Você está na página 1de 94

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA - PROPGPQ


CURSO DE MESTRADO ACADÊMICO EM CUIDADOS
CLÍNICOS EM SAÚDE – CMACCLIS
DENISE TOMAZ AGUIAR

QUANDO SER MÃE DÓI: HISTÓRIA DE VIDA E SOFRIMENTO


PSÍQUICO NO PUERPÉRIO

FORTALEZA – CE
2011
DENISE TOMAZ AGUIAR

QUANDO SER MÃE DÓI: HISTÓRIA DE VIDA E SOFRIMENTO PSÍQUICO


NO PUERPÉRIO

Dissertação apresentado ao Curso de


Mestrado Acadêmico em Cuidados
Clínicos em Saúde - Área de
concentração: Enfermagem da UECE,
como requisito parcial para obtenção
de título de Mestre em Cuidados
Clínicos em Saúde

Orientadora: Prof(a) Dr(a) Lia Carneiro Silveira

FORTALEZA – CE
2011
A282q Aguiar, Denise Tomaz
Quando ser mãe dói: história de vida e sofrimento
psíquico no puerpério/ Denise Tomaz Aguiar –
Fortaleza, 2011.
98p.
Orientadora: Profª. Drª. Lia Carneiro Silveira
Dissertação (Mestrado Acadêmico em Cuidados
Clínicos em Saúde – Universidade Estadual do
Ceará, Centro de Ciências da Saúde).
1. Enfermagem. 2. Mulher. 3. Pós-parto. 4.
Sofrimento psíquico. I. Universidade Estadual do
Ceará, Centro de Ciências da Saúde.

CDD: 614
DENISE TOMAZ AGUIAR

QUANDO SER MÃE DÓI: HISTÓRIA DE VIDA E SOFRIMENTO PSÍQUICO


NO PUERPÉRIO

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Cuidados Clínicos em


Saúde - Área de concentração: Enfermagem, da Universidade Estadual do Ceará -
UECE, como requisito parcial para obtenção de título de Mestre em Cuidados Clínicos
em Saúde.
Aprovada em: 10 de janeiro de 2011

BANCA EXAMINADORA

______________________________________
Prof.ª Dra. Lia Carneiro Silveira (Orientadora)
Universidade Estadual do Ceará - UECE

______________________________________
Prof.ª Dra. Karla Correa Lima Miranda
Universidade Estadual do Ceará - UECE

______________________________________
Prof.ª Dra. Eliany Nazaré Oliveira
Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA
Ao Enyo:

Ninguém acreditou... Nem eu mesma... Mas você acreditou...


Não só acreditou como se uniu a mim no alcance dessa conquista.

Terminei mais uma batalha, não a primeira, não a última, apenas


mais uma como me ensinaste com sua própria vida.

A você... A nós... Ao nosso amor... A nossa história


AGRADECIMENTOS

“Se consegui ver mais longe, foi porque estive apoiado em


ombros de gigantes.” Isaac Newton

A Deus pela possibilidade da vida, por ter me guiado em todas as minhas decisões.

Agradecimento especial aos meus pais Candido e Maria José, pessoas dedicadas,
sempre respeitando minhas decisões, apoiando e ajudando sempre quando era
necessário, obrigada pela compreensão nos momentos de ausência, obrigada por
mesmo na distancia estarem sempre presentes. Sem vocês nada disso valeria à pena!

Agradecimento especial as minhas irmãs Daniele e Juliana, exemplos de ser humano


e de profissional de enfermagem, na qual sempre foram para mim espelhos, suportes,
guias. Minhas professoras, minhas companheiras, MINHAS GRANDES AMIGAS.
Obrigada pelo apoio, pelo suporte financeiro, pela torcida, pela compreensão nos
momentos de ausência, obrigada por mesmo na distancia estarem sempre presentes.

Agradecimento especial ao Enyo, namorado dedicado e companheiro, pelo auxílio que


sempre encontrei em seus braços e por mesmo nas adversidades me fazer crer que era
possível, me encorajando para prosseguir. Obrigada por me fazer ver a vida de um
jeito especial, obrigada pela atenção, pela colaboração, pelo incentivo, pela paciência.

Aos meus sobrinhos Gisele e Artur que mesmo antes de nascerem foram tão presentes
nesse período, servindo como exemplo de significação do processo de ser mãe.

A minha orientadora, Profª. Dra Lia Carneiro Silveira, pelo o acolhimento afetuoso
nas dificuldades, pela escuta paciente e orientação pontual, por ter me direcionado para
este estudo e ter operacionalizado junto comigo a sua construção, conduzindo este
estudo com competência.
A todos os colegas da 5º turma do CMACCLIS pelo feliz convívio durante esse
tempo. Vocês farão parte da minha história.

A Todos da secretaria do CMACCLIS, obrigada pela amizade, pela paciência, pelo


apoio, pelo respeito e pela dedicação.

A banca examinadora, profissionais competentes que se dispuseram a colaborar com


a riqueza de suas sugestões e pela disponibilidade do tempo dedicado a esse trabalho.

A mulher que com seu depoimento, contribuiu para a realização deste estudo, sendo
alvo de minha atenção, no qual não teria sido possível a realização desse estudo.

A minha madrinha Ana Maria e sua família por ter me acolhido em sua casa, por todo
apoio, amparo e atenção.

A minha prima-irmã Vilma e sua família pela torcida, apoio, conselhos e orações,
durante o percurso deste estudo.

A todos que fizeram parte do meu convívio no dia a dia e com empenho, entusiasmo,
bondade e disponibilidade contribuíram direta ou indiretamente, para que este estudo
se concretizasse.
Para onde vai a minha vida e quem a leva?
Porque eu faço sempre o que não queria?
Que destino contínuo se passa em mim na treva?
Que parte de mim, que eu desconheço, é que me guia?

Iansã
Voz: Maria Bethânia
Composição: Gilberto Gil e Caetano Veloso
RESUMO

A maternidade porta um aspecto enigmático abordado em diversos campos do saber como nas
artes ou na ciência. No entanto, não podemos afirmar que este enigma abra-se apenas para
experiências positivas, ela pode mesmo apresentar um lado sombrio e mobilizador de
angústia. Este estudo tem o objetivo de compreender como a vivencia da maternidade se
converte para a mulher/mãe em uma experiência de sofrimento psíquico. Para alcançar este
objetivo, buscamos identificar como a mulher interpreta a situação atual e qual o significado
de ser mãe e como isso se articula com sua historia de vida; Conhecer as percepções e as
redes de significado dessa mulher, como também seus valores, concepções, idéias e
referenciais simbólicos que organizam suas relações com o bebe, com o parceiro e com a
família, procurando perceber quais as possibilidades de articulação dos componentes
subjetivos da história de vida dessa mulher para a produção de um cuidado clínico que
considere o sujeito em sua singularidade. O estudo foi realizado no período de 2009 a 2011
numa unidade de saúde do município de Fortaleza, Ceará, e aborda a história de vida de uma
mulher que se apresenta em uma situação de sofrimento psíquico no pós-parto, que a
chamaremos de Flávia. A abordagem foi realizada através do método da história de vida por
meio da priorização da escuta dessa mulher, guiada pela pergunta “Conte-me sua historia de
vida”. Para análise da história utilizamos o ensaio metapsicológico defendido por Iribarry
(2003). O estudo amparou-se na resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde que
regulamenta pesquisas envolvendo seres humanos. O primeiro encontro com Flávia se deu por
indicação da enfermeira da unidade de saúde, o caso foi relatado através de uma cunhada de
Flávia que procurou a unidade de saúde, solicitando uma visita da equipe. O motivo era que
Flávia apresentava crises de choro, falta de ânimo, sem vontade de comer de banhar-se e com
muitos medos. Tivemos quatro encontros onde, a partir da escuta, pudemos delimitar em sua
história alguns núcleos de sentido como: as Relações amorosas; a Maternidade; o Parto, o
sangue e o medo. Percebemos que estes núcleos despontam em uma cadeia de significantes
que se articula em torno de uma repetição: aposta amorosa – decepção com essa escolha -
maternidade – risco de morte. Em seguida, buscamos no referencial psicanalítico o aporte
teórico necessário para construir o ensaio metapsicológico baseados nos núcleos apreendidos.
Mesmo não nos propondo a realizar uma intervenção clínica, percebemos no ultimo encontro
um ganho terapêutico pelo simples fato de ter alguém para endereçar o sofrimento, a angustia
e sua interface com sua história. Apostamos no fato de que, através da consideração da
dimensão do sujeito articulado ao seu desejo, podemos reinventar os espaços e ferramentas de
assistir àqueles que demandam nosso cuidado.

Palavras-chave: Sofrimento psíquico. Puerperio. Mulher. História de vida. Psicanálise.


ABSTRACT

Motherhood carries a puzzling aspect addressed in various disciplines such as arts or science.
However, we can not say that this puzzle is only open to positive experiences, she can even
have a dark side and mobilizer of anguish. This study aims to understand how the experiences
of motherhood becomes for the woman / mother in an experience of psychological distress.
To achieve this goal, we seek to identify how women interpret the current situation and what
is the meaning of motherhood and how it fits with their life stories, insights and know the
significance of networks of women, but also their values, concepts, ideas and symbolic
references that organize their relationships with the baby with her partner and family, trying to
understand what the possibilities for linking the subjective components of the life history of
this woman to produce a clinical care to consider the subject in its uniqueness . The study was
conducted from 2009 to 2011 in a health unit in Fortaleza, Ceará, and discusses the life story
of a woman who presents himself in a situation of psychological distress in the postpartum
period, which will call Flávia. The approach was performed using the method of the history of
life through the prioritization of listening to this woman, guided by the question "Tell me your
life story." To use the analysis of history advocated by Iribarry metapsychological essay
(2003). The study bolstered on the resolution 196/96 of the National Health Council to
regulate research involving human subjects. The first meeting took place with Flávia by
recommendation of the nurse health unit, the case was reported by a sister of Flávia who
sought health unit, prompting a team visit. The reason was that Flávia had crying spells,
hopelessness, unwilling to eat and bathe with many fears. We had four meetings where, from
listening, we delineate in its history some units of meaning such as: Love relations,
Motherhood, Childbirth, blood and fear. We noticed that these nuclei arise in a chain of
signifiers that are built around a repetition: bet loving - disappointed with this choice -
motherhood - the risk of death. Then we look at the psychoanalytical theoretical basis
required to build the metapsychological essay based on cores seized. Even if we do not
propose to do a clinical intervention, we realized at the last meeting a therapeutic gain by
simply having someone to address the suffering, grief and its interface with its history. We bet
on the fact that, by considering the size of the individual to articulate their desire, we can
reinvent the space and tools to assist those who require our care.

Keywords: Psychological distress. Puerperium. Women. Life history. Psychoanalysis.


SUMÁRIO

1 A MATERNIDADE E SEUS ENIGMAS..................................... ...............................


12
2 OS NOMES DA TRISTEZA NO PÓS-PARTO.............................................. 19
a) Baby – Blues...................................................................................................... 19
b) Psicoses Puerperais........................................................................................... 21
c) Depressão puerperal.......................................................................................... 21
2.1 A mulher/mãe e o sofrimento psíquico na ótica da ciência................................. 24
2.2 A psicanálise, a mulher/mãe e a clinica do sujeito: que sujeito é esse?............... 30

3 EIXO METODOLÓGICO................................................................................. 34
3.1 Procedimentos Metodológicos............................................................................ 38
a) Tipo de pesquisa e Abordagem........................................................................ . 38
b) Período, Cenário e Sujeito do Estudo............................................................... ............
38
c) Produção do texto, análise e construção do ensaio metapsicológico................. 40
d) Princípios Éticos do Estudo............................................................................... ...........
42

4 RESULTADO E DISCUSSÃO........................................................................ 44
4.1 Amor e Sangue: uma história de vida e sofrimento psíquico no pós-parto......... 44
4.2 Delimitação dos Núcleos de Sentido ................................................................... 53
4.3 Feminilidade, Amor, Maternidade: afinal, o que quer uma mulher? ................ 55

5 CONTRIBUIÇÕES PARA O CUIDADO CLÍNICO EM ENFERMAGEM. 68

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 80

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA................................................................. 85

APÊNDICE............................................................................................................... 87
APÊNDICE 1 - Termo de consentimento livre e esclarecido – TCLE................. 88

ANEXO........................................................................................................................ 89
ANEXO 1 – Parecer do comitê de ética da UECE de aprovação da pesquisa......... 90
1. A MATERNIDADE E SEUS ENIGMAS

“[...] a contingência do amor materno suscita uma terrível


angústia em todos nós. Incerteza insuportável que põe
novamente em questão nosso conceito de natureza”
Elisabeth Badinter

A vivência da maternidade muitas vezes é vista como algo naturalizado, um fato


corriqueiro que se dá de acordo com um instinto pré-programado, iniciando com a concepção
e finalizando com a feliz experiência de interação do par mãe/bebê. Entretanto, desde que
estamos imersos no mundo da linguagem, esta experiência está longe de ser algo da ordem do
natural. Nota-se que a experiência de ser mãe não é reproduzível, não segue parâmetros
instintivos, nem sempre acontece de forma alegre, nem sempre acontece de forma sofrida,
nem sempre ela acontece; mas irá se apresentar de forma singular e única para cada sujeito.

A maternidade tem um aspecto enigmático seja no âmbito do relato jornalístico, na


poesia, na construção mítica, ou na ciência; a experiência humana da procriação,
especialmente a vertente da relação entre a mulher e seu filho, é sempre descrita como um
precipitado extremo de paixões (ZUCCHI, 2000).

Diante dessas variadas concepções diante do fenômeno da maternidade o que parece é


que, continua difícil questionar o amor materno. A mãe permanece, em nossas representações,
identificada a Maria, símbolo do indefectível amor oblativo reportando a maternidade como
um tema sagrado. Porém, ao percorrer a história da maternidade, Badinter (1985) defende que
o “amor materno é um mito”. Não se encontra nenhuma conduta universal e necessária da
mãe. Ao contrário, constata-se a extrema variabilidade de seus sentimentos, segundo sua
cultura, ambições, sentimentos e desejos. Não se pode então fugir à conclusão de que o amor
materno é apenas um sentimento humano como outro qualquer. Esse sentimento pode existir
ou não existir; ser e desaparecer. Mostrar-se forte ou frágil. Não há uma lei universal nessa
matéria que escapa ao determinismo natural. O amor materno não é inerente às mulheres. É
“adicional”. (BADINTER, 1985)
12
Neste aspecto percebe-se que as pressões modeladoras da maternidade, tanto
biológicas quanto culturais, sofrerão as marcas distintivas do desejo inconsciente, as quais vão
caracterizar a particularidade das experiências subjetivas de cada mulher (ZUCCHI, 2000).

Não podemos afirmar que a maternidade traz em seu bojo apenas experiências
eminentemente positivas – sabemos que ela pode ter um lado sombrio e mobilizador de
profundas ansiedades. As produções acadêmicas de diferentes áreas retratam a pluralidade de
aspectos que envolvem a mulher e a maternidade. Dentre estes aspectos enfocaremos no
estudo os afetos de tristeza com os quais uma mãe pode se deparar após o nascimento do
filho. Isso que parece contraditório vem surgindo com grande prevalência nos fazendo refletir
porque um momento de alegria pode reverte-se em tristeza para essas mulheres que
apresentam sintomatologias depressivas no período puerperal.

Para Arrais (2005) a mãe no puerpério pode apresentar-se com um profundo


retraimento, necessidade de isolamento, principalmente se há uma quebra muito grande do
que se esperava, tanto em relação ao bebê idealizado, quanto a si própria enquanto figura
materna.

Pode-se supor que em todos os partos existe um grau de sofrimento na mulher, o qual
deriva de seu encontro com o bebê da realidade e lhe traz uma sensação de vazio e um
sentimento de perda, de algo que lhe pertencia e já não lhe pertence mais. Esse sentimento
pode ser vivenciado em graus diversos por diferentes mulheres ou, ainda pelo nascimento de
filhos diferentes na mesma mulher. Um denominador comum parece ser que, em todas as
mulheres, essa perda exige um intenso trabalho de luto e de elaboração decorrente da presença
do bebê da realidade e da ausência do bebê imaginário (FOLINO, 2008)

As tentativas de explicar o que acontece nesse encontro triste vão variar dependendo
do ângulo onde nos situamos. Para a ciência trata-se de uma patologia, que precisa ser curada,
eliminada. Conceituada dessa forma as divesas formas de nomear o sofrimento como a
depressão, é um rótulo diagnóstico, onde o sofrimento é medicalizado, ou seja, é um termo
cujo significado é uma doença que acomete o indivíduo e que por isso deve ser eliminada.
Triste destino, transformar a dor da perda em uma enfermidade a ser tratada por remédios.

A psicanálise surge como uma outra forma de abordar aquilo que o homem afirma
fazê-lo sofrer. A queixa subjetiva não é tomada com algo a ser eliminado, mas como enigma a
ser decifrado. Esse sofrimento esta ancorado com algo da historia do sujeito que se articula na
13
forma como ele conta sua dor. A psicanálise considera que existe um saber que se articula na
elaboração do sintoma. Saber não sabido pelo eu, pois trata-se de um saber inconsciente.

A psicanálise se dedica a decifrar a posição do sujeito do inconsciente e com ele opera.


Onde está o sujeito, é o que devemos nos perguntar diante de uma mãe deprimida. Pois nada
"nos autoriza a estabelecer relações redutoras entre um estado depressivo do sujeito e a
química cerebral."(INFANTE, 2001)

Para a Psicanálise, qualquer forma de nomear o sofrimento como a depressão não


constitui um diagnóstico mas um termo genérico, abusivamente utilizado nos dias de hoje,
para nomear estados depressivos diversos. Todos os estados depressivos, aí incluídos a
tristeza das mães, apresentam uma história subjetiva precisa, que demanda ser escutada. Os
quadros psicopatológicos clássicos do pós - parto aqui descritos, remetem para as perdas
implicadas no trabalho de ressignificação que se processa, a vários níveis, durante a gestação
e o parto.

Neste discurso o estudo do tema tem se tornado importante a partir da constatação do


crescente número de casos de sofrimento psiquico no periodo pós-parto. (CATÃO, 2002).
Alguns profissionais falam já em problema de saúde pública. Diante desta situação cabe
indagar: trata-se de um aumento real do número de casos ou de nossa maior percepção sobre o
assunto, desde que passamos a considerar sua possibilidade?

Podemos supor que esse aumento verificado no aparecimento de estados depressivos


no pós- parto surge da tentativa de supressão feita nos nossos dias, e em nossas sociedades, de
toda e qualquer falta, de que decorre o fato de não haver lugar para a tristeza hoje. O parto,
visto insistentemente apenas pelo ângulo do ganho - de um bebê - escamoteia sua faceta
obrigatória de perda que, quanto mais escamoteada, mais retorna violentamente, sob o modo
da tristeza das mães. (CATÃO, 2002)

Compreende-se ser impossível uma padronização que classifique com características


delimitadas as mulheres com sintomatologias depressivas após o nascimento do filho. Para
estudar esse fenômeno deve-se ir além do corpo biológico possuidor de órgãos não se detendo
somente no aspecto orgânico na perspectiva hormonal e/ou fatores de risco, mas sim
apreender o sujeito com suas singularidades, possuidor de um inconsciente ancorado em seu
contexto histórico e em suas vivencias.

14
Para nos aproximarmos dessas singularidades, dessas mulheres que manifestam um
sentimento de tristeza após o nascimento do filho, apenas por meio da fala, da escuta tomada
no caso-a-caso. Conforme afirma Catão (2002) a escuta da tristeza materna, em lugar da
prescrição médica habitual, permite à mãe dar sentido, no contexto de sua história, àquela
gestação particular, único caminho possível de tornar a pôr em marcha o desejo aí implicado.
O sentido dado pela mãe a esta experiência revela-se então, por pior que ele seja, fundamental
enquanto baliza constitutiva da subjetividade futura da mãe e do bebê.

Diante da minha vivencia, enquanto acadêmica de enfermagem, na articulação do


grupo de pesquisa em saúde da mulher e das práticas hospitalares inseridas em maternidade,
me deparei com outra identidade „daquela‟ maternidade ideal, perfeita permeada somente por
bons momentos.

Conhecer mulheres que experenciaram a maternidade de forma depressiva, suscitou


uma serie de questões inquietantes: A identificação ao papel materno é “normal” do feminino
ou exige alguma construção específica do aparelho psíquico? Como um momento de festa
para a mulher e sua família se transformaria em um período depressivo para essa mulher?
Como pode acontecer essa reversão de um período de extrema alegria para um momento de
aterrorizante tristeza. Esse processo de alteração acontece no corpo orgânico dessa mulher ou
no psíquico? Como mesmo quando essa gravidez é esperada e planejada pode ser vivida com
estranhamento e, até mesmo, com sentimentos depressivos? Quais seriam os elementos
subjetivos envolvidos nesse estranhamento? Quais os reais sentimentos dessas mães? Se
deixássemos essa mãe falar por mais tempo o que ela falaria? Quais os desejos que perpassam
a psiquê dessas mulheres? Será que elas sabem o que realmente querem?Quais as
possibilidades de articulação dos componentes subjetivos da história de vida dessas mulheres
para a produção de um cuidado clínico que considere o sujeito em sua singularidade? Enfim
pensamos que não encontraremos respostas últimas para infinitos questionamentos, mas
acreditamos que eles nos fazem evoluir no olhar terapêutico.

Apresentou-se como uma difícil realidade a ser encarada para uma ainda acadêmica de
enfermagem com pensamento romântico da maternidade, da alegria do amor incondicional
que toda mãe tem pelo filho. Isso coube suscitar uma provocação em buscar compreender esse
fenômeno tão estranho e ao mesmo tempo tão freqüente.

15
Na inserção nos Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) notamos que a assistência ao
sofrimento psíquico da mãe se dá de forma objetiva que os profissionais da saúde julgam já
saber a evolução do quadro, caracterizando por uma assistência que se limita em identificar
sintomas adotados pela psiquiatria e os psicofármacos associados.

O que nos faz perceber que no puerpério a assistência a saúde, a produção do


conhecimento cientifico e a preocupação social se volta para a evolução do ciclo gravídico-
puerperal, na perspectiva antomofisiológica das alterações hormonal e para o cuidado ao
recém-nascido esquecendo-se da mulher como sujeito com sentimentos e desejos, com uma
historia de vida. Trata-se de uma psiquiatria clínico-biológica: prática hegemônica centrada na
busca pela cura por meio dos psicofármacos; apoiada nas decisões, conhecimentos e
prescrições médicas, tendo como modelo de atenção, o hospitalar e objeto de intervenção, a
doença.

Várias críticas já têm sido feitas a esse modelo. No campo das práticas “psi”,
principalmente no que diz respeito ao conceito de "doença mental" que passa a ser
desconstruído para dar lugar a uma nova forma de perceber estes fenômenos no âmbito da
"existência-sofrimento" do sujeito.

Essas discussões apontam para os paradoxos que se encontram na base de qualquer


possibilidade de abordar o sofrimento psíquico pelo viés da racionalidade científica. Percebe-
se que parece não ser possível abordar o sofrimento psíquico por meio da objetificação da
cientificidade, pois para existir a ciência estabelece uma relação que interioriza o sujeito á
custa da exteriorização do objeto, passando a tomar o sujeito como objeto de sua práxis. A
lógica dessa ciência aplica-se muito bem ao corpo tomado na sua extensão orgânica, mas
falha quando se trata de abordar o “intensivo”, o afeto, o desejo e tudo aquilo que está em
jogo quando se trata do sofrimento psíquico.

A opção de estudar a subjetividade, os desejos e os sentimentos de mulheres iniciou ao


discutir que, algumas mulheres que apresentam sofrimento psíquico no pós-parto não teriam
nenhum „motivo‟ perante a ciência e perante a sociedade para gerar essa tristeza. Mulheres
bem casadas, com uma gravidez planejada, com bom apoio familiar, com boa condição
socioeconômica dentre outros fatores. Isso nos faz crer que algo além, desses aspectos que
geralmente são apontados em estudos científicos para caracterizar esse sofrimento, pode estar
presente no processo de ser e de constituir-se mãe.

16
Diante da aproximação com o sofrimento psíquico em mulheres que experienciam o
papel da maternidade percebemos os agravos que pode acarretar para mãe, para a criança e
para a família. Percebemos também que existem lacunas, tanto nas produções cientificas,
como nos serviços de assistência às mulheres, nos quais julgamos certa (in)visibilidade dessa
questão.

Neste sentido, acreditamos na possibilidade de encontrar outras vias para se pensar a


clínica, onde aquele que vem se queixar seja o efetivo sujeito, tomado não apenas na sua
dimensão de existência orgânica, mas, principalmente pelo viés do desconhecimento que o
atinge em sua relação com aquilo que o faz sofrer. Implica também em pensar possibilidades
de uma clínica não objetificadora, numa relação onde o especialista “sabe” acerca do que
atinge o sujeito. Trata-se, antes, de considerar uma prática que parta do princípio de um
deslocamento em relação ao saber. Ou seja, que reconheça que, se é possível algum saber,
este estará sempre do lado do sujeito, sujeito do inconsciente.

Partindo dessas inquietações nos perguntamos: quais as possibilidades de se abordar a


mulher/mãe em sofrimento psíquico, para além do modelo biomédico? Como pensar uma
prática clínica que, podendo ser desenvolvida nos serviços de saúde, escape à objetificação do
sujeito em quadros nosológicos, característica desses espaços?

A denominamos mulher/mãe foi adotada por acreditarmos que o processo da


maternidade perpassa também o constituir-se mulher desde a infância ate a atualidade, na
singularidade de cada caso nessas mulheres que sentem a dor psíquica no ser mulher/mãe.

Isso fez surgir uma (pré)ocupação na tentativa de compreender como se constitui o


processo de ser mãe e suas diversas dimensões e interfaces. Resultando na decisão de optar
por estudar a mulher com um enfoque que a retrate como um sujeito em um contexto e com
uma vivencia individualizada considerando sua subjetividade produzida em sua situação
histórico-cultural considerando essas mulheres como sujeito inserido na linguagem e,
portanto, dividido, um sujeito movido pela falta, com desejos que ela mesma desconhece, o
sujeito do inconsciente.

Assim pretende-se romper com a perspectiva cartesiana de considerar o sujeito como


aquele que comanda sua linguagem, o sujeito do conhecimento, e evocar a fala dessas
mulheres e seus significantes costurados na sua historia de vida. Cientes que o processo de

17
constituir-se mãe não se dá da mesma forma para todas, mas ancorada na singularidade de
cada historia e os significantes que foram abstraídos pelas mulheres.

Acreditando no pressuposto que o sofrimento psíquico na mulher no periodo puerperal


pode se apresentar independente de sua situação socioeconômico, de idade, da raça, das
condições anatomofisiológicas e hormonais, mas que esse sofrimento nas mães esta ancorado
na sua historia de vida, nas marcas dessa historia de vida e nos significantes que foram
costurados no decorrer dessa historia.

Nessa perspectiva, buscamos no estudo, por meio da escuta da historia de vida de uma
mulher, compreender como a vivencia da maternidade se converte para a mulher/mãe em uma
experiência de sofrimento psíquico. Para alcançar este objetivo, buscamos identificar como a
mulher interpreta a situação atual e qual o significado de ser mãe e como isso se articula com
sua historia de vida; Conhecer as percepções e as redes de significado dessa mulher, como
também seus valores, concepções, idéias e referenciais simbólicos que organizam suas
relações com o bebe, com o parceiro e com a família.

Por fim, procuraremos perceber quais as possibilidades de articulação dos


componentes subjetivos da história de vida dessa mulher para a produção de um cuidado
clínico que considere o sujeito em sua singularidade.

18
2. OS NOMES DA TRISTEZA NO PÓS-PARTO

“Cabe perguntar se tal estranheza se explicaria pela


pressão cultural em direção a uma “felicidade na
maternidade” como único modo possível da mulher viver a
gravidez quando desejada. Modo esse que impediria não só
a expressão, mas o próprio reconhecimento de qualquer
sentimento oposto.”
Marcia Zucchi

Neste eixo inicialmente, situaremos as várias formas e nomes que se tem dado na
literatura atual acerca da tristeza que acomete as mulheres no período puerperal,
posteriormente traremos uma discussão da abordagem científica literária existente em relação
a discussão da mulher/mãe e o sofrimento psíquico no pós-parto e para finalizar extrairemos
uma discussão do referencial teórico adotado para discussão.

Definimos este período com o inicio entre as duas primeiras horas após a saída da
placenta quando a puérpera deve estar hemodinamicamente equilibrada, sendo seu término
imprevisto, isso porque enquanto ela amamentar sofrerá modificações da gestação. Porém
didaticamente, o puerpério é dividido em imediato - que ocorre entre o 1º (primeiro) e o 10º
(décimo) dia; tardio - entre o 11º (décimo primeiro) e o 42º (quadragésimo segundo) dia; e
remoto - que se dá a partir do 43º (quadragésimo terceiro) dia (BRASIL, 2001).

a) Baby - Blues

Em torno do terceiro dia após o parto, a maioria das mulheres apresenta o que se
denomina Baby Blues. O aspecto lábil do blues é bastante conhecido pelas mães, e
caracteriza-se basicamente pelo sentimento de tristeza, crises de choro, emotividade
exacerbada, hipersensibilidade e labilidade. Podem ocorrer ansiedade, fadiga e preocupações
excessivas com a lactação e com a saúde do bebe. Pode haver distúrbios cognitivos leves,

19
como dificuldade de concentrar-se, dificuldade de raciocinar e problemas com a memória e o
choro fácil, mas não chegam a impedir a realização das tarefas pela mãe (ARRAIS, 2005)

Para o Ministério da Saúde o baby blues é a alteração emocional mais freqüente,


acometendo de 50 a 70% das puérperas. É definido como estado depressivo mais brando,
transitório, que aparece em geral no terceiro dia do pós-parto e tem duração aproximada de
duas semanas. Caracteriza-se por fragilidade, hiperemotividade, alterações de humor, falta de
confiança em si própria, sentimentos de incapacidade (BRASIL, 2005).

Essa freqüência nos faz acreditar que é algo comum, diríamos evolutivo e adaptativo,
fazendo parte deste momento de novas tarefas e novas relações para a mulher, como também
o equilíbrio dopaminérgico. Como também pode ser a representação do final de sua gravidez
psíquica, a mãe deixa de se relacionar com o bebe intra-útero para se permitir entra num
sistema interativo com o neonato

Em geral apresenta-se de forma muito passageiro (até o oitavo dia após o nascimento
do bebe) dificilmente será necessária a intervenção profissional, porém é relevante o apoio
familiar pra proporcionar descanso e segurança para a mãe e atenção aos seus desejos para
facilitar que ela própria descubra seu filho e as formas de interação com este filho.
(MORREIRA, 2003)

É fundamental esclarecer que a possibilidade de um blues puerperal evoluir para um


quadro de DPP propriamente, num escalonamento de gravidade, é tida como remota. Um caso
típico de DPP já se instala com características mais severas e intensas, apesar de comumente
estes quadros serem confundidos no inicio de suas manifestações, sendo distinguidos
posteriormente, pela manutenção e intensidade dos sintomas, para além das duas semanas
preconizadas para o blues puerperal. (ARRAIS, 2005)

Porém para Myczkowski (2009) é muito importante identificar mulheres que


apresentam esta ocorrência, pois destas apresentam um risco aumentado de desenvolver
quadros depressivos maiores no primeiro ano pós-parto. Dessa forma, uma observação
cuidadosa de sintomas durante o final da gravidez e pós-parto é necessária. Mulheres com
risco para tristeza pós-parto apresentam antecedentes de depressão ou bipolaridade, disforia
pré-menstrual, antecedentes familiares para depressão ou bipolaridade, apresentam em sua
história eventos de vida estressores recentes, ou circunstancias sociais de pobreza,
antecedentes de depressão ou ansiedade na gravidez, podem apresentar presença de ideações
20
pessimistas em relação as circunstâncias relacionadas à gravidez, ambivalência em relação à
gravidez, entre outras dificuldades emocionais.

b) Psicoses puerperais

Os quadros psicóticos no puerperio são mais raros e mais graves que os de DPP,
apresentando uma incidência de um a dois casos por mil partos realizados. Acometendo cerca
de 5% das mães. (ARRAIS, 2005)

O mesmo autor pontua que a puérpera com estes distúrbios apresentam alterações no
humor, na percepção da realidade, idéias delirantes, alucinações, alterações de ordem
cognitiva rejeição do bebe como se este fosse seu inimigo, com risco para o infanticídio ou
outras formas de ataque e agressão ao bebê.

Na sua maioria as mulheres que são acometidas pela psicose puerperal já apresentaram
quadros psicóticos importantes anteriores à gravidez e ao parto. Esses distúrbios psicóticos
são perturbações graves com surgimento súbito de forma brusca Rocha (1999 apud ARRAIS,
2005).

A família observa condutas estranhas, diferentes, pouco comuns nos cuidados que a
mãe dispensa a si, ao seu bebe e às suas relações com comentários e comportamentos
inadequados, no qual necessita vigilância todo o tempo da família não necessitando o
afastamento do bebe só em caso de um agravamento nos sintomas, em caso de proteção para
ambos. (MOREIRA, 2003)

c) Depressão puerperal

A depressão pós-parto tem sua manifestação semelhante à depressão em geral,


caracteriza-se por um episodio depressivo não psicótico. È classificada assim sempre que
iniciado nos primeiros doze messes após o parto. Os sintomas variam quanto à maneira de
intensidade com que se manifestam, pois dependem do tipo de personalidade da puérpera, da
sua própria historia de vida, da sua predisposição natural, das circunstâncias de sua gravidez,
das condições do relacionamento com o companheiro, da situação financeira, bem como dos
aspectos fisiológicos e das mudanças bioquímicas que se processam logo após o parto. No
geral a mulher sente uma tristeza muito grande de caráter prolongado, com perda da auto-
21
estima, perda de motivação para a vida, sendo na maioria das vezes incapacitante. (ARRAIS,
2005)

Segundo o ministério da saúde a depressão pós-parto manifesta-se em 10 a 15% das


puérperas, e os sintomas associados incluem perturbação do apetite, do sono, decréscimo de
energia, sentimento de desvalia ou culpa excessiva, pensamentos recorrentes de morte e
ideação suicida, sentimento de inadequação e rejeição ao bebê. (BRASIL, 2005)

A depressão pós-parto inclui desde quadro transitório benigno até situações graves que
podem culminar em prejuízos irreparáveis para a gestante, o feto e até ao companheiro. A
depressão puerperal acarreta atualmente inúmeros transtornos a família e as instituições
hospitalares, pois o quadro de depressão puerperal ainda é pouco reconhecido pelos
profissionais de saúde, ressaltando que intervenções simples e precisa são capazes de
melhorar a qualidade de vida dessas mães e de seus filhos. (SOUSA, 2008)

Na busca de identificar os casos e os fatores que desencadeiam o fenômeno, escalas de


investigação de sintomas depressivos específicas para esta população têm sido elaboradas
como, por exemplo, a Edinburgh Postnatal Depression Rating Scale e a Postpartum
Depressiono Checklist. Enquanto fatores desencadeantes da doença pós-parto permanecem
obscuros, existe uma preocupação em desenvolver campanhas de orientação e sensibilização
quanto a uma vulnerabilidade aumentada para o desenvolvimento de transtornos afetivos na
fase puerperal (MYCZKOWSKI, 2009).

Para Sousa (2008) a causa da depressão puerperal ainda é desconhecida, mas alguns
fatores são freqüentemente encontrados em historias de depressão pós-parto e considera que
os principais fatores responsáveis pela depressão puerperal são os biológicos, os sociais e os
psicológicos. Para explicar esses fatores a autora cita Lowdermilk; Fishel,(2002) ao afirmar
que em relação aos fatores biológicos, estes são resultantes da grande variação nos níveis de
hormônios sexuais (estrogênio e progesterona) circulantes e de uma alteração no metabolismo
das catecolaminas causando alteração no humor, podendo contribuir para a instalação do
quadro depressivo. Ao referir-se ao fator social considera que seja uma hipótese para o
surgimento do quadro o estresse, a rotulagem e o modelo feminista, acrescenta que os baixos
níveis de gratificação social, de suporte e de controle no trabalho e no papel pai /mãe estão
também relacionados. No fator psicológico o mesmo considera ser originário de sentimentos
conflituosos da mulher, como dificuldade de adaptação ao papel de mãe, dificuldades no

22
relacionamento com o parceiro, problemas financeiros e fatores relacionados às condições do
parto.

Para Arrais, (2005) a explicitação biológica, por si só, não tem sido suficiente para
justificar o acometimento da DPP. Se considerarmos que todas as mulheres apresentam essas
alterações hormonais, tanto na gravidez quanto no parto, mas apenas cerca de 20% delas vão
apresentar os sintomas depressivos após o parto, podemos pensar que outros fatores estão
envolvidos nesta problemática, e que eles vêm sendo negligenciados na literatura médica da
área.

Concordamos com Azevedo e Arrais (2006) ao acreditarem que a mulher com


depressão pós-parto estaria expressando seu choque e desapontamento em não sentir toda
emoção e felicidade, normalmente mostrada nos filmes, nos livros, nas igrejas, nas
brincadeiras de infância, nas propagandas de fraldas e de aleitamento materno e nas historias
das suas vizinhas e amigas. Os mesmos, defendem que temas como feminilidade,
transformações culturais no papel da mulher, o mito de mãe perfeita e a ambivalência do
papel de mãe, guardam estreita relação com possíveis causa da depressão após o parto. Ainda
acrescentam:

Não é por acaso que ser mãe na modernidade suscita sentimentos de culpa e
frustração e conflitos de identidade, afinal as mães estão habituadas a uma
cultura que proíbe a discussão plena da ambivalência materna, da
coexistência de sentimentos ambivalentes. O natural passa a ser sacrifício e o
amor irrestrito. (AZEVEDO E ARRAIS, 2006)

Em termos de entendimento psicodinâmico, o nascimento da criança representa o


rompimento da relação simbiótica entre o bebê e a mãe. Este processo de separação pode
desencadear na mãe vivências depressivas e psicóticas, reativadas por conflitos e lutos mal-
elaborados da infância. A etapa do puerpério é caracterizada pela dualidade entre a situação
do perdido, gravidez, e do adquirido, o bebê (ALT e BENETTI, 2008).

No inconsciente, o parto é vivido como uma grande perda para a mãe, muito mais do
que o nascimento de um filho. Ao longo dos meses de gestação ele foi sentido como apenas
seu, como parte integrante de si mesma. A mulher emerge da situação de parto num estado de
total confusão, como se lhe tivessem arrancado algo muito valioso ou como se ela tivesse
perdido partes importantes de si mesma. Tanto quanto na morte, no nascimento também
ocorre uma separação corporal definitiva. Este é o significado mais angustiante do parto, que

23
se não for bem elaborado, pode trazer uma depressão muito intensa à puérpera: o parto é vida
e também é morte. (SILVA et al, 2003)

2.1 A mulher/mãe e o sofrimento psíquico na ótica da ciência

Essa tristeza/sofrimento vista pelo olhar da ciência (modelo cientifico) vai muitas
vezes deturpar e destoar a verdade (o real motivo) que esta intrínseca ao sujeito e suas
questões. Isso, porque o solo filosófico que dá origem a definição de ciência moderna, baseia-
se, principalmente, no paradigma cartesiano do cogito ergo sum - „Penso, logo existo‟ - no
qual o sujeito é caracterizado como aquele da consciência, do pensamento, o qual procura a
verdade na razão lógica dos fatos. Sendo o homem um ser de pensamento que pode através
da aplicação rigorosa do método, alcançar a verdade.

A apropriação do discurso científico pelas ciências biomédicas se deu, principalmente,


enraizados no corpo de conhecimento das disciplinas da anatomia e da fisiologia, delimitando
como seu objeto de trabalho o corpo orgânico. A clínica anátomo-patológica, conforme
apresentada por Foucault, no “Nascimento da Clínica”

Na experiência anátomo-clínica, o olho médico deve ver o mal expor-se e


dispor-se diante dele à medida que penetra no corpo, avança por entre seus
volumes, contorna ou levanta as massas e desce em sua profundidade. A
doença não é mais um feixe de características disseminadas pela superfície
do corpo e ligadas entre si por concomitâncias e sucessões estatísticas
observáveis; é um conjunto de formas e deformações, figuras, acidentes,
elementos deslocados, destruídos ou modificados que se encadeiam uns com
os outros, segundo uma geografia que se pode seguir passo a passo. Não é
mais uma espécie patológica inserindo-se no corpo, onde é possível; é o
próprio corpo tornando-se doente (FOUCAULT, 2004).

Na mesma obra Foucault mostra algumas características dessa forma de pensar a


clínica: o sujeito é objetificado na sua condição de doente, o silêncio do cadáver passa a ser
mais instrutivo que a fala do paciente. Além disso, o local privilegiado dessa clínica é o
hospital e seu principal ator é o medico, com o papel de descobrir a doença no corpo do
doente.

Esse modelo prosperou fortemente em diversos ramos da medicina, mas trouxe


alguns problemas para aqueles onde a lesão anatômica não podia ser encontrada. Nesse último
grupo se encontram os fenômenos abordados pela psiquiatria, que têm como característica
principal o fato de serem predominantemente psíquicos, sem localização orgânica.
24
Para Simanke (2002) a elevação da investigação médica à categoria de ciência
ocasionou a impossibilidade de se considerar as subjetividades no processo de adoecimento.
Esse adoecimento classificado como uma doença que corresponde a uma lesão relacionada.
Na psiquiatria, devido a especificidade de seu objeto (a mente) não pode ser abordado como
orgânico e nem descrito na perspectiva científica. Neste discurso a psiquiatria se encontra em
um dilema, pois esse sistema, pautado no momento cartesiano, se mostra como uma condição
e ao mesmo tempo como obstáculo.

A opção por aproximar o sofrimento psíquico às patologias no modelo orgânico


levou à formulação de um modelo clínico-biológico: prática hegemônica centrada na busca
pela cura por meio dos psicofármacos; apoiada nas decisões, conhecimentos e prescrições
médicas, tendo como modelo de atenção, o hospitalar e objeto de intervenção, a doença.

Essa prática da medicina psiquiátrica centrada na medicalização do sofrimento


mascara a angustia e estabiliza as manifestações iniciais dos sintomas, mas foraclui a questão
do sujeito e impede que o mesmo elabore um saber sobre aquilo que o faz sofrer. Neste
contexto concordamos com Miles (1991, apud Vieira, 2002) quando afirma que medicalizar
significa transformar aspectos da vida cotidiana em objeto da medicina de forma a assegurar
conformidade ás normas social. Assim a prática de assistir o sujeito com sofrimento se fixa
em adequá-lo as normas e trazê-lo de volta a realidade por meio de saberes científicos que os
profissionais de saúde despejam nos sujeitos para ele junto com sua família aplique as
orientações metodicamente.

Percebe-se que essa abordagem ao sofrimento psíquico é pautada pela mesma noção
da racionalidade científica. Pressupõe um sujeito racional, capaz de dirigir conscientemente
suas ações rumo à superação daquilo que o aflige, e à busca da cura. Se ele se distancia do que
está regulado na norma social, basta receber as informações corretas, ser orientado
adequadamente, motivado corretamente ou ainda condicionado segundo uma norma para que
se aproxime dos objetivos pautados pelo profissional de saúde.

Este saber científico, hegemônico no campo da saúde, ainda predomina quando se


trata de definir políticas públicas. Embora tenha havido nas últimas décadas todo um
movimento de crítica ao modelo científico e o reconhecimento de sua limitação para lidar
com questões mais amplas e complexas como aquelas despertadas no campo da saúde
(pensamos aqui especificamente nas propostas de organização do Sistema Único de Saúde, do

25
Programa Saúde da Família e da Reforma Psiquiátrica Brasileira), percebemos que, na prática,
o que realmente acontece ainda está muito próximo das concepções positivistas e das ações
fragmentadas características do modelo biomédico.

Exemplo disso é a nova política do “Pacto pela Vida 2006” que na tentativa de uma
maior consolidação do SUS estabelece as seguintes prioridades:

Saúde do idoso; câncer de colo de útero e de mama; mortalidade infantil e


materna; doenças emergentes e endemias, com ênfase na dengue,
hanseníase, tuberculose, malária e influenza; promoção da saúde e atenção
básica à saúde. (BRASIL, 2006)
Na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM) com sua nova
reformulação em 2003 estabeleceu como prioridades:

 Promover a saúde sexual e reprodutiva das mulheres e adolescentes;


 Prevenir e tratar os agravos decorrentes da violência doméstica e sexual;
 Reduzir a morbimortalidade por DST/AIDS na população feminina;
 Reduzir a morbimortalidade por câncer na população feminina;
 Ampliar e qualificar a atenção integral à saúde de grupos da população
feminina, ainda não considerados devidamente nas políticas públicas:
trabalhadoras rurais, mulheres negras, na menopausa e na terceira idade, com
deficiência, lésbicas, indígenas e presidiárias. Além disso, promover a saúde
mental das mulheres, com enfoque de gênero;
 Fortalecer a participação e o controle social. ( BRASIL, 2003)

O PAISM estabelece, ainda, em relação abordagem do ciclo gravídico puerperal, que


os objetivos da assistência centram-se em:

 Reduzir a mortalidade materna e neonatal,


 Ampliar a adesão ao PHPN (programa de humanização no pré-natal e
nascimento),
 Ampliar a realização de exames de rotina de pré-natal,
 Garantir a oferta de ácido fólico e sulfato ferroso para gestantes,
 Ampliar e qualificar o número de profissionais de saúde capacitados,
 Qualificar e humanizar a atenção à mulher em situação de abortamento;
 Expandir a rede de bancos de sangue
 Organizar rede de serviços de atenção obstétrica e neonatal e
 Reduzir cesariana. (BRASIL, 2004)

Uma análise dos enunciados acima nos permite deduzir a que “mulher” as políticas
atuais se referem e como esta mesma mulher é lá abordada. Tanto no Pacto pela Vida (onde
ela aparece nas ações de controle do câncer e de redução da mortalidade), quanto no texto que
subsidia o PAISM (que aborda ações voltadas para prevenção de agravos, redução da
26
morbimortalidade) o foco é voltado para a compreensão do organismo e do adoecimento
numa perspectiva de causa e efeito. Nesses textos a mulher aparece predominantemente como
corpo orgânico a preservar ou como agente de uma função reprodutiva durante a gravidez, ou
ainda como cuidadora de um recém-nascido, no puerpério.

Nas políticas publicas não é explicado a que sujeito eles estão se referindo o que
parece claro é que a mulher apreendida é pautada no modelo de Descartes do sujeito
cartesiano, o sujeito do conhecimento pautado na racionalidade objetiva, naturalizado,
indivisível e coerente entre a razão e afetos. Segundo Marcon (2007) esse ou outro conceito
de sujeito adotado, muda completamente a pratica clinica.

É certo que vemos delinear-se nesses textos uma proposta de abordagem da


subjetividade da mulher quando se referem, por exemplo, a necessidade de humanização das
ações, porém novamente surge o questionamento que subjetividade é essa que eles se
remetem. O que parece é que essa subjetividade se caracteriza como considerando o sujeito
como cidadãos, agentes, atores sociais, sujeitos centrados na consciência reflexiva cartesiana
na qual sujeito ou individuo e humano ou ser humano coincidem, pois o que define algo como
sujeito ou como humano é seu pensar (MARCON, 2007).

Diante disso, nestas políticas a mulher/mãe não é tomada com um sujeito em sua
singularidade. Não há espaço para o questionamento de suas inseguranças, daquilo que a faz
sofrer e as ações desenvolvidas pelos profissionais não dão suporte para o endereçamento da
angústia.

Geralmente, o início da abordagem a esta mulher se dá ainda no nível da atenção


básica. Lá o profissional que a recebe quase sempre se sente inseguro e se considera sem
saber como proceder diante daquilo que lhe é estranho: como uma mãe que deveria estar feliz
pelo nascimento do seu filho surge angustiada e sentindo-se incapaz de realizar suas
atividades de mãe? Como algo que deveria ser instintivo surge em forma de adoecimento?
Esse profissional sem saber lidar com esse estranhamento realiza imediatamente o
encaminhamento da mulher aos Centros de Atenção Psicossocial - CAPS.

Chegando ao CAPS, esta mulher encontra um serviço do qual se exige um saber-fazer


acerca do sofrimento psíquico. Desenvolve-se, então, uma assistência que geralmente parte de
um conhecimento prévio, pautado nas relações de causa-efeito. Seu objetivo será o de nomear
o mais rápido possível esse sintoma, rotulando-o com um diagnóstico médico (exigência
27
inclusive para que ela exista no serviço com um número de prontuário) para posteriormente
receber uma intervenção rápida e objetiva, muitas vezes com psicofármacos.

Os sintomas, que muito poderiam dizer de sua questão em relação à maternidade, são
reunidos sobre a rubrica dos “transtornos do humor” de forma homogeneizada. Mas, afinal,
será que podemos tomar da mesma forma questões tão diversas que escutamos na nossa
prática clínica como: “não consigo olhar para o bebê que começo a chorar. Não sei o que
fazer com ele, tenho medo de machucá-lo”; “estou muito sensível, de uma hora para a outra
começo a chorar”; “eu me sinto muito estranha com alguém mamando no meu seio”. Essas
questões apontam para um estranhamento em relação ao próprio corpo e à simbolização do
bebê recém-chegado. No entanto, geralmente não se abre um verdadeiro espaço para o
endereçamento da angústia e as ações se voltam para um tamponamento dessas questões
através da prescrição indiscriminada de benzodiazepínicos e antidepressivos.

Assim a medicina psiquiátrica, não acontece de forma diferente das outras áreas, que
usa o sintoma como algo dotado de sentido e que compete ao médico dar a sua significação e
decifrá-lo, o sintoma é tido como o que identifica uma disfunção fisiopatológica e deve ser
identificado para ser medicado e curado.

Outro discurso que podemos tomar para perceber como a mulher e seu sofrimento
psíquico vem sendo abordado no campo da saúde, é através da análise da produção científica
atual. Os estudos encontrados referentes a sentimentos depressivos no pós-parto apontam
predominantemente para preocupações relativas à busca de relações causais e de diagnóstico
rápidos (SANTOS et al, 2007), à procura de regularidades na ótica da prevalência. (COSTA
et al, 2007 ; CRUZ et al, 2005; RUSCHI et al, 2007; MORAES et al, 2006; PHILLIPS e
NASCEU, 2005). Muitos, ainda, tentam isolar fatores de risco em busca de determinantes que
possam caracterizar e padronizar o sofrimento dessas mulheres com questões objetivas como
socioeconomicas e dados demográficos (idade) (MORAES et al, 2006, RUSCHI et al, 2007)
, dados obstétricos (numero de filho, condições do parto) (CRUZ et al, 2005, RUSCHI et al,
2007; SCHWENGBER e PICCININI, 2003) dentre outros. No entanto o que se percebe é que
na maioria dos estudos a busca se tornou inconclusiva.

Em relação a prevalecia da depressão pós-parto houve bastante divergência entre os


estudos conforme ilustrado no quadro 01, no qual se percebe uma grande discrepância dos
dados encontrados, como também o que mostra a literatura mais antiga, de uma forma geral

28
encontra-se de 10 a 20% (SANTOS, 1995) nos instigando ao seguinte questionamento: será
que está aumentando os casos de depressão puerperal ou as mulheres estão com mais
assistências aumentando as notificações ou essas mulheres estão buscando mais os serviços?

Quadro 01: Prevalências da depressão pós-parto encontradas nos estudos, Brasil, 2009

Prevalência da depressão Estudos


pós-parto (%)
19,1 Moraes et al , 2006
37,1 Cruz et al , 2005
39,4 Ruschi et al, 2007
12,4 na primeira semana Costa et al, 2007
13,7 messes após o parto

Outro dado revelado nas produções científicas é a maior atenção dado a criança no
período puerperal, com os estudos com grande foco na repercussão desse fenômeno na
formação e desenvolvimento da criança (MOTTA et al 2005) e com o impacto do vinculo
mãe-bebê (SCHWENGBER E PICCININI 2003), comprometendo a amamentação
(HASSELMANN, 2008). Com lacunas na produção cientifica no que diz respeito a
mulher/mãe com sofrimento psíquico como sujeito com sentimentos e desejos.

Neste discurso o sujeito é suposto pela ciência para, no mesmo ato, ser dela excluído,
ou, mais exatamente, ser excluído do campo de operação da ciência. (ELIA, 2004) O que
torna claro que a técnica e o método das ciências biomédicas são incompatíveis com o sujeito
ao excluir suas dimensões subjetivas e singulares, ao excluir o saber do sujeito, ao objetificar
o que deveria ser subjetivado.

Existe um seqüestro da subjetividade cada vez em que o sujeito é desconsiderado em


todas as suas dimensões, colocado na condição de mecanismo de objeto manuseável e
mensurável como propõe a técnica e o método científico. Como pontua Miranda (1994)
“buscamos, exatamente o parentesco imaginário entre dois discursos aparentemente
dissociados: o cientifico, e o outro, aquele que rege os comportamentos, os medos e a
coragem das pessoas”

Diante dessas reflexões nos perguntamos sobre as possibilidades de uma prática


clínica que, podendo ser desenvolvida nos serviços de saúde, não esteja centrado nessa lógica
que toma a mulher como corpo orgânico e que a objetifica como espaço de intervenção do

29
especialista. Entendemos que a psicanálise pode vir em nosso auxílio, trazendo questões e
conceitos que podem contribuir com essa reflexão.

2.2 A mulher/mãe e a clinica do sujeito: que sujeito é esse?

Diante do que foi explanado no sub-tópico anterior, acreditamos que a ciência


confunde explicação com simplificação. Assim tornou-se um método, objetivo, atributo da
boa prática, o „recorte‟ mais definido, a resposta mais clara, a conclusão mais precisa.
Naturalizando os fenômenos humanos, excluindo-os de sua dimensão simbólica. Como
pontua Miranda (1994) “a ciência passou a acreditar-se neutra em face da história,
independente em face das paixões do sujeito. Solidificando a sua proposta de única produtora
de verdades”.

Em busca de romper essa perspectiva propõe-se ao invés do recorte, a abrangência, no


lugar do modelo reducionista, a complexidade. Cientes que o saber sobre o sujeito não está ao
alcance de todos, e não estará ao alcance de ninguém a não ser pela reintrodução de um
questionamento sobre o sujeito, sua história de vida, seus significantes. Essa forma de abordar
o sujeito implica em reconhecer que não lidamos apenas com necessidades bio-fisiológicas,
mas com a dimensão do desejo e no que ela implica de articulação com o Outro.

O exílio do pensamento em relação ao corpo: essa foi a operação efetuada pelo


chamado “momento cartesiano” onde o corpo, res extensa, pode ser tomado como objeto do
saber, sem que nenhum efeito de verdade retorne sobre o sujeito. O homem tem no “eu
penso” a garantia de sua existência e esta em nada depende do corpo. Como diz Descartes :
“De maneira que esse eu, ou seja, a alma, por causa da qual sou o que sou, é completamente
distinta do corpo e, também, que é mais fácil de conhecer do que ele, e, mesmo que este nada
fosse, ela não deixaria de ser tudo o que é.”(Descartes, 1637)

No entanto, apesar de toda a tradição científica erigida em torno do cogito cartesiano,


o corpo não para de colocar problemas, principalmente para a medicina que tentou fazer deste
saber científico o seu meio de acesso ao corpo.

A psicanálise, que também vai se interessar por essa relação mente-corpo é


contemporânea da ciência moderna. Ela nasce a partir da descoberta radical e inovadora de
Sigmund Freud de algo que fala no corpo e que não obedece às leis da consciência.

30
Entretanto, sua pesquisa vai se dá especificamente em torno daquilo que a medicina
descartava como fingimento ou encenação. Abordando as histéricas depararam-se com
paralisias que não obedeciam a estrutura anatômica dos nervos, cegueiras sem nenhuma
alteração dos olhos, partos consumados de ventres vazios. Além disso, encontrou nesse
mesmo terreno estranhas relações entre o corpo e o pensamento que estavam longe de um
paralelismo: uma dor de cabeça excruciante surge após cruzar com um olhar penetrante olhar
de recriminação, uma paralisia no pescoço depois do encontro com um homem que vira a
cabeça das mulheres, pernas paralisadas em uma paciente que teme não poder sustentar-se
sozinha.

Freud decidiu, então, escutar essas mulheres e o que ele acabou descobrindo foi que
suas falas desvelavam outra racionalidade que, embora desconhecida por quem falava,
portava um sentido a respeito dos sintomas e da própria verdade do sujeito. Trata-se da
descoberta do inconsciente (QUINET, 2000).

O que Freud percebeu, ao longo de sua investigação, foi que alguma coisa estranha
fazia com que essas mulheres sentissem coisas que não correspondiam ao saber da medicina.
Mas, ao contrário do que se pensava, elas não estavam fingindo, apenas desconheciam
completamente o porquê de seus sintomas. As pessoas que ele ouvia diziam: “isso” me
acontece, mas eu não sei por quê. Eu não sei de onde “isso” vem, está fora de mim, fora do
meu controle! Até hoje é assim que se apresenta na clínica o sujeito que sofre, inclusive, a
mãe que não entende porque se sente tão triste frente ao filho esperado com carinho.

Sua descoberta tem a ver, então, com esse “isso”, com esse algo que parece estranho,
mas ao mesmo tempo tão íntimo. Algo que não nos deixa em paz, está lá a todo momento:
fazendo repetir coisas, sempre em torno do mesmo; fazendo sintomas no corpo; falando por
nós, em nós, “como se fosse” um outro. Mais que isso, ele descobriu que esse “isso”, esse
“outro”, fala mesmo. A descoberta freudiana do inconsciente é a de que ele tem certas leis de
funcionamento e comporta o desejo, sobre o qual nem sempre o sujeito quer saber.

O desejo inconsciente é proibido, interditado, e, portanto, insuportável para o eu, para o


sujeito consciente. No entanto, o fato de não querermos saber, não faz com que ele
desapareça. Há algo lá querendo se realizar, fazendo pressão. Às vezes, essa pressão é enorme
e vaza na forma de angústia; às vezes fazemos algum sintoma, que tem por função satisfazer,
de alguma forma meio “torta”, esse desejo. E é no inconsciente que o sujeito porta um saber.

31
Embora não sabido pela consciência, é lá que se delineiam as trilhas por onde o sintoma foi
construído.

Algumas décadas depois, um psicanalista francês chamado Jacques Lacan vai


retomar a descoberta de Freud, mas desta vez fazendo uso da linguística estrutural. Assim, ele
vai afirmar que esse sujeito é, antes de tudo, um ser dividido pela linguagem. Nascemos em
um mundo de discurso que, antes mesmo de nascer, a criança já tem um lugar preparado,
preestabelecido no universo linguístico dos pais (QUINET, 2000).

Essa criança é esperada por um recorte significante pautada na linguagem em que o


sentido não é determinado pelo bebê, mas por outras pessoas, e com base na linguagem que
estes falam. Quando um bebê chora, os pais ou outras pessoas atribuem o sentido desse choro,
nomeando como frio, fome entre outros (FINK, 1998).

Porém, essa linguagem não diz tudo, sempre resta algo não nomeável, traumático.
Esse resto vai ser recalcado, exatamente por não poder ser dito, fundando assim a dimensão
do inconsciente. Esse inconsciente é constituído pela dimensão simbólica costurada por
cadeias de significantes que marcam a história do sujeito.

No entanto, o que esse axioma lacaniano parece anunciar é uma subversão desse
sujeito que, apesar de fundar a ciência, é por ela foracluido. O sujeito, como categoria do
pensamento moderno, nasce como sujeito do conhecimento (BICCA, 1997). No entanto, na
mesma operação em que a funda ele é excluído (ELIA, 2004). É este “sem-lugar” que a
psicanálise vai tomar como material de seu trabalho.

Essa concepção de sujeito permitiu abordar o inconsciente não apenas como o lugar
de destino de todas as experiências humanas vividas e que permanecem em lugares
inacessíveis da memória humana. O inconsciente porta um saber. Embora não sabido pela
consciência, é lá que se delineiam as trilhas por onde o sintoma foi construído.

Para alcançar o inconsciente é preciso escutar, ou seja, evocar a fala do sujeito, pois é
somente quando algo dessa fala fracassa, se engana e vacila que podemos ver surgir o sujeito
do inconsciente, aquele que realmente importa à psicanálise.

Uma escuta, que o profissional se desloque do seu lugar, de um saber pré-estabelecido


para privilegiar o saber do sujeito, em um processo de responsabilização do sujeito à medida
que acreditamos que cada um possui em si mesmo um saber acerca do que lhe atinge. Uma

32
escuta que abra espaço para que o próprio sujeito elabore as especificidades de sua situação,
de seu sofrimento. Não uma escuta que seja reduzido a uma coleta de informações do paciente
(ainda que preocupando-se com a dimensão subjetiva) tendo em vistas a construção de
subsídios para que o profissional de saúde possa intervir segundo suas intenções, geralmente
comprometidas com um ideal de saúde. Para problematizarmos esse conceito de escuta
recorremos ao referencial da clínica do sujeito por acreditarmos que ela nos possibilita pensar
a construção de uma prática que se desloca do foco na cura, passando para uma perspectiva de
desconstrução/reconstrução de sentidos, atrelada à ética da singularidade de cada caso.

Pois enquanto que para a ciência, um corpo doente é um corpo doente, não importando
o sexo, ou seja, a assistência se direciona a um ser “assexuado” (MIRANDA,1994). Freud
mostrou que a estruturação subjetiva (e a conseqüente divisão do sujeito) e a própria noção de
realidade (entendida como realidade psíquica) se dá a partir do encontro com a diferença
sexual. No jogo que vai se instalar a partir daí, ser homem ou ser mulher implica em
horizontes completamente diferentes.

No que diz respeito ao que faz sofrer a mãe, Freud nos deixou contribuições teóricas
relevantes, que nos permitem perceber que este sofrimento tem estreitas relações com a forma
como essa mulher vivenciou sua própria estruturação subjetiva. Sigamos no decorrer do
estudo suas formulações acerca da feminilidade e vejamos que contribuições podemos tirar
para abordar esse sofrimento que se relaciona ao nascimento de um filho.

33
3 EIXO METODOLÓGICO

“Não há evidência de insanidade maior do que fazer a


mesma coisa [...] do mesmo jeito e esperar resultados
diferentes.”
Albert Einstein

Diante das questões específicas que nosso referencial teórico nos coloca sobre o que é
ser mulher/mãe e da necessidade de um método que não “objetifique” os sujeitos de nosso
estudo, procuramos encontrar um referencial metodológico que possibilitasse a abordagem do
sujeito nas suas questões singulares e nas marcas de sua história. Sendo assim, optamos por
adotar o método de História de Vida para a produção dos dados.

A História de vida é considerada por Minayo (2008) no âmbito da pesquisa qualitativa


um poderoso instrumento para a descoberta a exploração e a avaliação de como as pessoas
compreende seu passado, vinculam sua experiência individual a seu contexto social,
interpretam-na e dão-lhes significado, a partir do momento presente.

O recurso ao método biográfico é uma perspectiva metodológica que foi largamente


empregada nos anos 1920 e 1930, pelos sociólogos da Escola de Chicago, animados com a
busca de alternativas à sociologia positivista. Após esse sucesso o método sofreu um colapso
súbito e radical. Somente por volta dos anos 1980 que o método passa a ser novamente
utilizado no campo da sociologia, dando ensejo a muitas discussões, sobretudo quanto aos
procedimentos e aspectos epistemológicos da abordagem. Ao referir a isso, o autor cita Daniel
Bertaux em Biography and society. The life history approach in the social sciences que
considera que os interessados em usar as histórias de vida “precisam afrontar esse colapso e
procurar suas causas subjacentes, que são tanto sociais como metodológicas, pois isto parece
lançar uma sombra sobre a sua viabilidade futura”.

34
O método de história de vida tem como conseqüência tirar o pesquisador de seu
pedestal de “dono do saber” e ouvir o que o sujeito tem a dizer sobre ele mesmo: o que ele
acredita que seja importante sobre sua vida. Nessa abordagem, o pesquisador respeita a
opinião do sujeito e acredita no que diz. Dessa forma, quem faz a avaliação não é somente o
pesquisador, o pesquisador e o sujeito se completam e modificam mutuamente em uma
relação dinâmica e dialética.

Através das narrativas de sua vida, o indivíduo se preenche de si mesmo, se obrigando


a organizar de modo coerente as lembranças desorganizadas e suas percepções imediatas: esta
reflexão do si faz emergir em sua narração todos os microeventos que pontuam a vida
cotidiana, do mesmo modo que as durações, provavelmente comuns aos grupos sociais, mas
que dentro da experiência individual contribuem para a construção social da realidade.

A história de vida pode ser a melhor abordagem para se compreender o processo de


socialização, a estrutura organizacional, o nascimento e o declínio de uma relação social e as
respostas situacionais a contingências cotidianas. Ressaltando que as narrativas de vida nunca
serão uma verdade sobre os fatos vividos, e sim, uma versão possível que lhes atribuem os
que vivenciaram os fatos. (MINAYO, 2008).

O método da História de Vida tem como principal característica a preocupação com o


vínculo entre pesquisador e sujeito. A questão da relação estabelecida, o sentido que o sujeito
dá para sua história e sua re-significação com condição do discurso ser uma ponte entre o
social e o individual, é pontuada como estratégias importantes do método (SILVA et al,
2007).

A intenção de estudar as mulheres e suas histórias de vida ampara-se, não preocupar-


se em como se deu factualmente a história dessas mulheres, mas sim, em como elas narram,
interpretam e significam os momentos dessa história. Na busca de compreender o fenômeno
da depressão pó-parto ancorado com as interpretações, com o significado que os sujeitos da
pesquisa dão ao real. Isso na perspectiva de intervenção, acreditando que o momento da
escuta e da fala dos sujeitos possam re-significar, montar as cadeias de significante da sua
historia. Pois Minayo (2008) afirma que: “A pessoa não conta sua vida, reflete sobre ela
enquanto a narra, buscando um fio condutor que lhe dê sentido, a partir do presente e
projetando o futuro.” Além disso, a aplicação do método da Historia de Vida não depende

35
apenas de uma técnica de coleta de informações. Precisa ser amparado por referenciais que
considerem a singularidade de cada caso.

O método da história de vida não segue uma construção de instrumento inicial que se
antecipe às questões do sujeito, pois considera que as intervenções só podem ser pensadas á
partir do próprio encontro. Dessa forma a psicanálise permite subsidiar teoricamente esse
posicionamento através do conceito de transferência e da noção de “a posteriori” em Freud

Aqui começamos a perceber alguma afinidades espistemológicas entre o método de


História de vida e o referencial teórico que embasa esse estudo, a psicanálise. Ambos se
interessam pela singularidade e pela forma como cada um vai poder dizer aquilo que o afeta.
A psicanálise, assim como o método de História de Vida, também se interessa pela forma
singular com que cada um é capaz de dizer sua experiência. No entanto, entendemos que o
método da História de Vida pode levar a caminhos diferentes dependendo do olhar que vai
guiar o pesquisador. Uma das possibilidades é tratar o texto obtido a partir da fala do
entrevistado como material a ser decifrado, a partir da realização de uma hermenêutica do
texto. Esta postura frente aos dados supõe que há algo “ a mais” naquilo que o entrevistado
diz e que o pesquisador é a lente que vai permitir esse significado oculto aparecer.

No nosso caso, não é disso que se trata. Apoiados na suposição do inconciente não nos
interessamos pelo significado oculto no discurso consciente. Não se trata de abordar a
História de Vida buscando interpretar o que foi dito. Nem tampouco classificar o conteúdo da
fala do entrevistado para atribuir-lhe significados. A partir do olhar psicanalítico,nos
interessamos por aquilo que está do lado do significante. Pois esse significante é que forma a
cadeia de significação no inconsciente e esse inconsciente escapa por forma de sintoma.

Permite reconhecer que esse sujeito que fala é marcado pela divisão que a linguagem
impõe a todo ser falante. Sendo assim, um discurso não porta apenas a dimensão do sentido,
mas, também, um saber inconsciente, um saber não sabido por aquele que fala, e por meio do
discurso do sujeito se utiliza dos significantes que lhe são próprios para dizer aquilo que lhe
acontece.

Seguindo a perspectiva psicanalítica de que é somente por meio da escuta do sujeito


que podemos ter acesso a ele (sujeito) em suas diversas dimensões, optamos pela priorização
da escuta dessa mulher de sua experiência vivida para identificar os marcos dessa história
seus significantes e como essa história foi sendo conduzida e interpretada por ela.
36
O texto elaborado à partir dessa escuta vai compor aquilo que Iribarry (2003) chama
de um “ensaio metapsicológico”. Um ensaio, segundo o autor, é algo que se aproxima do
campo da literatura, da ficção, portanto:

A ficção é o ponto de partida e o ponto de chegada do ensaísta. Entre os


dois pontos está a experiência. Mesmo que o objeto da experiência exija um
relevo fundamental, o sujeito não se retira da cena: ele mescla subjetividade
e objetividade em seu movimento. De sua implicação de sujeito, o autor da
experiência procura a vivência de algo concreto, mas repleto de fantasias,
às quais põe em diálogo com a alteridade. De sua implicação objetiva, o
autor da experiência busca uma aprendizagem com e a partir da vivência.
Por isso, o ensaio reúne o território da irracionalidade artística com o de
uma ciência organizada para a produção do conhecimento. Assim, o ensaio
implica liberdade de espírito. O espírito livre não sacrifica todas as
convicções em favor de uma única como faz a ciência; o prelúdio positivista
deseja afirmar a convicção de que o espírito científico não admite
convicções e sacrifica todas elas em favor desta. (IRIBARRY, 2003 p.129)

Percebemos aqui pontos que caracteriza esse tipo de abordagem:


 Não há neutralidade, o pesquisador participa como sujeito elaborando a sua
própria construção.
 O pesquisador não sacrifica todas as convicções a uma única verdade, como na
ciência.
 Não inclui em seus objetivos a necessidade de uma inferência generalizadora.
 Suas estratégias de análise de resultados não trabalham com o signo, mas sim
com o significante; identificar significantes cujo sentido assumem o caráter de
uma contribuição para o problema de pesquisa norteador da investigação.
 O ensaio rompe com a tradição cartesiana de impor um percurso de aquisição de
conhecimentos que vão dos mais simples aos mais complexos.
 O ensaísta não teme desafios, pois sabe que o simples é familiar; busca a
complexidade de um autor, de um tema, seja o que for. Não se preocupa em ater-
se a uma verdade factual.
 Não se apresenta como uma leitura pura e simples dos dados que vai fornecer
subsídios para a construção do ensaio metapsicológico, mas sim uma leitura que
se faz à luz de duas técnicas psicanalíticas de interpretação dos dados. São elas:
a leitura dirigida pela escuta e a transferência do pesquisador ao texto dos
participantes da pesquisa.

37
Por outro lado, o tipo específico de ensaio que desenvolvemos aqui, também não é
uma construção totalmente arbitrária, onde o pesquisador enxerga o que lhe convém. Nesse
ponto ele se fasta da criação literária, pois, seguindo a tradição freudiana, se situa como um
texto produtor de modelos conceituais (IRIBARRY,2003).

3.1 Procedimentos Metodológicos

a)Tipo de pesquisa e abordagem

Optamos pela abordagem qualitativa, pois busca o desvelar do fenômeno por si mesmo.
Minayo (2008) descreve a abordagem qualitativa como sendo um universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, que são profundos, não podendo ser
reduzidos à operacionalização de variáveis. Este método aprofunda-se no mundo dos
significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em
equações medias e estatísticas.

A pesquisa qualitativa considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o
sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito
que não pode ser traduzido em números, abrindo novos horizontes para compreensão holística
e levando a uma reflexão profunda. (GUALDA et al.,1995)

Vale ressaltar que o estudo ancora-se nas especificidades da pesquisa psicanalítica, que
ao contrario da pesquisa descritiva, há participação da subjetividade do pesquisador e trabalha
com a impossibilidade de previsão do inconsciente, assim não poderia jamais exigir uma
sistematização completa e exclusiva. A pesquisa psicanalítica é sempre uma apropriação do
autor que depois de pesquisar o método freudiano descobre um método seu, filiado a essa
vertente e o singulariza na realização de uma pesquisa. (IRIBARRY, 2003)

b) Período, Cenário e Sujeito do estudo

O estudo foi realizado em uma policlínica do município de Fortaleza-ce no período de


2009 a 2010. A escolha pelo local se deve ao fato de esta policlínica ter nascido com a
proposta de uma unidade – escola para os estudantes da Universidade Estadual do Ceará
(UECE), constituído como um anexo da UECE sendo campo de atividades de ensino,

38
pesquisa e extensão desta universidade. Ressaltando a boa interação e apoio das Agentes
Comunitárias de Saúde da área que abrange a Policlínica Nascente nas atividades de pesquisa
e extensão.

A Policlínica Nascente tem 2.500m2 de área total e 1.300m2 de espaço construído. A


unidade dispõe de 12 consultórios médicos, três odontológicos, salas para escovação,
nebulização, vacinação, nutrição, sala de observação de adulto e infantil, curativo, repouso,
expurgo e esterilização, um auditório com capacidade para 110 pessoas, farmácia, duas salas
de aula e dependências administrativas. A unidade conta ainda com banheiros diferenciados
para deficientes físicos, play-ground e praça de alimentação.

Em relação ao sujeito do estudo tivemos como idéia inicial no projeto abordar várias
mulheres no período do puerpério1 que apresentaram alguma queixa de sofrimento psíquico
após o nascimento do filho. Utilizando como critérios de inclusão: estar no puerpério, residir
nos arredores da Policlínica Nascente e aceitar participar do estudo por meio do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. Como critério de exclusão a impossibilidade de responder
à entrevista.

Porém ao entrar no campo tivemos dificuldades na identificação e contato com as


mulheres. Inicialmente realizamos reuniões com os Agentes Comunitários de Saúde, com
enfermeiros e com a coordenadora da unidade a fim de comunicar a nossa pesquisa e presença
dentro da unidade todas as manhas para identificação dos casos. Posteriormente iniciamos
visitas domiciliares e consultas puerperais com várias gestantes em busca de identificar algum
caso.

No período em que nos dispomos a coleta de dados na policlínica houve apenas três
casos identificados pela equipe com historia de sofrimento psíquico no pós-parto. Tivemos
contato com apenas dois casos, pois um deles não ficou o período puerperal na residência de
abrangência da policlínica abordada.

Desses dois casos acompanhados percebemos que em apenas uma história obtivemos
impressões transferenciais sobre o texto examinado como se faz necessário para proceder a
análise conforme defende Iribarry (2003), com isso optamos por abordar somente uma

1
Consideramos como puepério nesse estudo o início entre as duas primeiras horas após a saída da
placenta com o seu término imprevisto. Visto pelas alterações singulares de cada caso.

39
história. Confirmamos a idéia de abordar apenas uma história, ao identificar ser o suficiente
para suprir os objetivos do estudo e também pela condição de possibilidade de explorar mais a
teoria e os diversos aspectos envolvidos nessa história. Sendo o quantitativo de casos não uma
prioridade do estudo, mas sim o aprofundamento nas discussões do caso. Assim realizamos o
estudo com uma mulher, que nomeamos de Flávia, no qual tivemos quatro encontros em seu
domicílio.

c) Produção do texto, análise e construção do ensaio metapsicológico

Para não fugir o eixo do referencial no enfoque do discurso dos sujeitos de forma
particular e única, entendemos que adotar alguma técnica de analise que remetesse a
perspectiva de categorização temática, iria de encontro com o todo arcabouço teórico de
estudo. Como dissemos anteriormente, quando de trata da pesquisa psicanalítica, o que vai
interessar é a produção inconsciente, sustentada na cadeia significante, e não no significado
do texto.

Neste contexto optamos por realizar aquilo que Iribarry (2003) chama de uma leitura-
escuta. Segundo autor, a leitura-escuta é aquela onde o pesquisador psicanalítico vai
instrumentalizar sua transferência ao texto (composto pelo dado coletado) de modo que possa
identificar significantes já escandidos, demarcados pelo entrevistado, associado a um trabalho
de escansão de significantes que a legibilidade do texto permite, apoiada em uma concepção
teórica. A seguir, mostramos passo a passo como chegamos aos resultados deste estudo.

O primeiro passo, portanto, foi realizar o estabelecimento do texto, a partir da história


relatada pela entrevistada, obedecendo de forma rigorosa seu discurso, atendo-nos aos seus
significantes, incluindo todos os relatos pontuados nos encontros realizados. Sendo assim, o
estabelecimento do texto se iniciou com a realização de entrevistas semi-estruturadas
seguindo a proposta do método de História de Vida partindo da questão: Conte-me sua
história de vida. Procedemos a partir de uma única questão por concordarmos com Minayo
(2008) quando a autora afirma que “A entrevista aberta e não diretiva parece ser a melhor
forma de começar a interação visando à narrativa de vida.” A entrevista foi gravada e em
seguida transcrita, gerando um texto final.

40
A condução da entrevista se deu por meio de uma escuta atenta, não passiva, tomando
como foco a fala do sujeito „ao pé da letra‟ e nos significantes que esse sujeito costura em
seus discursos, não tendendo a avaliação ou julgamento de valor, explicações, consolo e
soluções rápidas as questões do sujeito. Além disso, foram as próprias questões da
entrevistada que guiaram o fio condutor da entrevista. Seguindo a indicação da associação
livre, pois nesse fluxo da associação livre, ou seja, permitindo o sujeito que fale o que ele
pensa que seja importante, que queira e deseje falar, os significantes próprios do sujeito vêem
a tona.

Tivemos quatro encontros no domicilio da participante para a produção dos dados, que
resultou em um bom contato e aproximação do sujeito e sua história. E diante da riqueza das
informações optamos por trabalhar com esta história em todo o estudo. De posse dos dados
coletados, convertemos o dado em texto e daí para os procedimentos de análise e
posteriormente para a produção do ensaio metapsicológico.

Procedemos à delimitação dos elementos significantes que comporão o ensaio


metapsicológico. Esses elementos são aqueles identificados, de modo semelhante à clínica:
nas falhas e tropeços, nos pontos de ênfase, nos pontos de repetição, destacando os
significantes que permeiam o discurso. Trata-se de colher aquilo que cai, ou seja, aquilo que
dá origem ao caso, guiados pelo conceito de Viganó (1999, p.51) sobre como trabalhar um
caso clínico. Este explica que caso em latim significa cadere, que quer dizer “cair, ir para
fora de uma regulação simbólica; encontro direto com o real”. Ou seja, ao apreender o
material bruto da historia, e refinar, algo cai, algo se decanta. Isso que decanta são as
questões do sujeito, e é isso que nos interessa, pois nos dá a possibilidade de identificar
estruturas psíquicas, elementos que se destacam e nos apontam para caminhos de
investigação.

Em seguida, realizamos um trabalho sistemático com os significantes que compõem


esse texto, efetuando uma escansão da cadeia escrita e introduzindo “pontos-de-estofo” nessa
cadeia. Segundo Lacan, o pontos-de-estofo é aquilo que permite com que uma cadeia
significante possa vira produzir sentido. Nesse estudo, partimos da identificação desses
pontos pra delimitar aquilo que chamamos de delimitação dos núcleos de sentido. Essa
demarcação é realizada através de um processo por meio do qual o pesquisador se dirige ao
dado de pesquisa situado pela fala do entrevistado e relaciona seus achados com a literatura

41
trabalhada. “Além disso, procura elaborar impressões que reúnem as suas expectativas diante
do problema de pesquisa e as impressões dos participantes que forneceram suas contribuições
na forma de dados coletados” (IRIBARRY, 2003)

Vale ressaltar que, aqui, não há manipulação dos signos (como na análise de conteúdo
e na análise do discurso), fica-se restrito ao domínio do significante e da abertura de sentidos
que lhe é característica. São os significantes introduzidos pela experiência do pesquisador
com o texto (embasado na literatura consultada) que irão oferecer novas significações, novos
sentidos para o dado coletado que, a partir daí, será transformado em texto.

Nesse estudo, chamamos a esse momento de “produção de núcleos de sentido” onde


buscamos extrair fragmentos do discurso que se destacam, construindo a rede de significantes
em sua relação com nossa questão de pesquisa (o sofrimento psíquico no pós-parto) e com o
referencial teórico consultado. Como afirma (IRIBARRY, 2003), aqui “a responsabilidade é
inteiramente do pesquisador psicanalítico e cada termo novo acrescentado ao texto e
divulgado pelo ensaio metapsicológico alarga o horizonte de compreensão e explicação da
temática investigada”

Finalmente, o pesquisador parte para a construção do ensaio metapsicológico onde


irá compor a parte de discussão dos dados, destacando os conceitos teóricos que o permeiam.
Segundo Iribarry (2003) o ensaio metapsicológico é uma construção que deve surgir a partir
da pesquisa realizada de modo que, futuramente, dela surjam artigos destinados a um público
anônimo. Tal texto, após ser divulgado e discutido com a comunidade acadêmica em geral,
suscitará no pesquisador uma série de idéias e modificações que o guiarão perante a produção
de artigos ou uma pesquisa em outro nível (no nosso caso, no doutorado)

Tendo em vista que este é um trabalho que tem como um de seus objetivos contribuir
para a produção de saberes acerca do cuidado clínico em enfermagem, buscamos num último
capítulo articular as discussões dos passos anteriores na perspectiva de extrair contribuições
para a assistência do profissional enfermeiro no momento de prestar o cuidado clínico.

d) Aspectos éticos do estudo

Incorporemos no estudo os quatro princípios da bioética: autonomia, beneficência, não-


maleficência e justiça, preconizados pela Resolução No 196/96 do Conselho Nacional de

42
Saúde, que contém diretrizes e normas regulamentadoras para pesquisa envolvendo seres
humanos, de forma direta ou indireta, individual ou coletiva, sejam elas realizadas por
quaisquer categorias profissionais, no campo biológico, psíquico, educacional, cultural ou
social, incluindo o manejo de informações e materiais (BRASIL, 1996).

A autonomia foi garantida ao sujeito, esclarecendo que tem liberdade de escolha de


participação nos distintos momentos, que a participação será voluntária e que a qualquer
momento pode se negar a responder a qualquer um dos questionamentos e desistir do estudo,
ficando esses termos evidenciados no consentimento livre e esclarecido.

O princípio da beneficência se refere a ponderação entre riscos e benefícios, tanto atuais


como potenciais, individuais ou coletivos, comprometendo-se com o máximo de benefícios, e
o mínimo de danos. A abordagem a mulher não apresentou riscos físicos e nem moral, uma
vez que não tem como objetivo realizar julgamento de valor. No que se refere à beneficência,
entendemos que a pesquisa foi benéfica, na medida em que o processo reflexivo advindo deste
estudo será de relevância para um novo enfoque das mulheres no período puerperal.

No que se refere ao princípio da não-maleficência garantimos que os danos previsíveis


foram evitados. Esclarecemos que esta pesquisa não prevê nenhum dano aos sujeitos, porém
se em algum momento existir constrangimento para algum dos sujeitos interromperemos este
momento.

Quanto ao princípio da justiça, este será alcançado na medida em que percebemos a


relevância social da pesquisa com vantagens significativas para o sujeito da pesquisa e
minimização do ônus para os sujeitos vulneráveis. Assegurando a fidedignidade dos
resultados.

E atendendo ainda aos requisitos da Resolução No 196/96 do Conselho Nacional de


Saúde, submetemos o projeto desta pesquisa, ao Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade estadual do Ceará – UECE, obtendo parecer favorável (ANEXO A).

43
4 ANÁLISE DOS DADOS E ELABORAÇÃO DO ENSAIO METAPSICOLÓGICO

“Daquilo que sabes conhecer e medir, é preciso que te


despeças, pelo menos por um tempo. Somente depois de
teres deixado a cidade verás a que altura suas torres se
elevam acima das casas”
Nietzsche

Nesse capítulo apresentaremos inicialmente no subtópico 4.1 - Amor e Sangue: uma


história de vida e sofrimento psíquico no pós-parto, o texto estabelecido a partir da história de
Flávia, descrevendo todos os momentos que ela nos relatou. Nesse primeiro espaço
priorizamos a utilização de suas falas na íntegra em todos os momentos pontuados e
significados por Flávia durante os encontros que tivemos.

A seguir, no subtópico 4.2- Delimitação dos Núcleos de Sentido, extrairemos da sua


história aquilo que chamamos de “núcleos de sentido”, ou seja, o que percebemos como
pontos norteadores que fazem a interface de sua historia de vida com o sofrimento psíquico no
pós-parto. Isso feito por meio dos significantes articulados por Flávia durante sua história e
seu momento atual.

Para finalizar faremos no subtópico 4.3- Feminilidade, Amor, Maternidade: afinal, o


que quer uma mulher? A relação da história de vida de Flávia e dos núcleos de sentidos com a
teoria de discussão adotada pelo estudo, elaborando o ensaio metapsicológico, ou seja, a
articulação da teoria psicanalítica na ótica freudiana.

4.1 Amor e Sangue: uma história de vida e sofrimento psíquico no pós-parto

Cheguei até Flávia por indicação da enfermeira da unidade de saúde que, sabendo dos
objetivos de minha pesquisa, pediu que eu lhe fizesse uma visita. Segundo a enfermeira, o
caso foi relatado através de uma cunhada de Flávia que procurou a policlínica nascente,
solicitando uma visita da equipe. O motivo era que Flávia apresentava crises de choro, falta de

44
ânimo, sem vontade de comer, de banhar-se e mostrava-se com muito medo. De posse dessas
informações, peguei o endereço com a enfermeira e me dirigi até sua residência.

Chegando lá, Flávia me pergunta se sou psicóloga da policlínica. Eu digo que não e
explico o motivo de estar ali. Por conta de uma pesquisa e também para um apoio ao serviço
da policlínica, a enfermeira da equipe passou o caso para que eu fizesse a visita, neste
momento lhe informo dos objetivos e do desenvolvimento da pesquisa. Pergunto se ela aceita
participar da pesquisa, ela diz que aceita, caso não tenha que ir à policlínica falar na frente de
muita gente. Explico como vai ser o contato novamente e ela assina o termo de
consentimento.

Chamou minha atenção o fato de que, nesse momento, Flavia quase não falava sobre
si, sua cunhada era quem tomava a palavra, Flávia, no entanto, ficava concordando e olhando
a cunhada falar:

eu já disse pra ela tirar isso da cabeça e que isso vai passar, é coisa que ela
coloca na cabeça dela. (...) eu disse que ela tem que ta boa, disposta para
cuidar do filho dela. (...) ela fala do meu irmão, mas é porque ele é assim
mesmo, é o jeito dele, ele é meio calado

Em meio à fala da cunhada, Flavia me diz que achava que estava assim (chorando) por
medo de ter que voltar para o hospital. Fico sabendo que sua saída do hospital foi através de
uma alta a pedido (mesmo tendo história de infecção puerperal), pois Flávia diz que ela e o
filho estavam bem e a médica não liberava por que faltava um exame.

Isso a remete a outro momento de sua vida, o primeiro parto que foi marcado por uma
experiência difícil. Por conta de uma hemorragia no pós-parto, teve que voltar para o hospital
e disse que isso lhe causou muito medo: medo de ficar internada, deixar de cuidar da casa e de
cuidar de seu marido. Voltaremos para esse fato posteriormente.

Ao indagar sobre sua história antes da gravidez Flávia diz que é a filha mais velha
dentre cinco irmãos (três homens e duas mulheres). Ela e sua irmã são gêmeas. Referia muita
proximidade com sua irmã gêmea, frisando que elas eram bem diferentes em relação a
personalidade e forma de agir. Afirma que sua mãe sofreu muito para criá-las, as condições
financeiras não era boa e o fato de serem gêmeas agravou a situação. A saída adotada pela
mãe foi recorrer à ajuda de uma irmã.

Flávia é reticente em relação à mãe, pouco ela aparece. No entanto, percebemos a


45
presença marcante da mãe para com Flávia em dois momentos, primeiro no momento que a
mãe ordena chamar a tia de mãe e segundo quando Flávia opta por deixar estudo e trabalho
para casar.

Minha mãe conta que quando teve a gente foi muito sofrida, ela quase que
não conseguia criar a gente, sempre fala que foi muito sofrida para criar
nós duas e que foi uma irmã dela que ajudou, e que era pra gente chamar de
mãe...Eu chamava ela de mãe. (...) Minha mãe disse para mim que não
presta mulher casar e ficar trabalhando ou estudando, ela disse que isso não
é certo. Ela disse você tem que escolher ou casamento ou estudo eu não
aconselho você a estudar e casar não, aí eu casei e parei os estudos e decidi
não trabalhar, mas toda vida eu tive vontade de trabalhar, ganhar meu
dinheiro.

Em relação ao pai, na história de Flávia, percebemos alguns trechos que apontam para
uma relação impotente, falhando em seu papel de pai.

Meu pai não conversava, era rígido não deixava eu sair, não queria vê a
gente em festa, ele não falava quase nada, era muito na dele.

Cita pouco sua relação com sua família e retoma a falar do marido, do casamento e da
suas escolhas. Flávia escolhe casar à trabalha ou estudar (estudou ate a oitava serie, parou os
estudos para casar), pontuando como um grande medo na adolescência a possibilidade de
separação e ter que voltar para a casa dos seus pais com os filhos.

Meu único medo quando era moça era eu pegar um homem ruim me deixar
com filho e eu ir morar com minha mãe e meu pai... eu deixei de estudar e
trabalhar para casar

Flavia e Roger eram “casados no cartório” há 13 anos. Quando se conheceram ela diz
que começou o relacionamento para esquecer o outro namorado. Ela não gostava de Roger,
mas considerava ele uma boa pessoa.

Casar mudou completamente a vida de Flavia, pois o marido não queria que ela saísse
de casa, Sempre teve vontade de trabalhar, porém o marido nunca permitiu.

queria impedir de eu ir até na minha mãe... Agora já nem saio mais de casa,
só saia para a casa da minha mãe, porque eu disse para ele que para a
minha mãe eu não deixo de ir

Referiu não ter amizades para conversar “hoje eu só converso e me abro para minha
sogra que eu falo as coisas do filho dela”. Completa que depois de casar e morar naquela rua
46
perdeu muito o contato com a irmã, pois o ex-marido da irmã mora na mesma rua que Flávia e
o atual marido não permite que a irmã vá à casa de Flávia. Como também o contato com a
mãe, pelo fato de avó materna ter dito um AVC e a mãe não poder sair de casa para não
deixar a sua avó só.

Ainda em relação ao seu casamento Flávia no inicio não queria engravidar, lista como
motivos o fato de ser muito nova e o medo de ser mãe e de não saber criar o filho.

logo que eu casei eu não quis ter filho...eu era muito nova, tinha medo de
não saber criar um filho.

Cerca de quatro anos depois, quando achou que era o momento de engravidar, pois
segundo ela “já estava mais velha”, parou de tomar os comprimidos, mas mesmo assim a
gravidez não veio, demorou ainda aproximadamente mais dois anos.

Eu me casei em 97 e não queria ter filho, passei quatro anos sem querer ter
filho, tomava comprimido, ai passei mais uns quase quatros anos sem
comprimido para poder pegar menino .

Seu parto foi cesárea de urgência, pois já estava passando dos nove messes, não sentia
contrações e apresentou história de pré-eclampsia. Refere que no momento do parto não teve
dores nem nenhum desconforto “No primeiro eu não senti uma dor na unha”.

Após alta hospitalar já em casa apresentou infecção puerperal – hemorragia. No início


do sangramento ela pensou que fosse normal, porém, depois aumentou muito e Flávia teve
que ser levada de casa para o hospital no corpo de bombeiros. Ao chegar no hospital ela
referia que chorava pedindo o médico para ter alta no mesmo dia.

Tava sentada ai eu senti um sangue saindo da cirurgia mas pensei que fosse
normal todo mundo viu minha cunhada elas disseram que era normal....ai
começou a aumentar, ai ela ligou para a ambulância, ai o pessoal da
ambulância disse que não ia consegui me tirar, e que eu não podia descer as
escadas, que eu ia sangrar muito e era arriscado eu morrer, eles disseram
que ia ligar para o corpo de bombeiros, ai o corpo de bombeiros veio, foi o
maior sacrifício do mundo para me colocar nessa maquina eu sei que mais
ou menos oito homens para me colocar e ainda meu sogro e meu marido
...eu fiquei muito inchada. [...] Ai cheguei no hospital dizendo que eu queria
ficar boa e que esses medico tirasse esse sangue de dentro de mim para eu ir
embora no mesmo dia, eu queria vir embora eu sabia que eu tinha que ficar.

De tanto ela insisti o médico fez uns procedimentos prescreveu uma medicação e
deixou ela voltar para casa, porém no outro dia o sangramento voltou em intensa quantidade,
47
voltou ao hospital e o médico então disse para ela que ela teria que ficar uns dias, voltou a
internar-se no hospital, e teve que parar de amamentar pelas medicações.

depois de eu insisti o medico disse que eu podia ir, mas quando foi no outro
dia sangue de novo, ai voltei, quando cheguei no hospital eles disseram não
agora você vai ter que ficar, ai fiquei três dias, tomei antibiótico parei de
sangrar ai vim embora.[...] Sinto muito medo de piorar de ter que voltar
para o hospital porque no outro filho voltei para o hospital sangrando muito
e tive que tomar muito antibiótico, e tive que parar de dar mama, o que eu
mais quero é dar mama po meus filho, como não pude dar para o outro vou
dar para esse, eu acho muito bonito dar de mamá.

Esse primeiro filho demonstra alimentar a felicidade do casal, pois ela refere a
assistência do marido com carinhos e cuidados com ela e com o filho, marcado por diversas
vezes em sua fala confrontando com o nascimento do seu segundo filho, que segundo ela, ele
estava sendo frio e distante: ...ele mudou muito; ...ele não era assim; ...ele era diferente, era
carinhoso; ...no começo, na primeira gravidez, ele era carinhoso e atencioso comigo.

Demonstra duvidas em relação a fidelidade do marido, ela se sente sozinha, ele


trabalha muito. E depois de cinco anos do seu primeiro filho, surge a decisão por uma nova
gravidez, mesmo indo contra a vontade do marido, que alegou dificuldades financeiras.
Perguntada o porquê dessa decisão, Flávia diz:

Esse eu parei por que eu quis, eu parei porque a cinco anos que eu tava
tomando comprimido tava sentindo umas dores, tava saindo muita
inflamação, eu vejo muita mulher que fica tomando comprimido e tem
mioma essas coisa, ai disse para o meu marido que queria, ele disse que por
ele, ele não queria mas já que tu quer eu não posso fazer nada.[...] parei em
junho quando foi em agosto eu peguei.

Surgem na fala de Flavia queixas que desde a gravidez Roger se mostrou mais frio
com ela. Não tinham mais relações sexuais, passava o dia todo fora de casa “dizendo ele que
tava trabalhando”. Flavia chega a suspeitar da existência de “outra”: ela diz:

ele mudou totalmente eu como mulher dele eu sei que ele mudou totalmente
eu não sei se ele tem outra, mas eu rezo se ele tiver eu não saber porque eu
não vão agüentar e vai ser sofrimento para mim para a mãe dele, pra
todos.[...] Um homem não vai ficar sem ter relação e eu que sou mulher é
que sei. Antes ele era calado, mas agora ele não ta só calado, ele ta
diferente.[...] A família dele, a irmã e a mãe disse que é o jeito dele, é
porque elas são família tem que defender, mas ele mudou muito depois da
gravidez desse ultimo, não sei se ele tem outra? Mas ele ta muito diferente
comigo desde quando eu tava com quatro messes que nos não tivemos mais
relação e isso é..... o que mais indica.[...]Ele só chega de noite, diz que ta
48
trabalhando, mas o trabalho dele é muito pesado, ainda bem que eu tenho
meus filhos, porque eu fico muito só.

E posteriormente reforça a características do marido

Ele (o marido) é muito calado, ignorante, ele é muito caladão mesmo, antes
a gente saia, hoje ele nem me leva mais para sair diz que o dinheiro ta
pouco, não chega para mim para dizer nada... Quando eu sai sentindo dor
(no segundo parto) ele num foi homem para fazer nada, nem uma pergunta,
ele é muito ignorante não conversa nada comigo, não me faz um carinho,
antes ele não era assim.[...] a mãe dele disse que é cansaço esstresse do
trabalho ai eu vou relevando os meus choro ele não vê porque ta
trabalhando mas ele fica sabendo mas não me diz nada

E diante das falas e angustias do marido ela muitas vezes buscava elogios e referia
com grande afinco a qualidade do marido.

... ele (o marido) nunca levantou a mão para dá em mim [...] ele (o
marido)sempre traz as coisas pra casa, nunca passamo fome, essa casinha é
dele que a mãe dele ajudou a fazer e ele tem um dinheirinho e um trabalho
fixo.

Ao falar da relação do marido com os filhos diz: “ele é louco por esses meninos
quando o primeiro adoeceu... pense!” Porém ao mesmo tempo afirma em relação ao
puerperio do segundo filho: “ele (o marido) passa, olha para ele (o bebe) e sai, não fala e
nem faz uma brincadeira”. E complementa o raciocínio se referindo a expectativa da
aparência do filho.

o menino é a cara dele eu até pensava que ele fosse parecer comigo que nem
o outro. A gente que carrega nove meses e sofre a gente quer que pareça
com a gente.

Voltando a gravidez do segundo filho refere:

eu chorei um pouco durante minha gravidez, porque meu marido tava muito
ignorante, as vezes eu arrancava rabo em casa, fazia briga grande, na
primeira gravidez ele era diferente.

Conta também que quando estava grávida, seu irmão bateu na mulher dele e abalou
muito ela, pois para ela bater é coisa que ela não admite, relata:

49
eu tava com quatro mês de grávida meu irmão teve um briga muito grande
com a mulher dele o filho dela chegou para mim assustado e disse teu irmão
ta batendo na minha mãe quando eu me levantei eu já tava toda me
tremendo e eu segurando ele e ele querendo bater nela eu senti muita raiva
e umas coisa ruim.

O parto, segundo ela, foi pior que o primeiro, “embora tenha sido parto normal”.

Meu corte foi muito profundo. O pessoal diz assim todo mundo tem parto
normal no outro dia não sente mais nada, meu pensamento era ter normal
para quando eu chegar eu já poder fazer minhas coisas, que nada, eu tive
normal que eu cheguei em casa que eu vi meu sofrimento, para me levantar
foi preciso chamar a vizinha mais minha mãe e minha cunhada, foi uma
semana que eu passei sem fazer nada eu tinha medo de sangrar, de ficar
tonta, de sentir alguma coisa. Eu pensava que ia ter normal e pronto no
outro dia eu tava boa. [...] Na hora do parto eu pensei que eu ia morrer, eu
pedi o medico para não me deixar eu morrer, sofri muito. O medico me deu
uma injeção de força, mesmo com a injeção de força faltou a força para
botar o menino pra fora, foi a doutora que teve que cortar e puxar, depois
me deu uns tremelique, depois ela foi me dizer que era pré-eclampsia e eu
nunca tive problema de pressão, mas na hora do parto a pressão aumentou
no primeiro foi assim e no segundo também. Esse parto foi muito pior todo
mundo dizia que parto normal era melhor, mas sofri mais.

Ao lembrar do atendimento dos profissionais de saúde no momento do parto, Flávia


diz:

Não sei se é porque eu gritava muito ou se é o normal delas (enfermeiras)


fazerem isso, eu sei que eu ficava sozinha lá e com muita dor, tinha medo de
ter o menino sozinha e ele morrer, elas não aceitam a pessoa ficar gritando.
Teve uma que disse deixe de grito senão elas vão lhe deixar sozinha. Aí
quando ia nascer veio um monte de doutor e enfermeiro.

Complementa que, mesmo depois que estava em casa sofreu muito e não conseguiu se
recuperar com facilidade:

fiquei mais de uma semana sem fazer nada eu tinha medo de sangrar, de
ficar tonta, de sentir alguma coisa, pensava que ia ter normal e pronto no
outro dia eu tava boa, todo mundo dizia que parto normal era melhor, mas
sofri mais, tanto no parto como em casa.

Refere que ao chegar em casa não conseguia fazer nada, sentia muito medo. Medo de
sangrar, de ter que voltar para o hospital, de o filho ficar doente. Sentia-se culpada por ter

50
solicitado para sair do hospital antes de receber alta. Com isso ela refere que aumentou seu
medo, medo de sentir-se “culpada por alguma coisa que pudesse acontecer”.

Nesse segundo filho, percebemos que o marido reage de forma diferente. O marido
não se interessa por ela, eles ficam morando em espaços separados, ela na casa da sogra (em
baixo) e ele em cima, parece que no segundo filho não acontece o que Flávia esperava, pois o
marido não demonstra o mesmo interesse com ela e com o filho como no primeiro. É o
momento que o sintoma aparece:

Mais é ruim nunca pensei que ia senti isso na minha vida, não queria saber
de banho, não queria comer, o menino chorava e eu não tinha gosto, meus
peitos ferido, sentindo muitas dores, deus me livre passar por isso de novo
na minha vida, só chorara de uma para outra eu começava a chorar e era o
dia todo assim.[...] eu não sei por que esse medo que eu senti. É horrível, de
uma hora para outra dar vontade de chorar. [...] Mas eu não sei por que
esse medo que eu senti é horrível de uma hora para outra dar vontade de
chorar. Eu com menino nos meus braços e eu não consegui dar mama eu
chorando minha vontade toda vida foi dar mama po meu filho, eu acho
muito bonito dar de mama, não tinha dado para o outro, pelos remédios,
queria dar para este.”

Refere que os sintomas permaneceram por cerca de três semanas e afirma que seus
filhos o ajudarão a melhorar, pontuou também, a leitura de uma oração, que fez durante a
noite com muita fé e atenção, que a curou, no outro dia não sentiu mais vontade de chorar.

Parei quando meus peito tava dolorido e senti uns calafrios no peito e
comecei a chorar e n quis mais comer e fiquei só chorando quando foi de
noite a vizinha me deu uma oração, bichinha eu rezei com tanta fé, tinha um
monte de oração aqui e eu rezava com medo e não prestava atenção as
palavras. Mas essa eu rezei com tanta fé que eu dormi a noite todinha, e
pronto não sei mais nem o que era choro [...]Tenho muito medo dos exames
dar ruim, mas to tirando isso da cabeça, acho que isso me fazia chorar. Eu
sou muito medrosa.

Supomos que a angustia em relação ao marido está diretamente relacionada ao seu


sofrimento atual, porém Flávia usa como forma de nomear seu sofrimento o medo de ter que
retornar ao hospital, por motivo de não ter tido alta médica, mas o que parece remeter é que
seu maior medo era de voltar ao hospital e deixar o marido em casa.

Eu acho que esses choro é porque eu sai do hospital sem ordem médica eu
sai porque eu quis ele não deu, ele ia da alta no sábado e ele disse que não
podia porque não tinha visto os exame,s ai no outro dia eu falei com meu
filho, ai eu tava preocupada com meu filho e também não gosto de ficar
muito tempo fora de casa, deixar meu marido só, preciso cuidar dele, ai eu
51
decidi sai, eu tava bem, ele (o bebe) também, minha cunhada assinou o
papel e eu fiquei com medo de ter que voltar. Meu medo maior foi só esse

Flávia ao falar da sua consulta de „revisão de parto‟ diz: “O medico disse que eu
evitasse ter filho, por que eu tive esses problemas e o sangramento”.

Mesmo com orientação médica, diante dos sofrimentos e dos riscos nas suas gestações
(eclampsia) e período puerperal (hemorragia e sofrimento psíquico), tanto para ela como para
o bebe, Flávia mostra uma significação de maternidade tão forte, que, em outro momento ela
retoma seu valor a maternidade e seu amor pelos filhos, e, mesmo com todo risco ela
assegura: “se deus me der coragem eu tenho outro filho”

.... foi meus dois filhos que me fizeram ficar melhor e tirar esses medo da
cabeça. Ser mãe é bom demais, quando eu me sinto só, quando eu brigo com
meu marido ai ele fica comigo, é bom demais ele chega faz carinho, pede
pra mim não chorar... apesar dos dois serem homem.

Outro dois momentos marcam muito a vida de Flávia, primeiro, o fato curioso que
Flávia pediu o filho da irmã para criar por dois anos, e o segundo, uma doença que acometeu
seu primeiro filho aos três anos definido por ela como “púrpura no sangue”.

Em relação ao primeiro fato segundo ela, o padrasto do sobrinho maltratava o menino


então ela disse a irmã que se ela e o pai do menino desse uma ajuda financeira ela levava o
menino para criar, aí o pai e a irmã concordaram e ela ficou com o menino, porém dois anos
depois no fim do período da sua segunda gestação ela disse que resolveu devolver o menino,
pois afirma que o menino estava ficando mais velho não obedecia ela, e também ia ter outro
filho e ficaria mais difícil para criar o filho da irmã.

eu quero bem a ele como se ele fosse um filho meu, fiquei dois anos com ele
aqui, ela (a irmã) não queria mais responsabilidade com o menino, ai
quando resolvi devolver eu não quis mais, eu disse, vou ter que tomar uma
decisão, ou ela pega o filho dela de volta ou eu vou dar para o pai dele. Ele
não queria ir simbora, mas eu tava grávida e ficar com menino novo... Ate
hoje quando ele vem aqui eu noto a diferença... ele quer ficar aqui nos fim
de semana. Eu vejo no rosto dele a vontade de voltar, mas ele tem mãe e pai.

Em relação ao segundo momento, ela refere que surgiram umas manchas na pele do
seu filho e que depois de muito tempo descobriu que era púrpura no sangue, relatou muito

52
sofrimento durante todo tratamento do filho e um medo muito grande da doença ser leucemia,
relata que faz acompanhamento até hoje do filho.

no Alberto Sabin a medica disse, isso é suspeita de púrpura no sangue


precisa cuidado mas tem cura, ai eu comecei logo a chorar, ele tinha que
ficar internado, fiquei no corredor por que não tinha vaga, depois ele foi
transferido para outro hospital, ai eu disse o problema dele é tão serio que
aqui não tem tratamento, elas disseram que lá não tinha as medicações. Fui
para o Waldemar de Alcantra lá ele sangrou pelo nariz e depois começou no
ouvido e eu chorando quase entrando em desespero, ele se assustava
quando via o sangue, fiquei dez dias internado com ele tomando plaqueta,
quando fui fazer um exame nele foi uma experiência horive, custou muito o
resultado do exame, quando o exame não deu nada, eu não sabia se eu
pulava se eu chorava, sei que eu entrei numa alegria tão grande que era só
choro ai depois as plaquetas dele subiu e ele teve alta.

Para finalizar sua historia, no momento da nossa despedida no fim do ultimo encontro
com Flávia em meio a uma pausa ela diz: “Mas isso que eu senti saiu de dentro de mim e
nunca mais vai voltar.” E conclui: “mais é ruim nunca pensei que ia senti isso na minha
vida.”

4.2 Delimitação dos Núcleos de Sentido

Na história de vida de Flávia destacam-se alguns núcleos de sentidos que remetem à


sua forma de vivenciar a situação atual da maternidade, do sofrimento psíquico no pós-parto,
e como isso se articula com sua historia de vida, a saber: As Relações amorosas; A
Maternidade; O Parto, o sangue e o medo.

Iniciamos nos detendo em algo que surge com muita força na fala de Flávia: a
significação que seu casamento representava na sua historia desde a adolescência. Ao nos
aproximarmos da sua historia isso vai se fixando, ao percebermos que, apesar do medo em
relação aos homens (que podem abandoná-la com um filho), ela decide casar.

Flávia aposta todas as suas fichas no casamento, inclusive abdicando de qualquer


outro projeto pessoal (trabalhar, estudar). Neste sentido podemos perceber que todo o
movimento das decisões e ações de Flávia se volta, mesmo que inconscientemente, para sua
relação amorosa e a busca por uma completude nessa relação.

53
Entretanto, sabemos como essa escolha é fada ao fracasso. Essa esperada
“completude” através do amor é impossível de ser alcançada, pois, ao colocar todas as
chances de felicidade nas mãos de um outro, ela se exime de sua responsabilidade e
desconhece sua participação na montagem daquilo que, mais tarde virá a se queixar. Mas
deixemos essa discussão para depois. Voltemos a história de Flávia.

A solução no casamento funciona por algum tempo (o marido é carinho e a faz feliz) e
nessa fase ela não pensa em ter um filho, pois tem medo de não saber criá-lo. Algo remete a
seu próprio nascimento, quando sua mãe vacila frente a possibilidade de ocupar esse lugar
(pede que ela chame a tia de mãe). Isso também se repete quando, posteriormente, ela toma
como seu o filho da sua irmã gêmea, devolvendo-o por ocasião do nascimento do segundo
filho.

Entretanto, cerca de quatro anos depois, Flávia muda de opinião e resolve engravidar,
mesmo tendo que superar o medo de ser mãe (medo que ela sentia e vai continuar sentindo) e
de não saber criar.

Apostamos que, aqui, algo falhou na fantasia2 de Flávia. Ao perceber que algo em sua
relação com o marido começa a não corresponder aos seus desejos, a não preencher o seu
vazio, ela passa a buscar um filho. A existência de um conflito inconsciente em relação à
maternidade se presentifica através de uma infertilidade temporária. Durante seis anos Flávia
tenta engravidar, sem sucesso.

O primeiro filho demonstra funcionar e supre seu desejo, pois ela consegue de volta o
carinho e a “assistência” do marido, voltados para ela e para o filho. Mas só por algum tempo.
Cinco anos depois, surgem duvidas em relação a fidelidade do marido, ela se sente sozinha e
surge a decisão por uma nova gravidez, mesmo indo contra a vontade do marido e apesar de
seus medo relacionados à gravidez. (medo de sangramentos, hemorragias após o primeiro
parto, doença hemorrágica que afeta o filho).

Seu medo era de sangue, mas, ao defrontar novamente com o desinteresse do marido,
ela opta pela gravidez mesmo assim, numa tentativa de salvar sua relação. Ela, inclusive, sai
do hospital através de uma alta a pedido para não deixá-lo só em casa (sozinho muito tempo

2
O conceito de “fantasia” se refere a, como o sujeito constrói sua posição frente a realidade.
Desenvolveremos mais aprofundadamente este conceito no tópico seguinte.

54
ele pode traí-la). Ou seja, coloca-se em uma situação de morte para manter sua relação com o
marido. Sua responsabilidade nessa situação se manifesta como sensação de culpa (medo que
o filho adoeça devido sua decisão de deixar o hospital). Porém parece que no segundo filho
sua fantasia é abalada, e o marido não demonstra o mesmo interesse como no filho anterior,
surgindo aí um sofrimento.

No movimento de decisão de engravidar até a confirmação da concepção percebemos


que na primeira grvidez teve uma grande demora de cerca de quatro anos, podemos considerar
aí a atuação de algo que vai alem da decisão consciente, mesmo flávia conscientemente ter
decidido ter filho parece que algo (na dimensão incosciente) além dos aspectos anatomo-
fisiologico do processo de fertilização, atua no sentido de não permitir a gravidez por medo?
Por não saber criar? Pela relação com o marido?

A demora de engravidar (que a medicina considera apenas um sintoma biológico), faz-


nos suspeitar de que existe algo mais em questão, algo que impede que essa gravidez
aconteça. Observemos que, na segunda tentativa de engravidar, esse problema não ocorreu e,
em menos de dois meses, ela engravidou.

Percebemos que Flávia parece ter grandes questões no que se refere à gravidez e à
maternidade. Quando algo ameaça desorganizar, ela decide ser mãe, mesmo o marido dizendo
que não querer, mesmo com muito medo de toda a historia de parto difícil que ela vivenciou,
mesmo com o risco da hemorragia puerperal, mesmo não sabendo criar um filho, mesmo
pedindo o filho da irmã, ela decide ser mãe.

Acreditamos que sua cadeia de significantes se articula em torno de uma repetição:


aposta amorosa – decepção com essa escolha - maternidade – risco de morte. A seguir,
retomaremos a literatura psicanalítica naquilo que entendemos que ela pode nos ajudar a
compreender melhor o que está em questão para Flávia.

4.3 Feminilidade, Amor, Maternidade: afinal, o que quer uma mulher?

Mesmo sendo considerado por muitos como um autor que valoriza o masculino, Freud
foi um dos, senão o primeiro, a colocar-se numa posição de ouvir as queixas de suas pacientes
mulheres. Freud é um autor que propiciou que as falas femininas se colocassem de forma
diferenciada, levando suas pacientes histéricas a sério. Assim a escuta oferecida a essas

55
pacientes parece ter contribuído com a possibilidade de libertação do sofrimento psíquico das
mulheres.

Ao reconhecer suas limitações frente ao ser feminino afirma; “Se desejarem saber
mais a respeito da feminilidade, indaguem da própria experiência de vida dos senhores, ou
consultem os poetas, ou aguardem até que a ciência possa dar-lhes informações mais
profundas e mais coerentes.” (Freud, 1933, p.165). Assim ele abre importantes questões
acerca da feminilidade.

Os encontros da psicanálise com o feminino jamais foram inócuos. Desde o início, a


questão acerca do que quer uma mulher coloca-se para Freud instigando-o a produzir um
saber. Do intrigante trajeto do Édipo feminino à saída pela maternidade, o “continente negro”
(da feminilidade) continuou provocando questões até o fim, quando Freud situa o enigma da
feminilidade como algo que nunca conseguiu decifrar.

O senso comum eternizou o chavão “Freud explica”, mas percebemos que a questão
onde ele tropeçou, ou seja, a questão para a qual ele não conseguiu encontrar uma resposta
última, e que o intriga até o final da vida foi exatamente “o que quer uma mulher?”. Apesar
disso, seus questionamentos e algumas de suas elaborações abriram caminho para que
pudéssemos explorar esse tal continente.

Em primeiro lugar, Freud nos permite perceber que a menina, não nasce mulher. Ela
terá que construir seu acesso ao vir-a-ser mulher por um caminho singular que se inicia ainda
na infância no processo de constatação da diferença sexual. Essa via, será aquela que a fará se
confrontar com a impossibilidade de completude, com a falta de um significante que possa
dizê-la toda. Os caminhos pelos quais ela buscará algo que responda a essa falta são vários,
mas a via do amor certamente é uma das mais abordadas por Freud ao longo de sua obra, onde
aparece articulada a uma tentativa de responder ao próprio enigma da feminilidade. Assim se
mostra a história de Flávia onde ela coloca todo o significado de sua vida numa relação
amorosa. É sobre esse enigma do desejo feminino que Flávia gira, desde o momento em que
elege o amor a um homem como resposta à sua angústia. São essas questões que abordaremos
a partir de agora.

Freud (1932) em um texto dedicado a discussão da feminilidade, começa abordando as


dificuldades de se estabelecer critérios para definir o que é ser masculino e o que é ser
feminino. Refere que a ciência, recorrendo à anatomia, compartilha da certeza em diferenciar
56
o que é homem e o que é mulher através dos órgãos genitais, não mais que isto. No entanto,
considera que esta suposição mostra-se falha.

Freud estabelece um paralelo entre o feminino e a passividade na tentativa de


interpretar o feminino simplesmente pelo significante da passividade e de estabelecer um par
de opostos “harmonioso” entre masculinidade–atividade e feminilidade–passividade, porém
identifica falhas nesses paralelos como: “Uma mãe é ativa para com seu filho, em todos os
sentidos; a própria amamentação”. (Freud,1933)

O que Freud vai confirmar em sua prática clínica é que, aquilo que constitui a
masculinidade ou a feminilidade é uma característica desconhecida, e, foge do alcance da
anatomia, da sociologia, da psicologia, de uma questão meramente comportamental.

A teoria freudiana da sexualidade iniciou com a revolução da descoberta da


sexualidade infantil, com a grande contribuição de Freud de introduzir a discussão da
existência de uma sexualidade infantil. Como o próprio Freud afirma:

A infância era encarada como “inocente” e isenta dos intensos desejos do


sexo, e não se pensava que a luta contra o demônio da “sensualidade”
começasse antes da agitada idade da puberdade; tais atividades sexuais
ocasionais, conforme tinha sido impossível desprezar nas crianças, eram
postas de lado como indícios de degenerescência ou de depravação
prematura, ou como curiosa aberração da natureza; poucos dos achados da
Psicanálise tiveram tanta contestação universal ou despertaram tamanha
explosão de indignação como a afirmativa de que a função sexual se inicia
no começo da vida e revela sua presença por importantes indícios mesmo na
infância (1924, p. 46-47).

Esse interesse sexual na infância culmina com a descoberta de uma região do corpo,
rica em excitação, que passa a ser considerada pela criança como algo extremamente
privilegiado. Freud chamou a isso de “falo”, exatamente para diferenciá-lo do pênis, pois,
enquanto este último é uma parte do corpo real com suas limitações, o falo é imaginariamente
um órgão ereto o tempo todo, que nunca falha, que nunca detumesce, é pura potencia, é
sempre satisfação. Seria aquilo que poderia conferir á criança sua potência e, dirigido à mãe,
anunciar uma possibilidade de completude.

Vale ressaltar aqui que a mãe tem nesse primeiro momento uma importância
fundamental para a criança. É um outro do qual ela depende inclusive para sobreviver
fisicamente. É o primeiro ser ao qual a criança, independente de seu sexo, encontra-se

57
visceralmente ligada. Depende dela para alimentá-la e cuidar de todas suas necessidades.
Além disso, é ela quem investe libidinalmente o corpo da criança através de seus cuidados
maternais. Nesse papel de maternagem a função da mãe é situada muito além do ideal
carinhoso e assexuado comumente atribuído a ela. Pelo contrário, toda sua dedicação é uma
fonte incessante de excitação e satisfações sexuais vindas das zonas erógenas: “ela a acaricia,
beija e embala, e é perfeitamente claro que a trata como o substituto de um objeto sexual
plenamente legítimo.” (FREUD, 1924, p. 210) Por seu caráter erotizante, a submissão a esses
cuidados não é sentida apenas como satisfação, mas também como risco de um excesso.

O falo, portanto, é não apenas um órgão privilegiado pela criança, mas é também
dirigido a mãe como suposto responder por aquilo que ela quer.

No entanto, nessa etapa a criança começa a se defrontar com aquilo que


estruturalmente impossibilita essa fusão com a mãe. Em primeiro lugar, ela se depara com a
existência da diferença entre os sexo. Para ela, a diferença não se inscreve entre pênis e
vagina, mas apenas entre seres que tem ou não tem o pênis (que ela associa ao falo). Então,
aquilo que ela considerava ser comum a todos os seres vivos (a potencia fálica), ela começa a
perceber que não é bem assim. Ela não é completa, o outro não é completo, a mãe não é
completa.

Em segundo lugar, como ser a quem falta algo, a mãe deseja coisas. Mas aqui, onde
ela deseja, não é mais mãe, e sim mulher. É para o pai (ou algo que assuma o lugar disso) que
ela vai dirigir seu desejo. A criança não pode dar o que ela precisa como mulher. Com essas
descobertas começa a surgir a angústia: então não sou aquilo que a completa? porque eu
nasci? de onde eu vim? Como eu nasci? Porque ela quis que eu nascesse? O que o outro quer
de mim? Ele me quer? O que é a morte, o sexo, a maldade, a rejeição, o desejo, o limite, o
amor. Ou seja, elas também vivem conflitos e contradições diante de questões essenciais do
ser humano diante de si mesmo e dos grandes mistérios da vida e do universo.

Aqui as saídas vão se bifurcar. Os meandros por onde a filha precisaria passar em
busca de situar seu lugar na partilha entre os sexos é diferente em relação ao caminho
percorrido pelo filho homem. O menino toma o pai como rival e a mãe como objeto de amor,
vive a angustia da castração medo de perder (o falo) e de ser castrado.

Forçado a fazer uma escolha entre a preservação do órgão ameaçado pelo pai e o amor
pela mãe, o menino frequentemente opta pela primeira opção mantendo seu interesse
58
narcísico e dirigindo seu interesse para outras mulheres. Dessa forma preserva tanto o pênis
(enquanto zona erógena) quanto o sexo oposto (como objeto sexual). (laços de família)

No caso do menino, isso não é difícil de explicar. Seu primeiro objeto


amoroso foi a mãe. Continua sendo, e, com a intensificação de seus desejos
eróticos e sua compreensão interna mais profunda das relações entre o pai e
a mãe, o primeiro está fadado a se tornar seu rival. (FREUD, 1931, p. 259)

A menina, por sua vez, se depara com a diferença entre os sexos se percebendo em
desvantagem, vive o desespero de já se ver castrada 3. Percebe que existe no menino algo que
ela não tem e elabora teorias, pensa que aquilo que ele tem ela vai ter e ainda vai crescer,
dente outras, na busca de descobrimentos e de alcance da verdade, formulam teorias que,
como todas as teorias infantis, podem parecer meio absurdas, mas que deixam marcas para
todo o desenvolvimento.

A partir daí, a tarefa de constituir-se mulher não será nada fácil. Envolve em si mesma
seus percalços. Freud afirma que:

... a Comparação com o que acontece com os meninos nos mostra ser o
desenvolvimento de uma menininha em mulher normal mais difícil e mais
complexo, de vez que inclui duas tarefas extras às quais não há nada de
equivalente no desenvolvimento de um homem. (FREUD, 1932)

Assim considera “Duas tarefas extras” em relação ao menino, dois movimentos que a
menina precisa executar para advir mulher: 1) mudar de zona erógena – abandonando a idéia
de um falo imaginário e passando da excitação clitoriana para a vagina; e 2) mudar de objeto
– desviando o interesse inicial todo concentrado na mãe, e passando para uma escolha objetal
do sexo masculino.

Essa troca de objeto se dá da mãe para o pai em busca do falo que a mãe não lhe deu.
Daí decorre a situação edipiana e o complexo de castração em busca do falo que lhe falta.
Nesse complexo de Édipo as meninas demoram-se um pouco, muitas vezes destruindo-o de
forma incompleta. Isso pode se dar sem muitos sofrimentos, mas também pode deixar marcas
para toda a vida dessa mulher.

3
A menina quando criança elabora essa teoria, não que Freud considere que a mulher seja deficiente
em ralação ao homem ou que tenha sido feita em desvantagem e que isso seja a verdade sobre a
mulher, isso é uma fantasia infantil, a criança interpreta as coisas dessa forma.

59
Essa substituição da mãe como objeto de investimento amoroso ocorre ao perceber
que à ela também falta algo, que a mãe não pode lhe dar o falo, e a menina vai se ressentir
contra a mesma, culpando-a por tê-la feita incompleta. A ênfase recai sobre a decepção de se
sentir tendo sido feita em desvantagem. Essa decepção leva-a ao abandono da mãe como
objeto de amor e à passagem ao pai. Diz Freud, “um passo que se acompanha de hostilidade; a
vinculação à mãe termina em ódio” (1932, p. 122). No entanto, essa relação de exclusividade
com a mãe não será, de todo, abandonada. Ela vai marcar as relações posteriores da menina
com o pai, o marido e a maternidade.

Soler (2005) discute que, para a mulher, essa acusação da mãe está sempre presente no
cerne do discurso do inconsciente e, mesmo quando o sujeito não tem a censura a lhe fazer,
ainda resta uma: a de ser inesquecível demais, as vezes a ponto de ser devastadora. A mãe é
vista como objeto Outro, a potencia simbólica que detém o poder dos oferecimentos da fala e
as palavras da mãe, seus imperativos e seus comentários se inscreve na memória, às vezes
devastadora e persecutória.

Segundo Freud (1932), a menina passa a esperar do pai, aquilo que ela não tem. No
inconsciente essa espera,muitas vezes, vem em forma da espera por um bebê, um filho que o
pai lhe daria. Finalmente, como essa espera se revela inútil, abrem-se três linhas de
desenvolvimento possíveis para o acesso a feminilidade.

A primeira conduz à inibição sexual, esse primeiro destino possível relaciona-se com o
último movimento realizado pela menina, ao trocar o falo imaginário pelo desejo de ter um
filho, Freud (1933) entende que a feminilidade seria impedida devido a inibição sexual ou à
neurose, a qual seria elaborada somente no futuro ao ser contemplada com o filho daquele que
ela supõe ter o falo. Entretanto, Freud (1924) afirmava que o complexo de Édipo na menina
poderia ser abandonado, levando em conta que esse desejo jamais se concretizaria. Esse
mesmo fato poderia vir a contribuir com outro destino: o complexo de masculinidade, levando
a menina a permanecer fixada no complexo de Édipo

O Segundo destino é a modificação do caráter no sentido de um complexo de


masculinidade em que a menina se reveste de características masculinas ao se defrontar com a
castração, evitando, desta forma, o surgimento da característica da passividade que abre
caminho à feminilidade, segundo Freud (1933) apontava que “...renúncia ao pênis não é
tolerada pela menina sem alguma tentativa de compensação....”

60
Com a descoberta de que não possui o falo imaginário, a menina que já se descobre
castrada, sabe que não o tem e quer tê-lo. Assim, a menina a recusar o fato de ser castrada,
enrijece-se na convicção de que realmente possui um pênis e comportar-se como se fosse
homem. (FREUD, 1925).

O ultimo destino caracteriza-se pela possibilidade de a mulher encontrar a via própria


para o feminino, pois esse caminho denuncia que a menina encerra sua luta pelo que é do
outro e toma o pai como objeto, encontrado assim o caminho para a forma feminina do
complexo de Édipo (FREUD, 1933). Esse terceiro destino, àquilo que Freud chama de
“feminilidade normal”, significava para ele o desejo da mulher de ser mãe, ou seja, a saída
que ele encontra para a mulher é ser mãe, só é mulher quem quer ser mãe, isso porque o limite
com que Freud se deparou levou-o a estabelecer uma equivalência entre mulher e mãe. Mas
certamente, sua pergunta feita no final da vida: „o que quer uma mulher‟, mostra o quanto ele
não estava satisfeito com esta resposta4.

Nesse ponto, já temos elementos suficientes para começarmos a abordar o caso Flávia.
Tomando do ponto de vista geral, como todo ser falante, Flávia se constituiu como sujeito, ao
lidar com a castração, com a descoberta da incompletude, da falta. Do aspecto particular,
como mulher, ou seja, como alguém que está situada na posição feminina, é em torno de seus
questionamentos com relação ao desejo da mãe , que ela vai trilhar os caminhos da
feminilidade. Entretanto, do ponto de vista da singularidade, encontraremos para Flávia, assim
como para cada sujeito, elementos que são únicos, que dizem respeito única e exclusivamente
a sua história de vida, com a forma como ela significou tudo pelo que passou.

Começamos tomando uma questão que está no cerne dessa relação de Flávia com a
mãe, que é o fato de ter sido dada para outra. Nas entrevistas realizadas causa estranhamento a
forma como ela não questiona o fato de ter sido dada para outra mulher. Porque que Flávia
não se pergunta por que a mãe manda chamar a tia de mãe? Parece estranho, pois é uma forma
de a mãe dar ela para outra e ela não se pergunta?

Flávia depois afirma que hoje não vê mais essa tia, não tem mais nenhum contato.
Estes questionamentos podem apontar indícios para a condução do atendimento de Flávia, no
sentido do profissional de saúde buscar identificar suas redes significantes costurados desde o
4
Nesse ponto acontece a Interrupção do trabalho de Freud, posteriormente Lacan vai retomar essas
questões e vai dar outros encaminhamentos.

61
momento da sua infância até o momento atual.

Supomos que o fato de a mãe lhe dar simbolicamente para a tia nos possibilita a
reflexão da postura do sujeito frente ao Outro (a mãe): Será que a mãe não é mais mãe? Por
que ela me deu? Ela não me quer? O que Ela quer de mim? O que o Outro quer de mim? Se o
Outro “quer” é porque a ele falta. O sujeito não suporta se deparar com essa falta, que remete
a sua própria falta. Ela percebe que, como filha, não é o que completa a mãe e para não se
defrontar mais com isso elabora sua fantasia. Isso é, constrói uma resposta para isso, e assim
será sua posição diante de todos „os Outros‟ que surgir na sua vida. Essas questões intrigam e
apontam para o que poderia ser um caminho de investigação.

Diante da relação faltosa da mãe lhe „doando‟ para a tia, Flávia parece construir uma
cena simbólica: Minha mãe não me quer, o Outro (a mãe representa o Outro) não me quer, eu
preciso do Outro para me completar, então vou montar uma cena que o Outro vai me querer
(na história de Flávia ela busca a gravidez para o Outro -o marido- que ela julga ser de
extrema importância na sua vida lhe aceitar). Flávia constrói uma hipótese de: se a minha mãe
me abandonou porque o Outro (o marido) não vai me abandonar? Assim cada vez que ela for
ameaçada de passar por essa experiência (da possibilidade de ser abandonada) ela recria a
cena, e cada momento que ela pode ser abandonada novamente a fantasia treme. Aquela cena
que ela montou parece não está sustentando, aquilo que ela montou bem bonitinho começa a
se rasgar e esta preste a lhe destruir, e a angustia na falta no Outro e a cena que ela fez para
encobrir tudo isso não dá mais conta.

Freud inicialmente falou da fantasia como “fachadas psíquicas”, ou seja, “fachadas”


construídas com o principal objetivo de obstruir o caminho às lembranças infantis.
Roudinesco e Plon (1998, p223) no dicionário de psicanálise definem fantasia como:

Termo utilizado por Sigmund Freud, primeiro no sentido corrente que a


língua alemã lhe confere (fantasia ou imaginação), depois como um
conceito, a partir de 1897. Correlato da elaboração de real psíquica e
abandono da teoria da sedução, designa a vida imaginária do sujeito e a
maneira como este representa para si mesma sua história ou a história de
suas origens: fala-se então de fantasia originária.

Segundo Nasio (1980), a fantasia se constitui como aquilo que temos de mais
próximo, ou seja, a realidade. A realidade psíquica é recoberta de fantasia, ou seja, é o nosso
modo corporal de tratar o real. O sujeito baseia-se em sua própria estrutura, o suporte

62
imaginário para construir a fantasia. Logo, a fantasia é uma construção imaginária que se dá
pela experiência vivida do sujeito. E ainda complementa:

A fantasia é uma ação que se organiza seguindo os contornos do objeto


pulsional pela qual o sujeito se precipita, foge para mais adiante. Assustado
com a ocorrência, angustiado diante do enigma di desejo do Outro, o sujeito
se restabelece com uma imagem que lhe vai servir de apoio. Pois, sendo a
fantasia uma construção, não se pode construí-la do nada, são necessários
materiais e modelo.[...]
A fantasia é, pois, uma encenação do qual o Outro é reduzido a nada, puro
objeto a mercê do sujeito, abolido enquanto falante e negado enquanto
desejante. Em suma, a encenação da condenação da morte do Outro. Pode-se
compreender agora porque uma fantasia, não importa qual, em ultima
instância, é uma fantasia de castração”. (NASIO, 1980 p. 76).

Percebe-se que a fantasia pode ser considerada uma síntese integrada de idéias,
sentimentos, memória e interpretações onde o que predomina são os elementos afetivos. Ela
pode ser pensada como uma satisfação imaginária dos desejos, da libido, devido a seu caráter
particular, mas, pode também ser pensada no sentido de falta. O conceito aparece diversas
vezes na obra de Freud a partir de diferentes explicações: fantasias conscientes, inconscientes,
pré-conscientes, porém todas elas possuem em comum a satisfação substituta da realidade não
satisfeita. Ela possui aspectos positivos e negativos podendo ora contribuir para a adaptação
do sujeito ora para um desvio da realidade com permanência em um mundo irreal impedindo-
o de enfrentar os problemas concretos. (SOARES et al, 2005)

A visão de a mãe não poder ser tudo e não proporcionar a real felicidade e completude
leva-a ao abandono da mãe como objeto de amor e à passagem ao pai. Ao transferir esse
objeto para o pai supomos que na historia de Flávia, o mesmo faltou fazer alguma coisa e ela
sofre por esse pai não ser o suficiente, criticando-o por sua rigidez e ausência. A resposta que
ela dá a isso é casando, por considerar o marido como algo que vai lhe completar que vai ser
tudo na sua vida e coloca o marido no lugar do pai. Despertando-nos em uma aproximação
das características do pai e do marido de acordo com as descrições de Flávia, o que parece
reforçar essa busca da real felicidade, de completude, do falo, por „objetos‟ semelhantes.

Ela vai encenar essas mesmas críticas no relacionamento com o marido. Ao se


decepcionar com ele, Flávia arrisca tudo, até o que mais teme (ficar solteira com os filhos,
perder sangue e a morte). Freud (1932) nos fundamenta nesse aspecto, quando afirma que

63
“para ela (mulher), ser amada é uma necessidade mais forte que amar”, assim vai se
construindo a busca pela completude através do amor que perpassa toda a historia de Flávia.

Com a fantasia abalada, surge a angustia cada vez que ela não consegue sustentar essa
idéia de que o marido vai completá-la (que vai abandoná-la), porque o que a defesa do
recalque serve para ela não entrar em contato com o que tem de inconsciente, para que o
marido exerça a função de suturar, fechar tudo, para ela não ter que entrar em contato com o
que tem no inconsciente que é a relação dela com a própria feminilidade, quando o marido
tampona, ela não tem que olhar, nem pensar, o que eu faço? Já que o marido não ta
funcionando para isso ela é jogada a ter que se confrontar com essa situação.

Com essa duvida do marido surge o desejo de busca a sutura da falha (a completude, o
falo) nos filhos, na maternidade. No primeiro filho parece que algo funciona como suplência a
essa falha. O marido passa a lhe dar atenção, carinho, etc. Já no segundo o efeito parece ser
contrario.

Percebemos que no segundo filho, o bebê que surge, na realidade não corresponde
exatamente àquele inconscientemente esperado. Na verdade ele surge longe de uma relação
de completude, pois o bebê real não corresponde ao bebê imaginário. O bebê nomeado, esta
imagem perfeita ganhará formas pelas palavras, que significam e dão sentido à presença deste.
O simbólico media essa relação entre o bebê marcado no inconsciente e o bebê que chega na
realidade. Mas a linguagem não é suficiente para dar conta de tudo e sempre sobra algo
impossível de simbolizar, revelando que o desejo não pode nunca ser totalmente satisfeito,
que o bebê não pode preencher todas as demandas da mãe e, sendo assim, não corresponderá
totalmente à imagem e às identificações nele projetadas. A perda do bebê fantasiado, o bebê
imaginário, é inevitável. (VALENTE E LOPES, 2009)

Com esse abalo na fantasia da mulher/mãe surge uma angústia que não tem razão e
nem palavras que possa definir, caracteriza-se como uma perda de algo que lhe foi retirado
das suas entranhas, uma perda da anterior função de mulher, subvertendo-se para uma função
de mãe e a perda do filho imaginário. É o momento em que o sintoma aparece, pois a fantasia
não dá mais conta de sustentar o sujeito, de permitir que ele não tente se deparar com o sujeito
do inconsciente.

Assim, o parto e o puerpério, na acepção freudiana, é um dos nomes da castração, pois


a mulher novamente vai perder o falo (bebê), algo que fazia parte dela lhe é tirado. Para
64
muitas mulheres, o período puerperal é sentido como uma segunda castração, pois lhe arranca
o falo, esse que para o inconsciente continua sendo o mesmo da época da sua busca infantil,
marcado pela atemporalidade do inconsciente. Por isso ansiedade e depressão são
experiências tão comuns nesse momento, pois a realidade do bebê esperado difere da
realidade do recém-nascido (SCHIAVO, 2008).

Percebemos, então, que a gravidez é um momento de reatualização de tudo que uma


mulher teve que percorrer para tornar-se o que é. Isso envolve o que ela viveu em relação à
própria mãe, as relações que, enquanto mulher, estabelece com seu parceiro e todas as
expectativas/frustrações que vai experimentar desde que se sabe grávida. Isso vai ter
incidência na forma como cada mulher vai se situar em face do ser mãe e em como cada
criança vai se incluir nesse desejo.

A maternidade, longe de ser uma resposta para o que resta de enigmático da


sexualidade feminina, é uma versão para a ausência de um significante que possa dar conta do
que é uma mulher, para a falta de resposta ao enigma da feminilidade. Supomos aqui, que esta
mulher é mais uma vez relançada ao encontro de suas questões com a feminilidade,
exatamente quando a saída pela via do amor não dá mais conta de protegê-la do encontro com
a falta, das questões surgidas no momento da saída do Édipo: o que quer uma mulher? Essa
maternidade não dando conta do que é ser mulher, o homem não funcionando como o que vai
lhe dar suporte e Flávia sendo lançada na angustia de ter que se deparar com a situação
edípica novamente.

Por outro lado, o filho recém-nascido também precisa ocupar um lugar para ela.
Guiada pela lógica do inconsciente, lembramos que para a mulher/mãe o bebe se equivale ao
falo e isso é acompanhado de sentimentos de culpa e angustia, a presentificação desse objeto
incestuoso lança o sujeito em situação de angustia e de culpa, isso tem haver com o Super eu
que acusa o sujeito que esta fazendo alguma coisa desse desejo inconsciente.

No caso de Flávia acreditamos que esse filho presentifica a formação edípica e a


proximidade do desejo. Flávia não tem barreira para lidar com esse desejo edípico que vem no
inconsciente e a barreira que ela usava para se proteger é o amar e esse amor não está dando
conta e ela acaba se deparando muito fortemente com isso tudo sem ter como se proteger.

65
Flávia refere não saber o porquê da sua angustia. Isso remete a pensar que o objeto que
imagina parecer completá-la também é um objeto que lhe causa pavor, e esse pavor e medo é
a angustia.

Lacan na suas elaborações da teoria da angustia pode nos ajudar a compreender


melhor isso, pois afirma que a angustia quer dizer que o objeto de desejo está muito perto, o
sujeito não sofre angustia de castração porque perdeu alguma coisa, mas sim porque alguma
coisa que iria satisfazer o desejo dele se realizou demais, no caso dela é ter o filho.

Para Freud inicialmente a angustia era uma defesa, a pessoa sente angustia para se
defender do desejo (edípico, incestuoso), porém depois ele considera que ao contrario a
angustia vem primeiro, é a angustia da castração, de ter que se reconhecer como castrada.

Porém, a relação do sujeito com seu desejo é contraditória. O que a teoria psicanalítica
vai dizer é que aquilo que a pessoa mais deseja, é também o que ela mais teme porque o que
ela deseja, ela deseja inconscientemente, e isso é inaceitável para a consciência. Então nesse
momento lidar com a questão do bebe que é um substituto do falo no inconsciente, de acordo
com a teoria de Freud, joga essa mulher numa situação edípica e uma situação edípica sempre
remete a uma situação incestuosa que gera culpabilidade e angustia.

Flávia demonstra outro momento de culpa, na sua decisão de sair do hospital sem alta
médica e depois retornar para o hospital com algo de grave com ela ou com a criança, parece
questionável o fato de mesmo que Flávia teve grandes problemas no puerperio– hemorragia,
ela ainda sai do hospital sem alta por referir que tinha que ir para casa.

Parece que Flávia desde o momento que saiu sem alta medica do hospital, mesmo
preocupada com o filho, tinha como foco o marido que estava em casa. Catão (200) explica
que uma mãe em sofrimento psiquico está ocupada demais consigo própria para poder atender
as exigências dos cuidados ao bebê. “A mãe deprimida, por ter seu desejo extraviado, não está
apta ao desempenho da função materna”. Pois Soler (2005) frisa que o desejo propriamente
feminino deixa a mãe ausente para seu filho.

Por esse fato expressou sentimento de culpa, Freud (1915) diz que quando uma pessoa
se sente culpada ela tem culpa, pode ser uma culpa inconsciente, mas ela tem participação em
alguma coisa para pensar que a culpa é dela.

66
Finalmente, gostaria de ressaltar que a cadeia de significante elaborada por Flávia que
se articula em torno de uma repetição: aposta amorosa – decepção com essa escolha -
maternidade – risco de morte. Neste aspecto percebemos a articulação com a teoria
psicanalista que destaca a função do retorno (wiederkehr) como fundamental, pois o retorno
repetitivo dos significantes, a maneira que a rede de significantes se entrecruza, aponta para o
fato de que a lógica dessa linguagem que estrutura o inconsciente pode ser estabelecida e
formalizada: esta rede simbólica é constituída de uma maneira tal que escapa ao acaso que há
uma lei que estabelece a sintaxe dessa rede simbólica; bem como podemos depreender dessa
formalização a emergência de um impossível (COSTA, 2006).

O sujeito repete de forma tão inexorável quanto desconhecida a maneira pela qual ele
responde àquilo que se inscreve como traumático. Freud (1914, p. 165) afirma que “o
paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu e reprimiu, mas o expressa pela atuação
ou atua-o (acting-out). Ele o reproduz não como lembrança, mas como ação; repete-o, sem,
naturalmente, saber que o está repetindo”.

O que repete para o sujeito, seguindo as vias traçadas pelo discurso no qual ele está
preso, é sempre o mesmo obstáculo, justamente o que se impõe como traumático, que retorna
como hiato entre o significante e o real; é a repetição articulada ao real como aquilo que volta
sempre ao mesmo lugar para o sujeito. Freud, em 1920, situa o real do trauma como a
repetição incessante do impossível de representar pela linguagem.

A repetição baseia-se numa duplicidade: nela há perda de gozo, e um resto de gozo


indicando que a memória inconsciente é também ligada a um gozo inesquecível que a
repetição tenta encontrar. Isso sugere que, para além de seu caráter simbólico, em sua
dimensão decifrável, ele indica uma dimensão real, ao ser situado como uma maneira de gozo,
atendendo a uma satisfação impossível de ser dita e impossível de ser alcançada.

A resposta de Freud ao enigma trazido pela repetição das cenas traumáticas é supor
que a repetição tem por objetivo dominar o estímulo que provoca a dor, conferindo-lhe um
sentido (Freud, 1920). Um pouco mais tarde, entende o próprio sintoma como uma tentativa
de desfazer a situação traumática (Freud, 1926), que podemos entender como uma solução
que cada sujeito constrói para dar conta do encontro traumático com o sexo, do encontro
traumático com seu desejo. Este caráter repetitivo que a experiência de satisfação imprime ao

67
funcionamento do aparelho psíquico coloca o sujeito em uma busca infindável pelo objeto que
ele crê ter alcançado, mas que está, desde sempre e para sempre, perdido.

Neste contexto percebemos que seus significantes volta como algo do inconsciente
como a infertilidade temporária, parto difícil, o pedido de tirar esse sangue de dentro de dela
para ir para casa, o não saber criar o filho, o fato de a mãe não conseguir criá-la sozinha sem a
tia, enfim percebemos ai a atuação do sujeito. Deixa claro a percepção de um sujeito dividido
entre um saber que se considera ter e um saber que sobressai a decisão consciente.

Acreditar nessa forma de pensar traz outra concepção para a enfermagem que incita
mudança na prática guiada pela busca de abordar a pessoa cuidada em suas diversas
dimensões. Nesse contexto iremos abordar no próximo capítulo as contribuições para o
cuidado clínico em enfermagem pensado nessa perspectiva.

68
5 CONTRIBUIÇÕES PARA O CUIDADO CLÍNICO EM ENFERMAGEM

Muitos falam da mudança. Chegam até vislumbrar a


possibilidade dela, porém conservam na sua forma própria
de ser, um patriarcado que enquadra, que rotula, que
modula e que limita. [...] porque é caro o preço que se paga
pela mudança de ciclo.
Ivani Catarina

Nas ultimas décadas, a enfermagem vem buscando delinear seu corpo teórico e definir
epistemologicamente seu objeto. Em todos os seus espaços de atuação, está envolvida a
produção do cuidado em saúde (MERHY, 2005), esse „cuidado‟ delimitado como a essência
da profissão (WALDOW, 2001).

Em contra-corrente a essa apreensão do cuidado como essência da enfermagem


sabemos que o cuidado existe desde que há vida humana e, como atos de intervenção do
outro, é por meio dele que a vida se mantém. Durante milhares de anos, não esteve associado
a nenhum ofício ou profissão e sua história se constrói sob duas orientações que coexistem,
complementam-se e se geram mutuamente: cuidar para garantir a vida e cuidar para recuar a
morte (COELHO; FONSECA, 2005). Como afirma Askofore (2006) o cuidado nem mesmo é
uma prerrogativa dos seres humanos, pois os animais também cuidam.

No que diz respeito ao cuidado desenvolvido especificamente pela enfermagem,


percebemos que este nasce atrelado a uma perspectiva religiosa. Segundo Padilha e Mancia
(2005, p.723) o cuidado dos enfermos era pautado pela igreja como uma forma de caridade
privilegiada e marcava “não somente a sociedade, mas também o desenvolvimento da
enfermagem, marcando, ideologicamente, a prática de cuidar do outro e modelando
comportamentos que atendessem a esses ensinamentos.” Segundo Almeida e Rocha (1989), o
objetivo dos agentes de enfermagem dessa época era salvar a própria alma, salvando a alma
do doente através do cuidado. Este período reflete-se até hoje na enfermagem tornando muitas

69
vezes difícil afirmá-la como prática social, enquanto que no imaginário coletivo o ato de
cuidar ainda está associado à caridade.

Ao tornar-se foco das ações de enfermagem, o cuidado passa a ser conceitualizado à


partir dos referenciais humanistas latinos, associado ao ato de envidar esforços no sentido de
proteger, promover e preservar a vida. Seu desenvolvimento se dá no processo de interação
terapêutica e é fundamentado no conhecimento empírico, pessoal, ético, estético e político.
Podemos ainda delimitar duas esferas distintas que compõem o cuidado de enfermagem:
“uma objetiva, que se refere ao desenvolvimento de técnicas e procedimentos e uma subjetiva,
que se baseia em sensibilidade, criatividade e intuição para cuidar de outro ser” (SOUZA et
al, 2005, p. 269).

Em relação a sua organização conceitual, o cuidado de enfermagem pode ser pensado


a partir de duas vertentes: a vertente mais tradicional do cuidado na perspectiva humanístico-
fenomenológica e a vertente do cuidado na perspectiva das práticas de si, no qual embasamos
esse estudo. A seguir passaremos a abordar cada uma delas.

O cuidado na perspectiva humanístico-fenomenológica tem como principal referencial


a obra de Martin Heidegger (1889-1876), a partir da qual se desenvolveu a contribuição de
diversos outros autores brasileiros como Boff (1999) e Waldow (2008). A noção de cuidado
em Heidegger (1993) está relacionada a uma dimensão ontológica, ou seja, à sua concepção
de Ser (Dasein). Para Boff (1999) o conceito de cuidado na perspectiva humanística inclui
duas significações básicas: primeiramente uma atitude de desvelo, de solicitude e atenção para
com o outro e, a segunda, intimamente relacionada com a primeira, a preocupação e a
inquietação pelo outro, porque nos sentimos envolvidos e afetivamente ligados ao outro. Na
enfermagem, uma das principais representante dessa corrente de pensamento é Waldow
(2007, p. 90). Para a autora “A ação de cuidar tem sempre uma conotação para prover,
favorecer o bem para outro ser”. Deste modo, a finalidade do cuidado a um ser que padece,
“que se encontra carente, vulnerável”.

Ainda segundo Waldow (2007), os comportamentos e as atitudes são entendidos como


de cuidado e são compostos por uma vasta lista, onde se destacam: respeito, gentileza,
amabilidade, compaixão, responsabilidade, disponibilidade, segurança, oferecimento de
apoio, conforto. Percebemos que a noção de cuidado nessa abordagem gira em torno de uma
ética que tem como elementos marcantes a valorização da relação com o outro, dos

70
sentimentos e emoções positivas em relação a esse outro e um ideal moral que tem como fim
último a preservação da vida humana.

No entanto, o conceito de cuidado adotado neste estudo parte uma perspectiva crítica
em relação à abordagem humanística. Consideramos que os adjetivos desse cuidado
humanista de zelo, carinho, compaixão dentre outros não aborda as reais dimensões do sujeito
e do seu sintoma.

Ou seja, o que está em jogo na perspectiva de cuidado na qual nos situamos é que a
possibilidade de dizer a verdade sobre si, sobre aquilo que lhe acontece, só pode ser possível
do lado do sujeito. É à essa possibilidade que Michel Foucault atribui a relação do homem
grego consigo, a partir do conceito de epiméleia heautoû que o autor traduz como “cuidado de
si” (FOUCAULT, 2006, p. 4).

Segundo Foucault (2006) o “cuidado de si” é primeiramente, uma atitude geral, certo
modo de encarar as coisas, de estar no mundo, de praticar ações, de ter relações com o outro.
É uma forma de atenção, de olhar, “é preciso converter o olhar, do exterior, dos outros, do
mundo, para si mesmo. Estar atento ao que se pensa e ao que se passa no pensamento”.
Também designa ações, “ações que são exercidas de si para consigo, ações pelas quais, nos
modificamos, nos purificamos, nos transformamos e nos transfiguramos”.

O “cuidado de si” está relacionado às práticas que o próprio sujeito desenvolve para
consigo, visando apropriar-se de si mesmo, de suas vontades, de seus desejos, de seus
apetites. Só assim ele poderia relacionar-se com os outros, governar, dominar a Pólis. O
percurso desse aprendizado deve até envolver um outro: o mestre. Entretanto, o mestre não é
o especialista e sua pedagogia se distancia muito dos ideais que marcam o cuidado na
perspectiva humanística como o zelo, a ajuda e o bem-estar. Pelo contrário, o mestre é aquele
responsável por inquietar, por despertar. (FOUCAULT, 2006).

Certamente não se trata aqui de propor uma transposição da ética grega para os dias
atuais. Isso seria impossível tendo em vista que vivemos uma outra episteme5. Mas podemos

5
Derivada de uma palavra Grega que significa conhecimento ou ciência. O termo foi utilizado pelo
filósofo contemporâneo Michel Foucault no sentido que o conhecimento e os discursos representam a
condição de possibilidade de uma determinada época.

71
decantar daí a importância de reconhecer a verdade como algo que está do lado do próprio
sujeito. Segundo Foucault, na contemporaneidade apenas duas correntes de pensamento
levaram isto em consideração: a psicanálise e o marxismo.

[...] no marxismo como na psicanálise, o problema a respeito do que se passa


com o ser do sujeito (do que deve ser o ser do sujeito para que ele tenha
acesso à sua verdade) e a conseqüente questão acerca do que pode ser
transformado no sujeito pelo fato de ter acesso à verdade, estas duas
questões repito, absolutamente características da espiritualidade, serão por
nós encontradas no cerne mesmo destes saberes ou, em todo caso, de ponta a
ponta em ambos. [...] O que quero dizer é que nestas formas de saber
reencontramos as questões, as interrogações, as exigências que, a meu ver –
sob um olhar histórico de pelo menos um ou dois milênios –, são as muito
velhas e fundamentais questões da epiméleia heautoû e, portanto, da
espiritualidade como condição de acesso à verdade (FOUCAULT, 2006
p.39-40.)

Amparados na psicanálise e ancorados no cuidado de si concordamos com Figueiredo


(2007) quando delimita dois tipos de cuidado, um que denota uma presença implicada –
acolher, reconhecer e interpelar; e outro que denota uma presença reservada – dar tempo,
espaço, espera, manter-se disponível sem intromissões excessivas. Pontuando a necessidade
de equilíbrio dinâmico entre estas diferentes formas de presença com um certo equilíbrio entre
o espaço do profissional (intervenção) e o espaço do sujeito cuidado, e diz:

é óbvia a insuficiência da pura reserva, entendida como neutralidade,


indiferença e silêncio. No entanto, seja na análise seja na vida e em qualquer
experiência de cuidado são inegáveis os malefícios da implicação pura – os
extravios e excessos das funções cuidadoras, mesmo quando, são justificados
pela melhores razões humanitárias: salvar, socorrer, curar a todo custo. [...]
Todos os exageros da presença implicada, comportam modos de
aprisionamento psíquico, de imobilidade e de incapacitação.
(FIGUEIREDO, 2007)

Este estudo toma como eixo teórico algumas contribuições da abordagem


psicanalítica buscando, exatamente, encontrar possibilidades de abrir espaço para que o
sujeito possa aparecer, dizer a verdade sobre si, sobre o seu sintoma. Essa via abre para nós a
questão da clínica, pois se trata exatamente de um trabalho através da palavra, daquilo que
permitimos ao outro dizer. Aqui enfatizamos um retorno ao significado original do termo
clínica, do grego Kliné, “um ensinamento que se faz no leito, diante do corpo do paciente,
com a presença do sujeito” (VIGANÒ,1999) . Trata-se, portanto de potencializar na clínica as
ferramentas de escuta, ressignificando seus propósitos e seus modos de produzir a atenção à

72
saúde no contexto assistencial, possibilitando assim novos arranjos para o cuidado em saúde e
em enfermagem.

Essa perspectiva de clínica vai na contra-corrente da concepção hegemônica,


claramente pautada no modelo biomédico: uma clínica do olhar, pautada no corpo orgânico,
nas suas alterações, déficit e lesões, muito bem delineada por Foucault (2004) em sua obra “O
Nascimento da Clínica”.

A presença da doença no corpo, suas tensões, suas queimaduras, o mundo


surdo das entranhas, todo o avesso negro do corpo, que longos sonhos sem
olhos recobrem, são tão contestados em sua objetividade pelo discurso
redutor do médico, quanto fundados como objetos para seu olhar positivo[...]
Para nossos olhos já gastos, o corpo humano constitui, por direito de
natureza, o espaço de origem e repartição da doença: espaço cujas linhas,
volumes, superfícies e caminhos são fixados, segundo uma geografia agora
familiar, pelo atlas anatômico. Esta ordem do corpo sólido e visível é,
entretanto, apenas uma das maneiras da medicina espacializar a doença.
(FOUCAULT, 2004 p 4)

Em se falando em saúde mental essa realidade parece ser mais cruel, pois como
enquadrar esses sujeitos e seu sofrimento psíquico na sua perspectiva organicista e
biologicista, como localizar a lesão? Parece não ser possível tal feito, porém o que se percebe
é que a opção por aproximar o sofrimento psíquico às patologias no modelo orgânico levou à
formulação de um modelo clínico-biológico centrada na busca pela cura.

A enfermagem tem sido profundamente perpassada por estas composições do plano da


clínica na medicina, sempre se ocupando de manter a organização dos espaços e dos corpos
para que o poder médico possa agir. A prática baseada em evidências, a criação de protocolos
e normas de atuação, a classificação dos diagnósticos, intervenções e resultados geralmente
têm se encaminhado no sentido dessa prática centrada na objetividade, na obediência do
método da ciência moderna seguindo o modelo da medicina biomédica.

O enfermeiro continua em busca de seu papel como agente terapêutico. Originalmente


e ainda hoje com a formação centrada na metodologia técnico-assistencialista e sem
fundamentação teórica para a assistência às subjetividades, facilmente identificamos as
limitações da enfermagem em desenvolver uma clínica mais comprometida com o desejo do
sujeito, com suas formas de existir e assim, com a singularidade do caso-a-caso. Devemos
considerar que os sujeitos mesmo em sofrimento tem suas crenças, valores e desejos, mas
acabam sendo objetificados. Os sinais e os sintomas que apresentam, irão classificá-los em
73
uma doença, que deverá ser curada, pois a concepção da ciência moderna que pauta o modelo
biomédico historicamente adotado, ainda é o que norteia os diagnósticos e o tratamento.

Concordamos com o estudo de Silveira (2003) ao confirmar que:

“as estratégias de intervenção dos profissionais de saúde parecem embasar-


se nas fórmulas da racionalidade médica, em sua tradição cartesiana:
problema-solução e doença-cura. O equacionamento das demandas de
cuidado em saúde mental baseado na escuta do sujeito, e não na escuta da
doença, é um recurso pouco utilizado pelos profissionais [...]. A escuta
clínica é fortemente guiada pela nosologia psiquiátrica, constatando-se
inclusive uma tentativa de organizar uma tipologia da clientela em torno dos
quadros diagnósticos mais frequentes [...]”.(SILVEIRA, 2003, p.119)

É na forma de lidar com o saber do outro que a enfermagem precisa se questionar


acerca da perspectiva em que sua prática trafega; criando espaços através de momentos onde
saberes são partilhados, transmitidos e (re)construídos nas relações que mantém com os
usuários dos serviços de saúde.

Entendemos a relação enfermeiro-paciente como um espaço de encontro favorável a


uma clínica comprometida com a subjetividade. Acreditamos que as diferentes relações entre
o sujeito e o sofrimento no pós-parto poderão ser percebidas, a partir da fala do próprio sujeito
e a identificação dos distintos lugares que o bebe, que o ser mãe, que o ser mulher ocupa em
sua vida psíquica e como isso se articula com sua historia vivida.

Na perspectiva da ruptura dessa clínica hegemônica, vista como única possibilidade de


produzir o cuidado e de evitarmos o risco de objetificação dos sujeitos que buscam os
serviços. Entendemos que precisamos investir em tecnologias de intervenção clínica
perpassadas pela escuta e valorização daquilo que é singular a cada um. O conceito de clínica
vai ser, então, modificado para receber ênfase na sua faceta de encontro, na perspectiva de
algo que se desenvolve “com a presença do sujeito” (VIGANÒ, 1999).

Consideramos que a psicanálise é a ferramenta teórica que pode nos embasar para a
criação de uma nova estratégia de cuidado clínico a mulher/mãe com sofrimento psiquico.
Pois no campo das ciências biomédicas essas experiências de sofrimento são tomadas como
sintomas a serem classificados e abordados principalmente seguindo as considerações do
modelo científico. Neste discurso, a experiência da maternidade é considerada naquilo que ela
tem de comum, que se repetiria para todas. O sintoma é tomado como algo a ser eliminado,
restabelecendo-se assim uma situação de cura. Já na psicanálise O sintoma vai adquirir um
74
estatuto bem diferente, ele também é signo, mas não de uma doença a ser eliminada. É, antes,
o signo de um saber enigmático, recalcado, mas que porta uma verdade sobre o sujeito.

Assim, não podemos tomar a tristeza, a falta de interesse e o desânimo da mesma


maneira para qualquer mãe que experiencia esses sentimentos. É preciso, através da abertura
de um espaço para a fala, que se permita a esse sujeito significar o que lhe acontece, ou seja, o
sentido do sintoma não está do lado do profissional com seu saber pronto, mas sim do lado da
própria pessoa que sofre. Não pode ser visto pelo profissional, somente como algo a ser
eliminado, mas sim ser considerado como um sinal de atenção que aponta para algo que não
vai bem e que servirá de norte para conduzir a terapia desse sujeito.

Com base teórica e utilização das ferramentas clínicas adequadas é possível que a
enfermagem revitalize seu cuidado clínico, partindo da diversidade de saberes e valorização
dos sujeitos, reinventando os espaços e ferramentas de atuação junto ao sofrimento psíquico
considerando a dimensão ética do sujeito e a articulação com seu desejo.

Assim o cuidado clínico em saúde constitui-se em uma perspectiva de estabelecer


novas relações entre os sujeitos, além das condições de paciente e enfermeiro; na criação de
espaços onde a subjetivação possa ser construída a partir da forma de se conceber e significar
a saúde e a doença fora das classificações e fragmentações assistenciais que historicamente
tentam enquadrar os usuários dos serviços e elaborar respostas para suas necessidades de
saúde, situando-as no plano do consumo de tecnologias e procedimentos.

Entre os diversos cenários onde a enfermagem exerce o cuidado clínico, a consulta de


enfermagem aparece como espaço privilegiado de interação e vinculo com os sujeitos
assistidos. È contemplada, como atividade privativa do enfermeiro, na lei do exercício
profissional n.º 7.498/86 e definida:

(...) a utilização do método científico para identificar situações de


saúde/doença, prescrever e implementar medidas de Enfermagem que
contribuam para a promoção, prevenção, proteção da saúde, recuperação e
reabilitação do indivíduo, família e comunidade. Constitui a Consulta de
Enfermagem: Histórico de Enfermagem (compreendendo a entrevista),
exame físico, diagnóstico de Enfermagem, prescrição e implementação da
assistência e evolução de enfermagem (COFEn, 2008).

Percebemos que a consulta de enfermagem, pode ser tomada como um campo pautado
por intervenções que extrapolam o caráter instrumental e o direcionamento para a recuperação

75
de um ideal de saúde, indo para além do conceito referido acima. Retomar seus conceitos por
uma via comprometida com o reconhecimento do sujeito, do cuidado em seu modo singular
de existência, considerando a história de vida, a posição subjetiva e o caráter ativo desse
sujeito no processo de cuidar.

Sendo assim, o cuidado clinico de enfermagem não se limita ao uso do raciocínio


clínico, do diagnóstico, da prescrição de cuidados e da avaliação da terapêutica instituída.
Deve envolver questões que digam respeito às relações que cada um estabelece consigo e com
o outro; às formas que o sujeito encontra de se apropriar de sua história de vida, de seus
signos e de seus sintomas; as maneiras com as quais ele significa a própria vida. Entendemos
ser importante realizar uma articulação entre a história do sujeito e sua constituição subjetiva
como ser de linguagem.

Nesse sentido, a escuta surge como ferramenta básica para a intervenção de


enfermagem tendo em vista que essa abordagem do sujeito só é viável através da
possibilidade de recorrer à sua própria fala, onde entendemos que o conceito de “escuta”
precisa ser mais bem delimitado, pois é freqüente que este seja reduzido a uma coleta de
informações do paciente (ainda que preocupando-se com a dimensão subjetiva) tendo em
vistas a construção de subsídios para que o enfermeiro possa intervir segundo suas intenções,
geralmente comprometidas com um ideal de saúde.

Para problematizarmos esse conceito de escuta recorremos ao referencial da clínica do


sujeito com um suporte psicanalítico, pois entendermos que estes nos possibilitam pensar a
construção de uma prática de cuidado que desloca o profissional de saúde do foco na cura da
doença, passando para uma perspectiva de desconstrução/reconstrução de sentidos, atrelada à
ética da singularidade de cada caso.

Trabalhar com a escuta é saber reformular o que o outro diz, por meio de uma escuta
atenta e disponível, fazendo questionamentos sem solucionar problemas, sem julgar,
interpretar, explicar ou investigar (POUJOL, 2006). Ao utilizarmos essa ferramenta, é preciso
identificar os níveis de comunicação com os quais o sujeito se expressa e ter uma “atenção
flutuante‟, a qual Freud definiu como sendo a atenção centrada em todo discurso do sujeito e
não nos pontos que interessa ao profissional/analista (FREUD, 1913).

A identificação do sujeito do inconsciente no discurso é possível através das rupturas


de sua fala (lapsos, sonhos, chistes, atos falhos, repetições). No entanto, para isso é necessária
76
a utilização da técnica de “associação livre” de Freud. Trata-se de uma regra fundamental do
referencial psicanalítico, onde o sujeito fala livremente sobre qualquer assunto. Não importa
de que tempo cronológico o sujeito fale, pois nessa técnica o inconsciente vai estar presente
na cena discursiva, e o sujeito pode reformular outros significantes para suas angústias,
ansiedades e sintomas (FREUD, 1913). O profissional sabendo intervir no momento certo da
escuta faz com que o sujeito não permaneça paralisado em ponto específico de suas
associações. Após defrontar-se com o mesmo termo de vez em quando, por um período que
pode chegar a levar meses, o inconsciente começa ceder. Um sentido é criado para esse
significante mestre do sujeito [...] que reformula sua posição perante o Outro (FINK, 1998).

A partir do texto Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise (1912),


Freud pontua o que o profissional deveria fazer como ideal na prática clínica, a saber:

I. Atenção flutuante à fala do sujeito, que não se deve deter muito naquilo que é dito pelo
paciente, nas significações já prontas. O sujeito vem para a consulta com o discurso bastante
amarrado em verdades conscientes, sustentando-se nessas significações.

II. Não adianta fazer muita anotação na escuta do sujeito.

III. Deve-se evitar organizar o caso clínico no momento em que ele está se desenrolando.

IV. Não se deve ter ambição terapêutica. O profissional não deve ter a intenção de curar.

V. O analista deve se submeter à regra fundamental para a psicanálise: Deixar que o sujeito
associe livremente seu discurso.

VI. No mecanismo de estratégia, querer sabe de toda a vida do sujeito de uma só vez reforça a
resistência.

VII. Saibam que o analista é colocado no lugar do Outro pelo analisando (Sujeito Suposto
Saber de Lacan).

VIII. Se as intervenções estiveram voltadas a conselhos e sugestões, o profissional estará


focando a psicologia na consciência.

IX. A análise é o que vai buscar o traumático, onde o sujeito tem um certo gozo masoquista.
Não adianta levar o sujeito de um significante a outro, ele é quem repete, recordar e elabora
novos significados.

77
Dessa forma entende-se que os sujeitos é que são os “produtores de conhecimento,
detentores do saber sobre os impasses de seu gozo, e únicos capazes de produzir as saídas
necessárias” (SANTOS; COSTA-ROSA, 2009, p.493).

Cuidar, nesta perspectiva, diz respeito a uma construção diária, elaborada a cada
encontro, em que possa significar: cuidar da relação transferencial, cuidar dos significantes,
cuidar da posição que estabelecemos para nós e para o paciente e, principalmente, cuidar em
não se esquecer que o saber inconsciente se caracteriza pelo desconhecimento (GARCIA,
2004).

No entanto, para que seja possível estabelecer um cuidado de enfermagem com uma
perspectiva psicanalítica, deve incluir os mecanismos que tornem possível o aparecimento dos
sujeitos (pacientes e profissionais), incluindo também espaços onde os profissionais
envolvidos com o caso possam discutir o mesmo, favorecendo um trabalho interdisciplinar e
acompanhamento do caso em supervisão, pois é nela que o terapeuta poderá realizar o
exercício de contar, falar do caso a um outro, para poder trabalhar, a partir de seu próprio
recalque, que possibilitará nomear os acontecimentos e transformar o a priori teórico em uma
teoria inédita de si e da relação com o paciente (GARCIA, 2004).

O panorama é desafiador. Várias são as possibilidades de contribuição da psicanálise


ao trabalho com pacientes em sofrimento psiquico. Porém, podemos afirmar que qualquer que
seja o recurso utilizado nos novos dispositivos de assistência à saúde mental, quanto a prática
psicanalítica, estará sempre atrelado à escuta singular do caso, pois, para que uma rede de
sustentação subjetiva, e conseqüentemente social, possa, de fato, ser efetivada é necessário
que o trabalho coletivo realizado no contexto institucional não prescinda do individual, e vice-
versa (MONTEIRO; QUEIROZ, 2006).

Neste discurso é preciso valorizar soluções dadas pelo próprio sujeito com uma
disponibilidade para dar lugar ao inesperado, ao que não estava inscrito. É preciso estar atento
ao inusitado, ao que não é possível de ser coletivizado pela equipe ou assimilado pelo sujeito,
isso muitas vezes passa despercebido pelos profissionais. (MONTEIRO; QUEIROZ, 2006).

O interesse maior deve estar pautado não na narrativa por si, mas no processo de
reconhecer o que está entre as necessidades e as demandas daquele sujeito com sofrimento.
Ao invés de barrá-lo impondo uma realidade que ele não enxerga, criar espaços para o sujeito
se manifestar, de amarrar os significantes de sua vida, proporcionando o deslocamento de
78
posições, ou seja, o profissional sair do lugar de detentor do saber, de ver o paciente de forma
coletiva e padronizada, e permitir que o próprio sujeito ocupe o lugar de protagonista da
clínica. Pois quando nos referimos a clínica do sujeito não significa uma clínica para o sujeito,
mas uma clínica que o sujeito é quem a conduz.

Partindo dos conceitos psicanalíticos é possível reconhecermos as especificidades


quanto à linguagem, à transferência, ao sintoma e ao desejo implicados nas entrelinhas da fala
dos sujeitos que vivenciam a experiência da maternidade. Já reconhecemos que o modelo
biomédico de atenção “[...] retira a responsabilidade do sujeito, apagando sua subjetividade,
ignorando sua singularidade e determinando um mesmo tratamento para todos. O sujeito do
inconsciente é desconsiderado, acarretando incidências sobre o estatuto da divisão subjetiva”
(GROSSI; NOGUEIRA, 1998, p.93).

Entendemos que as possibilidades de articulação dos componentes subjetivos da


história de vida dessa mulher com seu sofrimento, favoreça para a produção de um cuidado
que considere o sujeito em sua singularidade e amplie as dimensões da clínica, não só nos
serviços de saúde mental, mas também em todos os espaços que envolvam a relação do
enfermeiro com o paciente.

Os resultados desta produção vêm contribuir sobremaneira tanto para uma tentativa de
subversão da clínica e do cuidado gerando uma qualificação nos espaços de atendimento
clínico inseridos nos serviços públicos já existentes, como para reestruturação dos sujeitos em
sofrimento psíquico.

Entendemos que associar os sujeitos, sua história de vida, suas questões e desejos, é a
única forma de garantirmos um atendimento que considere a dimensão ética da assistência
pautada na verdade dos sujeitos. O enfermeiro que utiliza a psicanálise como um dos
norteadores de sua prática clínica pode refletir acerca das relações da subjetividade do
indivíduo com a sua história de vida, buscando fatos que estejam correlacionados ao
sofrimento psíquico do paciente e conduzir intervenções que auxiliem o sujeito em sua
terapia, possibilitando a emergência de um discurso onde o próprio sujeito compareça.

79
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

“O objetivo não é chegar a uma verdade final, mas sim


produzir conhecimento e levantar indagações sobre o
assunto estudado”
González Rey

Finalizamos este estudo, cientes que construir uma pesquisa nessa temática e nessa
abordagem necessita de certa dose de ousadia, pois foi preciso mergulhar em uma revolução
paradigmática em conceitos, valores e certezas. Isso demandou uma luta intensa e muita
dedicação, para apreender novas formas de fazer ciência, rompendo a visão patológica,
padronizada e naturalizada do fenômeno do sofrimento psíquico na maternidade.

Assim partimos para o desafio de construir esse estudo, encarar o campo e suas
imprevisibilidades que se mostra no encontro com o outro e as incertezas que ainda nos
rondava sobre o estudo e sua condução. Pois optamos por nos manter abertos ao que iríamos
encontrar, certos apenas de que queríamos escutar as mulheres e suas histórias, sair do lugar
de maestria permitindo a emergência de um saber novo (um saber não sabido). Com isso para
chegarmos até aqui, trilhamos um longo caminho de construções/desconstruções.

Reconhecemos que ainda há lacunas e pontos para serem explorados e compreendidos,


pois se apresenta como uma temática muito complexa que manifesta um misto de espanto e
curiosidade, pois ainda se mostra desconhecida e ao mesmo tempo delimitada pela ciência em
um quadro de sinais e sintomas definidos e generalizados.

Nessa seção não tentaremos colocar um marco definitivo no problema estudado, pois
nossa pretensão não é dar repostas, mas provocar perguntas, apontar duvidas,
questionamentos e uma possível condução a respeito da temática. Nossa intenção é dar uma
contribuição para compreensão e tratamento das mulheres que sofrem diante do fenômeno da
maternidade, sem, contudo ter a ambição de compreende-lo e explicá-lo na sua totalidade,
porém propor um olhar novo para os sujeitos, com uma nova abordagem, com uma tentativa

80
de inserir o sujeito e sua historia no olhar clinico do enfermeiro, acreditando na relação direta
da historia de cada sujeito e o sofrimento que lhe aflige.

Voltando aos objetivos do estudo, nos propomos a compreender como a vivencia da


maternidade se converte para a mulher/mãe em uma experiência de sofrimento psíquico,
julgamos que conseguimos atingi-lo pensando que para compreender o processo de
adoecimento psíquico no pós-parto implica em reconhecer que não lidamos apenas com
necessidades bio-fisiológicas, mas com a dimensão do desejo e no que ela implica de
articulação com o Outro. Que o processo de compreensão desse sofrimento perpassa suas
relações e significações desde a infância. O profissional de saúde não pode se limitar apenas a
cura e psicofarmacos, mas deve, antes de tudo, se perguntar: quem é essa mulher? Qual sua
historia de vida? Quais os significantes que marcam sua história? Como ela se tornou mulher?
O que é para ela ser mulher?

Essas e muitas outras questões se presentificam a partir do momento que passamos a


considerar a existência do sujeito do inconsciente, reconhecendo que este se constitui a partir
do seu encontro com a linguagem e na amarração de suas cadeias significantes. Levar em
conta apenas o sujeito aparente, o sujeito da consciência, implica em negar o “outro” que
existe nesse sujeito, que se impõe naquilo que não pode ser dito, no sintoma ou em outras
manifestações do inconsciente.

Reduzir a experiência subjetiva de uma mulher com sofrimento psquico no pós-parto


às questões hormonais ou mesmo a fatores sociais isolados é desconhecer que o sujeito,
apesar de habitar um corpo, não se reduz a ele. Considerado a concepção da priorização desse
sujeito optamos apreender os significantes da história de Flávia e suas interfaces, o que nos
direcionou a outra abordagem a outro caminho de busca dos sinais e sintomas, bem diferente
do modelo médico que priorizaria as alterações físicas e psíquicas, encaminhando o caso para
utilização de psicofármacos e algumas vezes até a separação da mãe e da criança, com ações
que exclui as questões, a história vivida e as subjetividades dos sujeitos.

Diante dos encontros e das significações de Flávia extraímos núcleos de sentidos que
remetem à sua forma de vivenciar a situação atual da maternidade e a interface do sofrimento
psíquico no pós-parto. Flávia julga de extrema importância a sua relação com o marido
optando em ariscar a sua vida em uma nova gravidez para „ter de volta esse marido‟ que
estava frio e distante, porém a gravidez não resolveu e surge um sofrimento. Isso atrelado na

81
eterna busca de Flávia de compensar sua incompletude no amor, gerando uma cadeia de
significantes que se articula em torno de uma repetição: aposta amorosa – decepção com essa
escolha - maternidade – risco de morte. Essa busca inicia-se desde a infância que seu pai era
ausente, sua mãe lhe deu para a tia, e ela sempre em busca por meio do amor alcançar sua
completude (pai, marido, mãe, irmã, filho da irmã e seus dois filhos).

Mesmo cientes que não damos conta de acessar o inconsciente, e o alcance da


decifração dos enigmas que estão intrínsecos nos sintomas da história de Flávia, diante do
pouco tempo e da metodologia do estudo que nos propomos em fazer. Tivemos um bom
ganho terapêutico na história de Flávia pelo simples fato de ela ter alguém para endereçar
aquele sofrimento, aquela angustia e a relação com sua história de vida.

A história abordada para discussão no estudo nos permitiu apresentar para a


enfermagem novos conceitos, novas formas de se fazer clínica e cuidado. Esclarecendo que a
resposta a nossas indagações em relação a modelos terapêuticos, diagnósticos e plano de
atuação a ser feito, devem ser buscados na fala do sujeito.

Em busca de romper o que muitas vezes se apresenta no cotidiano dos serviços de


saúde, a „sujeição‟ daqueles que buscam assistência aos saberes já prontos, o profissional já
sabe, de antemão, o que cada um deve ou não fazer para alcançar a cura, considerando que o
saber científico representa a verdade sobre os sujeitos e estes não são detentores de nenhum
saber. Propõe-se, ao invés do recorte, a abrangência; no lugar do modelo reducionista, a
complexidade. Cientes que o saber sobre o sujeito não está ao alcance de todos, e não estará
ao alcance de ninguém a não ser pela reintrodução de um questionamento sobre o sujeito, sua
história de vida, seus significantes.

Percebe-se que evocar a fala do sujeito e atuar uma escuta que o profissional se
desloque do seu lugar, de um saber pré-estabelecido para privilegiar o saber do sujeito, em um
processo de responsabilização do sujeito, que abra espaço para que o próprio sujeito elabore
as especificidades de sua situação, de seu sofrimento, uma escuta que não seja reduzido a uma
coleta de informações do paciente tendo em vistas a construção de subsídios para que o
profissional de saúde possa intervir segundo suas intenções, mas pensar a construção de uma
prática que se desloca do foco na cura, passando para uma perspectiva de
desconstrução/reconstrução de sentidos, atrelada à ética da singularidade de cada caso, onde
cada um possui em si mesmo um saber acerca do que lhe atinge.

82
Neste estudo a utilização da técnica da escuta e da atenção flutuante foi um dispositivo
fundamental para acessar o discurso do paciente, respeitando a expressão de sua
singularidade. Tendo a entrevista como uma forma adequada na obtenção da historia do
sujeito e para se levantar hipóteses sobre a estrutura clínica apresentada, pois se relaciona de
modo muito particular com a linguagem.

Sabemos que o processo de seguir os caminhos da psicanálise vai depender da demanda


e do desejo de cada enfermeiro, sabemos não ser possível a utilização de toda teoria
psicanalítica sem a pretensão de ser analista. O analista não é formado na universidade e não
existe regulamentação profissional, sua formação baseia-se no trabalho do seu inconsciente
(exige que o analista passe pelo processo de análise), no estudo teórico e na clínica
supervisionada. Sendo assim, não podemos apresentar a psicanálise como um modelo teórico
a ser adotado. O que cada enfermeiro, ou melhor, o que cada sujeito vai fazer com a
psicanálise, vai depender de cada um. Porém, se nesse percurso houver a decisão de trabalhar
com a psicanálise, necessariamente é preciso querer saber sobre seu inconsciente.

No entanto, para além da questão da formação do analista, acredito que a psicanálise


pode ser um suporte teórico que ajuda na mudança de paradigmas de cuidado, clínica e
sujeito. Mudando a forma do agir profissional e do abordar o paciente, por meio de algumas
ferramentas que guia esse cuidado clínico pela prática do um a um, na prática de considerar
todos os sujeitos envolvidos, citamos: a necessidade de cuidar de si (profissional) para
posteriormente cuidar do outro, a priorização da escuta da fala dos sujeitos cuidados no
momento da assistência, a priorização do saber do sujeito assistido (sair do seu pedestal de
portador do saber e considerar que o sujeito porta o saber), o processo de transferência no
momento da consulta e a abordagem da história de vida única e singular (considerando nessas
histórias os significantes e as questões que marcam o sujeito) certos de que o sujeito vai além
do sujeito cartesiano (consciente), ela porta uma dimensão inconsciente que atua nele o tempo
todo.

Para transcender uma clínica que responda apenas à dimensão consciente, é


recomendável que a abordagem ao sujeito se dê por meio do reconhecimento de sua
singularidade. Apostamos no fato de que, através da consideração da dimensão do sujeito
articulado ao seu desejo, podemos reinventar os espaços e ferramentas de assistir àqueles que
demandam nosso cuidado.

83
Isso nos faz reconhecer a necessidade dos profissionais de saúde em destacar aspectos
que direcione a responsabilização e inserção do sujeito, guiados pelo saber que cada um
possui sobre si e sobre as questões que ficaram marcadas na sua história, essa abordagem nos
faz resgatar um sujeito verdadeiramente agente da clínica

84
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

ALMEIDA, M.C.P; ROCHA, J.S.Y. O Saber da Enfermagem e sua dimensão prática 2ªed.
São Paulo: Cortez, 1989.

ALT, M. Dos S.; BENETTI, S. P. Da C. Maternidade e depressão: impacto na trajetória


de desenvolvimento psicologia em estudo, maringá, v. 13, n. 2, p. 389-394, abr./jun. 2008

ARRAIS, A da R. As configurações subjetivas da depressão pós-parto: para além da


padronização patologizante. Universidade de Brasília, Instituto de psicologia, departamento
de psicologia clinica Tese de doutorado de psicologia. Brasília, 2005

ASKOFARE, S. A arqueologia do cuidado: da prática ao discurso. Psicologia USP, 17(2),


157-166. 2006

AZEVEDO, K.R.; ARRAIS, A.R.; O mito da mãe Exclusiva e seu impacto na depressão
pós-parto. Psicologia:reflexão crítica, 19(2), 269-276, 2006

BADINTER, Elisabeth. Um Amor conquistado: o mito do amor materno.Tradução de


Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

BERETTA MIR, ZANETI DJ, FABBRO MRC, FREITAS MA, RUGGIERO EMS, DUPAS
G. Tristeza/depressão na mulher: uma abordagem no período gestacional e/ou
puerperal. Rev. Eletr. Enf. [Internet]. 2008; 10(4): 966-78. Available from:
http://www.fen.ufg.br/revista/v10/n4/v10n4a09.htm.

BICCA, L.: Racionalidade Moderna e Subjetividade. São Paulo: Edições. Loyola, 1997

BOFF L. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis (RJ): Vozes;
1999

BRASIL, Conselho Nacional de Saúde. Resolução n° 196/96. BIOÉTICA. Vol. 4, n° 2,


1996

BRASIL. Ministério da Saúde. PORTARIA Nº 399/GM DE 22 DE FEVEREIRO DE


2006. Divulga o Pacto pela Saúde 2006 – Consolidação do SUS e aprova as Diretrizes
Operacionais do Referido Pacto.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Área Técnica de Saúde da


Mulher. Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher, Área técnica da
Mulher. Brasília, 2001.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações


Programáticas Estratégicas. Área técnica de Saúde da mulher Síntese das diretrizes para a

85
política de atenção Integral à saúde da mulher – 2004 a 2007 Resumo das atividades
realizadas em 2003, Brasília, 2003.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações


Programáticas Estratégicas Política nacional de atenção integral à saúde da mulher: plano
de ação 2004-2007, Brasília, 2004.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações


Programáticas Estratégicas. Política nacional de atenção integral à saúde da mulher:
princípios e diretrizes, Brasília, 2004.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações


Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde da Mulher. Pré-natal e Puerpério:
atenção qualificada e humanizada - manual técnico. Brasília, 2005

CATÃO, Ines. A Tristeza das mães e seu risco para o bebê. In: Maria Elena Girade Corrêa;
Paulo Sérgio França; Laurista Corrêa Filho. (Org.). Novos Olhares sobre a gestação e a
criança até os 3 a nos. Brasília: L.G.E. Editora Ltda., 2002.

COELHO, E. DE A. C. FONSECA R. M. G. S. da. Pensando o cuidado na relação


dialética entre sujeitos sociais Rev Bras Enferm 2005 mar-abr; 58(2):214-7.

COSTA, R., PACHECO1, A., FIGUEIREDO, B. Prevalência e preditores de


sintomatologia depressiva após o parto / Rev. Psiq. Clín 34 (4); 157-165, 2007

COSTA , Ângela Maria Diniz. Trauma e repetição – um fragmento clínico pulsional.


Revista de psicanálise. Ano XIX, n. 186, junho/2006

CRUZ EBS, SIMÕES GL, FAISAL-CURY A Rastreamento da depressão pós-parto em


mulheres atendidas pelo Programa de Saúde da Família. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005;
27(4): 181-8

ELIA, Luciano. O conceito de sujeito. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, Psicanálise passo-a-
passo,50. 2004

FARIAS, C. N. DE F.; LIMA, G. G. de A Relação Mãe-criança: Esboço De Um Percurso


Na Teoria Psicanalítica. Estilos da Clínica, 2004, Vol. IX, no 16, 12-27

FIGUEIREDO, Luís Claudio. A metapsicologia do cuidado. Psyche. Ano XI. vol.11, n.21,
pp. 13-30 . São Paulo jul-dez/2007

FINK, Bruce. O sujeito lacaniano; entre a língua e o gozo. Tradução de Maria de Lourdes
Sette Câmara, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1998

FOLINO, C. Da S. G.; Encontro entre a psicanálise e a pediatria: impactos da depressão


puerperal para o desenvolvimento da relação mãe-bebê e do psiquismo infantil.
Dissertação de mestrado do programa de pós-graduação em psicologia escolar e do

86
desenvolvimento humano – Instituto de psicologia da Universidade de São Paulo. São Paulo,
2008

FOUCAULT, M. O nascimento da clínica. Tradução Roberto Machado. Rio de Janeiro:


Forense Universitária, 2004.

FOUCAULT, M. A Hermenêutica do Sujeito. tradução Márcio Alves da Fonseca, Salma


Tannus Muchail. – São Paulo; 2 Ed. Martins Fontes, 2006.

FREUD, S. (1914) Recordar, repetir e perlaborar, In: Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol XII, Rio de Janeiro, Imago. 1996

FREUD, S (1915). Luto e Melancolia. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas
de Sigmund Freud, vol. XIV, Imago, Rio de Janeiro. 1996

FREUD, S. (1920). Além do princípio do prazer. In: Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1996

FREUD, S. (1926). Inibição, sintoma e angústia. In: Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud.Vol. XX, Rio de Janeiro: Imago. 1996

FREUD, S. (1931) Sexualidade Feminina In: Edição Standard Brasileira das obras
completas de Sigmund Freud, vol. XXI Rio de Janeiro: Imago, 1996

FREUD, S. (1932). Feminilidade. In Edição standard brasileira das obras completas de


Sigmund Freud Vol. XXII. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Imago, 1996

FREUD, S (1905): Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: Edição Standard
Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, Imago, Rio de Janeiro. 1996

FREUD, S (1933): Novas conferências introdutórias à psicanálise. In: Edição Standard


Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, Imago, Rio de Janeiro. 1996

FREUD, S (1913) Sobre o início do tratamento. In: Edição Standard Brasileira das Obras
Completas de Sigmund Freud v.XII, Imago, Rio de Janeiro. 1996

FREUD, S (1925) Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os


sexos. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freu, Imago, Rio de
Janeiro. 1996

GARCIA, A.P.R.F. Apreendendo possibilidades de cuidar [dissertação]. Campinas:


Unicamp; 2004.

GROSSI, F.T.; NOGUEIRA, C.S.P. O social e as novas formas do sintoma: as toxicomanias.


In BENTES, L. GOMES, F. (Org.) O Brilho da Infelicidade. Rio de Janeiro: Contra Capa
Livraria, 1998. p.91-98.

87
GUALDA, D., MERIGHI, M., OLIVEIRA, S. Abordagens qualitativas: sua contribuição
para a enfermagem. Rev. Escola Enfermagem USP, São Paulo, v.29, n.3, 1995

HASSELMANN, M. H.; WERNECK, G. L.; SILVA, C. V. C. da. Sintomas de depressão


pós-parto e interrupção precoce da amamentação exclusiva nos dois primeiros meses de
vida. CAD. Suppl.2 de vol.24 de saúde pública Rio de Janeiro de 2008

HEIDEGGER, M. Ser e tempo. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1993. v. 1.

INFANTE, Domingos Paulo. O suicídio na adolescência. In: SAITO, M. I.; SILVA, L. E. V.


(Org). Adolescência: prevenção e risco. São Paulo: Atheneu, 2001

IRIBARRY, Isac Nikos. O QUE É PESQUISA PSICANALÍTICA? Ágora v. VI n. 1


jan/jun 2003 115-138

LEOPARDI, M. Metodologia da pesquisa em saúde. 2. ed. rev. Florianópolis: UFSC/ Pós-


Graduação em enfermagem, 2002.

MARCON H. H. A subjetividade no trabalho com saúde mental. Psychê, Ano XI n° 20,


Jan-jun p. 151-164, São Paulo, 2007

MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11 ed. São


Paulo: Hucitec, 2008.

MIRANDA, C.L.; O parentesco imaginário: história e representação social da loucura


nas relações do espaço asilar. Rio de Janeiro:Editora UFRJ, 1994

MYCZKOWSKI, Martin Luiz. Efeitos nerocognitivos e comportamentais da estimulação


magnética trans craniana em puerperas com depressão pós-parto. Dissertação Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo. Departamento de Psiquiatria. 2009

MONTEIRO, C. P., QUEIROZ, E. F. de. A clínica psicanalítica das psicoses em


instituições de saúde mental. Psicologia clínica, 18(1),109-121. 2006.

MORAES, I G da S, PINHEIRO, R T, SILVA, R A da, HORTA, B L, SOUSA, PAULO L R


E, FARIA A D, Prevalência da depressão pós-parto e fatores Associados Rev saude
publica 2006 40(1)

MOREIRA, M. E. L. (org). Quando a vida começa diferente: o bebê e sua família na UTI-
Neonatal. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003

MOTTA M. da G.; Lucion A. B.; Manfro G. G. Efeitos da depressão materna no


desenvolvimento neurobiológico e psicológico da criança. Rev Psiquiatr RS maio/ago
2005; 27(2):165-176

NASIO, Juan David. Objeto da Fantasia. In: A criança magnífica da psicanálise o conceito
de sujeito e objeto na teoria de Jacques Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1980 p. 64-
83.
88
PADILHA MICS, MANCIA JR. Florence Nigthingale e as irmãs de caridade: revisitando
a história. Rev Bras Enferm 2005 nov-dez; 58(6):723-6.
POUJOL C, Poujol J. Escuta. In: Manual de relacionamento de ajuda. Editora Vida Nova.
2006. p.133-162.

QUINET, A. “Atualidade da Depressão e a dor de existir” In: Extravios do desejo:


depressão e melancolia. Editora Rios, 1999.

QUINET A. A Descoberta do Inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

ROUDINESCO, Elisabeth; PLON, Michel. Dicionário de psicanálise. Tradução de Vera


Ribeiro e Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. 874p. p 223

RUSCHI, G E C, SUN, S Y, MATTAR, R., FILHO, A. C., ZANDONADE, E., LIMA, V. J.


de. Aspectos epidemiológicos da depressão pósparto em amostra brasileira Rev Psiquiatr
RS. 2007;29(3):274-280

SANTOS, S. I.; MATIJASEVICH, A.; TAVARES, B. F.; BARROS, A. J. D.; BOTELHO, I.


P.; LAPOLLI, C.; MAGALHÃES, P. V. DA S.; BARBOSA, A. P. P. N.;. BARROS, F. C.
Validação de a Edimburgo postnatal depressão escala (EPDS) numa amostra de mães do
estudo de coortes de nascimento de Pelotas de 2004. CAD saúde pública 2007; 23:2577 -
88.

SANTOS, M.F. S dos, Depressão no pós-parto: validação da escala de Edimburgo em


puerperas brasilenses. Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília, Brasília, 1995

SANTOS, C.E.; COSTA-ROSA, A. A experiência da toxicomania e da reincidência a partir


da fala dos toxicômanos. Estudos de Psicologia I, Campinas. v.24, n.4, p. 487-502, 2007.

SCHIAVO, R. A. Gravidez: um retorno às vivências edipianas. São Paulo: Redepsi- Portal


de Psicologia, 2008.

SCHWENGBER, D. D. DE S.; PICCININI C. A. O impacto da depressão pós-parto para a


interação mãe-bebê. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Estudos de Psicologia
2003, 8(3), 403-411

SILVA A P BARROS C R NOGUEIRA M L M BARROS V A de. “Conte-me sua


história”: reflexões sobre o método de História de Vida. Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Mosaico, estudos em psicologia ISSN 1982
– 1913, Vol. I, nº 1, 25-3. Belo Horizonte – MG, 2007.

SILVA, D. G.; SOUZA, M. R. DE; MOREIRA, V. P. Depressão pós-parto: prevenção e


conseqüências. Revista mal-estar e subjetividade, Fortaleza, v. Iii, n. 2, p. 439 – 450, set.
2003

89
SILVEIRA, L. C.; MIRANDA K C L.; GARCIA A P R F.; ALMEIDA A N S de. Cuidar
clínico, subjetividade e enfermagem: novos olhares na perspectiva da clinica do sujeito,
mimeo, 2008

SILVEIRA, D.P. Sofrimento Psíquico e Serviços de Saúde: cartografia da produção do


cuidado em saúde mental na atenção básica de saúde [tese]. Rio de Janeiro: Escola Nacional
de Saúde Pública; 2003.

SIMANKE RT. Metapsicologia lacaniana: os anos de formação. São Paulo: discurso


Editorial, Editoras da UFPR e FAPESP, ISBN: 8586590355. 2002

SOARES, Aline Pollyane Batista. FREITAS, Fernanda Cristina de. ALMEIDA, Lívia
Karolina de. SOUZA, Marcela. BARBOSA, Renata Oliveira. O Conceito de Fantasia na
teoria freudiana e na obra: “Homem dos Ratos” Psicologia - RedePsi - O seu Portal de
Psicologia 2008. Disponível em:
http://www.redepsi.com.br/portal/modules/smartsection/makepdf.php?itemid=1155

SOLER, Colette. O que Lacan dizia das mulheres. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 245
p, 2005.

SOUSA, V. F de. A depressão no ciclo gravídico-puerperal de mulheres atendidas em um


ambulatório de hospital geral. Universidade de São Paulo. Escola de Enfermagem de
Ribeirão Preto. Dissertação de mestrado do programa de pós-graduação em Enfermagem
Psiquiátrica. Ribeirão Preto, 2008.

SOUZA ML, SARTOR VVB, PADILHA MICS, PRADO ML O cuidado em enfermagem -


uma aproximação teórica Texto Contexto Enferm 2005 Abr-Jun; 14(2):266-70.

VALENTE, T. Z., LOPES, C. M. B. A Perda Simbólica E A Perda Real: O Luto Materno


Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO, Salão de Extensão e cultura –
Estabelecendo diálogos, construindo perspectivas, 2008. Disponível em:
http://www.unicentro.br/proec/publicacoes/salao2008/artigos/Thaysa%20Zubke.pdf,
Acessado em 03/11/09

VIEIRA, E.M.; A medicalização do corpo feminino. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2002

VIGANÒ, C. A construção do caso clínico em saúde mental. Psicanálise e Saúde Mental,


Revista Curinga, Belo Horizonte, EBP/MG, n. 13, p. 50-9, set./1999.

WALDOW, Vera Regina. Bases e princípios do conhecimento e da arte da Enfermagem.


Petrópolis: Vozes, 2008.

WALDOW, Vera Regina. Cuidar – expressão humanizadora da enfermagem. 2. Ed.


Petrópolis: Vozes, 2007

ZUCCHI, Marcia Aparecida. Estranhas Entranhas. Psicanálise e Depressão na Gravidez.


2000

90
APÊNDICE

87
APÊNDICE 1
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE

Prezada Senhora:
Sou aluna do Curso de Mestrado da Universidade Estadual do Ceará - UECE. Venho
convidar a senhora a participar do estudo que estou desenvolvendo, intitulado: “Quando ser
mãe dói: historias de sofrimento psíquico no puerpério”, tendo como objetivo compreender
como a vivência da maternidade se torna para a mulher/mãe uma experiência de sofrimento
psíquico (mental), buscando identificar como a mulher considera a situação atual, qual o
significado de ser mãe, qual o envolvimento desse sofrimento com sua historia de vida e
como é sua relação com o bebe, com o parceiro e com a família.
Solicito sua participação no estudo por meio do seu consentimento em duas vias. Sua
participação se dará através de conversas individuais que teremos em mais de um encontro e
será gravada. Gostaria de deixar claro, que essas informações são sigilosas, seu nome não será
em nenhum momento divulgado e não lhe trará riscos. As informações cedidas somente serão
utilizadas para o estudo. Informo ainda, que sua participação é voluntária mesmo tendo
aceitado participar poderá a qualquer momento durante o andamento da pesquisa desistir, com
liberdade para retirar seu consentimento. Sua colaboração e participação poderão trazer
benefícios no desenvolvimento de uma melhor assistência à mulher com sofrimento psíquico
no pós-parto.
O Comitê de Ética da UECE encontra-se disponível para quaisquer esclarecimentos
pelo fone: 31019890 Endereço: Av Parajana, 1700 Itaperí Fortaleza-CE. Eu, Denise Tomaz
Aguiar, como pesquisadora responsável também me disponibilizo para quaisquer
esclarecimentos no endereço rua recanto tranqüilo N° 102 Apto 302 Bl:C Itaperi e nos
telefones: (88) 99142505 (85) 32320038
Fortaleza, _____ de ___________________ de 2010.
_______________________________________
Assinatura do entrevistado
_____________________________________
Assinatura da Pesquisado

88
ANEXO

89

Você também pode gostar