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Traducio do original russo “Vopr6ssi stilistiki na ur6kakh rissk {80 iazika v stiédnei chk6le”, em Mikhail M. Bakhtin, Sobrdnie sotchim nil v semi tomakh [Obras reunidas em 7 volumes}, vol. 5, Raboti 1940-kh —natchala 1960-kh godov [Trabalhos dos anos 1940 a0 comego dos anos 1960], Serguei G. Botcharov e Liudmila A. Gogotichvili (orgs.), Moscow, Russkie Slovari, 1997. Questées de estilistica no ensino da lingua! Mikhail Bakhtin {As formas gramaticais [1]? ndo podem ser estudadas sem que se leve sempre em conta seu significado estilistico. Quan- do isolada dos aspectos semanticos e estilisticos da lingua, a gramética inevitavelmente degenera em escolasticismo. Nos tempos atuais essa afirmagio, em sua fonmulayo geral, j4 soa como um truismo. Entretanto, no que diz res- peito ao seu emprego concreto na pratica educacional, a ‘questao esta longe do ideal. Na pratica, muito raramente professor da e sabe dar explicagdes estilisticas para as formas gramaticais estudadas. As vezes ele até aborda a estilistica nas aulas de literatura (alias, muito pouco e de modo super- ficial), mas o contetido das aulas de lingua materna é a gra- ‘a pura. [2] “Nesta edigio, optou-se por uma forma simplifieada do titulo ori- ginal, “Questées de esilistica nas aulas de lingua russa no ensino médio”. O sistema educacional na Unio Soviética passou por muitas reformas. Na época em que foi escrito 0 artigo (anos 1940), dividia-se em trés partes: a pré-escolas 0 ensino médio; eo ensino superior. O ensino médio, por sua ‘et, dividia-se em ensino médio incompleto, da 1” a 7* série (equivalente no Brasil 20 ciclo do ensino fundamental), ¢ o ensino médio completo (opclonah, da 8° 2 10° série (equivaleme wo Brasil av csino médio). 0 artigo de Bakhtin, como veremos, 6 voltado ao timo ano do nosso ensi- no fundamental e aos trés anos do nosso ensino médio. (N. da‘) 2 Os niimeros entre colchetes referem-se as notas da edigio russa, reproduzidas no presente volume ds paginas 61-91. (N. da T.) Questdes de estilistica no ensino da lingua 23 © problema é que uma abordagem mais ou menos sis tematica de estilistica das formas gramaticais isoladas> nao. aparece na nossa bibliografia metodolégica. Essa abordagem dda questio nao foi sequer colocada — nem se coloca® atual- mente —em nossa literatura, Caso necessite compreender 0 significado estilistico de alguma forma gramatical, por exem- plo, do aspecto verbal, do participio, do gertindio, o profes- sor precisara consultar livros de acesso muito dificil, como Algumas notas sobre a gramética russa [Iz zapissok po rits: skoi grammidtike] de A. A. Potebnia. [7] Embora bem pro- fandas, as andlises que ele encontrar nessa obra no si0 capazes de dar respostas as stias questdes praticas. Repeti- mos: em lugar algum ele encontrar uma abordagem siste- mitica para as questes estilisticas da gramatica. Desnecessario dizer que os manuais de S. G. Barkhudé- roy, bem como os textos de metodologia sob sua organizacao, nao fornecem ao professor nenhuma ajuda nessa 4reaS TToda forma gramatical é, a0 mesmo tempo, um meio de representagao. [9] Por isso, todas essas formas podem e de- vem ser analisadas do ponto de vista das suas possibilidades de representagdo e de expressio, isto 6, esclarecidas e avalia- _} Aantiga tentativa de V. Teherichiov de elaborar tal estilistica nao teve éxito e nao é capaz de ensinar quase nada ao nosso professor, Ver: V. Tehernichiov, Pravilnost i tcbistotd ritsskoi riétchi: Spit nisskoi stlist- tebeskoi grammatiki (Corregao e pureza da lingua russa: estudo de uma ‘gramética estlistica russa), Sio Petersburgo, 1914-5. [3] 4 gramia exlitica (eeu fundamentraetliic inguin foraehon cena na Franga. Seus fundamentos cientificos cia A trabalhos da escola de Ferdinand de Saussure ([Charles} Bally, [Albert Secheaye, [ere] This [i excels naa de rte escola [5] Na Aleman, esas quests foram abordadas pla escola de ‘Vossler (Leo Spitzer, [Etienne] Lorck, [Eugen] Lerch etc.). [6] Nesse manual, alguns exercicios de sintaxe desorientam com mente o professor. [8] hae 7 Mikhail Bakhtin das de uma perspectiva estilistica. No estudo de alguns as- pectos da sintaxe, aliés muito importantes, essa abordagem estilistica € extremamente necessaria. Isso ocorre, sobretu- do, no estudo das formas sintaticas paralelas ¢ comutativas, isto 6, quando 0 falante ou o escritor tem a possibilidade de escolher entre duas ou mais formas sintaticas igualmente corretas do ponto de vista gramatical. [10] Nesses casos, a escolha é determinada nao pela gramética, mas por consi- deragées puramente [11] estilisticas, isto é, pela eficacia re- presentacional e expressiva dessas formas. Por conseguinte, em tais situac&es ¢ impossivel prescindir das explicagdes estilisticas. Por exemplo, o aluno aprende em quais condigdes uma oragdo subordinada adjetiva pode ser transformada em um participio e quando tal mudanga é impossivel, além de tomar conhecimento da técnica gramatical dessa converséo. Entre- tanto, nem os professores nem o manual explicam ao aluno quando e para qué essa alteragdo ¢ feita. Involuntariamente aluno se pergunta: para que preciso saber fazer tal trans- formacio, se nao entendo seu objetivo? Esta claro que 0 ponto de vista estritamente gramatical nao é em absoluto suficiente em tais situagdes. [12] Observemos as seguintes frases: A noticia que eu ouvi hoje me interessou muito. A noticia ouvida por mim hoje me interessou muito. Ambas sio gramaticalmente corretas. A gramética per- mite as duas formas. Mas quando devemos escolher uma ou outra? Para responder a essa pergunta, preciso entender os aspectos estilisticos positivos e negativos, isto é, a especifici- dade estilistica de cada uma dessas duuas formas. O professor deve mostrar, de um modo que seja bem acessivel aos alunos, fo que perdemos e 0 que ganhamos ao escolhermos uma ou outra dessas frases. Ele deve explicar aos alunos que, a0 Questées de estilistica no ensino da lingua 25 transformar uma ora¢ao subordinada desenvolvida em uma reduzida de particfpio, diminuimos a natureza verbal dessa frase, realcamos o carter secundario da ago, expresso pelo verbo “ouvir”, assim como diminuimos a importncia da palavra indicativa de circunstancia “hoje”. Por outro lado, essa alteragdo provoca uma concentragao de sentido e de énfase no “protagonista” dessa frase, na palavra “noticia”, a0 mesmo tempo em que se obtém uma grande concisdo expressiva. Na primeira frase, hé dois personagens ou protagonis- tas: “noticia” ¢ “eu”, sendo que algumas palavras agrupam- -se em torno de “noticia” (“muito”, “interessou” e “me”), ¢ outras em torno de “eu” (“ouvi” e “hoje”). Na segunda frase, o segundo protagonista (“eu”) sai de cena, e todas as palavras agrupam-se agora em torno do tinico protagonista, “noticia” (ao invés de “eu ouvi”, agora temos “a noticia ouvida”). Isso altera o sentido especifico das palavras iso- ladas que compéem a frase. A fim de levar os estudantes a compreenderem por si mesmos essa questo, [13] ¢ til fazer a seguinte pergunta: seria possivel fazer a transformagao, se 0 falante quisesse enfatizar [14] que foi justamente hoje que ele ouviu a noticia? Imediatamente fica claro para os estu- antes como o peso especifico dessa palavra enfraquece com a mudanga. Em seguida, 6 preciso mostrar a eles que a natu- reza verbal da frase e peso especifico das palavras indicati- vas de circunstdncias podem diminuir ainda mais, se a ora¢ao reduzida de participio for colocada antes do substantivo de- terminado por ele: Ouvida por mim hoje a noticia me interessou muito.§ § Por ser uma lingua declinada, 0 russo proporciona uma maior versidade na ordenagio das palavras na frase; variagio acompanhada rnormalmente por uma mudanga de énfase. Nossa traduco procurou pre- 26 Mikhail Bakhtin Por meio da correta entonacao dessa frase, mostramos aos alunos que as palavras “ouvida por mim hoje” sao pro- nunciadas de forma mais répida e quase sem nenhuma énfa- se. O valor semantico dessas palavras é diminuido drastica- mente: nossa entonagao passa por elas negligentemente, apressando-se em diregao a palavra “noticia” sem parar no caminho, sem pausa. Os alunos compreenderio o sentido estilistico da colocacao do participio diante do referido subs- tantivo, um sentido que seria completamente oculto para cles em uma abordagem formal e gramatical sobre 0 uso das virgulas. A propésito, o uso das virgulas ganharia um novo significado. E ébvio que a explicagao estilistica de nossas frases est longe de esgotar 0 assunto. Porém, é suficiente para nossos objetivos. Nesse exeuplu, o mais importante € mostrar a necessidade absoluta da interpretagao estilistica de todas as formas sintadticas parecidas. [15] Infelizmente, de modo ge- ral, nossos professores tém dificuldade em dar tais explica- bes. As questdes dos alunos sobre quando e para qué fazer a transformagao (que eles costumam fazer com frequéncia ¢ insisténcia), 0 professor limita-se a responder de modo re- corrente que convém evitar a repetic¢ao excessiva da palavra “que” [16] e orientar-se [17] pelo que for mais harmonio- so. Tais respostas so insuficientes, além de incorretas em esséncia. A interpretacao estilistica é absolutamente necessaria para o ensino de todas as questdes de sintaxe do periodo composto, [18] isto é, do curso inteiro da 7* série.” [19] A servar as alteragdes na ordem e no efeito estilistico, embora nem sempre 6 resultado soe natural em portugués. Observe se que o mesmo ocorre com alguns exemplos retirados do artigo de Vinogridoy utilizados no texto “Bakhtin, Vinogradov e a estilistca” (pp. 93-116 deste volume). (N. dar) 7 Equivalente 20 9 ano do nosso ensino fundamental, (N. da 7.) Questdes de estilstica no ensino da lingua 7 andlise estritamente gramatical desses aspectos faz com que os estudantes somente aprendam, no melhor dos casos, a analisar frases prontas em um texto alheio e a empregar os sinais de pontuagio nos ditados de modo correto, mas a inguagem escrita e oral dos alunos quase nao se enriquece cam as novas construgies: eles nfo utilizam, de modo algum, muitas das formas gramaticais estudadas e, quando o fazem, revelam total desconhecimento da estilistica. Sem a abordagem estilistica, o estudo da sintaxe nao cenriquece a linguagem dos alunos e, privado de qualquer tipo de significado criativo, nao hes ajuda a criar uma linguagem propria; ele os ensina apenas a analisar a linguagem alheia ja criada e pronta. Entretanto, isso ja € escolstico. Neste tra- balho, pretendemos nos deter na andlise estilistica mais de- talhada de apenas uma forma: os perfodos compostos por subordinagao sem conjungao. A nosso ver, 0 ensino correto € profundo dessa forma € extremamente produtivo para que os alunos aprendam a usar a linguagem de modo criativo. Entretanto, essa questo ainda nao foi analisada na nossa bibliografia. Nos trabalhos de Potebnié, Chakhmatov e Pe- cchk6yski encontra-se um ntimero significativo de observagées valiosas sobre diversos tipos de periodos compostos por su- bordinagéo sem conjungio, porém essas observagies ao foram sistematizadas e estio longe de serem completas do ponto de vista estilistico. [20] No nosso caso, essa questo nos interessa, é claro, sob o prisma metodolégico antes de mais nada. Por meio desse exemplo de analise estilistica de uma questo gramatical particular, esperamos explicar melhor a nossa ideia geral sobre o papel da estilistica nas aulas de lingua materna. [21] © perfodo composto por subordinagao sem conjungao, (de todos os tipos) aparece muito raramente nas produgdes 28 Mikhail Bakhtin escritas por alunos dos tiltimos anos (8*, 9* e 10* série do ensino médio).® Todo professor sabe disso por experiéncia prépria. Analisei detalhadamente todas as redacdes feitas em casa ena sala de aula de duas turmas paralelas de 8* série produzidas no primeiro semestre, totalizando cerca de tre- zentas redagdes. Em todas essas redacdes ocorreram apenas trés casos de utilizagao de periodo composto por subordina- ‘cdo sem conjungio (é claro, com excegao das citagdes)! Com (0 mesmo objetivo examinei aproximadamente oitenta reda- ges dos alunos da 10° série da mesma época. Nelas ocorre- ram apenas sete casos de utilizagao dessas formas. [22] As conversas com professores de outras escolas confirmaram as minhas observagdes. No comego do segundo semestre, fiz ditados especiais para a 8* ¢ 10? séries nos quais havia perio- dos compostos por subordinayav sci conjungae. Os resul tados dos ditados foram bastante satisfatérios: havia pou- quissimos erros de pontuagao nesses periodos. Os ditados ¢ as conversas posteriores com os alunos convenceram-me de que, ao encontrar 0 periodo composto sem conjungao em um texto alheio pronto, os alunos o en- tendiam bem, lembravam das regras e quase nao erravam na ‘0. Porém, ao mesmo tempo eles nao sabiam em 1 ntilizar essa forma em seus proprios textos, nao sabiam utilizé-la de modo criativo. Isso aconteccu porque 0 nificado estilistico dessa forma maravilhosa nao foi devi- damente abordado na 7* série. Os alunos nao sabiam seu valor. Seria preciso mostrar a sua importancia para eles. Seria preciso fazer com que 0s alunos tomassem gosto por ela, forgé-los a apreciar o period composto sem conjungao como um meio de expresso linguistica excelente, por meio de uma minuciosa andlise estilistica das particularidades e vantagens dessa forma. Mas como fazer 1850? ® Séries equivalentes a0 1°, 2° e 3° ano do nosso ensino médio. (N. da) Questées de estilistica no ensino da lingua 29. Pelas minhas observagées e pela minha experiéncia, esse trabalho deve ser organizado do seguinte modo. Ele deve basear-se em uma andlise detalhada das trés frases a segui 1) Triste estou: 0 amigo comigo nao esta. (Pichkin) 2) Ele comeca a rir — todos gargalham. (Pichkin) 3) Acordei: cinco estagoes tinham ficado para tras. (G6- gol) [23] ‘Ao comecar a andlise da primeira frase, em primeiro lugar devemos lé-la com uma expressividade maxima, até reforgando um pouco a sua estrutura de entonagio e enfati- zando, com ajuda de mimica e de gestos, o elemento dramé- tico contido nessa frase: é muito importante fazer com que vs alunus escutenn © avaliem aqueles momentos de expressi- vidade (sobretudo emocional) que desaparecerio quando a construgo sem conjungao for transformada em um perfodo composto com conjungao; eles devem sentir 0 papel nortea- dor exercido pela entonagao nos periodos desse tipos eles devem sentir e ver qual é a necessidade interna de combinar a entonagao com a mimica e 0 gesto quando 0 verso de Piich- kin é pronunciado em voz alta. Depois que os alunos escu- tam a frase, depois que cla é levada A sua percepgao artistica imediata, sera possfvel comegar a andlise daqueles recursos que ajudam a alcangar o seu efeito artistico ¢ a sua expressi- vidade. Essa anélise deve ser feita na seguinte ordem: 1) Transformamos o periodo analisado em um perfodo comum composto com a conjungao “porque”. Tentaremos primeiro introduzir a conjungao de forma mecanica, isto é, sem mudar a frase: Triste estou, porque o amigo comigo nao esta. Apos a discussao com os alunos, chegamos a conclusio que nao € possivel deixar a frase desse jeito; 0 uso da conjun- sao torna a inversdo de Piichkin inadequada e é necessario reconstruir a ordem direta, “l6gica” e comum das palavras: 30. Mikhail Bakhin Estou triste, porque o amigo ndo esté comigo. Ou: Estou triste, uma vez que 0 amigo nao estd comigo. Ambas as frases esto totalmente corretas tanto do pon- to de vista gramatical quanto do estilistico. Ao mesmo tempo, os alunos aprenderam que a omissio ou a recolocagio da conjungio nao é um procedimento simplesmente mecanico: [24] ela determina a ordem das palavras na oragao e, por conseguinte, as énfases dadas as palavras. 2) Fazemos a seguinte pergunta aos alunos: qual € a diferenga entre a oracdo com conjungao criada por nés ea oraco sem conjungao de Piichkin? Sem grandes dificulda- des obtemos a resposta de que na nossa reformulagao foi perdida a expressividade emocional da frase de Piichkin que na variante reformulada a oragdo ficou mais fria, seca e Logica. Adiante, junto com os alunos, chegamos a conclusio de que 0 elemento dramatico do periodo sumiu totalment aquela entonagio, a mimica ¢ 0 gesto com ajuda dos quais cexpressvamos a dramaticidade interna durante a leitura em voz alta do texto de Piichkin tornaram-se claramente incon- venientes na leitura da nossa reformulago. De acordo com 8 alunos, a frase tornou-se mais literdria, muda, para leitu- 1a com os olhos: ela ndo pede mais uma leitura em voz alta. De modo geral, os alunos concluem que, do ponto de vista da expressividade, perdemos muito ao trocar a construgio sem conjungao pela com conjungao. 3) Comegamos o estudo gradual das razdes da perda da expressividade na frase alterada. Antes de tudo, detemo-nos nna andlise das conjungdes subordinativas “porque” e “uma vex que®. Chamamos a atengo dos alunos para 0 volume excessivo e a sonoridade desagradavel dessas conjuncées. Iixemplificamos como o discurso é afetado quando ha um ‘oxcesso dessas palavras volumosas, e como seu cardter torna- “4c livresco, seco e sonoramente desagradavel, quando ocor- ‘Questies de esilistica no ensino da lingua 31 re um uso frequente dessas conjungGes. Por isso, os artistas da palavra sempre tentavam minimizar 0 seu uso. Contamos 0s alunos como ao longo de todo o século XIX e ainda no século XX (em poetas arcaizantes como Viatcheslav Ivanov) continuaram a existir (principalmente na linguagem poética) as conjungGes arcaicas do eslavo eclesidstico ibo e zane,? justamente porque eram mais curtas e soavam melhor do que “porque” ¢ “uma vez que”, excessivamente volumosas. Ilus- tramos essa questo com exemplos. Adiante passamos as particularidades da semdntica das, conjungées subordinativas, explicando aos alunos que tais palavras auxiliares, como as conjungdes subordinativas que expressam relacdes puramente ldgicas entre os periodos, sio totalmente privadas dos elementos visual ou imagético: no se pode visualizar 0 seu significado como uma imagem; por isso, elas nunca terio um significado metaférico no nosso discurso, nem serao usadas de maneira irdnica, e tampouco a entonacao emocional podera basear-se nelas (ou elas sim- plesmente nao podem ser pronunciadas com emogao); por tanto, so totalmente privadas daquela vida rica e diversifi- cada que as palavras com significado referencial ou imagéti- co tém no nosso discurso. E claro que essas conjungGes pu- ramente l6gicas sao indispensaveis no nosso discurso, mas sao palavras frias e sem alma. [25] 4) Apés a analise das conjungées subordinativas, abor- damos a sua influéncia no contexto inteiro. Antes de mai nada, explicamos aos alunos 0 significado estilistico da ordem das palavras no periodo (ou, mais precisamente, refrescamos essa questo em sua meméria, pois eles jé a devem conhecer). Mostramos (com exemplos) 0 significado especial da entona- 9 Sio conjungées sinénimas com significado de “porque”. O eslavo ‘eclesiistico é uma lingua eslava antiga que se formou por volta do século Xe continua a ser usada pela Igreja Ortodoxa russa contemporanea em smissas,rtuais ete. (N. da T.) 32 Mikhail Bakhtin do da primeira palavra do periodo (depois da pausa). A conjungao curta no comeso da oragao nao ocupa um lugar especial na entonagao, porém as locugées conjuntivas “por- que” e “uma ver que” preenchem de forma improdutiva esse primeiro lugar (no sendo enfaticas) e, por isso, enfraquecem toda a estrutura entonacional do periodo. Além disso, a na- tureza semantica dessas conjungoes e sua frieza espectfica influenciam toda a ordem das palavras no periodo: a inversa0 emocional torna-se impossivel. Comparando o periodo de Ptichkin com aquele modificado por nds, mostramos aos alunos como a recolocagao provocou uma diminuigao do peso entonacional da palavra “triste” na primeira parte do periodo composto e da palavra “comigo” na segunda parte; como 0 tom emocional da palayra “nao” foi bruscamente enfraquecido. 5) Fazemos os alunos tirarem suas préprias conclusdes a partir de nossa andlise. Apresentamos a seguir essas con- clusGes. A substituigao da oragao de Piichkin sem conjungao pela com conjungao resultou nas seguintes mudangas estili ticas: a) a relagio ldgica entre as oracdes simples, revelada e posta em primeiro plano, enfraqueceu a relagao emocional dlramatica entre a tristeza do poeta e a auséncia do amigos b) diminuiu-se drasticamente a carga entonacional, tan- to em cada uma das palavras quanto em todo 0 perfodo: © papel da entonacio foi substituido pela conjuncao légica frias ‘agora, ha mais palavras no perfodo, porém bem menos espa- 0 para a entonacao; c) a dramatizacao da palavra por meio da mimica e do esto tornou-se impossivels d) diminuiu-se a capacidade do discurso de produzir imagenss ©) 0 periodo parece ter passado ao registro mudo, tor- hou-se mais adaptado a leitura silenciosa do que a leitura expressiva em voz altas ‘QhiestOes de esilistica no ensino da lingua 33 £) a oracdo perdeu sua concisao e se tornou menos agra- davel aos ouvidos. [26] ‘A anélise do segundo periodo de Paichkin pode ser rea- lizada com base em tudo 0 que foi dito acima e de modo mais breve. £ necessario chamar a atengao dos alunos apenas para ‘© que ha de novo no segundo perfodo. Antes de tudo, lem- bramos aos alunos que aqui ocorre outra relagao légica entre oragGes simples: isso se expressa também em outro sinal de pontuagao. [27] Adiante passamos a substituigao dessa construco sem conjuncio pela com conjungao. Aqui encon- tramos dificuldades de imediato. © periodo “Quando ele comega a rir, todos gargalham” nao satisfaz de modo algum 08 alunos. Todos sentem que foi perdido um trago semanti- co muito importante. Comecemos a anélise. Alguns dio a formulagdo “Sempre que ele ri, todos gargalham”, outros sugerem “Apenas quando ele ri, outros também ousam gar- galhar”, ou entéo “Basta ele rir que todos comecam a garga- Ihar servilmente”. Todos concordam que o tiltimo periodo é © mais adequado do ponto de vista do sentido, embora ele reformule o texto de Paichkin com liberdade excessiva. A discussdo com os alunos nos faz. concluir que as palavras “sempre”, “apenas quando” e “basta... que” — e até mes- mo as palavras “ousam’” ¢ “servilmente” — transmitem sen- tidos diferentes das do texto de Pichkin e so necessdrias para tanto, porém todas elas em conjunto nao exaurem a plenitude desse sentido, que é inseparavel da sua expresso verbal. Antes de passar & anélise seguinte seria Gitil apresentar aos alunos as particularidades semanticas das locugdes con- juntivas que se manifestam na substituicao desse tipo de fra- se. As locugbes conjuntivas, diferentemente das conjung6es, também possuem um aspecto figurado, mas ele é fortemente enfraquecido ¢, portanto, privado da forga metaférica; elas também admitem certa tonalidade emocional (muito fraca). 34 Mikhail Bakhtin A presenca das locugdes conjuntivas nos perfodos (principal- mente as muito volumosas) traz l6gica & sua estrutura, porém no tanto quanto a presenga das conjungdes subordinativas complexas. Na anilise posterior destacamos os seguintes aspectos: 1) A dramaticidade é propria da segunda frase de Paich- in, porém nao é emocional como na primeira, mas dind- mica. A aco desenvolve-se diante dos nossos olhos como se fosse no palco; a segunda oragao simples (“todos garga- Iham”) literalmente responde a primeira (“Ele comega a rit”). E.como se nao estivéssemos diante da narragao de uma acao, mas da prépria ago. Essa dramaticidade dinamica é alcan- cada antes de tudo por meio do estrito paralelismo na cons- trugdo de ambas as oragdes: “ele” — “todos”, “comeca a rin” — “yaryalham”; a segunda oragao representa uma espé- cie de reflexo espelhado da primeira, assim como a gargalha- da dos convidados é reflexo efetivo da risada de Oniéguin."° Desse modo, a construgao do discurso reproduz de forma dramatica 0 acontecimento narrado. [28] Chamamos a aten- io dos alunos para a forma do verbo na primeira oragao (“comega a rir”):!1 ela reforca a dramaticidade da agdo ao tnesmo tempo que expressa a sua reiteragao (que, no periodo com conjungao, é expresso por meio de “sempre que”). 2) Chamamos a atenco dos alunos para a laconicidade excepcional do perodo de Piichkin: duas oracdes simples formadas pelos termos essenciais e apenas seis palavras, mas com que plenitude o periodo revela o papel de Oniéguin jiessa reuniao de monstros, como mostra sua autoridade do- ininante! Observaremos também que, 20 escolher para Onié- Jiuin o verbo “rir” e para os monstros o verbo “gargalhar”, Tevguéni Onigguin, protagonista do romance em versos homéni- {i (1830) de Aleksandr Péichkin, (N. da.) 11 Fim russo 0 verbo esta no tempo futuro, porém em portugues ‘plamos pelo presente. (N. da T.) Bib de eilsica no ensino da lingua 3 mostra-se claramente como eles deturpam de modo grosseiro tir toda a plenitude do que foi mostrado apresentado dra- e bajulador as ages do seu soberano. maticamente diante dos nossos olhos. Apés a discussdo com 3) Levamos 05 alunos & conclusio que encerra nossa 08 alunos, optamos pela seguinte substituig4o: “Quando eu anilise: 0 perfodo sem conjungdes de Paichkin nao narra um acordei, verificou-se que cinco estacdes jé tinham ficado para acontecimento, mas o apresenta de modo dramatico diante tras”. de-nés por meio da prépria forma de sua composigio. Quan- Depois de formular e anotar na lousa esse periodo, cha- do tentamos transmitir seu sentido com a ajuda da forma mo a atengao dos alunos para a expressao metaforica auda- subordinativa com conjungées, passamos da apresentacao ciosa, quase uma personificagio usada por Gégol: “cinco Para a nartaco e, portanto, por mais que colocassemos pa- estacdes tinham ficado para tras”. De fato, nao foram as lavras adicionais, nunca transmitirfamos toda a plenitude estagdes que ficaram para tras (embora seja justamente essa conereta daquilo que foi apresentado. [29] Ao tornar légicas a impresso imediata de quem esta viajando), mas o viajante as relagdes entre as oragdes simples por meio da introdugao € que seguiu adiante. Perguntamos aos alunos se essa expres- das locugées conjuntivas, destruimos a dramaticidade eviden- so soava bem em nossa reelaboraco do perfodo gogoliano tee viva do periodo puchkiniano. [30] (pois a de Gégol soava excelente) e se ela seria cabfvel no caso da subordinagao com conjungao. Os alunos concordam co- Depois de tudo que foi dito, a andlise do terceiro exem- migo que essa expresso quebra um pouco 0 estilo légico do plo nao apresenta mais dificuldades. No periodo de Gégol, nosso perfodo e que ela deveria ser substitufda por uma mais © dramatismo dinamico que j conhecemos é expresso de s6bria e racional, embora nao menos metaforica e dinamic: forma ainda mais evidente, embora um pouco distinta. Na “eu ja tinha pasado cinco estagdes”. Como resultado das leitura do texto gogoliano é necessdrio transmitir, com certo transformagoes, obtivemos um periodo bastante correto, po- exagero entonacional, a surpresa agradavel do viajante que rém seco ¢ inexpressivo: nao sobrou nada da dramaticidade acabara de acordar. A pausa entre as oragdes simples (mar- dinamica de Gégol ¢ do seu gesto impetuoso e audacioso. cada por um travessao [31}) transmite a expectativa diante A partir do exemplo analisado ¢ do uso de material com- de uma surpresa, o que tem de ser expresso na leitura dra- plementar, explicamos aos alunos que todas as expresses, matica por meio da entonagao, da mimica e do gesto e, de- imagens e comparages metaforicas murcham e perdem sua pois, é preciso apresentar, com uma admiracao alegre, a se- expressividade no ambiente frio criado por conjungdes su- gunda oracao de modo a enfatizar a palavra “cinco” (ja fo- bordinativas e locugées conjuntivas; além disso, as compara- inco!). Na apresentaco desse perfodo, a mimica ¢ ses hiperblicas, as metaforas e as vezes até os ilogismos gesto esto pedindo para serem usados — nao dé para se- diretos apreciados por Gégol seriam completamente impos- gurd-los! A nossa frente vemos esse viajante que esfrega os siveis no Ambito sdbrio do periodo com conjungées. [32] olhos sonolentos e, com agradavel surpresa, descobre que, Adiante, ampliamos um pouco essas teses e mostramos por enquanto doriiu, j4 passaram cinco estacdes. Quando ten- Inieio de exemplos como, em um periodo composto com con- tamos transmitir isso por meio da subordinagio com con- juno, passamos para uma narracao formada por um exces- so de palavras, mas mesmo assim nao conseguimos transmi- Juungdes (especialmente de causa), acontece uma rigida selecao loxical: sao retiradas as palavras com forte conotac4o emo- tional, as metaforas audaciosas demais, bem como as pala- 36 Mikhail Bakhtin (eatOes de estilistica no ensino da lingua 37 vras pouco “literérias” (no sentido mais estrito dessa pala- vra), populares, ligadas ao cotidiano simples e expressdes especificas da linguagem coloquial. O perfodo composto com conjungGes tende ao estilo literario-elevado e evita a vivaci- dade coloquial e a desenvoltura da fala cotidiana. [33] Entdo, € possivel contar aos alunos, de modo acessivel, sobre o significado das formas sintaticas da subordinacao sem conjungSes na hist6ria da linguagem literdria russa e mostrar a eles como as épocas complexas hipotaticas [34] frias ¢ re- toricas do século XVIII dificultavam a aproximacéo entre a linguagem literaria elevada e a linguagem viva e coloquials mostrar que o embate entre a natureza livresco-arcaica ¢ a natureza viva coloquial na linguagem literéria estava ligado de modo insepardvel ao confronto entre as construgées com- plexas (perfodos) e as formas simples — em sua maioria sem conjungées — da sintaxe coloquial. [35] Esses aspectos po- dem ser bem ilustrados por meio de exemplos da sintaxe coloquial das fabulas de Kril6v'? (cuja obra, a propésito, era extremamente dinamica); também seria ttil comparar 0 es- tilo de Karamzin'? nos periodos compostos hipotaticos da sua Historia do Estado russo com o estilo de suas novelas sentimentais, Tais digressies histéricas paclem ser feitas no apenas na 8*, mas também na 7* série, caso se tenha bons alunos. Ao terminar a anilise dos trés periodos selecionados da obra dos escritores clissicos russos, é necessario mostrar aos alunos como sao comuns as formas de subordinacao sem Ivan Andréievitch Kril6v (1769-1844), poeta e tradutor russo, autor de varias fabulas eujos enredos remetem as obras de Esopo ¢ La Fontaine. (N. da T.) 8 Nikolai Mikhdilovitch Karamzin (1766-1826), historiador,escr tor e poeta russo, autor da monumental obra Historia do Estado russo. (N.daT) 38 ‘Mikhail Bakhtin conjungio em nossa fala coloquial. Por exemplo, é preciso analisar o periodo a seguir: “Estou muito cansado: tenho trabalhado demais”. E comparé-lo com o periodo: “Estou muito cansado, porque tenho trabalhado demais”. E preciso mostrar como, no segundo caso, diminui-se a vivacidade e a expressividade do discurso. Depois de revelar 0 enorme sig- nificado das formas de subordinagdo sem conjungio na nos- sa lingua e de atentar as suas vantagens diante das formas cotrespondentes com conjungées, [36] € necessario, porém, mostrar aos alunos a legitimidade e a necessidade da existén- cia na lingua dessas dltimas formas também; ¢ preciso nao apenas apontar a importancia da subordinagdo com conjun- ges na linguagem pratica e cientifica, mas também a impos sibilidade de evité-la na literatura de ficeo. Os alunos deve entender que as formas de subordinagao sem conjungao na podem ser utilizadas sempre. Depois, junto com os alunos, analisaremos os resultados de todo o trabalho estilistico que foi feito. O professor veri- fica em que medida o objetivo do trabalho foi alcangado: ele conseguiu ensinar aos alunos 0 gosto e o amor & subordina- Gio sem conjungio? Os alunos conseguiram realmente apre- iar o cardter expressivo e a vivacidade dessas formas? Se esse objetiva for aringido, resta ao professor apenas levar os es- tudantes a empregarem essas formas em sua linguagem oral rita. Realizei essa pratica da seguinte maneira. Em primeiro lugar, faziamos uma série de exercicios especiais no decorrer dos quais formavamos diversas variantes de periodos com- posts com e sem conjungdes de acordo com temas previa- mente dados, ponderando cuidadosamente a conveniéncia ¢ \\wtilidade estilistica de uma ou de outra forma, Depois, 20 \Verificar os trabalhos feitos em casa e em sala de aula, eu chamaya a atengo para todos os casos em que foi convenien- w a substituigo da subordinagao com conjungao pela sem conjungio ¢ fazia uma modificacao estilistica consequente ces ‘Quests de estilistca no ensino da lingua 39 nos cadernos dos alunos. [37] Durante a andlise dos traba- Ihos na sala de aula, todos esses perfodos eram lidos em voz alta e discutidos, sendo que as vezes os “autores” nao con- cordavam com a minha correcio e surgiam discussdes ani- madas ¢ interessantes. E claro, havia casos em que alguns alunos entusiasmavam-se demais com as formas sem conjun- Bes © nem sempre as utilizavam de modo adequado. No geral, os resultados de todo esse trabalho eram bas- tante satisfatérios. A composicao sintatica da linguagem dos alunos melhorou significativamente. Nas duzentas redacdes do segundo semestre da 8* série, jé havia mais de serenta casos de uso de periodos compostos sem conjungdes, Na 10° série,!4 os resultados foram melhores ainda: ocorreram dois ou trés periodos desse tipo em quase todas as redagdes. A mudanga da forma sintética resultou taibém em uma me- Ihora geral do estilo dos alunos, que se tornou mais vivo, metaférico e expressivo, e o principal: comegou a revelar-se nele a individualidade do autor, ou seja, passou a soar a sua propria entonagao. As aulas de estilistica nao foram em vao. Finalmente, é necessario observar que as anAlises estilis- ticas, mesmo as mais profundas e elaboradas, s4o bastante acessiveis e agradam muito aos alunos desde que sejam rea- lizadas de modo animado ¢ os préprios jovens participem ativamente do trabalho. Do mesmo modo que as anélises estritamente gramaticais podem ser tediosas, os estudos ¢ exercicios de estilistica podem ser apaixonantes, Mais do que 0, a0 serem realizadas corretamente, essas anélises expli- cam a gramatica para os alunos: ao serem iluminadas pelo seu significado estilistico, as formas secas gramaticais adqui- rem novo sentido para os alunos, tornam-se mais compreen= siveis ¢ interessantes para eles. [38] 4 Equivale ao tiltimo ano do ensino médio na escola brasileira. (N. daT) aD Mikhail Bakhtin Os professores de lingua russa conhecem por experién- cia que a produgio escrita dos alunos sofre normalmente uma mudanga muito abrupta. Nas séries iniciais, ndo ha uma di- ferenca significativa entre producao escrita e falada das crian- as. Eles ainda nio escrevem redagGes ¢ ensaios sobre temas de literatura e, nas suas redagdes (descrigdes ¢ narragées), utilizam a lingua de modo bastante livre; por isso, a lingua- gem desses trabalhos, embora nem sempre correta, é viva, metaférica e expressivas a sintaxe das criangas aproxima-se da fala; eles nao se preocupam ainda com a correcao das construges e por isso formam periodos bastante audaciosos, que por vezes sio muito expressivos. Por nao conhecerem nada sobre selegao lexical, 0 seu lexico é variado e sem estilo, a0 mesmo tempo que é expressivo e ousado. Nessa lingua- gem infantil, embora de modo desajeitado, expressa-se a individualidade do autor; a linguagem ainda nao esta des- personalizada. Depois acontece uma mudanga brusca. Ela normalmen- te comega no final da 7*, porém atinge o seu auge na 8* ena 9 séries. Os alunos comegam a escrever usando uma lingua gem estritamente litersria e livresea. Eles tomam como mo- delo a linguagem uniformizada dos manuais de literatur: verdade, as suas primeiras redagdes sobre literatura consistem em simples parafrase dos manuais. [39] Porém, por falta de experiéncia, a linguagem dos manuais torna-se ainda mais uuniformizada e impessoal em seus trabalhos. Os alunos pas- sam a ter receio de qualquer expresso original, qualquer locucdo diferente dos padrées livrescos por eles conhecidos. Piles escrevem para a leitura ¢ ndo poem o texto escrito a prova da voz, da entonagao e do gesto. E verdade que a sua Jinguagem torna-se mais correta do ponto do vista formal, imas ela € privada de personalidade, de cor e de expressivida- dle, Os alunos entendem o carater livresco dessa linguagem ‘Questdes de estlistica no ensino da lingua 4 como algo positive, bem como a sua diferenca em relagdo ao discurso oral, vivo e livre. O empenho perseverante do professor se torna necessa- rio justamente aqui. [40] A nova mudanga da produgio es- ctita dos alunos precisa ser obtida com afinco e aproximada novamente do discurso oral, vivo ¢ expressivo, isto & da linguagem da vida viva. Porém, essa aproximacao deve acon- tecer em um nivel mais elevado de desenvolvimento cultural: precisamos aqui nao da espontaneidade ingénua da lingua- gem infantil, mas da confianga adulta e da coragem da pro- ducio linguistica adquirida por meio do estudo da lingua dos classicos da literatura, Para tanto, a correta conducao do ensino da 7* série possui um significado decisivo. A sintaxe do perfodo com- posto deve ser acompanhada do comeso ao fim pela andlise estilistica. [41] Isto dara aos alunos uma boa vacina preven- tiva contra a doenca infantil a ser enfrentada por eles: 0 ca- réter estritamente livresco da sua linguagem escrita. Esse mal seré muito menos grave ¢ eles se livrarao dele muito mais rapidamente. [42] O trabalho estilistico deve ser continuado coma mesma intensidade na 8* série. Na 9* série é preciso aleancar uma mudanga completa; € necessario tirar os alunos do beco sem saida da linguagem livresca, para colocé-los no caminho da- ¢ quela utilizada na vida: uma linguagem tanto gramatical ¢ culturalmente correta, quanto audaciosa, ctiativa e viva. A Jinguagem livresca, impessoal e abstrata, que ainda por cima se gaba ingenuamente da sua erudigio pura, é sinal de uma educaco pela metade. Uma pessoa completamente adulta no sentido cultural nao utiliza essa linguagem. [43] A lingua tem ainda uma influéncia poderosa sobre 0 pensamento daquele que est falando, O pensamento criati- Vo, original, investigativo, que nao se afasta da riqueza e da complexidade da vida, nao é capaz de se desenvolver nas | formas da linguagem impessoal, uniformizada, nao metafé- A Mikhail Bakhtin rica, abstrata e livresca. [44] O destino posterior das capaci: dades criativas de um jovem depende em muito da linguagen com a qual ele se forma no ensino médio. O professor te essa responsabilidade. ‘ O sucesso da missao de introduzir o aluno na lingua viva ¢ criativa do povo exige, é claro, uma grande quantidade e diversidade de formas e métodos de trabalho. Entre essas formas, um lugar de destaque pertence ao trabalho com a subordinagao sem conjungdo que acabamos de analisar. Os perodos compostos sem conjungio representam uma arma poderosa na luta contra a linguagem livresca e privada de personalidade: neles, como haviamos observado, a indivi- dualidade do falante revela-se com maior liberdade e a sua entonagao viva soa com mais clareza. Quando esses periodos siv introduzidos na produgio escrita dos alunos, eles passam a influenciar também outras formas desse discurso e até todo © seu estilo; a partir dessas formas inicia-se 0 processo de dissolugao dos lugares comuns livrescos impessoais e a ento- nagio individual do autor passa a transparecer em tudo. Resta ao professor ajudar nesse processo de nascimento da ndividualidade linguistica do aluno por meio de uma orien- taco flexivel e cuidadosa. Questdes de esilistica no ensino da lingua 8

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