Você está na página 1de 16

Accelerat ing t he world's research.

OS LIMITES CONSTITUCIONAIS
DAS MEDIDAS ATÍPICAS DE
EXECUÇÃO COM BASE NO ART.
139, IV DO CPC (1)
Lucas Carneiro Vilas Boas Bueno
Article

Cite this paper Downloaded from Academia.edu 

Get the citation in MLA, APA, or Chicago styles

Related papers Download a PDF Pack of t he best relat ed papers 

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS O USO DE MEDIDAS COERCIT IVAS AT ÍPICAS PARA …
Adriana Roland

RDFG -Revist a de Direit o da Faculdade Guanambi v. 5, n. 2, julho-dezembro 2018 195 INT ERPRETAÇÃO …
Tat iane Andrade

Monografia Pos NCPC T hais Graziella Souza Barbosa 1


T hais Barbosa
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS APLICADAS
ESPECIALIZAÇÃO “O NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO”

LUCAS CARNEIRO VILAS BOAS BUENO


RA: 20840484

OS LIMITES CONSTITUCIONAIS DAS MEDIDAS ATÍPICAS DE EXECUÇÃO COM BASE NO ARTIGO

139, INCISO IV DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

ARTIGO APRESENTADO AO PROGRAMA DE

ESPECIALIZAÇÃO COMO CUMPRIMENTO DE

REQUISITO PARCIAL DE CRÉDITO DO

PRIMEIRO MÓDULO DA PÓS GRADUAÇÃO.

Campinas/SP
2020
OS LIMITES CONSTITUCIONAIS DAS MEDIDAS ATÍPICAS DE EXECUÇÃO COM
BASE NO ARTIGO 139, INCISO IV DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

THE CONSTITUTIONAL LIMITS OF ATYPICAL IMPLEMENTING MEASURES


BASED ON ARTICLE 139, ITEM IV OF THE CODE OF PROCESS CIVIL LAW

Lucas Carneiro Vilas Boas Bueno


Pós-especializando em Processo Civil pela PUC-Campinas. Graduado em Direito
pela PUC-Campinas. Advogado.

Resumo: O presente artigo fará uma análise histórica, jurisprudencial e legal acerca
dos limites constitucionais do artigo 139, inciso IV do Código de Processo Civil, o qual
concede super poderes ao Juiz para assegurar o cumprimento de ordem judicial.
Através do método dedutivo, a análise deste artigo se limitará às medidas típicas e
atípicas dos meios coercitivos de execução à luz dos entendimentos das cortes
superiores, bem como da legislação vigente. O que se espera ao final deste artigo é
estabelecer uma conclusão acerca de qual é o limite dos meios coercitivos para
satisfazer uma obrigação sem que haja o ferimento dos direitos fundamentais do
executado.

Palavras-chave: medidas atípicas de execução – artigo 139, inciso IV – Código de


Processo Civil – Direitos fundamentais – limites constitucionais.

Abstract: This article will make a historical, jurisprudential and legal analysis about the
constitutional limits of Article 139, item IV of the Civil Procedure Code, which grants
super powers to the Judge to ensure compliance with a court order. Through the
deductive method, the analysis of this article will be limited to the typical and atypical
measures of the coercive means of execution in the light of the understandings of the
higher courts, as well as the current legislation. What is expected at the end of this
article is to establish a conclusion about what is the limit of coercive means to satisfy
an obligation without harming the fundamental rights of the executed.

Keywords: atypical implementing measures – article 139, item IV – code of process


civil law - fundamental rights - constitutional limits.
Índice: Introdução; 1. A tipicidade ou atipicidade dos meios coercitivos de execução;
2. Limites constitucionais do artigo 139, IV do CPC; 2.1. Balança da justiça: direitos
fundamentais X execução de dívida; 2.2. Razoabilidade e proporcionalidade das
medidas de execução; 3. Entendimento das cortas superiores sobre as medidas
atípicas de execução; 3.1. STJ; 3.2. STF; Conclusão; Referencial bibliográfico.
Introdução

O presente artigo tem o propósito de discutir quais são os limites das medidas
atípicas de execução para coagir o executado a cumprir determinada obrigação sob a
ótica dos direitos fundamentais.
Trata-se de uma análise, através do método dedutivo, a respeito dos super
poderes que o artigo 139, inciso IV do Código de Processo Civil concede ao Juiz para
decidir discricionariamente sobre as medidas de coerção que entender necessário
para a satisfação de uma obrigação
A discussão sobre as medidas atípicas de execução é um tema recente e que
ainda não foi pacificado entre as instâncias de julgamento do Poder Judiciário.
Por essa razão, este estudo terá como base os principais julgados sobre o
tema, bem como constituição federal, legislação processual civil vigente, doutrina
pátria, artigos científicos e de revistas jurídicas que versam sobre o tema em
discussão.

Roteiro de escrita: Primeiramente, será demonstrado as medidas mais tradicionais de


execução e as medidas atípicas mais utilizadas na atualidade. Após, será feita uma
análise sob a ótica histórica e constitucional das medidas atípicas de execução mais
utilizadas e por fim, serão demonstrados os últimos entendimento das cortes
superiores a respeito do tema até chegarmos à conclusão.

1. A tipicidade e atipicidades dos meios coercitivos de execução

É muito comum ocorrer nos processos judicias brasileiros, após uma longa
batalha judicial e se iniciar a fase de cumprimento de sentença ou de execução de
algum título executivo, o exequente encontrar enormes dificuldades para receber os
valores a que tem direito.
Essa dificuldade em muitas vezes se deve em razão do executado não possuir
condições financeiras para cumprir a obrigação e para isso, o Código de Processo
Civil brasileiro estabeleceu alguns instrumentos em favor do exequente, como por
exemplo, o instituto da penhora, positivada entre os artigos 831 e 869 do mencionado
codex processual.
Para garantir a penhora, o exequente deve antes pedir em juízo a realização
de pesquisas on-lines, através de diversos sistemas cadastrados no banco de dados
dos tribunais, como por exemplo o BACENJUD, RENAJUD, INFOJUD, SERASAJUD,
COMGÁSJUD, SISBAJUD e entre outros. Tratam-se de sistemas eletrônicos de
comunicação entre o Poder Judiciário e determinados órgãos. O exequente, mediante
o pagamento de uma taxa judicial, consegue obter diversas informações a respeito do
executado e assim, consultar se o mesmo possui ativos financeiros ou bens para
serem penhorados e assim satisfazer a obrigação.
Esses sistemas eletrônicos de comunicação vão desde pesquisas de ativos
financeiros e bens do executado, como a negativação do nome do mesmo no cadastro
de inadimplentes do SERASA e acesso ao histórico da situação do executado perante
à Receita Federal.
Outro método também utilizado, é a conhecida penhora no rosto dos autos,
prevista no artigo 860 do mesmo diploma processual civil, onde o exequente, sabendo
que o executado é credor em outra demanda judicial, solicitada ao Juiz da execução
a expedição de ordem judicial para que os valores a que o executado tem direito na
outra ação, sejam penhorados em seu favor.
Desse modo, o executado não chega nem a levantar os valores em juízo e
assim, elimina qualquer hipótese do mesmo, de alguma forma, esconder os valores
recebidos.
A esse respeito, se faz necessário dizer que existem diversos casos, em que o
executado se trata de verdadeiro devedor contumaz ou em outras palavras, devedor
profissional.
Neste caso, o executado possui boas condições financeiras, mas sabendo que
possui a cobrança de dívidas em seu nome, transfere todos os seus bens e ativos
financeiros a uma terceira pessoa de sua confiança, a qual somente emprestará o seu
nome, eis que os bens continuarão em posso do devedor.
Assim, quando o exequente realiza as pesquisas acima mencionadas em nome
do executado, nenhum bem ou ativo financeiro é encontrado em seu nome, de modo
a impossibilitar qualquer tipo de penhora para a satisfação da obrigação.
Em determinadas situações, através de uma simples consulta às redes sociais,
resta evidente que o devedor contumaz possui um padrão de vida elevado, como por
exemplo o fato de realizar inúmeras viagens internacionais, andar com carros de luxo
e residir em casa de alto padrão, no entanto, não possui extremamente nada em seu
nome e isso acaba por inviabilizar qualquer pedido de penhora.
Algumas das soluções possíveis encontradas por advogados pioneiros, estão
por exemplo no pedido de suspensão da carteira nacional de habilitação (CNH),
cancelamento de cartões de crédito ou até mesmo na apreensão do passaporte do
executado até a satisfação integral da dívida.
Tratam-se de técnicas indiretas de execução para coagir o executado a pagar
a sua dívida. Tais medidas podem se demonstrar muito eficazes em certos casos,
como no exemplo acima mencionado, mas em outros, podem se tornar uma
verdadeira afronta aos direitos fundamentais do executado e por essa razão, todas as
decisões que versam sobre as atipicidades dos meios coercitivos de execução devem
ser tomadas com muito cuidado e levando-se em conta caso a caso, não podendo ser
deferida como uma mera medida executiva padrão a ser deferida em todo e qualquer
momento.
A esse respeito, o Professor Thiago Rodovalho explicou muito bem em sua
análise à decisão que determinou a apreensão de Passaporte e CNH do executado 1.
Em sua análise, Rodovalho destaca que a concessão das medidas atípicas deve
respeitar certos pressupostos ou premissas.
A primeira premissa é que para a concessão de alguma medida atípica de
execução, antes, deve-se esgotar todas as medidas típicas. Em outras palavras. As
medidas típicas são a regra (prima ratio), enquanto as atípicas, a exceção (ultima
ratio).
A segunda e última premissa, está na análise da possibilidade do adimplemento
pelo executado. Para melhor ilustrar, imaginemos a situação em que o executado se
trata de uma pessoa humilde, que não possui bens consideráveis e que recebe
somente o suficiente para a sua subsistência.
Neste caso, a concessão de uma medida atípica para coagir o devedor a pagar
a sua dívida, como a apreensão de sua CNH, por exemplo, não faria a menor

1
Nesse sentido, a primeira premissa é justamente a de que a atipicidade dos meios executivos não se
consubstancia na «prima ratio», é dizer, a regra ou a primeira medida a ser invocada. Muito ao revés, a «regra»
do nosso sistema continua a ser o da tipicidade dos meios executivos, só que agora «temperado» pelo sistema
atípico [20].
Ou seja, e aqui reside a primeira premissa, os meios atípicos não são a prima ratio, e, sim, a ultima ratio, é dizer,
esgotados e frustrados os meios executivos típicos e ordinários, pode-se, em tese, valer-se do sistema atípico.
(...)
A segunda premissa advém do que muito já se construiu a respeito dos meios de pressão (moyen de pression)
[21] para cumprimento de obrigações de fazer e não-fazer infungíveis, qual seja, a «possibilidade» do
adimplemento. Essa segunda premissa decorre, inclusive, de imperiosidade lógica, de nada adianta a medida de
pressão se a obrigação não tem como ser adimplida pelo devedor. (RODOVALHO, Thiago. O necessário diálogo
entre a doutrina e a jurisprudência na concretização da atipicidade dos meios executivos)
diferença, pois o executado continuaria com a mesma situação financeira, senão pior,
pois a apreensão de sua CNH de certa forma limitaria as opções de trabalho do
mesmo, caso o executado precise de sua CNH para trabalhar.
No exemplo descrito acima, a apreensão do passaporte também não se
mostraria como uma medida efetiva, vez que, dificilmente o executado na situação em
que se encontra, possuiria condições financeiras de viajar a outro país que necessite
de passaporte para ingressar.
O deferimento de tais medidas só se tornou possível graças ao disposto no
artigo 139, inciso IV do Código de Processo Civil, o qual concede poderes ao Juiz para
“determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias
necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial” e sobre os limites
dessas medidas far-se-á uma análise mais pormenorizada no próximo capítulo.

2. Limites constitucionais do artigo 139, IV do CPC

Como explicitado anteriormente, a ausência de um rol taxativo acerca das


medidas judiciais disponíveis ao magistrado à aplicação de um direito concede ao
mesmo uma espécie de super poder para expedir discricionariamente ordens judiciais
sobre a forma que entender necessário para a satisfação de uma obrigação.
Em alguns casos, essa liberdade pode se demonstrar muito eficaz, mas em
outras, pode ser uma verdadeira afronta aos direitos fundamentais do executado.

2.1. Balança da justiça: direitos fundamentais X execução de dívida

A Constituição Federal da Republica Federativa do Brasil, estabelece em seu


artigo 1º, inciso III que um dos seus fundamentos principais está pautado na
observância da dignidade da pessoa humana.
E ainda, em seu artigo 5º apresenta um rol não taxativo dos direitos e garantias
fundamentais de todos os cidadãos, e entre eles, os que merecem destaque para o
presente caso, se encontram positivados nos incisos XV, LXVIII e LXXVIII do mesmo
artigo.
De um lado, temos os incisos XV e LXVIII os quais garantem a livre locomoção
no território nacional, podendo a todos, permanecer ou dele sair a qualquer tempo,
tendo o habeas corpus como remédio constitucional para garantir a liberdade e a livre
locomoção.
Do outro lado, temos o inciso LXXVIII o qual é claro em assegurar a todos os
cidadãos a razoável duração do processo e inclusive, os meios que garantam a
celeridade de sua tramitação.
Destaca-se, que a celeridade na tramitação processual também abrange o
processo em fase execução e, portanto, as medidas coercitivas de execução estão
diretamente ligadas ao cumprimento deste preceito constitucional.
Assim, quando o magistrado autoriza a apreensão do Passaporte e da Carteira
Nacional de Habilitação do devedor, como técnica de execução indireta, devemos nos
questionar se tais medidas não afrontam as garantias constitucionais do executado,
eis que, apesar do mesmo ter contraído dívidas perante o exequente, certo é que na
balança da justiça, a dívida não pode pesar mais do que a dignidade da pessoa
humana e a liberdade de locação do indivíduo.
Do caso contrário, estaríamos regredindo à época da Roma antiga, onde os
devedores tornavam-se escravos de seus credores até quando este último entender
que a obrigação do seu devedor tivesse sido quitada.
A esse respeito, melhor define Flávia Lages de Castro em seu livro História do
Direito Geral e Brasil2. A autora nos ensina que no direito romano, para o indivíduo
possuir capacidade Jurídica, o mesmo tinha que ser homem e livre.
Sem entrar no aspecto da capacidade civil (status civitalis) das mulheres na
Roma antiga, o que merece uma maior atenção em um estudo separado, os escravos
não tinham quaisquer direitos, eram apenas considerados objetos de relações
jurídicas, eram tratados como coisas (res) e estavam sujeitos ao poder de seu senhor
(dominica potestas).
No direito romano, o escravo podia ou nascer escravo ou tronar-se escravo.
Nasciam-se escravos, os filhos de mães escravas, não sendo considerado o status
libertatis do pai. No último caso, o indivíduo tornava-se escravo por aprisionamento
de guerra, por infrações penais e por último, pelo não-pagamento de uma dívida
(obligatio personae).
Pode parecer um exagero trazer a baila as questões do direito romano no que
se refere à escravidão, para comparar às medidas atípicas de execução, mas em

2
“O indivíduo podia ou nascer escravo ou tornar-se escravo. Nesse último aso, a pessoa tornava-se escrava por
aprisionamento em guerra, por disposições penais ou, até a Lei Licínia Sextia (século IV a.C.), poderia tornar-se
escrava pelo não-pagamento de uma dívida. (DE CASTRO, Flávia Lages. História do Direito Geral e do Brasil. 10ª
edição – Rio de Janeiro; LumenJuris 2013, página 94).
ambos os casos, temos a liberdade do indivíduo reduzida por conta de uma dívida
contraída perante o credor.
A quem diga que a simples apreensão do Passaporte e da Carteira Nacional
de Habilitação do devedor não viola o direito de ir e vir do mesmo, uma vez que o
devedor ainda pode se locomover por meio de transportes públicos e privados, além
de poder se locomover a outros países que não exigem a apresentação de Passaporte
para a entrada.
O problema é que, limitar os destinos e os meios de transporte do devedor,
mesmo que de forma parcial, estaria reduzindo a liberdade desse indivíduo e a esse
respeito o inciso XV do artigo 5º da Constituição Federal assegura que a locomoção
no território nacional é “livre”.
E ainda, o mesmo inciso aduz que qualquer pessoa, pode nele (território
nacional) entrar, permanecer ou dele sair.
Ou seja, se o devedor quiser, seja por qual motivo, sair do país para ingressar
em algum outro que seja necessário apresentar o Passaporte e este tiver com o seu
Passaporte apreendido, estaria configurado claramente uma hipótese de violação ao
direito fundamental de livre locomoção desse indivíduo.
O artigo 139, inciso IV do CPC que concede carta branca ao magistrado para
decidir da forma como bem entender no que se refere, entre outras, a determinações
jurídicas para a satisfação de dívidas, trata-se de uma patente cláusula geral que
eventualmente poderá se desdobrar em precedentes que violem ainda mais os
direitos fundamentais do indivíduo, de modo a se aproximar a cada vez mais das
relações civis na Roma antiga.
Por essa razão, se faz necessário estabelecer limites bem definidos quanto a
atuação dos juízes, sob pena da supressão dos valores constitucionais em prol da
satisfação de uma dívida e a submissão do devedor ao seu dominica potestas.

2.2. Razoabilidade e proporcionalidade das medidas de execução

Como dito anteriormente, as medidas atípicas de execução para serem


aplicadas, necessitam antes ser avaliadas com muita cautela e atenção a cada caso
concreto.
Isso porque, se não observadas as premissas de esgotamento das medidas
típicas e possibilidade de adimplemento do executado, essa aplicação pode se tornar
uma grande violação aos direitos fundamentais do indivíduo.
Este estudo entende que, pela regra, a apreensão da CNH e Passaporte do
devedor é uma afronta ao direito fundamental de ir e vir e da livre locomoção,
entretanto, como toda regra, há uma exceção, pois o direito não pode se tornar tão
engessado ao ponto da aplicação positiva da lei se desvencilhar do justo e do
razoável.
Existem casos, em que o executado age com má-fé e deslealdade processual
e sabendo que possui cobranças ajuizadas em seu nome, esconde todo o seu
patrimônio em nome de terceiros de sua confiança até que a dívida esteja prescrita e
assim, não precise pagá-la.
A este exemplo, é notório que o executado age contra legem e nessa situação,
o mesmo merece ser punido, pois violou, de forma proposital, o direito do credor em
receber o que é devido.
A constituição em seu artigo 5º, inciso LXVII proíbe a prisão civil por dívida, com
exceção a obrigação alimentícia, assim, a punição do devedor contumaz, deve-se
fazer de outra forma.
Nessa hipótese, a aplicação de uma pena de multa pecuniária não surtiria
efeitos, pois o problema em questão é fazer o devedor pagar e aumentar o valor da
dívida acabaria não resolvendo o problema, talvez, só piorasse, pois se o devedor já
se desvencilha de pagar a dívida com o valor original, quiçá irá pagar com o acréscimo
da multa.
O devedor não pode se valer dos seus direitos fundamentais para justificar as
suas condutas ilícitas e assim, da mesma forma que um indivíduo que comete um
crime é punido com a restrição ou privação de sua liberdade (direitos fundamentais)
por um determinado tempo, o devedor que age com má-fé processual, deve ser
proporcionalmente punido também.
Dessa forma, o presente estudo entende que, desde que o exequente consiga
provar de forma inequívoca, a má-fé e deslealdade processual do executado, a
apreensão do Passaporte e da CNH do devedor se monstra como uma medida justa
e razoável a fim de coagir o executado a adimplir com a sua dívida.

3. Entendimento das cortas superiores sobre as medidas atípicas de execução

Este capítulo fará uma breve análise aos julgados mais relevantes e atuais
sobre o tema deste estudo pelo STJ, bem como, da análise acerca da ação direta de
inconstitucionalidade que tem como objeto o artigo 139, inciso IV do CPC e que em
breve será decidido pelo STF.

3.1. STJ

O Ministro Paulo de Tarso Sanseverino do Superior Tribunal de Justiça, em


recente julgado do HC 558313/SP de 23/06/2020, aduz que pelas suas duas Turmas
da Seção de Direito Privado (terceira e quarta), tem-se reconhecido que a apreensão
de Passaporte é medida capaz de limitar a liberdade de locomoção do indivíduo e que
isso pode significar o constrangimento ilegal e arbitrário, passível de ser analisado por
via de “habeas corpus”.
Mas que no entanto, de acordo com o entendimento da Terceira Turma, a
adoção dessa medida coercitiva atípica, no âmbito do processo de execução, não
configura ofensa ao direito de ir e vir do indivíduo e que por essa razão, a eventual
configuração de abusividade e existência de indícios de que o devedor possui
patrimônio expropriável ou que vem adotando-se de medidas ilegais para não quitar
a dívida, autoriza ao magistrado a adoção de medidas atípicas de execução, desde
que fundamentadas, para coagir o executado a adimplir com o pagamento da dívida.
Em outro julgado da Colenda Corte, a Ministra Relatora Nancy Andrighi através
de seu voto no julgamento do Recurso Especial nº 1.782.418 sustenta que a adoção
de medidas atípicas de execução, tanto quanto a apreensão de Passaporte, quanto
da CNH, é cabível desde que, seja comprovada a existência de indícios de que o
devedor possua patrimônio expropriável.
A Ministra ainda ressalta que tais medidas devem ser aplicadas de forma
subsidiária e que da decisão contenha fundamentação adequada às especificidades
de cada caso concreto, devendo ainda, ser respeito o contraditório.
Em suma, cumpre dizer que o posicionamento deste estudo se coaduna com o
entendimento do STJ, no sentido da possibilidade da adoção de técnicas indiretas
para coagir o executado a adimplir com a dívida, como por exemplo a apreensão do
Passaporte e da CNH, entretanto, o que se diferencia é quanto ao fundamento.
O STJ entende que o acautelamento do passaporte é uma medida que limita a
liberdade de locomoção do indivíduo, mas que não ofende o direito de ir e vir do
executado.
Em contrapartida, este singelo estudo entende que a constrição dos referidos
documentos é hipótese de ofensa ao direito fundamental da livre locomoção, mas que,
no entanto, se configurada e provada a má-fé e deslealdade processual do executado,
este direito pode ser suprimido parcialmente, de forma razoável e proporcional, até o
devedor quitar as suas dívidas. Trata-se de um conflito entre direitos fundamentais
das partes, das quais, quem agiu em desconformidade a lei (devedor contumaz), sairá
perdendo em relação a outra parte que a segue (credor).
O limite para adoção das medidas atípicas de execução está diretamente ligado
a ofensa ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e a simples
constrição, temporária do Passaporte e da CNH do devedor não são capazes de violar
esse princípio.

3.2. STF

Em 2018, o Partida dos Trabalhadores (PT) ingressou com uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 5941 em face do Presidente da República e do Congresso
Nacional perante o STF, cujo o objeto da ação é o artigo 139, inciso IV do Código de
Processo Civil.
Destaca-se que a intenção da ação não é a declaração de inconstitucionalidade
do artigo e sim e somente, das medidas atípicas dele derivadas, como a apreensão
da CNH e do passaporte.
Em sua petição inicial, o Partido dos Trabalhadores sustenta que a busca pelo
cumprimento das decisões judiciais, em especial na fase jurissatisfativa, não pode se
dar sob o sacrifício de direitos fundamentais e que a medida de apreensão do
Passaporte e da CNH merece ser declara inconstitucional por ofensa aos artigos 1º,
inciso III (dignidade da pessoa humana) e 5º, inciso XV, ambos da Constituição
Federal.
Consta da exordial ainda, o entendimento de que o ato de limitar o direito de ir
e vir do devedor com a apreensão dos mencionados documentos é “admitir que a
necessidade de satisfação de interesses contratuais, comerciais e/ou empresariais do
credor poderia ser atendida restringindo-se a liberdade de locomoção do devedor”.
Em parecer elaborado pela Procurada-Geral da República, Raquel Elias
Ferreira Dodge, a representante do Ministério Público na ação opina ela procedência
do pedido de inconstitucionalidade das medidas atípicas de execução aqui
mencionadas, valendo-se do entendimento de que o “juiz possa aplicar,
subsidiariamente e de forma fundamentada, medidas atípicas de caráter estritamente
patrimonial, excluídas as que importem em restrição às liberdades individuais”.
Diferentemente, a Advocacia Geral da União, em parecer emitido por sua
representante Grace Maria Fernandes Mendonça, opina pela improcedência da ADI
5941, sob o argumento da possibilidade da aplicação de tais medidas atípicas “desde
que observados, no caso concreto, os critérios da proporcionalidade e o absoluto
respeito às garantias fundamentais”, de modo a simples apreensão do Passaporte e
da CNH não são suficientes para violar qualquer preceito fundamental.
Por fim, o parecer elaborado pela Associação Brasileira de Direito Processual
(ABDPro), na figura de Amicus Curiae nos autos da ADI, é defendido que não há
qualquer relação entre a apreensão do Passaporte e da CNH ao cumprimento da
obrigação pecuniária, além de que, tais medidas configuram hipótese de
caracterização de pena sem lei correspondente, o que é vedado pelo artigo 5º, incisos
XXXIX e LIV.
Atualmente, com parecer emitido pela ABDPro, os autos da ADI desde
18/11/2020 tornaram-se conclusos ao Ministro Relator Luiz Fux, razão pela qual, resta
nos aguardar pelo julgamento do mérito.

Conclusão

Diante das razões apresentadas neste artigo, podemos concluir que quanto a
constitucionalidade ou não das medidas atípicas, mais precisamente a apreensão de
Passaporte e CNH, o STJ e a Advocacia Geral da União entendem pela
constitucionalidade, enquanto o Ministério público e a ABDPro entendem pela
inconstitucionalidade.
O presente estudo conclui que as medidas atípicas que determinam a
apreensão dos referidos documentos de fato violam os direitos fundamentais do
executado, entretanto, a hipótese do devedor, esconder o seu patrimônio em nome
de terceiro, para se desvencilhar do pagamento da dívida, também viola o direito
fundamental do exequente quanto a duração razoável do processo, bem como de
receber o que lhe é devido.
Assim, entre o conflito de direitos fundamentais, entre o credor de boa-fé e o
devedor de má-fé, este último acabará por sofrer uma desvantagem em decorrência
de sua deslealdade processual.
Em síntese, o que se quer dizer, é que o direito não pode premiar quem age
de má-fé em relação a quem age dentro dos ditames da lei e assim, a valoração dos
direitos fundamentais acabam pesando mais em favor do credor do que em face do
devedor contumaz.
Por essa razão, conclui-se pela possibilidade da aplicação dessas medidas
atípicas, desde que, respeitados a razoabilidade e proporcionalidade, além dos
pressupostos do esgotamento das medidas típicas e da possibilidade de
adimplemento do devedor. Não é possível definir uma formula exata para aplicação
dessas medidas indiretas e assim, cada caso concreto terá um destino, a depender
das especificidades de cada um.
Referência bibliográfica

DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini; DE ARAÚJO CINTRA,


Antônio Carlos. Teoria geral do processo. Malheiros Ed., 2013;

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do


Direto Processual Civil, Processo de Conhecimento e procedimento comum – vol. I /
Humberto Theodoro Junior. 56ª ed. Ver. atual e ampl. – Rio de Janeiro; Forense 2015;

RODOVALHO, Thiago. O necessário diálogo entre a doutrina e a jurisprudência na


concretização da atipicidade dos meios executivos. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-necessario-dialogo-entre-doutrina-e-
jurisprudencia-na-concretizacao-da-atipicidade-dos-meios-executivos-21092016.

STRECK, Lênio; NUNES, Dierle. Como interpretar o art. 139, IV, do CPC? Carta
branca para o arbítrio? Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-ago-25/senso-
incomum-interpretar-art-139-iv-cpc-carta-branca-arbitrio.

DE CASTRO, Flávia Lages. História do Direito Geral e do Brasil. 10ª edição – Rio de
Janeiro; LumenJuris 2013;

Você também pode gostar