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Acórdão Do Supremo Tribunal de Justiça - Art.º 800.º
Acórdão Do Supremo Tribunal de Justiça - Art.º 800.º
Processo: 296/07.7TBMCN.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
RESPONSABILIDADE HOSPITALAR
RESPONSABILIDADE MÉDICA
ACTO MÉDICO
ATO MÉDICO
ACTOS DOS REPRESENTANTES LEGAIS OU AUXILIARES
ATOS DOS REPRESENTANTES LEGAIS OU AUXILIARES
OBRIGAÇÕES DE MEIOS E DE RESULTADO
PRESUNÇÃO DE CULPA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
MÉDICO
LEGES ARTIS
ÓNUS DA PROVA
DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 23-03-2017
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA DA RÉ SANTA CASA. CONCEDIDA A REVISTA DO RÉU BB.
CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA DA AUTORA
Área Temática:
DIREITO BIOMÉDICO - RESPONSABILIDADE MÉDICA.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO
JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES /
FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / RESPONSABILIDADE CIVIL /
CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM
ESPECIAL / CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11.ª Edição, Almedina, 1039 e ss..
- André Gonçalo Dias Pereira, «Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica»,
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – Centro de Direito Biomédico, Coimbra
Editora, 1.ª Edição, 2015, 667-674, 684, 708 e ss. (717).
- André Gonçalo Dias Pereira, Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica, 670-673,
684.
- António Henriques Gaspar, «A responsabilidade civil do médico», CJ Ano III (1979), Tomo
1, 335 e ss. (340-342), 543.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. 1.º, Almedina, 10.ª Edição, 2006, 584 e 585;
Das Obrigações em Geral, Vol .2.º, Almedina, 7.ª Edição, 101.
- Carlos Ferreira de Almeida, «Os Contratos Civis de Prestação de Serviço Médico», in
Direito de Saúde e da Bioética, A.A.F.D.L., Lisboa, 1996, 75 e seguintes (88).
- Carneiro da Frada, Direito Civil/Responsabilidade Civil – O Método do Caso, Almedina,
2006, 81-82.
- Figueiredo Dias e Sinde Monteiro, «Responsabilidade Médica …», Scientia Iurida, XXXIII,
Janeiro-Abril 1984, 107.
- Nuno Manuel Pinto Oliveira, «Responsabilidade civil em instituições privadas de saúde, in
Responsabilidade Civil dos Médicos», Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra –
Centro de Direito Biomédico, Coimbra Editora, 11, 1.ª Edição, 2005, 132, 214-215.
- Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina, 1990, 410-411.
- Vaz Serra, «Responsabilidade do Devedor pelos Factos dos Auxiliares, dos Representantes
Legais ou dos Substitutos», in B.M.J. n.º 72, 286.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 8.º, N.º 3, 70.º, N.º 1, 342.º, N.º 1, 405.º, 494.º, 496.º, N.ºS
1 E 3, 798.º, 799.º, 800.º, N.º 1, 1154.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 11/07/2006, PROCESSO N.º 06A1503, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 07/10/2010, PROCESSO N.º 1364/05. 5TBBCL.G1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 07/06/2011, PROCESSO N.º 160/2002.P1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 15/12/2011, PROCESSO N.º 209/06.3TVPRT.P1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 05/02/2013, PROCESSO N.º 2035/05.8TVLSB.L1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT
.
-DE 04/06/2015, PROCESSO N.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT
.
-DE 21/01/2016, PROCESSO N.º 1021/11.3TBABT.E1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT
.
-DE 28/01/2016, PROCESSO N.º 136/12.5TVLSB.L1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 26/04/2016, PROCESSO N.º 6844/03.4TBCSC.L1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT
.
Sumário :
I. No âmbito de um contrato de prestação de serviços médicos, de
natureza civil, celebrado entre uma instituição prestadora de cuidados
de saúde e um paciente, na modalidade de contrato total, é aquela
instituição quem responde exclusivamente, perante o paciente credor,
pelos danos decorrentes da execução dos atos médicos realizados pelo
médico na qualidade de “auxiliar” no cumprimento da obrigação
contratual, nos termos do artigo 800.º, n.º 1, do CC.
II. Porém, o médico poderá também responder perante o paciente a
título de responsabilidade civil extracontratual concomitante ou,
eventualmente, no âmbito de alguma obrigação negocial que tenha
assumido com aquele.
III. A responsabilidade contratual da instituição prestadora dos
cuidados de saúde perante o paciente, ao abrigo do artigo 800.º do CC,
será aferida em função dos ditames que o médico “auxiliar” do
cumprimento deva observar na execução da prestação ao serviço
daquela instituição.
IV. De um modo geral, tem-se entendido que o resultado
correspondente ao fim visado pelo contrato de prestação de serviço de
ato médico não se reconduz a uma obrigação de resultado, no sentido
de garantir a cura do paciente, mas a uma obrigação de meios dirigida
ao tratamento adequado da patologia em causa mediante a observância
diligente e cuidadosa das regras da ciência e da arte médicas (leges
artis).
V. Porém, casos há em que, tratando-se de ato médico com margem de
risco ínfima, a obrigação pode assumir a natureza de obrigação de
resultado.
VI. Para efeitos dessa qualificação, não se mostra curial adotar critérios
apriorísticos em função da mera categorização do tipo de atividade
médica, mas sim de forma casuística centrada no contexto e contornos
de cada situação.
VII. Em sede de obrigações de meios, incumbe ao credor lesado
(paciente), provar a falta de cumprimento do dever objetivo de
diligência ou de cuidado, nomeadamente o requerido pelas leges artis,
como pressuposto de ilicitude, recaindo, por seu turno, sobre o devedor
o ónus de provar a inexigibilidade desse comportamento, a fim de ilidir
a presunção da culpa, nos termos do artigo 799.º do CC.
VIII. No âmbito da execução do ato médico correspondente ao
cumprimento do dever de prestar, importa ainda atentar no dever de
proteção na salvaguarda da integridade física do paciente, coberta pela
tutela da personalidade, nos termos previstos no artigo 70.º, n.º 1, do
CC, na medida em que se mostre estreitamente conexionado com esse
cumprimento.
IX. Nessa medida, o reforço daquele dever de prestar por virtude do
referido dever de proteção permitirá configurar a ilicitude do ato
médico violador da integridade física do paciente, ocorrido em sede da
própria execução do cumprimento da obrigação contratual.
X. Assim, num caso como o dos autos em que, no decurso de uma
intervenção cirúrgica destinada a colher tecido necrosado na zona da
cabeça femoral para permitir a sua revascularização, foi atingido o
tronco externo do nervo ciático adjacente pelo manuseamento do
instrumento de colheita, ante a emergência de dificuldade de acesso à
zona a intervencionar, resultando daí a paralisia daquele nervo, é de
considerar verificada a prática de um ato ilícito violador da integridade
física do paciente.
I – Relatório
III - Fundamentação
1. Factualidade dada como provada
3. Do mérito do recurso
Sucede que a 2.ª R. nem tão pouco suscitou tal questão na sua
contestação, na qual, sob os respetivos artigos 1.º a 10.º, neste
particular, se limitou a referir que “o seu hospital tem atendimento
permanente com serviços de urgência e de múltiplas valências” e que o
pessoal médico e de enfermagem labora ali em regime liberal de
prestação de serviço, como profissionais liberais.
No entanto, a mesma R. refere agora que, em sede de alegações orais,
teria sublinhado perante o tribunal da 1.ª instância “que o relevo não se
encontra na circunstância de um hospital ser da administração indireta
do Estado, mas da qualidade da relação estabelecida, de estar ou não
sob a interferência e encargos do SNS (…)”.
Porém, face à qualificação dada pela 1.ª instância, aquela R. não
apresentou contra-alegações no recurso de apelação interposto pela
Interveniente de Seguros GG, S.A., através das quais lhe seria
porventura lícito suscitar a ampliação do objeto do recurso, a título
subsidiário, nos ter-mos do artigo 636.º, n.º 2, do CPC, nomeadamente
sobre a matéria de facto pertinente.
Vejamos.
No caso vertente, dos factos provados resulta que a A., então com 48
anos de idade, não só ficou totalmente incapacitada para o exercício da
atividade profissional que desempenhava antes das lesões sofridas,
como também igualmente incapacitada para o exercício de atividades
similares e até para a execução quotidiana das lides domésticas, num
quadro expetável de vida ativa que se poderá prolongar para além dos
70 anos de idade.
Sucede que as instâncias, fixaram a indemnização em apreço no valor
de € 86.054,40, atendendo a fatores objetivos respeitantes ao
rendimento que a A. auferia, a título profissional, antes da lesão, ao
nível de incapacidade verificada (incapacidade total) e à expetativa da
vida ativa, ponderando ainda tal valor em termos de equidade.
Ora, o rendimento anual proporcionado por aquele capital, às módicas
taxas de juro hoje praticadas ou mesmo a taxas de capitalização da
ordem dos 2% ou 3%, não se mostra, de modo algum, desconforme
com o o rendimento que a A. auferia no seu exercício profissional, para
além de ter ainda de cobrir a perda de rendimento na execução das
demais tarefas, mormente as domésticas, que também deixou de poder
desempenhar.
Em suma, tem-se tal indemnização por conforme aos parâmetros que
vêm sendo adotados pela jurisprudência e, no que toca à equidade, não
se revela que destoe dos critérios de ponderação em relação a situações
de similar gravidade.
Termos em que o acórdão recorrido não merece censura neste
particular.
Uma nota final para referir que os juros de mora devidos sobre o
montante indemnizatório agora fixado contar-se-ão desde a data do
acórdão recorrido, uma vez que se trata de mera correção do valor ali
arbitrado.
IV - Decisão
___________________
[1] A este propósito, vide, entre muitos outros, António Henriques Gaspar, A responsabilidade civil
do médico, CJ Ano III (1979), Tomo 1, pp. 335 e segs. (340-342); André Gonçalo Dias Pereira, in
Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica, Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra – Centro de Direito Biomédico, Coimbra Editora, 1.ª Edição, 2015, pp. 667-674.
[2] Vide, António Henriques Gaspar, A responsabilidade civil do médico, CJ Ano III (1979), Tomo
1, p. 543; Figueiredo Dias e Sinde Monteiro, Responsabilidade Médica …, Scientia Iurida, XXXIII,
Janeiro-Abril 1984, p. 107; Carlos Ferreira de Almeida, Os Contratos Civis de Prestação de
Serviço Médico, in Direito de Saúde e da Bioética, AAFDL, Lisboa, 1996, p. 88; André Gonçalo
Dias Pereira, in Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica, pp. 670-673.
[3] Relatado pela aqui 1.ª adjunta Juíza Cons. Maria da Graça Trigo, acessível ma Imternet,
http://www. dgsi.pt/jstj.
[4] Vide André Gonçalo Dias Pereira, in Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica, pp.
684, no desenvolvimento da proposta de Carlos Ferreira de Almeida, in Os Contratos Civis de
Prestação de Serviço Médico, in Direito de Saúde e da Bioética, AAFDL, Lisboa, 1996, pp 75 e
seguintes.
[5] VideNuno Manuel Pinto Oliveira, Responsabilidade civil em instituições privadas de saúde, in
Responsabilidade Civil dos Médicos, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – Centro
de Direito Biomédico, Coimbra Editora, 11, 1.ª Edição, 2005, pp. 132.
[6] A este propósito, vide Vaz Serra, Responsabilidade do Devedor pelos Factos dos Auxiliares, dos
Representantes Legais ou dos Substitutos, in BMJ n.º 72, pag. 286; Ribeiro de Faria, Direito das
Obrigações, Vol. II, Almedina, 1990, pp. 410-411.
[7] Vide, entre outros, António Henriques Gaspar, A responsabilidade civil do médico, CJ Ano III
(1979), Tomo 1, p. 543; André Gonçalo Dias Pereira, in Direitos dos Pacientes e Responsabilidade
Médica, 1.ª Edição, 2015, p.p 708 e seguintes.
[8] Vide, a título de exemplo, o acórdão do STJ, de 05-02-2013, relatado pelo Juiz Conselheiro
Alves Velho, no processo 2035/05.8TVLSB.L1.S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[9] Direito das Obrigações, 11ª Edição, Almedina, pags. 1039 e seguintes.
[10] In Direito Civil/Responsabilidade Civil – O Método do Caso, Almedina, 2006, pag. 81/82.
[11] Ob. cit. pag. 81.
[12] Das Obrigações em Geral, Vol. 1.º, Almedina, 10.ª Edição, 2006, pag. 584 e 585.
[13] Das Obrigações em Geral, Vol .2.º, Almedina, 7.ª Edição, pag. 101.
[14] Relatado pelo Juiz Cons. Nuno Cameira, disponível na Internet – http://www.dsgi.pt/jstj.
[15] Relatado pelo Juiz Cons. Gregório Silva Jesus, disponível na Internet – http://www.dsgi.pt/jstj.
[16] Relatado pelo Juiz Cons. Ferreira de Almeida, disponível na Internet – http://www.dsgi.pt/jstj.
[17] Relatado pelo Juiz Cons. Silva Salazar, disponível na Internet – http://www.dsgi.pt/jstj.
[18] A
este propósito, vide André Gonçalo Dias Pereira, in Direitos dos Pacientes e
Responsabilidade Médica, 1.ª Edição, 2015, p.p 717 e segs.; Nuno Manuel Pinto Oliveira,
Responsabilidade civil em instituições privadas de saúde, ob. cit., pp.214-215.
[19] Veja-se,a este propósito, a título exemplificativo, o acórdão do STJ, de 04/06/2015, relatado
por Maria dos Prazeres Beleza, no processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, em que outros acórdãos
anteriores do mesmo Tribunal, acessível na Internet http://www.dgsi.pt/jstj
[20] Relatado por Lopes do Rego, acessível na Internet http://www.dgsi.pt/jstj
[21] Entre muitos outros, vide, a título de exemplo, o ac. do STJ, de 7-6-2011, relatado pelo Exm.º
Juiz Cons. Granja da Fonseca, no âmbito do processo 160/2002.P1.S1, publicado na Internet,
http://www.dgsi.pt/jstj.