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.TCC-CRITÉRIOS PARA APLICAÇÃO DE MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS NO - Unlocked
.TCC-CRITÉRIOS PARA APLICAÇÃO DE MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS NO - Unlocked
FACULDADE DE DIREITO
DANIEL SEIXAS
SÃO PAULO
2019
DANIEL SEIXAS
SÃO PAULO
2019
DANIEL SEIXAS
BANCA EXAMINADORA:
Dedico este ensaio aos meus pais: graças ao estímulo
de vocês, pude desfrutar da instigante Faculdade de
Direito; com a energia que lhes é única, busquei
conduzir o curso tal como o faço com a vida!
RESUMO
Due to the evident saturation of the Judiciary and the critical scenario of execution
proceeding involving the civil sphere, the Civil Procedure Code sought to establish mechanisms
to promote process optimization, in order to making effective judicial protection more effective.
In this context, the general clause inserted in article 139, IV of the CPC provides the possibility
of atypical executive measures in the obligation to pay a sum certain, such as the suspension of
the driver’s licence, the seizure of the passport and the blocking of credit cards. On the other
hand, such measures should not be applied by simple arbitrariness of the judge, but a case-by-
case analysis, in the alternative and after the exhaustion of typical executive means, by fair
decision, which will indicate the reasonable and proportional factual and legal reasons that led
to its application in order to promote judicial protection. Indeed, the magistrate must pursue
balance and reflection, understanding the extent of his responsibility in the implementation of
atypical measures, rigorously moving away from merely punitivist impositions, which go
beyond the principle of patrimoniality and reach the person of the executed. In summary, the
atypical executive measures added to the typical means of enforcement in order to allow the
judge, in the light of the circumstances of the case, to find the most appropriate technique for
providing effective protection of the infringed material right.
Keywords: Execution proceeding. Atypical measures. Article 139, IV, CPC. Pecuniary
obligations. Default.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
INTRODUÇÃO..........................................................................................................................8
1. CRISE DA EXECUÇÃO CIVIL E TENDÊNCIA DE OTIMIZAÇÃO DA TUTELA
JURISDICIONAL .................................................................................................................... 10
2. CLÁUSULAS GERAIS EXECUTIVAS, PRINCÍPIOS DA TIPICIDADE E
ATIPICIDADE E PODER-DEVER DO JUIZ NA EXECUÇÃO CIVIL ............................... 15
3. ARTIGO 139, IV, CPC: MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS NA EXECUÇÃO DE
OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA .................................................................... 20
4. DIRETRIZES PARA CONCRETIZAÇÃO: APLICABILIDADE E LIMITES .............. 29
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................36
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................38
8
INTRODUÇÃO
1
Artigo 4º, CPC: As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a
atividade satisfativa.
2
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório Justiça em Números 2019. Disponível em: www.cnj.jus.br.
Acesso em 24 de set. de 2019.
3
É oportuno esclarecer que, conforme o glossário da Resolução CNJ 76/2009, consideram-se baixados os
processos: remetidos para outros órgãos judiciais competentes, desde que vinculados a tribunais diferentes;
remetidos para as instâncias superiores ou inferiores; arquivados definitivamente; em que houve decisões que
transitaram em julgado e iniciou-se a liquidação, cumprimento ou execução. Computa-se apenas uma baixa por
processo e por fase/instância (conhecimento ou execução, 1º ou 2º grau). Os casos pendentes, por sua vez, são
todos aqueles que nunca receberam movimento de baixa, em cada uma das fases analisadas.
4
Indicador que mede o percentual de casos que permaneceram pendentes de solução ao final do ano-base, em
relação ao que tramitou (soma dos pendentes e dos baixados). Cumpre informar que, de todo o acervo, nem todos
os processos podem ser baixados no mesmo ano, devido a existência de prazos legais a serem cumpridos,
especialmente nos casos em que o processo ingressou no final do ano-base.
11
Fonte: Conselho Nacional de Justiça. Relatório Justiça em Números 2019. Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2019/08/4668014df24cf825e7187383564e71a3.pdf.
Figura 2: Percentual de casos pendentes de execução em relação ao estoque total de processos, por tribunal
Fonte: Conselho Nacional de Justiça. Relatório Justiça em Números 2019. Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2019/08/4668014df24cf825e7187383564e71a3.pdf.
12
Figura 3: Taxa de congestionamento nas fases de conhecimento e execução, na primeira instância, por tribunal
Fonte: Conselho Nacional de Justiça. Relatório Justiça em Números 2019. Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2019/08/4668014df24cf825e7187383564e71a3.pdf.
de sua dívida, deverá arcar com as despesas do protesto, incluindo taxas e emolumentos devidos
aos órgãos públicos. 5 6
E mais, embora o princípio da menor onerosidade ao devedor esteja previsto
expressamente no CPC, o parágrafo único do artigo 805 dispõe que, ao alegar ofensa ao referido
princípio, deve o executado indicar meios menos gravosos e mais eficazes, “sob pena de
manutenção dos atos executivos já determinados”.
Deste modo, o engajamento do novo Código refletiu na seara jurisdicional, sendo
observado nas recentes decisões da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à qual
julgou, por unanimidade, que a desistência da execução por falta de bens penhoráveis afasta a
condenação do exequente em honorários advocatícios sucumbenciais. Com efeito, o relator do
recurso, Ministro Luís Felipe Salomão, enfatizou que a desistência foi por “total inutilidade”
da execução, “e não porque o autor tenha simplesmente se desinteressado de sua pretensão”. 7
Em seguida, o Ministro Marco Buzzi, assentando o entendimento introduzido pelo
Superior Tribunal de Justiça em 2018, permitiu a penhora de 25% incidente sobre a renda
salarial auferida por duas executadas, sob o fundamento de que a regra geral da
impenhorabilidade de salários, vencimentos e proventos, contida no artigo 833, IV, do CPC,
“pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à
dignidade do devedor e de sua família”. 8
Nesse sentido, a Terceira Turma do STJ, por unanimidade, decidiu que é cabível a
excepcional penhora de 30% de benefícios previdenciários, desde que se preserve a teoria do
mínimo existencial, sem prejuízo direto à subsistência do devedor ou de sua família, ao
consolidar a jurisprudência da Corte Superior, segundo a qual é possível, em situações
excepcionais, a mitigação da impenhorabilidade dos salários para a satisfação de crédito não
alimentar, devendo o julgador levar em consideração as peculiaridades do caso e se pautar nos
princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 9
Relacionado à dinâmica que envolve o julgamento do mérito, dentre os dispositivos
previstos pelo CPC, positivou-se o inciso IV do artigo 139, que versa sobre os poderes do juiz
na efetivação da tutela executiva, ao dispor que “incumbe ao juiz determinar todas as medidas
5
Este provimento entra em vigor após decorridos 90 (noventa) dias de sua publicação oficial.
6
ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO BRASIL. CNJ publica Provimento 86 sobre
possibilidade de pagamento postergado de emolumentos no Protesto. Disponível em:
https://www.anoreg.org.br/site/2019/08/30/cnj-publica-provimento-86-sobre-possibilidade-de-pagamento-
postergado-de-emolumentos-no-protesto/. Acesso em: 31 de ago. de 2019.
7
STJ, Recurso Especial nº 1.675.741/PR, rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 11/06/2019.
8
STJ, Recurso Especial nº 1.818.716/SC, rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 19/06/2019.
9
STJ, Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1.386.524/MS, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze,
Terceira Turma, julgado em 25/03/2019.
14
10
Segundo Cândido Rangel Dinamarco, por técnica processual, se deve considerar a predisposição ordenada de
meios destinados a obter certos resultados preestabelecidos, os quais, fundamentalmente, devem visar, no tocante
ao processo civil, à pacificação e à resolução de conflitos mediante a realização da justiça; não sendo demais
destacar como a técnica processual assume nuances particulares e próprias nos vários ordenamentos jurídicos ao
longo da história (espaço e tempo). (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. vol.
I. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 60-62).
15
[...] uma disposição normativa que utiliza, no seu enunciado, uma linguagem
de tessitura intencionalmente ‘aberta’, ‘fluida’ ou ‘vaga’, caracterizando-se
pela ampla extensão do seu campo semântico, a qual é dirigida ao juiz de modo
a conferir-lhe um mandato (ou competência) para que, à vista do caso
concreto, crie, complemente ou desenvolva normas jurídicas, mediante o
reenvio para elementos cuja a concretização pode estar fora do sistema. 13
Neste aspecto, a mera previsão de cláusulas gerais afasta o princípio da tipicidade dos
meios executivos, segundo o qual os atos de execução seriam expressamente previstos em lei e
seriam invariáveis, ou seja: não poderiam ser adotadas providências outras, senão aquelas
expressamente ditadas pela lei ao juiz na condução do processo executivo, com esclarecem
Marcelo Abelha Rodrigues 14 e Marcelo de Lima Guerra. 15
11
MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo:
RT, 1999, p. 303-306.
12
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Diretrizes para a concretização das cláusulas gerais executivas dos arts. 139, IV, 297 e 536, § 1º,
CPC. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord. geral). Medidas executivas atípicas. São Paulo: Editora Juspodvm,
2018, p. 345/346.
13
MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1999, p. 303.
14
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de execução civil. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense Universitária,
2007, p. 23.
15
GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Editora RT, 1998, p. 29.
16
Progressista, ao menos sob este ponto de vista, o Código de Processo Civil de 2015
carrega previsões expressas que garantem a atipicidade dos meios executivos na efetivação das
obrigações em geral. O princípio da atipicidade, nesse liame, decorre de três enunciados
normativos do diploma processual civil brasileiro: o artigo 297, o § 1º do artigo 536 e, por fim,
o artigo 139, IV, objeto deste estudo e o dispositivo que ensejou acentuada divergência
doutrinária e jurisprudencial desde a entrada em vigor do novo Código.
Em apertada síntese, as cláusulas gerais processuais dos referidos artigos embasam o
princípio da atipicidade dos meios executivos. O artigo 139, IV, ao impor que o magistrado
determinará medidas de diversas naturezas para assegurar o cumprimento de ordem judicial
(sendo inclusive ordem de pagamento), o artigo 297, dispondo sobre a possibilidade de utilizar
medidas adequadas para efetivação de tutela provisória, e o artigo 536, § 1º, ao impor que o
16
MARINONI, Luiz Guilherme. Controle do poder executivo do juiz. Execução civil: estudos em homenagem ao
Professor Paulo Furtado, JUS, 2004, novembro. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5974/controle-do-
poder-executivo-do-juiz. Acesso em: 15 de maio de 2019.
17
juiz poderá empregar as medidas típicas e outras que julgar necessário, autorizam o
17
estabelecimento de medidas atípicas, de coerção direta ou indireta , sendo certo que, na
coerção indireta, as medidas executivas não possuem o condão de satisfazer a obrigação
inadimplida, operando apenas, e tão somente, sobre a vontade do devedor executado.
Em conformidade, a Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Nancy Andrighi,
quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.788.950 – MT de sua relatoria, em 23/04/2019,
destacou que:
[...] o legislador optou, desse modo, por abandonar o princípio até então
vigente (ao menos para as hipóteses envolvendo obrigação de pagar quantia),
da tipicidade das formas executivas, conferindo maior elasticidade ao
desenvolvimento do processo satisfativo, de acordo com as circunstâncias de
cada caso e com as exigências necessárias à tutela do direto material.
17
CAETANO, Marcelo Miranda. A atipicidade dos meios executivos – coadjuvante com ares de estrela principal
-, o art. 139, IV, CPC e o resguardo ao escopo social do processo. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord.). Diretrizes
para concretização das cláusulas gerais executivas dos arts. 139, IV, 297 e 536, § 1º, do CPC. São Paulo: RT,
2017, p. 227-272.
18
ALVIM, Angélica Arruda (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p.
214.
19
Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo PT, processo nº 5941, em trâmite perante o STF, cuja
relatoria pertence ao Ministro Luiz Fux.
18
20
QUINTAS, Fábio Lima. É preciso equilibrar meios de coerção ao executar obrigações pecuniárias. CONJUR,
2017, fevereiro. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2017-fev-18/observatorio-constitucional-preciso-
equilibrar-meios-coercao-executar-obrigacoes-pecuniarias#author. Acesso em: 08 de maio de 2019.
21
ZAVASCKI, Teori, Processo de Execução - Parte Geral. São Paulo: RT, 2004, p. 73.
19
[...] De fato, nessa nova ordem processual, o juiz tem atribuições ativas para a
concretização da razoável duração do processo, a entrega do direito executado
àquela parte cuja titularidade é reconhecida no título executivo e a garantia do
devido processo legal para exequente e o executado, pois deve resolver de
forma plena o conflito de interesses. 22
A direção do processo deve ser exercida pelo juiz porque ele é o sujeito
imparcial – e não desinteressado! – no processo a quem o ordenamento
jurídico confia o exercício da função jurisdicional. O juiz, enquanto agente do
Estado, deve ter o interesse na adequada prestação da tutela jurisdicional. (...).
Para que isso ocorra, preocupa-se o CPC em colocar à disposição do juiz uma
série de poderes e deveres, muitos deles dispostos no art. 139 do CPC/2015.
Os poderes conferidos ao juiz não o colocam em uma posição de superioridade
ou subordinação relativamente aos outros sujeitos do processo, tão pouco em
relação aos advogados e membros do Ministério Público. 23
Sendo assim, pelo princípio da tipicidade dos meios executivos, a escolha da medida
executiva é definida pela lei. No que diz respeito ao princípio da atipicidade dos meios
executivos, porém, faz-se necessário investigar quais são os parâmetros de controle da escolha
fundamentada pelo juiz, que, diga-se de passagem, não é tarefa fácil. Isso porque, um conjunto
de postulados e princípios regem a atuação do órgão julgador, estabelecendo balizas para a
eleição da medida executiva correta.
Com efeito, não se afasta a constitucionalidade das cláusulas gerais executivas, mas
os poderes do juiz são sensivelmente menores em comparação aos do legislador, de forma que,
deliberadamente e sem cumprir requisitos prévios no caso concreto, ele não tem legitimidade
para forçar o adimplemento de obrigações patrimoniais utilizando medidas atípicas que
envolvam a restrição de direitos não-patrimoniais do devedor. Na realidade, o dispositivo do
artigo 139, IV, do CPC estruturou um rol de deveres-poderes pelo qual o juiz se valerá para
dirigir o processo.
Expostas as breves considerações, este ensaio se limitará à discussão doutrinária
jurisprudencial que permeia a aplicação de medidas executivas atípicas especificamente na
execução de obrigação de pagar quantia certa.
22
STJ, Habeas Corpus nº 99.606 – SP, Terceira Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/11/2018.
23
CARVALHO, Fabiano. Código de Processo Civil anotado. Coord. CRUZ E TUCCI, José Rogério; et. all. São
Paulo: Editora RZ, 2016, p. 11/12.
20
24
Nesse sentido: STJ, Habeas Corpus nº 411.519 - SP, rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, disponibilizado
no DJe em 03/10/2017; Recurso ordinário em Habeas Corpus nº 97.876 - SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta
Turma, disponibilizado no DJE em 09/08/2018.
25
ASSIS, Araken de. Cabimento e adequação dos meios executórios “atípicos”. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie
(Coord. geral). Medidas executivas atípicas. São Paulo: Editora Juspodvm, 2018, p. 111/133.
21
sem devida correlação instrumental com a finalidade da atividade executiva, ferindo, e por dois
motivos autônomos, o artigo 5º, LIV, da Constituição Federal.
José Amaury Maia Nunes e Guilherme Pupe Nóbrega argumentam que as medidas
violam direitos fundamentais, pois atingem a liberdade de locomoção do devedor. No entender
desses autores, só se admite a sobreposição desses direitos mediante ponderação. 26
Nesse sentido, Eduardo Talamini afirma que a aplicação das medidas coercitivas
atípicas é tarefa complexa, uma vez que ela deve, a um só tempo, coagir o devedor a pagar e
respeitar o disposto no artigo 8º do Código de Processo Civil. 27
Para Scarpinella Bueno, as medidas executivas atípicas não podem ressurgir contra a
pessoa do devedor, mas tão somente contra seu patrimônio28. Fernanda Tartuce, em entrevista,
afirma que a suspensão de CNH, a apreensão do passaporte e o cancelamento dos cartões de
crédito são iniciativas que acabam atingindo a pessoa do devedor e conclui ser essencial que
elas sejam proporcionais e subsidiárias. 29
Bianca Mendes Pereira Richter e Natália Diniz da Silva sustentam que as decisões que
determinam a apreensão da CNH e passaporte limitam a liberdade de locomoção do executado
e não se harmonizam com as regras do Pacto de São José da Costa Rica, tampouco com a
posição do STF, que proíbe a prisão do devedor civil, com base no controle de
convencionalidade. Desta forma, tais decisões além de afrontarem os princípios próprios da
execução 30, também afrontam a Constituição Federal. 31
26
NUNES, Jorge Amaury Maia; NÓBREGA, Guilherme Pupe. Reflexões sobre a atipicidade das técnicas
executivas e o artigo 139, IV, do CPC de 2015. Migalhas, 2016, agosto. Disponível em
https://www.migalhas.com.br/ProcessoeProcedimento/106,MI243746,21048-
Reflexoes+sobre+a+atipicidade+das+tecnicas+executivas+e+o+artigo+139. Acesso em: 05 de jun. de 2019.
27
TALAMINI, Eduardo. Medidas judiciais coercitivas e proporcionalidade: a propósito do bloqueio do whatsapp
por 48 horas. Migalhas, 2015, dezembro. Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI231699,61044-
Medidas+judiciais+coercitivas+e+proporcionalidade+a+proposito+do. Acesso em: 04 de jun. de 2019.
28
BUENO, Cassio Scarpinella. Cumprimento da sentença e processo de execução: ensaio sobre o cumprimento
das sentenças condenatórias. Disponível em: http://www.scarpinellabueno.com/images/textos-pdf/008.pdf.
Acesso em: 04 de set. de 2019.
29
INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. O polêmico inciso IV do artigo 139 do CPC e suas
difusas interpretações. 2016. Disponível em:
http://www.ibdfam.org.br/noticias/6096/O+pol%C3%AAmico+inciso+IV+do+artigo+139+do+CPC+e+suas+dif
usas+interpreta%C3%A7%C3%B5es#.V8gGuqKh0X4.twitter. Acesso em: 04 de jun. de 2019.
30
Para as autoras, os princípios da execução violados são os da menor onerosidade, da especificidade da execução,
do contraditório e da responsabilidade patrimonial.
31
RICHTER, Bianca Mendes Pereira; SILVA, Natália Diniz. Controle de Convencionalidade: Temas
aprofundados. 1. ed. Salvador: JusPodivm, 2018. v. 1. 720, p. 17.
22
32
Artigo 5º, CF: inciso II: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
inciso XV: é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da
lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; inciso LIV: ninguém será privado da liberdade ou de seus
bens sem o devido processo legal;
33
Artigo 8º, CPC: Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem
comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a
razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
34
Segundo Humberto Theodoro Jr., “é corrente, e correta, a afirmação de que a execução é sempre real, e nunca
pessoal, em razão de serem os bens do executado os responsáveis materiais pela satisfação do direito do
exequente.” Daniel Amorim Assumpção Neves complementa: “é nesse sentido, inclusive, o art. 391 do Código
Civil e o art. 789 do Novo Código de Processo Civil, que consagram de forma expressa o princípio da
patrimonialidade na execução.” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução. 19. Ed. São Paulo:
Leud, 1999, p. 64; DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord. geral). Medidas executivas atípicas. São Paulo: Editora
Juspodvm, 2018, p. 633.)
23
Figura 4: Tendência de julgamento nas 25ª a 32ª Câmaras de Direito Privado do TJ-SP envolvendo as medidas
executivas atípicas do artigo 139, IV
Fonte: Anuário da Justiça de São Paulo 2019. 10 ed. Disponível em: Revista Consultor Jurídico, publicada em 11/09/2019.
Figura 5: Tendência de julgamento nas 33ª a 36ª Câmaras de Direito Privado do TJ-SP envolvendo as medidas
executivas atípicas do artigo 139, IV
Fonte: Anuário da Justiça de São Paulo 2019. 10. ed. Disponível em: Revista Consultor Jurídico, publicada em 11/09/2019.
[...] É preciso ter muito clara a percepção de que o que define uma medida
processual como coercitiva ou punitiva é a sua finalidade imediata
[inegável que como toda e qualquer sanção punitiva, há, sempre, embutida
35
CREPALDI, Thiago. Conheça as tendências do TJ-SP em casos de dívidas e penhora de bens. CONJUR,
setembro, 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-set-09/conheca-tendencias-tj-sp-casos-dividas-
penhoras?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook. Acesso em: 10 de set. de 2019.
24
Para a plena compreensão, importante também se faz distinguir a natureza jurídica dos
institutos das medidas executivas indiretas de coerção psicológica e das sanções civis de
natureza material, de modo a afastar eventual violação ao princípio da patrimonialidade da
execução, conforme ensinamentos da Ministra do STJ, Nancy Andrighi, em acórdão
recentemente proferido:
Neste sentido, Daniel Amorim Assumpção Neves, contribui para esta discussão ao
pontuar que “a sanção civil é decorrência natural e inexorável do descumprimento de uma
obrigação, sendo instituto de direito material e por ele regulamentado”, ao passo que para ele,
“as medidas coercitivas são aplicadas pelo juiz, a depender das circunstâncias do caso concreto,
não em decorrência do inadimplemento da obrigação, mas em razão do descumprimento da
decisão judicial que determinou o cumprimento da obrigação exequenda”. 38
36
RODRIGUES, Marcelo Abelha. O que fazer quando o executado é um cafajeste. Migalhas, 2016, setembro.
Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI245946,51045-
O+que+fazer+quando+o+executado+e+um+cafajeste+Apreensao+de+passaporte. Acesso em: 17 de jun. de 2019.
37
STJ, Recurso Especial nº 1.782.418 – RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 23/04/2019.
38
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Medidas executivas coercitivas atípicas na execução de obrigação de
pagar quantia certa – art. 139, IV, do novo CPC. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord. geral). Medidas executivas
atípicas. São Paulo: Editora Juspodvm, 2018, p. 628-666.
25
Ainda segundo o autor, “a adoção de medidas executivas coercitivas que recaiam sobre
a pessoa do executado não significa que seu corpo passa a responder por suas dívidas”, uma
vez que, na verdade, “são apenas medidas executivas que pressionam psicologicamente o
devedor para que esse se convença de que o melhor a fazer é cumprir voluntariamente a
obrigação” 39
, aduzindo, coerentemente, que as medidas atípicas em questão são meios
coercitivos, e não punitivos.
Luiz Dellore, por sua vez, entende que não há violação à Constituição Federal,
afirmando que tais medidas são cabíveis diante da previsão existente no artigo 139, IV, do CPC,
exceto a suspensão da CNH do motorista profissional. 40
Guilherme Sarri Carreira e Vinicius Caldas da Gama e Abreu condicionam a aplicação
das medidas atípicas ao caso concreto em que foram esgotados os meios típicos de localização
de bens passíveis à penhora e em face de “devedor ostentação” 41, vez que apenas nesta hipótese
tais medidas não teriam caráter punitivo. 42
O professor e desembargador da 34ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, Luiz
Guilherme da Costa Wagner, posiciona-se firmemente em relação à viabilidade da adoção de
medidas executivas atípicas que retirem o devedor de uma “zona de conforto”:
Já o professor Fredie Didier Jr. foi além: para ele, as medidas atípicas podem ser
dirigidas ao executado, a terceiro ou, em determinados casos, ao próprio exequente. O autor
sustenta que o juiz deve aplicá-las de maneira adequada de modo que se alcance o resultado
39
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Medidas executivas coercitivas atípicas na execução de obrigação de
pagar quantia certa: Art. 139, IV, do novo CPC. São Paulo: Revista de Processo n. 264, p. 107-150.
40
DELLORE, Luiz. Atipicidade das medidas executivas já é realidade. JOTA, 2017, abril. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/novo-cpc/ncpc-atipicidade-de-medidas-executivas-ja-e-
realidade-17042017. Acesso em: 17 de jun. de 2019.
41
Expressão utilizada por Thiago Rodovalho, para se referir à situação em que, no caso concreto, não se localiza
bens em nome do devedor, porque blindados por complexas operações societárias e em paraísos fiscais, mas que
na vida real esbanja luxo, pois frequenta bons e caros restaurantes e desfila em carros importados.
42
CARREIRA, Guilherme Sarri; ABREU, Vinicius Caldas da Gama e. Dos poderes do juiz na execução por
quantia certa: da utilização das medidas inominadas. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord. geral). Medidas
executivas atípicas. São Paulo: Editora Juspodvm, 2018, p. 242-273.
43
CREPALDI, Thiago. Conheça as tendências do TJ-SP em casos de dívidas e penhora de bens. CONJUR,
setembro, 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-set-09/conheca-tendencias-tj-sp-casos-dividas-
penhoras?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook. Acesso em: 10 de set. de 2019.
26
pretendido, ao que denomina “critério da adequação”; ainda, deve causar a menor restrição
possível ao executado, respeitando ao “critério da necessidade”; bem como, a medida atípica
deve servir de meio para solução que melhor atenda aos interesses em conflito, ponderando-se
as vantagens e as desvantagens que ela produz, de acordo com o “critério da
proporcionalidade”. Não obstante tais critérios, a decisão que aplica a medida atípica deve ser
devidamente fundamentada, com observância do contraditório, ainda que diferido. 44
O entendimento doutrinário supra acabou repercutindo na seara jurisdicional, tendo
sido amplamente divulgado nas recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça 45, de relatoria
da brilhante Ministra Nancy Andrighi, passando a indicar posicionamento favorável à aplicação
do artigo 139, IV, do CPC, mediante o cumprimento de uma série de critérios a serem
observados no caso concreto, os quais serão detalhadamente expostos no capítulo seguinte.
Nesta senda, revendo seu posicionamento anterior, a fim de alinhar-se ao entendimento
recente traçado pelo STJ, o Desembargador Carlos Henrique Miguel Trevisan, ao analisar o
pedido de bloqueio do passaporte, fez um raciocínio contrário, sob a ótica do credor:
44
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Diretrizes para a concretização das cláusulas gerais executivas dos arts. 139, IV, 297 e 536, § 1º,
CPC. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord. geral). Medidas executivas atípicas. São Paulo: Editora Juspodvm,
2018, p. 308/347.
45
No mesmo sentido: STJ, Recurso Especial nº 1.788.950 – MT, rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma,
julgado em 23/04/2019; STJ, Recurso Especial nº 1.782.418 – RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma,
julgado em 23/04/2019.
46
TJ-SP, Agravo de Instrumento 2050212-30.2019.8.26.0000, rel. Des. Carlos Henrique Miguel Trevisan, 29ª
Câmara de Direito Privado, julgado em 03/05/2019.
27
Deste modo, dispensa-se maior esforço argumentativo, para concluir que o devedor
efetivamente preocupado com o pagamento de sua dívida, sequer sentirá algum efeito negativo
com as medidas coercitivas impostas, já que não pretende realizar gastos vultosos com viagens
ao exterior ou compras não essenciais por meio de cartão de crédito sem antes efetuar o
pagamento do crédito exequendo.
Inclusive, importante frisar que não se tratam de mecanismos destinados aos devedores
que não têm mais condições para honrar qualquer compromisso financeiro ou os que passam
por dificuldades financeiras momentâneas e podem atrasar alguns pagamentos, mas, sim,
àqueles chamados “devedores profissionais”, que são capazes de blindar seu patrimônio contra
os credores com o único objetivo de não serem obrigados a pagar os débitos. 47
Em última análise, exarada ao longo de seu voto, Trevisan fez a seguinte reflexão:
47
ALMEIDA, Marília. Justiça decide tomar de devedor passaporte, CNH e cartões. Seu dinheiro. Revista Exame,
2016, setembro. Disponível em: https://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/justica-decide-tomar-passaporte-cnh-e-
cartoes-de-devedor/. Acesso em: 01 de ago. de 2019.
48
TJ-SP, Agravo de Instrumento nº 2182708-57.2018.8.26.0000, rel. Des. Melo Colombi, 14ª Câmara de Direito
Privado, julgado em 11/10/2018.
28
De uma maneira geral, portanto, o fato é que as medidas executivas atípicas, objeto do
presente ensaio, são (até o presente momento) constitucionais e vêm sendo aplicadas pelo
Superior Tribunal de Justiça e pelos tribunais estaduais, razão pela qual passarei a definir os
requisitos e os limites para sua devida aplicação no caso concreto, conforme o atual
entendimento doutrinário e jurisprudencial.
29
49
Trecho extraído da manifestação da Procuradoria Geral da República, nos autos da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 5941, ajuizada perante o STF pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
30
Em linhas gerias, o magistrado agora conta com outras medidas de apoio à execução,
sendo certo que, para viabilizar a aplicação do dispositivo, serão verificados a existência de
indícios de que o devedor possua patrimônio apto a cumprir a obrigação a ele imposta; o
esgotamento dos meios típicos de cumprimento da sentença e execução; sendo-o aplicado por
meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese
concreta; com observância do contraditório prévio substancial e do princípio da
proporcionalidade.
Segundo a recente jurisprudência e parcela respeitável da doutrina, portanto,
respeitando-se esse contexto, o magistrado está autorizado a adotar medidas que entenda
adequadas, necessárias e razoáveis para efetivar tutela do direito do credor em face de devedor
que, demonstrando possuir patrimônio apto a saldar o débito em cobrança, intente frustrar sem
razão o processo executivo.
É bem verdade que, muitas vezes, o exaurimento dos meios executivos relacionados
no Código significa que o devedor não dispõe de patrimônio com o qual pagar a dívida. Então,
não restará muito o que fazer ao credor. Outras vezes, no entanto, a busca persistente de bens
do devedor não descortina patrimônio sujeito à execução, mas o comportamento social do
executado evidencia o descolamento desse dado com a realidade: sinais de solvência em redes
50
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2016,
p. 289-290.
31
51
STJ, Habeas Corpus nº 478.963, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 14/05/2019.
52
STJ, Recurso Especial nº 1.782.418 – RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 23/04/2019;
no mesmo sentido: STJ, Recurso Especial nº 1.788.950 – MT, rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado
em 23/04/2019.
53
PEIXOTO, Marco Aurélio; BECKER, Rodrigo. Impossibilidade de adoção de medidas atípicas contra
devedores sem sinais de ocultação patrimonial. JOTA, 2019, junho. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-cpc-nos-tribunais/impossibilidade-de-adocao-de-
medidas-atipicas-contra-devedores-sem-sinais-de-ocultacao-patrimonial-13062019#sdfootnote5anc. Acesso: em
03 de ago. de 2019.
32
54
TJ-SP, Agravo de Instrumento nº 2185700-59.2016.8.26.0000, rel. Des. Marcos Ramos, 30ª Câmara de Direito
Privado, julgado em 28/06/2017.
55
STJ, Habeas Corpus nº 453.870, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em
25/06/2019.
56
Decisão proferida nos autos do cumprimento de sentença, processo nº 0114264-90.2001.8.26.0100, pela 4ª Vara
Cível, em 14/06/2019. No mesmo sentido: TJSP, Agravo de Instrumento nº 2178221-78.2017.8.26.0000, rel. Des.
Adilson de Araújo, julgado em 05/12/2017.
57
TJ-SP, Agravo de instrumento nº 2136647-07.2019.8.26.0000, rel. Des. Christine Santini, 1ª Câmara de Direito
Privado, decisão proferida em 25/06/2019.
33
58
STJ, Habeas Corpus nº 478.963, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 14/05/2019.
59
THADEU, Bruno (Ed.). Justiça penhora direito autoral de Belo em ação de Denílson e intima Apple. UOL,
2019. Disponível em: https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2019/07/23/justica-penhora-direito-
autoral-de-belo-em-acao-de-denilson-e-intima-apple.htm. Acesso em: 04 de ago. 2019.
60
STF, Recurso Ordinário em Habeas Corpus, nº 173.332, Rel. Min. Rosa Weber, liminar julgada em 28/08/2019;
61
Nesse sentido: HC nº 81.814 AgR, Rel. Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, DJe 14/06/2002; HC nº 82.880
AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, DJe de 16/05/2003; HC nº 155.981, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de
03/05/2018 e HC nº 99.369 AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, DJe de 16/10/2009.
34
energia e gás e proibiu o acesso à escola de parentes e conhecidos dos ocupantes, até o efetivo
cumprimento da decisão.
Contudo, de acordo com o Protocolo de Istambul, privação de sono e restrição de
acesso à água são técnicas de tortura. A tortura é crime inafiançável e insuscetível de graça e
anistia (artigo 5º, XLIII, CF). Nas palavras de Fredie Didier Júnior: “sendo uma prática
criminosa, por definição, não pode ser uma prática lícita, nem mesmo, e muito menos, sob o
abrigo de uma cláusula geral processual”. 62
É bem verdade que, ao longo da história, o devedor respondia com sua vida pelo
pagamento da dívida, isso porque a obrigação era personalíssima e resultante do vínculo
obrigacional existente entre devedor e credor. 63 Conforme bem pontuado pelas professoras
Bianca Mendes Pereira Richter e Natália Diniz da Silva, com o desenvolvimento do Direito,
essa odiosa forma de cumprimento das obrigações foi afastada, contudo, ainda restam alguns
resquícios desse vínculo histórico, tais como a prisão do depositário infiel (sabiamente afastada
pelo STF) e a prisão do devedor de alimentos. 64
Com efeito, os limites para efetivá-las são definidos de acordo com o caso concreto e
subsidiariamente, após esgotados os meios típicos de satisfação do crédito. Deste modo,
eventual suspensão da CNH, apreensão de passaporte e bloqueio de cartões de crédito devem
ser aplicadas de forma coerente e proporcional. Em outras palavras, tratar genericamente tais
medidas como autorizadas pelo artigo 139, IV, do CPC, beira à irresponsabilidade e à
insegurança jurídica. 65
Ao que me parece, a intenção do legislador ao inserir o dispositivo foi exclusivamente
uma: conceber novos instrumentos de coerção aos protagonistas do processo a fim de que
dediquem-se a romper com esquemas de blindagem de patrimônio notoriamente conhecidos,
que burlam e fraudam o processo executivo e a expectativa de recebimento do crédito pelo
exequente, muitas vezes praticado por devedores profissionais cujo poder aquisitivo é evidente,
mas que deixam de quitar o débito por mero capricho e orgulho.
62
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Diretrizes para a concretização das cláusulas gerais executivas dos arts. 139, IV, 297 e 536, § 1º,
CPC. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord. geral). Medidas executivas atípicas. São Paulo: Editora Juspodvm,
2018, p. 345/346.
63
AZEVEDO, Luiz Carlos de; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Lições de processo civil canônico: história e direito
vigente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
64
RICHTER, Bianca Mendes Pereira; SILVA, Natália Diniz. Controle de Convencionalidade - Temas
aprofundados. 1. ed. Salvador: JusPodivm, 2018. v. 1. 720, p. 9.
65
PEIXOTO, Marco Aurélio; BECKER, Rodrigo. Impossibilidade de adoção de medidas atípicas contra
devedores sem sinais de ocultação patrimonial. JOTA, 2019, junho. Disponível em https://www.jota.info/opiniao-
e-analise/colunas/coluna-cpc-nos-tribunais/impossibilidade-de-adocao-de-medidas-atipicas-contra-devedores-
sem-sinais-de-ocultacao-patrimonial-13062019#sdfootnote5anc. Acesso em: 03 de ago. 2019.
35
CONSIDERAÇÕES FINAIS
66
STJ, Habeas Corpus nº 478.963, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 14/05/2019.
37
67
STJ, Habeas Corpus nº 478.963, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 14/05/2019.
38
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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canônico: história e direito vigente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
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estrela principal -, o art. 139, IV, CPC e o resguardo ao escopo social do processo. In: DIDIER
JÚNIOR, Fredie (Coord.). Medidas executivas atípicas. São Paulo: RT, 2017, p. 227-272.
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execução por quantia certa: da utilização das medidas inominadas. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie
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dos arts. 139, IV, 297 e 536, § 1, CPC. Revista de Processo nº 267. São Paulo: Editora RT,
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GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Editora RT, 1998.
39
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RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de execução civil. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense
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41
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