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Ação de Formação: História Contemporânea de Moçambique

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Formando: Rodrigo Manuel Correia Borges

A EVOLUÇÃO DA POLÍTICA COLONIAL DO ESTADO NOVO - 1928-1974


1. Da fundação do Estado Novo até à 2ª Guerra Mundial.

Só tardiamente Salazar demostrou interesse pela questão colonial, juntando-se à causa dos
defensores mais intransigentes do Império Português, da sua integridade territorial e da soberania
portuguesa sobre as suas colónias.

No início das suas funções governativas, muitos recearam que em nome do rigor orçamental que o
caraterizava, e que constituiu uma prioridade omnipresente da sua ação governativa, o ditador
pudesse sacrificar o Império. As medidas de draconiana austeridade que implementou nas finanças
metropolitanas, mas que eram extensíveis aos territórios coloniais, fizeram temer que o novo regime
abdicasse dos territórios ultramarinos que do ponto de vista económico constituíam mais um peso do
que um rendimento para o Estado português.

Por outro lado, até assumir a chefia do governo pouco sobre as colónias tinha exprimido o homem
forte do novo regime político. Para António Salazar de origens rurais, proveniente do interior mais
recôndito de Portugal, as colónias pareciam não despertar qualquer interesse ou sequer curiosidade. E
com efeito, durante toda a sua longa carreira de estadista nunca quis conhecer o Portugal de além-
mar.

O seu interesse pelas colónias parece ter aparecido tardiamente e de forma indireta. Forjou-se no
seu espírito na exaltação de um passado glorioso e mitificado de Portugal, onde os Descobrimentos do
século XV e XVI eram a marca indelével que o espírito português tinha produzido ao longo dos seus
mais de oito séculos de História. Foi a deferência para com esse passado que levou Salazar a
desenvolver um nacionalismo exacerbado que exigia aos portugueses do seu tempo a capacidade de
se mostrarem dignos dessa herança histórica recebida. Assim, como refere Yves Léonard «é permitido
avançar a hipótese que a sensibilidade (…) de Salazar em relação à realidade colonial provinha
sobretudo do sentimento nacional que o animava. Isto é, as suas “predisposições” em matéria colonial
explicar-se-iam, principalmente, pelo lento amadurecimento de um nacionalismo marcado de
continuidade histórica»1.

Era uma noção histórica alimentada pela historiografia de inícios do século que identificava a
refundação de Portugal, pretendida pelo Estado Novo, com a ideia de continuidade da «missão» que
Portugal devia continuar a cumprir na História do mundo.

1
LEONARD, Yves; História da Expansão Portuguesa, vol. V, Círculo de Leitores, pág. 12.
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O interesse pelo ultramar ter-se-á, contudo, reforçado no ditador nos inícios de 1930, quando
assumiu interinamente, em acumulação com o ministério das finanças, a pasta das «colónias» (21 de
janeiro) que o levará a exprimir, pela primeira vez, a noção de que Portugal era na sua essência a
«cabeça de um Império». Esta convicção colonialista de Salazar terá sido também motivada por
estratégia política, pois, a questão colonial continuava a ser, mais ou menos, consensual entre as elites
do novo regime político.

A sua tutela sobre o Ministério da Colónias, se bem que efémera, acabou por ser decisiva para a
definição da política colonial do Estado Novo nas décadas seguintes, marcando indelevelmente, a
orientação político-administrativa sobre o «Império Colonial Português», caracterizada pelo reforço da
presença militar no ultramar, sobretudo em Angola, e pela mitigação da autonomia administrativa das
colónias, rumo à sua administração mais centralizada. Esta nova orientação ficou plasmada na
elaboração, e posterior promulgação, do Ato Colonial de 1930, iniciativa legislativa que veio,
posteriormente, a ser incorporada na futura Constituição do Estado Novo de 1933.

Neste documento fundador da política colonial do Estado Novo, impunha-se:

No Título I, «Garantias» - reafirmava-se a vocação e o direito histórico e Portugal à colonização – É


da essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de possuir e colonizar
domínios ultramarinos e de civilizar as populações indígenas que neles se compreendam exercendo
também a influência moral que lhe é atribuído pelo Padroado do Oriente. Na sequência destes preceitos
afirmavam-se também as prerrogativas exclusivas do Estado metropolitano em matéria de gestão
administrativa e económica das colónias.

No Título II, «Indígenas» - não se reconheciam direitos políticos as populações autóctones, exceto
a possibilidade, muito restritiva, de, através do cumprimento dos seus deveres de trabalho, educação
e transformação progressiva dos seus usos e costumes …e a sua integração na vida da colónia, de se
tornar assimilado e de assim obter progressivamente a cidadania portuguesa. Tal estatuto de
indigenato, altamente discriminativo, manter-se-á inalterado até 1961, (quando o ministro Adriano
Moreira o extinguiu), distinguindo entre a população das colónias os «civilizados», repartidos entre
brancos, mestiços e (raros) negros assimilados e «indígenas».

No Título III, «Regime Político e Administrativo» - punha-se fim a descentralização administrativa


adotada pela 1ª República, reforçando os poderes do Estado Central ao criar-se a figura do Governador,
mas com poderes reduzidos e subalternizados à metrópole.

No Título IV, «Garantias Económicas e Financeiras» - abolia-se, concomitantemente, a autonomia


financeira das colónias que ficavam submetidas doravante “as legítimas conveniências da metrópole
do Império Colonial Português” (artigo 35º) e impossibilitadas de contrair empréstimos ao estrangeiro
(artigo 45º).

O Ato Colonial de 1930 definia-se assim a linhas mestras da nova política ultramarina da ditadura
salazarista, inaugurando uma verdadeira fase imperial, fortemente nacionalista integracionista e
centralizadora.
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Publicado o novo diploma, o novo ministro das colónias, Armindo Monteiro, um dos delfins mais
fieis do salazarismo define, tecendo considerações de típico teor fascista, a nova política colonial
assente nos seguintes princípios: subordinação política ao governo da República; possibilidade de
revogação de toda a legislação vigente nas colónias; perfeito equilíbrio do seu orçamento; coordenação
das atividades económicas metropolitanas e coloniais.

Esta nova política colonial definida por Salazar e o seu novo ministro das colónias era assim a
expressão do seu tempo, estando em sintonia com as políticas coloniais e imperiais europeias da
década de 30.

A nível económico esta nova orientação colonial impunha o equilíbrio orçamental e


autofinanciamento de cada colónia e o ideal de autarcia que visava criar um espaço económico à escala
imperial, integrado, interdependente e complementar, baseado, na prática, no antigo «pacto colonial»,
segundo o qual, a metrópole fornecia às colónias produtos manufaturados, enquanto estas
abasteciam-na de matérias-primas, nomeadamente agrícolas, com base na exploração da mão-de-
obra local barata. Era a resposta típica dos Estados de cariz fascista e colonial do período entre as duas
guerras e do impacto nas economias europeias dos efeitos da Grande Depressão. Esta orientação
económica implicava adoção de medidas protecionistas que passassem pela forte intervenção do
Estado através do aumento das taxas alfandegárias, medidas de contingentação, de fixação de preços
e câmbios.

Esta nova política colonial visava complementarmente reforçar a soberania da metrópole sobre os
seus territórios africanos, na tentativa de os salvaguardar da cobiça de que eram alvo por parte de
outras potências europeias expansionistas que criticavam a frágil e pouco intensiva colonização
portuguesa, nomeadamente da Alemanha, Itália ou até da Inglaterra. Enquanto a nível diplomático
corriam rumores de planos de apropriação das colónias portuguesas por países estrangeiros, Salazar
respondia com a intensificação da presença e domínio português na África Portuguesa.

Esta estratégia passava inclusivamente pela criação de uma ação de propaganda colonialista que
baseava a grandeza da Nação Portuguesa na posse de domínios ultramarinos. Sem as colónias, aos
olhos dos dirigentes do Estado Novo, Portugal ficaria reduzido à insignificância territorial e política no
concerto das nações europeias, facto que fazia perigar a sua própria viabilidade como Nação
independente. A sustentar tal tese podem estar as conceções historiográficas que durante muito
tempo associaram a independência nacional à capacidade de expansão ultramarina dos séculos XV e
XVI.

Esta propaganda imperial valeu-se da ação do Secretariado da Propaganda Nacional e nas suas
múltiplas publicações, de inúmeras iniciativas sobre o tema colonial levadas a cabo pela recém-criada
Mocidade Portuguesa e pela introdução nos currículos escolares do ensino secundário de uma nova
disciplina denominada Organização Política e Administrativa da Nação. Em todas elas veiculava-se o
postulado da nação una e indivisível de Portugal a Timor. Esta “mística imperial” assentava na
convicção da “missão histórica de colonizar e civilizar” e assumia assim uma dimensão pedagógica de
dar a conhecer as colónias aos próprios portugueses.
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Esta ação de propaganda, na mente dos dirigentes do Estado Novo, terá também sido concebida
como fator de promoção e estímulo da colonização branca dos territórios africanos, visando
transforma-los em verdadeiras colónias de povoamento.

A mística imperial desenvolveu-se também através da realização de inúmeras exposições,


colóquios, e conferências, tanto em Portugal como no estrangeiro, culminando em 1940 com a
realização em Lisboa da Exposição do Mundo Português (realizada no quadro das comemorações do
duplo centenário da fundação de Portugal, 1140, e da Restauração, de 1640) e do filme «O feitiço do
Império», realizado pelo consagrado cineasta António Lopes Ribeiro.

Esta propaganda colonial criadora de uma verdadeira “mística imperial” era a expressão evidente
da identificação do colonialismo português com a exaltação patriótica ou nacionalismo típico do Estado
Novo.

2. A inversão da conjuntura internacional no 2º pós-guerra.

Entretanto, a Segunda Guerra Mundial e a nova conjuntura internacional que após ela se
afirmou constituiu um abalo considerável no projeto colonial português.

De facto, o fim da guerra representou o ocaso dos impérios coloniais com a irrupção de um
amplo movimento de descolonização - processo histórico‐político que marca a 2ªmetade do século
XX e que se traduziu na rápida independência de colónias asiáticas e africanas relativamente às
potências europeias.

Este processo ocorreu devido à conjugação de vários fatores:

Em primeiro lugar, a 2.ºGuerra Mundial fragilizou económica e militarmente as potências


coloniais europeias. Nesse contexto, em várias das históricas potências coloniais, como em
Inglaterra ou França, ressurge um debate sobre a viabilidade económica dos impérios coloniais.
Várias vozes internas defendem a tese de que as colónias eram um fardo político e económico que
dificultava a recuperação do pós-guerra. Referem as despesas administrativas e militares que
sobrecarregavam os orçamentos metropolitanos e o desvio de investimentos que poderiam, com
maior rendimento, ser empregues localmente. Concomitantemente, defende-se o abandono das
colónias ou a assunção de soluções negociadas que progressivamente transfiram a soberania para
as populações locais.

Em segundo lugar, afirmaram-se várias pressões externas a favor da descolonização. Foi o


caso da atitude das duas superpotências mundiais que se vai mostrar favorável à independência das
colónias, vislumbrando estender aos países recém‐criados a sua influência política e económica. A
a URSS, apostou seriamente no apoio militar e político de vários movimentos anticoloniais como
forma de irradiar o seu modelo político na Ásia e em África. Já nos EUA a lembrança do seu próprio
passado contribui também para o repúdio do colonialismo. Para além disso, vislumbram no apoio à
constituição de novos estados na Ásia e África como um fator essencial à estratégia de
«containement» do comunismo e uma possibilidade de abrir mercados para as suas multinacionais.

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Nesse contexto, em agosto de 1941, Roosevelt e Churchill assinam a Carta do Atlântico, onde
EUA e Inglaterra assumem respeitar o direito de todos os povos a escolher a sua forma de governo
… e (que) desejam ver restabelecidos os direitos soberanos e de autodeterminação de quem deles foi
expropriado pela força. Esta resolução, tomada a propósito dos territórios que haviam sido
anexados pela Alemanha nazi, tornou-se rapidamente um fundamento teórico a favor da libertação
de todos os povos.

Este acordo anglo-americano terá inspirado, pouco tempo depois, a atitude da recém-criada
ONU que foi responsável pela afirmação internacional dos princípios da igualdade entre os povos e
do direito de autodeterminação. Em 1960, adota a RESOLUÇÃO Nº 1514 onde condena
veementemente o colonialismo considerando‐o como uma ação negadora dos direitos do Homem
e do espírito da Carta das Nações Unidas, exigindo a imediata e sem reservas libertação e
independência das colónias.

Por último, a descolonização foi o resultado de uma luta de libertação por parte dos povos
colonizados, visando obter a sua autonomia. Nesse contexto, destaque para o aparecimento nos
territórios asiáticos e africanos de movimentos nacionalistas que exaltam as especificidades da
cultura asiática e africana, reclamando a possibilidade de manter as suas tradições ancestrais.

Em África terá grande impacto os movimentos do pan-africanismo e de negritude, de origem


antilhana, que através da realização de conferências internacionais e publicações contestam o mito
da superioridade do homem branco valorizando a cultura e o espírito africanos. Por outro lado, a
apropriação dos dogmas do cristianismo teve também um papel importante a nível das massas
populares. Os princípios cristãos da igualdade e fraternidade entravam em claro conflito com a
colonização que se baseava na discriminação e no pretenso mito da superioridade da civilização e
raça branca.

Para a afirmação das teses anticoloniais, na resistência à colonização e no combate a favor da


independência dos territórios africanos, tiveram grande responsabilidade algumas elites locais –
indígenas escolarizados e formados nas universidades europeias que formando uma intelligentzia
autóctone irão ter grande protagonismo na liderança de associações, na imprensa, movimento
sindical e na formação de partidos políticos que reclamam a autonomia dos territórios africanos.
Tratam-se curiosamente de assimilados que tomando consciência da situação discriminatória que
abrange a maioria dos seus conterrâneos e afetados pelas frustrações da sua nunca total
assimilação vão liderar movimentos independentistas que, nalguns casos, dão origem a
movimentos armados de guerrilha que se insurgem contra as autoridades coloniais.

Rapidamente entre finais da década de 40 e a década de 60 dezenas de países na Ásia, Médio


Oriente e, posteriormente, África vão conquistar a sua independência seguindo um de dois modelos
de descolonização: a descolonização aceite – liderada pelas metrópoles que de forma gradual e,
mais ou menos, pacífica transferem o poder político para entidades locais; e a descolonização
violenta ‐ fruto de uma luta armada mais ou menos prolongada (ex. Indonésia, Indochina, Argélia
etc…).

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Muitos destes novos países decidiram afirmar-se politicamente no panorama internacional
afirmando a sua neutralidade face aos blocos capitalista e comunista. Esta afirmação passou pela
CONFERÊNCIA DE BANDUNG (1955) – onde 29 países afro-asiáticos, representando mais de metade
da população do Globo, adotam como princípios comuns a rejeição da política de blocos, a
condenação do colonialismo e o apelo à resolução pacífica dos conflitos internacionais. A
mensagem desta conferência foi amplamente divulgada contribuindo para afirmação política de um
punhado de países subdesenvolvidos, mas que recusavam integrar a lógica da bipolarização no
contexto da Guerra Fria.

Foi o despertar do Terceiro Mundo – designação que se generaliza e que serve para designar
estes países pobres com um passado colonial e que recusam alinhar na lógica bipolar que então
vigorava. Este despertar vincou-se com a CONFERÊNCIA DE BELGRADO (1961) – onde, sob a
liderança de Nehru (da Índia), Nasser (do Egipto) e Tito (da Jugoslávia) – a que se juntaram Sukarno
(da Indonésia) e N’Krumah (do Gana), 61 países dão origem ao Movimento dos Países Não-Alinhados
que afirmam a sua neutralidade face aos blocos políticos capitalista e comunista, a solidariedade
económica entre os países e o apoio incondicional à independência e liberdade de todos os povos.

Na prática este movimento de países não-alinhados contribuiu para um renovado impulso


anticolonialista ao criticar os países que continuavam a possuir colónias e a chamar a atenção da
comunidade internacional para os diversos movimentos nacionalistas que se afirmam na África
Negra. Em 1963, os países africanos que na sua maioria eram já independentes criaram a OUA –
Organização de Unidade Africana – que assumiu os propósitos de fazer a exaltação da africanidade
– da cultura africana – e reforçar a solidariedade e unidade dos Estados africanos.

3. Mutações da política colonial portuguesa no 2º pós-guerra.

É neste contexto internacional adverso à manutenção do Império Colonial que, no pós 2ª guerra
mundial, se tem de movimentar o Estado Novo.

O regime salazarista assustou-se inicialmente com os novos ventos de mudança


representados pela afirmação de uma conjuntura internacional hostil à colonização e à ideologia de
matriz fascista que o enformara e que irá votar o país a um relativo isolamento internacional,
concretizado, por exemplo, no facto da sua candidatura de adesão à ONU ter sido vetada, em 1946,
pela URSS ou pela postura dos EUA que encaram o regime com alguma desconfiança, levando
inclusivamente a que Portugal recuse, na fase inicial, a adesão ao Plano Marshall.

Contudo, a rápida afirmação do clima de Guerra Fria acabou por funcionar a favor do Estado
Novo e Portugal passou a ser visto como um parceiro, embora algo incómodo, por parte dos EUA
que vai sancionar a sua integração como membro fundador da NATO, em 1947, devido, sobretudo,
à importância geoestratégica para os americanos da base das Lajes nos Açores. Inclusivamente,
Portugal tenta tirar partido desse facto, procurando, sem sucesso, incluir as colónias como zonas
de ocupação do Tratado de forma a salvaguarda-las de qualquer ataque exterior.

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Escudado na NATO e na antiga aliança Luso-britânica, bem como, no ambiente favorável da
Guerra Fria, o Estado Novo decidiu resistir ao processo de descolonização, mantendo inalterada no
essencial a sua política colonial.

Esta postura irredutível deveu-se à manutenção da convicção de que a manutenção do Império


era essencial para assegurar o papel relevante no plano internacional. Sem as colónias, Portugal
resumir-se-ia a uma insignificante expressão territorial que o atiraria necessariamente para um
estatuto de menoridade e periferia. Acresce ainda que durante a guerra, até pelas dificuldades nas
relações comerciais com os seus tradicionais parceiros comerciais europeus, as relações comerciais
entre a metrópole e as colónias atingiram valores recorde – 20% das importações e 25% das
exportações portuguesas da metrópole fizeram-se, em 1945, de e para as colónias. Assim, no
rescaldo da guerra a importância económica das colónias estava reforçada estimulando até o
aumento do investimento português nos territórios africanos, algo que irá ocorrer entre 1946 e
1953, com o lançamento de vastos programas de fomento económico das colónias, nomeadamente
a nível das infraestruturas de transporte e agroindústria.

Contudo, perante as mudanças da conjuntura externa o regime salazarista numa lógica


utilitária e pragmática, onde as questões ideológicas eram flexíveis, decidiu “consentir alterações
menores, muitas vezes de pura forma, sem sacrificar os fundamentos da sua política imperial”2.

Assim, procedeu-se, em 1945, a uma revisão do Ato Colonial que prescreveu pequenas
mudanças sobre as competências do governo central em matéria legislativa e orçamental no
sentido de aceitar uma maior delegação de poderes e uma relativa descentralização política com o
reforço das atribuições dos governadores coloniais.

Entretanto, o aumento das pressões internas e o reforço dos ventos da descolonização


motivaram, em 1951, nova revisão do Ato Colonial. As mudanças introduzidas eram essencialmente
de semântica, mas enunciavam uma nova atitude, pelo menos do ponto de vista doutrinário, face
às colónias. Eram a concessão possível ao que Salazar denominava o «ar do tempo». Sob o preceito
fundamental e irrevogável da unidade e integridade do Império, são abolidas as designações de
Império Colonial e Colónias a favor de uma nova terminologia que fazia doravante referência a
Províncias Ultramarinas e Ultramar Português, afirmando-se Portugal como uma nação
pluricontinental, constituída por províncias de aquém e além mar. O objetivo era fazer crer
internacionalmente que a integração, união e assimilação dos territórios coloniais e a metrópole
eram uma realidade concreta. Em correlação com esta “nova visão” eram também feitas alterações
legislativas que aumentavam, ainda que timidamente, as prerrogativas das autoridades coloniais e
se mitigava o Estatuto de Indigenato (chegou mesmo a ser abolido em S. Tomé e Timor) que agora
era visto como um estatuto meramente transitório. Assim, definia-se como critérios para aquisição
da cidadania portuguesa o ter mais de 18 anos, exprimir-se corretamente em português, exercer uma
profissão, poder satisfazer as suas próprias necessidades e da família a seu cargo, não ter desertado
ou ser refratário ao serviço militar.

22
Ibidem, pág. 34.
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Paralelamente refundava-se a visão e a mística imperial ao adotar-se oficialmente as teses do
luso-tropicalismo do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre.

Segundo estas teses, a colonização portuguesa distingue-se das demais pela capacidade do
português em se adaptar e transformar as realidades sociais e culturais com que contactou ao longo
dos mais de cinco séculos de expansão colonial. Teria sido uma colonização baseada na faculdade
inata dos portugueses em se fundirem e misturarem com as populações locais. Nesse sentido, a
colonização portuguesa foi descrita por este sociólogo como uma colonização singular, propensa,
como nenhuma outra, à mestiçagem étnica e cultural, e por isso, uma colonização benévola,
sincrética que supostamente era particularmente evidente no Brasil, Cabo Verde ou Goa.

Trata-se de uma visão idílica da colonização portuguesa enunciada por este sociólogo
brasileiro e que, da década de 40, se adaptava oportunamente á nova conjuntura internacional para
servir de legitimação pseudocientífica e justificação ideológica para a manutenção da política
ultramarina portuguesa.

Este elogio da mestiçagem e da fusão cultural de uma suposta simbiose luso-tropical


concordava com a nova imagem que o regime procurava sustentar de um Portugal pluricontinental
e plurirracial, fruto de uma colonização benéfica marcada pela tolerância, abertura, benevolência
de matriz humanista-cristã. Tratava-se de uma ideologia de substituição à doutrina colonial de
1930, agora, no entender do Estado Novo, compatível com a nova conjuntura internacional e com o
novo enquadramento jurídico de 1951.

Amplamente divulgada nos meios académicos portugueses, o luso-tropicalismo de Gilberto


Freyre acabou por inspirar outros estudos no campo da Antropologia, Geografia, Ciências Políticas,
Direito ou Agronomia que procuraram consubstanciar cientificamente as teses do sociólogo
brasileiro e que sustentará a nova doutrina ou visão oficial do ultramar português, a qual se manterá
até ao fim do regime. Assim, na sua esteira, em 1974, nas vésperas da Revolução de Abril, Marcelo
Caetano justificava a manutenção da guerra colonial com a tese que «combatemos para defender o
direito de todos os homens viverem na África e, sobretudo, para defender a sociedade multirracial
que nós lá criamos».

No exterior, no entanto, as teses do luso-tropicalismo eram interpretadas como um mito


romântico ou, pura e simplesmente, como uma justificação para esconder ou dourar a realidade do
colonialismo português. Servia como argumento pouco convincente para que Portugal se
defendesse na cena internacional das críticas que se avolumavam, nomeadamente na ONU.

No entanto, apesar das adaptações acima descritas, nos inícios da década de 60, o regime e seu
projeto colonial são sistematicamente postos em causa, nomeadamente, pela comunidade
internacional.

A ONU, em 15 de dezembro de 1960, inicia um conjunto de resoluções que punham em causa a


postura inflexível de Portugal quanto à descolonização dos seus territórios africanos.
Progressivamente, eram votadas nas Nações Unidas moções de censura, sanções comerciais e
embargos militares a Portugal.

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As dificuldades agravam-se de sobremaneira a partir de fevereiro de 1961 com o início da
insurgência em Angola, iniciando uma longa guerra colonial que durará mais de 14 anos. A 18 de
Dezembro do mesmo ano, Goa é invadida pela União Indiana, iniciando o desmoronamento do
Império colonial português. E na ONU é vetada, pela URSS, um projeto de resolução que exigia uma
cessação imediata das hostilidades que incluía uma retirada imediata das tropas indianas dos
territórios portugueses entretanto ocupados.

A consciência por parte de Salazar do «orgulhosamente sós» faz-se sentir, sobretudo durante
a administração Kennedy (1960-63) que não poupa críticas à postura de Portugal, recusando-se
apoiar a política africana salazarista na cena internacional. A UPA de Holden Roberto em Angola
contou mesmo com apoio da CIA, tal como a Frelimo dirigida por Eduardo Mondlane, no contexto de
uma nova política americana de apoiar nacionalismos africanos na tentativa de travar a penetração
da influência soviética em África. Em 1963, a diplomacia americana propõe o Plano Sakwa com o
qual se pretendia que Portugal aceitasse a transição para a independência dos seus territórios
africanos em troca de uma substancial ajuda financeira por parte dos americanos.

Em janeiro de 1963, coincidindo com o início da guerra colonial na Guiné Bissau, a postura
internacional contra Portugal endureceu. A URSS reclama por sanções económicas, o corte de
relações diplomáticas e até a expulsão de Portugal da ONU. O Conselho de Segurança vota, com a
abstenção dos EUA, Inglaterra e França, a resolução S/5380 onde se rejeitava liminarmente o
conceito defendido por Portugal de províncias ultramarinas, exigindo que o país reconhecesse o
direito à autodeterminação e independência dos seus territórios africanos.

Entre 1965 e 1967, face à inflexibilidade portuguesa, são votadas na ONU novas resoluções
que condenam veementemente a atitude portuguesa de resistência à descolonização e Portugal era
excluído de muitas das instituições espacializadas das Nações Unidas. Tal fato resultava da entrada
na organização de muitos novos membros africanos e asiáticos recém-independentes que se
obrigaram a não deixar a questão portuguesa cair no esquecimento. A secundar a sua posição surge,
em 1963, a OUA (organização de Unidade Africana) que adotou uma postura semelhante de boicote
a Portugal e afirmou o seu apoio declarado (apoio político, diplomático, logístico e militar) aos
movimentos de libertação das colónias portuguesas.

No plano interno, ainda que timidamente, as críticas à postura colonial de Portugal também
começavam a fazer-se sentir. Em 1953, O MUD, era a primeira organização política portuguesa a
reconhecer o direito de autodeterminação das colónias portuguesas. E em 1965, a Casa dos
Estudantes do Império, era encerrada pelas autoridades que a consideraram, com razão, um espaço
de socialização e subversão anti- salazarista e anticolonial. Tratava-se de um espaço de convívio,
tertúlia, e disseminação da ideologia anticolonial e da literatura africana, em muitos casos de teor
subversivo. Frequentada por estudantes oriundos das colónias ajudou a criar uma primeira geração
fundadora dos movimentos nacionalistas. Os seus membros deixaram-se influenciar pela ideologia
marxista e pelo movimento de negritude de origem francófona. Agostinho Neto, Lúcio Lara ou
Marcelino dos Santos, a partir da sua convivência na instituição, vão criar as primeiras organizações
de caráter conspirativo como o Centro de Estudos Africanos (1951-53), o Clube Marítimo Africano

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(1954) e o Movimento Democrático das Colónias Portuguesas (1954). Muitas das suas iniciativas
anticolonialistas irão contar com o apoio do clandestino Partido Comunista Português.

Contudo, a presença portuguesa no ultramar não foi posta em causa por muita gente. Mesmo
opositores destacados do regime não se pronunciavam favoravelmente ao abandono das colónias.

O regime salazarista procurando adaptar-se mais uma vez aos acontecimentos de 1961 – o
«ano de todos os males» -, procura dar mostras maior modernidade. Salazar decide nomear Adriano
Moreira como novo Ministro do Ultramar. Tratava-se de um dos mais fervorosos defensores das
teorias do luso-tropicalismo que serviu de pano de fundo para a sua nova reforma jurídica
relativamente às colónias. Esta passou pela revogação do Estatuto de Indigenato, pelo Decreto-Lei
43 893 de 6 de setembro, estendendo a cidadania portuguesa a todos os habitantes do império, de
forma atenuar as críticas de discriminação racial que continuava a fazer-se sentir nas Províncias do
Ultramar. A título de exemplo, em Angola até então apenas 1% dos africanos eram considerados
assimilados. Outras medidas legislativas visaram estabelecer uma autonomia crescente das
colónias, algo que descontentou alguns sectores mais conservadores adeptos da manutenção da
lógica centralizadora e de menores concessões, o que veio a ditar o fim rápido do exercício do jovem
ministro.

Paralelamente, nos últimos anos do consulado salazarista, o regime apostava forte no


desenvolvimento económico das colónias com diversos investimentos inscritos nos Planos de
Fomento de 1953/9 e de 1959/64, os quais eram acompanhados por uma tentativa de exploração
mais intensiva das riquezas do subsolo (como o petróleo e diamantes em Angola) e pelo incremento
da indústria ligeira e de infraestruturas rodoviárias, aeronáuticas e hidroelétricas.

O resultado foi também o incremento da colonização branca dos territórios africanos, tentando
transformar Angola e Moçambique em verdadeiras colónias de povoamento. E com efeito, em 20
anos a população de origem europeia veio a quadruplicar nestes territórios.

Chegou-se mesmo a projetar a criação de um espaço económico português, uma espécie de


mercado único unindo a metrópole e as províncias ultramarinas que progressivamente deveria dar
forma a uma zona de comércio livre, sustentada numa união alfandegária e monetária.

Às críticas, sobretudo externas, Portugal respondia com a doutrina, pouco convincente, de que
não possuía colónias, mas sim províncias ultramarinas e com saídas ruidosas das suas delegações
na ONU em protesto contra as posturas que nessa organização se tomavam contra Portugal.
Tentando captar a boas graças dos aliados ocidentais, passa também a argumentar a tese de que
era vítima de uma conspiração comunista internacional. Os movimentos guerrilheiros, entretanto
surgidos nos territórios portugueses, eram descritos como pequenos grupos sem
representatividade junto da maioria das populações locais, infiltrados a partir de países vizinhos e
a soldo de países comunistas.

Apesar das fragilidades evidentes deste discurso, o que é certo é que, a partir de 1963, Portugal
vai contar com uma conjuntura internacional menos desfavorável que lhe permitiu prolongar o
impasse.

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Algumas das potências ocidentais, como a França, Inglaterra e os EUA vão adotar uma postura
abstencionista relativamente a Portugal por temerem perder a base das Lajes se assumissem uma
postura abertamente hostil. Com os EUA embrenhados na guerra do Vietname, as novas
administrações americanas secundarizaram a sua intervenção em África. Com Nixon e Kissinger a
CIA recebeu instruções para terminar com os contactos e apoios aos movimentos nacionalistas,
nomeadamente à UPA e FRELIMO. Esta administração chega mesmo a elogiar publicamente
Portugal pelo seu combate ao movimento comunista.

Por outro lado, Portugal vai reforçar a colaboração militar e policial com a África do Sul e a
Rodésia e tira proveito dos múltiplos casos de rivalidade, cisão e divergência que iam irrompendo
nos vários movimentos de guerrilha antiportugueses.

A NATO continuou a funcionar como um escudo protetor do regime e da sua politica colonial.
Apesar dos embargos e das críticas a Portugal surgidas no seio da Aliança, sobretudo por parte dos
países escandinavos, era por sua via, de forma mais ou menos velada, que o regime obtinha
financiamento militar e algum armamento. Se os EUA resistiam abertamente a fornecer apoio
militar, outros estados membros não se coibiam de vender armas ou prestar alguma assistência
militar. Foram os casos da França, Inglaterra e RFA.

A partir de setembro de 1968 Salazar é substituído por Marcelo Caetano (antigo ministro das
colónias entre 1944 e 47) na presidência do Conselho de Ministros, o qual passou a superintender a
política colonial, num período onde o desgaste com a guerra colonial, sobretudo na Guiné e
Moçambique, era já por demais evidente.

Inicialmente, Caetano terá chegado a pensar numa solução federalista para resolver a questão
colonial. Inspirando-se na Commonwealth britânica, o novo líder desejava construir uma alternativa
à independência dos territórios africanos que passaria por negociar uma autonomia progressiva,
mas implicando uma qualquer vinculação entre as províncias ultramarinas e a metrópole. Na
tentativa de cativar as próprias populações locais para o seu projeto ainda pouco definido,
protagonizou a iniciativa inédita de levar a cabo a visita oficial do chefe de governo português à
Guiné, Angola e Moçambique, onde faz alusões ao desejo de promover uma participação mais ativa
das populações locais na administração pública.

Contudo, como em muitos outros aspetos, manietado pelos inúmeros bloqueios e pressões
contraditórias que marcaram o seu mandato, rapidamente dá mostras de abdicar da sua intenção
reformista, mantendo a «continuidade» da política colonial herdada do seu antecessor. Limitou-se
apenas a promulgar uma Nova Lei Orgânica do Ultramar Português (23 de junho de 1972) que
defendia o aprofundamento da descentralização administrativa.

Pressionado pelo descontrolo da guerra na Guiné e pelo desgaste militar em Moçambique, pelo
crescimento da oposição democrática que defendia o imediato fim da guerra colonial e pelo sector
conservador que não permitia qualquer concessão, o regime marcelista imobilizou-se, limitando-se
a reforçar o esforço de guerra, chegando a afetar 45% do orçamento de Estado para as questões de
defesa e segurança e impondo uma mobilização massiva da população jovem em idade militar. O
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número de militares relativamente à população total atingiu índices só superados por Israel e
Vietname.

Este esforço a longo prazo insustentável só foi parcialmente mitigado pelo crescimento
económico verificado no início do período marcelista muito por culpa da abertura da economia
portuguesa ao exterior que permitiu o crescimento do investimento estrangeiro, tanto na
metrópole como nas colónias.

O imobilismo marcelista acabou por aprofundar o isolamento internacional de Portugal.


Embora tenha contado com uma maior simpatia por parte da administração Nixon, devido às
renegociações do uso americano da Base das Lajes, somaram-se exteriormente iniciativas de
condenação da postura colonial portuguesa. Na ONU, quer no Conselho de Segurança, quer na
Assembleia Geral, foram contínuas as condenações à postura do governo português.
Representantes dos movimentos de libertação das colónias portuguesas chegaram a ser
convidados a assistir a sessões da Assembleia Geral na condição de observadores. Causando grande
indignação em Portugal, o Papa Paulo VI também concedeu audiência a figuras destacadas dos
movimentos de libertação das colónias portuguesas: Amílcar Cabral, Marcelino dos Santos e
Agostinho Neto. E em 1973 uma visita de Marcelo Caetano a Inglaterra era marcada pelo impacto
moral da denuncia na imprensa local do Massacre de Wiryamu (1972) que motivou manifestações
de rua e uma proposta de desagravo contra Portugal no parlamento inglês.

Consciente da insustentabilidade da posição portuguesa, noção agudizada com em 24 de


setembro de 1973 com a independência autoproclamada da Guiné, prontamente reconhecida pela
ONU, o governo marcelista terá mesmo aventado a hipótese de reconhecer o direito à
autodeterminação das colónias portuguesas.

Contudo, em termos públicos continuou agarrado a um discurso que caracterizava Portugal


como uma entidade política pluricontinental e plurirracial. A mística imperial trabalhada durante
décadas pela propaganda do regime terá provocado uma espécie de autoconvencimento assente
na crença da excecionalidade da História e carácter português. Esta mística imperial terá contribuído
também para a incapacidade do governo marcelista encarar a realidade dos fatos e tomar medidas
concretas para a resolução da questão colonial e, com ela, quiçá, garantir a sobrevivência do regime.

Com efeito, a realidade mostrava-se bastante adversa. Militarmente a situação era periclitante
na Guiné, desgastante em Moçambique e menos preocupante em Angola, onde as dissensões ente
a FNLA, MPLA e UNITA acabaram por beneficiar as autoridades portuguesas. Na Guiné, em 1973, o
PAIGC, recorrendo a armamento soviético (misseis terra-ar) acabava com a vantagem da aviação
portuguesa e punha seriamente em causa o controlo português da região. Em Moçambique a
«operação nó górdio» com que o General Kaúlza de Arriaga pretendeu imobilizar a Frelimo, teve
apenas o efeito adverso de dispersar geograficamente a ação da insurgência que passou a ameaçar
territórios de forte colonização branca, criando um desgaste que a longo prazo se previa
insustentável. Isto a despeito do menor enfoque mediático que a guerra colonial portuguesa teve
em virtude da maior importância atribuída pela comunidade internacional a outros conflitos
localizados no contexto da Guerra Fria.

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Preso de movimentos, incapaz de iniciativas cabais para resolver a questão colonial, (Marcelo
Caetano chegou a ponderar o reconhecimento da independência da Guiné, mas temeu o efeito
negativo que isso pudesse ter em Angola e Moçambique) o marcelismo deixou-se enredar num
imobilismo que tarde e, por isso mesmo, atabalhoadamente será desbloqueado após o 25 de Abril
de 1974 e o fim do Estado Novo.

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