidobásico Os rins têm um papel fundamental no
é feita por processos fisiológicos que equilíbrio acidobásico do organismo.
mantêm a concentração de certos Eles são órgãos responsáveis pela fil-
íons nos líquidos do organismo em tração, excreção e reabsorção de vá-
níveis compatíveis com a vida e o seu rios metabólitos e íons, dentre eles o
correto funcionamento. As alterações H+ e o HCO3-, íons essenciais para
da homeostase acidobásica consti- a manutenção do pH plasmático. Tor-
tuem problemas clínicos comuns, e a na-se importante, portanto, conhecer
abordagem desses problemas requer os mecanismos pelos quais os rins
o conhecimento dos princípios da fi- controlam as taxas de H+ e HCO3-
siologia acidobásica. no plasma. Vamos analisar alguns
transportes que ocorrem no néfron,
Para melhor entendermos o contro-
a unidade funcional do rim. É no né-
le do pH do organismo, é necessá-
fron que as trocas ocorrem. O néfron
rio que tenhamos conhecimento do
é composto por várias partes, cadas
transporte de gases pelo sangue e de
uma delas com uma função diferente.
como os rins podem ajudar a manter
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Figura 2. Estruturas do néfron. Fonte: SILVERTHORN, D. Fisiologia Humana: Uma Abordagem Integrada, 7ª Edição,
Artmed,. 2017.

SEGMENTO DO NÉFRON PROCESSOS


Filtração do plasma livre de proteínas dos capilares
Corpúsculo renal (glomérulo + cápsula de Bowman)
para a cápsula.
Reabsorção isosmótica de nutrientes orgânicos, íons
Túbulo proximal e água. Secreção de metabólitos e moléculas xenobi-
óticas, como a penicilina.
Reabsorção de íons superior à reabsorção de água
para a geração de um fluido luminal diluído. O arranjo
Alça de Henle
em contracorrente contribui para a concentração do
líquido intersticial na medula rena
Regulação da reabsorção de íons e água para a ma-
Néfron distal (túbulo distal + ducto coletor) nutenção do equilíbrio hidroeletrolítico e da homeos-
tasia do pH.
Tabela 1. Segmentos do néfron e suas funções
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O sangue chega até o néfron através No túbulo proximal, o Na + filtrado


da arteríola aferente, que logo forma pelo glomérulo é reabsorvido em tro-
um enovelado de capilares, chamado ca da excreção de um H+ proveniente
de glomérulo, dentro da cápsula de da célula renal. Essa troca é realiza-
Bowman. Após enovelar-se, ela sai da através de um antiporter de Na+ /
da cápsula, agora como arteríola efe- H+. O túbulo proximal é praticamen-
rente. A cápsula é formada por duas te impermeável ao íon de HCO3-. O
camadas, uma interna e outra exter- H+ secretado em troca do Na+ reage
na. Entre elas fica o espaço capsular, com o bicarbonato, formando CO2 e
onde se acumula o filtrado glomerular. H2O. O H2O fica no túbulo, diluindo
O sistema tubular do néfron inicia-se o filtrado, e o CO2 é absorvido para
na cápsula de Bowman e logo sofre dentro da célula tubular. O CO2, ago-
contorções que se denominam túbu- ra dentro da célula, faz a reação in-
lo contorcido proximal. Depois dis- versa, ou seja, reage com a água para
so, temos a Alça de Henle, formada formar hidrogênio e bicarbonato. O
por uma porção descendente e outra hidrogênio é secretado para a luz do
ascendente. O sistema tubular sofre túbulo por transporte ativo primário
nova contorção para formar o túbulo ou pelo antiporter de Na+ /H+, e o bi-
contorcido distal, que depois se abre carbonato é reabsorvido para o plas-
para túbulo coletor, onde a urina, já ma através de um transporte ativo
formada, é conduzida, em última aná- secundário à bomba de sódio e po-
lise, até o ureter para ser excretada. tássio, um simporter com o sódio ou
O rim controla a concentração de H+ um antiporter com o íon de cloreto.
no plasma, excretando mais ou me- Veja que, nesse processo, para cada
nos H+ no filtrado glomerular, for- H+ excretado, tem-se a reabsorção
mando, assim, urina mais ácida ou de um íon de HCO3-. A reabsorção
mais alcalina, respectivamente. Há é essencial para manter o funciona-
duas maneiras diferentes pelas quais mento do sistema de tampão.
o H+ pode ser excretado: Nos túbulos distal e coletor, nós tam-
bém temos eliminação de H+. O pro-
• nos seguimentos tubulares proxi-
cesso tem início com a absorção do
mais, por transporte ativo primário
CO2 para dentro da célula tubular. O
ou antiporter com o íon de sódio, e
CO2 combina-se com o H2O, sob ca-
• nos segmentos tubulares distais, tálise da anidrase carbônica, forman-
por transporte ativo primário. do H2CO3, que logo se dissocia em
HCO3- e H+. O HCO3- é reabsorvido
por um antiporter com o cloro. O H+
formado é excretado por uma proteína
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específica, com gasto de energia. O para o filtrado glomerular. Nesse pro-


Cl- é excretado por transporte passivo cesso, também houve reabsorção de
HCO3- e eliminação de H+.

Figura 3. Sistema de transporte de bicarbonato nos túbulos distal e coletor.


Fonte: Biofísica para ciências biomédicas, 2002.

3. FLUXO RENAL os rins excede em muito essa neces-


SANGUÍNEO sidade. O propósito desse fluxo adi-
cional é suprir plasma suficiente para
Em um homem de 70 quilos, o flu-
se ter altas intensidades da filtração
xo sanguíneo para ambos os rins é
glomerular, necessárias para a regu-
de cerca de 1.100 mL/min ou, apro-
lação precisa dos volumes dos líqui-
ximadamente, 22% do débito cardí-
dos corporais e das concentrações
aco. Considerando o fato de que os
de solutos. Como é de se esperar,
dois rins constituem apenas cerca de
os mecanismos que regulam o fluxo
0,4% do peso corporal total, pode-se
sanguíneo renal estão intimamente
observar que eles recebem fluxo san-
ligados ao controle da filtração glo-
guíneo extremamente elevado, com-
merular (FG) e das funções excretoras
parado a outros órgãos.
dos rins.
Assim como em outros tecidos, o flu-
O fluxo sanguíneo renal é determina-
xo sanguíneo supre os rins com nu-
do pelo gradiente de pressão ao lon-
trientes e remove produtos indesejá-
go da vasculatura renal (a diferença
veis. Entretanto, o elevado fluxo para
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entre as pressões hidrostáticas na pelo sistema nervoso simpático, vá-


artéria renal e na veia renal) dividido rios hormônios e pelos mecanismos
pela resistência vascular renal total: renais de controle local, como discu-
tido adiante. Aumento da resistência
de qualquer um desses segmentos
vasculares dos rins tende a reduzir o
fluxo sanguíneo renal, enquanto a di-
A pressão na artéria renal é aproxi- minuição da resistência vascular au-
madamente igual à pressão arterial menta o fluxo sanguíneo renal se as
sistêmica, e a pressão na veia renal é, pressões na artéria e veia renal per-
em média, de 3 a 4 mmHg na maioria manecerem constantes.
das condições. Como em outros leitos Embora as alterações da pressão ar-
vasculares, a resistência vascular total terial tenham alguma influência sobre
através dos rins é determinada pela o fluxo sanguíneo renal, os rins têm
soma das resistências nos segmen- mecanismos efetivos para manter o
tos vasculares individuais, incluindo fluxo sanguíneo renal e a FG relativa-
artérias, arteríolas, capilares e veias. mente constantes em faixa de pres-
A maior parte da resistência vascular são arterial entre 80 e 170 mmHg,
renal reside em três segmentos prin- processo chamado autorregulação.
cipais: artérias interlobulares, arterío- Essa capacidade para a autorregula-
las aferentes e arteríolas eferentes. A ção ocorre por mecanismos que são
resistência desses vasos é controlada completamente intrínsecos aos rins.
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Figura 4. Esquema das relações entre os vasos sanguíneos e estruturas tubulares e diferenças entre os néfrons cor-
ticais e justamedulares. Fonte: Hall, John E. 2015. Guyton and Hall Textbook of Medical Physiology. 13th ed. Guyton
Physiology. London, England: W B Saunders.

Papel da aldosterona em renina nas células justaglomeru-


lares do rim.
Esse sistema é ativado com a diminui-
ção da pressão sanguínea, diminui- Quando a renina está presente no
ção do volume sanguíneo, diminuição plasma, ela catalisa a conversão do
da pressão renal, diminuição de sódio angiotensinogênio (produzido no fí-
no túbulo distal renal e/ou aumento da gado) em angiotensina I. A angioten-
atividade simpática. O sistema inicia- sina I sofre a ação da enzima con-
-se com a pró-renina que se converte versora de angiotensina (ECA), para
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formar a angiotensina II nos pulmões, do líquido extracelular e o volume


nos rins e nas células superficiais do sanguíneo. Também potencializa a
endotélio. A angiotensina II estimula atividade da bomba Na + /K+ -ATPa-
a secreção de aldosterona nas célu- se para aumentar a retenção de sódio
las da zona glomerular da glândula e excreção de potássio e do íon de
suprarrenal. H+. Portanto, a aldosterona também
A aldosterona tem a função de au- regula o equilíbrio acidobásico, já que
mentar a reabsorção de sódio no tú- ela absorve dois íons de sódio e em
bulo distal e nos ductos coletores, au- troca elimina na urina um íon de po-
mentando a osmolaridade, o volume tássio e um íon de hidrogênio.

Figura 5. Mecanismo de reabsorção de sódio mediado pela aldosterona na célula principal da porção final do túbulo
distal e ducto coletor. Fonte: Biofísica para ciências biomédicas, 2002.
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A angiotensina II atua diretamente retidas pelo filtro apresentam dimen-


elevando a pressão sanguínea, por sões muito pequenas (da ordem de
sua ação vasoconstritora. Essa tam- micrômetros), o processo é denomi-
bém age diretamente no rim, poten- nado ultrafiltração.
cializando o trocador Na + /H+ no Os rins têm como principal função
túbulo proximal e intensificando a re- filtrar o plasma para formar a urina.
absorção de sódio e de bicarbonato Nesse processo, as hemácias e as
(HCO3 - ). proteínas do plasma não são filtradas,
já que são substâncias preciosas para
4. FILTRAÇÃO o organismo.
Diariamente passam pelos rins cerca
A filtração é um processo conhecido
de 900 L de sangue, dos quais 180 li-
por nós. É o método em que se sepa-
tros são filtrados. Porém, como só uri-
ram substâncias sob pressão, como
namos cerca de um litro por dia, 179
que ocorre quando coamos café.
litros serão reabsorvidos ao longo
Formalmente, podemos definir a fil- dos néfrons. Essa reabsorção se dá
tração como processo de separação por processos de difusão de solutos,
de um sistema sólido-líquido ou só- melhor explicado no tópico a seguir.
lido-gasoso e que consiste em fazer Por hora, nossa ênfase é na filtração
tal sistema passar através de um ma- do plasma, que, como dissemos, é um
terial poroso (filtro) que retém o corpo processo que ocorre sob pressão.
sólido e deixa passar a fase líquida
ou gasosa. Quando as substâncias

SAIBA MAIS!
Difusão é a tendência de um soluto se espalhar homogeneamente pelo solvente; assim, em
uma solução difusiva, seus componentes se espalham homogeneamente um no outro se-
gundo a regra da difusão.
Assim, a difusão é um processo pelo qual o sistema caminha para estabilidade espontânea.
É um processo de desorganização, pois os elementos do sistema em difusão perdem a sua
ordem original, apontando para um estado de homogeneidade absoluta e incerteza máxima.
O cristal de sódio, antes de se dissolver, apresenta um grau de ordem máximo: é um cubo
perfeito, sobre o qual, mesmo no decorrer de milênios, continuaremos sabendo, com con-
siderável certeza, a localização de seus átomos. Com a dissolução, perdemos a ordem e as
certezas. Depois que um determinado cristal se dissolve na água e se difunde por ela, não
podemos mais estimar com precisão microscópica onde está cada um de seus átomos.
Podemos classificar um sistema em que a difusão como um sistema em busca de equilíbrio,
no qual, após a difusão, a energia estará homogeneamente distribuída dentro de seus limites.
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Para que ocorre a filtração, os vasos proteínas ali existentes, e a pressão


sanguíneos, ao chegarem aos né- hidrostática na cápsula de Bowman
frons, formam uma rede capilar eno- (pressão capsular), que aumenta à
velada, que denominamos glomérulo. medida que o filtrado se acumula na
A pressão existente no glomérulo cápsula.
é a pressão hidrostática do san- Assim, a pressão efetiva da fração
gue, que tende a acelerar o filtrado (PEF) é determinada pela aritmética
para fora (em direção a cápsula de entre a pressão hidrostática do glo-
Bowman, que é a porção inicial do mérulo (PH), a pressão oncótica (PO)
néfron). Opondo-se à filtração, exis- e a pressão capsular (PC), da seguin-
tem duas pressões - a pressão oncó- te maneira: PEF é igual a PH, menos
tica no glomérulo, determinada pelas a soma entre PO e PC.

Figura 6. Determinantes da pressão efetiva de filtração no glomérulo. Fonte: MOURÃO JÚNIOR, C.A.; ABRAMOV,
D.M. Biofísica Essencial. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013.
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HORA DA REVISÃO!
Pressão do líquido (ou pressão hidrostática) é a pressão exercida por um líquido em um
corpo real ou hipotético. Em outras palavras, a pressão existe havendo ou não um corpo
submerso no líquido. O líquido exerce uma pressão (P) em um objeto submerso nele a
uma certa profundidade a partir da superfície (h). A lei de Pascal nos permite encontrar
a pressão do líquido a uma profundidade específica para qualquer líquido. Ela estabelece
que:

em que
P = pressão do líquido (medida em pascais, Pa)
ρ = densidade do líquido
g = aceleração devida à gravidade (10 m/s2)
h = profundidade abaixo da superfície do líquido

A pressão do líquido não está relacionada à forma do recipiente no qual está localizado.

SE LIGA! A pressão hidrostática nos capilares glomerulares é de, em média, 55 mmHg, fa-
vorecendo a filtração. Opondo-se à filtração estão a pressão coloidosmótica de 30 mmHg
e a pressão hidrostática da cápsula média de 15 mmHg. A força motriz resultante é de 10
mmHg, a favor da filtração.

Pressão Hidrostática
no Capilar Glomerular
Forças que favorecem
Pressão Oncótica do
Forças que Espaço de Bowman
Influenciam a
Ultrafiltração Pressão Hidrostática no
Espaço de Bowman
Forças que dificultam
Pressão Oncótica no
Capilar Glomerular
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A filtração ocorre no corpúsculo re- A segunda barreira de filtração é a


nal, que consiste na rede de capilares lâmina basal, uma camada acelu-
glomerulares envolta pela cápsula de lar de matriz extracelular que separa
Bowman. As substâncias que deixam o endotélio do capilar do epitélio da
o plasma precisam passar através de cápsula de Bowman. A lâmina basal
três barreiras de filtração antes de en- é constituída por glicoproteínas car-
trarem no lúmen tubular: o endotélio regadas negativamente, colágeno e
do capilar glomerular, uma lâmina ba- outras proteínas. Ela atua como uma
sal (membrana basal) e o epitélio da peneira grossa, excluindo a maioria
cápsula de Bowman. das proteínas plasmáticas do líquido
A primeira barreira é o endotélio capi- que é filtrado através dela.
lar. Os capilares glomerulares são ca- A terceira barreira de filtração é o epi-
pilares fenestrados com grandes po- télio da cápsula de Bowman. A por-
ros, que permitem que a maioria dos ção epitelial da cápsula que envolve
componentes plasmáticos sejam fil- cada capilar glomerular é formada
trados através do endotélio. Os poros por células especializadas, chamadas
são pequenos o bastante, contudo, de podócitos. Os podócitos possuem
para impedir que as células do san- longas extensões citoplasmáticas,
gue deixem o capilar. Proteínas carre- denominadas pés, ou pedicelos, que
gadas negativamente, presentes na se estendem a partir do corpo princi-
superfície dos poros, também ajudam pal da célula.
a repelir as proteínas plasmáticas car-
regadas negativamente.

Células endoteliais

Barreira
Membrana glomerular
de filtração
basal carga negativa
glomerular

Podócitos (epiteliais)
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Figura 7. O endotélio do capilar glomerular, a lâmina basal e o epitélio da cápsula de Bowman criam uma barreira de
filtração de três camadas. As substâncias filtradas passam através dos poros endoteliais e das fendas de filtração.
Fonte: SILVERTHORN, D. Fisiologia Humana: Uma Abordagem Integrada, 7ª Edição, Artmed,. 2017.

SAIBA MAIS!
Nefropatia diabética: O estágio final da insuficiência renal, no qual a função dos rins se de-
teriora além da capacidade de recuperação, é uma complicação que ameaça a vida de 30 a
40% das pessoas com diabetes tipo 1, e de 10 a 20% dos pacientes com diabetes tipo 2.
Como em muitas outras complicações do diabetes, a causa exata da insuficiência renal não
é clara. A nefropatia diabética geralmente inicia com um aumento na filtração glomerular.
Este é seguido pelo aparecimento de proteínas na urina (proteinúria), uma indicação de que a
barreira de filtração normal sofreu alterações. Nos estágios posteriores, a taxa de filtração di-
minui. Esse estágio é associado ao espessamento da lâmina basal glomerular e a mudanças
nos podócitos e nas células mesangiais. O crescimento anormal das células mesangiais com-
prime os capilares glomerulares e impede o fluxo sanguíneo, contribuindo para a redução da
filtração glomerular. Nesse estágio, os pacientes precisam ter sua função renal suplementada
por diálise, e, por fim, podem necessitar de um transplante renal.

Diálise que consiste em um processo físico-


-químico pelo qual duas soluções (de
Quando os rins falham, ou seja, na insu-
concentrações diferentes) são separa-
ficiência renal, é preciso filtrar o sangue
das por uma membrana semipermeá-
artificialmente, por meio de um proces-
vel; após certo tempo, as substâncias
so denominado diálise (rim artificial),
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passam pela membrana para igualar as perfunde um hemodialisador e dele re-


concentrações. torna ao paciente pela linha venosa. O
O termo diálise vem do grego e signi- hemodialisador é um artefato plástico
fica “passar através”. Ela consiste em que contém a membrana dialisadora
realizar a filtração do sangue, permitin- artificial. A membrana dialisadora, pela
do se retirarem os catabólitos celulares. face interna, delimita um espaço que
Esse processo é feito através de mem- será perfundido pelo sangue do pacien-
branas semipermeáveis, chamadas de te e, pela face externa, um espaço que
dialisadoras. O processo de diálise com será ocupado pelo dialisato ou “banho”
as membranas dialisadoras tenta imitar, de diálise (solução de sais e glicose com
da melhor maneira possível, a filtração composição e concentração semelhante
glomerular normal, nos pacientes com à do volume extracelular normal).
insuficiência renal aguda e crônica, bem Diálise peritoneal é a modalidade que
como naqueles com intoxicações exó- utiliza o dialisador peritoneal, isto é, a ca-
genas ou endógenas. vidade abdominal com seu revestimen-
As membranas dialisadoras podem ser to pela membrana peritoneal, visceral e
naturais ou artificiais. A membrana diali- parietal. O acesso é feito por cateteres
sadora natural mais utilizada para diálise especiais, através do qual se infunde um
é a membrana peritoneal, a qual reveste volume de solução dialisadora peritone-
a superfície interna da cavidade abdomi- al, com a qual se processarão as trocas.
nal, delimitando com ela um espaço, que
será utilizado para a diálise peritoneal. 5. REABSORÇÃO
As membranas artificiais são obtidas da
celulose (celofane e ceprofane) ou das Em geral, a reabsorção tubular é quan-
polissulfonas (poliacrilonitrila, metilmeta- titativamente mais importante do que a
crilato e amicon). secreção na formação da urina, mas a
secreção tem papel importante na deter-
Hemodiálise é a modalidade de diálise
minação das quantidades de potássio,
que se processa num circuito extracor-
íons hidrogênio e outras poucas subs-
póreo devidamente construído e instala-
tâncias que são excretadas na urina. A
do no “rim artificial”. O circuito extracor-
maioria das substâncias que devem ser
póreo é constituído por uma linha arterial
retiradas do sangue, principalmente os
e outra venosa de material plástico, entre
produtos finais do metabolismo, como
as quais se interpõem um hemodialisa-
ureia, creatinina, ácido úrico e uratos, é
dor. Através de uma via de acesso vas-
pouco reabsorvida e, assim, excretada
cular (fístula arteriovenosa, shunt etc.), é
em grande quantidade na urina. Certos
obtido um fluxo de sangue do paciente,
fármacos e substâncias estranhas são
que, por várias horas, continuamente
também pouco reabsorvidos, mas, além
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disso, são secretados do sangue para os resultando em excreção urinária aumen-


túbulos, de modo que suas intensidades tada de sódio.
de excreção são altas. De modo oposto, Para a maioria das substâncias, as in-
eletrólitos como os íons sódio, cloreto e tensidades de filtração e de reabsorção
bicarbonato, são reabsorvidos e, assim, são extremamente altas em relação às
pequena quantidade aparece na urina. de excreção. Portanto, mesmo ligeiras
Certas substâncias nutricionais, como os alterações na filtração glomerular ou na
aminoácidos e a glicose, são completa- reabsorção tubular podem levar a alte-
mente reabsorvidas dos túbulos para o rações relativamente grandes da excre-
sangue e não aparecem na urina, mes- ção renal. Por exemplo, aumento da fil-
mo que grande quantidade seja filtrada tração glomerular (FG) de apenas 10%
pelos capilares glomerulares. (de 180 para 198 L/dia) poderia elevar
Cada um dos processos — filtração glo- o volume urinário por 13 vezes (de 1,5
merular, reabsorção tubular e secreção para 19,5 L/dia) se a reabsorção tubular
tubular — é regulado de acordo com as permanecesse constante. Na realidade,
necessidades corporais. Por exemplo, alterações da filtração glomerular e da
quando ocorre excesso de sódio no cor- reabsorção tubular geralmente agem de
po, a intensidade com que o sódio nor- forma coordenada para produzir as alte-
malmente é filtrado aumenta e pequena rações necessárias da excreção renal.
fração do sódio filtrado é reabsorvida,

SAIBA MAIS!
Por que grandes quantidades de solutos são filtradas e depois reabsorvidas pelos rins?
Existem duas razões. Primeiro, muitas substâncias exógenas são filtradas nos túbulos, mas
não são reabsorvidas para o sangue. A alta taxa diária de filtração ajuda a retirar essas subs-
tâncias do plasma muito rapidamente.
Uma vez que uma substância é filtrada para o interior do lúmen da cápsula de Bowman, ela
não faz mais parte do meio interno corporal. O lúmen do néfron faz parte do ambiente exter-
no, e todas as substâncias presentes no filtrado estão destinadas a deixarem o corpo através
da urina, a não ser que exista algum mecanismo de reabsorção tubular para impedir que isso
ocorra. Muitos nutrientes pequenos, como a glicose e intermediários do ciclo do ácido cítrico,
são filtrados, porém são reabsorvidos de maneira muito eficiente no túbulo proximal.
Segundo, a filtração de íons e água para dentro dos túbulos simplifica a sua regulação. Se
uma porção do filtrado que alcança o néfron distal não é necessária para manter a homeosta-
sia, ela passa para a urina. Com uma alta TFG, essa excreção pode ocorrer de forma bastante
rápida. Contudo, se os íons e a água são necessários, eles são reabsorvidos.
BIOFÍSICA DO SISTEMA RENAL 19

5. EXCREÇÃO Todavia, como os investigadores que


lidam com seres humanos vivos po-
A produção de urina é o resultado de
dem avaliar a filtração, a reabsorção
todos os processos que ocorrem no
e a secreção em néfrons individuais?
rim. Quando o líquido chega ao final
Eles não têm como fazer isso de ma-
do néfron, ele apresenta pouca seme-
neira direta: os rins não são facilmente
lhança com o líquido que foi filtrado
acessíveis e os néfrons são microscó-
para a cápsula de Bowman. Glicose,
picos. Por essa razão, cientistas tive-
aminoácidos e metabólitos úteis de-
ram de desenvolver uma técnica que
saparecem, tendo sido reabsorvidos
lhes permitisse avaliar a função renal
para dentro do sangue, e os resíduos
usando apenas a análise da urina e
orgânicos estão mais concentrados.
do sangue. Para fazer isso, eles apli-
A concentração de íons e água na uri-
cam o conceito de depuração.
na é extremamente variável, depen-
dendo do estado do corpo. A depuração descreve quantos milili-
tros de plasma que passam pelos rins
Apenas a taxa de excreção de uma
são totalmente limpos de um soluto
substância não nos diz nada sobre
em um dado período de tempo.
como o rim maneja essa substância.
A taxa de excreção de uma substân- Pela Tabela abaixo, dois fatos são
cia depende: evidentes. Primeiro, os processos de
filtração glomerular e de reabsorção
• (1) da taxa de filtração da substân- tubular são quantitativamente maio-
cia e res, em relação à excreção urinária,
• (2) de se a substância é reabsorvi- para muitas substâncias. Essa situ-
da, secretada ou ambas, enquanto ação significa que uma pequena al-
ela passa ao longo do túbulo renal. teração da filtração glomerular ou da
reabsorção tubular é, em potencial,
capaz de causar alteração relativa-
O manejo renal de uma substância e mente grande na excreção urinária.
a TFG são, muitas vezes, de interesse Por exemplo, diminuição de 10% na
clínico. Por exemplo, os médicos usam reabsorção tubular, de 178,5 para
a informação sobre a TFG da pessoa 160,7 L/dia, aumentaria o volume uri-
como um indicador da função global nário de 1,5 para 19,3 L/dia (aumento
do rim. Indústrias farmacêuticas que de quase 13 vezes), caso a filtração
desenvolvem fármacos precisam for- glomerular (FG) permanecesse cons-
necer à Food and Drug Administra- tante. Na realidade, no entanto, as al-
tion informação completa sobre como terações na reabsorção tubular e na
o rim maneja cada novo composto. filtração glomerular são precisamente
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coordenadas, de modo que grandes de reabsorção e de excreção urinárias


flutuações na excreção urinária são são variáveis, dependendo das ne-
evitadas. cessidades do organismo. Resíduos
Segundo, diferentemente da filtração de produtos como ureia e creatinina,
glomerular, que é relativamente não ao contrário, são pouco reabsorvidos
seletiva (isto é, praticamente todos os pelos túbulos, sendo excretados em
solutos do plasma são filtrados, exce- quantidades relativamente altas.
to as proteínas plasmáticas ou subs- Assim, pelo controle da reabsorção
tâncias ligadas a elas), a reabsorção de diferentes substâncias, os rins re-
tubular é muito seletiva. Algumas gulam a excreção de solutos, inde-
substâncias, como glicose e aminoá- pendentemente uns dos outros, ca-
cidos, são quase que completamente racterística essencial para o controle
reabsorvidas pelos túbulos, de modo preciso da composição dos líquidos
que a intensidade da excreção uriná- corporais. Neste Capítulo, discutire-
ria é, em termos práticos, zero. Muitos mos os mecanismos que permitem
dos íons do plasma, como sódio, clo- que os rins seletivamente reabsor-
reto e bicarbonato, também são muito vam ou secretem substâncias dife-
reabsorvidos, mas suas intensidades rentes com intensidades variáveis.

Tabela 2. Taxas de Filtração, Reabsorção e Excreção de substâncias diferentes pelos rins. Fonte: Hall, John E. 2015.
Guyton and Hall Textbook of Medical Physiology. 13th ed. Guyton Physiology. London, England: W B Saunders.
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REFERÊNCIAS
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OKUNO, E., CALDAS, I.L., CHOW, C. Física para Ciências Biológicas e Biomédicas. Harbra:
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