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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL

ROGÉRIO ANDRADE DE JESUS

COMUNICAÇÃO VISUAL E CORPO NA


FOTOGRAFIA MODERNA: UMA ABORDAGEM SEMIÓTICA
PEIRCEANA SOBRE AS REPRESENTAÇÕES VISUAIS

SÃO BERNARDO DO CAMPO


2019
ROGÉRIO ANDRADE DE JESUS

COMUNICAÇÃO VISUAL E CORPO NA


FOTOGRAFIA MODERNA: UMA ABORDAGEM SEMIÓTICA
PEIRCEANA SOBRE AS REPRESENTAÇÕES VISUAIS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Comunicação Social da Universidade Metodista de
São Paulo (UMESP), área de concentração “Processos
Comunicacionais” e linha de pesquisa “Comunicação
midiática, processos e práticas socioculturais”, como
exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em
Comunicação.
Orientador: Prof. Dr. Herom Vargas Silva.

SÃO BERNARDO DO CAMPO


2019
FICHA CATALOGRÁFICA

J499c Jesus, Rogério Andrade de


Comunicação visual e corpo na fotografia moderna: uma
abordagem semiótica peirceana sobre as representações
visuais / Rogério Andrade de Jesus. 2019.
126 p.

Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) --Diretoria


de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Metodista de São
Paulo, São Bernardo do Campo, 2019.
Orientação de: Herom Vargas Silva.

1. Comunicação visual 2. Semiótica 3. Peirce, Charles


Sanders, 1839-1914 – Crítica e interpretação 4. Fotografia –
Século 20 5. Corpo humano 6. Representação visual I. Título.
CDD 302.2
FOLHA DE APROVAÇÃO

A dissertação de mestrado sob o título “COMUNICAÇÃO VISUAL E CORPO NA


FOTOGRAFIA MODERNA: UMA ABORDAGEM SEMIÓTICA PEIRCEANA SOBRE AS
REPRESENTAÇÕES VISUAIS”, elaborada por ROGÉRIO ANDRADE DE JESUS, foi
apresentada e defendida em 03 de abril de 2019, perante a banca examinadora composta pelo
Prof. Dr. Herom Vargas Silva (Presidente/UMESP), Prof. Dr. Roberto Chiachiri
(Titular/UMESP) e Profa. Dra. Míriam Cristina Carlos Silva (Titular/UNISO), tendo sido:

( ) Reprovada
( ) Aprovada, mas deve incorporar nos exemplares definitivos modificações sugeridas pela
banca examinadora, até 60 (sessenta) dias a contar da data da defesa.
( X ) Aprovada
( ) Aprovada com louvor

_____________________________________________
Prof. Dr. Herom Vargas Silva
Orientador e Presidente da Banca Examinadora

______________________________________________
Prof. Dr. Luiz Alberto de Farias
Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social


Área de concentração: Processos Comunicacionais
Linha de pesquisa: Linha 1 – Comunicação midiática, processos e práticas socioculturais
Agradecimentos

A presente pesquisa teve o apoio financeiro da CAPES (Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e do Programa de Pós-
Graduação da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP).
Primeiramente, sou grato a meu orientador, Prof. Dr. Herom Vargas, pelos
ensinamentos e acompanhamento constantes, pela liberdade de pesquisa e
opiniões sinceras.

Pelas contribuições ao trabalho, meus agradecimentos às professoras: Dra.


Magali Cunha e Dra. Cicilia Peruzzo. Pela confiança, agradeço ao Prof. Dr.
Sebastião Squirra. Pelos ensinamentos, agradeço aos professores: Dr. José
Salvador Faro, Dra. Elizabeth Gonçalves, Dra. Marli dos Santos, e a todos
os professores anteriormente citados. Sou grato também ao Prof. Dr.
Roberto Chiachiri, a Profa. Dra. Míriam Carlos Silva e ao Scholar Vinícius
Romanini.

Pelos comentários, leituras, revisões e, sobretudo, pela amizade, agradeço a


Angela Miguel e Marcelo Sarra. Por tantas outras contribuições e bons
momentos, agradeço aos meus colegas do Poscom.

As palavras não podem expressar minha gratidão a, meu irmão, Gilberto


Andrade de Jesus. Sem você nada disso seria possível.

Com carinho, dedico este trabalho a Isabel Maria Pires de Jesus.


RESUMO

O presente trabalho dedica-se ao estudo dos processos de significação e comunicação visual,


referentes à interpretação das imagens fotográficas, em que à figura humana apresenta-se
como um elemento essencial. A Doutrina dos Signos de Charles S. Peirce é a principal base
teórica para a compreensão dos modos de funcionamento desses processos, bem como para o
entendimento de suas decorrências e implicações. Um inventário sobre os estudos visuais,
acompanhado de um amplo desenvolvimento do conceito de cultura visual, soma-se ao
quadro teórico da pesquisa como apoio de sua fundamentação. O recorte empírico trata
primordialmente, embora não exclusivamente, da Fotografia Moderna, sobretudo, da obra de
Richard Avedon e Irving Penn. Por meio desse percurso metodológico, a pesquisa pretende
apresentar novas perspectivas sobre os processos de significação e comunicação relativos ao
corpo humano e suas implicações para a cognição e interpretação das representações visuais.

Palavras-chave: Comunicação visual; Semiótica peirceana; Fotografia moderna; Corpo


humano; Representação visual.
ABSTRACT

This research is dedicated itself to the study of the processes of signification and visual
communication, referring to the interpretation of photographic images, in which the human
figure is an essential element. The Peirce’s Doctrine of Signs is the main theoretical basis for
understanding the modes of functioning of these processes, as well as for understanding their
consequences and implications. An inventory of visual studies, along with a broad
development of the concept of visual culture, is added to the theoretical structure of the
research as support of its foundation. The empirical section analyzes primarily, but not
exclusively, of Modern Photography, focusing on the work of Richard Avedon and Irving
Penn. Through this methodological course, the research intends to conceive new perspectives
about the processes of signification and communication concerning to the human body and its
implications for the cognition and interpretation of visual representations.

Key-words: Visual communication; Peircean semiotics; Modern photography; Human body;


Visual representation.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Harold E. Edgerton. Jogador de ténis (1938) 93


Figura 2 Richard Avedon. Veruschka (1967) 93
Figura 3 Elliott Erwitt. Section around tenth street bridge across
Monongahela river (1950) 95
Figura 4 Richard Avedon. Bob Dylan (1963) 95
Figura 5 Robert Doisneau. Cão com rodas (1977) 96
Figura 6 Irving Penn. O garçom (1950) 96
Figura 7 Rafael Sanzio. Senhora com unicórnio (1506) 99
Figura 8 Leonardo da Vinci. Dama com arminho (1489/90) 102
Figura 9 Eugene Delacroix. Autorretrato (1837) 104
Figura 10 Theodore Gericault. Estudo sobre um modelo (1818/19) 106
Figura 11 Richard Avedon. Janis Joplin (1969) 109
Figura 12 Richard Avedon. Dovima com elefantes (1955) 111
Figura 13 Irving Penn. Audrey Hepburn (1951) 114
Figura 14 Irving Penn. Marcel Duchamp (1948). 116
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

NOTA BIBLIOGRÁFICA E LISTA DE ABREVIAÇÕES 15

CAPÍTULO 01 – PERSPECTIVA EPISTEMOLÓGICA DA


LINGUAGEM E DA COMUNICAÇÃO VISUAL 16
1.1. Sobre linguagem 16
1.2. Linguagem e cognição: as três dimensões da linguagem e
do pensamento 19
1.3. Linguagem e comunicação visual 24
1.4. A dimensão sintática da linguagem e da comunicação visual 25
1.5. Elementos conceituais 29
1.5.1. Moldura 29
1.5.2. Planos 31
1.5.3. Ponto de vista 32
1.5.4. Posicionamento 33
1.6. Variáveis visuais 34
1.6.1. Variáveis morfológicas 34
1.6.2. Variáveis cromáticas 35
1.6.3. Variáveis topológicas 36
1.6.4. Variáveis ópticas 37
1.7. Dimensão semântica da linguagem visual 38
1.8. Dimensão pragmática da linguagem visual 43

CAPÍTULO 02 – CULTURA VISUAL E PREDOMINÂNCIA DO


CORPO/FIGURA HUMANA 46
2.1. Imagem e representação 46
2.2. Continuum cultural e a teoria dos interpretantes 49
2.3. Rupturas culturais da imagem fotográfica 54
2.4. Continuidades culturais da imagem fotográfica e a
representação da figura humana 58
CAPÍTULO 03 – A REPRESENTAÇÃO DO CORPO/FIGURA
HUMANA E A CONVERGÊNCIA DAS INFORMAÇÕES VISUAIS 63
3.1. A figura humana e a convergência das informações visuais 63
3.2. Sobre a significação sintática 67
3.2.1. Os hipoícones e o conceito de metáfora 70
3.2.2. A função da metáfora na significação dos elementos
sintáticos 73
3.2.3. A metáfora e a significação das variáveis visuais 76
3.3. Sobre a significação semântica 78
3.3.1. O conceito de metonímia e a significação semântica 80
3.4. A significação simbólica do corpo e dos objetos 83

CAPÍTULO 04 – ANÁLISE SEMIÓTICA E COMPARATIVA 89


4.1. Sobre o conceito de fotografia moderna 89
4.2. Aspectos preliminares sobre o método científico e análise
comparativa 90
4.2.1. Figuratividade do corpo humano na representação visual 93
4.2.2. Função de destaque do corpo humano na representação
Visual 95
4.2.3. Expressividade narrativa do corpo humano na representação
Visual 96
4.3. Análise semiótica de imagens pictóricas e fotográficas 97
4.3.1. Renascimento 99
4.3.2. Romantismo 104
4.3.3. Fotografia Moderna 109

CONSIDERAÇÕES FINAIS 119

REFERÊNCIAS 123
INTRODUÇÃO

O surgimento da fotografia, ainda na primeira metade do século XIX, foi um dos


principais elementos responsáveis pelo início de uma profunda reestruturação dos paradigmas
visuais que prevaleciam nas sociedades ocidentais desde, pelo menos, o início do período da
Renascença. Antes do advento da fotografia, os principais debates a respeito da importância
das imagens ocorriam por meio de comparações entre as artes. Em especial, um destes
debates se deu sob a forma de oposição “entre duas artes em particular, a poesia e a pintura”
(LICHTENSTEIN, 2008, p. 9) em uma controvérsia conhecida como Ut pictura poesis (a
poesia é como a pintura). Esta discussão apresentava um confronto de valores entre as artes
visuais, às quais, por um lado, se atribuía a condição de simples técnicas mecânicas de
representação e mimese da realidade, e, por outro lado, eram associadas às artes intelectuais,
ou seja, à poesia e à música, que naquele momento eram compreendidas como artes do
intelecto e da razão. Nosso interesse a respeito de tais debates estéticos deve-se ao fato de
que, após o surgimento da fotografia, grande parte destes discursos pejorativos são
transferidos da pintura para a fotografia. Mas, além dos discursos, muitas práticas, técnicas e
recursos estéticos, oriundos das artes plásticas, são apropriados pelo campo fotográfico.
A presente pesquisa, apoiada nos estudos sobre história da arte e antropologia visual
de Hans Belting (2007; 2009) Jean-Marie Schaeffer (2008) e Jacqueline Lichtenstein (2008),
reconhece a representação da figura humana como um aspecto central da arte ocidental, no
que diz respeito às artes visuais, sobretudo a pintura. Segundo tais estudos, o corpo humano
apresenta-se como o principal elemento de continuidade cultural entre os aspectos de
convergência das representações pictóricas e fotográficas.
A representação figurativa do corpo humano, que se manifesta de forma predominante
na contemporaneidade, coloca em continuidade uma longa tradição de prevalência da
figuratividade do corpo. Concebemos que essa tendência se consolida, de certa forma, a partir
do Renascimento, mas que remonta a aspectos presentes na cultura, provavelmente, desde a
antiguidade. Segundo Hans Belting (2007, p. 111), “a história da representação humana tem
sido a da representação do corpo e ao corpo se tem atribuído um jogo de funções, enquanto
suporte de um ser social”. Isto é, a história das técnicas e formas de representação visual
poderiam ser descritas como a história da representação do corpo/figura humana, devido à sua
predominância histórica entre temas visualmente representados, sendo atribuída a essa figura
humana diferentes funções sociais nas diferentes culturas e em diferentes épocas.

11
Jean Marie Schaeffer (2008) parece corroborar a tese de Hans Belting, muito embora
evite os aspectos antropológicos de suas argumentações. Schaeffer propõe uma considerável
ampliação da importância da representação humana que a posiciona como motivadora da
importância da imagem na cultura, afirmando que “a importância da imagem em nossa
tradição cultural liga-se ao fato de ela ser o lugar do pensamento do corpo” (SCHAEFFER,
2008, p. 127). É importante observar que, nessa perspectiva, não é a imagem que permite a
representação do corpo, mas sim a representação da figura humana que institui o valor da
imagem e permite a formação de uma tradição visual figurativa.
A proposta central da pesquisa parte do princípio de que essa predominância da figura
humana no campo das representações visuais tem influência sobre nossa forma de
interpretação visual das imagens em que o corpo humano se faz presente. Como decorrência
dessa influência, concebemos que as informações visuais presentes na imagem fotográfica são
associadas à figura humana como qualidades de sua representação. Para que tal processo de
convergência possa ocorrer de forma consistente, três aspectos devem ser observados: (1) a
figuratividade do corpo humano, isto é, precisa se assemelhar a nosso modo de percepção
visual; (2) a função de destaque na representação visual, quer dizer, precisa ser o elemento
principal da imagem, e; (3) expressividade narrativa, ou seja, a figura humana precisa ser o
elemento visual responsável pelo desenvolvimento da narrativa.
Por esse motivo, este trabalho concentra seus esforços empíricos sobre as imagens
fotográficas do período moderno e do gênero retrato. Nessa confluência de caraterísticas
visuais encontram-se as condições ideais da figuratividade do corpo, as disposições plenas da
narrativa fotográfica e a completa consciência das qualidades expressivas e subjetivas do
suporte fotográfico na condição de mídia comunicacional e objeto estético.
A corrente Semiótica Peirceana servirá como base teórica para a compreensão desses
processos de interpretação visual e de incorporação das informações à figura humana. Para
tanto, a doutrina dos signos de Charles Peirce nos proporciona três contribuições
fundamentais: (1) a sistematização dos diferentes tipos de informações visuais, baseadas nas
categorias de primeiridade, secundidade e terceiridade, em três níveis ou planos
comunicacionais, isto é, o sintático, o semântico e o simbólico; (2) compreensão sistemática
da influência da metáfora, da metonímia e dos símbolos, na condição de signos genuínos ou
degenerados, para os processos de significação visual; (3) função dos interpretantes lógicos na
associação das informações visuais à figura humana, devido á predominância cultural da
representação do corpo e da cristalização de hábitos cognitivos de interpretação.

12
O presente estudo assume como hipótese de pesquisa a noção de que a representação
da figura humana se estabeleceu historicamente como um aspecto predominante da cultura
ocidental, fenômeno intensificado com o advento da fotografia e a ascensão dos meios de
comunicação de massa e da cibercultura. Essa preponderância cultural do corpo – um dos
elementos que fundamentam os processos de comunicação e significação visual – exerce
influência sobre nossa percepção e na maneira como interpretamos as imagens.
As informações visuais contidas no suporte fotográfico, em que a representação visual
se refere à figura humana, não seriam apenas destinadas ao observador, por meio da relação
emissor/mensagem/receptor do paradigma clássico da comunicação. Em um nível mais
elaborado de nosso processo de cognição, designado como conhecimento simbólico, as
informações visuais convergem ao corpo integrando-se a ele, sendo esse nível ou processo
preponderante em relação aos demais, uma vez que a elaboração simbólica se encontra na
camada mais emergente dos processos de cognição.
Dessa maneira, tanto as informações relativas aos demais elementos do plano de
conteúdo, quanto às informações pertinentes aos elementos formais do plano de expressão das
imagens fotográficas seriam associadas ao corpo como aspectos denotativos e conotativos de
sua representação visual.
Para analisar a viabilidade dessa hipótese, bem como de seus pressupostos e
decorrências, a presente pesquisa estrutura-se em quatro capítulos. O primeiro é dedicado aos
fundamentos dos estudos de linguagem e de comunicação visual com o objetivo de apresentar
as noções básicas sobre as relações entre os conceitos de signo, linguagem e cognição que
irão embasar teoricamente a pesquisa. Também trata dos fundamentos da comunicação visual
e, por meio de um inventário desses estudos, constitui os fundamentos das categorias
analíticas que devem ser utilizadas no último capítulo, referente à análise das imagens
fotográficas e pictóricas.
O segundo capítulo trata do conceito de continuum cultural (estrutura constituída por
duas forças polares, isto é, tendência à continuidade ou ruptura) e da predominância do corpo
no âmbito das representações visuais, sendo à figura humana reconhecida como o principal
elemento de continuidade cultural no campo das representações visuais figurativas.
O terceiro capítulo é dedicado ao estudo das implicações da predominância do corpo
humano no âmbito das representações artísticas e midiáticas para os processos de
interpretação visual e de associação das informações visuais à figura humana. Aqui, os
fundamentos da semiótica peirceana servem de base para a compreensão dos processos
cognitivos de percepção visual e dos processos socioculturais de produção de sentido.

13
Por fim, o quarto e último capítulo circunscreve a parte empírica da pesquisa, sendo
destinado à análise das imagens e à demonstração prática da viabilidade da hipótese adotada.
Devido à necessidade de utilizar diferentes métodos de análise, a metodologia de
pesquisa demanda alguns esclarecimentos específicos. Para o desenvolvimento da pesquisa
proposta, na área de Comunicação Social, será necessária a utilização combinada de pesquisa
bibliográfica, análise comparativa e análise semiótica.
A parte de pesquisa bibliográfica refere-se aos três primeiros capítulos do estudo. O
capitulo final utilizará duas formas de análise, a análise comparativa e, posteriormente, a
semiótica. O método comparativo se faz necessário para demonstrar a viabilidade dos
pressupostos que fundamentam a hipótese de pesquisa. A análise semiótica diz respeito à
compreensão dos diferentes planos de significação visual e da associação dos diferentes tipos
de informações visuais à figura humana.
Uma vez que a parte empírica da pesquisa encontra-se circunscrita à fotografia
moderna, mais especificamente ao gênero retrato, foram selecionadas imagens de dois
fotógrafos representativos deste período e gênero: Richard Avedon (1923-2004) e Irving Penn
(1917-2009). Visto que a parte destinada à análise comparativa visa demonstrar a efetividade
dos três pressupostos da hipótese de pesquisa, as imagens dos dois fotógrafos mencionados
serão contrapostas a outras imagens de fotógrafos pertencentes ao estilo e ao período
moderno, sendo as fotografias de Richard Avedon e Irving Penn responsáveis por demonstrar
a efetividade dos pressupostos da hipótese de pesquisa, enquanto as demais imagens devem
representar os aspectos de sua inviabilidade.
A análise semiótica diz respeito à manifestação dos três planos de significação visual,
à associação das informações visuais à figura humana e à constatação das continuidades
culturais nos processos de significação. Por este motivo, antes de serem analisados os retratos
de Richard Avedon e Irving Penn, iremos recorrer à análise de imagens de renomados artistas
do Renascimento e do Romantismo, notadamente, Leonardo da Vinci, Rafael Sanzio, Eugene
Delacroix e Theodore Gericault. Por fim, vale esclarecer que os períodos do Renascimento e
Romantismo foram selecionados por dois motivos: por ser o Renascimento o período no qual
os processos culturais e estéticos, que estabeleceram o corpo como um elemento
predominante no âmbito das representações visuais, se consolidam ou ao menos tornam-se
mais consistentes; por ser o Romantismo o período no qual surge a fotografia, portanto, sendo
este o último momento histórico em que se pode observar as características das imagens
pictóricas de maneira independente do impacto produzido pela modernidade e pelo advento
da fotografia. Ressaltamos ainda que não foram selecionadas imagens fotográficas anteriores

14
ao período moderno, pois, nestas imagens os três pressupostos da presente hipótese de
pesquisa ainda não haviam se estabelecido substancialmente.

NOTA BIBLIOGRÁFICA E LISTA DE ABREVIAÇÕES

A obra de Peirce é convencionalmente citada, segundo normas internacionalmente


aceitas, da seguinte maneira:

CP – indica os Collected Papers – seguido dos números do volume e parágrafo.


EP – indica os dois volumes do The Essential Peirce – seguido dos números do
volume e página.
MS e L – indicam os manuscritos inéditos de Peirce editados por R. Robin – seguido
do número do manuscrito.
SS – indica a correspondência entre Charles Peirce e Lady Welby – seguido por
numero da página e ano.

15
CAPÍTULO 01 – PERSPECTIVA EPISTEMOLÓGICA DA LINGUAGEM E DA
COMUNICAÇÃO VISUAL

Passa uma borboleta por diante de mim


E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem mesmo movimento,
Assim como as flores não tem perfume nem cor,
A cor é que tem cor nas asas da borboleta,
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.

Alberto Caeiro. O Guardador de rebanhos.

1.1. Sobre linguagem

O conceito de linguagem apresenta-se multifacetado e dinâmico, uma vez que sua


definição muda de acordo com o contexto ou o referencial teórico utilizado. No entanto, a
definição apresentada por Lotman (1978, p. 35) nos chama a atenção por sua simplicidade e
clareza. Nas palavras do autor, “por linguagem entendemos todo o sistema de comunicação
que utiliza signos ordenados de modo particular”. Portanto, nesta perspectiva, a noção de
linguagem encontra-se indissociável da noção de signo, sendo que apenas por meio da ação
dos signos as linguagens podem se estruturar e/ou se apresentar a experiência humana.
A semiótica é o campo da ciência que se ocupa do estudo das linguagens, porém é
importante chamar a atenção para o fato de que as pesquisas do campo se desenvolvem a
partir de dois segmentos, ou seja, de um lado, os signos estritamente linguísticos, e de outro, o
conjunto total dos signos, respectivamente estudados pela semiologia. O termo “semiologia”
foi proposto por Ferdinand de Saussure em sua célebre obra Curso de linguística geral1 e
referia-se a uma ciência, ainda por existir, que deveria estudar o funcionamento social dos
signos. Sendo os signos linguísticos apenas um tipo específico de linguagem dentro de um
leque muito mais amplo de linguagens estudadas pela semiologia. Nas palavras do próprio
autor:

Pode-se, então conceber uma ciência que estude a vida dos signos no seio da
vida social; ela constituiria uma parte da Psicologia social e, por
conseguinte, da Psicologia geral; chama-la-emos de Semiologia (do grego
semeîon, “signo”). Ela nos ensinará em que consistem os signos, que leis os
regem. Como tal ciência não existe ainda, não se pode dizer o que será; ela

1
Obra póstuma publicada pela primeira vez em 1916, três anos após sua morte, publicada em seu nome, mas
editada por Charles Bally e Albert Sechehaye a partir de anotações feitas por seus alunos em seus cursos

16
tem direito, porém, à existência; seu lugar está determinado de antemão. A
Linguística não é senão uma parte dessa ciência geral; as leis que a
Semiologia descobrir serão aplicáveis à Linguística, e esta se achará dessarte
vinculada a um domínio bem definido no conjunto dos fatos humanos
(SAUSSURE, 2012, p. 47-48).

As teorias de Saussure foram decisivas para o advento do “estruturalismo linguístico”,


uma vertente das ciências humanas que compreende a realidade social a partir de um conjunto
de relações formais essenciais (estruturas) que sustentam todas as ações, pensamentos,
sentimentos e percepções dos indivíduos na esfera social, sendo a linguagem verbal esta
estrutura elementar. No entanto, a corrente pós-estruturalista foi responsável por uma
considerável mudança nos paradigmas dos estudos de linguagem que vigoraram a partir de
Saussure e de outros linguistas como Louis Hjelmslev e Roman Jakobson. Em geral as teorias
pós-estruturalistas tendem a preconizar a independência entre as linguagens verbais e não
verbais e a relativizar a influência da língua sobre os demais sistemas de linguagem. Desta
forma, a partir do final da década de 1960 com o avanço das perspectivas pós-estruturalistas,
as teorias semiológicas passam a ocupar uma posição de destaque em detrimento das teorias
linguísticas e os estudos sobre as linguagens não verbais – artes visuais, música, fotografia,
cinema, moda, gestos, corpo, entre outras – tornam-se predominantes.
O termo semiologia é substituído pelo termo semiótica a partir de 1969, quando a
Associação Internacional de Semiótica, por intermédio e iniciativa de Roman Jakobson,
decide “adotar semiótica como termo geral do território das investigações da semiologia e da
semiótica geral” (NÖTH, 2003, p. 24), tendo sido votada em assembleia a unificação do
termo, no Congresso Internacional de Semiótica de 1974, ocorrido em Milão, sobre a
presidência de Umberto Eco e vice-presidência de Décio Pignatari.
Sendo a semiótica a ciência geral dos signos, isto é, a ciência que investiga todas as
linguagens e o funcionamento dos diferentes sistemas de signos, é preciso dizer que existem
ao menos quatro correntes semióticas, sendo: a filosofia semiótica ou doutrina dos signos, de
Charles S. Peirce; a corrente francesa, fortemente influenciada pelo estruturalismo linguístico
de Saussure e ampliada por teóricos como Hjelmslev, Barthes, Eco, entre outros; a semiótica
da cultura, formulada a partir das teorias do formalismo russo, e; a corrente da semiótica
tensiva, também chamada de semântica estrutural, desenvolvida por Algirdas J. Greimas e
dedicada essencialmente aos processos de significação. Nosso posicionamento na presente
pesquisa vincula-se predominantemente à perspectiva semiótica da doutrina dos signos de
Charles Peirce.

17
Antes de adentrarmos no âmbito específico das linguagens visuais, iremos considerar
os aspectos gerais comuns a todas as linguagens para posteriormente observar as
particularidades pertinentes à estruturação e funcionamentos dos sistemas de signos
estritamente visuais. O primeiro aspecto a respeito dos estudos de linguagem que se impõem
com considerável relevância, refere-se aos níveis ou dimensões dos sistemas semióticos.
Peirce afirma que toda linguagem possui três ramos, ou planos de articulação, isto é, uma
gramática de signos, uma lógica de significação desse sistema de signos e uma retórica
relativa à sua capacidade de produção de sentido (EP 2:160). Portanto, o estudo sobre as
linguagens encontra-se dividido em três partes, sendo: a gramática especulativa, ou seja, “a
teoria geral da natureza e significados dos signos”2 (CP 1.191); a lógica crítica, referente ao
sentido da representação na qualidade de “teoria das condições de verdade” 3 (CP 2.93); a
retórica universal, que diz respeito “ao estudo dos efeitos dos signos sobre seus interpretes”
(Romanini, 2006, p. 35), ou seja, “as condições gerais da relação dos símbolos e outros signos
com seus interpretantes”4 (CP 2.93).
Desta concepção triádica sobre a semiótica, oferecida por Peirce advém à formulação
de Charles Morris a respeito das dimensões da linguagem. Para Morris (1976, p. 17-18), a
representação sígnica pode ocorrer de três maneiras: “a relação formal dos signos entre si”; “a
relação dos signos com os objetos aos quais são aplicáveis”; a relação dos signos com seus
interpretantes (isto é, com seus efeitos de comunicação), respectivamente denominadas
dimensão sintática, dimensão semântica e dimensão pragmática. Assim, a determinação dos
signos que compõem a gramática de uma linguagem, bem como a observação de sua forma de
estruturação refere-se ao plano sintático desse sistema de signos. Por outro lado, as relações
de significação que ocorrem como consequência dos processos de representação entre um
signo e um objeto, ou melhor, entre um signo e as qualidades denotáveis de um objeto,
referem-se a seu plano semântico. Por fim, as condições gerais das relações dos signos com
suas possibilidades de interpretação e atribuição de novos sentidos constitui seu plano
pragmático. Morris (1976) se refere a estes conceitos da seguinte forma:

Quanto aos três correlatos da relação triádica da semiose – veículo do signo,


“designatum” e intérprete –, um certo número de outras relações diáticas
pode ser abstraído para estudo. Podem-se estudar as relações dos signos
com os objetos aos quais eles são aplicáveis. Chamar-se-á esta relação a
dimensão semântica da semiose, simbolizada pelo sinal “Dsem”; o estudo

2
Texto original: “the general theory of the nature and meanings of signs”. Todas as traduções de citações em
idioma estrangeiro foram feitas pelo autor.
3
Texto original: “theory of the conditions of truth”.
4
Texto original: “the general conditions of the reference of Symbols and other Signs to the Interpretants”.

18
dessa dimensão chamar-se-á semântica. Ou o tema de estudo pode ser a
relação dos signos com os interpretes. Essa relação chamar-se-á dimensão
pragmática da semiose, simbolizada por “Dp” e o estudo dessa dimensão
chamar-se-á pragmática. Ainda não apresentamos outra importante relação
dos signos: a relação formal dos signos entre si [...]. Essa terceira dimensão
chamar-se-á a dimensão sintática da semiose, simbolizada por “Dsim”, e o
seu estudo chamar-se-á sintaxe (MORRIS, 1976, p. 17-18).

Portanto, Morris concebe três possíveis relações sígnicas da linguagem constituídas a


partir da concepção triádica de Charles Peirce que define a semiótica como um campo
formado por três segmentos, respectivamente denominados como, gramática, lógica e
retórica. Estas três dimensões ou níveis da linguagem servirão de base para nossa formulação
futura sobre a linguagem visual. Portanto, constados os fundamentos da linguagem de forma
geral, iremos seguir adiante para refletir sobre as relações entre linguagem, cognição e
informação.

1.2. Linguagem e cognição: as três dimensões da linguagem e do pensamento

Partindo da concepção de que nossa compreensão empírica ou racional/lógica do


mundo e das coisas é necessariamente mediada pela ação dos signos (CP 6.338), devemos
conceber como intrínseca a relação entre cognição e linguagem. “Pensamento e linguagem
são atividades inseparáveis: o pensamento influencia a linguagem e esta incide sobre o
pensamento” (PLAZA, 2013, p. 19). Os processos de cognição que balizam a compreensão do
homem sobre o mundo que o rodeia, encontram-se circunscritos pelas “limitações da
linguagem” e apenas pela mediação da linguagem torna-se possível estabelecer relações entre
a “consciência e o real” (PLAZA, 2013, p. 19).
A compreensão empírica e racional da realidade relaciona-se ao estudo das categorias
universais que remontam ao problema do conhecimento em Platão e Aristóteles,
posteriormente retomado por Kant e Hegel (EP 2:148) e, por fim, concebido por Peirce sob a
forma de três categorias irredutíveis e universais que foram nomeadas por ele, na “Nova
Lista” de 1867, como Qualidade, Relação e Representação (CP 1.555). Posteriormente, as
categorias peirceanas foram renomeadas, pelo próprio autor, como primeiridade, secundidade
e terceiridade. O conceito de categoria refere-se a modelos de conformidade da natureza e da
realidade às funções lógicas do pensamento, aos quais todos os fenômenos estariam
subordinados por meio da experiência. Assim, as categorias dizem respeito a estruturas que
orientam procedimentos de redução do múltiplo da experiência em unidades inteligíveis
mínimas, tornando possível o entendimento do mundo e o conhecimento das coisas.

19
A primeiridade é a categoria das qualidades e dos sentimentos, das possibilidades e de
tudo que é imediato e independente de outros fenômenos (EP 2:160; CP 8.328). A
secundidade é a categoria das relações, da existência e das reações, é o plano “da experiência
no tempo e no espaço”5 (NÖTH, 1995, p. 41). Por fim, a terceiridade é a categoria da
representação, da mediação e da semiose, corresponde ao âmbito da ordem, da generalidade,
das regras, dos hábitos, da inteligência e da comunicação (ROMANINI, 2006, p. 83).
As categorias peirceanas são fundamentadas na lógica, a priori, e na fenomenologia, a
posteriori. Assim, a fenomenologia possibilitou que a estética fosse concebida como a
primeira das disciplinas no âmbito das ciências normativas, seguida pela ética e pela lógica
(CP 5.36). Disto decorre que há um princípio estético e perceptivo na fundação das categorias
e de todo o conhecimento, princípio este que levou Peirce a afirmar que “os elementos de todo
conceito entram no pensamento lógico pelo portão da percepção”6 (CP 5.212). Por meio da
aproximação entre o conceito de estética e a categoria da primeiridade, podemos conceber a
percepção como uma faculdade indispensável à aquisição de conhecimento e como mediadora
entre a esteticidade do mundo e de nossa capacidade de apreensão das qualidades e
impressões de sentido. O conceito de percepção e suas decorrências na intersecção entre
pensamento e linguagem são muito importantes para que possamos compreender como se
estabelecem as dimensões da linguagem e serão bastante relevantes mais adiante para o
estudo da linguagem visual.
Para além da linguagem, o campo da psicologia cognitiva analisa os modos de
processamento da informação e os processos de codificação/decodificação que implicam na
transmissão e aquisição de conhecimento. Trata-se de um campo interdisciplinar que
congrega diferentes disciplinas visando compreender as relações existentes entre a linguagem,
a cognição e o tratamento da informação.
Abraham Moles (1978) analisa diversos aspectos das relações possíveis entre
informação e percepção. O autor se posiciona de forma crítica frente às teorias da
comunicação que preconizam a relação entre quantidade de dados e o aumento da informação,
como por exemplo, a teoria matemática da comunicação de Shannon e Weaver. Sua
perspectiva, defende a relação entre qualidade e aumento da informação, ou seja, a
originalidade da informação como conceito chave para a superação do conceito que vincula
quantidade de dados e aumento da informação. Moles (1978, p. 189) afirma a existência de
dois tipos de informação, a semântica e a estética. Em suas próprias palavras:

5
Texto original: “and experience in time and space”.
6
Texto original: “The elements of every concept enter into logical thought at the gate of perception”.

20
Somos assim levados a pôr em evidência, no conjunto das mensagens, a
existência de dois pontos de vista sobre a mensagem, correspondendo a dois
tipos de informação:
- ponto de vista semântico, lógico, estruturado, enunciável, traduzível,
preparando ações;
- ponto de vista estético, intraduzível, preparando estados.

A informação semântica possui um caráter essencialmente “utilitário, mas sobretudo


lógico aderindo ao ato de significação. No estágio da linguagem, obedece às leis da lógica
universal: é logística, no sentido de que suas regras, seus símbolos, são universalmente aceitos
por todos os receptores da mensagem” (MOLES, 1978, p. 191). Por sua vez, a informação
estética não tem caráter utilitário ou de intencionalidade.

A informação estética é pois específica ao canal que a transmite, encontrando-


se gravemente alterada por uma mudança de um canal para outro; uma
sinfonia não “substitui” um desenho animado, é diferente na sua essência. A
informação estética não é portanto traduzível, sendo apenas transportável
aproximadamente (MOLES, 1978, p. 193-194).

Embora Abraham Moles não seja um autor ligado às pesquisas semióticas e nem
mesmo à filosofia peirceana, julgamos ser conveniente destacar estes aspectos de sua teoria da
informação, visto que seu conceito de informação estética possui proximidade com aspectos
da categoria peirceana da primeiridade, ao mesmo tempo em que seu conceito de informação
semântica possui semelhança com a noção de dimensão semântica desenvolvida por Morris.
A respeito da relação entre informação e cognição, Pierre Lévy (2014, p. 97) defende a
existência de uma hierarquia de formas de codificação e tratamento da informação que
corresponde a uma estrutura em camadas. Segundo o autor, são três níveis de hierarquia,
sendo: (1) a camada orgânica; (2) a camada fenomênica, e; (3) a camada simbólica. A
primeira camada ou nível orgânico refere-se à codificação da informação no âmbito biológico
ou molecular. A segunda camada ou nível fenomênico corresponde aos produtos da cognição
sensorial. O termo fenômeno advém do grego phaínein, e refere-se àquilo que se apresenta
aos sentidos. Esta camada possui dois planos de ação: o primeiro relacionado à categorização
dos estímulos sensoriais e o segundo é relativo à interpretação e atribuição de sentido
semântico ao estímulo anteriormente categorizado. No primeiro caso, referente à
categorização dos estímulos sensoriais, um determinado estímulo visual é classificado como
pertencente à visão, ou ainda, um estímulo auditivo é classificado como pertencente à
audição, e assim por diante. Já no segundo caso, relativo à interpretação e atribuição de

21
sentido, trata-se essencialmente de uma denotação atribuída a uma experiência empiricamente
vivenciada, como, por exemplo, interpretar que um determinado som se refere à queda de um
objeto ou a voz de uma pessoa. Por fim, a terceira camada ou nível simbólico diz respeito à
construção de categorias abstratas, ou seja, categorias que não podem ser empiricamente
vivenciadas. Por exemplo, associar a queda de um objeto à força da gravidade que o impeliu
ao chão, ou ainda, relacionar a voz de uma pessoa a um determinado tipo de canto ou estilo
musical. Devemos compreender que nestes casos tanto a força da gravidade quanto o conceito
de estilo musical, são categorias abstratas, sistemas convencionais socialmente partilhados,
que não podem ser empiricamente vivenciados, uma vez que ninguém pode pegar, ver ou
ouvir a força da gravidade ou as categorias artísticas.
O modelo apresentado por Lévy será adotado no presente trabalho para representar os
processos de decodificação das informações transmitidas pelos sistemas semióticos. No
entanto, uma adaptação se faz necessária no que tange ao primeiro nível de decodificação ou
camada orgânica. Visto que esse processo ocorre em um plano independente dos processos
cognitivos e da apreensão sensorial, julgamos adequado suplantar esse nível de nossa
argumentação. No entanto, como vimos anteriormente, a camada fenomênica possui dois
planos, sendo o primeiro relativo à categorização dos estímulos sensoriais e um segundo
relativo à interpretação destes estímulos. Neste caso, iremos denominar este primeiro plano de
ação como camada ou nível estético. Por se tratar de um processo que ocorre em um plano
inferior ao limiar dos sentidos e da cognição, irá ocupar a posição de primeira camada de
decodificação da informação. Iremos compreender a camada fenomênica como um plano
posterior ao nível estético e responsável pela interpretação semântica dos estímulos sensoriais
categorizados anteriormente no nível estético. Por fim, o nível simbólico se mantém na forma
como foi definida anteriormente nos termos do próprio autor, “os sistemas simbólicos
codificam categorias abstratas por meio de imagens sensíveis, permitindo a apreensão
perceptiva indireta, a manipulação, a partilha e a transmissão de ideias abstratas no seio das
comunidades humanas” (LÉVY, 2014, p. 103). É importante chamar a atenção para o fato de
que as categorias estética, fenomenológica e simbólica possuem muitas similaridades e
correspondências, respectivamente, com as categorias de primeiridade, secundidade e
terceiridade da teoria peirceana.
Esta definição demonstra que o plano simbólico contém ou subentende os demais
níveis da comunicação, ou seja, os planos estético e fenomenológico, uma vez que,
respectivamente, codifica categorias abstratas e permite a apreensão do mundo natural por
meio da experiência sensível. Portanto, constatamos mais uma similaridade entre modelo

22
hierárquico de decodificação da informação de Lévy e as categorias peirceanas. Pois, na
semiótica de Peirce, as categorias também obedecem a uma lógica hierárquica, sendo que a
secundidade exige a vigência de uma primeiridade e, por sua vez, a terceiridade exige uma
secundidade, que exige uma primeiridade (EP 2:177).
Segundo Lévy um dos traços distintivos da cognição pré-simbólica é sua capacidade
de criar categorias como meio de ordenar as formas fenomênicas. Esta capacidade de
categorização é uma forma de atribuição de sentido semântico, concedendo significado aos
significantes de acordo com sua condição sensorial.

Em termos causais, uma categoria de formas fenomênicas supõe um


mecanismo de categorização que impõe ativamente aos membros o seu
pertencimento à categoria. Esse mecanismo modela os fenômenos a partir
dos dados sensórios-motores e lhes atribui as propriedades que fazem deles
membros de uma categoria (LÉVY, 2014, p. 105).

Analisado o funcionamento da cognição pré-simbólica nos resta observar as atividades


da cognição simbólica. A noção de “simbólico” aqui empregada se refere ao conceito de
“função simbólica” desenvolvido por Jean Piaget, que diz respeito à capacidade de usar
representações mentais, sendo estas representações símbolos que assumem a condição de
significantes aos quais se atribuem significados. A função simbólica é a gênese da capacidade
humana de linguagem. Nesse sentido, Pierre Lévy afirma que:

É próprio da cognição simbólica a capacidade de representar – e, assim, de


conceber – as categorias organizadoras da experiência por meio de classes
de fenômenos. As classes de fenômenos (sonoros, visuais, etc.)
representando as categorias são os significantes e as categorias elas mesmas
são os significados [...]. Assim, o símbolo repousa sobre uma codificação
das categorias em dois níveis, que implica não apenas o sistema nervoso no
nível da categorização dos fenômenos, mas também em uma
correspondência convencional – estabelecida pela inteligência coletiva da
cultura! – entre significantes e significados no nível da projeção das
categorias nos fenômenos. A essência da linguagem é essa representação do
processo de categorização no mundo fenomênico (LÉVY, 2014, p. 127-128).

Dito de uma maneira mais simples, por exemplo, um estímulo auditivo é captado pelo
sistema sensório do individuo e apreendido pela “primeira camada de codificação” como um
significante pertencente à categoria sensorial auditiva. A partir disso, na segunda camada ou
nível fenomênico, é atribuído um significado semântico, um sentido objetivo/denotativo, a
este significante auditivo, por exemplo, este som é de um trovão. Por fim, a “terceira camada
de codificação”, também chamada de “cognição simbólica”, é atribuído a este estímulo

23
sonoro uma categoria abstrata em um plano de sentido simbólico, ou seja, um sentido
convencional, coletivo e cultural compartilhado, podendo este som ser compreendido, por
exemplo, como um sinal de perigo.
A partir de tudo o que foi dito ate este momento a respeito dos sistemas de signo e de
nossa capacidade de apreensão da linguagem, podemos conceber três dimensões da
linguagem e do pensamento:

 A dimensão sintática, que corresponde também ao âmbito da gramática, das


conotações, da estética e da ontologia da linguagem.
 A dimensão semântica, que corresponde também à condição lógica, denotativa e
fenomenológica da linguagem.
 A dimensão pragmática, que corresponde também à natureza retórica, comunicativa e
simbólica da linguagem.

Estas três categorias da linguagem e da cognição serão o fundamento para nossos


estudos sobre as relações entre linguagem e comunicação visual. No entanto, antes de tratar
das particularidades de cada uma dessas dimensões da linguagem, vamos observar alguns
aspectos gerais sobre a comunicação visual e também apresentar algumas reflexões sobre os
principais aspectos que caracterizam as linguagens visuais em distinção às linguagens verbais.

1.3. Linguagem e comunicação visual

Uma vez que nossas cognições dependem das informações que apreendemos do
mundo sensível, os processos de cognição correspondem a processos de
codificação/decodificação da informação sensorial estruturada enquanto linguagem. No
entanto, uma vez que “pensamentos, signos e percepção são inseparáveis” devemos
acrescentar ao “binômio linguagem-pensamento” a noção de percepção (SANTAELLA, 2013,
p. 55). A partir deste princípio o conceito de linguagem se une ao conceito de comunicação
visual, neste caso em que as linguagens visuais, originárias especificamente das imagens
fotográficas e pictóricas, serão o objeto de nossa pesquisa.
Estabelecidos os parâmetros que norteiam a relação entre cognição, linguagem e
percepção, nos resta compreender a distinção entre os conceitos de linguagem visual e
comunicação visual. O termo linguagem encontra-se bastante associado às discussões
semióticas enquanto o termo comunicação abrange um plano mais amplo de campos e
24
discussões. Visto que em nossa perspectiva pretendemos utilizar argumentos propostos pelos
teóricos da linguagem, mas sem nos restringir a eles, associando ideias e conceitos oriundos
de outros campos como por exemplo, das artes, da estética, do design e da cultura, parece-nos
mais adequada a escolha do termo comunicação visual. Feitos os devidos esclarecimentos
iniciais seguimos adiante com as exposições e reflexões sobre as dimensões da linguagem no
âmbito da comunicação visual.

1.4. A dimensão sintática da linguagem e da comunicação visual

De maneira geral, os elementos visuais podem ser interpretados como qualidades ou


podem produzir formas reconhecidas e denotativamente referenciadas. No primeiro caso, tais
elementos referem-se ao plano da sintaxe visual. No segundo caso, estes elementos superam o
plano da conotação (plano sintático) e se estabelecem no âmbito da denotação, isto é, na
dimensão da semântica visual. Por hora iremos nos debruçar sobre as questões pertinentes ao
âmbito sintático e formal da linguagem visual.
O conceito de sintaxe refere-se às regras que regem as relações formais entre os
elementos gramaticais em um determinado sistema de linguagem. Por sua vez, a noção de
forma advém da dicotomia “forma vs. conteúdo” amplamente difundida pela corrente da
semiologia francesa, como aprimoramento da oposição “imagem acústica vs. conceito”
proposta por Saussure (2014)7. Assim, o conceito de forma ou de relações formais, se refere
ao plano de organização dos significantes e de suas regras de funcionamento. Portanto, o que
se compreende aqui por dimensão sintática da linguagem, no âmbito da comunicação visual,
refere-se ao plano de estruturação dos elementos primordiais que constituem um determinado
sistema de signos e de suas correspondentes relações formais e de funcionamento, no modo
como estes se apresentam aos sentidos e ao pensamento humano.
Como ponto de partida para a sistematização mais elaborada desse plano da linguagem
tomamos o pensamento de Wucius Wong (2010) que, no âmbito dos princípios da forma, faz
a distinção entre os elementos conceituais, os elementos visuais e os elementos relacionais.
Wong ainda concebe uma quarta categoria referente aos elementos práticos, mas visto que as
definições do autor são mais direcionadas ao design e ao desenho, algumas das consequências
extraídas pelo autor dessa classificação não são adequadas ao campo das imagens

7
Para Saussure (2014, p. 105-107), o signo semiológico é composto por uma estrutura diádica significante vs.
significado. No que se refere ao signo especificamente linguístico a noção de significante vs. significado é
expressa pela relação correspondente imagem acústica vs. conceito.

25
fotográficas. No entanto, o entendimento da existência de categorias relativas à elementos
conceituais, elementos visuais e elementos relacionais, certamente atende a compreensão mais
ampla das dinâmicas, por vezes abstratas, por outras concretas, nas quais se estabelece a
sintaxe visual.
Segundo Wong (2010, p. 42) os elementos conceituais “não são visíveis. Não existem
na realidade, porém parecem estar presentes”, isto é, não possuem existência perceptiva
concreta materializada em elementos visuais. Sua existência refere-se à relações abstratas e,
portanto, conceituais. Os elementos conceituais podem existir apenas como ideias ou podem
se corporificar em um objeto visual tangível. Desta maneira, um elemento que possui uma
existência apenas em um plano inteligível passa ao plano sensível, estes são os elementos
visuais. Wong (2010, p. 43) esclarece que “quando desenhamos um objeto no papel,
empregamos uma linha que é visível para representar uma linha que é conceitual”. A
materialização de diferentes elementos visuais produz relações abstratas entre eles, a essas
relações Wong (2010, p. 43) denomina elementos relacionais. No entanto, concebemos que os
elementos visuais estabelecem relações não apenas entre si, mas também com relação aos
elementos conceituais, sobretudo, no caso dos elementos topológicos, como veremos adiante.
Esse plano de relações abstratas entre elementos sintáticos (conceituais e visuais) iremos
denominar variáveis visuais.
Os elementos conceituais referem-se à aspectos composicionais e de enquadramento
das imagens. São aspectos que não podem ser materialmente selecionados em uma imagem,
mas que conceitualmente se fazem presentes e impactam o artefato visual como um todo. É
muito difícil determinar um inventário definitivo dos elementos composicionais dos suportes
visuais planares, no entanto, John Hedgecoe (2007), no campo da fotografia, apresenta uma
série bastante consistente de elementos composicionais, sendo que quatro deles nos parecem
mais relevantes e adequados a nossa abordagem, são eles:
 Moldura (ou quadro)
 Planos
 Ponto de vista
 Posicionamento

Antes de especificar cada um destes elementos conceituais vamos compreender alguns


aspectos preliminares a respeito dos elementos visuais e das variáveis visuais. Do ponto de
vista formal da comunicação visual uma das contribuições mais essenciais se refere à obra

26
Ponto e linha sobre plano, do pintor russo Wassily Kandinsky (2012). Para o autor, as obras
pictóricas são compostas por três elementos visuais essenciais, ou seja, o ponto, a linha e a
forma. O ponto é o elemento primordial, sendo que a partir da noção de movimento aplicada a
um ponto qualquer surge a linha. Uma das “caraterísticas específicas da linha” é sua
capacidade de criar “superfícies”, sendo que o termo superfície se refere às formas
bidimensionais (KANDINSKY, 2012, p. 53). Por fim, a sobreposição de formas proporciona
o volume, ou seja, a forma tridimensional.
Outros autores também procuraram estruturar teorias a respeito da sintaxe visual em
diversos campos. Alguns dos mais importantes são Wucius Wong (2010) no design, Bert
Krages (2005) na fotografia e Fayga Ostrower (2015) na pintura. Tais estudos possuem em
comum a tentativa de conceber teorias sobre a significação visual baseadas em aspectos
convencionais relativos ao desenvolvimento formal e ampliação da complexidade dos
elementos visuais. Estas teorias embora tenham oferecido aos estudiosos e especialistas do
campo das artes visuais importantes ferramentas para interpretação das obras, não ofereceram
qualquer apoio para a compreensão dos modos de recepção visual do público em geral. Nesse
sentido autores ligados aos estudos da Gestalt visual, sobretudo, Rudolf Arnheim (2011)
Donald Hoffman (2000) e Donis A. Dondis (2007), desenvolveram teorias que procuravam
atender à compreensão mais ampla e irrestrita dos modos de recepção e interpretação das
obras visuais. Tais teorias se basearam em aspectos psicológicos da percepção visual na
tentativa de estabelecer sentidos a priori para os elementos visuais, a partir de duas tendências
“superordenadas” determinantes do aparelho perceptivo, ou seja, o “nivelamento” e o
“aguçamento” (ARNHEIM, 2010, p. 58-59). O primeiro se refere à tendência à simplificação,
diminuição da complexidade e redução do número de características estruturais. O segundo se
refere à tendência ao aumento da complexidade e intensificação das obliquidades e aspectos
irregulares das estruturas visuais. Os estudos da Gestalt visual enquanto experimentos
empíricos ofereceram grandes contribuições para a compreensão de certas particularidades a
respeito do funcionamento do sistema perceptivo visual, no entanto, quando colocados a
prova diante de artefatos visuais mais complexos oferecidos pela história da arte, tais estudos
não parecem mais ser capazes de explicar o fenômeno da recepção visual visto a completa
diversificação de interpretações.
De maneira geral, os elementos visuais na medida em que são reconhecidos e
referenciados a objetos reais, superam o âmbito da forma e passam ao âmbito do conteúdo, ou
seja, superam o âmbito das qualidades e assumem uma condição semântica. No entanto, no
caso dos elementos visuais, quando não reconhecidos ou até mesmo antes de serem

27
reconhecidos, pertencem a uma condição estética de prevalência das qualidades e sensações
de sentido, isto é, condição sintática. Portanto, é a compreensão das qualidades, e não da
referência denotativa, que interessa ao plano sintático. Assim, são as variáveis visuais, na
qualidade de variáveis dos significantes visuais ou de suas qualidades, que são pertinentes a
este plano da linguagem e não os elementos visuais em si.
No sentido de estabelecer um método de classificação dos significantes visuais, as
pesquisas sobre linguagens visuais de Fernande Saint-Martin (1990; 1994) juntamente com as
pesquisas do Grupo µ8 (1993) nos parecem ser as propostas mais consistentes e adequadas
diante das demandas da presente pesquisa. Saint-Martin (1994) apresenta uma classificação
dos significantes visuais composta por três tipos de categorias: as variáveis plásticas, que
correspondem às cores e suas propriedades correspondentes como cromaticidade, saturação,
tonalidade e luminosidade; as variáveis perceptivas, que correspondem às formas e suas
propriedades, como contornos e padrões; as relações sintáticas visuais, que correspondem a
relações topológicas e de Gestalt visual (SAINT-MARTIN, 1994). No entanto, iremos propor
dois ajustes a esta perspectiva, uma de ordem terminológica e outra como adendo conceitual.
No primeiro caso, iremos tratar dos termos variáveis plásticas, variáveis perceptivas e
relações sintáticas, por meio da substituição pelos termos, variáveis cromáticas, variáveis
morfológicas e relações topológicas, respectivamente, uma vez que julgamos estes termos
mais adequados ao corpus discursivo da presente pesquisa. No segundo caso, iremos
acrescentar um tipo de classificação que é bastante relevante no que se refere à linguagem
fotográfica, mas que parece não chamar a atenção em nenhum dos estudos de linguagem que
se apoiam nas imagens pictóricas, ou seja, as variáveis ópticas, referentes às relações de
escala e perspectiva, às distorções ópticas e a relação de profundidade de campo.
Os estudos do Grupo µ (1993), no que se referem à classificação dos significantes
visuais são bastante similares às propostas de Saint-Martin. O Grupo µ apresenta três tipos de
elementos significantes: os significantes da textura; os da forma, e; os da cor. Pretendemos
usar essa terminologia de forma análoga à que apresentamos há pouco, no entanto, no que se
refere aos significantes da textura, julgamos conveniente suprimir esta categoria, visto que
achamos mais adequado interpretar as texturas como uma propriedade da forma (variante
morfológica) dos elementos visuais que se manifesta quando os elementos conceituais se
materializam (WONG, 2010, p. 42-43). Portanto, resumindo tudo o que foi dito sobre os

8
Inserido nas referencias bibliográficas pela designação Groupe µ, em idioma espanhol por ocasião da
publicação utilizada.

28
significantes visuais que compõem o nível sintático das linguagens planares, segundo nosso
modelo, são:
 Variáveis morfológicas
 Variáveis cromáticas
 Variáveis topológicas
 Variáveis ópticas

Vamos a seguir analisar de forma mais detalhada cada uma das variáveis visuais e
também dos elementos conceituais, anteriormente comentados.

1.5. Elementos conceituais

Os elementos conceituais dizem respeito a elementos abstratos da composição visual


que não se materializaram em elementos visuais selecionáveis, mas que interferem na imagem
como um todo. Referem-se a aspectos conceituais que possuem uma existência na forma de
relações abstratas, mas que mesmo sem uma existência material concreta influenciam a
representação visual como um todo. Em geral são aspectos relacionados a escolhas
composicionais e de enquadramento que impactam direta ou indiretamente o conjunto dos
elementos e das variáveis visuais.
Como já comentamos, a partir dos elementos composicionais apresentados por John
Hedgecoe (2007) quatro tipos de elementos conceituais se destacam e se impõem pela
pertinência e relevância ao presente estudo, sendo: (1) moldura; (2) plano; (3) ponto de vista,
e; (4) posicionamento.

1.5.1. Moldura
A moldura da imagem refere-se ao quadro visual, isto é, ao formato da imagem. A
palavra moldura é preferível visto que os termos quadro ou formato possuem outras acepções,
no entanto, mesmo o termo moldura merece algum esclarecimento. Embora exista a noção de
moldura como uma guarnição, normalmente de madeira, que delimita e protege as bordas de
um quadro, no caso a moldura diz respeito aos limites físicos da imagem. Nesse sentido a
moldura não trata de um elemento material, mas de um elemento conceitual na medida em
que não se refere a algo visualmente selecionável na imagem, pois é exatamente o contrário
disso, ou seja, a ausência de imagem.

29
A moldura representa os limites da imagem. Tal delimitação constitui-se de linhas
imaginárias que determinam o formato da imagem e impactam suas relações visuais internas.
A moldura retangular horizontal é o formato predominante nas representações planares ao
longo da história da arte, embora outros formatos também tenham alguma relevância em
diferentes períodos. Podemos citar, por exemplo, a obra Tondo Doni (1504-1506), de
Michelangelo, uma representação de Maria recebendo o Menino Jesus, por cima de seus
ombros, das mãos de José. A pintura recebe este nome, pois pertenceu a família Doni e possui
formato redondo – tondo, em italiano. A fotografia, tanto analógica, quanto digital, amplia as
possibilidades de formatos visuais, trazendo o formato quadrado, oriundo das câmeras de
médio formato com negativos de 6x6 centímetros. A fotografia também popularizou o
formato retangular vertical. A fotografia e o cinema ampliaram as possibilidades de formatos
horizontais, produzindo molduras quase quadradas, por exemplo, o 4:3, e, em outros casos,
formatos mais panorâmicos, como o 16:9, ou ainda, o 21:9, bastante comum nas novas salas
de cinema.
Rudolf Arnheim (2011) logo no início de sua célebre obra, trata das forças perceptivas
originadas pela moldura das imagens, como um tipo de força estrutural oculta. As linhas da
moldura produzem linhas imaginarias internas que geram pontos de convergência que por sua
vez são posicionamentos de equilíbrio entre forças internas. Quando as linhas da moldura
formam um quadrado, todas as linhas possuem a mesma expressividade. No entanto quando a
moldura produz um formato retangular as linhas mais longas tornam-se mais intensas e
expressivas do que as linhas menores, portanto, esse sentido visual assume uma condição
predominante, seja este, horizontal ou vertical.
Diante de tudo que foi dito, podemos conceber que a moldura de uma imagem pode
variar em diferentes medidas assumindo as mais diferentes proporções. No entanto, podemos
resumir as possibilidades mais comuns em três tipos de formato:
 Moldura quadrada: o formato mais simétrico e estável. Produz linhas
imaginárias verticais e horizontais similares em tamanho e expressividade. As
forças estruturais da imagem tendem a simetria e ao equilíbrio.
 Moldura retangular horizontal: é o formato mais comum, não apenas
atualmente, mas ao longo da história da arte, desde pelo menos o
Renascimento. Produz linhas imaginárias horizontais que predominam sobre as
linhas verticais. Por acomodação perceptiva à força da gravidade a linha
horizontal inferior torna-se a mais expressiva, funcionando como apoio visual

30
para toda a imagem. Produz forças visuais mais dinâmicas e menos simétricas
ou equivalentes.
 Moldura retangular vertical: é um formato que se tornou bastante frequente
com a fotografia e com as revistas impressas, visto a forma vertical
predominante destas publicações. As linhas verticais imperam sobre as linhas
horizontais, articulando as forças estruturais internas nesse eixo. A gravidade
influencia a visualidade desse formato, não por apoio, mas por movimento
vertical. As linhas verticais ganham expressividade e o movimento vertical é
mais intenso e expressivo do que o horizontal.

1.5.2. Planos
O estudo da elaboração dos planos refere-se ao tipo de corte e ampliação que a cena
deve receber. O formato visual normalmente é definido pelo dispositivo de captura, podendo
receber algum ajuste posterior. O plano é um elemento conceitual independente do formato
embora a moldura precise ser determinada anteriormente. O plano não é um elemento visual
concreto, mas impacta diretamente a aparência dos elementos visuais em sua dimensão e
escala, por isso pode ser classificado como um elemento conceitual.
Os planos de corte constituem um segmento muito importante dos estudos visuais,
sobretudo, no campo do cinema, mais do que no âmbito da fotografia estática. A elaboração
dos cortes como um elemento visual conceitual foi introduzido no cinema, de forma mais
consistente, pelo cineasta David Griffith, considerado por muitos especialistas como o pai da
linguagem cinematográfica. Muitos autores se dedicaram ao tema, podemos citar Terence
Marner (2014), Joseph Mascelli (1965) e Marcel Martin (2005) como alguns dos mais
reconhecidos. A partir do conjunto de suas ideias podemos sintetizar três tipos de relações
visuais que os planos de corte podem tornar evidentes, isto é, o corte pode privilegiar o
ambiente, a ação do sujeito ou seu estado psicológico/emotivo. Embora os estudos sobre os
planos de corte não sejam exatamente similares podemos resumir tais discussões em sete
planos. São eles:
 Grande Plano Geral: É um plano de reconhecimento geográfico, determinado
pela hegemonia do ambiente, ou seja, o ambiente predomina sobre os demais
elementos visuais. O sujeito e os objetos não possuem relevância, não são
claramente definidos ou reconhecidos.

31
 Plano Geral: É um plano de reconhecimento geográfico, que relaciona as
pessoas e objetos ao ambiente. Plano introdutório da importância do sujeito em
uma cena, ainda subjugada à importância com o ambiente.
 Plano conjunto: É um plano utilizado para imagens de grupos ou conjunto de
pessoas. É um plano de reconhecimento da interação entre indivíduos ou de
suas ações, também utilizado para demonstrar a figura humana por inteiro ou
com pequenos cortes nos pés e/ou início das pernas.
 Plano americano: É um plano que enfatiza a ação do indivíduo e introduz a
importância de sua expressão. Ainda pode ser utilizado para demonstrar a
interação entre indivíduos. Enquadra a figura humana a partir dos joelhos.
 Plano médio: É um plano que enfatiza a expressão do indivíduo e evidencia
sua fisionomia e aspectos físicos. A ação do sujeito e a interação entre
indivíduos se torna bastante limitada. Enquadra a figura a partir da cintura.
 Primeiro plano: É um plano francamente psicológico, enfatiza a emoção e os
sentimentos, eleva a expressão ao extremo. Demonstra acessórios, adereços e
detalhes da fisionomia do sujeito. Enquadra a figura a partir do peito.
 Close: Também chamado de primeiríssimo plano. É um plano de detalhe,
bastante efetivo para apresentar partes do corpo ou pequenos objetos.

1.5.3. Ponto de vista


O ponto de vista é o elemento conceitual que representa a perspectiva de visão do
observador da cena. Também chamado de ângulo de câmera, o ponto de vista oferece a quem
vê a imagem a sensação visual de estar na mesma posição que a câmera. Segundo Ben-Shaul
(2007, p. 111) o ponto de vista é a “primeira identificação de um observador” em uma
imagem. Tal identificação é inconsciente e proporciona a “ilusão de que eles originam as
imagens que fluem diante de seus olhos”. O ponto de vista não é um elemento concreto visto
que não é algo que possa ser selecionado em uma imagem, mas sua dimensão conceitual se
faz presente na medida em que este ângulo influencia a aparência dos elementos visuais da
imagem. As principais formas de utilização deste recurso composicional podem ser resumidas
em três tipos de ângulos de câmera:
 Normal: Segundo Marner (2014, p. 154), os resultados oferecidos são
“puramente estáticos” e por isso é o “menos dramático” dos ângulos de
câmera. Ainda segundo o autor, “a distorção vertical é mínima e as linhas

32
verticais do assunto apresentar-se-ão na imagem como tal”. Nas imagens de
pessoas esse ponto de vista costuma corresponder à altura próxima a do rosto.
 Plongée: Termo oriundo do francês que significa “mergulho”. É um ponto de
vista alto, acima do rosto do personagem ou do retratado, usado para causar a
sensação de superioridade no espectador e, consequentemente, a sensação de
inferioridade (fragilidade e/ou submissão) do sujeito representado. Este ângulo
de visão produz um ponto de fuga imaginário na parte inferior da cena para o
qual as linhas verticais convergem. Desta forma, este ponto de vista tende a
gerar distorção vertical, visto que as linhas verticais paralelas do assunto
tendem a se tornar linhas diagonais.
 Contra-Plongée: É um ponto de vista baixo em posição de contra mergulho.
Usado para proporcionar a sensação de vigor e superioridade no personagem
representado ou para causar a sensação de inferioridade do observador. Este
ângulo introduz um ponto de fuga na parte superior da cena, portanto, produz
distorção vertical, uma vez que as linhas verticais paralelas da imagem tendem
a se tornar linhas diagonais.

1.5.4. Posicionamento
Nas imagens fotográficas o posicionamento dos elementos visuais é uma decorrência
de escolhas composicionais relacionadas ao enquadramento da cena. Seja no âmbito da
fotografia-expressão ou da fotografia-documento, o posicionamento refere-se
predominantemente a topologia do elemento principal da cena, portanto, muitas vezes, a
figura humana. O posicionamento é um elemento conceitual relacionado a outro elemento
conceitual, isto é, a moldura da imagem. Em princípio, um elemento visual é referenciado por
sua localização no interior do quadro.
Seguindo os pressupostos perceptivos da teoria da Gestalt, sobretudo, a ideia de
“estrutura oculta” demonstrada por Arnheim (2011, p. 3-9), uma determinada moldura produz
centros e linhas de atração, primeiramente, por força das extremidades (bordas) e do centro, e,
consequentemente, por estruturas em forma de cruz e xis, formadas a partir de seus vértices.
Os elementos visuais posicionados nesses centros ou linhas de atração estabelecem relações
topológicas de equilíbrio e “nivelamento”, por sua vez, os elementos posicionados fora desses
pontos e linhas de atração perceptiva instituem relações de tensão, desequilíbrio e
“aguçamento” visual. Portanto, do ponto de vista do posicionamento dos objetos no interior
do quadro, existem duas tendências predominantes.
33
 Nivelamento: refere-se aos posicionamentos estabelecidos a partir do centro,
da regra dos terços e das linhas estruturais em cruz e em xis.
 Aguçamento: refere-se aos posicionamentos estabelecidos fora dos pontos e
linhas de nivelamento. Mesmo pequenos deslocamentos de posicionamento
podem causar grande tensão visual e, portanto, intenso aguçamento.

1.6. Variáveis visuais

As variáveis visuais referem-se às qualidades conotativas dos elementos visuais.


Como já foi dito, os elementos visuais em uma imagem ao serem relacionados à objetos reais
tornam-se objetos denotados, isto é, objetivamente referenciados. No entanto, quando não
denotativamente identificados ou até mesmo antes de serem discernidos, apresentam-se à
percepção como impressões de sentido ou qualidades, isto é, conotações visuais. Quando um
conjunto de qualidades é reconhecido como um objeto determinado, tais formas instituem um
sentido semântico. No entanto, no âmbito sintático, são pertinentes as qualidades enquanto
subjetividades ou conotações visuais, sendo o sentido denotativo pertencente à outra esfera de
significação. No âmbito das qualidades e conotações visuais a significação não advém das
qualidades em si mesmas, o que exigiria a vigência de uma estrutura simbólica na forma de
códigos visuais. Nesse âmbito a significação visual parece emergir a partir de estruturas
relacionais por meio de uma associação metafórica de sentido, como veremos mais adiante
(quando abordarmos a questão da metáfora na semiótica peirceana). Assim, torna-se
necessário classificar as qualidades visuais a partir de sua fenomenologia, para estabelecer
classes dos significantes e sua suas possiblidades de relacionamento, ou seja, as variáveis
visuais. A partir de um amplo inventário de estudos visuais, já comentados, consideramos
quatro variáveis, como veremos nos tópicos a seguir.

1.6.1. Variáveis morfológicas


Diversos autores (KANDINSKY, 2012; DONDIS, 2007; OSTROWER, 2015) ao
tratar da questão das formas visuais, partem da definição dos elementos de comunicação
visual mais simples, isto é, o ponto, a linha, a forma, entre outros componentes associados.
Nossa perspectiva diverge em parte desse ponto de vista e procura estabelecer as estruturas
mínimas que fazem parte de toda e qualquer forma visual representada, ou seja, procura
determinar as estruturas visuais mínimas que se fazem presentes nos mais diferentes

34
elementos visuais, sejam estes complexos ou simples como é o caso do ponto, da linha, da
forma e etc.
Wucius Wong trata dos fundamentos da linguagem visual a partir de categorias
elementares, sua interpretação da linguagem visual nos oferece a base conceitual para refletir
sobre as estruturas morfológicas mínimas. Segundo Wong (2010, p. 42-43) os elementos
visuais antes de se tornarem visíveis são elementos conceituais, por sua vez tais componentes
conceituais ao se tornarem visíveis apresentam quatro propriedades: formato, tamanho, cor e
textura. Visto que a cor é um componente cromático, iremos subtrair a cor das categorias
morfológicas e trataremos dela adiante como uma categoria cromática. Além disso,
adicionaremos uma nova categoria referente ao “volume” e prevista por Wong mais adiante
em sua obra (2010, p. 138-139). Assim, definimos as variantes morfológicas a partir de quatro
propriedades mínimas:
 Formato: todo objeto visível possui um formato que permite seu
reconhecimento. O formato pode estabelecer diversos tipos de categorias, por
exemplo, regular e irregular ou vertical e horizontal.
 Tamanho: todo formato apresenta um tamanho, sendo o tamanho uma
variante relativa. O tamanho pode ser determinado por comparação em termos
de grande ou pequeno e maior ou menor.
 Textura: refere-se à superfície dos objetos visíveis. É uma qualidade que pode
ser tátil ou visual, isto é, pode ser percebida pelo tato ou pela visual, no
entanto, nos limitamos a observar suas decorrências visuais. Assim, uma
textura pode ser determinada por sua tendência a ser percebida ou não ser
percebida, como uma forma de gradação de sua intensidade.
 Volume: refere-se à forma tridimensional dos objetos visíveis. Pode ser plaino
ou volumoso.

1.6.2. Variáveis cromáticas


A cor é um fenômeno relativo à percepção visual que ocorre como resultante da inter-
relação de três fatores: o arranjo visual, proporcionado pelo objeto ou pelo ambiente; a luz e
seus aspectos físicos relativos às formas de reflexão, absorção, polarização, entre outros, e; o
observador e suas características fisiológicas, ou seja, sua condição perceptiva.

35
Qualquer objeto concebido como uma forma de “linguagem visual se manifesta
essencialmente por meio da organização de cores, como a realidade visível é em si mesma” 9
(SAINT-MARTIN, 1994, p. 23). Nesse sentido, a cor apresenta “três características principais
que correspondem aos parâmetros básicos da cor” (PEDROSA, 2014, p. 21), isto é, a cor
apresenta três variáveis cromáticas, são elas (DONDIS, 2007, p. 65-66):
 Matiz: também chamada de croma é o resultado dos comprimentos de onda de
luz visível. O matiz é a qualidade mais elementar da cor que estabelece a
distinção entre os tipos de cor. É a propriedade que define sua condição na
forma como são denominadas, ou seja, “a cor em si”, como por exemplo, o
amarelo, o vermelho, o azul e assim por diante.
 Saturação: corresponde ao seu grau de pureza ou grau de vivacidade. Quanto
maior a saturação de uma cor, mais viva e mais chamativa é sua aparência. Por
outro lado, uma cor sem saturação alguma torna-se cinza.
 Luminosidade: também chamada de valor tonal ou tonalidade. Corresponde a
variação de claridade (ou brilho) de uma cor. Determinada por sua aparência
em termos de claro ou escuro, por exemplo, um azul claro ou um azul escuro.

1.6.3. Variáveis topológicas


O posicionamento de um objeto no campo visual, ou a disposição de diferentes objetos
neste mesmo campo, constitui um dos aspectos da manifestação material do signo visual.
Portanto, a configuração espacial de um arranjo visual corresponde a uma característica do
plano de expressão, assim, as variáveis topológicas são compreendidas como um aspecto
próprio dos significantes visuais.
As categorias topológicas são definidas pelas três dimensões do espaço (altura, largura
e profundidade) ou ainda por outras categorias estéticas, psicológicas ou abstratas:
 Altura: relativo à primeira dimensão do espaço, o objeto pode estar
posicionado em um ponto alto ou baixo do arranjo visual.
 Largura: relativo à segunda dimensão do espaço, o objeto pode estar
posicionado em um ponto à direita ou a esquerda no arranjo visual.
 Profundidade: relativo à terceira dimensão do espaço, o objeto pode estar
sobreposto a outro e produzir a sensação de estar em primeiro plano ou em

9
Texto original: “Toute œuvre de langage visuel se manifeste essentiellement par des organisations de couleurs,
comme la réalité visible elle-même”.

36
plano de posterior (ou em plano de fundo). Mesmo no caso de objetos que não
estão sobrepostos existe a relação entre os diferentes planos da imagem.
 Categorias abstratas: outras categorias de posicionamento podem ser
estabelecidas por meio de relações estéticas ou abstratas próprias das
representações visuais, por exemplo, um objeto pode ocupar um
posicionamento central ou periférico em um arranjo visual.
 Categorias da Gestalt visual: outras categorias topológicas podem ser
homologadas a partir de sensações visuais, sensações estas que são estudadas
pela psicologia da Gestalt visual. Neste caso as mais simples são as relações de
proximidade ou distanciamento (separação). No entanto, outras categorias
podem ser observadas a partir de regras visuais a nossa percepção dos arranjos
visuais, como por exemplo, a sessão áurea, a regra dos terços ou as relações de
configuração e o equilíbrio ponderados por Arnheim (2011). Nestes casos, um
objeto pode ser posicionado de maneira a produzir a sensação de equilíbrio ou
desequilíbrio, de estabilidade ou instabilidade, de regularidade ou
irregularidade, e assim por diante.

1.6.4. Variáveis ópticas


A linguagem visual, a partir do Renascimento, desenvolveu uma plena tendência ao
figurativismo por meio do uso de técnicas ópticas e de perspectiva que foram utilizadas no
Quattrocento e tiveram os artistas italianos como pioneiros. A representação visual se
desenvolveu gradualmente e de forma consistente com as descobertas e estudos científicos
sobre o corpo e sua anatomia, a luz e seu comportamento, a percepção à cor e da perspectiva.
Esta tendência figurativa fez com que as qualidades ópticas das obras visuais se tornassem
cada vez mais um espelho da forma como enxergamos. Essas técnicas de representação foram
incorporadas plenamente e se tornaram um padrão constante das imagens pictóricas a ponto
de as relações ópticas, de perspectiva, dimensão e escala se tornarem fatores inconscientes
que apenas são percebidos quando não correspondem ao padrão.
Com o advento da fotografia a busca pela representação objetiva torna-se mediada por
novas relações tecnológicas relacionadas às possibilidades técnicas das construções de lentes
e objetivas entre tantos outros recursos tecnológicos. Desta forma, distorções ópticas,
deformações de escala, relações entre planos e alterações na profundidade de campo passam a
ser elementos variáveis nas representações fotográficas e distantes de um único padrão
estético determinado.
37
As principais variáveis ópticas são:
 Perspectiva e escala: a perspectiva é uma técnica de representação que
proporciona a sensação de profundidade e a ilusão de tridimensionalidade em
uma imagem bidimensional. A perspectiva estabelece relações de escala entre
objetos e planos da imagem, no entanto, alguns enquadramentos e
posicionamentos de objetos podem criar relações de escala distorcidas ou
irreais.
 Distorções ópticas: objetivas com distancias focais de grande-angular e
teleobjetivas podem apresentar distorções ópticas como características próprias
resultantes de sua construção. Distorção circular, valorização da escala dos
objetos em primeiro plano e achatamento de planos, são as principais
distorções ópticas. Esses fatores não faziam parte das representações visuais
antes do advento da fotografia, mas após seu surgimento passaram a vigorar
tanto no âmbito das imagens fotográficas quanto no âmbito das imagens
pictóricas visto que alguns pintores passaram a incorporar esses elementos em
suas obras, sobretudo, na corrente do hiper-realismo.
 Profundidade de campo: é a relação de nitidez e desfoque entre diferentes
planos da imagem. As imagens em que os diferentes planos apresentam
tendência à nitidez possuem alta profundidade de campo; por outro lado, as
imagens em que os diferentes planos revelam a tendência ao desfoque em um
destes planos é constatada a tendência a baixa profundidade de campo.

1.7. Dimensão semântica da linguagem visual

Um conjunto de qualidades visuais ao serem relacionadas a um objeto real e


denotativamente referenciadas (por exemplo, por meio de um conjunto de configurações de
formas e cores é possível se reconhecer uma figura humana, um animal ou uma coisa
qualquer), superam o âmbito sintático e assumem uma condição semântica. Segundo Morris
(1976, p. 38) a dimensão semântica “trata da relação dos signos com seus ‘designata’ e
também com os objetos que eles podem denotar ou realmente denotam”. Isso implica dizer
que o significado semântico emerge da relação entre signo e objeto. Porém, como já foi
demonstrado, a dimensão semântica da linguagem diz respeito também a sua condição lógica
e fenomenológica. Lógica que segundo Peirce (CP 1.444) corresponde ao estudo das
condições necessárias para a transmissão de significado e também da estrutura do próprio
38
pensamento. Nesse sentido, Morris (1976, p. 40) traz uma contribuição fundamental ao
apresentar o conceito de “regra semântica”, como veremos logo adiante. Por sua vez, a noção
de fenomenologia relaciona-se ao que Pierre Levy (2014, p. 99-100) chamou de “camada
fenomênica”, referindo-se à nossa capacidade cognitiva para criar representações a partir das
formas sensíveis, ou seja, criar representações por meio dos estímulos sensoriais percebidos,
que por sua vez “são os fenômenos”. Portanto, compreendemos a camada fenomênica como o
âmbito da cognição responsável pela interpretação semântica (denotativa) dos estímulos
sensoriais apreendidos e categorizados anteriormente pela camada estética.
O conceito de “regra semântica” apresentado por Morris (1976, p. 40) refere-se à
“regra que determina sob que condições um signo é aplicável a um objeto ou situação; tais
regras correlacionam signos e situações denotáveis pelos signos”. Ainda segundo o autor,
existe uma dimensão semântica da linguagem na medida em que haja regras de semânticas
“que determinem a sua aplicabilidade a certas situações sob certas condições” (1976, p. 41).
Uma vez que a presente pesquisa se ocupa da comunicação visual e de maneira mais
específica de pinturas e fotografias, dois tipos de signos tornam-se mais relevantes,
respectivamente, os ícones e os índices. No entanto, para o caso das imagens fotográficas
vamos preferir a designação de Schaeffer (1990) que afirmou a fotografia como um “índice
icônico”, visto sua capacidade para revelar fatos e existentes ao mesmo tempo em que
estabelece relações de semelhança com seus referentes. Portanto, tais relações indiciais e
icônicas representam a condição denotativa destes signos visuais, isto é, representam sua
“regra semântica”.
A regra semântica para o caso dos ícones determina que estes signos denotam os
objetos que possuem características semelhantes as suas (MORRIS, 1976, p. 42). Neste caso a
denotação refere-se às qualidades icônicas que simultaneamente existem no referente e estão
presentes no signo. No caso concreto das imagens pictóricas, podemos afirmar que estes
signos estabelecem relações por semelhança com os seus referentes. Portanto, uma imagem
pictórica de um céu azul denota a característica de azul do céu, uma vez que esta qualidade do
referente encontra-se presente na imagem. Por outro lado, um índice não precisa ser
semelhante àquilo que denota, visto que é a relação de fato ou existência entre o referente e o
signo que o define. “O índice é um signo que representa seu objeto por estar materialmente
vinculado a ele. Um índice puro apenas dá a conhecer a existência de seu objeto, produzindo
conotação” (EP 2:460-461 apud ROMANINI, 2006, p. 100). Assim, a regra semântica no
caso dos índices estabelece que esta classe de signos denota a existência material do referente
ou a ocorrência de um fato referenciado. Desta forma, uma imagem fotográfica de um fato

39
denota a ocorrência do fato, da mesma maneira que uma fotografia de uma pessoa denota a
existência do sujeito.
É importante chamar a atenção para a definição de Jean-Marie Schaeffer (1990) sobre
a imagem fotográfica que a concebe como um índice icônico (ou ainda um ícone indexical)
afirmando a predisposição dessas imagens em comprovar a existência de seu referente por
meio de um vínculo de materialidade física com o objeto ou fato representado, ao mesmo
tempo em que estabelece relações de semelhança com este mesmo referente. Esta
particularidade foi observada pelo próprio Peirce (CP 2.281) que afirma que as imagens
fotográficas são “em certos aspectos exatamente como os objetos que elas representam”10 e,
portanto, icônicas, Por outro lado, elas mantêm uma conexão física com seu objeto, o que as
torna indexicais, pois a imagem fotográfica é “obrigada fisicamente a corresponder ponto por
ponto à sua natureza”11. Portanto, do ponto de vista semiótico, concebemos a fotografia como
uma ampliação das capacidades sígnicas expressas pela pintura, que para além da relação de
analogia e semelhança, estende sua capacidade de representação e estabelece uma relação de
contiguidade física com seu referente.
Do ponto de vista da comunicação e linguagem visual, as denotações icônicas e
indexicais correspondem, cada qual a seu modo, às significações semânticas das imagens
pictóricas e fotográficas. Pierre Guiraud (1976, p. 9-11) que afirma a existência de três
semânticas, sendo: (1) a semântica psicológica, referente a uma “psicologia dos signos”, ou
seja, que se ocupa das questões pertinentes à cognição e ao funcionamento psíquico dos
signos; (2) a semântica lógica ou filosófica, referente à “lógica simbólica” dos sistemas de
linguagem, e; (3) a semântica linguística, que se ocupa da significação das “palavras no seio
da linguagem”. Embora o autor dê atenção quase que específica à semântica linguística, sua
concepção a respeito da existência de três semânticas é bastante pertinente para nossa
argumentação uma vez que seu conceito de semântica psicológica corresponde em grande
medida ao que chamamos de dimensão semântica e fenomenológica da comunicação visual.
Villafane (2006, p. 77-79) em sua teoria geral da imagem define a psicologia visual
como um processo de cognição composto por três instâncias: (1) a recepção dos estímulos
visuais que produz uma sensação visual; (2) o armazenamento da informação visual que
produz a memória, e; (3) processamento da informação que produz o pensamento visual.
Segundo o autor, “a percepção é um processo cognitivo porque possui a capacidade de
processar informações de diferentes origens e naturezas distintas” (2006, p. 88). Esta

10
Texto original: “they are in certain respects exactly like the objects they represent”.
11
Texto original: “physically forced to correspond point by point to nature”.

40
perspectiva é bastante influenciada pelos pressupostos gestaltistas. Para os psicólogos da boa
forma, percepção e cognição (visual) são duas instâncias indissociáveis de um único processo
que tem o objetivo de nos oferecer formas de compreensão do mundo sensível. Nesse sentido,
Rudolf Arnheim (2011, p. 39) afirma:

O pensamento psicológico recente nos encoraja então a considerar a visão


uma atividade criadora da mente humana. A percepção realiza ao nível
sensório o que no domínio do raciocínio se conhece como entendimento. O
ato de ver de todo homem antecipa de um modo modesto a capacidade, tão
admirada no artista, de produzir padrões que validamente interpretam a
experiência por meio da forma organizada. O ver é compreender.

Segundo Fernand Saint-Martin (1990, p. 114-116), nossa compreensão visual é


decorrente de nossa capacidade de estruturação do mundo visual na forma de linguagem. Essa
capacidade de estruturação está atrelada ao nosso comportamento perceptivo, comportamento
este estudado pela psicologia da Gestalt. Para a autora, o sentido semântico é o resultado de
quatro fatores: (1) relações topológicas, por exemplo, relação de proximidade (vizinhança),
separação, continuidade, entre outras; (2) agrupamentos por relações da psicologia da forma
(Gestalt), ou seja, relações de semelhança, segregação, fechamento, boa forma, entre outras;
(3) características do suporte visual, e; (4) tipo de perspectiva utilizada, por exemplo,
perspectiva com um ponto de fuga, com dois pontos de fuga, com três pontos de fuga,
curvilínea, entre outras. A concepção de Saint-Martin possui uma consistente vantagem, visto
que consegue elaborar uma teoria que associa aspectos culturais da tradição visual e de nossa
compreensão da linguagem visual e conceitos perceptivos da psicologia da Gestalt.
Umberto Eco (1970, p. 18), de certa forma, corrobora essa convergência entre aspectos
da psicologia da Gestalt e elementos da linguagem visual, uma vez que defende que a
iconicidade da imagem está relacionada a três tipos de propriedades do objeto, ou seja, as
propriedades óticas (propriedades visíveis), ontológicas (presumíveis) e convencionais
(qualidades ou denotações culturalmente conhecidas). Essa perspectiva é importante visto que
o sentido semântico da imagem está relacionado, em grande medida, à sua capacidade
icônica, como uma forma de semântica descritiva (sincrônica) no campo visual. Visto que a
imagem fotográfica é concebida como um índice icônico, podemos considerar as três
propriedades elencadas por Eco como essenciais a essas imagens, às quais podemos
acrescentar sua capacidade para comprovar a existência de seu referente por meio da
contiguidade física com aquilo que está representado.

41
Estas perspectivas assumidas por Villafane (2006) Arnheim (2011) Saint-Martin
(1990) e Eco (1970) complementam-se no sentido de constituir uma perspectiva sobre a
fenomenologia da imagem que corresponde a uma interação entre o mundo visual e a
cognição visual, ou seja, de um lado, o campo visual na qualidade de fenômeno, e de outro, a
percepção/cognição como intepretação dos fenômenos sensoriais visuais. Estes pontos de
vista são bastante coerentes, no entanto, nos parecem, se não equivocados, ao menos
parcialmente incompletos, visto que nossa compressão do mundo ou dos fenômenos é
mediada pela linguagem. A noção de que apenas pela mediação da linguagem podemos
compreender os fenômenos e de que o nosso entendimento do mundo é delineado pela ação
dos signos é um paradigma essencial para a compreensão da dimensão lógica da significação
semântica da linguagem visual. Santaella (2013, p. 206), em sua obra dedicada ao estudo das
matrizes da linguagem e do pensamento, é particularmente assertiva ao afirmar:

As matrizes sonora, visual e verbal são tomadas neste livro como matrizes da
linguagem e do pensamento. Quer dizer, proponho a existência de um
vínculo indissociável entre o pensamento e a linguagem. Assim sendo, a
linguagem ou representação visual deve estar umbilicalmente atada tanto ao
mundo visual tal como percebido quanto às imagens mentais estimuladas
pela percepção ou não.

Assim, retornamos à constatação de Júlio Plaza (2013, p. 19): “a expressão de nossos


pensamentos é circunscrita pelas limitações da linguagem”, ou seja, a linguagem permeia
nossa compreensão e possibilidades de interpretação dos fenômenos. Portanto, a
fenomenologia da linguagem visual, enquanto aspecto adjacente a sua dimensão lógica e
semântica, define-se por uma relação triádica estabelecida entre os seguintes termos: (1) o
mundo visual, na qualidade de fenômeno; (2) nossa interpretação desses fenômenos , sendo
estes estruturados como tal pela percepção/cognição visual, e; (3) a linguagem como
mediadora entre os estímulos emanados pelo campo visual e a interpretação que fazemos
deste mundo, fornecendo as bases e os meios para nosso entendimento e para o que pode ser
compreendido. Vale lembrar que o conceito de regra semântica apresentado por Morris (1976)
e aplicado especificamente às imagens pictóricas e fotográficas, interesses da presente
pesquisa, delimitou a mediação da linguagem a dois tipos de signos, ou seja, os ícones para
pinturas e o índice icônico para a fotografia.

42
1.8. Dimensão pragmática da linguagem visual

A dimensão pragmática da linguagem diz respeito à “relação dos signos com seus
intérpretes”. É uma instância coletiva da comunicação que “trata dos aspectos bióticos da
semiose, isto é, de todos os fenômenos psicológicos, biológicos e sociológicos que ocorrem
no funcionamento dos signos” (MORRIS, 1976, p. 50). Herman Parret (1997), em sua obra
dedicada à estética da comunicação, discute o conceito de “pragmática” produzindo uma
perspectiva bastante objetiva, como segue:

Em primeiro lugar, o sentido do objeto pragmático é determinado por seu


posicionamento num contexto e, em particular, por sua força de
contextualização. O sentido não é portanto imanente, como afirma o slogan
estruturalista. Mas devemos levar em consideração o fato de que o objeto e
seu contexto não são entidades autônomas e estáveis: eles só existem por
meio de uma interdependência dinâmica. Alguns pragmaticistas anglo-
saxônicos demonstram precisamente sua ingenuidade ao atribuírem um
status ontológico radical aos contextos, transformados dessa forma em
situações, ao invés de explorar a ideia de que o contexto é sempre o efeito
provisório de uma contextualização [...]. Aqui encontramos a primeira
propriedade da “via” pragmática: a exigência de transcendência do sentido
(PARRET, 1997, p. 12-13).

Portanto, o sentido pragmático é definido pela circunstância que acompanha o fato ou


a situação. É um sentido transcendente, uma vez que, nesse plano, a significação não emana
do objeto, mas advém do contexto, transcendendo o objeto. Além disso, devido à sua
condição cultural, temporal e histórica, o sentido se torna “o efeito provisório de uma
contextualização”.
No entanto, como dissemos anteriormente, a dimensão pragmática da linguagem
refere-se também à natureza retórica e simbólica da linguagem. Segundo Romanini (2016), a
retórica “vê a comunicação em sua máxima amplitude, e estuda os efeitos comunicativos em
geral na produção e troca de sentidos culturalmente”. Por sua vez, a palavra símbolo vem do
grego symbalon que possui seu sentido etimológico relativo a “manter junto” ou “juntar”.
Tem relação com a palavra comunicar, de origem latina, que significa “em comum” ou
“tornar comum”. No campo psicológico, o simbólico se refere à capacidade de produzir
representações mentais a partir das experiências sensíveis da percepção e fenomenológicas do
entendimento. Portanto, o simbolismo se refere à instância coletiva do conhecimento, possui a
função sociocultural de comunicação e a capacidade de representação das vivências humanas.

43
Além de ser o âmbito responsável pela dimensão coletiva da comunicação, o nível
pragmático é também plano mais elevado da semiose da linguagem, o que corresponde dizer
que este é o plano no qual ocorre a ampliação dos sentidos. Isto é, a atribuição de novos
significados a signos já existentes, a emergência de novos signos e sistemas de linguagem e
até mesmo a construção de sentidos conotativos a partir da construção de categorias abstratas,
como resultado dos processos ordinários da cognição simbólica. A cognição simbólica atribui
sentido convencional aos estímulos sensoriais por meio de categorias abstratas e socialmente
compartilhadas. Por exemplo, por atribuir a um som de trovão o sentido de perigo por meio
do qual a conotação produzida pode ser associada à de medo. No entanto, segundo Lévy
(2014, p. 107), “a cognição simbólica pode evocar outra coisa além dos fenômenos sensíveis:
crenças, ideias, significações complexas, narrativas, problemas”. Essas possibilidades
cognitivas de construções simbólicas coletivas e abstratas ocorrem por meio da ação de
“operadores de categorização” que podem realizar diversas operações complexas, como
segue:

Graças aos mecanismos sintáticos fornecidos pelos sistemas simbólicos, os


operadores cognitivos representados pelos significantes podem eles mesmos
ser objeto de operações complexas, tais como: composição, decomposição,
arranjos, rearranjos, triagens, substituições, conexões, desconexões e assim
por diante... Assim, o simbolismo abre à cognição uma dimensão
praticamente ilimitada de complexidade recursivamente construtiva (LÉVY,
2014, p 107).

Portanto, a dimensão pragmática e simbólica da linguagem e do pensamento também é


a dimensão da articulação de operações cognitivas complexas de diversas categorias, como
demonstrado por Lévy. Esse aspecto é especialmente relevante, uma vez que a proposta da
presente pesquisa parte da hipótese de que o corpo influencia os processos de comunicação
visual nas imagens fotográficas e pictóricas. Esta influência necessariamente ocorre como
resultado das operações cognitivas simbólicas no plano pragmático da linguagem visual.
Nosso ponto de vista defende a existência de “operadores cognitivos” capazes de
realizar operações de “convergência” nas quais as informações visuais são associadas à figura
humana sendo incorporadas ao sujeito da imagem. Como vimos anteriormente, segundo a
semiótica peirceana, existem ao menos três planos de significação que aplicamos à
comunicação visual: (1) o plano sintático, isto é, as significações formais oriundas do plano
de expressão; (2) o plano semântico, ou seja, as significações visuais denotativas decorrentes
do plano de conteúdo, e; (3) as significações simbólicas, quer dizer, o âmbito dos hábitos de

44
interpretação e das convenções sociais. Nossa perspectiva argumenta que, no âmbito da
cognição simbólica visual, as significações sintáticas e semânticas convergem ao corpo, na
forma de convenções culturais e hábitos de interpretação, sendo associados a ele por meio da
ação de “operadores cognitivos” que realizam operações de convergência e associação das
informações visuais à figura humana.
Nesse sentido, a dimensão pragmática da comunicação visual possui importância
fundamental, uma vez que o âmbito pragmático corresponde também ao plano da retórica da
linguagem e da cognição simbólica, sendo a convergência desses planos que constitui o
ambiente adequado para a ação dos operadores cognitivos que realizam as operações de
convergências das informações visuais à figura humana. Dito de uma maneira mais simples,
tomamos como exemplo uma imagem em que a organização dos elementos formais
proporciona um enquadramento a partir de um ângulo baixo que deixa o sujeito em um plano
superior e, desta maneira, a sensação superioridade/imponência é associada ao sujeito.
Portanto, uma significação oriunda do plano de expressão é incorporada à figura humana. A
associação da informação significante ao sujeito, segundo nossa perspectiva, deve-se à própria
estrutura e ao funcionamento do nível simbólico da cognição e pragmático da linguagem
visual.
Neste primeiro capítulo, apresentamos os aspectos iniciais mais relevantes pertinentes
à organização e estruturação da linguagem no âmbito da comunicação visual, suas dimensões,
planos e níveis de estruturação e suas respectivas caraterísticas e modos de funcionamento.
Agora seguimos para o próximo capítulo, no qual abordaremos as relações socioculturais
entre as imagens pictóricas e fotográficas que atribuíram à figura humana seu status
hegemônico, que, por sua vez, justifica a associação dos distintos níveis de informação visual
ao corpo.

45
CAPÍTULO 02 – CULTURA VISUAL E PREDOMINÂNCIA DO CORPO/FIGURA
HUMANA

2.1. Imagem e representação

O conceito de imagem refere-se predominantemente a três tipos de formas visuais,


sendo: (1) as representações visuais, isto é, as pinturas, desenhos, fotografias, vídeos, entre
outras, oriundas do campo das artes e das mídias; (2) as representações mentais, ou seja, as
formas visuais relativas à mente, são visões, abstrações, fantasias e modelos provenientes da
imaginação, e; (3) o campo visual, quer dizer, as imagens diretamente apreendidas pela
percepção visual. Portanto, o conceito de imagem, sob qualquer aspecto, apresenta-se
intimamente atrelado à noção de representação. Nos dois primeiros casos, isso torna-se
evidente pela sua própria designação, uma vez que são nomeados representações visuais e
mentais. No entanto, no terceiro talvez seja necessário esclarecer que, segundo a semiótica
peirceana, os objetos da percepção ao alcançarem o plano da cognição estabelecem relações
de representação sígnicas que permitem a compreensão do mundo, impreterivelmente,
estruturado como linguagem. Assim, a apreensão do campo visual, no que tange à nossa
compreensão do mundo e de seus objetos, é uma forma de representação.
Diante de nossa temática, as representações visuais ocupam uma posição de enorme
relevância. Contudo, visto sua intrínseca relação com o campo visual e as representações
mentais, todos estes três âmbitos da imagem tornam-se pertinentes. No que se refere à relação
entre as representações visuais e as representações mentais Santaella e Nöth (2012, p. 15),
afirmam que:

Ambos os domínios da imagem não existem separados, pois estão


inextricavelmente ligados já em sua gênese. Não há imagens como
representações visuais que não tenham surgido de imagens na mente
daqueles que as produziram, do mesmo modo que não há imagens mentais
que não tenham alguma origem no mundo concreto dos objetos visuais.

Por sua vez, as relações entre as representações visuais e o campo visual foram por
muito tempo negligenciadas. Apenas no início do século XX alguns estudos no campo da
Psicologia começaram a se debruçar de forma mais consistente sobre essa temática. Nesse
sentido, os estudos de Psicologia Visual de J. J. Gibson tornaram-se um marco sobre sua
importância e formas de abordagem. Em sua obra The perception of the visual world,
publicada pela primeira vez em 1950, por meio da distinção entre o mundo visual e o campo

46
visual, o autor constrói uma teoria sobre o funcionamento do sistema visual e dos tipos de
informação que encontram-se disponíveis ao sistema e, consequentemente, manifesto à nossa
compreensão.
O ambiente é representado pelo campo visual que, por sua vez, é tudo aquilo
percebido pelo sistema visual. O ambiente é também a origem dos estímulos visuais
necessários à percepção. No entanto, ver o mundo, ou perceber o campo visual, não é o
mesmo que compreender o mundo ou o ambiente ao redor. Como afirma o próprio autor,
“também é plausível dizer que embora o campo visual seja visto o mundo visual é
compreendido”15 (GIBSON, 1950, p. 42). Entender como podemos compreender o mundo
visual a partir do campo visual, e dos estímulos perceptivos oriundos do ambiente, é a questão
que Gibson procura elucidar. Para o autor a chave dessa problemática está na relação entre o
sistema perceptivo e a informação visual fornecida pelo próprio campo. Santaella (2012, p.
47) resume a perspectiva gibsoniana, nos seguintes termos:

O sistema perceptivo está em sintonia com as variações e invariantes do


ambiente, uma informação que é ativamente buscada pela interação. Para
Gibson, o ambiente contém informação objetiva na forma de invariantes que
permitem o reconhecimento de propriedades das superfícies, objetos e assim
por diante (SANTAELLA, 2012, p. 47).

Gibson, ao destacar o papel que a informação proporcionada pelo campo visual exerce
sobre a compreensão visual, constrói uma teoria que institui a percepção como um elemento
primordial para a cognição visual e aquisição de linguagem. Portanto, temos uma
aproximação bastante relevante entre a perspectiva semiótica e a gibsoniana. No entanto, o
que mais nos interessa nesse momento é compreender a ampliação conceitual que a noção de
campo visual, como proposta por Gibson, oferece para o estudo das representações visuais.
Nesse sentido, em relação ao campo visual as representações são, simultaneamente, objeto e
produto. Por um lado, assumem o caráter de objeto, uma vez que, do ponto de vista da
recepção, as representações visuais encontram-se incorporadas ao ambiente e são percebidas
como um componente ou qualidade de um determinado campo visual. Por outro lado, as
representações visuais assumem a condição de produto, na medida em que sua existência só é
possível mediante a capacidade de experiência perceptiva visual e consequente demanda
social e estética de representação. Obviamente, o campo visual também influencia a geração
de imagens mentais, uma vez que, como já foi dito, as representações visuais são originárias

15
Texto original: “It is also plausible to say that although the visual field is seen the visual world is only known”.

47
das representações mentais. Dessa maneira, as experiências perceptivas oriundas do campo
visual, e que incluem as representações visuais na qualidade de produto de um campo
determinado, operam como common ground, no sentido peirceano (CP 3:621), ou seja, como
uma base comum ou repertório de qualidades que permite a comparação entre a representação
e o objeto representado.
Compreendemos esses três domínios da imagem, isto é, o campo visual, as imagens
mentais e as representações visuais, como três instâncias de interação do sujeito com a
iconosfera. O conceito de iconosfera foi cunhado, em 1959, pelo acadêmico e cineasta francês
Gilbert Cohen-Seat e se refere ao conjunto das informações visuais inseridas na sociedade
pelos meios de comunicação de massa. Portanto, essas interações entre indivíduo e objetos
imagéticos da iconosfera podem ser de três formas ou níveis de relacionamento denominados,
respectivamente, plano de recepção, plano simbólico e plano de produção. O sentido dos
termos recepção e produção são bastante evidentes no campo da comunicação. No entanto,
vale esclarecer que a noção de plano simbólico refere-se ao conceito de “imaginação
simbólica”, apresentado por Gilbert Durand (1993), em sua obra de mesmo nome. Nesse
sentido, a dimensão simbólica é entendida como uma instância da compreensão humana em
que o imaginário, por meio de representações mentais, modela nossos comportamentos
sociais, desejos e formas de pensamento. Em outras palavras, as representações visuais, postas
em circulação pelos meios de comunicação de massa, são inseridas na sociedade por meio das
dinâmicas comunicacionais e, assim, integradas ao ambiente social na forma de objetos
culturais. As representações visuais tornam-se parte constituinte do campo visual
influenciando nossas representações mentais e, consequentemente, atuando sobre nossa
compreensão simbólica do mundo.
As práticas sociais que circunscrevem as diferentes formas de interação do homem
com as dinâmicas de representação dos objetos imagéticos da iconosfera constituem a
chamada cultura visual. Nicholas Mirzoeff, em sua célebre obra Uma introdução à cultura
visual16, a define como uma condição pós-moderna determinada pela eminência da imagem e
predominância do visual em detrimento dos aspectos verbais da cultura moderna e do
romance impresso que foi a forma de expressão preponderante durante o século XIX
(MIRZOEFF, 2003, p. 20).
As relações entre os conceitos de representação, iconosfera e cultura visual são
latentes. Uma vez que a iconosfera pode ser entendida como a esfera da semiose visual, isto é,

16
Texto original: “Una introducción a la cultura visual”.

48
o campo da significação das imagens em que objetos e dispositivos visuais produzem novos
sentidos, signos e linguagens, considera-se a cultura visual como o plano social em que tais
significados tornam-se disponíveis à interação humana. Campo visual, representações mentais
e representações visuais são modos de interação do homem com tais objetos de linguagem. A
cultura visual é o âmbito do embate entre os sistemas de linguagem no qual estas relações de
visualidade ocupam um lugar de destaque na semiose social.
Entre os estudos de cultura visual, é amplamente aceita a ideia de que uma das
qualidades intrínsecas da realidade sociocultural pós-moderna é a ampla circulação de
imagens nas mais diversas atividades e práticas cotidianas, decorrentes da predominância da
visualidade na experiência sensível humana. Nessa perspectiva, Mirzoeff (2003, p. 28) afirma
que “a maioria dos teóricos da pós-modernidade17 concordam que um de seus traços
distintivos é o domínio da imagem”. A partir da premissa de que a cultura circunscreve as
relações sociais e os comportamentos dos indivíduos, mediando suas ações, percepções,
sensações e pensamentos, somos conduzidos a refletir sobre as implicações da predominância
da visualidade sobre os indivíduos e seus modos de organização social. Por sua vez, W.T.J.
Mitchell (2015, p. 6), assumindo outra perspectiva e ampliando o conceito, propõe que a
cultura visual pode ser compreendida como um campo de estudos relativo às representações e
percepções visuais delimitado pela convergência entre a “construção social do campo visual e
a construção visual do campo social (igualmente importantes)”. Ainda segundo o autor, a
cultura visual enquanto campo de estudos é uma vertente da história da arte, juntamente com
a iconologia e os estudos de mídia (2015, p. 6), portanto, a tradição da produção visual
artística encontra-se associada aos estudos de cultura visual. Nesse sentido, os vínculos e
influências do campo visual e das imagens mentais em relação às representações visuais
correspondem a interesses dos estudos de cultura visual. É importante ressaltar ainda que
estas associações também serão à base de uma cultura do corpo, que em sua expressão visual,
oferece à figura humana algum tipo de eminência, como iremos demonstrar.

2.2. Continuum cultural e a teoria dos interpretantes

O conceito de “continuidade da cultural” é definido a partir dos estudos sobre cultura e


modernidade de Frederick Barnard (1973) e da antropologia cultural de Felix Keesing (1964).

17
O termo “pós-modernidade” foi cunhado por Jean-François Lyotard em sua obra A condição pós-moderna. O
conceito se refere a uma ampliação ou reação à modernidade. Sendo a pós-modernidade determinada pela
ruptura com o paradigmas do pensamento moderno defendidos pelos iluministas, isto é, pelo fim da crença na
razão e na ciência como fundamentos para o progresso contínuo da humanidade.

49
Nesses estudos, a cultura é compreendida como um continuum constituído por meio da
interação constante entre tradição e evolução, a partir da tensão entre duas forças, isto é,
continuidade e ruptura, que se associam formando um único continuum cultural. Nessa
perspectiva, a cultura, na qualidade de sistema de continuidades, é simultaneamente
estruturada pela integração de novos elementos culturais à semiose social e pela adaptação de
elementos tradicionais aos novos contextos socioculturais. O próprio Barnard (1973, p. 621),
salientando algumas concepções do pensamento do filósofo alemão Johann Herder, apresenta
o conceito de continuum cultural, nos seguintes termos:

Tradição e progresso não incorporam mais duas tendências opostas, mas um


único continuum. Progresso, ou mais precisamente mudança, torna-se uma
característica interna da tradição, e evolução é vista, portanto, ao mesmo
tempo, como parte de um dado continuum cultural e instrumento para sua
transformação.18

Os objetos culturais produzidos pelo homem, sejam eles materiais, como ferramentas,
utensílios, adornos e vestimentas, ou conceituais, como suas formas de expressão, de ações e
de linguagem, possuem significado. “Sem o conhecimento de seus significados, esses
elementos culturais são incompreensíveis” (SANTAELLA, 2010, p. 46). Tais objetos
culturais ao serem introduzidos na dinâmica da cultura são incorporados a sistemas de signos,
adquirindo significado. Desta forma, o estudo dos significados dos artefatos culturais,
estabelecidos por meio de convenções simbólicas, por natureza, apresenta-se como um tema
próprio do campo semiótico.
Do ponto de vista da semiótica peirceana os processos culturais vinculam-se à teoria
dos interpretantes, mais especificamente, sobre os conceitos de hábito e mudança de hábito. A
capacidade do faneron ou da natureza para a aquisição de hábitos é equivalente à sua
disposição a quebra de tais hábitos, o que conduz fatalmente à aquisição de novos hábitos.
Portanto, os conceitos de hábito e de quebra de hábito correspondem às tendências de tradição
e progresso (ou de continuidade e ruptura) pertencentes à estrutura do continuum cultural. No
entanto, vale chamar a atenção, que no caso da teoria dos interpretantes, esta disposição à
aquisição e ruptura de hábitos extrapola a esfera da semiose social, sendo um princípio geral
da consciência individual e/ou coletiva e da própria natureza. Nesse sentido, Farias (1999, p.
12) afirma:

18
Texto original: “Tradition and progress no longer embody two opposed tendencies, but a single continuum.
Progress, or more precisely change, becomes a built-in characteristic of tradition, and development is seen,
therefore, as at once part of a given culture continuum and the instrument for its transformation”.

50
É importante frisar que o conceito Peirceano de hábito não está,
necessariamente, ligado a processos conscientes, e muito menos se restringe
a seres humanos ou vivos (no sentido corriqueiro da palavra): “percebemos
que algumas plantas adquirem hábitos. O fluxo de água que prepara um leito
de rio está formando um hábito” (CP 5.492).

Para a adequada compreensão da relação entre natureza e hábito devemos observar a


concepção peirceana de cognição e sua proposta para a relação matéria/mente. Para Peirce,
mente não se refere à parte imaterial do cérebro ou da razão humana, mas diz respeito a entes
lógicos que independem de sua materialidade em indivíduos. Existirá mente, em alguma
medida ou forma, onde houver causação final, intencionalidade ou proposito (ROMANINI,
2016, p. 32). Por sua vez, matéria é mente corporificada por meio de hábitos intensamente
estabelecidos (FARIAS, 1999, p. 12). Nas palavras do próprio Peirce: “a matéria não tem
existência, exceto como uma especialização da mente, segue-se que tudo o que afeta a matéria
de acordo com leis regulares é matéria em si”19 (CP 6.268). É importante chamar a atenção
para o fato de que, do ponto de vista peirceano, a cultura pode ser entendida como mente
coletiva, ou seja, intencionalidades e propósitos materializados e incorporados ao conjunto
social, por meio de regularidades convencionais.
No pragmatismo peirceano, a questão do hábito, ou da mudança de hábito, se relaciona
com sua teoria dos interpretantes, visto que tais condições se estabelecem a partir dos efeitos
produzidos pelo sentido. Segundo Nöth (1995, p. 65), Peirce, “numa fase pré-terminológica,
referiu-se aos três constituintes do signo simplesmente como signo, coisa significada e
cognição produzida na mente”. Sendo, posteriormente, os três termos dessa relação
denominados, respectivamente, representamen, objeto e interpretante. Dessa maneira, o
interpretante refere-se ao efeito produzido pelo signo sobre a mente, ao mesmo tempo em que
se estabelece como o terceiro termo da relação sígnica.
A teoria dos interpretantes propõe algumas divisões e classificações. Em um primeiro
momento, Peirce distingue três tipos de interpretantes: (1) interpretante imediato, isto é, o
conjunto das possibilidades de interpretação, ou ainda, “a significância do signo, a espécie de
‘atmosfera interpretativa’ que o interprete imputa ao signo, uma interpretabilidade que existe
apenas in posse, dependendo do interpretante dinâmico para ser atualizada” (ROMANINI,
2006, p. 120); (2) interpretante dinâmico, ou seja, o “efeito realmente produzido na mente

19
Texto original: “matter has no existence except as a specialization of mind, it follows that whatever affects
matter according to regular laws is itself matter”.

51
pelo signo”20 (CP. 8.343), e; (3) interpretante final, o efeito que seria ou deveria ser produzido
na mente, sobre determinadas condições ideais (CP. 8.343). O interpretante final é um ideal
normativo e condicional futuro, portanto, esse grau de interpretabilidade nunca é realmente
alcançado na sua totalidade.
Peirce, nos últimos anos de sua vida, na chamada fase madura, com a sofisticação de
sua teoria, concebe outra classificação dos interpretantes. Em sua segunda tricotomia, enuncia
três classes de interpretantes, correspondentes aos três níveis das categorias peirceanas de
primeiridade, secundidade e terceiridade, respectivamente, denominados de: interpretante
emocional, energético e lógico. Embora não haja consenso entre os scholars, como demonstra
Santaella (2000, p. 81-87), iremos adotar a perspectiva de David Savan (1988), segundo a
qual a segunda tricotomia dos interpretantes refere-se a uma subdivisão do interpretante
dinâmico. Assim, o interpretante emocional refere-se aos efeitos produzidos pelos signos
sobre a mente interpretadora quando esse efeito é da ordem da primeiridade, ou seja, é uma
qualidade de sensação, uma emoção ou um sentimento inicial (LISZKA, 1996, p. 26). Por sua
vez, o interpretante energético diz respeito aos efeitos de sentido produzidos em
correspondência com a categoria de secundidade e, portanto, correspondem ao plano da ação.
Peirce denomina o interpretante energético como um esforço físico ou mental (CP 5.475) e,
desse modo, segundo Liszka (1996, p. 26) “pode provocar alguém no pensamento ou fazer
com que alguém se levante do assento”21. Por fim, o interpretante lógico compete ao plano da
terceiridade e, consequentemente, das regularidades. Peirce afirma que a essência do
interpretante lógico é o hábito (CP 5.486). De maneira mais ampla, podemos dizer que o
interpretante lógico “é o hábito de interpretação ou o hábito de ação que a interpretação do
signo engendra”22 (LISZKA, 1996, p. 27).
A teoria dos interpretantes vincula-se às tendências de continuidade e ruptura do
continuum cultural, visto que, os produtos culturais e nossa própria vivência cultural, física e
intelectiva, tornam-se hábitos de ação e pensamento. Pretendemos demonstrar que as práticas
culturais de representação visual, na forma de hábitos de ação, constituem-se como
interpretantes lógicos, isto é, hábitos culturais de ação referentes a modos de produção
comunicacional e de arte. Tais práticas de produção resultam em práticas de recepção desses
artefatos culturais que, por sua vez, instituem-se como hábitos de interpretação engendrados
pela circulação social dos objetos de representação visual. Portanto, os modos de leitura dos

20
Texto original: “effect actually produced on the mind by the Sign”.
21
Texto original: “might provoke one into thought or cause one to rise from his seat”.
22
Texto original: “is the habit of interpretation or the habit of action which interpretation of the sign engenders”.

52
produtos visuais, na qualidade de práticas de recepção, correspondem a hábitos de
interpretação que são interpretantes lógicos.
O que foi dito até aqui parece óbvio dadas as consequências semióticas das definições
peirceanas. No entanto, o que nos interessa de fato é a complexidade que a representação da
figura humana introduz a essas dinâmicas de produção e leitura das representações visuais.
Nossa proposta se estabelece a partir da sucessão de consequências analisadas pelo próprio
Peirce a respeito de sua segunda tricotomia dos interpretantes. Segundo sua definição, “o
interpretante lógico é um efeito do interpretante energético, no sentido em que este último é
um efeito do interpretante emocional” (CP 5.486). Defendemos a perspectiva de que as
técnicas de representação pictórica que se estabeleceram a partir do Renascimento,
permitiram a produção de obras figurativas com extremo grau de realismo. O impacto dessa
figuratividade nas representações visuais pictóricas em uma cultura dominada por aspectos
religiosos proporcionou uma completa catarse ou fascinação estética baseada na semelhança
entre Deus e os homens. Essa condição estética introduziu na cultura renascentista uma lógica
visual fundamentada nesta relação de iconicidade baseada na semelhança entre criador e
criatura, e proporcionou à representação do corpo/figura humana certa preeminência em
relação a outros elementos visuais ou outros tipos de representação que não a continham. Esse
fascínio estético causado pelo impacto da representação figurativa do corpo humano foi capaz
de produzir nos indivíduos daquela cultura certa qualidade de sensação que podemos chamar
de interpretante emocional. Com a perpetuação desses modos de produção visual figurativos e
da predominância de temáticas apoiadas na iconicidade e representação da figura humana,
tornam-se recorrentes certos modos de leitura ou de recepção desses objetos visuais, tendo
como ponto de partida e de principal interesse o corpo humano. Podemos chamar esse
estimulo à ação ou ao esforço, no sentido peirceano, que a figura humana introduz na
produção e recepção dos objetos visuais, de interpretante energético. Na medida em que esse
estímulo visual se cristaliza na forma de hábito cultural passamos ao âmbito do interpretante
lógico como hábito de ação. Por fim, esse interpretante na qualidade de hábito de ação,
proporciona um hábito de interpretação visual na qual as informações visuais contidas nesses
suportes são incorporadas à figura humana representada em consequência de sua
preeminência e destaque.
No que tange à fotografia, devemos acrescentar que seu impacto social, do ponto de
vista das forças de tradição e continuidade do continuum cultural, consolida a tendência à
figuratividade e representação mimética do corpo nas expressões visuais ao mesmo tempo em
que perpetua os hábitos de interpretação dessas imagens, na qualidade de interpretantes

53
lógicos. Por outro lado, do ponto de vista das forças de ruptura e evolução desse mesmo
continuum, a fotografia desloca a atuação desses interpretantes lógicos do campo das artes
para o campo das mídias. Uma vez que as sociedades pós-industriais na segunda metade do
século XX presenciaram a emergência da chamada cultura midiática e o pleno
desenvolvimento dos meios de comunicação de massas e de outras mídias, podemos dizer que
a fotografia, mais do que deslocar a atuação desses interpretantes lógicos, amplia seu âmbito
de ação, incluindo ao campo artístico o campo midiático.
Apresentados os pressupostos semióticos, os conceitos fundamentais dos estudos sobre
cultura e aspectos iniciais sobre o impacto cultural da fotografia, pertinentes à produção e
recepção das representações visuais e à compreensão visual de tais imagens, seguimos adiante
para refletir, com maior profundidade, sobre o papel que a fotografia exerce na produção e
perpetuação de tais hábitos de interpretação e efeitos de sentido.

2.3. Rupturas culturais da imagem fotográfica

Compreendidas as relações de força do continuum cultural, ou seja, sua perpétua


orientação em estabelecer vínculos entre as tendências à tradição e à evolução, vamos inserir a
fotografia nesse contexto das tendências à continuidade e ruptura das estruturas culturais. A
maior parte das teorias sobre a imagem fotográfica se estabeleceu a partir da análise de suas
características particulares, valorizando seus aspectos essenciais, suas distinções em relação à
pintura e evidenciando o impacto cultural imposto por seu advento. A respeito dos aspectos
singulares da fotografia em relação à pintura e demais meios de representação visual, o artigo
Ontologia da imagem fotográfica, de André Bazin, escrito em 1945, é apontado como um dos
mais importantes textos. A perspectiva ontológica de Bazin influenciou diversos estudos,
entre os de maior destaque podemos citar os primeiro artigos de Barthes sobre fotografia, A
imagem fotográfica, A retorica da imagem e sua célebre obra A câmara clara. Além desses,
influenciou ainda a produção de autores como Rosalind Krauss (2002) e Susan Sontag (2004),
entre outros. Bazin (1991, p. 21) declara primeiramente o impacto da fotografia sobre a
pintura e o mundo das artes ao afirmar que a fotografia “liberou as artes plásticas de sua
obsessão pela semelhança”. Em seguida, reforça seu ponto de vista destacando a objetividade
da imagem fotográfica em divergência à subjetividade presente nos suportes visuais
anteriores, nos seguintes termos:

54
A originalidade da fotografia em relação à pintura reside, pois, na sua
objetividade essencial. Tanto é que o conjunto de lentes que constitui o olho
fotográfico em substituição ao olho humano denomina-se precisamente
“objetiva”. Pela primeira vez, entre o objeto inicial e a sua representação
nada se interpõe, a não ser um outro objeto. Pela primeira vez, uma imagem
do mundo exterior se forma, automaticamente, sem a intervenção criadora
do homem, segundo um rigoroso determinismo [...]. Todas as artes se
fundam sobre a presença do homem; unicamente na fotografia é que fruímos
da sua ausência (BAZIN, 1991: 22).

O autor ressalta o determinismo técnico intrínseco ao processo fotográfico responsável


por sua condição objetiva, uma vez que, a imagem técnica do mecanismo fotográfico é
produzida sem a intervenção da ação criadora do artista, como ocorre com a pintura. Segundo
a perspectiva ontológica, a imagem formada sobre o negativo é produto da mediação técnica
do dispositivo fotográfico. Pela primeira vez a representação visual não é uma decorrência da
ação e subjetividade humanas, não é a consequência da ação criadora do artista, mas sim
produto da mediação técnica do dispositivo fotográfico.
Em Barthes, a perspectiva ontológica apresenta-se como uma teoria da linguagem, isto
é, esta análise dos aspectos singulares da imagem fotográfica assume um viés sígnico,
referente à sua capacidade comunicativa. Barthes (1986, p 13) concebe o “estatuto particular
da imagem fotográfica”23 como um paradoxo, ou seja, “é uma mensagem sem código”24. Em
A câmara clara, Barthes (2015, p. 67) passa do âmbito da Comunicação à Referência que, em
suas palavras, é “a ordem fundadora da fotografia”. Segundo o autor:

O Referente da Fotografia não é o mesmo que o dos outros sistemas de


representação. Chamo de “referente fotográfico”, não a coisa
facultativamente real a que remete uma imagem ou um signo, mas a coisa
necessariamente real que foi colocada diante da objetiva, sem a qual não
haveria fotografia.

Por fim, o autor declara: “na Fotografia jamais posso negar que a coisa esteve lá. Há
dupla posição conjunta: de realidade e passado. E já que essa coerção só existe para ela,
devemos tê-la, por redução, como a própria essência, o noema da Fotografia” (BARTHES,
2015, p. 67).
A perspectiva ontológica oferece à nossa investigação sobre as rupturas impostas pela
imagem fotográfica, aspectos particulares e essenciais desse suporte nas inovações
relacionadas às artes, comunicação e linguagem. Tais inovações, no que se referem às forças

23
Texto original: “el particular estatuto de la imagen fotográfica”.
24
Texto original: “es un mensaje sin código”.

55
estruturais da cultura, são características pertencentes ao âmbito da tendência ao progresso e
evolução do continuum cultural. Outros autores menos vinculados à perspectiva ontológica
também reforçam esta vertente. Por exemplo, Walter Benjamin, em seu artigo A obra de arte
na era de sua reprodutibilidade técnica, investiga e interessa-se mais pelo impacto cultural e
estético causado pelo surgimento da fotografia do que pela análise de seus aspectos essenciais
e distintivos em relação à pintura. Segundo a perspectiva de Benjamin (1987), a fotografia,
depois da xilogravura e da litogravura, institui o início de uma nova era marcada pela
“reprodutibilidade técnica”. Com o surgimento da litografia, as artes gráficas adquirem o
mesmo nível de elaboração que a imprensa de Gutemberg, no século XV, ofereceu à escrita,
no entanto, a partir do advento da fotografia, com sua velocidade de assimilação, o processo
de reprodução das imagens alcançou o mesmo grau de elaboração que a oralidade
(BENJAMIN, 1987, p. 167). Segundo o autor, conforme as artes consolidam suas estratégias
de reprodutibilidade técnica, amplia-se seu valor de exposição em detrimento de seu valor de
culto, unicidade e aura. Benjamin (1987, p. 176) em sua análise sobre o impacto da fotografia
sobre a cultura e mundo das artes afirma “muito se escreveu, no passado, de modo tão sutil
quanto estéril, sobre a questão de saber se a fotografia era ou não uma arte, sem que se
colocasse sequer a questão prévia de saber se a invenção da fotografia não havia alterado a
própria natureza da arte”.
Villém Flusser em sua obra Towards a philosophy of photography lançado no Brasil
com o nome Filosofia da caixa preta, de certa forma, coloca em continuidade a investigação
de Walter Benjamin, a respeito dos impactos históricos e culturais da fotografia na qualidade
de artefato tecnológico. Para o autor a fotografia é uma espécie de matriz dos modelos de
representação aos quais denomina por “imagens técnicas”. O surgimento da fotografia e
demais imagens técnicas, marca o início da emergência da cultura da imagem em detrimento
da anterior forma cultural predominantemente verbal e escrita. Da mesma forma que, o
advento da escrita delimita o início da história e fim da pré-história, o surgimento da
fotografia delimita o fim da fase histórica e início da fase “pós-histórica”, determinada pela
predominância cultural das imagens técnicas. Nas palavras do próprio autor: “Historicamente,
as imagens tradicionais precedem os textos, por milhares de anos, e as imagens técnicas
sucedem aos textos altamente evoluídos [...]. Historicamente, as imagens tradicionais são pré-
históricas; as imagens técnicas são pós-históricas” (FLUSSER, 2011, p. 29).
Embora muitas outras formas de ruptura cultural possam ser destacadas, uma em
especial chama nossa atenção devido à sua pertinência semiótica. Nos referimos à discussão
posta por Jean-Marie Schaeffer em sua obra A imagem precária, a respeito das qualidades

56
indiciais e icônicas da fotografia. Sendo a pintura definida por suas qualidades icônicas, a
fotografia se distingue por sua condição duplamente híbrida de índice icônico e ícone
indexical. Nas palavras do próprio autor:

Acabo de qualificar a imagem fotográfica de índice icônico e ícone indexical


ao mesmo tempo. Não suponho assim que os dois termos são equivalentes:
expressam o estatuto ambíguo deste signo, definido algumas vezes pelo
predomínio da função indicial, e outras vezes pela função icônica. Dito de
outro modo, a imagem fotográfica considerada como construção receptiva
não é estável (SCHAEFFER, 1990, p. 75).

Portanto, o autor define os aspectos essenciais e distintivos da fotografia, na qualidade


de signo de recepção, por sua condição ambígua entre a predominância, por vezes indicial,
por outras icônica. Obviamente, Schaeffer assume uma perspectiva mais arrojada e complexa
do que as anteriores, superando a perspectiva ontológica em favor de uma fenomenologia da
imagem. No entanto, o que nos interessa de fato neste momento são as similaridades entre
essa perspectiva e as anteriores, ou seja, sua tendência a explorar aspectos singulares da
fotografia que a distingue da pintura e demais suportes de representação visual.
Em relação aos aspectos culturais das representações visuais concebemos que a maior
parte das teorias sobre a imagem fotográfica valoriza suas características peculiares e
produzem discursos de ruptura cultural entre as representações fotográficas e pictóricas.
Todos os estudos aqui citados de Bazin, Barthes, Benjamin, Flusser, Schaeffer, entre outros,
serviram de exemplo de perspectivas que destacam aspectos de descontinuidade entre tais
suportes visuais.
No entanto, nossa proposta defende que mesmo que estes discursos e teorias sejam
coerentes em seus pontos de vista, não podemos compreender plenamente a importância da
fotografia, nem mesmo as implicações de seu advento, sem considerarmos as continuidades
culturais entre as imagens pictóricas e as imagens fotográficas.
Por esse motivo, seguimos agora no intento de investigar tais aspectos de
continuidade, dentre os quais acreditamos ser o corpo humano o elemento cultural de maior
relevância, motivo pelo qual defendemos a perspectiva da incorporação das informações
visuais à figura humana, nesses suportes visuais, como pretendemos demonstrar.

57
2.4. Continuidades culturais da imagem fotográfica e a representação da figura humana

Visto que a maioria das teorias visuais destaca os aspectos particulares e distintivos da
fotografia em relação aos demais suportes visuais, para conseguirmos tratar dos aspectos de
continuidade que as imagens fotográficas compelem ao continuum cultural, renunciaremos,
em parte, ao âmbito das teorias fotográficas e daremos maior ênfase ao tratamento concreto de
suas manifestações. Obviamente, para tratar das continuidades postas em jogo pela fotografia
em relação à pintura, necessariamente, teremos que recorrer a aspectos concretos manifestos
pelas representações pictóricas. Nossa intenção é demonstrar que a representação da figura
humana, no âmbito das artes pictóricas e posteriormente no âmbito midiático da fotografia, é
um elemento de continuidade cultural cristalizado na semiose social, instituindo-se, no que se
refere à perspectiva dos interpretantes peirceanos, como hábito de produção na esfera de tais
representações visuais.
Entre os tratados de pintura mais importantes da história da arte, certamente, figuram o
tratado de Leonardo Da Vinci e o curso de pintura de Roger de Piles. Embora Da Vinci tenha
vivido durante a segunda metade do quattrocento e início do cinquecento, seu tratado de
pintura foi publicado pela primeira vez, apenas, em 1651, como resultado de um conjunto de
esforços que incluem: sua dedicação a esses escritos no final de sua vida; a catalogação de
seus textos, organizados como uma coleção, por seu discípulo e herdeiro Francisco Melzi, e
ao empenho de Cassiano dal Pozzo, influente patrono das artes, secretário do cardeal de Roma
e editor da publicação. Porém, o que de fato nos interessa a respeito de seu tratado refere-se a
seu conteúdo. A análise da publicação nos leva a concluir que se trata de uma obra de caráter
teórico e prático, em que a parte teórica se ocupa de três tipos principais de interesses:
aspectos científicos em torno de questões como a percepção humana à cor, o comportamento
da luz e a categorização das sombras; de aspectos técnicos, como a formação das cores ou
ainda aplicação da perspectiva, do chiaroscuro e do sfumato; aspectos expressivos como a
representação dos gestos, dos movimentos, das expressões, das atitudes e das proporções
humanas. No entanto, no que se refere aos aspectos empíricos, a obra trata quase que
exclusivamente do corpo humano, sendo todos os aspectos científicos, técnicos e expressivos,
anteriormente comentados, aplicados à figura humana. Por exemplo, o comportamento da luz
é aplicado ao corpo, os tipos de sombra são aplicados ao corpo, o mesmo ocorre em relação
ao chiaroscuro e sfumato. A perspectiva é comentada por ele como uma ferramenta de
proporção entre os corpos humanos e seu estudo das proporções é na realidade um estudo das
proporções humanas. O que desejamos afirmar por meio desta análise é que Da Vinci, ao

58
propor um tratado de pintura, na verdade, produziu um tratado de pintura sobre figura
humana.
Roger de Piles, em seu Cours de peinture par principes (Curso de pintura por
princípios), publicado um ano antes de sua morte, em 1708, ocupa-se de aspectos filosóficos e
técnicos sobre a pintura. Em sua obra, dedica-se a assuntos como a beleza, os tecidos, o
contraste e as proporções. No entanto, o que nos chama a atenção é que, ao tratar do assunto
da beleza, por exemplo, o artista se refere à beleza do corpo humano (PILES, 1760, p. 134-
135), ao tratar dos tecidos, se refere aos tecidos das vestimentas humanas, ao tratar do
contraste se refere “não apenas ao diferentes movimentos das figuras, mas as diferentes
situações dos membros”25 do corpo para enfatizar a gestualidade e expressão dos sujeitos
(PILES, 1760, p. 102) e, por fim, ao tratar das proporções refere-se às proporções humanas.
Embora o artista, em sua obra, tenha dedicado uma parte para tratar do assunto das paisagens,
a atenção oferecida à figura humana é bastante destacada e, por exemplo, a parte destinada
aos estudos dos retratos é muito maior. Dessa forma, queremos chamar a atenção para o fato
de que, mesmo que Roger de Piles tenha nomeado sua obra como curso de pintura, na verdade
trata-se de um curso de pintura predominantemente, mesmo que não exclusivamente,
dedicado à representação da figura humana.
A representação da figura humana tem sido ao longo de toda a história o elemento de
maior importância no âmbito das artes, acontecimento que tem se intensificado,
gradativamente, a partir do Renascimento. Essa concepção é um dos fundamentos da
perspectiva “antropológica da arte”, defendida por Hans Belting (2007, p. 111), já que, para o
autor, “a história da representação humana tem sido a da representação do corpo”. Nadeije
Laneyrie-Dagen, na apresentação da obra de Lichtenstein (2008, p. 9), corrobora este ponto de
vista, nos seguintes termos:

Desde a antiguidade até o início do século XX, a representação da figura


humana foi a preocupação maior da arte ocidental, e sua principal
característica em relação às tradições artísticas judaica ou muçulmana. Mas
os artistas, e depois deles os críticos, hesitaram entre dois partidos
dificilmente conciliáveis: a busca da beleza ideal, isto é, da forma de um
corpo humano perfeito, concebido abstratamente ou, segundo a lenda,
construído por superposição dos mais belos traços de vários indivíduos; e a
de uma verdade da representação, que dê a ilusão da presença de um
personagem real.

25
Texto original: “non feulement les differens mouvemens des figures, mais les differentes situations des
membres”.

59
A autora ressalta a posição de destaque que a representação da figura humana ocupa
no campo das artes figurativas, ao mesmo tempo em que trata da beleza ideal na arte,
referindo-se de fato à beleza do corpo humano nas representações visuais. Por meio desta
observação de Laneyrie-Dagen e da análise dos tratados de pintura de Leonardo da Vinci e
Roger de Piles, pretendemos demonstrar que, desde pelo menos o Renascimento, do ponto de
vista da produção dos objetos artísticos visuais, a figura uma humana se estabelece como um
elemento predominante no campo das representações visuais, cristalizado nos hábitos
discursivos e de produção.
Esta posição de destaque que a figura humana ocupa no campo da produção artística
visual pode ser empiricamente constatada. Basta observar a predominância das temáticas que
permitem a representação figurativa dos corpos humanos. Isto se torna ainda mais evidente se
selecionamos as obras pictóricas a partir do século XV até meados do século XX, quando as
vanguardas emancipam a pintura de suas amarras figurativas, entre outros motivos, em
consequência do advento e desenvolvimento da fotografia. Nesse sentido, podemos destacar
sete temáticas principais, sendo: (1) pintura religiosa, um dos temas mais tradicionais da arte
figurativa, voltado para a representação de santos e temas religiosos; (2) pintura de gênero,
refere-se à representação da vida cotidiana, ganha maior expressividade a partir do Barroco;
(3) pintura histórica, temática dedicada à representação de acontecimentos históricos; (4)
pintura mitológica, gênero dedicado à representação dos personagens ou contos mitológicos;
(5) pintura de retratos, um dos gêneros mais tradicionais da arte figurativa, juntamente com a
pintura mitológica e religiosa, dedica-se a representação de pessoas e famílias; (6) pintura de
paisagem, gênero bastante tradicional que ganha alguma evidência no renascimento, com o
advento da era dos descobrimentos, e ganha maior consistência partir da segunda metade do
século XVIII com o movimento romântico; (7) natureza-morta, gênero que cai em desuso
durante a idade média, volta a ser utilizado a partir do século XVI, destina-se a representação
de objetos inanimados. Dentre essas sete temáticas, apenas dois gêneros não se referem à
representação da figura humana, a natureza-morta e a pintura de paisagem, sendo todos os
outros cinco gêneros, direta ou indiretamente, dedicados à representação humana.
Obviamente, os gêneros da pintura mitológica e religiosa são incluídos nesse campo visto que
a representação dos deuses e santos é feita por similaridade aos corpos humanos.
Essa predominância da representação da figura humana no campo das artes pictóricas
é posta em continuidade pela fotografia no campo das artes visuais e é até mesmo ampliada
no âmbito da comunicação midiática. Do ponto de vista da teoria peirceana dos interpretantes,
o advento da fotografia implica a adoção de novos procedimentos técnicos, que representam

60
novas formas convencionais adotadas pelos artistas. Tais convenções ou inovações são,
segundo a perspectiva semiótica, a ruptura com antigas regras de produção, ou seja,
significam a mudança de hábitos. No entanto, de acordo com a perspectiva do continuum
cultural, devemos observar não apenas as forças de ruptura, mas também as de continuidade.
Nesse sentido, a representação figurativa do corpo humano tem se mostrado como um
elemento predominante, isto é, como uma regularidade no campo das representações visuais
artísticas, ou seja, como um hábito historicamente perpetuado.
A respeito dos interpretantes postos em continuidade do âmbito da arte para o campo
da fotografia e que se referem à representação figurativa do corpo, Andre Rouillé (2009, p.
113) comenta sobre a fotografia de nu:

Enquanto vários operadores como Alexandre Quinet ou Julien Vallou de


Villeneuve, inserem a fotografia, como veremos, na tradição artística do nu,
com suas formas e seus valores, a fotografia-documento causa o surgimento
de novas imagens de corpos desnudos, que não dependem da arte, mas do
documento, e que não são feitas para ser contempladas, mas para servir: são
estudos para artistas, vistas eróticas ou clichês médicos.

Em outro trecho, Rouillé (2009, p. 227) se refere à questão das poses e da gestualidade
humana nas representações visuais, demonstrando claramente aspectos de continuidade, nas
formas de representação da figura humana, entre a pintura e a fotografia, como segue:

As poses não são movimentos interrompidos, mas formas regradas e


convencionais [...]. Não há ai, nada de muito surpreendente, pois a pintura
acadêmica não procura representar a realidade do movimento, mas expressá-
lo através de instante privilegiados, segundo representações bem
estabelecidas pela tradição. Os primeiros fotógrafos perpetuam tal tradição
devido à lentidão de suas chapas e ao funcionamento de seus aparelhos, mas
sobretudo devido aos preceitos estéticos herdados de sua formação, que
constituem seu hábito de pintar. Na metade de século XIX, o aparelho não
serve ainda para recortar as imagens no espaço, mas para registrar
elementos, corpos e objetos dispostos nos limites do enquadramento,
segundo repertórios e esquemas estéticos já experimentados. Tais tipos de
fotografia, aliás, serviram generosamente de ferramenta aos pintores para
dominar as representações impostas pela arte, particularmente as do corpo
humano.

A fotografia mais do que impactar a própria arte, como questionou Benjamin (1987,
p. 176), ampliou o campo das representações visuais, inserindo-as no universo midiático.
André Rouillé (2009, p. 111) afirma que a fotografia devido a sua capacidade documental,
sucede a pintura como modo de representar o mundo, como segue:

61
É nessa situação que a fotografia surge e começa a substituir a pintura. Sem
que a pintura desapareça de seu universo visual, o homem ocidental confia
uma parcela crescente de seu olhar aos cuidados da fotografia. A pintura e a
arte perdem, assim, o essencial de suas funções (o que, incidentalmente,
favorece o impulso da famosa noção de “finalidade sem fim” da estética
kantiana). Para representar o mundo e educar o olhar, o documento
fotográfico sucede a arte.

Com a ascensão das sociedades industriais modernas, as demandas de representação


modificam-se e são gradativamente transferidas do âmbito da pintura para campo da
fotografia. As estruturas sociais midiáticas passam a produzir novos espaços de representação
e a ocupar espaços que anteriormente eram exclusivos das expressões artísticas. A fotografia
não apenas impacta o universo das artes como o campo da comunicação, trazendo novas
dinâmicas de representação ao universo midiático. Assim, os hábitos de representação
perpetuados pelas práticas culturais, na qualidade de interpretantes lógicos, não apenas
mantêm a predominância da representação figurativa do corpo como ampliam sua
abrangência.
Assim, apresentamos os aspectos mais relevantes que fundamentam a representação da
figura humana como o principal elemento de continuidade cultural entre a pintura e a
fotografia no âmbito das representações visuais. Tais aspectos justificam sua predominância e,
segundo a perspectiva semiótica peirceana, sua condição de interpretante lógico e hábito
cultural. Portanto, seguimos adiante com a intenção de analisar as relações entre o corpo e as
demais informações visuais presentes nestes suportes.

62
CAPÍTULO 03 – A REPRESENTAÇÃO DO CORPO/FIGURA HUMANA E A
CONVERGÊNCIA DAS INFORMAÇÕES VISUAIS

3.1. A figura humana e a convergência das informações visuais

Apresentados os argumentos em favor do entendimento do corpo humano como


principal elemento de representação visual no âmbito das continuidades culturais
estabelecidas entre a pintura e a fotografia, seguimos adiante no sentido de compreender as
implicações dessa proeminência para a organização das informações visuais e para a própria
cognição visual em si. Defendemos a perspectiva de que, no campo das representações visuais
figurativas, mais especificamente na fotografia, nas imagens em que o corpo humano possui
uma função expressiva relevante, as informações visuais são incorporadas à figura humana na
qualidade de aspectos conotativos e denotativos de sua representação. Esse processo de
associação das informações apresenta-se como um hábito cognitivo relacionado ao
comportamento visual humano e, portanto, segundo a semiótica peirceana, encontra-se
atrelado a ação dos interpretantes, isto é, tal associação ocorre como efeito da ação dos signos.
No que se refere à teoria dos interpretantes, em um primeiro momento se estabelecem
os interpretantes emocionais, isto é, qualidades de sensação, emoções ou sentimentos, na
condição de efeitos de interpretação produzidos pela ação dos signos sobre uma mente
interpretadora (CP. 5. 475). Os interpretantes emocionais se inserem em nossa proposta como
uma forma de catarse ou fascínio estético produzido pelo impacto da mimese que a
figuratividade e as técnicas de representação visual proporcionaram às artes pictóricas a partir
do Renascimento. Entre tais técnicas e ferramentas visuais podemos destacar: maior
conhecimento científico sobre o comportamento da luz e a modelagem das sombras;
compreensão sobre a percepção humana da cor; descobertas sobre a anatomia humana a partir
dos estudos de esfolado; estudos sobre as proporções humanas; construção de composição e
equilíbrio visual a partir da proporção áurea, e; uso da perspectiva linear, tonal e aérea. O
impacto da incorporação dessa figuratividade pela cultura Renascentista, marcadamente
religiosa, proporcionou uma relação estética visual baseada na semelhança entre Deus e os
homens, ou melhor, entre o plano imaterial e o plano material. As qualidades de sensação
proporcionadas por essa relação de analogia instituem-se como interpretantes emocionais
baseados na iconicidade entre a figura humana e os deuses. Jean Marie Schaeffer (2008, p.
127) afirma que “a importância da imagem em nossa tradição cultural liga-se ao fato de ela
ser o lugar do pensamento do corpo” e atribui a “nossa tendência a pensar em conjunto a

63
questão da imagem e a do corpo” a um “traço histórico da civilização cristã”. Tal tendência é
apoiada em três fatores principais: (1) o dualismo ontológico, isto é, a complementariedade
entre corpo e alma; (2) o criacionismo monoteísta, segundo o qual Deus fez o homem à sua
imagem, sendo o corpo humano ícone dessa semelhança e índice de seu poder e existência
(2008, p. 128); (3) o pensamento da encarnação, em que, por meio do sacrifício e do perdão
de Cristo, o homem se aproxima de Deus.
Segundo Hans Belting (2009, p. 45), na relação de iconicidade instituída pela
semelhança entre o corpo humano e as figuras teológicas sagradas “se situam tipos fixos que
se referem a arquétipos estabelecidos”26. Portanto, esse fascínio estético corresponde, em
grande parte, a aspectos antropológicos relacionados ao imaginário simbólico que, como
demonstra Gilbert Durand (1993), molda nossos sentimentos, ações e pensamentos. Belting
(2007, p. 111), citando Arthur Danto, nos define como um “ens repraesentans”, uma vez que
a representação é um aspecto que pertence à essência humana. Por fim, o autor afirma que,
“entendendo o corpo em um sentido cultural”27 e sendo a imagem do corpo uma forma de
representação, “a história das imagens refletem uma história do corpo”28. Assim, tanto Belting
quanto Schaeffer concordam que a importância que as representações visuais tiveram ao
longo da história deve-se ao fato de ser esse o lugar da representação do corpo, sendo os
componentes religiosos e icônicos, a base de sustentação dessa relação de representação
cultural.
Voltando à teoria dos interpretantes, devido ao fascínio estético dessas representações
visuais do corpo, em consequência de suas estratégias icônicas e de simbolismo religioso, a
figura humana ocupa um papel de destaque e centralidade nas representações pictóricas e nos
modos de interpretação e leitura desses artefatos culturais. Na cultura Renascentista, tais
estratégias estéticas de representação produziram seus efeitos e proporcionaram a seus
financiadores resultados de atração, sedução e manipulação. Assim, do ponto de vista da
produção de representações visuais figurativas, tal catarse estética, na qualidade de
interpretantes emocionais, conduzem a modos de produção, que são esforços de ação e,
portanto, interpretantes energéticos. Do ponto de vista da recepção e leitura dessa produção
visual, o destaque proporcionado ao corpo humano representado se estabelece como um
esforço mental de interpretação dessas representações pictóricas que, por sua vez, também são
interpretantes energéticos. Assim, os interpretantes emocionais que iniciaram a semiose do

26
Texto original: “se situan tipos fijos que se refieren a arquétipos estabelecidos”.
27
Texto original: “entendiendo el cuerpo en un sentido cultural”
28
Texto original: “la historia de la imagen refleja una historia del cuerpo”.

64
interpretante dinâmico, geraram duas formas de interpretantes energéticos: um esforço de
ação, como modo de produção artístico fundamentado na representação figurativa do corpo, e
um esforço mental, como modo de recepção, interpretação e leitura desses objetos de
representação visual. Por fim, na medida em que tais modos de ação e de interpretação
consolidam-se na cultura, estes interpretantes energéticos, passam do nível da secundidade
para o da terceiridade, instituindo-se como hábitos culturais e, portanto, como interpretantes
lógicos.
Com o desenvolvimento artístico e cultural após o Renascimento, outros preceitos e
movimentos artísticos surgiram relativizando, de certa maneira, alguns aspectos do
predomínio religioso e da representação do corpo, permitindo a produção e ascensão de
temáticas visuais baseadas em outras relações, como é o caso das pinturas de gênero e de
paisagens. Com isso, outros interpretantes certamente são produzidos, mas aqueles ligados à
figuratividade do corpo humano e seu papel de destaque se mantêm. Portanto, mesmo que a
cultura visual dos séculos XVII e XVIII relativize a primazia religiosa cristã e ofereça uma
maior pluralidade temática à produção artística, desde que o corpo humano mantenha sua
figuratividade e função destaque na representação visual, os interpretantes lógicos se mantêm
como hábitos mentais de intepretação.
Com o advento da modernidade, o predomínio da moral religiosa é relativizado em
favor da razão iluminista que reivindica seu espaço. Vemos também as dimensões técnica e
mecânica da cultura emergirem sobre os modos de produção manuais e artesanais. Dessa
forma, tanto a esfera de produção, quanto a de recepção desses interpretantes lógicos passa a
sofrer o perigo da ruptura de hábitos. No entanto, o que podemos constatar é que, com o
surgimento da fotografia, as estratégias de representação figurativa do corpo se aperfeiçoam e
se estabelecem como uma continuidade cultural. Portanto, tanto do ponto de vista da
produção, quanto da recepção dos objetos de representação visual, tais interpretantes lógicos,
respectivamente, na qualidade de hábitos de produção e de recepção, se mantêm na cultura.
No entanto, devido ao impacto produzido pela fotografia no mundo das artes, a legitimidade
da representação figurativa do corpo transfere-se do âmbito das artes e da expressão para o
âmbito das mídias massivas e da comunicação. Nessa transição, os aspectos religiosos da
representação figurativa do corpo humano são completamente sobrepostos pela dimensão de
expressividade narrativa dos objetos midiáticos. Portanto, para que tais interpretantes lógicos
referentes à interpretação do corpo humano nas representações visuais se mantenham como
efeitos de sentido e hábitos de leitura e interpretação, três aspectos precisam estar presentes
nas imagens fotográficas: (1) a figuratividade do corpo humano, isto é, precisa se assemelhar

65
a nosso modo de percepção visual; (2) a função de destaque na representação visual, quer
dizer, precisa ser o elemento principal da imagem, e; (3) expressividade narrativa, ou seja, a
figura humana precisa ser o elemento visual responsável pelo desenvolvimento da narrativa.
Devido à cristalização dos interpretantes lógicos referentes aos hábitos de leitura e
interpretação, as representações visuais que oferecem figuratividade ao corpo humano, papel
de destaque e expressividade narrativa possuem uma relação simbólica distinta das demais.
Defendemos que, nessas imagens, as informações visuais oriundas dos demais elementos
visuais da composição, na qualidade de conotações e denotações, são incorporadas à figura
humana. Essa perspectiva não é, exatamente, uma inovação advinda de nossa proposta.
Concepção parecida, mas formulada sobre outros pressupostos e a partir de outras
consequências, é oferecida pela Teoria do Corpo-Mídia (KATZ; GREINER, 2015), segundo a
qual, qualquer tipo de informação, ao entrar em contato com o corpo humano, torna-se corpo,
associando-se a ele.

Quando informação e corpo se encostam, a informação se transforma em


corpo em tempo real. No corpo, a comunicação nega o modelo hegemônico
das Teorias da Comunicação, aquele que assegura que tudo ocorre por input-
processamento-output e se realiza entre emissor-meio-receptor. O corpo
encontra a informação e ela se transforma em corpo, modificando-se
(KATZ; GREINER, 2015, p. 9).

Corroboramos em parte essa teoria. No que se refere à capacidade da figura humana


para a incorporação das informações, estamos de pleno acordo. Por outro lado, mesmo não
sendo nossa intenção criticar essa teoria, não julgamos possível o corpo ser capaz de negar o
plano ontológico do processo de comunicação, rompendo com seu paradigma fundamental da
relação entre emissor – meio (e mensagem) – receptor. Nossa perspectiva defende que a
associação da informação ao corpo, ocorre no plano mais elevado da cognição, isto é, ocorre
no plano da cognição simbólica, e não em seu âmbito ontológico/sintático, ou seja, tal
processo ocorre no âmbito da terceiridade e não da primeiridade. São os aspectos simbólicos
de nossa compreensão, postos em evidência pelos interpretantes que consolidam estas
relações de linguagem e produção de sentido. Assim, corroboramos a perspectiva de Pierre
Lévy (2014, p. 106) sobre os “operadores de categorização” que, na qualidade de operadores
cognitivos oferecidos pelos sistemas simbólicos, são objetos ou desempenham procedimentos
complexos de diversos tipos. Em nosso ponto de vista, a associação da informação à figura
humana é, apenas, uma dessas categorias de procedimentos desempenhados por estes
operadores simbólicos. Por fim, a Teoria do Corpo-Mídia defende que tal relação de

66
associação das informações ao corpo ocorre de forma ampla e irrestrita sobre todas as
condições e suportes. Nossa perspectiva possui um escopo mais restrito, defendendo que tais
relações de incorporação entre informação e figura humana, apenas, ocorrem no âmbito das
representações visuais, mais especificamente, no âmbito das representações pictóricas e das
imagens fotográficas, ainda assim, neste último caso, sob a observância daqueles três
pressupostos: figuratividade do corpo, sua função de destaque e sua expressividade narrativa.
Apresentados os argumentos teóricos que fundamentam os processos de associação
das informações visuais à figura humana, nos suportes em questão, seguimos adiante com a
intenção de compreender e especificar cada um destes diferentes tipos de informação visual e
como ocorrem seus respectivos processos de significação. Vale lembrar que, como
consequência das dinâmicas de relacionamento entre os três planos da linguagem, as
significações sintáticas, semânticas e simbólicas são incorporadas à figura humana, por
influência dos “operadores cognitivos” provenientes do plano pragmático. Assim, três tipos
de informação parecem assumir maior relevância, isto é, as significações sintáticas,
semânticas e simbólicas, sendo compreendidos diferentes planos de significação visual do
corpo humano figurativamente representado nas imagens fotográficas e pictóricas. Portanto,
nos próximos tópicos, vamos analisar de forma mais detalhada os processos sintáticos,
semânticos e simbólicos de significação visual.

3.2. Sobre a significação sintática

De acordo com os pressupostos da doutrina dos signos, como já demonstrado, existem


três planos da linguagem: a gramática especulativa, a lógica crítica, e a retórica universal
(LISZKA, 1996, p. 109). Uma vez que a semiótica é a ciência que investiga o funcionamento
de todas as linguagens, estes três segmentos constituem os três ramos da semiótica (CP
1.444). Um dos pontos de partida para essa concepção triádica das linguagens deve-se a
influência do pensamento de Duns Scot e da filosofia modista para o pensamento peirceano.
O modismo foi uma linhagem filosófica que vigorou durante parte da Idade Média,
mais especificamente, durante o século XIII e XIV, cujos adeptos também eram chamados de
gramáticos especulativos. Tal designação deve-se à orientação filosófica dessa vertente que
destinava-se a base do trivium, isto é, ao ensino literário, que correspondia à três matérias:
gramática, retórica (compreendida como poética) e dialética (entendida como lógica). O
fundamento da filosofia dos gramáticos especulativos era a “teoria dos modos” que tratava
dos possíveis “modos de significar” na linguagem. Como demonstra Beccari (2013, p. 98) a

67
metateoria modista é essencialmente triádica, uma vez que possui três partes, sendo: (1)
modos de ser, relativo às propriedades ontológicas de um objeto de entendimento; (2) modos
de entender; diz respeito aos modos dessas propriedades serem compreendidas, e; (3) modos
de significar, refere-se aos modos de representação ou de significação do objeto de linguagem
em questão. Essa construção triádica oferece muitas correspondências aos três planos da
linguagem como concebidos por Peirce e também à sua teoria dos correlatos. Além disso,
demonstra de forma categórica a grande influência que o pensamento de Duns Scot e a
filosofia medieval modista exerceram para a formação da doutrina dos signos. Por fim, ainda
explica o motivo pelo qual Peirce chamou o primeiro degrau de sua lógica semiótica de
gramática especulativa.
No que concerne às propriedades ontológicas de um objeto, visto que sua
compreensão é mediada pela linguagem e mesmo sua própria materialidade é constituída por
uma realidade sígnica precedente, compreender o objeto é o mesmo que compreender a sua
linguagem. Assim, o entendimento das características ontológicas de um objeto corresponde à
compreensão de sua estrutura de linguagem, por isso, a dimensão sintática é o fundamento de
qualquer entendimento, ou seja, o primeiro plano de qualquer linguagem é o âmbito de sua
gramática.
A noção de “elementos sintáticos” corresponde às relações formais ou de sintaxe que
regem as formas de articulação dos elementos gramaticais de determinado sistema de
linguagem. Assim, no que se refere à comunicação visual, o plano sintático é o âmbito da
estruturação das unidades mínimas de significação visual e de suas correspondentes relações
formais, no modo como estas se apresentam aos sentidos e à compreensão humana. No
primeiro capítulo desse trabalho construímos uma perspectiva geral a respeito dos estudos
referentes às características sintáticas nas artes visuais planares, constituindo o estado da arte
desses estudos. Por meio desse levantamento e da análise da própria estrutura visual das
representações planares, reconhecemos os parâmetros gramaticais de maior relevância e
distinguimos duas categorias sintáticas visuais, isto é, os elementos conceituais e as variáveis
visuais. Tais elementos e variáveis não possuem significados a priori, como defendem
algumas teorias visuais baseadas em pressupostos da psicologia da Gestalt – por exemplo,
Kandinsky (2012) – tampouco, possuem significados a posteriori convencionalmente
definidos, como ocorrem com as palavras. Defendemos que a significação visual encontra-se
estruturada mediante simultâneos sistemas de relações.
No que diz respeito às representações pictóricas e fotográficas, três planos de
produção de sentido são mais evidentes, isto é, as significações sintática, semântica e

68
simbólica, sendo a primeira referente às variáveis visuais, a segunda relacionada aos
elementos conceituais e a terceira pertencente ao contexto cultural. No âmbito da sintaxe
visual e das variáveis visuais, concebemos a existência de quatro sistemas de significação, ou
seja, as variáveis morfológicas, cromáticas, topológicas e ópticas. O conceito de variável se
refere à materialização plural, não-singular, de determinado tipo de elemento visual,
constituindo assim uma classe ou variável. No entanto, é preciso ressaltar que do ponto de
vista da semiótica peirceana, no âmbito da secundidade do primeiro correlato, um percepto
possui uma existência independente do sistema relacional no qual se insere. Assim, um
elemento visual, enquanto qualidade isolada de determinado ente comunicativo, assume a
condição de sin-signo, ou seja, uma qualidade que se corporificou em um existente (NÖTH,
1998, p. 77). Antes de se corporificar, existiu apenas como uma possibilidade de uma
qualidade pura e, dessa forma, como um quali-signo (CP 2.244). Após se corporificar, um sin-
signo assume uma forma na experiência cotidiana e assim pode novamente ocorrer, isto é, ser
replicado, “cada uma dessas ocorrências singulares é uma réplica” (NÖTH, 1998, p. 77). Na
medida em que tais ocorrências singulares são replicadas, estes particulares assumem a
condição de regularidades e, portanto, os sin-signos convertem-se em legi-signos (CP 2.246).
Por fim, estes legi-signos, ao tornarem-se objetos de cognição assumem a condição de
regularidades de segundo correlato. A segunda tricotomia é fundamentada na categoria
elementar da secundidade, sob a perspectiva das relações entre representamen e objeto
(NÖTH, 1998, p. 78). Inserido o objeto como segundo termo da relação semiótica, na qual o
objeto do signo corresponde ao referente, as categorias de segundo correlato emergem como
campo das relações e das comparações. Nesse sentido, os legi-signos tornam-se símbolos, ou
melhor, legi-signos simbólicos (remáticos), estabelecendo comparações entre as regularidades
e gerando significação.
É necessário esclarecer que por objeto entende-se “qualquer coisa que chega à mente
em qualquer sentido; de modo que qualquer coisa que é mencionada ou sobre a qual se pensa
é um objeto” (L. 482 apud SANTAELLA, 2012b, p. 33). O conceito de objeto significa
primariamente a criação da mente que se torna aquilo para o qual a cognição se dirige (MS
693 apud SANTAELLA, 2012b, p. 33). Assim, defendemos que no âmbito das
representações visuais pictóricas e fotográficas, os legi-signos são primordialmente
morfológicos, cromáticos e topológicos. No entanto, ao tornarem-se objetos de cognição,
relativos ao segundo correlato, nas relações sígnicas emergem as dinâmicas de comparação e
relação. Os elementos morfológicos e cromáticos inicialmente são comparados entre si,
produzindo suas respectivas variantes morfológicas e cromáticas. Concomitante a isso, a

69
simples percepção do posicionamento espacial de um elemento em relação ao todo do arranjo
visual, seja este forma ou cor, já configura uma relação entre a parte e o todo, produzindo as
variantes topológicas. Por fim, os elementos ópticos constituem um tipo particular de
variáveis visuais. A partir do Renascimento e antes do advento da fotografia, a perspectiva
cônica imperou como técnica (ou conjunto de técnicas) para a construção de representações
visuais realistas, portanto, tais elementos não variavam. Com a fotografia as variáveis ópticas
tornam-se evidentes uma vez que as diferentes lentes produziram variações desses elementos
visuais. Os elementos ópticos se corporificaram nas imagens fotográficas como sin-signos e
por meio da mediação técnica do dispositivo tornaram-se uma regra de sua visualidade e,
portanto, um legi-signo. Na comparação entre diferentes imagens fotográficas, e até com
pinturas, essas variáveis assumem a condição sígnica de símbolos ou legi-signos simbólicos
remáticos.
Embora os aspectos gramaticais de uma linguagem sejam predominantemente
ontológicos, sua significação evidencia convenções e regularidades dadas na relação entre
referente e objeto, uma vez que a significação emerge na relação entre intérprete e o ambiente
semiótico. Portanto, mesmo que os aspectos sígnicos em primeiro correlato tenham um papel
fundamental no percurso evolutivo da semiose, no caso das representações visuais em
questão, as características convencionais e as regularidades sígnicas possuem uma função
primordial para a significação e suas decorrências em relação ao objeto. Assim, as
características simbólicas desses signos serão preponderantes no que tange à dimensão
gramatical/sintática das representações visuais fotográficas e pictóricas.
Feitas as observações preliminares sobre os elementos sintáticos da comunicação
visual nas representações pictóricas e fotográficas, vamos seguir adiante para analisar as
particularidades destes processos sintáticos, sobretudo, o impacto que a metáfora, enquanto
classe de signo, exerce sobre a significação das variáveis visuais.

3.2.1. Os hipoícones e o conceito de metáfora


O âmbito da gramática especulativa refere-se à “teoria geral da natureza e dos
significados dos signos, sejam eles ícones, índices ou símbolos”29 (CP 1.191), portanto, tal
gramática tem por objetivo estudar a fisiologia dos significantes e seus modos de articulação,
ou seja, diz respeito àquilo que Duns Scot chamou de “modos de ser” dos signos. Uma vez
que nosso interesse vislumbra as linguagens visuais, mais especificamente fotografia e

29
Texto original: “the general theory of the nature and meanings of signs, whether they be icons, indices, or
symbols”.

70
pintura, as qualidades visuais ocupam uma posição de destaque em nosso estudo, o que coloca
em evidência a categoria sígnica dos ícones. Do ponto de vista ontológico, um ícone é um
signo em que o objeto corresponde ao representamen por meio de relações qualitativas de
analogia, isto é, “representa o objeto com base em semelhanças” (WALTHER-BENSE, 2010,
p. 15). Nessa perspectiva, os ícones são signos puros e estabelecem conexões fundamentadas
a priori em semelhanças qualitativas. No entanto, do ponto de vista fenomenológico tais
relações sígnicas assumem uma condição muito mais complexa, diante das possibilidades de
representação do fenômeno em relação ao phaneron, ou seja, de sua apresentação à mente ou
à consciência (CP 1.284). Nesse sentido, os ícones são, na verdade, quali-signos icônicos,
qualidades puras que, em condição de primeiridade (possiblidade), estabelecem relações entre
referente e objeto, mas sem existência positiva ou factual efetiva, isto é, sem manter uma
“conexão dinâmica com o objeto que representa”30 (CP 2.299). Uma vez que os quali-signos
possuem existência apenas hipotética (não corpórea), correspondem a formas degeneradas, e
não podem de fato atuar como signo (CP 2.244).
Diante da impossibilidade de os ícones puros estabelecerem relações efetivas na
experiência cotidiana, Peirce concebe ícones genuínos, ou com menor grau de degeneração e,
portanto, aptos a atuar efetivamente como signos, denominados Hipoícones. Os hipoícones
são “signos icônicos”, isto é, signos que participam das categorias de secundidade e
terceiridade, corporificados como sin-signo icônico ou legi-signo icônico (NÖTH, 1998, p.
79). De certa maneira, os hipoícones correspondem a um tipo de categoria oposta à dos ícones
puros, sendo estes últimos, signos degenerados que possuem uma existência hipotética no
âmbito da primeiridade. Ransdell (1966) defende a distinção entre os termos “hipoícone” e
“signo icônico”, respectivamente, pela noção de “signo potencial”31 e “signo efetivo”32. No
primeiro caso, um signo potencial é caracterizado pela possibilidade do signo de realizar uma
função, independentemente de realmente executa-la. No segundo caso, um signo efetivo é
aquele que está verdadeiramente ou “efetivamente atuando como signo” (RANSDELL, 1966,
p. 148-149). No que diz respeito aos signos icônicos, Peirce concebeu as três categorias
fundamentais como formas de distinção entre os modos de semelhança que o signo pode
estabelecer em relação ao objeto. Assim, podem haver três tipos de signos icônicos, ou
hipoícones: (1) imagem; (2) diagrama, e; (3) metáfora.

30
Texto original: “has no dynamical connection with the object it represents”.
31
Texto original: “potential sign”.
32
Texto original: “actual sign”.

71
Os hipoícones podem ser divididos de acordo com o modo de primeiridade
de que participam. Aqueles que participam de qualidades simples, ou
Primeiras Primeiridades são imagens; aqueles que representam relações,
principalmente as diádicas, ou assim consideradas, das partes de uma coisa
por relações análogas em suas próprias partes, são diagramas; aqueles que
representam o caráter representativo de um representamen representando um
paralelismo em outra coisa são metáforas33 (CP 2.277).

Portanto, no primeiro caso, o conceito de “imagem” corresponde a um signo


perceptivo, materializado no âmbito da apreensão das qualidades imediatas, na forma de
quali-signos sensoriais, isto é, formas, cores, texturas, sons, cheiros, entre outros. Tais
perceptos, na condição de signos sensoriais, fundamentam as relações de semelhança
existentes entre o hipoícone e o objeto.
No segundo caso, o diagrama refere-se um tipo de signo icônico que expressa
semelhança por meio de relações conceituais internas: “não são mais as aparências que estão
em jogo aqui, mas as relações internas de algo que se assemelha às relações internas de uma
outra coisa” (SANTAELLA, 2012b, p. 120). Assim, o diagrama supera o âmbito das
aparências e opera em outro nível, no qual a semelhança funciona como mediação entre
relações internas do signo e relações conceituais do objeto. Todos os gráficos são exemplos de
diagramas, mas outras sistematizações também podem corresponder a essa classe de signo
icônico, como por exemplo uma receita culinária, uma vez que as frases referem-se a um
conjunto de ações a serem executadas (NÖTH, 1998, p. 81).
Por fim, o terceiro caso refere-se à metáfora, ou seja, à terceiridade do hipoícone. As
metáforas estabelecem relações de semelhança na forma de paralelismo entre o caráter
representativo do signo icônico e o caráter representativo do objeto. As metáforas engendram
relações triádicas, sendo o paralelismo entre dois termos uma forma de semelhança instituída
como terceiro. O paralelismo da metáfora é o significado comum que emerge da relação entre
um sentido denotativo de um termo e o sentido conotativo de outro, concebido como o sentido
comum entre os dois termos.
Em síntese, Santaella e Nöth (2012, p. 65) distinguem as três classes de signos
icônicos afirmando que “a imagem é uma similaridade na aparência, o diagrama, nas relações,
e a metáfora, no significado”. Nöth (1998, p. 81-82) resume e finaliza a problemática a
respeito dos hipoicones, nos seguintes termos:

33
Texto original: “Hypoicons may be roughly divided according to the mode of Firstness of which they partake.
Those which partake of simple qualities, or First Firstnesses, are images; those which represent the relations,
mainly dyadic, or so regarded, of the parts of one thing by analogous relations in their own parts, are diagrams;
those which represent the representative character of a representamen by representing a parallelism in something
else, are metaphors”.

72
Os três tipos de ícone representam três graus de iconicidade decrescente e,
também, de degeneração semiótica. Imagens são imediatamente icônicas,
mas uma vez que significam sem passar pela secundidade e terceiridade são
signos degenerados. Metáforas são signos genuínos, mas por se referirem
indiretamente ao objeto possuem menos grau de iconicidade.

3.2.2. A função da metáfora na significação dos elementos sintáticos


Peirce não chegou a elaborar uma teoria acabada sobre a metáfora e nos poucos
escritos que deixou a esse respeito, apenas concebeu a distinção entre os ícones puros e os
hipoícones e descreveu o papel que a iconicidade exerce para a consolidação de cada um dos
diferentes tipos de signos icônicos. Nesse sentido, o estudo sobre a metáfora peirceana ganha
grande repercussão no trabalho de seus comentadores, uma vez que estes, mais do que o
próprio Peirce, tem se debruçado sobre as implicações deste conceito, tanto no âmbito da
epistemologia semiótica em si (REIS, 2006; HALEY, 1988; RANSDELL, 1966;
SANTAELLA 2012b), quanto de sua aplicação em outros campos, por exemplo: na literatura
e linguagem (HIRAGA, 1994, 2005; NÖTH, 2001), nas ciências cognitivas (SØRENSEN,
THELLEFSEN & MOTH, 2007; SØRENSEN, THELLEFSEN, 2011; SØRENSEN, 2008) e
na comunicação visual (JAPPY 2001, 2013).
Segundo Jappy (2001), para Peirce, a metáfora não está restrita ao campo verbal ou às
figuras de linguagem, uma vez que é “forma”, tem “natureza qualitativa”34, e, portanto, “não
há limite teórico para os tipos de signos que a metáfora pode ser inerente” 35. Romanini (2006)
define a metáfora como uma “terceiridade duplamente degenerada”, ou seja, um símbolo que
se manifesta por meio de qualidades. Segundo o autor, “a metáfora compartilha sua natureza
com o símbolo e com o ícone, de um lado, depende de um hábito, familiaridade ou
convencionalidade (trazidos pelo símbolo) e, por outro, de uma representação qualitativa do
objeto (trazida pelo ícone)” (ROMANINI, 2006, p. 101). Assim, entendemos a metáfora como
um tipo de símbolo no qual a iconicidade é predominante na relação entre o objeto e o
referente, ou ainda, sendo a metáfora, como já foi dito, a terceiridade do hipoícone a
compreendemos como um signo icônico que evoca aspectos simbólicos.
Do ponto de vista dos processos de significação a metáfora possui, segundo os
comentaristas peirceanos, uma posição fundamental e distinta dos demais signos icônicos, isto
é, da imagem e do diagrama. Como já foi dito, de acordo com Peirce, as metáforas
representam o caráter representativo do signo por meio de um paralelismo com algo distinto.

34
Texto original: “being qualitative in nature”.
35
Texto original: “there is no theoretical limit to the types of signs in which metaphor can inhere”.

73
Este paralelismo promove a associação entre dois diferentes universos de experiência,
permitindo a produção de novos significados, isto é, por recurso da justaposição de
propriedades de um primeiro sobre um segundo constitui-se um campo de ampliação do
sentido, indicando o crescimento semiótico (HALEY, 1988). Menos preocupado com as
relações entre metáfora e semiose e mais interessado nas implicações da metáfora sobre a
consciência e para as relações sígnicas do phaneron, Bent Sørensen (2008, p. 19-20) observa
as implicações das conexões entre as metáforas e os símbolos especificamente e afirma que
“parece ser apenas em virtude da metáfora que o símbolo pode ser dotado de um novo
sentido”36 e mais adiante complementa sua proposição dizendo que as metáforas, por meio de
seu paralelismo, “criam novos símbolos e novos conceitos”37. Para Sørensen, o importante
papel que as metáforas exercem como “mecanismo cognitivo” e para a própria ampliação de
sentido, em grande parte, deve-se às suas relações com os símbolos, mais do que com
quaisquer outros tipos de signos. Romanini (2006, p. 101) destaca a função das metáforas
para a percepção, “pois permitem a síntese da multiplicidade de estímulos em uma ideia” e
afirma que “a metáfora entrega ao Interprete uma informação possível na forma de
conotação”. É esse aspecto conotativo da informação que emerge da metáfora que nos
interessa no momento, sobretudo, nas representações visuais.
Por meio do paralelismo, a metáfora opera um mecanismo de projeção de sentido
semiótico, transformando sensações e qualidades de sentimento, presentes nas representações
pictóricas e fotográficas, na forma de conotações visuais, em símbolos impregnados de
iconicidade. Tais símbolos permitem que as qualidades de sentimento sejam, do ponto de
vista abstrato e verbal, se não plenamente descritas, ao menos, conceitualmente referenciadas,
na forma de substantivos (categorias de fenômenos) e adjetivos (propriedades dos objetos).
Assim, certa conotação visual na condição de qualidade de sentimento em primeiridade, isto
é, por exemplo, a vermelhidão do vermelho, pode conformar-se ao âmbito das regularidades e
convencionalidades como um aspecto simbólico, relacionado ao calor, à paixão ou ao perigo.
Ou ainda, a circularidade enquanto qualidade de uma linha ou forma arredondada pode
conformar-se convencionalmente como uma expressão da sensualidade, do feminino, do
singelo ou da simplicidade. Dessa maneira, é a propriedade da metáfora de associar
qualidades icônicas à aspectos simbólicos que permite que qualidades de sensação, que

36
Texto original: “It seems only to be by virtue of the metaphor that the symbol can be endowed with new
meaning”.
37
Texto original: “it creates new symbols, new concepts”.

74
existem apenas como conotações, tornem-se regularidades conceitualmente constituídas, isto
é, signos simbólicos dotados de alto grau de iconicidade.
No caso específico das representações visuais pictóricas e fotográficas, é essa natureza
híbrida de ícone e símbolo da metáfora que permite que as conotações visuais, na condição de
elementos sintáticos dessas linguagens, sejam simbolicamente compreendidas estabelecendo
relações entre qualidades visuais e conceitos. Essa elaboração conceitual das qualidades
visuais evidencia a emergência de relações abstratas concebidas como regularidades ou
normas estéticas de construção dos objetos artísticos e artefatos comunicacionais. Portanto, na
semiose visual, tais símbolos podem ser dotados de novos sentidos, ou ainda, tais relações
abstratas podem apontar para o surgimento de “novos símbolos e novos conceitos”.
Essa semiose visual que suporta a ampliação semiótica destes símbolos e conceitos
pode ser denominada significação visual. Nesse sentido, corroboramos a perspectiva dos
autores integrados ao Grupo µ (1993, p. 170) que concebem que o significado visual
encontra-se estruturado por um sistema de relações, mais do que por um conjunto de códigos,
uma vez que o significado emerge de relações morfológicas, cromáticas e topológicas e não
por formas e cores em si mesmas. No entanto, a respeito da terminologia, é preciso salientar
que a afirmação de que o “significado [visual] se manifesta como relacional e topológico”38
(GRUPO µ, 1993, p. 170), demanda um esclarecimento sobre seu sentido. Na verdade, a
noção de “relacional” refere-se à associação de sentido que ocorre como consequência do
paralelismo operado pela metáfora, porém, do ponto de vista estritamente peirceano, o sentido
visual não é efetivamente relacional, visto que a ampliação dos símbolos e conceitos ocorre
por meio da metáfora e não do diagrama. Mas de maneira geral, tal afirmação pode ser
encarada como correta, visto que o significado visual não é determinado por regras ou
convenções, o que evidenciaria um sistema de códigos, mas por “relações” de paralelismo
entre elementos visuais e conceitos simbólicos.
Por fim, devemos destacar duas funções primordiais da metáfora para os processos
sintáticos de significação visual. É importante lembrar que anteriormente dividimos os
elementos sintáticos em duas categorias: os conceituais e as variáveis visuais. Em ambos os
casos, por meio do paralelismo metafórico, ocorrem processos de produção de sentido. No
caso da relação entre a metáfora e os elementos conceituais, a significação visual produz
impacto sobre os elementos visuais e, quando associada à metonímia, gera denotação
estabelecendo significado semântico, como veremos. No caso da relação entre a metáfora e as

38
Texto original: “el significado se manifiesta como relacional y topológico”.

75
variáveis visuais a produção de sentido emerge do paralelismo entre qualidades visuais
produzindo significação sintática, ou melhor, conotações simbólicas. Vamos a seguir
compreender separadamente cada um destes processos, começando pela significação sintática,
ou seja, a partir da relação entre a metáfora e as variáveis visuais.

3.2.3. A metáfora e a significação das variáveis visuais


Podemos dizer que a significação visual no âmbito sintático que ocorre por meio das
variáveis visuais é um processo relacional, na medida em que a associação de sentido ocorre
mediante a relação entre elementos visuais e posterior paralelismo com elementos conceituais.
Quatro categorias de variáveis visuais foram anteriormente estabelecidas: (1) as morfológicas;
(2) as cromáticas; (3) as topológicas, e; (4) as ópticas. Cada uma dessas categorias irá
impactar a significação visual a partir de processos relacionais entre oposições qualitativas e
oposições relacionais. Assim, uma determinada variável visual, ao instituir uma categoria
dicotômica, produz um sistema de relações visuais constituído por um conjunto inicial de
relações sintáticas. Por meio do processo de paralelismo metafórico, as qualidades sintáticas
que compõem o conjunto inicial, são associadas a um conjunto relacional secundário, sendo
este constituído como uma categoria dicotômica conceitual. Portanto, por intermédio da
metáfora, sentidos simbólicos são associados a elementos sintáticos produzindo significação
visual. Vamos exemplificar para auxiliar a compreensão, tendo como ponto de partida as
variáveis cromáticas.
Podemos imaginar uma relação entre elementos visuais cromáticos estabelecidos a
partir da oposição branco vs. preto, categoria sintática associada a elementos conceituais
constituídos em uma categoria dicotômica simbólica, por exemplo, a dualidade conceitual
bem vs. mal, por intermédio do paralelismo operado pela metáfora, institui-se a significação
visual branco/bem vs. preto/mal. Situação similar pode ser constituída a partir de relações
topológicas, por exemplo, por meio da oposição alto vs. baixo em paralelismo com os
conceitos divino vs. mundano, estabelecendo a significação alto/divino vs. baixo/mundano.
Ou ainda, entre elementos morfológicos, a oposição retilíneo vs. curvilíneo em relação à
oposição conceitual masculino vs. feminino constituído a significação visual
retilíneo/masculino versus. curvilíneo/feminino.
É preciso destacar que a significação visual não depende necessariamente de
oposições entre elementos visuais no interior da obra ou artefato comunicacional. A
significação pode ocorrer por paralelismo em relação a elementos visuais externos à obra,
desde que cristalizados como hábitos de visualidade o que permite a operação de paralelismo

76
devido a sua evidente presença como commom ground39. Devemos esclarecer que o conceito
de ground se refere ao repertório ou base comum de qualidades que permite a comparação
entre o fundamento do signo e o objeto representado. Por exemplo, as variáveis ópticas
regulares foram cristalizadas como regularidades ou hábitos de representação visual no
âmbito das obras pictóricas a partir do Renascimento. Assim, uma imagem fotográfica
constituída por tais elementos irregulares, isto é, por distorções visuais decorrentes da
construção e distância focal de uma determinada lente, é comparada com o repertorio das
imagens em que as variáveis ópticas são regulares, constituindo a oposição regular versus
irregular, que por sua vez pode ser associada à oposição conceitual estética clássico versus
expressivo, estabelecendo a significação visual regular/clássico vs irregular/expressivo.
Dessa maneira, se a significação visual pode ocorrer por meio de um paralelismo
externo à obra ou artefato visual, visto a existência de um conjunto de predicados
estabelecidos como senso comum (ground), a produção de sentido não depende de nenhum
tipo de oposição efetivamente constituída entre seus elementos visuais instituídos no interior
de uma obra. Assim, a significação pode ocorrer entre elementos que poderiam existir, mesmo
que, de fato, tal oposição não tenha se efetivado concretamente no artefato visual. Por
exemplo, em uma obra barroca, em que as tonalidades escuras têm completo predomínio, com
a ausência de elementos claros, mesmo que no interior da obra não se efetive uma
determinada categoria cromática claro vs. escuro, tal oposição se estabelece por mediação do
ground, como uma possibilidade de interpretação. Portanto, o elemento cromático escuro
produz sentido visual pela oposição claro vs. escuro mesmo que tal oposição não exista
efetivamente na obra. Então, por meio do paralelismo metafórico tal oposição visual pode ser
relacionada à categoria conceitual estabilidade vs. dramaticidade, constituindo a significação
visual claro/estabilidade vs. escuro/dramaticidade. Sendo que, pela ausência de elementos
visuais claros, a significação conceitual de dramaticidade impõe-se predominantemente na
produção de sentido dessa obra (ou estilo), em particular.
Portanto, a significação visual, no que se refere aos aspectos conotativos, emerge a
partir de sistemas de relações entre qualidades e não das qualidades isoladas em si mesmas. A
simples possibilidade de se relacionar qualidades puras não oferece intelegibilidade aos

39
“A partir de 1905, Peirce deixou de usar o termo ground, provavelmente substituindo-o pelo
conceito de objeto imediato [...]. No entanto, o significado desses dois termos não coincidem
completamente – razão pela qual Peirce parece ter decidido abandonar o conceito de ground. O
ground permite explicar o funcionamento da representação na mente humana, mas não a semiose que
ocorre na natureza. O ground nasceu, portanto, no bojo da semiótica mentalista de um Peirce ainda
preso na teia do nominalismo e do Kantismo” (ROMANINI, 2006, p. 118-119).
77
objetos visuais. Nem mesmo a possibilidade de relacionar um conceito a uma qualidade
parece ocorrer efetivamente como parte de um sistema de códigos. A significação visual
depende de um sistema mais complexo, oferecido pela dinâmica de paralelismo da metáfora,
no interior de um sistema relacional entre elementos visuais. Tal sistema relacional refere-se
aos índices que foram incorporados à ação sígnica por meio dos símbolos, uma vez que
símbolos contêm índices, que por sua vez contêm ícones (CP 2.295). Junto a esse sistema
relacional, a metáfora opera um sistema de associação (paralelismo) de sentido que conecta as
qualidades icônicas às regularidades ou convencionalidades dos signos visuais. Disto resultam
símbolos impregnados de iconicidade que, na verdade, são conexões entre conceitos e
qualidades (símbolos e ícones) que ocorrem mediadas por comparações (índices).
Visto os processos de significação sintáticos a partir da relação entre a metáfora e as
variáveis visuais, seguimos adiante para compreender os processos de significação semântica
a partir das relações entre os elementos sintáticos conceituais e as denotações visuais.

3.3. Sobre a significação semântica

A significação semântica corresponde ao segundo plano de significação que, muito


embora se encontre em posição emergente em relação ao primeiro plano de produção de
sentido (âmbito sintático), também se apresenta fundamentado por este.
Tal constatação vai ao encontro das premissas das categorias peirceanas, visto que
Peirce fundamenta o relacionamento entre suas categorias fundamentais dos signos e da
natureza afirmando que uma secundidade manifesta exige uma primeiridade latente e, no que
lhe concerne, uma terceiridade manifesta demanda uma secundidade latente que por sua vez
reivindica uma primeiridade latente. Nas palavras do próprio Peirce:

A terceiridade envolve a secundidade e a primeiridade, em algum sentido.


Ou seja, se você tem a ideia de terceiridade, deve ter tido a ideias de
secundidade e primeiridade para construí-la. Mas o que é necessário para
uma ideia de terceiridade genuína é uma secundidade sólida independente e
não uma secundidade que é um mero corolário de uma infundada e
inconcebível terceiridade; e uma observação semelhante pode ser feita em
referência à primeiridade40 (EP 2:177).

40
Texto original: “Thirdness it is true involves Secondness and Firstness, in a sense. That is to say, if you have
the idea of Thirdness you must have had the ideas of Secondness and Firstness to build upon. But what is
required for the idea of a genuine Thirdness is an independent solid Secondness and not a Secondness that is a
mere corollary of an unfounded and inconceivable Thirdness; and a similar remark may be made in reference to
Firstness”.

78
Assim, a significação semântica reivindica algum relacionamento, ou dependência em
referência aos elementos sintáticos. Como demonstrado anteriormente, concebemos duas
classes de elementos sintáticos, isto é, as variáveis visuais e os elementos conceituais.
Entendemos as primeiras como a instância manifesta dos elementos sintáticos, por sua vez, os
segundos representam sua instância latente. Portanto, são os elementos conceituais, na
qualidade de elementos sintáticos latentes, que serão relacionados às denotações do plano
semântico.
É importante salientar que embora o presente tópico aborde a significação semântica
das linguagens visuais fotográficas e pictóricas, nossa proposta baseia-se na semiótica de
Charles Peirce e, mais especificamente, em grande medida, em sua teoria da informação e
comunicação. Mesmo que aspectos semânticos sejam enfatizados, não se trata de atribuir
meros significados verbais a significantes visuais, mas de compreender a informação visual
como uma forma de conhecimento que por meio dos signos encontra-se entranhada na
realidade e em constante evolução em consequência da semiose e da continua interpretação
dos signos. Portanto, não diz respeito a uma abordagem semântica da significação visual, mas
sim pragmática, como é a teoria semiótica peirceana.
Nessa perspectiva, para que se possa entender plenamente a noção de sentido
semântico aqui empregado é necessário que algumas terminologias semióticas sejam
apresentadas. Os primeiros conceitos-chave são o termo e a proposição. Um termo,
tradicionalmente, é uma forma gramatical que indica uma classe (substantivo) ou uma
qualidade (adjetivo). O termo é parte de uma proposição. “Uma proposição expressa uma
relação entre dois termos, sendo o primeiro um sujeito e o segundo um predicado”41 (NÖTH,
2013, p. 140). Peirce, em sua teoria da informação, distingue entre denotação (extensão ou
amplitude) e conotação (intenção ou profundidade). Segundo Romanini (2006, p. 32-33), o
conceito de conotação refere-se “às qualidades predicáveis de um termo”, já a denotação diz
respeito às “coisas às quais um termo se aplica”. Portanto, proposição é uma forma lógica,
que relaciona atributos (predicado) a uma determinada classe de coisas (sujeito). Ambos os
termos estão intrinsecamente ligados, e não podem ser separados, uma vez que “a denotação
de um símbolo é gerada por sua própria conotação”42, ou seja, só é possível “determinar seu
referente (denotação ou extensão) se compreendemos seu significado”43 (NÖTH, 2013, p.

41
Texto original: “A proposition expresses a relation between two terms, of which the first is the subject and the
second is the predicate”.
42
Texto original: “denotation of a symbol ‘is created by its connotation’”.
43
Texto original: “We can only determine the referent (denotatum or extension) of a word if we know its
meaning”.

79
141). Por fim, vale destacar que o conceito de informação é concebido como um terceiro
plano no âmbito da dualidade conotação vs. denotação (respectivamente, predicado vs.
sujeito) e, assim, relacionado ao crescimento semiótico e submetido à semiose. Ou seja, se
não há aumento da amplitude ou profundidade, das conotações ou denotações em uma
proposição, não há informação.
Na comunicação visual a significação semântica corresponde à denotação dos
elementos visuais concretamente reconhecidos. Abstrações ou formas figurativas não
reconhecidas não produzem sentido semântico concreto, mas sim sintático, que por meio da
metáfora, torna-se um sentido simbólico-sintático, como demonstramos anteriormente. A
significação visual semântica depende do efetivo reconhecimento de um referente em um
conjunto formal de qualidades, isto é, um índice é introduzido na dinâmica de significação da
metáfora originando uma metonímia. Vamos, a seguir, compreender de forma mais clara o
conceito peirceano de metonímia e analisar suas consequências em relação aos processos
fotográficos e pictóricos de comunicação visual.

3.3.1. O conceito de metonímia e a significação semântica


Anteriormente, analisamos o conceito peirceano de metáfora e observamos sua
participação sobre os processos de produção de sentido no âmbito sintático das linguagens
visuais fotográficas e pictóricas. Assim, a metáfora foi compreendida como a primeiridade da
terceiridade, ou seja, um signo icônico que evoca aspectos simbólicos. “Por isso, uma
metáfora é uma qualidade ou possibilidade de um predicado geral” (ROMANINI, 2006, p.
101). Sendo uma possibilidade, uma metáfora pode ser, por meio da experiência, confirmada
ou não. No caso de ser confirmada, passa-se do âmbito da possibilidade para o âmbito da
existência, isto é, da primeiridade para a secundidade. Dessa forma, o índice é introduzido na
dinâmica do paralelismo metafórico, dando origem à metonímia. Segundo Romanini (2006, p.
102-103), a metonímia é a secundidade da terceiridade e, por esse motivo, compartilha sua
natureza com o índice e com o símbolo. “A metonímia é a conexão de um índice, que é o
Sujeito de uma Proposição, a uma metáfora, que é um predicado geral”. Se a metáfora, como
já foi dito, é uma informação possível na forma de conotação, a metonímia é uma informação
existente na forma de denotação. Dito de outra maneira, na metonímia, as qualidades
metafóricas na condição de conotações são associadas a um referente, produzindo denotação.
Feitas estas primeiras considerações e apresentada a definição do conceito de
metonímia, segundo a semiótica peirceana, devemos agora voltar a tratar da questão da
significação semântica na comunicação visual das imagens fotográficas e pictóricas.

80
Como já foi mencionado, a dimensão semântica destes suportes refere-se à
significação que emerge da relação entre os elementos conceituais e os elementos visuais
denotativamente reconhecidos. É importante lembrar que os elementos conceituais não
possuem uma existência visual tangível, na medida em que não são componentes da imagem
que podem ser concretamente visualizados. Eles existem apenas como escolhas
composicionais que impactam os elementos visuais perceptivelmente materializados, ou seja,
os elementos conceituais existem apenas como relações abstratas que impactam a forma e
aparência dos elementos visuais concretamente materializados em uma imagem. Quatro
elementos conceituais foram anteriormente destacados: (1) a moldura; (2) os planos de corte;
(3) o ponto de vista, e; (4) o posicionamento. Por exemplo, um ponto de vista baixo, não é um
elemento visual concreto, mas influencia a aparência dos elementos visuais e apenas por meio
de suas decorrências este aspecto conceitual pode ser percebido ou referenciado. O mesmo
acontece com o posicionamento de um elemento visual, uma vez que sua posição é uma
relação abstrata em relação à moldura da imagem. Um posicionamento não pode ser
concretamente materializado em uma cena, apenas pode ser conceitualmente referenciado e
compreendido por meio de relações abstratas. Esse mesmo tipo de relação ocorre com a
moldura da cena e com os planos de corte, motivo pelo qual todos estes recursos
composicionais são denominados elementos conceituais. No entanto, nesse momento, o
importante é compreender como a metonímia, por meio da predicação das qualidades
metafóricas, influencia os processos de significação em cada um destes elementos conceituais.
Seguindo os pressupostos da semiótica peirceana, assim como uma secundidade
envolve uma primeiridade e um índice envolve um ícone, uma metonímia envolve uma
metáfora. Uma metonímia pode ser compreendida como um processo de referenciação em que
determinadas qualidades, na forma de predicado geral, são associadas a um sujeito. A
metáfora oferece as qualidades que serão relacionadas ao referente. No entanto,
diferentemente de um ícone, as qualidades metafóricas não são oriundas do próprio objeto,
mas da relação de paralelismo entre diferentes objetos de experiência. Portanto, a resultante
da metonímia é uma cognição que permite compreender um objeto não por suas qualidades,
mas por referência a qualidades externas que se apresentam como um plano de intersecção
entre diferentes objetos. Vamos a um exemplo para auxiliar o entendimento. Ao comer um
pudim caseiro, por meio da metonímia, compreendo seu sabor por associação (paralelismo)
com outro pudim vendido no mercado, e não por referência à suas próprias qualidades, por
exemplo, um pudim bastante adocicado. Portanto, a metonímia me permite compreender o
sabor do pudim não por suas próprias qualidades icônicas, mas por referência às qualidades

81
gustativas de outro pudim, no caso, o pudim do mercado. Assim, digo que este pudim é igual
(ou tem sabor parecido) ao pudim do mercado e não que este pudim é um pudim muito
adocicado. A metáfora é o processo de significação que permite associação das qualidades,
enquanto a metonímia é o processo de referência que possibilita a relação objetiva entre as
qualidades e o sujeito da proposição.
Na comunicação visual nas imagens fotográficas e pictóricas ocorre o mesmo. Mas
segundo nossa abordagem, o paralelismo metafórico ocorre na relação entre os elementos
conceituais e os visuais. Se tais elementos visuais são denotativamente reconhecidos e
referenciados pela cognição visual, ocorre à metonímia. No entanto, se a relação metafórica
acontece entre elementos conceituais e elementos visuais não reconhecidos pela cognição
visual, a referenciação não ocorre, produzindo apenas conotações não predicáveis ao um
termo, ou seja, impressões de sentido que não chegam a produzir juízos perceptivos. No caso
dos elementos visuais denotativamente reconhecidos e referenciados, a metonímia irá associar
a estes referentes visuais qualidades sintáticas na forma de sentido simbólico, por influência
da metáfora. Por exemplo, em uma determinada imagem, certo conjunto de elementos visuais
é percebido como representação de uma figura humana e, assim, semanticamente
categorizado pela cognição visual. Tal elemento é destacado de outros elementos visuais
reconhecidos e ainda das formas visuais não reconhecidas. Os elementos composicionais
(conceituais) fazem parte da cena, não de forma concreta, mas como relações abstratas que
influenciam a aparência dos objetos visualizados e consequentemente a própria figura humana
representada. No caso, podemos imaginar a escolha de um ponto de vista de baixo para cima,
este ponto de vista influencia a aparência dos elementos formais e sintáticos da imagem, de
maneira que certa configuração de formas e cores, ao ser percebida como uma figura humana,
irá proporcionar a sensação de que tal figura humana está em uma posição mais alta em
relação a seu observador. Será o paralelismo metafórico, posto em ação pela metonímia, que
irá oferecer um sentido simbólico aos elementos semânticos, por meio de sua influência sobre
a aparência dos elementos formais da imagem. Assim, a figura humana, além de ser vista
como em um ponto de vista mais alto, também poderá conotar sentidos simbólicos como os
de prepotência, dominância e superioridade. Obviamente, a escolha composicional por um
ponto de vista oposto ao anterior, isto é, um ponto de vista de cima para baixo, iria oferecer à
figura humana uma posição mais baixa em relação ao observador, portanto, os sentidos
simbólicos oferecidos pela metáfora seriam outros, provavelmente, conotando à figura
humana representada sensações de inferioridade, submissão e subordinação.

82
Neste exemplo, no caso dos elementos conceituais, foi utilizado o elemento
composicional do ponto de vista para auxiliar a compreensão de como a metonímia influencia
o sentido visual, mas o mesmo ocorre com os outros elementos conceituais, outro exemplo
pode ser o posicionamento de um elemento visual. Como já comentamos anteriormente, uma
localização em relação à moldura da cena pode ser um posicionamento nivelado ou aguçado,
isto é, pode ocupar uma posição regular e estável ou irregular e instável. Por meio da
metáfora, será oferecida à figura humana representada sentidos simbólicos, respectivamente,
mais relacionados ao comedido e moderado, por um lado, e ao dinâmico e arrojado, por outro.
Na significação visual, o plano de corte também sobre influência do processo de
paralelismo da metáfora impactando o sentido da imagem. Na medida em que os cortes
privilegiam ou a ação e o comportamento do(s) individuo(s), no caso dos planos mais amplos,
ou sua expressão e estado psicológico, no caso dos planos mais fechados, tais ações e estados
psicológicos, em sua condição semântica objetiva, pode ser impregnados de sentidos
simbólicos e subjetivos. Uma determinada atitude, aparência ou expressão pode ser
relacionada ao nivelamento ou ao aguçamento, isto é, pode ser entendida como, clássica,
comum e ordinária ou pode ser compreendida como moderna, arrojada e ousada,
respectivamente. Por fim, o próprio quadro, por meio de suas linhas de bordas, impõe à
imagem a predominância de relações visuais mais verticais ou horizontais. A metonímia
oferece sentido simbólico a essas conotações visuais, sendo, por um lado, os formatos
verticais mais imponentes e dinâmicos, e por outro, os formatos horizontais mais estáveis e
equilibrados. Os elementos visuais no interior do quadro ao acompanharem, ou não, a
tendência de suas linhas de borda, podem confirmar ou frustrar tais disposições, adotando ou
rejeitando a associação destes sentidos simbólicos para si próprios.

3.4. A significação simbólica do corpo e dos objetos

A dimensão simbólica da significação visual é a terceira e última instância da


produção de sentido. No que diz respeito às imagens fotográficas e pictóricas, o plano
simbólico evidencia-se por três aspectos: (1) por ser o âmbito da ação dos operadores de
categorização que permitem a associação das informações visuais ao corpo humano
figurativamente representado, como demonstrado no primeiro capítulo do presente trabalho;
(2) por ser o campo no qual as dinâmicas culturais relacionam-se à ação dos signos como
regularidades e hábitos sociais de produção e interpretação de objetos estéticos e
comunicacionais, como demonstrado no segundo capítulo, e; (3) por fim, por ser a esfera na

83
qual ocorre a atribuição de sentido simbólico ao corpo e demais objetos visualmente
representados. No presente tópico trataremos desse terceiro aspecto da significação simbólica.
Peirce define os símbolos como hábitos de interpretação ou disposições de seus
intérpretes que asseguram que tais signos sejam compreendidos (EP 2:461). Nesse sentido,
todos os aspectos convencionais da cultura representam formas simbólicas de interpretação.
Segundo Romanini (2006, p. 105-106), “uma palavra, um texto, um livro, uma biblioteca,
todo o conteúdo presente na internet ou qualquer outra manifestação cultural baseada na
representação por convenção são símbolos”. Embora aspectos indiciais e icônicos relativos às
imagens fotográficas e pictóricas sejam amplamente discutidos, no que se refere a sua
circulação social, isto é, seus modos de produção e de recepção, essas imagens são aspectos
convencionais da cultura e, dessa forma, são símbolos. Allan Sekulla (1982, p. 85-86)
apresenta os argumentos em favor dos aspectos culturais e simbólicos envolvidos no processo
de interpretação das imagens fotográficas, nos seguintes termos:

O antropólogo Melville Herskövits mostra a uma mulher indígena uma foto


de seu filho. Ela é incapaz de reconhecer qualquer imagem até que os
detalhes da fotografia sejam apontados. Tal incapacidade parece ser a
decorrência lógica de se viver em uma cultura indiferente ao análogo
mapeamento bidimensional do espaço tridimensional “real”, uma cultura
sem uma compulsão realista. Por essa mulher, a fotografia não é considerada
como mensagem, é uma “não-mensagem”, até ser enquadrada
linguisticamente pelo antropólogo.
[...] se nós aceitamos a premissa fundamental de que a informação é o
resultado de uma relação determinada culturalmente, então nós não podemos
mais atribuir um significado intrínseco ou universal à imagem fotográfica44.

Philippe Dubois (2015, p. 41-42) comenta estes aspectos apresentados por Allan
Sekulla em favor da convencionalidade do signo fotográfico e constata que “a significação
das mensagens fotográficas é de fato determinada culturalmente, que ela não se impõe como
uma evidência para qualquer receptor, que sua recepção necessita de um aprendizado dos
códigos de leitura”.
No entanto, não apenas a recepção e a leitura dos artefatos visuais encontram-se
conformadas à convencionalidade dos signos. Toda nossa experiência visual cotidiana é

44
Texto original: “the anthropologist Melville Herskövits shows a Bush woman a snapshot of her son. She is
unable to recognize any image until the details of photography are pointed out. Such an inability would seem to
be the logical outcome of living in the culture that is unconcerned with the two-dimensional analogue mapping
of three-dimensional “real” space, a culture without a realist compulsion. For this woman, the photograph is
unmarked as a message, is a “nonmessage,” until it is framed linguistically by the anthropologist.
[…] if we accept the fundamental premisse that information is outcome of a culturally determined
relationship, then we can no longer ascribe an intrinsic or universal meaning to the photographic image”.

84
culturalmente enquadrada e, portanto, os objetos de nossa cognição visual são, em algum
aspecto, simbólicos. Esse fato é particularmente importante, uma vez que a atribuição de
sentido que fazemos aos objetos e situações visualmente apreendidas na experiência cotidiana
é a mesma que fazemos quando visualizamos esses mesmos objetos ou situações em uma
imagem fotográfica. Os valores simbólicos que atribuímos aos objetos de nossa experiência,
quando reconhecidos nas representações visuais figurativas, recebem esses mesmo atributos.
Digamos que em um ambiente ou evento formal percebemos a presença de um indivíduo
qualquer que esteja claramente vestido de maneira impropria. Involuntariamente, atribuímos a
essa pessoa ou situação um sentido simbólico. Por exemplo, podemos julgar o sujeito como
um desajustado ou apenas como alguém deselegante. Ou ainda, por exemplo, uma casa muito
luxuosa ou uma roupa muito elegante, ao serem visualizados em uma imagem recebem essa
mesma predicação. O ponto central dessa argumentação é que se vemos essa mesma situação
em uma imagem, nossa atribuição de sentido permanece inalterada, isto é, seja pessoalmente
ou em uma fotografia, quando vemos a aquela mesma situação, julgamos o sujeito como
alguém desajustado ou deselegante. Nossa experiência cotidiana com as imagens não oferece
qualquer evidência de que nossa interpretação simbólica dos fatos seja alterada se ao invés de
vermos pessoalmente tal ou qual situação a vemos em uma imagem fotográfica.
Assim, as particularidades convencionais que envolvem a decodificação das imagens
fotográficas são importantes porque revelam uma complexa dinâmica de relacionamento entre
signos simbólicos, uma vez que não apenas a recepção e leitura destas imagens é revestida por
aspectos simbólicos, mas nossa própria compreensão dos elementos visuais representados.
Portanto, tanto a figura humana, quanto os demais objetos visualmente representados, após
serem reconhecidos e denotativamente referenciados, são simbolicamente interpretados por
intermédio de sua contraposição ao ground cultural. Dessa maneira, os processos visuais de
significação simbólica nas imagens fotográficas e pictóricas oferecem a figura humana
representada e aos demais objetos visuais sentidos convencionais culturalmente estabelecidos.
Além disso, é a própria dimensão simbólica da cognição que permite que os
“operadores de categorização” realizem os processos de associação das informações visuais
sintáticas, semânticas e simbólicas, incorporando à figura humana estas informações como
qualidades do sujeito. Nossa proposta defende, como comentamos anteriormente, que, por
meio dos interpretantes lógicos, as qualidades simbólicas dos objetos visuais nas imagens
fotográficas e pictóricas são incorporadas à figura humana. Portanto, se em uma imagem,
vemos uma pessoa em uma casa muito sofisticada, aspectos relacionados a essa predicação
são associados ao sujeito da imagem nos levando a interpretar tal imagem como sendo a de

85
uma pessoa muito sofisticada ou refinada. Ou ainda, se vemos em uma imagem uma pessoa
vestindo uma roupa muito elegante, tal predicação é associada à figura humana representada e
assim, interpretamos a cena como uma imagem de uma pessoal muito elegante.
Por fim devemos destacar que o próprio corpo produz comunicação, por meio de sua
aparência, postura e gestualidade. Estas informações são convencionalmente determinadas,
visto que são culturalmente difundidas, tanto do ponto de vista da produção, quanto da
recepção. Assim, o corpo inserido nas dinâmicas socioculturais e compreendido como objeto
de comunicação é um corpo simbólico. Fora do escopo semiótico ou específico das
representações visuais, um verdadeiro inventário sobre o desenvolvimento histórico e teórico
dos estudos sobre a comunicação corporal pode ser encontrado em autores como Davis
(1979), Corraze (1982), Bitti e Zanni (1997) e Rector e Trinta (1985; 2003). A partir destes
estudos, podemos destacar quatro segmentos predominantes no campo da comunicação
corporal, sendo: (1) comunicação cinésica; (2) comunicação físico-fisionómica; (3)
comunicação indumentária ou extralinguística, e; (4) comunicação proxêmica. É importante
salientar que os estudos sobre comunicação corporal são bastante diversos em suas
concepções e abordagens, não constituindo um conjunto metodológico único, com respeito a
seu conteúdo e suas terminologias. Por exemplo, alguns autores utilizam o termo
comunicação corporal, para se referir a comunicação oriunda de seus aspectos físicos e
fisionómicos, enquanto outros, utilizam o termo para se referir ao conjunto das possibilidades
de comunicações não-verbais do corpo.
A comunicação cinésica é o segmento dos estudos de comunicação não-verbal que se
ocupa da comunicação corporal proveniente dos gestos humanos, de seus movimentos e de
seu comportamento, por esse motivo muitas vezes é denominada comunicação gestual. É um
dos ramos mais importantes da comunicação corporal e, sem dúvida, o segmento de maior
notoriedade e prestígio no campo como um todo. Ray Birdwhistell é considerado o pai da
cinésica moderna e seus estudos gestuais são pioneiros no campo da compreensão dos
movimentos, por fornecer os fundamentos para o entendimento dos elementos inconscientes
da comunicação gestual e para sua emancipação dos aspectos verbais da comunicação
humana. Segundo Kristeva (2001, p. 131), Charles Darwin é considerado o autor dos
primeiros estudos sobre os aspectos comunicativos dos movimentos corporais, por ocasião da
publicação em 1872 de sua obra The Expression of the Emotions in Man and Animals (A
Expressão das Emoções nos Homens e nos Animais). Estes estudos são seguidos por Franz
Boas, devido a seu reconhecido interesse pelo comportamento corporal das tribos indígenas,
sobretudo, dos Kwakiutl, povos indígenas da costa noroeste do Pacífico, e por David Efron

86
que, em seus estudos sobre os estilos gestuais, publicados em 1941 em sua obra Gesture and
Environment (Gesto e Ambiente), estuda o contraste comportamental entre os judeus
imigrantes italianos e os judeus de Nova Iorque.
No entanto, será apenas no início da segunda metade do século XX que os estudos
gestuais irão alcançar maior elaboração e se instituir como um campo autônomo da etnologia,
da sociologia e da psicologia, ciências que fundamentaram as primeiras pesquisas do campo.
Isso ocorre devido à influência da publicação em 1952 da obra Introduction to Kinesics
(Introdução a Cinésica), de Ray Birdwhistell, em que o autor manifesta sua “relutância para
um paralelo demasiado grande entre gestualidade e linguagem fonética” (KRISTEVA, 2001,
p. 139-140). Birdwhistell demonstra que a comunicação gestual (desde então denominada
comunicação cinésica em referência a sua obra), assim como a comunicação verbal, organiza-
se como um código sendo constituída por unidades mínimas de significação. No entanto, o
autor comprova que as mensagens gestuais frequentemente são independentes das mensagens
verbais, não sendo um mero apoio ou substituto da fala, mas a expressão involuntária de
sentimentos, emoções e estados psicológicos predominantemente inconscientes. Muito
embora a linguagem gestual seja elaborada como um código, um dos pontos centrais da
cinésica de Birdwhistell se refere aos aspectos pragmáticos que relativizam sua significação.
Uma vez que os gestos e expressões faciais são culturalmente determinados, nenhum
movimento ou expressão possui significado a priori, o sentido da comunicação cinésica é
sempre a posteriori e intrínseco ao contexto no qual ocorre.
No que se refere à atribuição de um significado simbólico aos gestos corporais,
julgamos que o método conhecido como “esforço-força”, elaborado pelo coreógrafo húngaro
Rudolf Laban (1978), seja o mais adequado para a análise da significação cinésica nos
suportes visuais. Este método consiste em estabelecer sentidos dicotômicos aos movimentos
corporais por meio de dualidades conceituais como, por exemplo, tensão vs. relaxamento,
forte vs. fraco, equilíbrio vs. desequilíbrio, central vs. periférico, direita vs. esquerda, alto vs.
baixo, entre outros. Essas categorias conceituais são aplicadas a quatro categorias analíticas
fundamentais, são elas: (1) o tempo; (2) o espaço; (3) o peso, e; (4) a fluência. Mesmo que
outras categorias analíticas precisem ser constituídas, o método esforço-força, em grande
medida, mostra-se adequado à presente pesquisa, visto que podemos relacionar essas
categorias dicotômicas às tendência perceptivas ao nivelamento e ao aguçamento,
estabelecendo significação corporal a partir das mesmas relações que definimos anteriormente
para análise do sentido visual oriundo do posicionamento e de outras relações topológicas. O
próprio Birdwhistell (1990, p. 97) concebe que, devido à “gênese social do comportamento”,

87
podemos avaliar as atitudes e os movimentos corporais como uma “comum” ou “incomum”
comunicação. O mesmo pode acontecer em relação à comunicação indumentária e
extralinguística, ou seja, em relação às roupas e demais formas de modificação de sua
aparência, como por exemplo, os adornos, maquiagens e tatuagens. Dessa maneira,
encerramos a apresentação dos aspectos teóricos que fundamentam a produção de sentido
sintático, semântico e simbólico nas imagens fotográficas e pictóricas. Assim como,
concluímos a fundamentação teórica que sustenta a presente hipótese da incorporação das
informações visuais ao corpo humano figurativamente representado em tais suportes visuais
planares. Portanto, seguimos adiante no sentido de demonstrar os aspectos empíricos da
hipótese apresentada e das argumentações desenvolvidas até este momento.

88
CAPÍTULO 04 – ANÁLISE SEMIÓTICA E COMPARATIVA

4.1. Sobre o conceito de fotografia moderna

Antes de iniciarmos a análise das imagens, nos parece adequado apresentar alguns
aspectos do conceito de fotografia moderna, uma vez que a análise comparativa e semiótica
serão baseadas predominantemente nesse tipo de imagem.
É importante observar que, na história da fotografia, a noção de que a imagem
fotográfica é uma imagem estritamente objetiva, um documento da realidade sem qualquer
possibilidade de subjetividade, foi um aspecto predominante de seu discurso estético, desde
sua origem. Foi apenas o final do século XIX e início do século XX que “a subjetividade na
fotografia conquistou uma legitimidade cultural mais ampla” devido à emergência da estética
pictorialista. O Pictorialismo foi um movimento estético que se opôs ao conceito de
objetividade da fotografia como mero registo da realidade e promoveu uma perspectiva
subjetivista do suporte fotográfico e de seu status artístico, sobretudo, apoiado no empréstimo
de técnicas e recursos da pintura e das artes gráficas (HACKING, 2012, p. 11-12).
Na medida em que a fotografia consolida seu estatuto como objeto artístico, a noção
de que a imagem fotográfica possa ter uma estética própria, baseada nas qualidades
particulares do suporte, torna-se bastante atraente e os discursos em favor de sua autonomia
estética tornam-se preponderantes. Assim, nos últimos anos da primeira década do século XX,
a estética pictorialista passa a ser contestada, entra em declínio e começa a emergir as bases
para o advento da fotografia moderna.
A fotografia moderna pode ser descrita pela predominância da subjetividade do olhar e
superação da ideologia do índice fotográfico, no qual a imagem seria a representação
transparente de um acontecimento, na qualidade de referente. O conceito de fotografia
moderna refere-se ao rompimento com a ideia de que a câmera possui uma visão passiva e,
portanto, que imagens fotográficas seriam puramente objetivas e circunscritas ao âmbito da
imagem-documento. Ela nasce como uma crítica ou superação da estética do pictorialismo,
movimento que na tentativa de demonstrar que as imagens fotográficas também poderiam
produzir imagens artísticas, procuravam reproduzir técnicas e processos utilizados em formas
artísticas visuais como a pintura, o desenho e a gravura (HACKING, 2012, p. 12). Assim, a
imagem moderna torna-se um veículo possível para a representação do simbolismo e
subjetividade do fotógrafo enquanto artista e a fotografia passa a ser reconhecida mais por sua
expressão formal do que por seu conteúdo. Especificamente no campo dos retratos, a

89
fotografia moderna se destaca por estender a noção de subjetividade ao comportamento dos
indivíduos retratados, procurando demonstrar não apenas sua aparência objetiva, mas capturar
determinados aspectos intangíveis de sua personalidade.
Feitas tais observações, vamos aproveitar a oportunidade para justificar a escolha das
imagens fotográficas que serão utilizadas nas análises a seguir. A escolha das obras teve como
premissa a seleção de artistas de reconhecido renome e notoriedade, nomes representativos
dos respectivos movimentos artísticos. No que se refere às imagens fotográficas, os autores
selecionados foram Richard Avedon e Irving Penn, provavelmente, os maiores expoentes da
fotografia moderna, dedicados à imagem de retrato. Claudio Marra (2008), professor de teoria
fotográfica na Universidade de Bolonha, se remete à importância destes fotógrafos, por meio
da noção de “bifurcação Penn/Avedon”, considerada pela primazia, por um lado, da fotografia
como obra e, de outro, como comportamento. É preciso adiantar que a parte referente à
análise comparativa possui a intenção de demonstrar os três pressupostos da hipótese. Assim,
as imagens de Richard Avedon e Irving Penn serão contrapostas a outras imagens de
fotógrafos do período moderno, sendo as fotografias de ambos responsáveis por demonstrar a
viabilidade dos pressupostos, enquanto as demais fotografias servirão de exemplo para a sua
não efetividade.
Como uma das demandas é a constatação de continuidades culturais nos processos de
significação, antes de apresentarmos análises sobre as imagens dos fotógrafos mencionados,
recorreremos a célebres artistas do Renascimento e do Romantismo, mais especificamente,
Leonardo da Vinci, Rafael Sanzio, Eugene Delacroix e Theodore Gericault. Portanto,
seguimos adiante, no sentido de compreender os diferentes planos da significação visual e
suas formas de associação à figura humana, por meio da análise semiótica.

4.2. Aspectos preliminares sobre o método científico e análise comparativa

O raciocínio comparativo, enquanto método de análise, se distingue das metodologias


qualitativas e quantitativas, uma vez que não se propõe a demonstrar aspectos dedutivos ou
indutivos de um determinado universo analítico. Essa forma de raciocínio representa um
método consistente para evidenciar transformações e regularidades por meio da observação de
diferenças e semelhanças (SCHNEIDER; SCHMITT, 1998, p. 49). O método comparativo
constitui-se como um sistema abdutivo e, portanto, como uma das possíveis bases para a
construção de hipóteses. A presente hipótese de pesquisa concebe que, no âmbito das
representações visuais figurativas, sobretudo na fotografia, as informações visuais convergem

90
ao corpo integrando-se a ele. Tal processo de associação da informação visual à figura
humana ocorre em um campo bastante elaborado dos processos mentais denominado cognição
simbólica, como consequência de hábitos culturalmente estabelecidos de produção e
interpretação visuais.
Diante de tal hipótese de pesquisa, o método comparativo vislumbra demonstrar os
aspectos regulares e de continuidade cultural, justificados como hábitos culturais de produção
e interpretação visual, isto é, como interpretantes lógicos. Do ponto de vista da produção, uma
simples observação sobre as principais temáticas das representações pictóricas e fotográficas
basta para demonstrar a intensa e predominante presença da figura humana como elemento
visual na produção figurativa desses suportes. A importância do gênero retrato no âmbito das
representações planares também corrobora essa perspectiva juntamente com a concepção de
que no campo de estudo das representações artísticas se deu a emergência de um segmento
denominado antropologia visual dedicado especificamente à análise da representação da
figura humana na qualidade de elemento visual. Nesse sentido, a obra e pensamento sobre
antropologia visual de Hans Belting, em grande medida, oferece suporte aos pressupostos da
presente pesquisa.
É no âmbito da recepção e interpretação dos artefatos visuais que a problematização
dos interpretantes lógicos ganha maior complexidade e a presente hipótese exige maior
atenção. A partir de um processo cultural e histórico de interpretação visual baseado na
predominância do corpo humano como conteúdo visual das representações artísticas, as
informações visuais sintáticas, semânticas e simbólicas são associadas à figura humana. Isso
não é algo que possa ser confirmado por uma simples observação. Nesse sentido, recorremos
à teoria do método científico (ou da investigação científica) proferido por C. S. Peirce e aos
três tipos de raciocínio ou inferências que constituem os três níveis da investigação científica
e da aquisição de verdade. Os modos de inferências defendidos e constatados por Peirce são: a
abdução, a indução e a dedução, que se relacionam às categorias de primeiridade, secundidade
e terceiridade, respectivamente, devido a sua condição de possibilidade, existência e
interpretação. No entanto, quando os tipos de raciocínio são compreendidos por Peirce como
etapas da investigação científica, outra ordem se estabelece, não mais devido a seu grau de
verdade, mas à sua função no método científico, assumindo a seguinte relação: abdução,
estágio de primeiridade e proposição de uma hipótese possível; dedução, estágio de
secundidade e extração lógica da hipótese adotada, e; indução, estágio de terceiridade e
comprovação material da hipótese (SANTAELLA, 1993, p. 88 apud BACHA, 1997, p. 153-
154). De forma mais simples, podemos resumir a perspectiva peirceana acerca da aquisição

91
científica de verdade como um método de investigação que obrigatoriamente constitui três
estágios sucessivos e complementares: adoção de uma hipótese explicativa a partir da
experiência e observação de uma ocorrência; dedução lógica das consequências
experienciáveis da hipótese adotada, independente das evidências a favor ou contra, e;
apresentação das induções materiais na qualidade de evidencias que corroboram a hipótese. É
importante salientar que o método científico encontra-se submetido à doutrina do falibilismo,
segundo a qual o conhecimento encontra-se em constante atualização não sendo possível a
constatação de verdades finais diante de um objeto em continua evolução. Portanto, não sendo
encontradas as induções materiais ou deduções lógicas que confirmem a hipótese, ou ainda,
tão logo se apresentem novos paradigmas que coloquem em dúvida a hipótese adotada, deve-
se iniciar um novo processo recorrendo a uma nova abdução inicial.
Peirce constata que a particularidade que difere a abdução dos demais modos de
raciocínio é que esta é “a única operação lógica que introduz uma nova ideia” (CP 5.171). A
questão central para a devida compreensão do processo de abdução é que a comparação é sua
estrutura primordial. Romanini (2006, p. 37) observa essa problemática afirmando que no
processo de representação “tudo começa com a síntese das impressões dos sentidos, em que a
mente cria conceitos gerais por um processo de comparação”. Segundo Peirce, a abdução, ou
o estímulo para tal processo, é derivado da experiência (CP 2.755), ou ainda, é uma forma de
instinto decorrente da afinidade da mente com a natureza, sendo a base dessa afinidade um
processo de comparação entre os estímulos do ambiente (natureza) e os conteúdos da mente
(CP. 1.121). O processo de comparação é também o processo de síntese que funde a
experiência perceptiva às impressões de sentido. A inferência abdutiva decorrente dessa
síntese comparativa “transforma-se em juízo perceptivo sem que haja qualquer linha de
demarcação entre eles” (CP 5.181). Dessa maneira, juízo perceptivo e inferência abdutiva,
além de termos com grande correspondência, podem ser considerados como processos
primordiais para a introdução de novas ideias e para a origem do pensamento e operações
cognitivas. Assim, constatamos que o processo comparativo oferece insights para a
formulação de uma hipótese explanatória ou abdução originária.
Do ponto de vista metodológico, a análise comparativa torna-se uma ferramenta capaz
de fornecer dados relativos à distinção ou semelhança entre os termos de uma comparação, ou
ainda, apresentar padrões de continuidade ou ruptura entre diferentes sistemas. Portanto, o
método comparativo pode estruturar a formulação da hipótese, uma vez que oferece as
informações necessárias para a constatação de novas possibilidades, relações e decorrências
para os fenômenos observados. A análise comparativa, na qualidade de ferramenta

92
metodológica, é capaz de demonstrar os pressupostos da hipótese adotada na condição de
primeiridade, isto é, na qualidade de conjecturas possíveis.
Como já foi dito, a presente pesquisa parte da hipótese de que devido a hábitos
culturalmente estabelecidos de interpretação visual nas representações figurativas, as
informações visuais são associadas à figura humana incorporando-se a ela. Para que tais
interpretantes lógicos se estabeleçam, três pressupostos precisam ser observados: (1)
figuratividade do corpo humano, ou seja, o corpo representado deve se assemelhar a nosso
modo de percepção; (2) função de destaque na representação visual, isto é, deve ser o
elemento principal da imagem, e; (3) expressividade narrativa, quer dizer, a narrativa deve se
desenvolver a partir da figura humana. Nas imagens em que estes três aspectos não estão
presentes, os interpretantes lógicos responsáveis pela associação das informações visuais ao
corpo humano não encontram as condições necessárias para que tais hábitos de interpretação
se estabeleçam de forma consistente. Portanto, seguimos agora para a análise comparativa dos
três pressupostos da hipótese de pesquisa.

4.2.1. Figuratividade do corpo humano na representação visual

Figura 1 Figura 2

Autor: Harold E. Edgerton. Autor: Richard Avedon.


Obra: Jogador de ténis – 1938. Obra: Veruschka – 1967.

Podemos observar duas imagens fotográficas baseadas na noção de movimento. No


entanto, na figura 1 (foto de H. Edgerton), devido ao recurso de sobreposição de múltiplas
exposições, perde-se o poder figurativo em favor de uma quase abstração visual,
proporcionada pelos recursos mecânicos do dispositivo fotográfico. Por outro lado, na figura

93
2 (foto de R. Avedon), é utilizada uma única exposição que possibilita congelar o movimento,
obtendo um efeito bastante real e figurativo.
No primeiro caso, como consequência da tendência à abstração, o corpo humano não
se constitui como um elemento visual figurativo, não é semelhante à nossa percepção comum.
Portanto, os interpretantes lógicos que oferecem à figura humana predominância na
interpretação visual, não se estabelecem e outros elementos visuais assumem tal
preponderância. Na verdade, a peculiaridade do efeito estético proporcionado pela
reexposição dos elementos visuais torna-se mais visível. Com isso, obtém-se uma ruptura nos
hábitos de produção visual que impossibilita uma regularidade nos modos de interpretação
visual. Assim, os interpretantes lógicos responsáveis pela associação das informações visuais
ao corpo humano não se estabelecem plenamente.
No segundo caso, a figuratividade do corpo humano é bastante evidente, ou seja, os
interpretantes lógicos que determinam a predominância visual da figura humana se
estabelecem de forma consistente. A eminência do corpo no decorrer da recepção e
interpretação visual é o elemento que possibilita o funcionamento dos categorizadores de
operação responsáveis pela associação das informações visuais à figura humana. Assim, o
dinamismo do movimento corporal, a elegância sutil da indumentária e o equilíbrio visual
proporcionado pelos elementos composicionais da imagem (plano de corte, posicionamento,
ponto de vista, iluminação etc.) são incorporados à figura humana como suas qualidades.
Portanto, nossa interpretação visual nos leva a compreender o sujeito da imagem como um
personagem dinâmico e não um sujeito inexpressivo sobre o qual foram dirigidos com
movimentos dinâmicos. Tampouco vemos roupas elegantes sobre um corpo insípido, mas sim
uma pessoa elegante. Podemos considerar a associação das informações sintáticas, semânticas
e simbólicas ao corpo humano figurativamente representado. Demonstrado o papel exercido
pela figuratividade do corpo para o estabelecimento dos interpretantes lógicos responsáveis
pela associação das informações visuais à figura humana, seguimos para analisar o segundo
pressuposto da hipótese, ou seja, a função de destaque do corpo na representação visual.

94
4.2.2. Função de destaque do corpo humano na representação visual

Figura 3 Figura 4

Autor: Elliott Erwitt. Autor: Richard Avedon.


Obra: Section around tenth street bridge Obra: Bob Dylan – 1963.
across Monongahela river – 1950.

As duas imagens selecionadas para esta análise foram feitas em ambiente externo e,
dessa maneira, a paisagem participa da representação com relativa importância. Contudo, na
figura 3 (foto de E. Erwitt), em virtude da relevância que o cenário assume na composição
juntamente com outros elementos visuais, os carros por exemplo, o corpo humano não
apresenta relação de destaque na representação visual. Por sua vez, a imagem da figura 4
(foto de R. Avedon), apresenta a figura humana não subjugada pelo ambiente, mas em
posição de destaque.
No primeiro caso, devido à maior importância do ambiente em comparação com o
corpo e demais elementos visuais, a figura humana não estabelece função de destaque na
imagem. Não é possível que as informações visuais da imagem sejam associadas ao corpo,
uma vez que os interpretantes lógicos responsáveis por essa operação não se constituem, visto
a relevância secundária da figura humana. De fato, é o ambiente, e não o sujeito, que assume a
predominância visual na representação visual.
No segundo caso, o corpo humano figurativamente representado assume uma função
de destaque na imagem. Portanto, os interpretantes lógicos responsáveis pela predominância

95
da figura humana na interpretação visual se estabelecem adequadamente. Essa função de
destaque na representação, juntamente com sua aparência figurativa, permite a ação dos
operadores de categorização responsáveis pela associação das informações visuais ao corpo
humano. Objetos como o violão, a indumentária e o próprio ambiente tornam-se informações
associadas ao sujeito na qualidade de conotações visuais. Não vemos um personagem e um
violão, mas um violão, na condição de informação simbólica, associado ao sujeito reforçando
seus aspectos artísticos. A indumentária despojada, em certa medida, oferece ao corpo essa
predicação e compreendemos o personagem como um sujeito despojado. Por fim, o ambiente
também é relacionado à figura humana reforçando o aspecto do artista como um viajante.
Dessa maneira, podemos constatar a importância da função de destaque do corpo na
representação visual como um pré-requisito para o adequado funcionamento dos
interpretantes lógicos responsáveis pelas operações de associação das informações visuais à
figura humana nas representações figurativas. Seguimos para analisar o terceiro pressuposto
da hipótese, isto é, a necessidade da expressividade narrativa do corpo.

4.2.3. Expressividade narrativa do corpo humano na representação visual

Figura 5 Figura 6

Autor: Robert Doisneau. Autor: Irving Penn.


Obra: Cão com rodas – 1977. Obra: O garçom – 1950.

O terceiro e último pressuposto da hipótese de pesquisa refere-se à expressividade


narrativa do corpo, ou seja, a temática da qual a imagem trata deve se desenvolver a partir da
figura humana. Na imagem da figura 5 (foto de R. Doisneau), mesmo que a figura humana
apresente grande relevância, a narrativa da cena ocorre a partir do cão com rodas que,

96
inclusive, dá título à obra. Nesse caso, o corpo humano não possui expressividade narrativa,
mas sim o referido cachorro. Por outro lado, na imagem da figura 6 (foto de I. Penn),
evidentemente a temática da imagem se desenvolve a partir da figura humana, mais
especificamente das particularidades que envolvem a aparência do garçom, sujeito e oficio
que dá nome à obra. Vale complementar que essa fotografia faz parte de uma série de retratos
intitulados Petits métiers (Pequenos ofícios) realizados por Irving Penn entre os anos de 1950
e 1951, fotografados inicialmente em Paris e, posteriormente, em Londres e Nova Iorque.
Essas imagens acabaram por formar o maior conjunto de obras de toda a sua carreira
(HAMBOURG; ROSENHEIM, 2018, p. 171).
No primeiro caso, devido à ausência da expressividade narrativa da figura humana os
interpretantes lógicos responsáveis pela associação das informações visuais ao corpo humano
não se efetivam de maneira consistente. As informações sintáticas, semânticas e simbólicas da
cena não são incorporadas por nenhuma das figuras humanas. Por exemplo, o próprio
cachorro não é associado a nenhuma das pessoas da imagem como uma qualidade dessas
personagens. Na figura 6, como consequência da expressividade narrativa (conjuntamente à
figuratividade e à função de destaque do corpo na representação visual), os elementos visuais
são associados à figura humana, e dessa maneira, somos incapazes de interpretar a imagem
como a cena de um rapaz segurando uma bandeja com duas taças de vinho e usando gravata
borboleta, mas necessariamente compreendemos a imagem como um retrato de um garçom.
Ou seja, os elementos visuais foram associados à figura humana e incorporados a ele como
aspectos simbólicos de sua personalidade.
Assim, constatamos que o efetivo estabelecimento dos interpretantes lógicos
responsáveis pela associação das informações visuais ao corpo humano nas representações
visuais depende desses três pressupostos. Não sendo possível afirmar que tais interpretantes
se consolidem na intepretação visual sem que estes requisitos sejam instituídos de forma
consistente e adequada. Demonstrados os pressupostos da hipótese de pesquisa, seguimos
para, por meio da análise semiótica, compreender as significações sintáticas, semânticas e
simbólicas e suas respectivas formas de incorporação à figura humana pela cognição
simbólica.

4.3. Análise semiótica de imagens pictóricas e fotográficas

O presente capítulo tem o propósito de constatar os aspectos empíricos da hipótese


apresentada pela pesquisa, ou seja, demonstrar a incorporação das informações sintáticas,

97
semânticas e simbólicas da imagem ao corpo humano figurativamente representado nas
imagens fotográficas e pictóricas. É importante esclarecer que a delimitação empírica
proposta à pesquisa tem a intenção de evidenciar esses processos de associação das
informações visuais no âmbito da fotografia moderna. No entanto, tais processos de
significação, em grande medida, ocorrem por influência de continuidades culturais
estabelecidas entre pintura e fotografia, por um lado, como práticas de produção, e por outro,
como hábitos de interpretação. Por esse motivo, foram selecionadas pinturas de dois períodos
históricos para que certos aspectos de continuidade entre as imagens pictóricas e fotográficas
fossem evidenciados. Sobre essas imagens iremos aplicar uma análise semiótica como forma
de compreender o percurso sintático, semântico e simbólico da produção visual de sentido
para, por fim, constatarmos a associação dessas informações visuais à figura humana como
aspectos simbólicos dessas representações visuais.
As pinturas selecionadas se referem ao Renascimento e ao Romantismo. Isso se deve
ao fato de que as estruturas figurativas que oferecem à figura humana visualmente
representada certa preeminência diante de outros elementos visuais consolidaram-se a partir
do início do Renascimento. Tanto as ferramentas técnicas figurativas, quanto os elementos
culturais, comentados anteriormente, que sustentaram a continuidade formal e conceitual de
certos aspectos representativos das imagens, se mantiveram de forma mais consistente até o
surgimento da fotografia, ainda na primeira metade do século XIX.
O advento da fotografia produz uma enorme influência sobre os modos de produção
das imagens pictóricas, a ponto de as vanguardas artísticas no início do século XX
abandonarem sua disposição à objetividade e ao figurativo, em favor de tendências subjetivas
e até mesmo abstratas. A escolha do Romantismo ocorre devido ao fato de ser este o
movimento artístico em vigor no período em que surge a fotografia. Vale salientar que
considera-se como data de sua origem o ano de 1826, quando Joseph Niépce consegue
produzir uma imagem por meio da ação da luz, com o auxilio de uma máquina e fixa-la em
uma superfície fotossensível.
Um dos pressupostos da presente pesquisa parte da concepção de que existem aspectos
culturais de continuidade nos modos de representação visual que são abandonados pela
pintura, devido às tendências subjetivas e experimentais das vanguardas, mas que são
apropriados pela fotografia. Portanto, observamos a existência de um movimento de
transferência de certas disposições figurativistas da pintura para a fotografia. No âmbito das
imagens fotográficas, julgamos que o gênero do retrato, sobretudo, do período chamado de
fotografia moderna, seja o melhor recorte para demonstrar tais continuidades. Como já foi

98
dito, a escolha das obras teve como princípio a escolha de artistas de grande notoriedade e
representativos de seus períodos históricos e respectivos movimentos artísticos. No que se
refere às imagens fotográficas, os artistas selecionados foram Richard Avedon e Irving Penn;
no que diz respeito às pinturas, foram escolhidas obras de Leonardo da Vinci e Rafael Sanzio,
ambos do Renascimento, e Eugene Delacroix e Theodore Gericault, do Romantismo.

4.3.1. Renascimento

Figura 7

Autor: Rafael Sanzio.


Obra: Senhora com unicórnio – 1506.

Vamos iniciar nossa análise sobre a imagem de Rafael de Sanzio (Figura 7) a partir da
observação de suas características sintáticas. Vale lembrar que as significações sintáticas são
oriundas das relações dicotômicas intrínsecas às variáveis visuais, isto é, o sentido sintático
emerge das relações entre os elementos visuais morfológicos, cromáticos, topológicos e
ópticos. É preciso esclarecer que nem sempre todas as categorias visuais produzem relações
dicotômicas ou de significação nos termos considerados. Na presente imagem (Figura 7), duas
categorias de elementos visuais parecem se destacar: as variáveis cromáticas e topológicas.
Do ponto de vista topológico, podemos considerar a dicotomia sintática central vs. periférico
relacionada à categoria simbólica principal vs. secundário formando a significação sintático-

99
topológica central/principal vs. periférico/secundário. As relações topológicas podem ser
bidimensionais ou tridimensionais. No que se refere ao segundo caso podemos constatar a
categoria visual primeiro plano vs. plano de fundo em correlação à categoria simbólica
principal vs. secundário formando a significação topológica primeiro plano/principal vs.
segundo plano/secundário. Do ponto de vista cromático podemos observar o os elementos em
primeiro plano predominantemente em tons quentes enquanto os elementos de fundo são
representados principalmente por tons frios, portanto, podemos considerar a categoria
sintática quente vs. frio em correspondência à categoria simbólica principal vs. secundário
formando a significação cromática quente/principal vs. frio/secundário. Tal produção de
sentido pode ser concebida até mesmo por correlação a significação topológica primeiro
plano/principal vs. segundo plano/secundário, uma vez que os tons quentes estão em primeiro
plano e os tons frios no plano de fundo. Poderíamos conjecturar uma categoria morfológica
estabelecida pelo contraste entre as linhas e formas orgânicas e fluidas que prevalecem na
figura humana em primeiro plano e entre as linhas geométricas que formam as colunas no
fundo. No entanto, como nem todo o plano de fundo é geométrico, ou tal aspecto geométrico
de suas linhas e formas não parece se estabelecer como uma qualidade predominante desse
plano. Assim, a significação morfológica formas fluidas/principal vs. formas
geométricas/secundário parece não se estabelecer com a intensidade ou distinção necessária
para ser declarada.
No que se refere à associação das informações visuais ao corpo humano
figurativamente representado, podemos constatar que no âmbito de tais significações
topológicas e cromáticas, um dos termos das proposições dicotômicas se associa à figura
humana. Neste caso, as significações topológicas central/principal e primeiro plano/principal,
além da significação cromática quente/principal. Como resultado desses processos de
associação das informações, podemos constatar que, na presente imagem, o corpo humano
representado é significado como um elemento principal. Devemos ressaltar que o unicórnio,
embora não apareça em posição central, também está em tons quentes e em primeiro plano.
No entanto, devido à participação dos interpretantes lógicos na interpretação visual, como
demonstrado anteriormente, a associação das informações, neste caso, ocorrem em relação ao
corpo humano. Desta maneira, mesmo que o unicórnio seja um elemento peculiar, as
significações quente/principal e primeiro plano/principal não são associadas a ele, mas à
figura humana.
Seguindo adiante, devemos observar as significações semânticas. Mas, antes de tudo, é
importante lembrar que o sentido semântico se refere à correlação entre os elementos

100
conceituais e os elementos visuais denotativamente reconhecidos. Os elementos conceituais
destacados foram: a moldura, o plano de corte, o ponto de vista e o posicionamento. Na cena
em questão, o corpo encontra-se posicionado ao centro, estando seu eixo central em paralelo à
moldura. Assim, podemos considerar o posicionamento bastante nivelado e, portanto,
relacionado ao sentido de regularidade e estabilidade. Foi escolhido o ponto de vista normal,
talvez um contra-plongée muitíssimo sutil que, caso ocorra, não parece se efetivar. Este ponto
de vista (digamos, “normal”) é classificado como o menos dramático e o mais estável, sendo a
significação semântica bastante equilibrada. Na moldura da imagem, o sentido vertical
prevalece e a figura humana representada conforma-se a essa tendência, produzindo
estabilidade e harmonia entre as linhas conceituais verticais da borda e a linha vertical
conceitual formada pelo eixo do corpo. Devido aos processos de associação das informações
visuais à figura humana, as significações semânticas referentes à estabilidade do
posicionamento, ao equilíbrio do ponto de vista e harmonia da moldura, fazem com que tal
figura seja correlacionada a estas qualidades semânticas, sendo significado como um corpo
estável, equilibrado e harmônico. Podemos ainda observar as significações oriundas do plano
de corte, visto que esse elemento conceitual enfatiza certos aspectos da figura representada:
sua ação, sua fisionomia e expressão ou seu estado psicológico. Podemos vislumbrar que os
planos de corte auxiliam nossa percepção da comunicação imanente do corpo. O plano de
corte utilizado foi o plano médio. Ele enfatiza a fisionomia e a expressão do sujeito, em
detrimento de sua ação. No caso, sua expressão é séria e solene e sua postura é ereta e firme.
Visto que a fisionomia da mulher corresponde ao padrão das formas representativas da época
e sendo comparada ao ground (senso comum) desse aspecto de representação, podemos
considerar a dimensão semântica da comunicação do corpo definida pela expressão solene e
pela postura firme associada à regularidade e à estabilidade.
No que se refere às significações eminentemente simbólicas dos objetos que, por sua
vez, serão associadas à figura humana, três elementos visuais denotativos parecem se
destacar: o unicórnio, as roupas e o fundo. Qual o sentido simbólico pode haver na posse de
um unicórnio? A posse de animais ou de outros objetos pode ser relacionada ao status da
pessoa. O mesmo ocorre com a posse de vestimentas suntuosas ou mesmo de propriedades
luxuosas. A posse de um animal místico ou único simboliza um tipo de status que revela que
aquela pessoa, por simples capricho, pode possuir uma criatura sui generis, algo da ordem do
extraordinário. As vestimentas representam esse mesmo tipo de ostentação, embora em menor
grau. O fundo revela extensões de terras e duas colunas de uma arquitetura clássica,
elementos representam parte de suas posses e revelam uma pessoa com um grande patrimônio

101
tanto em tamanho quanto em qualidade. Todo o simbolismo dos elementos visuais aponta
para o prestígio, a ostentação e o poder financeiro. Do ponto de vista da incorporação das
qualidades simbólicas à figura humana, concluímos pela significação visual de uma senhora
com status social.
Observaremos a seguir estes mesmo elementos sintáticos, semânticos e simbólicos em
outra imagem do Renascimento, desta vez, o retrato Dama com arminho (1489/90) de
Leonardo da Vinci (Figura 8).

Figura 8

Autor: Leonardo da Vinci.


Obra: Dama com arminho – 1489/90.

Iniciaremos nossa análise a partir das significações sintáticas. Os elementos


cromáticos, por intermédio das variações tonais, estabelecem a categoria dicotômica claro vs.
escuro. É importante notar que essa categoria cromática não se constitui por pequenas
variações tonais em decorrência das variações entre luz e sombra, mas por meio das variações
tonais que ocorrem entre a dama com arminho e o fundo, visto que ela e o animal são
predominantemente claros enquanto o fundo é plenamente escuro. Essa dicotomia sintática se
relaciona à dicotomia simbólica importante vs. irrelevante formando a significação cromática
claro/importante vs. escuro/irrelevante. Tal significação parece se estabelecer de modo mais

102
complexo se levamos em consideração as variações tonais intermediárias. Assim outros
elementos com tonalidades entre claros e escuros mais intensos representam partes ou
elementos visuais de importância intermediária, correspondentes a suas respectivas variações
tonais.
No que se refere aos aspectos topológicos podemos considerar a dicotomia primeiro
plano vs. plano de fundo relacionada, novamente, à categoria simbólica importante vs.
irrelevante constituindo a significação topológica primeiro plano/importante vs. plano de
fundo/ irrelevante. No tocante à associação das informações visuais ao corpo, um dos termos
das proposições será incorporado à figura humana. No caso, as significações claro/importante
e primeiro plano/importante são associadas a ele, agregando ao corpo humano representado
importância em comparação a outros elementos visuais da imagem. Isso pode ser constatado
pela relação de importância entre a figura humana e o animal, ambos predominantemente
claros e com relações topológicas similares, isto é, então em primeiro plano no centro da
imagem. No entanto, ninguém avalia que a imagem seja a representação do arminho e que a
figura humana seja apenas seu complemento, mas obviamente o contrário.
A respeito das significações semânticas, oriundas do posicionamento e do ponto de
vista, assim como na imagem anterior, os elementos conceituais possuem uma tendência
evidente ao nivelamento. O posicionamento do sujeito é central, portanto, estável. Como na
imagem anterior, foi escolhido o ponto de vista “normal”, como já foi comentado, este ângulo
de visão é classificado como bastante estável. Referente à moldura da imagem, o sentido
vertical é predominante e a figura humana encontra-se conformada a esse sentido produzindo
equilíbrio visual entre as linhas verticais da moldura e a linha vertical formada pelo eixo no
qual se encontra o corpo. Tanto o equilíbrio visual proporcionado pela moldura quanto à
estabilidade oferecida pelo posicionamento e pelo ângulo de visão são incorporados ao sujeito
da imagem produzindo a significação de um corpo estável e equilibrado.
No tocante aos aspectos simbólicos dos elementos visuais, três pontos chamam a
atenção: o arminho (animal), as roupas e a postura corporal. O arminho pertencia a Ludovico
Sforza, duque de Milão e patrono de Leonardo da Vinci. Dessa maneira, o animal é símbolo
de seu poder e encontra-se associado à mulher. As vestimentas são bem tratadas com detalhes
e os adornos expressam certo luxo. Já a postura chama atenção por introduzir algum
dinamismo à cena, o tronco encontra-se direcionado para a esquerda enquanto o rosto para a
direita. Obviamente, a postura não chega a configurar uma torção, mas para o estilo da época
representa uma comunicação gestual bastante aguçada. Em comparação com a imagem
anterior de Rafael Sanzio (Figura 7), nesta cena (Figura 8) o corpo humano é mais dinâmico e

103
produz movimento visual. Assim, a respeito das informações simbólicas associadas ao corpo,
podemos concluir por uma figura estável e equilibrada com um bom status social, não tão
grande como na imagem de Rafael Sanzio, e também mais energética e dinâmica que a
imagem anterior.
Apresentadas as devidas considerações a respeito das significações sintáticas,
semânticas e simbólicas sobre estas duas pinturas renascentistas, seguimos adiante para
observar estes aspectos em pinturas românticas do século XIX.

4.3.2. Romantismo

Figura 9

Autor: Eugene Delacroix.


Obra: Autorretrato – 1837.

Antes de iniciar a análise das pinturas escolhidas do século XIX, nos parece
adequado, visto o método de análise comparativa, observar as distinções e semelhanças mais
aparentes entre as imagens selecionadas do Renascimento italiano e presentes imagens do
Romantismo francês. Por comparação com autorretrato de Eugene Delacroix (Figura 9), cinco
aspectos visuais se destacam como distintivos: a simplificação ou redução temática dos
elementos de fundo; posicionamento do sujeito como tendência ao aguçamento; plano de
corte enfatizando a expressão em detrimento do comportamento; a utilização do desfoque no
plano de fundo; o uso da iluminação para produzir volume. No que se refere às semelhanças e

104
continuidades visuais entre os dois estilos, destacamos a orientação da moldura e o ponto de
vista normal.
Seguimos, então, para a análise das significações sintáticas. Em nossos exemplos,
uma categoria óptica é constituída pela primeira vez, por intermédio do recurso da baixa
profundidade de campo, produzindo desfoque no plano de fundo. A variação óptica, nesse
caso, gera a categoria sintática plano nítido vs. plano desfocado que é relacionada à categoria
conceitual elemento principal vs. elemento auxiliar constituindo a significação óptica
nítido/principal vs. desfocado/auxiliar. Do ponto de vista topológico tridimensional à
categoria primeiro plano vs. plano de fundo se relaciona com a mesma categoria simbólica
anterior, ou seja, elemento principal vs. elementos auxiliar, estabelecendo a significação
topológica primeiro plano/principal vs. plano de fundo/auxiliar. A significação morfológica
parece ser influenciada pelo desfoque gerado pela profundidade de campo, visto que as entre
linhas e formas que possuem contornos definidos, se diferenciam das linhas e formas
indefinidas que se localizam, sobretudo, no plano de fundo. Assim, a categoria morfológica
definido vs. indefinido é correlacionada à categoria simbólica primordial vs. prescindível
formando a significação morfológica definido/primordial vs. indefinido/prescindível. Por fim,
a respeito da incorporação das informações sintáticas à figura humana, um dos planos de
significação será associado ao corpo devido aos elementos ópticos, topológicos e
morfológicos, conotações relacionadas ao sentido de principal e primordial são relacionadas à
figura humana que passa a expressar estas significações visuais sintáticas.
No tocante às significações semânticas, tanto a moldura quanto o posicionamento e o
plano de corte estabelecem relações visuais orientadas ao aguçamento. O posicionamento da
figura humana encontra-se deslocado dos pontos visuais de equilíbrio, ou seja, não está ao
centro e nem mesmo posicionado de acordo com a regra dos terços. Seu deslocamento parece
ser intencionalmente sutil, de forma a não se estabelecer sobre os pontos estruturais de
estabilidade visual. No entanto, em relação à moldura, a linha conceitual gerada pelo eixo
vertical do corpo não constitui linhas diagonais e se mantém paralela em relação às linhas
verticais conceituais da extremidade. Por esta razão, o aguçamento não chega a ser extremo,
produzindo na imagem uma sensação de dinamismo, mas não uma grande tensão visual. É
importante notar que a linha formada pelo eixo central do corpo não acompanha integralmente
a moldura constituindo, nesse sentido, algum nível de aguçamento e dinamismo. O plano de
corte, diferentemente do que foi visto nas imagens do Renascimento, favorece mais a
expressão do que o comportamento. O corte pouco abaixo da linha do peito é pouco
convencional e demonstra uma tendência ao aguçamento. Podemos concluir que as

105
significações semânticas possuem, predominantemente, tendência ao aguçamento embora não
de forma integral nem mesmo muito intensa. Assim, a respeito da incorporação das
informações semânticas à figura humana, a significação associada ao corpo é de dinamismo,
mas não de extrema tensão visual ou alta dramaticidade.
Do ponto de vista dos elementos simbólicos, devido à simplificação temática, poucos
elementos visuais são inseridos à imagem. No plano de fundo, temos apenas um desfoque
gerando gradientes de tons sem nenhum objeto denotativamente reconhecível. Os elementos
visuais simbólicos encontram-se mesmo na vestimenta e comunicação corporal. As roupas
são sóbrias e elegantes, postura é ereta e a expressão facial é solene, portanto, ambas são
bastante convencionais. Podemos constatar, no tocante à associação dos elementos simbólicos
ao corpo, as significações simbólicas de sobriedade e sofisticação constituindo uma figura
humana formal, distinta e sofisticada. Apresentados os aspectos sintáticos, semânticos e
simbólicos do autorretrato de Eugene Delacroix (figura 9), seguimos adiante para analisar
estas mesmas significações na obra Estudo de um modelo, de Theodore Gericault (Figura 10).

Figura 10

Autor: Theodore Gericault.


Obra: Estudo sobre um modelo – 1818/19.

A presente imagem de Theodore Gericault, quando comparada às imagens do


Renascimento, evocam distinções semelhantes àquelas evidenciadas anteriormente pela

106
imagem de Eugene Delacroix (Figura 9), ou seja, a redução temática dos elementos de fundo;
plano de corte enfatizando a expressão; fundo desfocado, e; volume acentuado pela
iluminação. O posicionamento do sujeito possui tendência ao nivelamento, diferentemente do
autorretrato de Delacroix. O ponto de vista (“normal”) e orientação vertical da moldura se
conforma aos padrões das imagens do Renascimento.
No que se refere às significações sintáticas, a categoria óptica estabelecida pela
diferença de profundidade de campo se destaca. A distinção entre o primeiro plano nítido e o
plano de fundo desfocado serve de base a tal produção de sentido. A variação óptica produz a
categoria sintática plano nítido vs. plano desfocado que é associada à categoria simbólica
elemento principal vs. elemento secundário produzindo a significação óptica nítido/principal
vs. desfocado/secundário. De maneira semelhante, os elementos sintáticos topológicos
constituem a categoria primeiro plano vs. plano de fundo que se relaciona com a categoria
conceitual elemento principal vs. elemento secundário formando a significação topológica
tridimensional primeiro plano/principal vs. plano de fundo/secundário. Novamente, o
desfoque oriundo da baixa profundidade de campo parece influenciar a significação
morfológica, estabelecendo a categoria sintática morfológica dicotômica entre elementos
visuais com traços definidos em oposição aos elementos com traços indefinidos, constituindo
a categoria definido vs. indefinido. Esta categoria morfológica associa-se à categoria
simbólica principal vs. prescindível formando a significação sintática definido/principal vs.
indefinido/prescindível. No que diz respeito à incorporação das informações sintáticas ao
corpo humano figurativamente representado, um dos planos das significações sintática é
associado a ele, portanto, os sentidos relacionados à noção de principal e primordial, por
intermédio dos elementos ópticos, topológicos e mofológicos são relacionados à figura
humana que expressa tais significações sintáticas.
Por sua vez, as significações semânticas oriundas dos elementos conceituais possuem
menor tendência ao aguçamento se comparada ao autorretrato de Delacroix. O
posicionamento do sujeito, na obra de Gericault, encontra-se ao centro, produzindo
estabilidade. No entanto, o posicionamento que chama mais a atenção não é o do sujeito em
si, mas sim de seus olhos. De forma geral, costuma-se dizer que os olhos são os elementos
mais expressivos da face e nessa imagem em específico essa afirmação parece ser muito
verdadeira, visto a enorme expressividade empregada pelo pintor a eles. Um dos meios
utilizados pelo autor para realçar o impacto dos olhos na composição foi seu posicionamento
na imagem. Os olhos não se encontram sobre as linhas centrais horizontais ou verticais, nem
mesmo sobre a intersecção das diagonais conceituais da imagem. Também não se apoiam

107
sobre a regra dos terços. São cuidadosamente posicionados fora desses pontos de equilíbrio,
como forma de produzir impacto e distinção. Assim, seu posicionamento é uma maneira de
gerar aguçamento, ou seja, dinamismo e expressividade visual. A respeito do plano de corte,
embora a área acima da cabeça seja um pouco incomum em imagens de primeiro plano, não
chega a ser um elemento de aguçamento devido à predominância da estabilidade e do
equilíbrio do corte como um todo. O ponto de vista “normal” também é bastante estável. Por
fim, o efeito da iluminação parece exercer um impacto bastante considerável para a
composição. A direção da luz, além de produzir grandes áreas de sombras, também
posicionam essas sombras sobre o primeiro plano. O volume das sombras aumenta
consideravelmente a dramaticidade e a tensão visual da imagem. As sombras em primeiro
plano enfatizam ainda mais tal dramaticidade e tensão. Portanto, as significações semânticas
possuem predominante tendência ao aguçamento mesmo que não de forma integral e, sendo
associadas à figura humana, são relacionadas à dramaticidade, à instabilidade e à tensão
visual.
No tocante às significações simbólicas, assim como na imagem anterior (Figura 9), por
força da redução temática, poucos elementos visuais são incorporados à cena na obra de
Gericault (Figura 10). Os elementos visuais simbólicos são as vestimentas e as próprias
expressão e postura do sujeito. As roupas são simples e amarrotadas com remendos, além de
ter aparência não muito limpa. Embora a postura seja ereta a expressão facial é sofrida e os
olhos, lacrimosos e tristes. No plano de fundo, o efeito de desfoque produz apenas alguns
degradês de tons sem nenhum objeto reconhecível. Portanto, referente à associação dos
elementos simbólicos ao corpo humano, podemos constatar a incorporação de significações
simbólicas relacionadas à simplicidade, à modéstia e ao sofrimento, constituindo a
representação de uma figura humana singela, sofrida e ordinária.
Apresentados os aspectos sintáticos, semânticos e simbólicos das imagens pictóricas,
passamos para as análises das imagens fotográficas de Richard Avedon e Irving Penn.

108
4.3.3. Fotografia Moderna

Figura 11

Autor: Richard Avedon.


Obra: Janis Joplin – 1969.

Iniciaremos as análises da fotografia moderna pelo retrato da cantora Janis Joplin,


realizado por Richard Avedon, em 1969 (Figura 11). A cronologia da imagem evidencia um
tipo de modernidade, no sentido que o termo “fotografia moderna” alude, já bastante
consolidada. A presente imagem apresenta alguns aspectos visuais evidenciados pelas
pinturas românticas, ou seja, redução temática dos elementos de fundo, plano de corte
oferecendo alguma ênfase à expressão e estado psicológico do sujeito e desfoque no plano de
fundo. Por este motivo podemos desde já constatar relações visuais de continuidade entre a
fotografia moderna e a pintura romântica. No tocante às significações sintáticas, as variáveis
ópticas, topológicas e cromáticas se destacam. A categoria óptica se estabelece pela relação de
baixa profundidade de campo que produz a distinção sintática plano nítido vs. plano
desfocado associada à categoria simbólica principal vs. secundário produzindo a significação
óptica plano nítido/principal vs. plano desfocado/secundário. Por sua vez, a significação
topológica se constitui por intermédio da relação topológica tridimensional primeiro plano vs.
plano de fundo que também se relaciona com a categoria simbólica principal vs. secundário,
formando a significação topológica primeiro plano/principal vs. plano de fundo/secundário. Já

109
a categoria cromática se constitui por meio da relação de contraste, sendo a figura humana um
elemento visual formado por contrastes tonais enquanto o restante da imagem é dominado por
uma sutil variação tonal sobre um único tom de cinza médio. Institui-se a categoria cromática
alto contrate vs. degradê, associados à categoria conceitual principal vs. secundário,
produzindo a significação cromática tonal alto contraste/principal vs. degrade/secundário.
Assim, a qualidade relacionada à noção de principal, determinante ou primordial é associada à
figura humana por consequência das relações sintáticas visuais.
No que diz respeito às significações semânticas, a imagem reexpõe elementos visuais
presentes tanto nas pinturas renascentistas, quanto nos retratos românticos. Por um lado,
constatamos sua orientação ao nivelamento proporcionada pelo ponto de vista e plano de
corte. Por outro, concebemos sua orientação ao aguçamento por meio do posicionamento e da
relação do sujeito com a moldura. O ponto de vista normal produz estabilidade visual, uma
vez que as linhas verticais da imagem não apresentam distorção vertical. O plano de corte
aproxima-se de um primeiro plano, por estar perto da linha da cintura e enfatiza a expressão e
a fisionomia de dois elementos bastante regulares e orientados ao nivelamento. A respeito do
posicionamento do sujeito e de sua relação com a moldura da imagem, podemos constatar
que, embora esteja posicionado ao centro seu eixo central, produz uma linha diagonal que,
obviamente, não está alinhada a nenhuma das linhas verticais da moldura e nem mesmo
alinhada a nenhuma linha diagonal estrutural da imagem, dessa forma, produzindo dinamismo
mediante aguçamento. Por força da ação concomitante entre nivelamento e aguçamento, a
associação das informações semânticas à figura humana oferece sentidos ao mesmo tempo
estáveis e dinâmicos simultaneamente, ou seja, o corpo é estável e equilibrado ao mesmo
tempo em que possui movimento e é dinâmico e energético.
Quanto às significações simbólicas, da mesma maneira que nas pinturas românticas,
devido à redução temática do fundo, poucos elementos visuais são incorporados à cena. Os
elementos visuais simbólicos são a indumentária e a comunicação corporal do sujeito. As
roupas são despojadas e os adereços corporais postos sobre ele (tatuagem, anéis, colares e o
cigarro) simbolicamente representam um tipo de comportamento menos convencional e mais
informal, afinal, trata-se de uma artista polêmica. A comunicação gestual é bastante
irreverente, informal e descontraída. No que se refere à associação das significações
simbólicas ao corpo, podemos constatar que estas qualidades são incorporadas à figura
humana, sendo a retratada interpretada como uma pessoa irreverente, descontraída e
despojada.

110
Figura 12

Autor: Richard Avedon.


Obra: Dovima com elefantes – 1955.

A icônica imagem de Richard Avedon (Figura 12) foi selecionada para a presente
análise por, principalmente, três motivos: a relação entre o sujeito e os animais reexpõe
aspectos visuais semelhantes aos vistos nos retratos renascentistas; o fundo da imagem opera
algum tipo de redução temática similar, mas em menor grau, à vista nos retratos românticos; a
gestualidade corporal revela intensidade e importância bastante evidentes, fato que parece
marcar um aspecto evolutivo e distintivo entre a fotografia e a pintura. É importante salientar
também que a presente imagem se refere a um gênero específico de retrato, o retrato de moda.
Este gênero se desenvolve com bastante consistência ao longo do século XX, em grande
parte, devido à enorme expansão do mercado editorial, em especial das revistas e outros
formatos gráficos correspondentes. Um retrato de moda pode ser definido pela maior
relevância que a indumentária e o comportamento do sujeito assumem na composição. Isso
não deve ser confundido com a ideia de que a roupa tenha maior importância do que o sujeito
visto o enorme destaque que as personalidades, artistas e modelos possuem para dinâmica das
imagens contemporâneas. No entanto, é importante considerar que a roupa, como um aspecto
associado ao sujeito, não é exatamente uma inovação desse gênero, visto que tal relação está
presente em todas as imagens anteriormente analisadas. Portanto, o valor agregado ao sujeito

111
proporcionado pela roupa refere-se mais ao tratamento desses aspectos visuais como recursos
de composição do que como uma distinção. A originalidade nesse caso se apresenta pela
contratante da imagem, que não é o retratado, mas a marca da indumentária. Se imaginarmos
que em séculos passados a igreja ou até mesmo a monarquia eram financiadores dos artistas,
esta relação representa formas bastante regulares. Visto tais continuidades culturais e também
levando em consideração que a origem do financiamento das obras não é um critério de
análise diante da presente metodologia de pesquisa a imagem escolhida tem muito a
contribuir.
Na análise das significações sintáticas, três categorias se estabelecem como variáveis
produtoras de sentido: as variáveis topológicas, as cromáticas e as morfológicas. No caso das
relações topológicas, a produção de sentido se constitui pela dicotomia sintática central vs.
periférico associada à categoria simbólica principal vs. secundário formando a significação
sintático-topológica central/principal vs. periférico/secundário. Do ponto de vista das
variáveis cromáticas, a significação se estabelece por intermédio do contraste, sendo a figura
humana formada por tons em alto contraste enquanto os demais elementos visuais são
formados predominantemente por sutis variações em tons de cinza. Portanto, temos a
categoria cromática alto contraste vs. baixo contraste que se relaciona à categoria conceitual
principal vs. secundário produzindo a significação cromática alto contraste/principal vs. baixo
contraste/secundário. Por fim, a significação morfológica ocorre por meio da textura, uma vez
que a figura humana possui uma textura com aparência visual mais lisa enquanto dos demais
elementos possuem uma textura predominantemente irregular, novamente relacionamos uma
categoria sintática à categoria simbólica principal vs. secundário formando a significação
morfológica liso/principal vs. irregular/secundário. Quanto à associação das informações
visuais ao corpo humano figurativamente representado, observamos que, devido às
significações topológicas, cromáticas e morfológicas, o sentido de principal é correlacionado
à figura humana.
No tocante às significações semânticas, a imagem de Avedon reapresenta diversos
elementos visuais presentes nas pinturas renascentistas, visto a orientação ao nivelamento
produzido pelo posicionamento, ponto de vista e plano de corte. O posicionamento do sujeito
é plenamente central e, portanto, estável. O ponto de vista “normal” também expressa
estabilidade e equilíbrio visto que a distorção vertical produzida sobre as linhas, por
intermédio do ponto de fuga, é praticamente nula. O plano de corte adotado foi o plano geral.
Se comparado às imagens pictóricas anteriormente analisadas este plano é mais abrangente.
Este fato explica-se pela necessidade de se enquadrar os elefantes e sua simples distinção em

112
relação aos planos de corte anteriormente escolhidos não configura por si só um aguçamento.
Pelo contrário, visto que o plano geral produz um enquadramento completo da figura humana
e também dos animais, e ainda oferece alguma ênfase na interação entre o sujeito e elefantes
tal plano de corte utilizado apresenta evidente orientação ao nivelamento. Por último, a figura
humana em seu eixo central forma uma linha conceitual com três seguimentos, isto é, da
cabeça até o quadril, do quadril até os joelhos e dos joelhos até os pés. Esse conjunto de linhas
constitui uma forma irregular que insere aguçamento à imagem, mas esta linha, enquanto
forma irregular dialoga com as linhas da mesma espécie formadas pelos elefantes,
adicionando nivelamento à composição mediante harmonia visual e reexposição de elementos
conceituais. Assim, devido à predominância do nivelamento nos elementos conceituais, a
significação semântica da imagem é relacionada aos sentidos de estabilidade, equilíbrio e
harmonia, sendo estes predicados associados à figura humana.
No que diz respeito às significações simbólicas dos elementos visuais que serão
associadas à figura humana, três elementos denotativos se destacam: os elefantes, as roupas e
a gestualidade do corpo. A relação entre uma figura feminina e os animais reexpõe um
aspecto presente nas imagens renascentistas, embora agora com outra proporção e
importância. Nas pinturas, um dos aspectos simbólicos da relação entre a figura humana e os
animais era de posse; já na presente imagem fotográfica a relação não é de posse, mas de
domínio e interação. Simbolicamente, os elefantes representam força e grandiosidade e por
intermédio da interação e aparente domínio da mulher sobre os animais, tais aspectos
simbólicos associados a ela. A indumentária também possui aspectos simbólicos bastante
evidentes, os aspectos do luxo e da sofisticação próprios da alta costura são associados ao
sujeito da imagem. Por fim, a própria gestualidade do corpo é expansiva, graciosa e elegante,
sendo essas qualidades incorporadas à figura humana.

113
Figura 13

Autor: Irving Penn.


Obra: Audrey Hepburn – 1951.

A primeira imagem de Irving Penn selecionada (Figura 13) para a presente análise é o
retrato da atriz Audrey Hepburn. A fotografia reexpõe alguns elementos estéticos presentes
nas pinturas românticas, anteriormente analisadas, e alguns outros aspectos presentes também
no retrato de Janis Joplin, realizado por Avedon. Destacamos a redução temática dos
elementos de fundo, o plano de corte enfatizando a expressão, o posicionamento do sujeito
como tendência ao aguçamento e o uso da iluminação para produzir volume. A respeito das
significações sintáticas concebemos as variáveis topológicas, cromáticas e morfológicas como
principais planos de produção de sentido na imagem. A categoria topológica tridimensional
primeiro plano vs. plano de fundo se relaciona à categoria conceitual principal vs. secundário,
formando a significação sintática primeiro plano/principal vs. plano de fundo/secundário. A
topologia bidimensional também produz sentido pela variação esquerda vs. direita relacionada
novamente à categoria conceitual principal vs. secundário, estabelecendo a significação
topológica esquerda/principal vs. direita/secundário. A categoria cromática se vincula à
categoria topológica na medida em que podemos conceber um plano de significação restrito
ao primeiro plano e outro na relação entre primeiro plano e fundo. No primeiro caso, a
significação cromática se estabelece pela relação dicotômica claro vs. escuro, que expressa a
distinção entre rosto e roupa. Tal categoria sintática se relaciona com a categoria simbólica
principal vs. secundário produzindo a significação cromática claro/principal vs.
escuro/secundário. No segundo caso, a significação cromática ocorre pela distinção entre as

114
formas com contraste tonal, o rosto, e as formas com tonalidade única, ou seja, a roupa preta e
o fundo cinza que, correlacionados à categoria principal vs. secundário, produz a significação
simbólica contraste/principal vs. tom único/secundário. Visto que o fotógrafo utiliza o recurso
de alta profundidade de campo, uma categoria óptica estabelecida pela distinção entre plano
nítido e plano desfocado não ocorre. Por outro lado, o recurso da alta profundidade de campo
atrelado, provavelmente, ao uso de filtros e filmes para suavizar a textura da pele e do
primeiro plano faz com que o plano de fundo produza a percepção acentuada da textura
enquanto o primeiro plano suaviza a textura tornando-se predominantemente liso. Assim, a
categoria morfológica relacionada à textura se estabelece por meio da dicotomia liso vs.
áspero é associada à categoria conceitual principal vs. secundário formando a significação
liso/principal vs. áspero/secundário. Por fim, constatamos o sentido de principal e primordial
como predicações associadas à figura humana devido à incorporação das significações
sintáticas pelo sujeito da imagem.
A respeito das significações semânticas, a presente imagem segue a mesma tendência
das imagens fotográficas anteriores, isto é, alguns elementos orientados ao aguçamento e
outros ao nivelamento. Podemos constatar que o posicionamento do sujeito não obedece a
nenhuma das linhas estruturais do quadro, sendo marcadamente posicionado próximo à
moldura esquerda do quadro. A luz produzindo volume no primeiro plano também é um
elemento de aguçamento. Por outro lado, o ponto de vista “normal” é bastante convencional e
orientado à estabilidade visual. A moldura da imagem assume o formato quadrado que produz
relações homogêneas entre as linhas verticais e horizontais gerando equilíbrio visual. No
entanto, devemos observar que o formato quadrado é pouco usual quando comparado à
moldura em formato retangular. Inclusive, especificamente na fotografia analógica, apenas
um modelo de câmera era capaz de produzir imagens quadradas, no caso, a câmera de médio
formato com negativos de 6 x 6 cm. Dessa maneira, mesmo que a moldura quadrada
represente um formato visualmente estável, ao mesmo tempo esse formato representa um
formato menos comum. Portanto, a moldura compartilha elementos de nivelamento e
aguçamento simultaneamente. A mesma relação pode ser observada no que se refere ao plano
de corte, embora o corte em primeiro plano seja bastante frequente para imagens de retrato, o
corte na altura dos cabelos é uma inovação visual que ocorre como influência do formato
horizontal do quadro no cinema, em que para se conseguir imagens em primeiro plano sem
demasiado peso visual de elementos de fundo, tornou-se frequente o corte mais dramático
fechando mais a imagem. Assim, o plano de corte também compartilha, simultaneamente,
elementos de nivelamento e aguçamento. Já o ponto de vista “normal” é bastante comum e

115
estável, portanto, orientado ao nivelamento. Por fim, podemos constatar que, devido à
interdependência de aspectos orientados ao aguçamento e ao nivelamento, a associação das
informações semântica à figura humana oferece sentidos concomitantemente direcionados à
estabilidade e ao equilíbrio, por um lado, e ao dinamismo, por outro. Desta forma, o sujeito da
imagem incorpora aspectos visuais relacionados à significação semântica sendo percebido
como estável e equilibrado ao mesmo tempo em que apresenta dinamismo e vitalidade.
Quanto às significações simbólicas, da mesma forma que no retrato de Janis Joplin
realizado por Avedon (Figura 11) e também como foi observado nas pinturas românticas, em
consequência da redução temática do fundo, apenas alguns poucos elementos visuais fazem
parte da cena. Uma vez que não existem elementos cenográficos ou de fundo, os elementos
visuais simbólicos são apenas o vestuário e a comunicação corporal. A indumentária é
informal e básica, mas alinhada e com boa aparência. A comunicação gestual é descontraída,
mas um pouco contida e formal, diferente da gestualidade de Janis Joplin que é bem mais
extrovertida e expansiva. Desse modo, no que se refere à associação das significações
simbólicas ao corpo, podemos conceber que estas qualidades são incorporadas pelo sujeito da
imagem, sendo a figura humana relacionada à simplicidade e a uma personalidade informal e
descontraída, mas de forma contida e cautelosa.

Figura 14

Autor: Irving Penn.


Obra: Marcel Duchamp – 1948.

116
Para a presente análise selecionamos o retrato de Marcel Duchamp fotografado por
Penn (Figura 14). Esta fotografia faz parte de uma famosa sequência de imagens editoriais de
celebridades, encomendada por Alexander Liberman, diretor de arte da revista Vogue
America, em 1946, e realizada por Irving Penn entre os anos 1947 e 1948 (HAMBOURG;
ROSENHEIM, 2018, p. 71). A cenografia, idealizada pelo próprio fotógrafo, produziu um
tipo muito particular de fundo fotográfico, formado por um estreito compartimento,
estabelecendo um ambiente minimalista. Embora, de acordo com o convidado fotografado, o
fundo fosse parcialmente modificado, este fundo estreito em forma de “V” foi frequentemente
utilizado para diversos retratos dessa série, com destaque para os antológicos retratos de
Truman Capote e Igor Stravinsky.
Quanto às significações sintáticas, três categorias se estabelecem como variáveis
produtoras de sentido: as variáveis topológicas, cromáticas e morfológicas. No caso das
categorias topológicas, tanto o aspecto bidimensional, quanto o tridimensional produzem
significação. As relações topológicas bidimensionais se constituem pela oposição central vs.
periférico, associada à categoria simbólica principal vs. secundário, formando a significação
sintática central/principal vs. periférico/secundário. Do ponto de vista das relações topológicas
tridimensionais, o fundo em forma de “V” evidencia a relação de profundidade, sendo o
retratado posicionado ao fundo e as paredes e chão do cenário constituindo uma relação
espacial à frente do sujeito. Portanto, temos a categoria topológica tridimensional plano de
fundo vs. plano de frente, relacionado à categoria conceitual eminente vs. complementar,
formando a significação topológica plano de fundo/eminente vs. plano de
frente/complementar. A categoria cromática se institui pela variação tonal, sendo o sujeito da
imagem predominantemente formado por tons escuros e o cenário constituído unicamente por
tons de cinza claro. Assim, variação cromática escuro vs. claro é associada à categoria
simbólica principal vs. auxiliar, formando a significação sintática escuro/principal vs.
claro/auxiliar. A categoria morfológica se constitui pela distinção entre as formas irregulares
ou orgânicas do sujeito e as formas geométricas do cenário. Portanto, a variação morfológica
irregular vs. geométrico, quando relacionada a categoria conceitual principal vs.
complementar, produz a significação sintático-morfológica irregular/principal vs.
geométrico/complementar. A respeito da incorporação das informações visuais à figura
humana, observamos que, devido a tais significações topológicas, cromáticas e morfológicas,
os sentidos relacionados aos conceitos de principal, eminente e primordial são relacionados ao
sujeito.

117
Por sua vez, as significações semânticas apresentam grande inclinação ao estilo
clássico, visto que o plano de corte, o ponto de vista e o posicionamento favorecem o
nivelamento, enquanto apenas a relação entre a moldura e algumas linhas no interior da
imagem remete ao aguçamento visual. O plano de corte utilizado é o geral, tipo de plano que
relaciona o sujeito ao ambiente e que parece bastante adequado à proposta visual. A forma
como o plano geral é feito é bastante comum e não produz nenhum aspecto formal novo.
Portanto, podemos constatar sua orientação ao nivelamento. O ponto de vista “normal” e o
posicionamento central do sujeito também são bastante regulares, favorecendo o nivelamento.
Assim, por influência desses parâmetros conceituais, as noções de estabilidade, equilíbrio e
simplicidade são associadas à imagem. Apenas a relação entre moldura e linhas diagonais
produzidas pelo fundo e pela perna à frente do sujeito produzem aguçamento e dinamismo.
No que se refere à incorporação das informações semânticas pela figura humana
figurativamente representada, podemos constatar a sensação de estabilidade e equilíbrio
associada à personalidade do sujeito.
A respeito das significações simbólicas, quatro elementos visuais se destacam: o
cenário, a indumentária, o cachimbo e a gestualidade. O cenário é um dado simbólico
visualmente arrojado e inovador. A indumentária é refinada e em tons sóbrios. O cachimbo
pode representar a apreciação estética dos sentidos. Por fim, sua gestualidade é elegante e
equilibrada, sem ser excessivamente estática. Assim, por meio dessas qualidades simbólicas
presentes nos elementos visuais, tais qualidades são associadas à figura humana relacionando
o sujeito às noções de elegância e sobriedade, de erudição, inovação e arrojo.

118
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história do corpo é escrita em cripto-caracteres: apagados,


ocultos, silenciosos. Silêncio e fala, gesto e mudez num só
tempo, é neles – buracos ocos do sentido – que a verdade da
matéria desenha o seu sussurro.

Marcia Tiburi. Filosofia Cinza.

O presente trabalho se dedicou ao estudo das implicações da predominância da figura


humana no âmbito das representações pictóricas e fotográficas, para nossos modos de
interpretação visual nas imagens em que a figura humana encontra-se presente. Tal interesse
ocorreu como consequência da percepção de que o corpo humano teria peculiar influência
sobre os processos de interpretação das representações visuais planares, quando comparada a
outros elementos visuais. Portanto, o corpo humano figurativamente representado, sob certas
circunstâncias, teria a capacidade de produzir dinâmicas visuais particulares, distintas
daquelas proporcionadas pelas imagens em que este se encontra ausente. Assim, a pesquisa
trabalhou com a hipótese de que a predominância cultural do corpo humano exerce influência
sobre nossa forma de interpretação visual, nos suportes mencionados. Devido a essa
influência, as informações contidas na representação visual, não seriam apenas destinadas ao
observador, segundo o paradigma clássico da comunicação emissor/mensagem/receptor. Mas,
em um plano mais elaborado da cognição visual, chamado de cognição simbólica, as
informações visuais convergem ao corpo, integrando-se a ele.
Esta competência do corpo para influir sobre os processos de comunicação já foi
constatada por outros estudos, entre os quais destaca-se a Teoria do Corpo-Mídia, segundo a
qual, nas ocasiões em que corpo e informação se encontram, a informação “se transforma em
corpo, modificando-se” (KATZ; GREINER, 2015, p. 9). No entanto, é preciso destacar que
esta teoria possui um escopo bastante abrangente e quase irrestrito, enquanto nosso estudo se
propõe a observar as decorrências das relações entre informação e corpo, apenas, no âmbito
das representações fotográficas.
A respeito das relações entre corpo e representações visuais, a pesquisa se
fundamentou nos estudos de antropologia visual e história da arte de Hans Belting (2007;
2009), Jean-Marie Schaeffer (2008) e Jacqueline Lichtenstein (2008), para afirmar a
predominância da figura humana como principal elemento visual no âmbito das
representações artísticas visuais. Assim, o corpo humano assume uma função de destaque
como principal elemento de continuidade cultural entre as imagens pictóricas e fotográficas.

119
Tal predominância refere-se a aspectos presentes na cultura, presumivelmente, desde a idade
antiga, mas que se consolida a partir do Renascimento. Isso se deve a uma série de práticas e
técnicas de representação visual e conhecimentos científicos que se estabelecem nesse
período, como: maior conhecimento sobre o comportamento da luz e das sombras; melhor
compreensão sobre o funcionamento da percepção humana em relação à luz e cor;
conhecimento sobre a anatomia humana devido aos estudos de esfolado; estudos sobre as
proporções humanas relacionados às relações matemáticas; noções de equilíbrio visual a partir
da proporção áurea; amplo uso das técnicas de perspectiva cónica, entre outros recursos
técnicos e científicos.
A predominância do corpo no âmbito das representações visuais é um dos
fundamentos da perspectiva antropológica da arte. Hans Belting (2008, p. 111) afirma que a
história da representação humana se confunde com a história da representação do corpo.
Nadeije Laneyrie-Dagen, é categórica ao afirmar, na apresentação da obra de Lichtenstein
(2008, p. 9), que “desde a antiguidade até o início do século XX, a representação da figura
humana foi a maior preocupação da arte ocidental, e sua principal característica em relação às
tradições artísticas judaica ou muçulmana”. A ideia central deste trabalho sustentou que essa
predominância do corpo nas representações artísticas possui influência sobre nossos modos de
interpretação visual.
A Semiótica de Charles Peirce, mais especificamente, a teoria dos interpretantes e o
conceito de interpretante lógico, forneceram os fundamentos para a compreensão desse
fenômeno, por meio da noção aquisição de hábitos. Segundo Liszka (1996, p. 27) o
interpretante lógico “é o hábito de interpretação ou o hábito de ação que a interpretação do
signo engendra”. Assim, devido ao fascínio estético produzido pelas técnicas de representação
visual e pela continuidade da figura humana na condição de elemento predominante, certos
modos de interpretação visual se estabeleceram como hábitos. Em decorrência de tais hábitos,
nas imagens em que o corpo humano se faz presente, ocorrem operações cognitivas de
associação das informações visuais à figura humana. No entanto, para que estes processos de
significação ocorram de forma consistente não basta apenas a presença do corpo na
representação. Três aspectos devem ser observados: (1) a figuratividade do corpo humano; (2)
sua função de destaque na representação visual, e; (3) sua expressividade narrativa.
Para atender as essas demandas, o recorte empírico da pesquisa dedicou-se
predominantemente às imagens fotográficas relacionadas à vertente chamada Fotografia
Moderna, em especial, sobre a obra dos fotógrafos Richard Avedon (1923-2004) e Irving
Penn (1917-2009). O percurso metodológico demandou a utilização combinada de pesquisa

120
bibliográfica, análise comparativa e análise semiótica. O estudo bibliográfico foi usado nos
três primeiros capítulos, referentes ao desenvolvimento teórico da pesquisa. Já o quarto e
último capítulo, dedicado à demonstração empírica, utilizou a combinação de dois métodos: a
análise comparativa e a semiótica. O método comparativo foi empregado com o intuito de
demonstrar a viabilidade dos pressupostos que fundamentaram a hipótese de pesquisa. As
imagens de Richard Avedon e Irving Penn foram responsáveis por demonstrar o pleno
funcionamento dos pressupostos, sendo comparadas a outras imagens, também de fotógrafos
do período moderno, responsáveis por demonstrar os casos em que o pleno funcionamento
dos pressupostos não ocorre efetivamente. Por sua vez, a análise semiótica procurou
demonstrar os três planos de significação, associação das informações visuais à figura humana
e a verificação das continuidades culturais nos processos de significação. Como a análise de
imagens pictóricas é anterior à das imagens fotográficas, tornou-se possível a observação das
continuidades e rupturas visuais. Assim, somam-se às imagens dos fotógrafos mencionados a
análise de pinturas de renomados artistas do Renascimento e do Romantismo, como Leonardo
da Vinci, Rafael Sanzio, Eugene Delacroix e Theodore Gericault.
Para examinar a viabilidade da hipótese de pesquisa e da efetividade de seus
pressupostos, o estudo foi organizado em quatro capítulos. O primeiro se propôs a apresentar
os fundamentos sobre o conceito de linguagem e os princípios que estruturam os campos da
comunicação visual e da semiótica peirceana. O segundo capítulo foi destinado aos estudos
sobre o conceito de continuum cultural e sua relação com a predominância do corpo no
âmbito das representações visuais, sendo a figura humana, o principal aspecto visual entre os
elementos referentes à continuidade cultural. O terceiro capítulo foi dedicado às
consequências e implicações, para os processos de interpretação visual e de produção de
sentido, da predominância do corpo no campo das representações artísticas e midiáticas,
constatada no capitulo anterior. Por fim, o quarto e último capitulo tratou da demonstração
empírica da hipótese de pesquisa, por meio dos dois modos de análise adotados, o método
comparativo e o semiótico.
O percurso adotado comprovou a hipótese de pesquisa impondo limites dentro dos
pressupostos advertidos. Portanto, podemos afirmar que, de fato, a predominância do corpo
no âmbito das representações visuais produz influência sobre processos de intepretação visual
nas imagens em que a figura humana se faz presente. Em consequência disso, as informações
sintáticas, semânticas e simbólicas presentes na imagem são associadas à figura humana como
aspectos conotativos e denotativos de sua representação. Esses processos cognitivos visuais
não estão restritos às imagens fotográficas, mas se intensificam a partir de seu surgimento e se

121
consolidam, de certa forma, com o advento da Fotografia Moderna. No entanto, tais processos
não ocorrem de forma ampla e incondicional. Alguns aspectos visuais atuam como preceitos
de seu pleno funcionamento, são eles: a figuratividade do corpo, sua função de destaque e sua
centralidade temática.
A presente pesquisa abre espaço para novas indagações, sobretudo, a partir das
relações que o corpo institui no âmbito das expressões audiovisuais, mas também sobre as
possiblidades de incorporação das informações visuais a objetos, nas imagens
contemporâneas em que o corpo está ausente. A predominância do corpo no cinema é bastante
evidente, basta observar a quase inexistência de filmes em que a figura humana esteja ausente
ou que não seja essencial à narrativa. Assim, é possível se questionar sobre a intensificação
dos processos visuais pesquisados no âmbito do cinema. O mesmo questionamento pode ser
aplicado à publicidade audiovisual e até mesmo às estratégias visuais das redes sociais e do
marketing digital. Por outro lado, a publicidade contemporânea parece ter utilizado os
interpretantes lógicos responsáveis pela associação das informações visuais ao corpo, em
sofisticadas estratégias visuais de comercialização de produtos em imagens em que a figura
humana está ausente.
Lipovetsky e Serroy (2015) observam que as relações de consumo que estruturam a
sociedade pós-moderna têm sua origem, cento e cinquenta anos antes de seu advento, com as
estratégias comerciais do mercado de moda. Dessa forma, a efemeridade do consumo, a
sazonalidade da produção, a atualização constante das coleções e as estratégias publicitárias e
editoriais de divulgações dos produtos, que são aspectos fundamentais do consumo
contemporâneo, são instituídas por esse mercado ainda no século XIX. Com a ampliação das
relações de consumo na sociedade pós-moderna, a publicidade contemporânea parece colocar
em prática novas estratégias de marketing que utilizam as antigas estruturas visuais de
predominância do corpo na divulgação de produtos sem a utilização da figura humana.
Por fim, é importante salientar, como não poderia ser diferente, que a presente
pesquisa nunca teve a intenção de instituir verdades categóricas, mas apenas de fazer uma
pequena contribuição para o campo dos estudos visuais e comunicacionais. A ação dos
interpretantes lógicos e suas implicações para os processos de interpretação e cognição visual,
devido à predominância do corpo nas representações artísticas e comunicacionais, simbolizam
nossa singela colaboração às pesquisas desses campos.

122
REFERÊNCIAS

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ARNHEIM, R. Arte e percepção visual: Uma psicologia da visão criadora. São Paulo:
Cengage Learning, 2011.
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Paulo: Universidade Pontifícia Católica, 1997.
BARNARD. F. M. Culture and civilization in modern times. In: WIENER, P. P. (Ed.).
Dictionary of the history of ideas: Studies of selected pivotal ideas (v. 1). New York,
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