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Capitulo 1

Quando eu acordei naquele domingo, sentindo que tinha acabado de sair do coma
que eu mesmo me propus a entrar, e a brecha da cortina que propositalmente deixava
a claridade entrar no meu quarto as 10 e 35 da manhã. Certamente o silencio daquele
domingo me fez sentir uma sensação pós apocalipse, como um filme de terror onde
sobraram poucas pessoas no mundo.
Durante 25 anos os meus dias são sempre os mesmos, e prefiro contar a partir do
meu nascimento, não que eu lembre como eu nasci e quem foi o medico ou
enfermeiro que me entregou para minha mãe, mas estou dizendo que não tive como
outras garotas, uma família normal. Uma mãe com tempo suficiente para mim e
minhas irmãs, ou um pai dedicado que levasse minhas irmãs e eu para tomar sorvete
em um dia de sol escaldante aqui no Rio de Janeiro. Gostaria de deixar claro que não
odeio meus pais por esse pequeno detalhe ou por qualquer outro que um adulto da
minha idade pode usar como desculpa para não ser ligados aos seus pais. Mas entendo
perfeitamente que os meus pais tinham como obrigação sustentar a casa, já que não
podíamos ajudar naquela época – pequenas crianças, com pequenas mãos ajudando
em algo que não tem noção pra que realmente serve – atualmente vejo que meus pais
se dedicavam ao máximo para trazer conforto e comida para dentro de casa e
trouxeram no fim da tarde daqueles longos dias o que realmente conseguiam.
Falar de família me deixa claramente abalada e não, eu não perdi os meus pais, estão
bem vivos no interior do estado, com seus casamentos e vidas e eu fico feliz por isso.
Feliz o suficiente para lembrar das histórias e dias chuvosos que ficávamos em casa
vendo um programa qualquer naquela TV de tubo que foi nossa até os meus 19 anos
de idade, é bom lembrar da interferência que o liquidificador causava na TV
justamente no meu episódio favorito daquele passarinho azul com cabelo vermelho.
Os dias em que conseguíamos ser uma família completa era aos domingos, depois da
escola bíblica, depois do banho, depois de esquecer que tínhamos uma religião. Na
hora do almoço, depois da oração e depois dos cochilos pós almoço. Era exatamente
ali que conseguíamos ser uma família, eu, a Maya a Luiza meu pai e minha mãe. Era
exatamente três horas perfeitas de um domingo até voltar tudo novamente!
Relembrar isso ainda deitada na cama me fez perceber o quanto continuo tendo bons
motivos para entender meus pais, mas não bons motivos para entender onde eu
cheguei. Quando eu disse que a minha vida é a mesma a 25 anos, é por que não fiz
nada além de viver o mesmo círculo. Contar a minha história vai ser algo muito difícil,
lembrar dos detalhes e como sobrevivi até aqui, pode ser algo que vai te surpreender
ou apenas vai ser lido e esquecido. Eu até colocaria um aviso de “Cuidado, conteúdo
sensível”, mas acho que o inicio por si só já diz sobre isso.
O divórcio dos meus pais, queridos José e Ana foi um divisor de águas e, embora eu já
tenha visto em novelas o fim de um relacionamento, era novidade isso dentro da
minha família, com meus pais. Lembro claramente de quando eu cheguei da escolha
no meio da tarde e vi meu pai descendo as escadas de onde morávamos, estava de
roupa escura, uma calça jeans um pouco velha uma blusa preta de manga com uma
estampa e seu boné, parceiro de toda sua jornada, meio desbotado e com um pouco
de sujeira da semana. Era um dia molhado da chuva que teve mais cedo e meio
quente, as escadas ainda tinham pequenas poças de água e sei que estavam
escorregadias, o cheiro da terra molhada e o barulho das árvores soavam no meu
ouvido de forma lenta e triste, a casa que era no segundo andar daquela vila, lá no fim
do corredor com muros manchados de lodo combinando com a cor verde claro da
parede que já não era pintada a alguns anos. Enquanto eu subia as escadas e via meu
pai de cabeça baixa pegando as malas e o frio que havia na sombra da escada passava
pelo meu braço direito eu tive a pequena sensação de estar vendo-o pela última vez.
- Está indo trabalhar pai? - perguntei de forma curiosa. Enquanto ele olhava para mim
com os olhos molhados de lagrimas e com uma feição de tristeza, eu tive a certeza que
não era para o trabalho que estava indo com aquelas malas.
- Não. O pai vai resolver umas coisas e depois volta! – disse tentando esconder a voz
um pouco embargada. – Te amo! – beijou a minha testa e desceu as escadas
escorregadias e geladas, segurando aquelas malas com sua cor desbotada de tanto
lavar e secar ao sol.
Olhar meu pai indo em direção ao infinito corredor daquela vila e sentir as cores do
ambiente se desbotando, me deu uma sensação de tristeza por alguns dias e junto os
seguintes questionamentos: por qual motivo meu pai foi embora? E quando ele vai
voltar?
Eu queria ter um bom diálogo com o meus pais, e entender toda aquela situação, da
mesma forma que eu adoraria entender o que eu senti naquele dia, então decidi
questionar a única pessoal responsável por isso, que estava sempre gritando e sempre
reclamando de tudo, Ana, a minha única mãe que graças a ela herdei todo estresse e
descontentamento com tudo que tenho hoje me dia.
- Por que meu pai foi embora? – disse seria olhando-a deitada na cama. – O que voce
fez pra ele ir embora assim, voce só briga com ele, sabia? - Ela me olhou seria por
alguns segundos e como quem não queria rodear aquele assunto disse em um tom de
chateação.
– Seu pai e eu terminamos, e não foi minha culpa Sofia, ok? – me olhou esperando
que eu confirmasse a informação.
- Até o meu pai se cansou de você e suas gritarias, do seu estresse. – disse com
lagrimas nos olhos. – Ninguém quer alguém insuportável para conviver. – Continuei.
- Acha que eu sou a culpada por seu pai ir embora, acha que eu tenho que aguentar o
seu pai fazendo o que ele fez comigo, por que a senhorita não aceita uma coisa que
não é voce quem decide? – Respondeu com uma voz mais alta.
Aquele momento queria gritar com ela, exigindo explicações do por que ela destruiu
um relacionamento de pai e filha com essa ideia de se separar. Eu culpei a minha mãe
por ela ser tão estressada e tão chata naquela época (claro que não houve mudança
relacionada ao estresse, e me questiono se ela em algum momento ela adoeceu por
causa disso), a ponto do meu pai se cansar e ir embora, não importa o quanto ela se
explicasse ou tentasse conversar foi sendo construído um muro entre ela e eu. Esse
muro impediu qualquer dialogo entre mãe e filha que pudesse existir, qualquer
sentimento livre de ambas as partes, qualquer segredo e qualquer confiança
necessária para um bom convívio.
- Te odeio! – Respondi chorando enquanto pensava em como eu adoraria não existir
mais e, enquanto tudo perdia o que vamos chamar aqui de brilho.
Ao longo da semana eu vivi um luto pelo termino dos meus pais e pela falta que ele
fazia, já que ele não ligava e muito menos mandava qualquer pessoa dizer que ele
estava bem e voltaria em breve. Eu esperei ansiosa pelos meu pai em casa e lembrar
das vezes que ele sentava ao meu lado no sofá da sala e tomávamos café da manhã
vendo qualquer desenho que passava na televisão e ele com um bom espirito de
criança rindo sem parar de uma cena boba que tinha acabado de passar ou do
inexplicável motivo que um gato tinha de correr atrás de um rato, como se isso
justificasse o motivo único da sua existência ali. A relação com meu pai no meu ponto
de vista era interessante e quase perfeita, e eu passei dias lembrando motivos que me
faziam querer meu pai ali por perto. E uma das coisas extremamente simples tirando
as manhãs vendo desenho, outro motivo era a sopa que ele fazia, em dias frios ou não,
ou qualquer comida que ele mesmo se impôs a fazer, como uma forma de colocar em
pratica seus dotes culinários. Enquanto cozinhava, fazendo caretas engraçadas ele
dizia informações que para ele era muito importante e, fazia parte da educação que
ele decidiu nos dar.
- Primeiro você coloca acebola e depois voce coloca a carne, entendeu? – nos
informando da forma exata em que ele assava a carne na panela de pressão. – Não
pode deixar de colocar o restante dos temperos, e tomate e cebola. – Continuou.
- Mas eu não gosto de cebola. – Respondi, com meus braços cruzados em cima da
mesa e o meu rosto sobre eles. – Não acho que deveria colocar tanta cebola também.
– Observando-o cortar toda a cebola dentro da panela.
- Se não gosta é só não comer, eu não vou deixar de colocar o que eu gosto no que eu
estou fazendo, só por sua causa, ou por causa das suas irmãs. – Ele acrescentou um
pouco de água a panela e colocou no fogo e logo em seguida fechou.
- O que o senhor vai fazer pai? – Disse a fofíssima Luiza, minha irmã caçula, única que
eu me sinto na obrigação de proteger e as vezes tirar do meu caminho, ela tinha uns 4
ou 5 anos na época se contar que temos uma diferença de 4 anos certinho.
- Vou fazer uma carne assada na panela de pressão. – disse o meu chefe de cozinha
favorito, em uma pequena guerra com aquela tampa da panela de pressão. – Pronto,
agora só esperar pegar pressão e depois de 40 minutos está pronto. – Senti seu alivio
enquanto passava essas instruções.
Luiza é sem dúvida a filha favorita, por ser a caçula de 3 filhas e porque ela é uma
gracinha. Cabelos cacheados como se tivessem enrolado mecha por mecha nos dedos,
sua pele é linda e da cor de uma sardônica brilhante e única. As suas pequenas mãos
era a coisa mais fofa que já existiu e sua curiosidade me deixava em alerta, para que
não fosse tirada de um bom destino. Ela nasceu tão parecida comigo e eu tenho provas
disso, até hoje entramos em um longo dialogo de quem é a bebe de macacão branco e
detalhes coloridos no colo do nosso pai.
- Sofia sabe abaixar o fogo? – Gritou meu pai do quintal, enquanto consertava algo,
para que não ficasse atoa. - Está ouvindo a panela, abaixe o fogo. – completou.
- Pronto! – Disse indo até ele, observar o que ele estava fazendo.
Essa lembrança é uma das que eu adoro, por ser simples como eu disse lá em cima e
por ser só uma lembrança de momentos e com poucos dialogo. A verdade é que eu e
meu pai temos poucos diálogos. Ele sempre foi na dele, e só falava quando decidia dar
uma bronca, rir ou ensinar algo. E caso tivesse uma história bem engraçada, que para
ele era muito engraçada.
O que me fez amar estar ali com ele, era justamente esse jeito dele, esse jeito oposto
dela. O silencio, a observação e o olhar dele pra qualquer coisa era diferente, bem
diferente. Já pensei em ser como ele, mas também imaginei ao longo da jornada até
aqui, nesse exato momento escrevendo esse livro que, meu pai poderia guardar
muitos segredos. E quem não tem segredos né? O problema de segredos é que ou eles
são revelados ou acabam nos matando. E até isso acontecer vivemos um infinito
sofrimento, então, embora eu amasse estar ali com meu pai eu pensava nos segredos
que ele e minha mãe poderiam ter guardado, no fundo da alma ou coração.

O divórcio entre meu pai e minha mãe foi justamente no início da minha pré-
adolescência onde tudo era novo e irritante, onde existia os meninos e as meninas
populares, o sonho de ser bonita e legal, e tinha eu, que não queria aquilo e sim, uma
guitarra, a mais sinistra que eu já vi é isso mesmo que voce leu, eu queria uma guitarra
preta com cordas de aço, claro! Queria dizer que a separação não me afetou, mas
infelizmente eu tive alguns problemas por causa disso.
Na época eu estudava em uma escola publica na cidade, a Escola Fundamental Júlio
Abreu II, estudava lá desde os meus 11 anos já tinha um grupo de amigos eu era a que
sempre andava devagar e ficava para trás. Eu juro que passei 4 dias pensando se ia
mesmo escrever isso ou se trocaria por algo como “foi uma ótima fase da minha vida, e
não tive pessoas ruins do meu lado”, mas pessoas tem segredos e não quero que essa
parte da minha vida se o meu segredo. Então eu coloco aqui um aviso com letras
enormes e brilhantes escrito “CUIDADO, PODE CONTER FRASES E DIALOGOS FORTES”,
só pra não dizer que eu não avisei.
Ao longo do período estudantil eu tive o mesmo grupo de amigos onde eram cinco 5
pessoas contando comigo (infelizmente), nesse grupo éramos eu a Helena, Junior,
Alice e a Rafa, os 5 de segunda a sexta junto, fazendo trabalhos em duplas ou trios,
trabalho voluntario, absolutamente tudo que a escola liberava em grupo estávamos
juntos. Mas eu considerava somente uma pessoa desse grupo meu melhor amigo,
Junior, o único menino do nosso grupo, que era piada no grupo dos garotos no fundo
da sala. Grupo esse que eu sempre quis participar, embora não existisse nada na vida
ou personalidade dele que me fez considerar ele meu melhor amigo eu apenas gostava
do jeito um pouco espontâneo dele.
Junior tinha cerca de 1,57 de altura, era magro pele morena de sol (mas nem tão
morena assim), porque adorava praia e queimar a pele enquanto ficava vulnerável a
raios UV. Olhos castanhos? Não lembro, mas lembro da cicatriz na sua sobrancelha
igual essa que os meninos e meninas usam hoje, só tinha 13 anos mais se achava um
galã. Filho caçula, sua irmã mais velha tinha uns 20 anos na época claro, então já não
morava mais com os pais, o que significa que Junior se tornou por direito, filho único e
deu a ele ótimos privilégios. Na escola ele era o amigo de todos e se gabava do que já
sabia como o suspeito inglês dele naquela época e, o quanto era fã de uma cantora
pop. Eu não gostava da sua personalidade e mania de diminuir algumas pessoas,
fazendo dele o mais engraçado da turma. Sua personalidade era marcada pelo mini
egocentrismo e deboche em algumas situações e admiração exagerada por si mesmo
na maioria das vezes.
- Oi gente. – disse ofegante, depois de ter saído correndo de casa para chegar a
tempo.
- Bom dia! – responderam em sequência quase que um coral.
- Trabalho de Geografia, já escolheram o tema? E quem vai fazer o que. – Disse Alice
meio sonolenta. – Fui dormir tarde, odeio estudar cedo. – Completou
- Podemos falar sobre o desmatamento. Só vamos precisar recortar e colar a Beatriz
escreve e a Sofia fala lá na frente. O que acham? – adicionou Helena, sobre o trabalho.
- Mas vamos fazer o trabalho em que lugar? – perguntei andando um pouco mais
rápido. – Minha mãe não está em casa durante a semana.
- Pode ser na minha casa o que acham? Minha mãe não vai ligar. – respondeu Junior.
– E eu tenho um computador, assim fica melhor de pesquisar né.
- Legal, pode ser. – helena concordou.
- Eu concordo! – respondeu Alice
- Eu vou falar com a minha mãe, mas por mim tudo bem. – Respondi meio sem
opinião a respeito daquilo. Enquanto andávamos, Rafa estava chegando e colocando
sua bicicleta no bicicletário dentro da escola, e íamos ate ela.
- Já decidimos onde vai ser feito o trabalho, no Junior, lá tem computador e não
quero ler livros, de verdade! – Disse Alice enquanto olha com uma cara de
desinteresse para Rafa.
- Não sei se minha mãe vai deixar. Ela não gosta que eu vá na casa dos outros. –
Respondeu a Rafa enquanto trancava sua bicicleta, recém comprada já que mudou de
endereço no ultimo mês. E tenho pra mim que a mãe dela que escolheu, já que era
vermelha e com uma cestinha preta.
- É só pra fazer um trabalho de escola, a mãe dele vai estar em casa sabia? – Alice
completou defendendo a ideia do local de trabalho.
- Eu vou falar com a minha mãe ta? – Informou Rafa.
- Qualquer coisa fazemos na escola. – completei a frase da Rafa.
- Por que voce e a Rafaela não podem sair, é só um trabalho. – Disse Junior cansado
desse assunto.
- Quando falar com sua mãe, manda mensagem. – Disse Helena indo em direção a
sala após ouvir o sinal da escola.

Eu convivi do início do fundamental até a sétima série com eles e quando eu percebi
que não me consideravam sua amiga eu já tinha repedido a sétima série do
fundamental. Então eu convivi com pessoas bem diferentes de mim e comigo de luto e
infeliz com a separação dos meus pais,

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