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Reencenagiio como experimento em politica, ciéncia e psicologia: Bergson ¢ Einsten sobre o tempo Caroline Gareia Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Cuiaba, MT, Brasil Dolores Galindo Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Cuiaba, MT, Brasil José Carlos Leite Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Cuiaba, MT, Brasil Resumo Neste ensaio argumentamos que a adogio da reencenagio como experimento metodolégico permite uma dramética que articula efeitos inesperados para debates tedrieos que, do ponto de vista da Histéria das Cigneias, estariam encerados, produzindo rearticulagdes entre politica, Cigncia e Psicologia, Para abordar a reencenagao como recurso metodoldgico, tomamos como fio condutor o debate sobre Bergson e Einstein a respeito do tempo. Pensar o debate entre Bergson ¢ Einstein, ocorrido em 1922, a respeito do tempo, no qual o primeiro teria saido como o protagonista derrotado, sem se referir as soluedes ja instituidas sobre as controvérsias & uma pista metodolégiea importante para evitar polarizagdes e para conseguir percorrer os efeitos da nogio de tempo no presente. A perspectiva da teoria ator-rede sobre o estudo de controvérsias permite recuperar o debate épico de 1922 e reinventé-lo por meio da reencenagio, pois, ao trazer a concepcio de rede como fluxes, circulagdes, aliangas, movimentos, em vez de remeter a uma entidade cristalizada, da lugar & reencenagao como dispositive de pensamento ¢ de liberdade na eriagdo de campos problemiticos inventivos. Palavras-chave: Bergson, Deleuze, Ator-Rede Rev. Polis e Psique, 2018; 8(2): a Garcia, C.; Galindo, D.; Leite, J ‘Abstract In this essay we argue that the adoption of reenactment as a methodological experiment allows a dramatic one that articulates unexpected effects to theoretical debates that, from the point of view of the History of Sciences, would be closed, producing rearticulations between politics, Science and Psychology. In order to approach re- enactment as a methodological resource, we take as a thread the debate about Bergson and Einstein about time... The debate between Bergson and Einstein in 1922 about time, in which the former would have emerged as the defeated protagonist, without referring to the solutions already instituted on the controversies is an important methodological clue to avoid polarization and to get through the effects of the notion of time in the present. The perspective of the actor-network theory on the study of controversies allows to recover the epie debate of 1922 and to reinvent it by means of the reenactment, therefore, in bringing the conception of network like flows, circulations, alliances, movements, instead of referring to A crystallized entity, gives way to reenactment as a thinking device Keywords: Bergson, Deleuze, Ator-Rede Resumen En este ensayo argumentamos que la adopeién de la reencenacién como experimento metodolégico permite una dramética que articula efectos inesperados para debates tedricos que, desde el punto de vista de la Historia de las Ciencias, estarian encerrados, produciendo rearticulaciones entre politica, Ciencia y Psicologia, Para abordar la reencenacién como recurso metodolégico, tomamos como hilo conductor el debate sobre Bergson y Einstein acerca del tiempo... Argumentamos que pensar el debate entre Bergson y Einstein, ocurrido en 1922, con respecto al tiempo, en el que el primero habria salido como el protagonista derrotado, sin referirse a las soluciones ya instituidas sobre las controversias es una pista metodolgica importante para evitar polarizaciones 'Y para lograr recorrer los efectos de la nocién de tiempo en el presente, La perspectiva de la teoria actor-red sobre el estudio de controversias permite recuperar el debate épico Rev. Polis e Psique, 2018; 8(2): 237 - 6 238 Garcia, ( Galindo, D.; Lei de 1922 y reinventarlo por medio de la reencenacién, pues, al traer la concepeién de red como flujos, circulaciones, alianzas, movimientos, en lugar de remitir a la realidad una entidad cristalizada, presenta a la reencenacién como dispositivo de pensamiento. Palabras clave: Bergson, Deleuze, Ator-Rede Introdugio Num debate ocorrido na Sociedade Francesa de Filosofia, em Paris, em 1922, (Bergson /convida)) EEE elementos metafisicos que foram: Sea ae poréiny/o"fisico"ao'o\faz. Por seu tumno, Bergson argumentava que Sua nogao de “espago e tempo tinha um significado -cosmolégico, 0 qual deveria ser mE a: “notiveis descobertas de Einstein, Este iiltimo sustentava que €xistial/Somiente)) ‘Gi Tempo le espago — aquele da fisica — © que Bergson procurava nada mais que “© tempo subjetivo — aquele da psicologia. Ao calor da controvérsia, em 1922, GE RSERSRE ESSA -exista um elemento de diferenga entre as concepedes psicologicas ¢ fisicas de (eimpe: Para Bergson, essa diferenca so Rev. Polis e Psiqu 2018; 8(2): 237-6 faz a tarefa do fildsofo mais relevante, especialmente porque ninguém, nem mesmo os fisicos, poderia evitar os problemas sobre o tempo. Jé, para nao existe, Einstein, como pensou Bergson, 0 tempo qualitative ova vida, Einstein marca dois tipos de tempo, a saber: 1) 0 tempo psicotigion, que & Entendemos, enfim, que esse episodio caracteriza uma mudanga importante no lugar da ciéncia e da filosofia na historia, propondo-nos uma questaogo Seis de abril de 1922, data do debate, é uma data da qual Einstein nao se esqueceria, nos proximos anos, porque o fisico precisou se deparar com 239 Garcia, ( “um dos filésofos mais célebres do século, amplamente conhecido por sua teoria sobre tempo; (Canales, 2015, p. 3, tradugao nossa). Em 1922, 0 fisico e o filésofo entraram cada um em seu em confronto, territério, defendendo _ elementos irreconeiliveis sobre 0 tempo. Na Société francaise de philosophie, uma das instituigdes mais veneriveis da Franca, eles se enfrentaram sob os olhos de um seleto grupo de intelectuais. O "didlogo entre 0 maior filésofo © o maior fisico do século XX atraiu olhares de todo mundo cientifieo” (Canales, 2015, p. 3, tradugdio nossa). Depois do debate, a reputaglo de Bergson, (GRIND As criticas contra 0 fisico foram imediatamente _prejudiciais, também, pois, quando 0 Prémio Nobel foi atribuido a Einstein, alguns meses mais tarde, nio foi em fungao da teoria da relatividade. Bergson, por sua vez, quando indicado ao Nobel de Literatura, Rey. Polis e Psique, 2018; 8(2): 237-6 Galindo, D Leite, J. tampouco teve reconhecida a fora das reflexdes sobre o tempo que trouxe, a partir da Filosofia. Assumindo a importincia do legado de Bergson ao pensamento sobre © tempo, Bruno Latour propée, quase uum século depois do debate de 1922, que este novamente tenha lugar. Busca dar novos rumos ao debate, por meio de uma reencenagio, de sorte que Einstein possa ouvir os argumentos de Bergson e, de maneira mais ampla, que a Fisica e a Filosofia possam @6EIESEG) eae GHEE EEE (EES Bron Latour cria, por conseguinte, um segundo debate, desta feita, em 2010. ‘Ao tecriar 0 problema do tempo, (Cia TIGSOIAD) como_apona Latour, ao nos fornecer a maneira como vemos car aentosyisprteasies (Galtura, Latour 2011, p. 24) afirma 240 Garcia, ( L e interessante, mas nfo tem rele J] 0 que vocé diz pode ser agradavel cosmolégica porque ela s6 é lida com elementos subjetivos, e nio 0 mundo real”. Dentre outros objetives, Bruno Latour, com a reencenagio, visava a “[fazer com que os alunos possam sentir 0 tempo em seus ombros” (2010, © debate, reencenado em 2010, coloca algumas Pp. 95, tradugao nossa). questdes, a saber: como seria se, nesse debate. os dois universos de téenicas de inscrigtio, a Filosofia e a Fisica, tivessem reconciliado seus discursos? Que nmidangas sofreriam as _novas controvérsias? i (Latour, 2008). O episédio traz_personagens contemporineos a problematica(@ lana) nao porque deixou de existir, (as!) Rev. Polis e Psiqu 6 Galindo, D Leite, J. No ensaio que segue buscamos propor qus(ayasaueendeydejgsbutes) Fazemos isto, por meio, da reencenagio do debate ente Bergson ¢ Einstein, Por meio da reencenacio(@ um mundo “feito de pontos de referéncias, de (FoseSSOSN Num mundo REED que esta em xeque numa controvérsia & 241 Garcia, ( No manuserito que segue, buscamos mostrar a poténcia da reencenagio como um_—_recurso metodolégico, proposto por Latour, mais do que propriamente um aprofundamento sobre 0 conceito de tenpo, © tempo que ena no texto & 0 uma datada de 1922 e uma segunda, que 6 a que nos interessa, datada de 2010, consistindo de uma reencenagio. Para destacar a importincia da reencenagao como dispositive metodologico, acolhemos algumas observagdes de Despret (2009) as quais sinalizam para que parece sem significado do ponto de vista. da Histéria das Cigneias de orientagio internalista — reeneenar um debate cujo desfecho ja foi dado e esta documentado- pode indicar um caminho Rev. Polis e Psiqu 6 Galindo, D Leite, J. que nos leva a derivas promissoras compostas por outras versbes sobre nogdes € conceitos desprezados como versbes pouco eficientes de mundo. Despret (2009) destaca que(Ser) ‘afetado estar aberto © disponivel a ‘ouvir as forgas do mundo, Quando a reencenagio é colocada para um piiblico, esse recurso metodolégico atiga 0 olhar atento para o jogo do debate, para 0 que se conserva e 0 que se perde ao longo do transcorrer de uma controvérsia, Reencenar um episodio historico, como o debate entre Bergson ¢ Einstein sobre o tempo,pode'ampliat) conexdes ¢ afetos, ou seja, 0s nossos > Ga=D (GBeneiados a partir das recalcitrincias durante os debates, @etalhies\/quel/se) - perderam podem saltar a vista, pocemos indagar. Ese tivesse sido diferente? Podem perguntar as pessoas presentes no debate reencenado, Latour (2008) alerta-nos que gecaleitrincia produ, Gur EES 242 Garcia, ( Reencenar controvérsias sobre 0 tempo?! Pensamos que as controvérsias sobre a natureza do tempo estio marcadas por disputas de autoridade. A crescente aceitagio da teoria da relatividade Conferiu tio somente aos) ‘fisicos a autoridade para dizer gue 6 0 (Gein, consolidandéo a visio de Einstein, Em contrapartida, Bergson softeu 0 mesmo golpe de desprezo, conferide a Heréclito, por ado querer purificar e separar 0 mundo dos deuses, como lembra Bruno Latour, em Jamais fomos modernos (1994). A. propria De oportuno, as controvérsias silo situagdes nas quais os debates ainda no estio fechados, estabilizados, dispostos em uma caixa-preta. Em uma controvérsia, 0s actantes discordam, ou melhor, concordam com — sua discordaneia, de sorte que as fronteiras entre cigneia e politica, cultura e tecnologia, moral e economia sto Rev. Polis e Psiqu Galindo, D.; Leite, 1 borradas. Controvérsias: (a) envolvem todos 0s actantes que se fazem presentes nas redes heterdgenas as quais compoem o coletivo; entretanto, eles nfo so iguais, ou agem do mesmo modo: 0s actantes nio emergem igualmente em —controvérsias¢ raramente eles terdo 0 mesmo peso. Isso posto, infere-se que 0 mapeamento de controvérsias consiste em atribuir para cada um deles uma representago que se encaixa na sua posigao de relevaneia na disputa; (b) exibem o social em sua maneira mais dindmica, ou seja, nenhuma configuragio técnica ou natural est dada ou posta como certa. Em controvérsias, qualquer actante pode ser decomposto em uma rede frouxa, e qualquer rede, nio importa quio hetergena seja, pode coagular para funcionar como ator; (c) sto redugdes resistentes, onde os actantes tendem a discordar sobre qualquer coisa, sendo impossivel 0 trabalho de reduzir as questdes a uma liniea pergunta; (4) so debatidas e surgem quando disputas que foram consideradas como —_consentidas, comegam a ser questionadase discutidas, isto é, elas abrem a caixa- Garcia, ( preta, favorecendo que, mais e mais, objetos sejam discutidos por mais e mais atores; (e) so conflitos, decidem & slo decididas pela distribuigio de energia, pelos choques de conflitos; nesse sentido, nao importa o quio trivial 0s objetos de disputas possam parecer, 08 actantes sempre levam 0s conflitos a série. Desse modo, @ontrovérsial/é6) _ Tugar onde a vida coletiva é derretida e _forjada, onde 0 social & incessantemente construido, desconstruido e reconstruide. Os cartégrafos do social nfo possuem, por conseguinte, outra escolha sendo mergulhar em magma (Venturini, 2009). Assim, para Venturini (2009), os debates piiblicos constituem as melliores formas para _observar_ e descrever a construgdo da vida social pela perspectiva das controvérsias, pois nao tém como objetivo mostrar aos actantes que eles so incapazes de compreender as disputas que os enredam em uma rede heterégena de controvérsia, porém, possibilitam ao pesquisador aprender com eles como observar @ deserever essa rede. Nio obstante em controvérsias, os acrantes estio incessantemente empenhados em Rey. Polis e Psique, 2018; 8(2): 237-6 Galindo, D.; Leite, 1 amarrar ¢ desamarrar as relagdes, os argumentos ¢ as identidades, revelando 0 tecido da existéncia coletiva, de sorte que cabe ao pesquisador fazer tal complexidade legivel, por mais confuusas e complicadas que as disputas 009). observagies coletivas sejam (Venturini Partindo das precedentes sobre controvérsias, o que dizer da reencenagio? Situemo-la como dispositive que serve a analitiea da controvérsia ¢ também uma maneira de instalar uma controvérsia, — Dupla atividade, Nenluma controvérsia pode ser reduzida a um bindrio de oposigdes entre dois pontos de vistas alternativos. Ela envolve diferentes perguntas, ¢ poucas dessas perguntas podem ser respondidas com um simples sim ou no. Portanto, as oposi¢des entre os actantes, em uma controvérsia, sto sempre conectadas e estruturadas numa argumentagio. Além do mais, a controvérsia no esti isolada, ela € composta por varias subeontrovérsias situadas num mesmo nivel, as quais constituem, por conseguinte, uma controvérsia maior. ‘A reencenacio, em suas novas experimentagdes, promove articulagdes 244 Garcia, ( que no significam capacidade para falar com autoridade, mas de ser afetado por diferengas. A principal vantagem do termo articulacdo no & a sua associagio, em certa medida ambigua, com capacidades _linguisticas ou sofisticagio; é, antes, a sua capacidade para trazer a lume os componentes artificiais e materiais que permitem progressivamente adquirir um corpo (Latour, 2008). Logo, o que queremos efetuar com o levantamento dessas controvérsias sobre a natureza do tempo? Enfatiza Latour (2008, p. 39) © que se quer € afeta, EID (Gor. a morsda provisérin de algo de superior - nna alma imortal, 0 universal, o pensamento ~ mas/@@iil) Gnu, © esta o grande virmde da nossa definigdo: nao faz sentido definir 6 corpo retanent (SOTERA GSE bore 0 gue 0 estes outros elementos. Concentrande-nos no corpo, somos imediatamente - ou antes, mediatamente - conduzidos aquilo de que © corpo se tomou consciente. E assim que interpreto a fiase de James: (@oambiguo®(rames, 1996 [1907). Rev. Polis e Psiqu 6 Galindo, D Leite, J. & propiciar, na reencenagio, GOVE) (GATED Assim, todos personagens podem ser definidos como esses corpos que aprendem a ser afetados por diferengas podiam registrar, através da mediagio desse debate, implicando “eonversas do corpo” (LATOUR, 2008, p. 42). Nesse trilhar, infere-se que uma que anteriormente no novas rede de atores ndo é redutivel a um tinico ator, nem a uma rede, mas conectados e agenciados. Tal definigio (Waridvel, cujas consequéneias, para os estudos em cigneias, devem ser seguidas, a fim de nao deixarmos escapar as contribuigdes da teoria ator- rede, tanto em relagio aos estudos sociais em cigncias quanto aos estudos epistemologicos. Nesse —_aspecto, articulam-se as duas vertentes de seu itineririo filoséfico, a saber; 1) a potente critiea da tradigio filos6fica, a qual aponta a dualidade (instituida, sobretudo, com o cartesianismo) entre Garcia, ( sujeito ¢ objeto — o tempo real eseapa as matemiticas; e 2) a possibilidade de fazer experimentar uma nova aproximagio com a vida, com as experigncias humanas e com 0 modo de se fazer cigncia, A. reencenagio nos permite experimenter CREA SET ATEUD?, (empo, como categoria do espago, proposto pela fisica, Além disso, leva a observar 0 apelo de Bergson aquilo que ele posiciona como —_problema fundamental: o tempo. Este ¢ 0 pereurso misto o qual sempre se retoma, em sua filosofia, isto é, @iidistingao entre a) contracorrente do projeto moderno de Segue na ciéncias, seja por revolugSes copemicanas, seja por cortes epistemolégicos, rupturas epistémicas. Se o passado nao sobrevive no tempo dos modemos, nfo faria sentido reencenar um debate ocorrido 6 Rev. Polis e Psiqu Galindo, D.; Lei em 1922, dele cabendo depreender uma deserigao, apenas © pensamento de Henri Bergson ¢ atual, na sua eritiea a um mundo estritamente regido por leis da fisica, sendo o tempo parte dessa constituigio do arcabougo tedrico modero. A condugio a uma nova ideia de tempo, nomeada pelo autor como Duragio. implica a propria concep¢ao ‘de mudanga essencial e continua, isto Todavia, no ¢ assim que aprendemos a ser afetados, pois, GRO HOS BABIES) da inteigénciasvisando a nossa ago) nosso agit no mundo (Bergson. 1907/2005). A ciéneia moderna se pauta por um modelo no quall/hi imi) (Ga /Sujeite; por consequéncia, (EE) as quais estabelecem ligagoes entre 0) 246 Garcia, ( Bruno Latour nos lembra de que @ permanéncia esse modelo “um corpo eriativo © potente: |.) 0 sito est “ali dento do corpo" como (uma essénciadefinida ea GAA. 0 mundo esta fora do comp, ali € afta 08 outos nfo & (Latour, 2008. p. 41). Nesse sentido, podemos dizer que a ciéncia moderna tem mite poueo do projeto bergsoniano de tempo, em sua constituigdo, que nem por isso deixa de persistir, pois, como sabemos, as cigneias modemas, apesar de todo trabalho de purificagio e separagio, continuam a produzir incessantemente hibridos e novas conexdes, de sorte que € nesse movimento que a filosofia bergsoniana se atualiza. (Paka BeIESOA) (1907/2005), a0 longo da histiria da Filosofia. (f2iip6/@) (Cempo, de sueessto! Na obra Duracao Simultaneidade (1922/2006a), Rey. Polis e Psique, 2018; 8(2): 237-6 Galindo, D Leite, J. publicada no mesmo ano do debate de 1922, Bergson ambiciona, via teoria da (Gitico) Tal obra é ponto de confronto entre 0s estudiosos de sua filosofia, em face da originalidade de sua concepeio do tempo, Gomi potncias heterogeneas) “de ctiagdo, advindas da nogdo de -temporalidade como componente do _ teeido proprio do real que equivalhia ao “tempo de multiplicidades qualitativas. Seguindo as pistas do proprio Bergson a respeito da nao linearidade do tempo, Bruno Latour propée que as questdes que nortearam o debate entre Einstein e Bergson, em 1922, podem ser recolocadas da seguinte maneira: quem Artistas? Filosofos? Cientistas? Nos vivemos no espago-tempo einsteiniano sem pereeber ou, como Bergson argumentaria, se Einstein, 0 fisico, vivesse no tempo do que Bergson chamou de duragdo? Sera possivel uma conciliagao? Em nao pertencendo nem a um, nem a outro, que novos problemas filoséficos se colocam 4 teoria do conhecimento? E com qual Campo Garcia, ( Filos6fieo passamos a lidar? De acordo com Latour, no devemos esquecer que qualquer epistemologia. ¢ = uma epistemologia politica, porque nao basta apenas a elaborago de uma teoria do conhecimento, Latour (1994) insiste no cardter heterogéneo da atividade cientifica, uma ‘vez que, ao contrario da homogeneidade narrada na historia das ciéneias, ele anuncia que aS-_—_—inserigdes epistemologicas surgem a partir das conexdes estabelecidas entre atores forma, debate, muito heterogéneos. Dessa quando reencenamos um reabrimos “...] todo 0 pandeménio que Le num conjunto de ciéneias indisputiveis, prematuramente tentaram ordenar e de outro de cigncias falsas disputiveis, misturadas com politicas mal reputadas” (Latour, 2008, p. 55). O que viam como extensio milagrosa da objetividade cientifiea era, na realidade, uma mera consequéncia da aura de total inimputabilidade que prematuramente atribuiram as ciéneias (Latour, 2008). Assim, na perspectiva da Teoria Ator-Rede, alguns dos caminhos demareados na disputa. do tempo interposto entre a durag3o, tempo real Rey. Polis e Psique, 2018; 8(2): 237-6 Galindo, D.; Leite, 1 em Bergson e a concepgao de tempo que embasa o posicionamento adotado por Einstein esto além dos episédios narrados. Asaber, a distinglo (e implicagdes) imprescindivel entre o tempo quantidade, a que a teoria da relatividade e a fisica, de um modo geral, fazem mengio, e 0 tempo qualidade, a duragdo propriamente dita. Haja vista que, conforme Latour, essas hierarquias no devem ser tomadas como coisas em si, potentes de substineias, mas provenientes de aliangas e influéneias que atuam possibilitam ser identificadas em suas relagdes individualizadas ¢ estriadas. Venturini (2009) apresenta trés aspectos importantes para a observagio de controvérsias que, em certa medida, podemos estender as reencenagdes. A primeira concerne em (iio) especificar!) (ObseHVAGHO, pois a cartografia das controvérsias convida © pesquisador a utilizar todas as ferramentas de observagies possiveis, bem como misturd-las sem restrigdes. A segunda requer que os pesquisadores nao podem fingir ser imparciais, simplesmente porque cumprem alguma orientacZo Garcia, ( teérica © promiscuidade metodolégica Segundo a cartografia de controvérsias, toda extensio de divergéncia dos actantes 6 pode ser procurada pela multiplicagio — dos_—pontos.— de observagies (objetividade de segundo grau). A terceira consequéncia remonta a que devemos reconsiderar que participantes de um debate podem ser tio informados quanto. 0 sto pesqnisadores externos e dados obtidos em documentos oficiais. Ao reencenar um debate, julgamos importante tragar um percurso simétrico entre os possiveis mundos da fisica ¢ da filosofia. E também articular a potente critica a tradigfo racionalista, que, de acordo com Bergson, seguiu os habitos da inteligéncia e da linguagem, a. fim de problematizar © tempo, para | que ele possa se reaproximar da vida e da experigncia htimianay A Teoria Ator- Rede traz 4 Filosofia a possibilidade de observar, nas priticas cotidianas e seus emaranhados que envolvem ciéneia, tecnologia e sociedade, fazer pensar nao mais em termos de unidade, on veneidos e vencedores, mas a partir de um dinamismo processual e constante de associagdes. Rey. Polis e Psique, 2018; 8(2): 237-6 Galindo, D Leite, J. Em iiltima instincia, © que esté em jogo ¢ vaseulhar a adesio ao acordo chamou de Sasiigao RGAE EO (Garersietiieo, A cisputa pela constituigio do tempo, em que se embrenha a fisica, através de Einstein, ¢ a Filosofia, por Bergson, é propria do projeto modemo de separar as coisas da natureza das coisas do mundo social, na busca de separar e purificar. Para a manutengao dese projeto modemo de ciéneias, quatro. garantias sto constituidas, quais sejam: 1) A Natureza & tomada como transcendente; 2) A Sociedade € tida como imanente; 3) Natureza e Sociedade sao distintas; € 4) Deus € retirado de cena, apesar de continuar a intercambiar entre natureza e sociedade (Latour, 1994). Nesse viés garantista, Latour abie mio da distingao) “entre natureza e sociedade, bem como “dispensa qualquer assimetria entre 0 ‘Giseurso Sobre as coisas, porque essas separagdes no so oposigdes, porém, 249 Garcia, ( fabricadas por discursos da ciéncia e da politica Nos meandros de uma filosofia que se postula como amiga do saber, temos em Deleuze e Guattari (1992) — Filosofia? — a problematizagao dese enamoramento, em O que 6 posto que 0 filésofo, antes de ser amigo do conceito, & aquele que cria e inventa conceitos. Observamos a importancia de mapear esses territérios em que profusam conceitos e que acabam por se tomar tio singulares quanto a obra do proprio autor, Nesse sentido, Deleuze e Guattariarticulam e nos ajudam a pensar a figura do filésofo e do cientista e nas tramas do debate para justificar dramiticas rivalidades, como o debate, articulado neste trabalho, entre Einstein e Bergson, em 1922/2010. A nogio de tempo — sempre esteve no teritério do pensador francés e, no momento em que Einstein (1915) se aproxima do tertitério que ele julgava ser seu, ocorre a reivindicagdo daquele que julga ser o eriador. Sobre isso, vale ressaltar: Apesar de datados, batizados, assinados ¢ 0s conceitos tém sua maneira de no morrer, ¢, todavia, sito Rey. Polis e Psique, 2018; 8(2): 237-6 Galindo, D.; Leite, 1 submetidos a exigéncias de renovacio, de substituicdo, de mutacio, que do filosofia uma historia © também uma geografia agitadas, das quais cada momento, cada lugar, se conserva, ‘mas no tempo, ¢ passam, mas fora do tempo. (Deleuze & Guattari, 1992, p. 16) Na ome a da experimentagio, (@lHOgHO! Ge Temps ((@ParieMLARD para que, juntos, fagam sentido. Os filésofos criam os conceitos, que, por sua vez, se organizam na forma de plano de imanénein simultaneamente, os conceitos também geram 0 vocabulario desse plano. Por exemplo, 0 plano do cogito de Descartes nao faz sentido sem uma linguagem que inclua 0 Eu, o génio maligno, a desconfianga dos sentidos etc. Eo habitante desse plano e falante dessa lingua seria o personage Idiota” (Deleuze & Guattari, 2003, p. 83). Segundo Cardoso (2007), os “[.-] afeetos e perceptos emitidos pelos conceitos nio sao sentimentos que se confundam com os sentimentos vividos, historico, num meio pelos tipos 250 Garcia, C.; Galindo, D.; Leite, J psicossociais dos filésofos que criaram aqueles conceitos”. Ainda para Deleuze © Guattari, 0s dados _sensiveis, produzides por um conceito nfo coincidem com os sentimentos do filésofo como pessoa ou, se coincidem, como se outta’ pessoa 0s experimentasse, por isso, afirmam eles, “L.] © rosto e © corpo dos filésofos abrigam esses personagens que thes dio um ar estranho, sobretudo no olhar, como se outra pessoa visse através de seus olhos” (Deleuze & Guattari, 1991, p. 71, citados por Cardoso, 2007, p. 34). Assim concebido, o personagem conceitual atua como © porta-voz do filésofo, no tertitério definido da narrativa, sejam eles 0 cogito de Descartes ou os personagens presentes nos didlogos de Plato. Todo conceito contém a ideia, quer politica, quer ética, estética ou educacional, Considerando sua origem, o personagem conceitual liga-se consubstancialmente 4 atividade filoséfica, independentemente de qualquer fungdo a qual ele se aplica. 0 personagem conceitual tomna-se_ uma entidade filoséfiea auténtiea de seu criador e dos possiveis. movimentos dados a ele, considerando que todo Rey. Polis e Psique, 2018; 8(2): 237-6 conceito é simultaneamente absoluto & relativo, como enfatizam Deleuze e Guattari (1992, p. 33-34): © coneeito & portanto, a0 mesmo tempo absoluto ¢ relative: relative a seus préprios componentes, aos outros conceites, ao plano a partir do qual se delimita, 20s problemas que se supde deva resolver, mas absoluto pela condensago que opera, pelo hugar que ocupa sobre 0 plano, pelas condigdes que impe ao problema. E absolnto como todo, mas relative eaquanta fragmentitio. Com uma aposta na fecundidade da teoria Ator-Rede, em conexto com a Gramitiea proposta pela Filosofia da diferenga, seguimos a _indicagdo metodologica, na qual a regra & nfo interromper os fluxos dos discursos tomados ao longo da historia da ciéncia, buscando rastrear as relagdes que possam atualizar a pergunta: quem possui os conceitos de espago e tempo? E importante enfatizar que efetuamos uma leitura de Bergson que faz do) Nao havia necessariamente em Bergson a busca pela elaboragio de uma 251 Garcia, ( personagem ou do tempo como conceito, de maneira que se efetua, com a reencenagdo latouriana articulada a Filosofia da Diferenga, uma tradugio do tempo como trabalhado por Bergson para um tempo em disputa. E, tal qual todas as tradugdes, a que realizamos se mostra infiel como ponto de partida, Conforme Latour, hé um prego muito alto nas redugdes dos. fatos observados na ciéncia, porque nfo hi falsificagao empirica que deixe impune um cientista acusado de ter eliminado, das suas decisbes, a maior parte dos contrastes que deveria ter fixado. Até mesmo a Fisica mais dura pode ser castigada por eliminar os pequenos pormenores do tempo _irreversivel Nessa perspectiva, precisamos sinalizar que nfo é uma luta conta o reducionismo, nem a reivindicagio por uma ciéneia completa, pessoal, subjetiva. Todavia, o que Latour (2008) parece nos dizer € ainda mais dificil precisa-se mudar 0 papel do cientista, j4 que demonstra a incoeréncia de_um cientista reducionista ser reducionista ‘Nas suas palavras: Nos laboratérios dos «batas brancasy mais eliminativistas proliferam os Rey. Polis e Psique, 2018; 8(2): 237-6 Galindo, D.; Leite, 1 fendmenos: conceitos, instrumentos, novidades, teorias, bolsas, precos, ratos, ¢ outros homens ¢ mulheres de batas brancas... O reducionismo nilo ¢ ‘um pecado de que 0s cientistas tena que se redimir, mas um sonho tao inatingivel como estar vivo ¢ nao ter corpo. (Latour, 2008, p. 54) O debate reencenado, uma dramatica Para reencenacio do debate entre Bergson e Einstein, Latour reuniu dois professores de Filosofia, a saber: Elie During, que atua como Bergson, na reencenagao. Ele & professor de Filosofia na Universidade de Paris Ouest-Nanterre- Paris 10, Professor na Ecole des Beaux-Arts de Paris, € membro jtinior dolnstitut Universitaire de France. PhD pela Universidade de Paris-Nanterre, em 2007, por sua pesquisa sobre a recepeao filoséfica da teoria da relatividade ("De Relatividade) de Spacetime: Bergson entre Einstein & (Poincaré, 2007). Sua pesquisa explora a nogio de espago-tempo na jungio da metafisica, ciéncia e estética, onde as ‘aparentemente se interseetam. Lancou. em dezembro de 2014, 0 livrd| Querelle) (Gaaetenips, sem tradugio para o Garcia, ( portugués, que toma como problema o debate de 1922 entre o fisico e o filésofo. Ji o professor Bemard Stiegler, que atua como Einstein, ¢ filésofo & professor. Diretor do Instituto de Pesquisa ¢ Inovagio do Centro Georges Pompidou, professor associado da Universidade de Londres (Goldsmiths College), professor da Universidade de Tecnologia de Compigne. Formado em Filosofia pela Escola de Altos Estudos em Cigneias Sociais (EHESS), possui seu doutorado pela mesma instituigao Foi diretor de programacio do Colégio Internacional de Filosofia da Franga, diretor adjunto geral do Instituto Nacional do Audiovisual (INAH), Diretor do Instituto de Pesquisa e Coordenagio Aciistica/Musical (IRCAM). Participaram ainda como observadores do debate entre Elie During-Bergson/Bernard Stiegler- Einstein, Jimena Canales, professora de Historia da Ciéneia em Harvard, licenciada em engenharia fisiea, que langou em margo de 2015 um Livro também sobre 0 debate de Bergson/Einstein, sem traduco no Rev. Polis e Psique, 2018; 8(2): 237 - 6 Galindo, D.; Leite, 1 Brasil: The Physicist’ & The Gh - mE (CIDER No artigo “Einstein, Bergson, and the experiment that failed” (2005), Canales explora o debate de 1922 de maneira simétrica, expondo as fronteiras entre natureza, ciéneia e politica, durante esse periodo, Para a autora, 0 debate caracteriza uma mmudanga importante no lugar da ciéneia e da filosofia na histéria, pois foi, “[...] em esséneia, uma controvérsia sobre quem poderia falar de natureza e sobre qual destas duas disciplinas teria a liltima palavra” (Canales, 2005, p. 11). Foi convidado também o artista Olafur Eliasson, conhecido pelas suas instalagdes que inserem deliberadamente seu trabalho ea experigncia que sua obra oferece aos espectadores, em situagdes espaciais marcadas pela ambiguidade entre “dentro” e@ “fora”. Os processes de percepcio e construgdo da realidade esto no centro da pesquisa artistica de Olafur Eliasson. A maioria de suas obras, tais como Waterfall (1998), Take your time (2008) & Seu corpo na obra (2011), incorporam leis conhecidas da fisica, neurologia e Optica, as quais Garcia, C.; Galindo, D.; Leite, J convidam 0 espectador a experimentar fendmenos naturais, como neblina, luz, cor e reflexos. Muito embora as instalagdes do artista em geral se paregam, ao nascer, com o cenirio de um experimento, seu interesse no reside no aspecto cientifico, mas na patticipacio ativa do espectador na criagdo de determinados fendmenos, por meio de uma interpretagao para a qual se serve de seu corpo, de seus sentidos e de seu conhecimento no espago. Latour (2011) adverte que, “[...] apesar de parecer bobagem pedir para um artista julgar um debate entre um filésofo eum fisico” (p. 09) — especialmente um debate cuja ordem de grandeza tinha sido historicamente resolvida de uma vez por todas: pelo qual o fisico fala do mundo real, eo filésofo "ndo entende de fisica” -, através da reencenagio, © passo que possibilita é tomar plano a hierarquia de vozes e fazer a conversa entre disciplinas avangar de modo mais representativo, no século XXI, do que no século XX, posto que “f...] nenhuma disciplina é 0 arbitro final de quaisquer outras” (Latour, 2011, p. 9). Rey. Polis e Psique, 2018; 8(2): 237-6 O documento/video que registra © debate tem a duragio total de 1h 48min 13s — da qual 1h 07m esté organizada da seguinte forma: os primeiros 4 minutos so dedicados a audig2o, no original, da voz de Bergson © da voz de Einstein, em inglés, cada qual rapidamente resumindo sua ideia. © tempo seguinte é marcado por dois momentos; o primeiro — a reencenagao do encontro de 1922 - e, em seguida, Elie During, em uma agdo que Latour (2011) nomeia como um “brilhante trabalho de fiegio filoséfica”, reesereve © diilogo de 1922, estabelecendo simetricamente o olhar atento de Einstein para Bergson e vice-versa, tratando-os nos _mesmos termos, os veneedores e os veneidos da historia das ciéncias, Ao dar inicio ao experimento, Latour esclarece a proposta: A ideia da reencenagio, além de retomar um diilogo tradicional, di-se a possibilidade de restabelecer certo cequilibrio entre Bergson/Einstein que, por razées historicas, possuia um certo contexto, em 1922, mas que ndo tem, necessariamente, que softer o mesmo desfecho em 2010, Quem esti no mundo do outro? Esté Bergson 0 mondo de Einstein, Einstein no mundo 284 Garcia, ( acordo, de arbitrar, de alguma forma, A reencenacio convida a resistir aos discursos de autoridade presentes nos debates, —posicionando =a reencenagio como um _— grande laboratorio — que. de fato. é — capaz de operar, no tempo real, deslocamentos de certezas na fala dos personagens, bem como observar uma série de sedimentagio nas disciplinas, instrumentos, linguagens e priticas. -Reencenar possbiita fuxos outros para. “um debate anterior, que. muito embora, Peston de bea ET TEOREET) Mesmo “datados, assinados e batizados, os conceitos tém sua maneira de nao morrer” (Deleuze & Guattari, 1992, p. 16), e um modo de renova-los ¢ langa- los em novos territorios, submetendo-os as outras exigéneias do tempo. Numa palavra, dizemos de qualquer conceito, que ele sempre tem uma histéria, embora a histéria se desdobre em ziguezague, embora cruze talvez outros problemas on outros planos Rey. Polis e Psique, 2018; 8(2): 237-6 Galindo, D.; Leite, 1 diferentes. Num conceito, hi, no mais das vezes, pedacos ou componentes vindos de outros coneeitos que respondiam a outros problemas ¢ supunham outros planos. Nao pode ser diferente, ja que cada conceito opera um novo cone, assume novos contomos, deve ser reativado ou retalhado, (Deleuze & Guattari 1992, p 29.30), Latour (2012), a0 convidar novos personagens para renovar os conceitos do famoso debate, permite desvios e caminhos, que, por vezes, nos pareciam fechados. Nesse campo da reencenago, a oportunidade de repetigio aparece. = como, um procedimento capaz de dar novos contomos a um debate, um acontecimento, Pensemos 0 debate ¢ seus efeitos, também, pelos afetos engendrados, através. do cenario recriado, E indagamos: ¢ possivel pensar novos vencedores? Ao situar 0 debate numa reencenagio a luz de um novo campo problematico, restauramos memérias ¢ historias que se articulam no tempo e no espago, em uma rede que pode inspirar Despret (2012) afirma que as experiéncias precisam ser miltiplos _sentidos, Garcia, C.; Galindo, D.; Leite, J disseminadas pela via do contigio, ¢ importante para o fato de que (@le8) gue ese $6 Se di pelos encontos, _revelama complexidade do fendmeno,¢ Talvez seja essa a importincia dos debates cientificos organizados por Latour: de que eles nao precisam necessariamente ser pensados como oposigéo, mas como possibilidades de novos encontros e agenciamentos sobre © tempo, O experiment da reencenagio chama atengdo para a reflexfio sobre a complexidade dos discursos e para aquilo que ainda esta por via de afetar E muito comum, nos textos encontrados sobre a reencenagao, a afirmagio de que © sucesso desse dispositive parece estar ligado a um retorno ao nao observiivel, tanto como um género praticado pelas novas geragées quanto como pritica artistiea com a sua propria evolugdo Por outro. lado, a reencenagao acompanha dois fendmenos: 0 retorno as performances artisticas ja retratadas e a revisitagao, em forma de performance, aos eventos reais — sejam eles debates piiblicos, tal como 0 trabalho ao qual este projeto se destina ~ a reencenagio de Bergson/Einstein de 1922, revisitada em 2010. Ambos esses _aspectos merecem —atenclo, no. menos Rey. Polis e Psique, 2018; 8(2): 237-6 as motivagdes © abordagens que eles suseitam sob a égide desse dispositive. Partindo —desse_—género fascinante, Latour (2012) apoia-se em artistas como Rod Dickinson, conhecido por algumas reencenagées, em especial ‘0 experimento de Milgram (1960-1963), recriado em 2002. O experimento original teve como objeto testar 0 comportamento de obediéneia na tentativa de compreender o episédio de julgamentos de Nuremberg, onde os réus nazistas justificaram seus crimes pelo fato de estarem apenas cumprindo ordens. A reencenagio do experimento incluin desde —_assistentes.— que administraram choques elétricos aos que foram cobaias do experimento, assim como no original. O trabalho de Dickinson nos auxilia na observagdo da reencenagao e seus deslocamentos, uma vez que cria diferengas da versio original e agencia novos fluxos. Nesse sentido, a reencenagio toma-se um laboratério de experimentagio As recaleitrineias nos experimentos de reencenagio sto pistas promissoras que anunciam —novas 256 Garcia, ( possibilidades de articulagio entre a (Gree eyarelatividade) capazes de nos ensinar a resistir as redugSes ea pensar em modos de se relacionar com 0 tempo que nfo sejam apenas __pelas representagdes do relégio, Sabe-se que uma das ferramentas mais importantes na vida social tem sido a medida do tempo. (@eseneontes, A eficdcia na realizagio cotidiana dos afazeres depende quase completamente dessa simples. demareagio, Ora, padres de medida sio capazes de solucionar muitos problemas de ordem pritica, de sorte que chega a ser dificil imaginarmos a vida sem 0 tempo-relégio. Contudo, @) (Gimp minuto, considerando as sessenta oscilagdes do ponteiro maior do relégio, de modo a nao nos representarmos as sessenta oseilagies como sucessivas, (eta, Mas, se propusermos pensar a Rev. Polis e Psiqu 6 Galindo, D Leite, J. sucesso independente de um meio Homogéned, no qual as oscilagdes se cristalizariam, (@l)jpercepeao" mostrar) “uma interpenetragiio melodica, isto ¢, ey voscilagSes ——espacialmente,, ‘Guantitativamente) Com iferenga passaria a ser @ualitativasyo que equivale a dizer que (HAO)/a) Go aa estado a outro e continuar no mesmo: (@statloy se 0 estado que eremos “parece © mesmo”, é pluralmente variado do efeito, a que se cr, ou que nossas paragens possam imaginar, CESRSieTSINED comin, irs 1907/2005, p. 2). Se experimentarmos, ainda que Bergson (Bergson, apenas durante uma reencenagio, outra versio do tempo diferente da que se consolidou com a Fisica de Einstein, a continuidade do tempo e do espago que aereditamos quantificar #80") SeHia)/@) Gabe eee) Gidamos. A ficgdo cientifica tem sido prodiga em apresentar outras versdes de mundo e de modos de conhecer(@lpartif) (G\pado) sendo vilido mencioné-la, ainda que no seja 0 nosso foco. As ficgdes Garcia, ( cientifieas podem ser lidas como reencenagdes do presente sob a forma de futuros altemativos, como bem o descreve Ursula Le Guin no Prefiicio de A Mio Esquerda na Escuridao, Podemos estender as observacdes de Le Guin (2014) as reencenagdes ¢ situd-las como recursos que permitem outras verses do presente, CESimiNCOHON) Considerages finais Reencenar um debate, ao mesmo tempo em que rompe com o passado, torn QESSTERAUIEMES ou seja, ela _ coexiste em um tinico e mesmo paleo de_ (Griacdes. A ruptura provocada pela reencenagdo convida seus espectadores a tomar-se testemunhas imediatas de evento que se desenrola, Nesse sentido, ‘em forma de realizagio. Esse envolvimento direto transforma 0 observador em —testemunha ou patticipante. Com isso, as testemunhas ou participantes substituem 0 seu conhecimento —generalizado em Rey. Polis e Psique, 2018; 8(2): 237-6 Galindo, D.; Lei experiéncia viva e intima, ao passo que © colocam como responsivel por novas inserigdes. Areencenagio tem uma natureza performética, na qual a ontologia nao ¢ definida de antemao e onde a substincia é concebida como protocolo ¢ nao como matéria, forma ou esséneia, Nela, a experigneia do conceito e 0 conceito se unem na ago expressiva do debate de ideias, a ago performética expressa o conceito como experiéneia do conceito, articulando- a0 corpo, a0 mundo, as circunstincias que dio sentido ao conceito, batalha que forja aos coneeitos no calor das disputas. Uma reencenagio pode ser desdobrada em ~— otras. tantas, reencenagdes, articuladas a diferentes planos de experimentaglo—e questionamentos _ politicos-conceituais. Esta seria. uma controvérsia, que se coloca como possivel desdobramento para _novas pesquisas a partir do uso do recurso & reencenagio. Garcia, C.; Galindo, D.; Leite, J Referéncias Bergson, H. (1889/1988). Ensaio sobre os dados imediatos da consciéncia. Tradugao de Joao da Silva Gama. Lisboa: Edigdes 70. Bergson, H. (1907/2005). 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