Você está na página 1de 15
Universidade Federal da Grande Douredos APONTAMENTOS SOBRE A CONSTRUGAO DA REGIAO TRANSNACIONAL GAUCHA' NOTAS SOBRE LA CONSTRUCCION DE LA REGION TRANSNACIONAL GAUCHA NOTES ON THE CONSTRUCTION OF THE GAUCHA TRANSNATIONAL REGION RAFAEL ZILIO Professor do Departamento de Geografia Doutorando em Geografia - Bolsista CNPq Universidade Federal do Rio de Janeiro rafael.zilio@yahoo.com.br Resumo: O artigo centra a andlise na relacao entre regio, identidade ¢ politica, mais espe- cificamente no que estamos chamando de regio transnacional gaucha, a0 sul do continente american. Debatemos a regio no ambito da “constelagio geogrifica de conceitos”, esta- belecendo relagées com outros conceitos, como territério ¢ lugar. Realizamos um resgate histérico da identidade sécio-espacial gawcha, elemento central da referida regido transna- ional, para depois discutirmos as vertentes desta identidade, identificando as légicas zonal ¢ reticular de articulagao do espago geogréfico em cada vertente. Finalizamos com 0 apro- fandamento das nogées de categoria de anilise ¢ de categoria da prética, destacando sua indissociabilidade e aplicando-as a regio transnacional gaucha. Palavras-chave: regi Resumén: El articulo analiza la relacién entre regién, identidad y politica, més especifica- mente en lo que estamos llamando de regién transnacional gaucha, al sur del continence americano. Debatimos la regién bajo la “constelacién geogréfica de conceptos”, establecien- do relaciones con otros conceptos como territorio y lugar. Realizamos una revisién histérica de la identidad socio-espacial gaucha, elemento central de la referida regi6n, y luego discuti- mos las vertientes de esta identidad, identificando las légicas zonal y reticular de articulacién del espacio geogrifico en cada vertiente. Terminamos con la profundizacién de las nociones de categoria de analisis y categorfa de la practica, destacando su inseparabilidad y aplicindo- Jos a la regién transnacional gaucha. ntidade sécio-espacial; regio transnacional gaucha. Palabras-clave: regién; identidad socio-espacial; regién transnacional gaucha Este artigo € fru de reflexes derivadas de minha ese de doutorado em andamento no Programa de Pés-GraduacSo em Geografia LUFRY, sob oriensagio do profesor Marcelo Lopes de Souza. Entre-Lugar, Dourados, MS, ano 5, n.7, 1. semestre de 2014 59 Universidade Federal da Grande Dourados Abstract: The article analyzes relations between region, identity and politics at the gawcha transnational region, south of the american continent. We discuss region under the “geo- graphical constellation of concepts’, establishing relationships with other concepts such as territory and place. We conduct historical review of the gaucha socio-spatial identity, central clement of the transnational region, and then discuss dimensions of this identity, identifying the zonal and reticular logics of articulation of the geographic space in each dimension. We end with the deepening of the notions of category of analysis and category of practice, highli- ghting their its inseparability and applying them to the gaucha transnational region. Key-words: region; socio-spatial identity; gaucha transnational region. INTRODUGAO O presente artigo objetiva analisar a construgao de uma regido transnacional definida a partir do tipo antropolégico do gaucho, situada no sul do continente americano, tanto como um fato, uma evidéncia empirica, quanto como um artificio, um instrumento anali- tico. Nao trabalhamos com a ideia de que em tal recorte espacial a identidade gauicha seja a tinica ou mesmo a de maior relevancia em qualquer abordagem que se realize, mas sim que é constituinte de uma identidade hibrida propria da contemporancidade, possuindo grande importincia para o entendimento da presente problematica. Selecionamos, pois, um dos aspectos da realidade politico-cultural do referencial empitico, a identidade sécio-espacial _gaucha, ¢ faremos apontamentos sobre como uma regiéo pode ser construida tanto intelec- tualmente, por um pesquisador (uma categoria de andlise), como por seus habitantes (uma categoria da pratica), apresentando diversas caracteristicas em comum. Na primeira parte do artigo, discutiremos 0 conceito de regio no ambito da “constela- ‘40 geografica de conceitos” (HAESBAERT, 2014), destacando as potencialidades de imbri- casio da regiéo com o territério ¢ o lugar, trabalhando nas “fronteiras” dos conceitos. Pos- teriormente, para fins de operacionalizacao conceitual, oferecemos um resgate geo-hist6rico da identidade sécio-espacial gaucha ¢ de que maneira a regido transnacional gaucha foi se constituindo como “fato”. Apés, apresentamos uma proposicéo, ainda em estégio inicial de desenvolvimento, de identificacio de vertentes da supracitada identidade, enfocando nas es- pacialidades correspondentes a cada vertente, com o auxilio de modelos gréficos. Fechando 6 artigo, realizaremos uma leitura da regio transnacional gaucha como categoria de andlise © como categoria da pritica, apoiando-nos em Haesbaert (2010). AREGIAO NO AMBITO DA “CONSTELACAO GEOGRAFICA DE CONCEITOS” Em Haesbaert (2014) encontramos uma proposta de pensar e organizar os conceitos geogrificos de maneira que eles possam dialogar constantemente para nos auxiliar a com- preender a realidade sécio-espacial e apresentarem fronteiras bastante fluidas, de modo a possibilitar a combinacao de dois ou mais conceitos. Contudo, uma hierarquizacao entre 60 Enire-Lugar, Dourados, MS, ano 5, 0.9, 1. semestre de 2014 Universidade Federal da Grande Douredos determinados conceitos faz-se necessiria. Para isso, o referido autor propée uma “constela- ‘a0 geografica de conceitos” (Figura 1). Oespaco, ou melhor, 0 espaco-tempo, é 0 conceito mais geral mediante 0 qual orbitam ‘05 outtos conceitos. O espaco-tempo é a categoria mestre, ¢ o espago geogrifico ¢ a dimen- sao espacial da sociedade, indissocidvel de sua relagdo com a natureza. O espaco geografico se des-articula conforme trés Idgicas: zona, rede c/ou aglomerado. Conforme o enfoque que se dé as distintas dimensées espaciais, as relagdes sociedade-natureza podem ser lidas através do conceito de ambiente; as relacGes de poder, com 0 territério; as relacées simbélico- -culturais do espaco vivido, pelo Jugar; ¢ as relacées simbélico-culturais do espaco enquanto representagio, através da paisagem. FIGURA 1: constelacéo geogréfica de conceitos. i 0 my \ Fonte: Haesbaert, 2014, p. 34. Porém, anterior a tais enfoques, hé um primeiro “cfrculo de translagao” que diz respeito grande problematica da diferenciacéo do espaco: a regio. Note-se, portanto, a regio em um nivel diferente dos conceitos de ambiente, territério, lugar ¢ paisagem. Nesse contexto a regido “pode ser considerada um conceito envolvido com as distintas i-Iégicas de construgao do espaco geogréfico, seja aquelas de carter predominantemente zonal ou em area (..), seja as de cardter predominantemente reticular” (HAESBAERT, 2014, p. 38-39). Regio, pois, problematiza a diferenciacéo espacial de natureza (qualitativa) e grau (quantitativa), po- dendo seguir os prinefpios de relativa homogeneidade - com predominio da légica espacial zonal - ¢ de coeséo funcional e/ou simbélica - predominio da légica espacial reticular (idem, Entre-Lugar, Dourados, MS, ano 5, n.7, 1. semestre de 2014 6 Universidade Federal da Grande Dourados p. 40). A regido, ademais, e como outros conceitos geogréficos, se dé como um ir e vir entre instrumento de andlise ¢ evidéncia cmpirica (categoria de andlise ¢ categoria da pritica), sendo esta uma ideia fundamental para o presente texto. Ao analisarmos a Figura 1 ¢ tendo em mente a discussao até aqui apresentada, podemos estabelecer algumas relagées titeis para a compreensio do que estamos denominando regido transnacional gaucha, Se tal regiéo define-se primordialmente pela ocorréncia de uma iden- tidade s6cio-espacial (entendendo identidade no movimento, na transformagio ena fluidez, e considerando a hibridizacéo cultural comum na contemporaneidade), podemos trabalhar com uma ideia de regiéo enfocada a partir do espaco vivido (identidade regional - lugar) ¢ dos regionalismos como movimentos politicos - territério (HAESBAERT, 2014, p. 39). ‘Assim, no ambito da “constelacio geogréfica de conceitos”, para analisar a referida regio transnacional, é necessirio recorrermos & fluida fronteira conceitual regiéo-territério-lugar, ou scja, a regio transnacional gaucha podendo ser lida, ao mesmo tempo, nas perspectivas polt- tica e de espaco vivido, considerando a problemdtica da diferenciagao do espaco. Nesse sentido, & necessdrio resgatar elementos histérico-geogréficos que construfram esta regiao para entéo, posteriormente, a tomarmos como categoria de anilise e como categoria da pritica. A IDENTIDADE SOCIO-ESPACIAL GAUCHA A identidade sécio-espacial gaucha tem suas origens em um periodo anterior & forma- ao das atuais fronteiras estatais de Brasil, Argentina e Uruguai, em meados do século XVIII. Com o fim das redugées jesuiticas, 0 gado criado nestes espagos espalhou-se pelo bioma pampa ¢ muitos mestigos que ali vagavam prestando servigos pelo campo (muitos destes servicos ilegais perante as leis da época) se apropriaram de grande parte da vacaria que, por sua vex, era reclamada pela coroa espanhola. Desde entio, para estes individuos sem pro- cedéncia definida, vistos com maus olhos pela metrépole colonizadora e pelos militares a servigo desta instituigao, a denominagio gaucho passou a ser utilizada. Tais mestigos tinham sua otigem na mistura entre povos origindrios (charrua, guarani, minuano ¢ pampa), africa~ nos escravizados e europeus espanhéis e portugueses. Com as guerras de fronteira ¢ delimitagio das fronteiras dos Estados brasileiro, argen- tino e uruguaio, o pampa passa a apresentar cercas ¢ limites bem definidos pelo poder hete- rénomo na época: os campos de topografia levemente ondulada (as coxilhas), com a linha do horizonte sempre visivel, sio divididos em grandes propriedades rurais concedidas a militares e outros individuos de significativa influéncia na Coroa ou com altos cargos nesta. Essa substancial transformagéo no espago pampiano leva a um embate que, ao longo da his- téria, mostra-se fundamental para o entendimento das nuances da identidade sécio-espacial gaucha. O gaucho, pois, possui uma espécie de “conflito original”, através da luta de classes expressa na dualidade patréo-pedo: 0 patrio estancieiro protegido pelas coroas portuguesa ¢ espanhola; ¢ 0 gaucho pedo, que tesistiu & submissao a patrées, & divisio do espago em lati- fiandios, ¢ era tido pelas elites da época como um ladrio. A transformacéo de um espaco tido como “terra sem leis” para uma organizacao espacial de latifiindios ¢ definig&o de fronteiras 2 Enire-Lugar, Dourados, MS, ano 5, 0.9, 1. semestre de 2014 Universidade Federal da Grande Douredos estatais corresponde & espacialidade de surgimento da identidade sécio-espacial gaucha, des- deo inicio uma identidade ransnacional, Tal passagem foi descrita c analisada em versos pelo poeta argentino José Hernandez na obra poética que 6, talvez, 0 maior clissico da literatura gaucha: El gaucho Martin Fierro (1872) ¢ La vuelta de Martin Fierro (1879). Passado aproximadamente um século, com as fronteiras estatais ja delimitadas, a pri- meira metade do século XIX presencia, na parte brasileira da regiéo transnacional gaucha, uma guerra civil que posteriormente ficaria conhecida como Revolusao Farroupilha. Em linhas gerais, tratou-se de uma revolta de parte da elite agréria da chamada Campanha Gaticha? contra os altos impostos do Império brasileiro sobre determinados produtos, so- bretudo 0 charque, como mostra, entre tantos outros autores, Pesavento (1985). Durante aproximadamente 10 anos (1835-1845), a entao provincia do Rio Grande do Sul, através da referida elite, tentou se separar do Império e ctiar um Estado independente, Contudo, apenas para os préprios “rebeldes” a provincia estava independente, uma vez que nem os Es- tados vizinhos (Argentina e Uruguai) tampouco 0 Estado brasileiro reconheceu oficialmente tal separacio. Para Silva: A revolugio farroupilha foi um movimento conservador de uma elite disposta a ampliar sua autonomia em relagio ao conservadorismo do Império. Nas questdes sociais determinantes, como a escravidio, s6 aconteceram manobras estratégicas ¢ utilitérias com 0 objetivo de atrair negros para as forcas rebeldes [farroupilhas), mas sem uma real intengio dominante de por fim & mais ignominiosa de todas as formas de organizagio do trabalho (SILVA, 2010, p. 147). Muitos séo os indicios hist6ricos ~ e os autores que abordam tal acontecimento ~ que demonstram o carter conservador da revolugio farroupilha, sendo algumas de suas prin- cipais caracteristicas a manutengio constitucional do latifindio (e da ordem sécio-espacial estabelecida), da estrutura de classes e do regime escravocrata, denotando a nao-sintonia com os movimentos abolicionistas da época na maior parte da América Latina. Findo o conflito com um acordo entre os farrapos ¢ 0 Império brasileiro (para muitos historiadores uma derrota dos revoltosos da provincia gaticha), algumas décadas se passaram até que um grupo formado por remanescentes da revolucio ¢ outros saudosos daquela dé- cada iniciassem a mitificagio deste acontecimento, com o destaque para o cardter suposta~ mente “progressista” da elite lavifundidria e 0 estabelecimento de alicerces sélidos o bastante para a criacao de um “mito fundador” de uma identidade gaticha. No entanto, constata-se uma diferenciagao neste episédio em relagio a identidade sécio-espacial: a insercéo de um imaginério elitista, proveniente do patronato, do latifundidrio, no conjunto de significagées da identidade geucha. Tal apropriagio seria posteriormente chamada de tradicionalismo. No conflito de classes expresso na dualidade patrio-peio, a Revolugio Farroupilha (ou melhor, 0 discurso sobre este acontecimento) tornou-se marco da apropriagéo conservadora da cultura gaucha na parte brasileira do referencial empitico, reflexo da atuagao do patrio na utilizacéo de determinados simbolos desta identidade. Conforme destaca Silva (2010, p. ‘Denominagio seferente& parte brasileira do bioma Pampa, comumente utlizada quando do trao de questées sococulturas. Entre-Lugar, Dourados, MS, ano 5, n.7, 1. semestre de 2014 6 Universidade Federal da Grande Dourados 14), a Revolugio Farroupilha é “o acontecimento mais reconstruido e mitificado da histéria brasileira, a ponto de histéria ¢ mito acharem-se atualmente quase inteiramente confundi- dos, com ampla vantagem para a idealizagao”. Por sua vez, na Argentina ¢ no Uruguai, 0 gaucho tornou-se a figura folelérica nacional sem softer transformagées significativas desde sua origem, além de ter se tornado um tipo antropolégico bem recebido tanto no campo quanto nas grandes cidades, como mostram ‘Archetti (2003) e Heugerot (2007). O estigma do gaucho ladrao, fora-da-lei, foi minimiza- do ou mesmo desapareceu dos imagindrios argentino ¢ uruguaio. Ao longo do século XX, como demonstram, entre outros, Gutfreind (1992), Jacks (1999) e Silva (2010), a apropriagao conservadora da identidade sécio-espacial gaucha no estado do Rio Grande do Sul desenvolveu-se com a expansio do tradicionalismo ¢ do culto 20s supostamente herdicos feitos dos farrapos durante a supracitada revolta do século XIX. Isto foi alimentado, entre outros fatores, pelos nacionalismos e pela tomada das fronteiras nacionais como separadoras de povos tidos como diferentes. A negagao da platinidade do gaucho brasileiro tomou forca com historiadores da primeira metade do século XX, con- forme discutido em Gutfreind (1992) e Gutfreind e Reichel (1995, 1996a e 1996b), na tentativa de criagao de um tipo gaticho claramente diferenciado dos gauchos argentinos ¢ uruguaios. No Rio Grande do Sul, essa onda tradicionalista desenvolve-se, sobretudo, com um grupo de jovens estudantes oriundos do colégio Julio de Castilhos (Porto Alegre) que, a0 terem concluido a escola bésica, percorreram boa parte do interior do estado inventariando habitos, masicas, dangas, vestimentas etc. Disto, produziu-se significative material até entéo muito pouco conhecido na capital estadual, conhecimento este que, chegado ao referido centro urbano, difunde-se para distantes paragens e, também, volta para o interior do estado ligeitamente transformado (LESSA, 1985). Contudo, 0 conjunto de simbolos referentes & identidade sécio-espacial que chegou a Porto Alegre naquela época foi, primordialmente, aquele oriundo do processo de apropria~ io conservadora na esteira da transposigéo da identidade da Campanha para todo o estado do Rio Grande do Sul, conforme abordado por Costa: (..) a transposigao da identidade gaticha do espago tradicional da Campanha para 0 tetritério do Rio Grande do Sul como um todo parece set, mais que “um curioso fendmeno de mutagéo histérica", um processo de reapropriacao ideolégica que consegue moldar, hoje, as bases de um novo espago regional no extremo-sul brasileiro (COSTA, 1988, p. 78). Algumas das caracteristicas passfveis de destaque aqui séo a naturalizagao da subordina- 40 do pedo ao patrio, o respeito & propriedade privada rural e a estrutura de poder tipica da organizacao espacial latifundidria, e uma concepsao estética/imutvel de identidade e cultu- ra, Nesse sentido, a criagao dos Centros de Tradigaes Gatichas (CTGs) ¢ a unio destes em toro da organizagio Movimento Tradicionalista Gaticho (MTG) so embleméticas, uma vez que retinem ¢ institucionalizam as supracitadas caracteristicas, Assim, Canclini versa a respeito dos tradicionalismos da seguinte maneira: 64 Enire-Lugar, Dourados, MS, ano 5, 0.9, 1. semestre de 2014 Universidade Federal da Grande Douredos (Um dos tragos distintivos da cultura tradicionalista¢ ‘naruralizar’ a barreira entee incluidos € excluidos. Desconhece a arbitrariedade de diferenciar esse territério daquele, determinar esse repertério de saberes para ensiné-lo na escola ou essa colegio de bens para exibir em um ‘museu, ¢ legicima solenemente, mediante uma ritualizagio indiscutivel, a separagio entre (os que tm acesso € os que nio conseguem. O ritual sanciona entio, no mundo simbélico, as distingses estabelecidas pela desigualdade social. Todo ato de instituir simula, através da encenagio cultural, que uma organizagio social arbitréria ¢ assim e nao pode ser de outra ‘maneira (CANCLINI, 2003, p. 193). Logo, a legitimacio do discurso do patréo, com a naturalizacio da estrutura espacial e de poder do latifiindio, pretende ser tomada como tinica, como a “verdadeira”, pelo MTG ¢ pelos CTGs A partir do final dos anos 1980, com o fim dos regimes ditatoriais na Argentina, no Brasil ¢ no Uruguai, a fronteira enquanto limitante, altamente secutitizada e fator de sepa- ragdo, passa a ser vista como simbolo de integragdo econémica entre os Estados em questéo. A circulagéo de mercadorias ¢, também, de pessoas, ganha félego e as relagdes fronteiricas desenvolvem-se significativamente, onde as cidades de Buenos Aires, Montevidéu e Porto Alegre tém papel de destaque na difusio das ideias que se transnacionalizam. A partir de meados da década de 1990 e, principalmente, de 2000, tece-se uma rede de artistas ¢ inte- lectuais que se debrucam sobre as aproximagées, similitudes ¢ identidade(s) que unem Ar- gentina, Uruguai e Rio Grande do Sul. Suas caracteristicas so, entre outras, a reflexio sobre a regido gaucha ¢ a produgao cultural em torno desta temitica, nfo se atendo a apenas um resgate hist6rico dos elementos formadores da identidade s6cio-espacial (0 que caracterizaria um tratamento “museolégico”), mas sim estabelecendo alicerces para uma produgéo cultu- ral ede ideias a partir de tal resgate, conforme estudo de Panitz (2010). Duas das expressées cunhadas na esteira desse processo foram a Evtética do Frio, pelo escritor e miisico brasileiro Vitor Ramil (2004), o Zémpladismo, pelos miisicos uruguaios Jorge Drexler ¢ Daniel Drex- ler. Ambas possuem diferencas minimas, convergindo pelo fato de serem propostas musicais geografizantes, sendo que a paisagem do pampa tem papel fundamental juntamente com a ‘milonga enquanto ritmo musical colado a essa paisagem, considerando a paisagem e o lima, a diversidade étnica e cultural das populagées platinas e o papel das fronteiras, tomando 0 ‘espaco geogrifico enquanto nticleo central das representacées sociais (PANITZ, 2010, p. 106). A Estética do Frio ¢ 0 Témpladismo se constituem, pois, como leituras contempori- neas da identidade sécio-espacial gaucha a partir de grandes centros urbanos difusores de cultura ¢ informagao. Muito além da concepgao estatal de integragio da regido através do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), tais artistas trabalham com uma convergéncia identitdria do sul da América do Sul, transfronteirizando suas ideias e sua produgao. Temos ‘em curso, portanto, a construgao de uma leitura revigorada da identidade sécio-espacial na regio transnacional gaucha, densa de geograficidade e expondo o problema da divisio do espago em Estados. Disso, depreende-se (re)emergéncia da tomada de consciéncia de uma “regionofilia”® gaucha na contemporaneidade. © Recordando a contibuigéo de Tuan (..), em Frémont, regio estaiavinculadaasentimentos ‘opofiios'~ © que equivaleadize, desdobrande e especificando a idea de ‘topofila, que a uma regio, na qualidade de espago vivid, se assocaria uma ‘egionofila” Entre-Lugar, Dourados, MS, ano 5, n.7, 1. semestre de 2014 65 Universidade Federal da Grande Dourados VERTENTES DA IDENTIDADE SOCIO-ESPACIAL GAUCHA E ESPACIALIDADES CORRESPONDENTES Para uma melhor compreensio da complexidade que envolve a identidade sécio-espa- cial gaucha (¢ tantas outras identidades), primeiramente admite-se que ela nio forma uma regido homogénea, mas sim é um dentre tantos outros elementos identitérios que formam a hibridez cultural do referencial empirico adotado. Logo, trata-se, obviamente, de um recorte da realidade, onde o universo valorativo gaucho torna-se importante dependendo do escopo da anilise. Os diferentes grupos sociais apropriam-se dos elementos identitdrios conforme seus interesses ¢, a0 longo dos séculos, isto se deu de modo significativamente diferente, a ponto de ser possivel identificar vertentes dentro da referida identidade. A partir da discussio exposta na se¢ao anterior, distinguimos, ainda que no contexto de um debate inicial, trés vertentes da identidade sécio-espacial gaucha com suas respectivas espacialidades: uma vertente gaucha cldssica, otiginada no pampa sem Estados e latifindios; uma vertente farrapa, que sobrevaloriza as fronteiras estatais ¢ 0 latifiindio, presente apenas na parte brasileira do referencial empirico ¢ fruto da apropriacéo conservadora da identi- dade; e uma vertente neogaucha, que investe no resgate da figura do gaucho original mas, sem ser passadista, constr6i um discurso de “tegionofilia” a partir do espaco urbano ¢ tenta estabelecer um didlogo com outras identidades, procurando nio cair em um regionalismo. A vertente gaucha clissica se origina da miscigenacao de povos origindrios, europeus africanos. A literatura histérica comumente associa esta origem ao século XVII, remetendo- -se ao jé mencionado errante no Pampa sem cercas nem fronteiras estatais. A espacialidade desta vertente (Figura 2) consiste em um espaco “aberto”, sendo que as territorialidades imperiais ibéricas nao sobrepujavam ou oprimiam a territorialidade gaucha a ponto de esta Ultima desaparecer, apenas operava uma estigmatizagao territorial ao colocar os gauchos & margem das leis dos impérios. Provavelmente devido a tal marginalidade, quaisquer regis- ttos sobre feitos de individuos ou grupos gauchos foram apagados da historiografia oficial. Contudo, ¢ conforme jé mencionamos, podemos encontrar valiosas referéncias aos valo- res, costumes, habitos etc., enfim, & identidade gaucha, na literatura, sendo Martin Fierro (HERNANDEZ, 1872 e 1879) ¢ Capito Rodrigo (VERISSIMO, 1949, 1951 e 1959) personagens-simbolo da vertente gaucha clissica. (SOUZA, 2013, p. 142). 66 Enire-Lugar, Dourados, MS, ano 5, 0.9, 1. semestre de 2014 Universidade Federal da Grande Douredos FIGURA 2: esquema grafico da vertente gaucha classica da identidade sécio-espacial gaucha. Vertente gaucha classica XVII * Gauchos dispersos, “livres” Personagens: Capitéo Rodrigo ¢ Martin Fierro Elaboracéo do autor. A vertente farrapa, que tem como “mito fundador” a Revolugio Farroupilha (século XIX), ocorre, como ja explicitado, apenas na parte brasileira da regiao transnacional gaucha. “Trata-se de uma apropriagio conservadora de elementos da identidade sécio-espacial gau- cha, como a legitimacao ou naturalizagao da heteronomia instituida na relacao patrao-peao, discurso separatista (ainda que nem sempre em dirego a uma alianga com Argentina ou Uruguai), e a visio estética, imutavel, de cultura (os contemporaneos devem pagar tributo de alguma maneira a supostos heréis do passado). A espacialidade da vertente farrapa (Figu- ra 3) se funda no pampa dividido em latifiindios ¢ com 0 estancieiro/patrio submetendo os -gauchos 2 um regime de trabalho subserviente (oposto as atividades dos gauchas “clissicos”). Como personagem simbolo optamos por fazer mengio 4 Bento Gongalves por ter sido no somente o lider da Revolucéo Farroupilha como também a figura mais reverenciada pelos cultuadores desta vertente. Figura 3: esquema grafico da vertente farrapa da identidade sécio-espacial gaucha. Weenckeuc ben us) * Gauchos sabmetidos ao regime de trabalho em estancias, transformados em pedes Q Latifiindios Personagem: Bento Gongalves Elaboracéo do autor. Entre-Lugar, Dourados, MS, ano 5, 7, 1, semestre de 2014 67 Universidade Federal da Grande Dourados Cabe ressaltar a importincia crescente das fronteiras estatais no recorte espacial ¢ sua relagao com a regido: pela primeira vez a regido se torna transnacional, pois tem-se fronteiras definidas ¢ uma vertente da identidade que define a regionalidade em apenas uma parcela do espaso regional. Por iiltimo, 0 que estamos chamando de vertente neogaucha diz respeito a uma reto- mada de consciéncia regional propiciada pelo fim dos regimes ditatoriais nos trés pafses ¢ a aceleracao de determinados processos via MERCOSUL, conforme jé explicitado. A rede de artistas ¢ intelectuais abordada, entre outros, por Coelho (2013) ¢ Panitz (2010), demons- tra um esforco de (re)aproximagao intrarregional baseando-se da apropriacéo de elementos culturais os mais diversos (principalmente em letras e ritmos musicais) para dialogar com 0 mundo a partir do espago urbano. A espacialidade da vertente neogaucha (Figura 4), por- tanto, se dé primordialmente na passagem do lécus de construgio discursiva: do rural para 0 urban. Ademais, com essa retomada de conscincia regional, as fronteiras estatais tornam- -se potosas ¢ os verores de troca se intensificam, Figura 4: esquema grafico da vertente neogaucha da identidade sécio-espacial gaucha. Ne meu melt) ' . ‘+ Fronteira porosa Relacdes transnacionais e reto- mada de “consiéncia regional” Personagem: Vitor Ramil Elaboraco do autor. Essa retomada faz uso de elementos do universo valorativo gaucho semelhantes aqueles mobilizados pela vertente farrapa, porém apresentando um cunho diferente. A (re)cons- truco da regiéo como categoria da pritica no Ambito das vertentes farrapa ¢ neogaucha demonstra que a diferenciagio espacial esté longe de ser sindnimo de regionalismo ou paro- quialismo, como observa Haesbaert: 68 Enire-Lugar, Dourados, MS, ano 5, 0.9, 1. semestre de 2014 Universidade Federal da Grande Douredos A prépria “regio”, enquanto lécus da produgio da diferenca, e néo simplesmente no sentido do ‘regionalismo reacionério’, também pode, dependendo do emaranhado de poder em que estiver enredada, estimular a constante re-producéo do novo — ou seja, ela nem sempre & produzida apenas pelo ‘regionalismo anactonico e reacionétio’ hegeménico, 0 que pode ser constatado ao reconhecermos a propria natureza, sempre ambivalente, de sua (te)ctiagé0 simbélica (HAESBAERT, 2010, p. 72). Elegemos como personagem desta vertente um mtisico e escritor de grande destaque nesse processo: Vitor Ramil, de Pelotas. Foi o primeiro a colocar suas reflexdes no papel também nas letras de suas cang6es, tendo se proposto a buscar uma Estética do Frio (RAMIL, 2004) para melhor compreender a identidade (s6cio-espacial) 4 margem de um “mundo” (Brasil) mas no centro de outro “mundo” (o que estamos chamando de regio transnacional gaucha). ‘A rede adquire fundamental importancia para a compreensio da vertente neogaucha. A construsio da regio nesse contexto se dé a partir de importantes cidades da rede urbana da regio transnacional gaucha (Buenos Aires, Montevidéu, Porto Alegre e Pelotas), demons- trando que “articulagdes regionais do espago podem manifestar-se no apenas na tradicional forma zonal, geralmente continua, mas também em redes, inseridas numa légica descon- tinua de articulagao reticular” (HAESBAERT, 2010, p. 121). O mesmo autor nos lembra que é fundamental em qualquer estudo geogréfico levar em conta a relacio entre légica de dominancia zonal ¢ légica de dominancia reticular na construgao do espago, sendo a rede uma constituinte indissocidvel da zona ou rea, pois sem rede nao ha controle ou apropria- ‘cdo de uma 4rea (HAESBAERT, 2014, p. 39). Assim, consideramos que nas vertentes gau- cha cléssica e farrapa, hd uma dominancia da légica zonal na construcéo do espaco regional, enquanto na vertente neogaucha hi dominancia da légica reticular. REGIAO TRANSNACIONAL GAUCHA: CATEGORIA DE ANALISE E CATEGORIA DA PRATICA Iniciemos a presente segéo destacando algumas regionalizacdes que abarcam mais ou ‘menos o mesmo espaco, porém com intuitos diferentes, para exemplificarmos a regiéo como categoria de andlise ou como categoria da pratica, A primeira regionalizagao que comumente vem 3 tona ao pensarmos o referencial em- pirico € 0 Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), resultante do interesse econdmico dos Estados argentino, brasileiro, uruguaio e paraguaio, implantado a partir de 1992. Conforme ja destacado, o MERCOSUL possibilitou acordos multilaterais para a maior circulagéo de mercadorias e pessoas ¢, na esteira de sua concretiza¢ao, eventos promovidos pelos Estados nas zonas de fronteira contribuiram para facilitar a circulagao de ideias, como encontros para se discutir a produgao cultural musical e literéria nos paises membros e formas de troca integragao nesse sentido (GUTFREIND e REICHEL, 1996b). Entre-Lugar, Dourados, MS, ano 5, n.7, 1. semestre de 2014 6 Universidade Federal da Grande Dourados Hi ideias importantes de regionalizacées que remontam pelo menos ao século XIX. Uma das ideias de construcao de regido que embalaram os farrapos em meados dos 1800 foi uma confederacéo entre Rio Grande do Sul, Uruguai, e as provincias argentinas de Corrien- tes ¢ Entre Rios, proposta pelo lider da Revolugio Farroupilha, Bento Gongalves (SILVA, 2010, p. 72). Ji no século XX e mesmo ainda no século XXI existem reverberagdes do sen- timento separatista dos farrapos, ainda que ndo exatamente com a mesma regionalizacio de Bento Gongalves. Outras regionalizagdes contempordneas, mas com fortes raizes na histéria, séo aquelas realizadas a partir do rio da Prata. Regiéo Platina (SCHEIDT, 2006), Espaco Platino ou Prata (PANITZ, 2010) sao exemplos de que os elementos identitérios dos chamados paises do Prata (Argentina e Uruguai) cruzam a fronteira e chegam 20 Brasil, mais especificamente 20 Rio Grande do Sul, com destaque para a centralidade de importantes cidades na rede urbana regional: Buenos Aires, Montevidéu ¢ Porto Alegre. As supracitadas expresses Es- tética do Frio e Templadismo, bem como a vertente neogaucha da identidade sécio-espacial, se valem desta regionalizacéo a partir do rio que separa Argentina de Uruguai. [As regionalizacées demonstram que os conceitos, e mais especificamente 0 conceito de regio, pode se apresentar como: um constructo intelectual de um pesquisador ou de um burocrata ou técnico de Estado com o intuito de melhor compreender o espaco geogrifico ou nele intervir - caso do MERCOSUL; ¢ um dado empitico, verificavel na realidade, ge~ ralmente oriundo dos habitantes ou de determinados grupos da regio, como se da com a regionalizacio de Bento Gongalves ou com o espago regional cantado pelos miisicos da Es- tética do Frio e do Templadismo, ainda que a expresso “espaco platino” seja uma construcéo intelectual de um pesquisador para o entendimento do fendmeno. No ambito dos estudos regionais, Haesbaert (2010: 119) propée analisar a regido con- siderando sua dupla filiagao: 0 campo material das coesdes funcionais, produzidas por su- jeitos hegeménicos, com agéo de longo alcance, como o Estado ¢ as grandes corporagées; ¢ © campo ideal das coesdes simbélicas, produzidas num jogo de tendéncias mais complexas, com participagao dos grupos subalternos, em suas formas de articulagao entre si e com os poderes instituidos. A partir do primeiro campo podemos identificar o Estado na forma dos Impérios portugués e espanhol, no periodo colonial, atuando na definicao de fronteiras esta- tais ¢ entregando grandes extens6es de terra a influentes lideres militares e amigos da Coroa, fatos fundamentais para o entendimento dos desdobramentos da identidade sécio-espacial gaucha, Jé.a partir do segundo campo, uma disputa simbélica entre elites regionais e grupos subalternizados se explicita a partir da submissio do gaucho ao estancieiro, ¢ se estende no conflito de classes patrio-peao, ainda que com variadas nuances, até os dias atuais, quando determinados grupos tentam desmitificar os discursos tradicionalistas sobre a regiéo e a identidade gauchas, principalmente no Rio Grande do Sul. ‘Ao nos referirmos 4 regido como categoria da pritica ou como fato, temos em mente uma evidéncia “real” ¢ passivel de ser objetivamente reconhecida, tratando-se de um proces- so vivido e construido pelos sujeitas sociais. Jé a regiao como categoria de anilise ou como 70 Enire-Lugar, Dourados, MS, ano 5, 0.9, 1. semestre de 2014 Universidade Federal da Grande Douredos artificio diz respeito a um instrumento, meio ou constructo moldado pelo intelectual ou pesquisador (HAESBAERT, 2010, p. 92-93). Além disso, Haesbaert (2010 ¢ 2014, p. 42) propée um tratamento da regio enquanto artefato, ou seja, um artificio de intervensao na realidade, moldado nao exatamente para o entendimento do que é a regiéo, mas para pro- jetar o que ela deveria ser. Pensando em se afastar de uma visio bindria ou mesmo dicotdmica, 0 autor debate a re- gido ndo como um simples recorte empitico, uma “categoria do real”, nem uma simples for- ma de interpretacio, mera “categoria de anilise”, acrescentando que todo método, enquanto “mediacao” ou “meio-acéo”, é uma forma de interpretar e de criar - fato e interpretac4o néo devem ser dissociados (HAESBAERT, 2010, p. 115-116). Nesse sentido, tém-se trés ques- tes fundamentais a respeito da regio e de uma indissociabilidade entre as duas categorias: regiio como produto-produtora da diferenciacio espacial; regido como produto-producora da globalizacao e fragmentacao; regio construida pela atuagao de diferentes sujeitos sociais em suas I6gicas zonal e reticular. O que estamos chamando de regio transnacional gaucha apresenta a ideia de trans- posigao das frontciras estatais através do termo mansnacional ¢ os elementos que compéem a identidade sécio-espacial gaucha como caracteristicas principais desta regionalizagéo. Tal regido remete apenas grosso modo a Argentina, Uruguai e Rio Grande do Sul, uma vez que a patag6nia argentina ¢ a regido colonial gaticha contribuem apenas epidermicamente com © desenvolvimento da identidade gaucha. Apesar de em um primeiro momento ser definida como um instrumento de andlise, a regido transnacional gaucha vém da experiéncia de vida do autor das presentes linhas. Os fatos de eu ser natural de Uruguaiana, cidade do Rio Gran- de do Sul situada na fronteira com a Argentina e com uma distincia relativamente pequena para o Uruguai, ter vivido 17 anos Id ¢ 5 anos em Porto Alegre, e atualmente residir no Rio de Janeiro, contribuem sem diivida para a construcio intelectual em questio. O que eu entendo por regiéo gaucha como evidéncia empirica ¢ parte fundamental do instrumento analitico em desenvolvimento. Exemplo disso sio reflexdes a respeito do préprio conceito de fronteira sofrendo um abalo em sua acepgio estadocéntrica. A diferenciacao entre fronteiras estatais ¢ ndo-estatais, ou “outras fronteiras’, se insere na construcéo da regido transnacional gaucha. Por fim, destaque-se que nosso instrumento analitico nao se limita a uma simples “érea de ocorréncia de uma identidade”, mas sim trata-se de uma regiéo onde se dé a mobilizacéo de clementos do universo valorativo gaucho por grupos de diferentes matizes politicas. Logo, a dimensio politica é privilegiada na construgao dessa diferenciacéo espacial. Entre-Lugar, Dourados, MS, ano 5, n.7, 1. semestre de 2014 n Universidade Federal da Grande Dourados BIBLIOGRAFIA ARCHETTI, E. O “gaucho”, o tango, primitivismo e poder na formagio da identidade nacional argentina. Mana. n.° 1. Vol. 9. Rio de Janeiro: PPGAS-Museu Nacional UFRJ, 2003. P. 9-29. CANCLINI, N. G. Gulturas hibridas: estratégias para entrar esair da modernidade. 4* edicio. Sio Paulo: Editora da Universidade de Sa0 Paulo, 2003 (1989). COELHO, L. A linha fria do horizonte, Video - Documentatio. 2013. COSTA, R. H. RS: Latifiindio e identidade regional. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988. GUTEREIND, I. A historiografia rio-grandense. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1992. GUTEREIND, I. e REICHEL, H. J. Fronteinas e guernas no Prata. Sao Paulo: Atual, 1995. . América platina e historiografia: histéria agrdria, imigragao e etnia, histéria polt- tica e mentalidades. Séo Leopoldo: PPGH, 199%6a. . As raizes historicas do Mercosul: a regio platina colonial. Sao Leopoldo: UNI- SINOS, 1996b. HAESBAERT, R. Regional-global: dilemas da regido e da regionalizagito na Geografia contem- pordnea, Rio de Janeito: Bertrand Brasil, 2010. . Viver no limite: territério e multiltransterritorialidade em tempos de in-seguranca e contengdo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014. HERNANDEZ, José. El gaucho Martin Fierro, Buenos Aires: Imprenta de La Pampa, 1872. . La vuelta de Martin Fierro, Buenos Aires: Libreria del Plata, 1879. HEUGEROT, C. Uruguay: identidad y nacién en construccién, In: Estudos Ibero-America- nos. n.° 2. Porto Alegre: PUCRS, 2007. P. 76-89. JACKS, N. Queréncia: cultura regional como mediagao simbélica. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1999. LESSA, L. C. B. Nativismo: um fendmeno social gasicho. Porto Alegre: L&:PM, 1985. PANITZ, L. M. Por uma Geografia da misica: 0 espaso geogrdfico da mitsica popular platina. Dissertagio. Programa de Pés-Graduagio em Geografia. 2010. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. PESAVENTO, S. J. A Revolusdo Farroupitha. Sio Paulo: Brasiliense, 1985. RAMIL, V. A estética do frio. Porto Alegre: Satolep, 2004. SCHAEFER, F. O excepcionalismo em Geografia: um estudo metodol6gico. Boletim de Geografia Teorética. 1°13, vol. 7. Rio Claro: Ageteo, 197 (1953). 2 Enire-Lugar, Dourados, MS, ano 5, 0.9, 1. semestre de 2014 Universidade Federal da Grande Dourados SCHEIDT, E. Debates historiogréficos acerca de representagées de nagao na Regio Platina. Revista eletrénica da Anphlac. n° 5. 2006. P. 1-26. SOUZA, M.L. Os conceitos fundamentais da pesquisa sécio-espacial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013. SILVA, J.M. Histéria regional da infimia: a historia dos negros farrapos e outras iniquidades brasileivas (ou: como se produzem os imagindrias). Porto Alegre: L&PM, 2010. VERISSIMO, Erico. O tempo eo vento. O continente (2 vols.). Porto Alegre: Globo, 1949. . O tempo e 0 vento. O retrato (2 vols.). Porto Alegre: Globo, 1951. O tempo ¢ 0 vento. O arquipélago (3 vols.). Porto Alegre: Globo, 1961. Entre-Lugar, Dourados, MS, ano 5, n.7, 1. semestre de 2014 B

Você também pode gostar