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DIRETOR GERAL Wllon Mazalla J ‘COORDENAGAO EDITORIAL Willian F Mighton REVISAO DE TEXTOS Adriana Par «Bruna Oliveira Gon EDITORACAO ELETRONICA Fabio Diego da Siva Tat de Lina CAPA Paloma Leslie (Cimara Brasileira do Livro, SP, Bra Ensinando aos pequenos de 20 a ts an ‘Alessandra Arce Ligis M. Matin, org. Campinas, SP: Faitora Aline, 2012. 2 dicta Visio ators Biblogratia 1. Maternal (EéuagSo infant) L. Are, ‘Alessandra. I Manns, Light M 9.08233 cpp.37221 Indices para Catdiogo |. Maternal: Edueaeo inant 3 ISBN 978-85-7516-590-4 Todos os dis os reservados Editora Alinea Rua Tiradentes, 1053 - Guanabara ~ Cammpinas-SP (CEP 13023-191 ~ PABX: (19) 3252.9340 c 3232.0047 www.atomocalines.com.br CONSELHO EDITORIAL | EDUCAGAO Conselho Editorial Nacional Prof’. Dr’. Diana Gongalves Vidal - USP Prof". Dr’, Elisa Pereira Gonsalves — UFP Prof. Dr. Jose Luis Sanfelice ~ UNICAMP/Uniso Prof’. Dr’. Geraldina Porto Witter — UMC/PUC-Campinas Prof*. Dr’, Maria de Lourdes Pinto de Almeida ~ UNICAMP/UTP Prof’. Dr’, Maria Eugénia Montes Castanho ~ PUC-Campinas, Prof. Dr. Moyses Khullmann Junior ~ USF/FCC Prof’. Dr’. Olinda Maria Noronha ~ PUC-Campinas/UNISAL, Prof. Dr. Pedro Laudinor Goergen ~ UNICAMP Prof. Dr. Sergio Montes Castanho - UNICAMP Consetho Editorial Internacional Prof. Dr. Anténio Gomes Alves Ferreira ~ Universidade de Coimbra/Portugal Prof. Dr. Antonio Novoa — Universidade de Lisboa/Portugal Prof. Dr. Mariano Femandez Enguita ~ Universidade de Salamanca Prof’. Dr’. Silvina Larripa ~ Universidad de San Andrés/Argentina Prof*. Dr’, Silvina Gvitz — Universidad de San Andrés/Argentina Prof. Dr. Christoph Wulf - Universidade Livre de Berlin PSS htt ett ett Hee ete ee 6-4. cariruto 3 O ENSINO E O DESENVOLVIMENTO DA CRIANCA DE ZERO A TRES ANOS Ligia Mércio Mortins trabalho pedagégico dirigido as criancas de zero a trés anos, indiscutivelmente, encerra grandes desafios. Nenhum outro ssegmento educacional parece-nos to representati profissional junto @ diretores e a professores de instituigdes dessa ‘natureza; conhecedores do papel insubstituivel que tem uma educago de qualidade em todas as etapas da vida dos individuos; tem revelado ste texto ndo arvora essa resposta em sua comp! pretende contribuir para a assungio dessa By ‘Ligia Mra Martins Algumas reflexdes sobre contetidos de ensino nas creches Qualquer andlise que se faga sobre contetidos de ensino, deve consideré-los no bojo de uma questo mais ampla, isto é, das premissas do projeto politico pedagégico que orientam o trabalho ‘educative em pauta. Isso porque os contetidos de ensino ndo se ‘encerram em si mesmos (néo’se}tratalde'mera, ocupagaoyparaas, criangas!), mas porque representam mediagdes histérico-sociais ppelas quais os individuos ampliam suas possibilidades de controle sobre si mesmos ¢ sobre o mundo, ao_desenvalverem fungbes ~ psiquicas especificamente humanas..» Os contetidos de ensino articulam-se a fundamentos filos6ficos ¢ histricos da educag&o, 4 concepgao de crianga e de sociedade, a ‘pressupostos tedricos acerca do desenvolvimento infantil e de suas relagdes com a aprendizagem, expressando-se como um dos elementos da matriz pedagogica, a pressupor a selegdo e a organizacao de contetidos, a metodologia de ensino e as diretrizes de avaliagao. ( texto que ora se apresenta no tem como objetivo abordar todos esses elementos. Focaliza apenas a questo dalselegao |e dal organizacao dos contetidos de ensino em relagao a dindmica do desenvolvimento da crianga de zero a trés anos. Concebemos como contetidos de ensino os conhecimentos mais elaborados ¢ mais representativos das maximas conquistas dos homens, ou seja, componentes do acervo cientifico, teenolégico, ético, estético etc. convertidos em saberes escolares. Advogamos 0 principio segundo o qual a escola, independentemente da faixa etéria que atenda, cumpra a fun¢ao de transmitir conhecimentos, listo é, de ensinar como lécus privilegiado de socializagao para além das -esferas cotidianas e dos limites inerentes a cultura de senso comum. ‘Com essa afirmativa, no estamos emitindo um juizo de valor depreciativo nem da cotidianidade, nem da cultura popular, mas, procurando delimitar fronteiras entre as inumeras instituigdes socializatérias ¢ a escola, que, para desempenhar 0 mesmo papel ‘que outras agéncias educativas no teria razio de ser. (0 Ensin ¢o Desenvolvimento da Cranes de Zero aTits Anos 95 Em face dessas consideragdes, a questio que se apresenta, refere-se & modalidade de conteiidos de ensino que devam orientar © trabalho pedagégico com os bebés' ¢ com as criangas pequenas. Como concebé-los e como organizar o plano orientador de atividades da rotina nos bergérios e nos matemais? ‘Consideramos que a resposta a essa indagagao demanda uma reflexdo sobre a natureza das ages realizadas junto aos pequenos, as criangas de zero a trés anos. Para que a proposicio e a condugo de ages superem a pritica espontaneista, 0 professor precisa dispor de conhecimentos ue interfiram de modo indireto ou direto no desenvolvimento da ferianga, Observe-se que tal diretividade diz(Fespeito/a0s ‘conhecimentos que medeiam a atividade docente, nfo a atividade propriamente dita, que sempre interferird diretamente (positiva ou negativamente) no referido desenvolvimento. subjacentes as atividades disponibilizadas aos alunos. Incluem os saberes pedagogicos, sociolégicos, psicolégicos, de saiide etc. Esses conheeimentos nfo sero transmitidos as criangas em seu conteiido conceitual e, nesse sentido, é que promoverio, nelas, 0 que classificamos como aprendizagem indireta. ‘Ao serem disponibilizados, incidem na propulsio do desenvolvimento de novos dominios psicofisicos ¢ sociais expressos em habilidades especificas constitutivas da crianga como set hist6riconsocialy-a-exemplo de: (@utoeuidados, habitos alimentares saudaveis; destreza psicomotora; acuidade perceptiva ‘e sensorial; habilidades de comunicagao significada; identificagio de emogdes e sentiments; vivéncia grupal; dentre outras. A luz |. Nominaremos come bebés as criangas de zero a dezoito meses. Lipia Marcia Mantas elaboradas de funcionamento. ‘Aos contewdos de interferéncia direta denominamos contetidos de formagito tebrica que compreendem os dominios das ‘varias éreas do saber cientifico, transpostos sob a forma de saberes escolares. Permearao as atividades propostas ds criancas tendo em vista sua socializacdo como tal, isto é,paralque'se efetivem|como) ‘objetos de apropriagio, devem ser transmitidos direta e sistemati- zadamente em seus contetidos conceituais e, para tanto, precisam ser ensinados. Tais conhecimentos corroboram para aquisi¢des culturais mais elaboradas, tendo em vista a superago gradual de conhecimentos sincréticos e esponténeos em diregdo a apropriac3o tebrico-pratica do patriménio intelectual da humanidade. (0s contetidos de formagio operacional iterferem diretamente ‘na constituigdo de novas habilidades na crianea, mobilizando as fungBes inatas, 0s processos psicolégicos elementares, tendo em vista a ‘complexificagio de sua estrutura e de seus modos de fuuncionamento, a serem expressos sob a forma de fungSes culturais, de processos psicolégicos superiores. Ao atuarem nessa diregao, instrumentalizam a ccrianga para dominar e para conhecer os objetos e os fendmenos do mundo & sua volta, isto & exercem uma influéncia indireta na construgao de conceitos. (Os conteiidos de formacio teériea por sua vez, operam-se {ndiretamente no desenvolvimento das fungSes psicol6gicas, & medida ‘que promovem a apropriacao de conhecimento, Por exemplo, o ensino do contetido Formas Geométricas @ uma crianga no contém apenas a aprendizagem de uma propriedade matematica, pois ele também 2. O conhecimento empirico derive diretamente da atividade sensorial pritica as pessoas em relagloaos abjetose ans fendmenos da realidade. Compreende © conhecimento consiruido mediante o imediato e fisicamente presente, tal como eaptado pela pereepedo. (0 Brno eo Desenvolvimento da Cranga de Zero aTrés Anos 7 incide sobre os processos de percep, aten¢o, meméria, linguagem ete. Daf que jamais os contefidos te6ricos a serem ensinados possam ser selecionados sob a ética simplista e pragmatic circunscrita a sua ‘utilizagao imediata, Tais contetidos, atuando diretamente na elaboragdo de conceitos, operam indiretamente no desenvolvimento das fungdes afetivo-cognitivas. ‘A categorizaglo apresentada cumpre uma funeo essencialmente organizativa do planejamento pedagégico, uma vez que, na experiéncia escolar do aluno, tais contetdos operam articuladamente, em uma Telagao \defimtitua Uependéncia) titulo de auxiliar a elaboracdo eo registro de um plano de ensino, levando-se em conta a categorizagao em. ‘questio, apresentamos o quadro ilustrativo a seguir. Trea do Conhacimente- [Lingua Portuguese TMtenatea Conte: Diogho:ertovlardo e rimo fondtico | Contagem oral ‘Objet Anrendizager de Inguagem eal _|Arenizagom Je quaiicagto Natireza do contac | Foragio operaconal Formagio tba Prooaimento Ads ml ps pts a laa | Cantando a sic ppocat ssopraré pauenes bores de papel clos com cana psi en stugio dea * Una ppc panel eo mais wna raceme, Fetal depo popos pope popacpoc(re) Dua pac na pal, veto mls apr comerar ri) eum scessamente a ln, (Oprofsor srr verbana ede mimeros com o des do mio. ‘Quadro 1. Exemplo de planejamento destinado a criangas de dezoito meses a dois Sgt tetcca em consondnca com 08 Perodosdesendesenvolviment havendo, ene elas, uma reagho de proporcionalidade inversa, tal como demonstra a representaglio arifica, Primaria Nesainento anos anos 1 Cone ce fap opraional 1 Conaios oo formar eca Diante do exposto, afirmamos a formacdo académica do professor, condicdo insubstituivel para aefetiva educagio das criancas, pequenas, Visando a contribuir com essa formagdo, apresentamos, na sequéncia, uma caracterizagio geral do desenvolvimento da crianca de zero atrés anos. A crianga de zero a trés anos Antes de apresentarmos as consideragdes gerais sobre 0 desenvolvimento da crianga nessa faixa etéria, fagamos uma breve digressio, A educagio infantil, a longo de toda sua historia, revela-se atrelada a teorias psicolégicas do desenvolvimento. Sob nossa avaliagdo, essa parceria tem se mostrado muito menos frutifera que o necessario e que o possivel. Dela tem resultado, no mais das vezes, uma imensa psicologizagdo da educagao infantil que néo ultrapassa a estreita compreensio do aluno como sijeito ‘Compartilhamos a anélise de Saviani (2004,.47) respeito das parcas contribuigdes da psicologia para a educagio, a medida que possibilita a apreensio do individuo empirico em detrimento do (0 Basin €o Desenvolvimento da Cranga de Zero a Trts Anos ° individuo concreto.* (O destaque aqui conferido ao processo de desenvolvimento infantil ndo é reiterativo do velho e habitual estudo desse processoa partir do qual cumpre ao professor saber quando acontece o qué. Pelo contririo, visa afirmar a sua natureza histérica-social e, especial Conforme assinalado por Vigotski* e seguidores, o desenv vimento dos seres humanos démanda inferrelagdes, por meio das quais, cada homem aprende a sé-lo apropriando-se das conquistas produzidas pelas geragBes precedentes. Aos seres humanos no bastam os atributos que dispde no ato de seu nascimento, como os demais animai Sabidamente, se langarmos ao mundo qualquer filhote animal; por exemplo, um gato, as altemativas existentes sero: ou ele morre ou ele vira gato, ou seja, permanece representante de sua espécie Diferentemente, a hist6ria mostra que criangas desprovidas de condigaes historico-sociais de desenvolvimento que sobreviveram no se tomaram seres representativos da espécie humana, ou seja, no se humanizaram. 3, O autor apresenta uma distinglo entre o individuo empitico e 0 individvo conereto ‘caracterizando 0 priteiro como imediatamente observvel em suas caracersticas textemas crrspondentesj stuagoimedint; 0 segundo, como sintese de mips determinagées, apreendido luz de sua natuezahistrieo-socal 4, Em relagio& grafia do nome desse autor adotaremos a pacronizagio brasileira (Vigotsi),exeto em ctagdes, nas quis seguiremosagrafia dispostana fone, Liga Mia Martins Nisso reside a centralidade social do desenvolvimento, tese nuclear da psicologia histérico-cultural. Inexiste formago humana «que possa prescindir de apropriagées dos produtos da cultura e essa elagio de representativa da explicagio conferida por Vigotski (1984) a formagio de todas as particularidades dos individuos. Para esse autor Em suma, 0 desenvolvimento se produz por meio de pat ‘desenvolvimento para que se ensine} ‘Tecidas essas consideragdes e visando a subsidiar a selegaoe 1 organizagio de contetidos de formagdo operacional e tedrica, passemos a anilise das propriedades gerais do desenvolvimento da crianga de zero a trés anos, dado que organizamos em dois, momentos: um primeiro versando sobre 0 desenvolvimento da crianga em seu primeiro ano de vida e, na sequéncia, de seu final até o terceiro ano. Accrianca em seu primeiro ano de vida Visando a organizagdo da temética ora apresentada, discor- reremos, primeiramente, acerca da dinémica geral do desenvol- vimento do bebé para, subsequentemente, destacar seus marcos referenciais mais decisivos. (0 Easino ¢o Desenvolvimenta da Crianga de Zero Tes Anos 101 Dinamica geral do desenvolvimento da crianga no primeiro ano de vida ‘Ao nascer, a crianga encontra-se diante de novas condicdes, de vida, absolutamente, diferentes das condigies de desenvol- ‘yimento intrauterino. Para 0 enfrentamento dessa nova condigao, dispde, fundamentalmente, de sua atividade nervosa superior e dos cuidados que recebe das pessoas ao seu redor, iniciando, assim, sua embriondria forma de ser social. Referindo-se a essencialidade social da existéncia do bebé, Vygotski (1996) considera: a relaglo da crianga com a realidade circundante & social desde o prinefpio. Deste ponto de vista podemos definir 0 bebé como um ser maximamente social. Toda relagéo da ccrianca com o mundo exterior, inclusive a mais simples, €a relacio refratada por meio da relagéo com outra pessoa. A vida do bebé est organizada de tal modo que em todas as, situagdes se faz presente de maneira visivel ou invisivel coutra pessoa (p. 285). Com essa consideragio, procuramos desmistificar que nos dias ou nos meses iniciais de vida o bebé possa ser considerado um ser meramente biolégico, a quem bastard a satisfaglo das necessidades vitais dessa mesma ordem (bioldgica). Nao obstante iniciara vida sobre uma base reflexa, muito rapidamente os reflexos incondicio- nados cedem lugar aos reflexos condicionados e esses, as aprendizagens sociais. Passados quarenta e cinco dias do nascimento (periodo que caracteriza 0 recém-nascido), ja se evidenciam mudangas significativas na dinmica de funcionamento do bebé, ou seja, maior diferenciagao entre o sono ¢ a vigilia, menor avidez ¢ maior regularidade alimentar, diminuicdo dos movimentos reflexos arcaicos resultantes do desenvolvimento filogenético ete. Inicia-se um novo periodo, no qual 0 mundo exterior desponta como um objeto de seu interesse. Portanto, todo o trabalho com o bebé deve levar em conta esse fato e ampliar as possibi- lidades de apresentacdo da realidade externa enriquecendo 0 seu 12 Ligia Miria Marins estado de vigilia. Por exemplo, proporcionar-Ihe acesso a diferentes espagos fisicos, mostrar-Ihe objetos, falar com ele etc Enfim, 0 adulto deve estar com ele para apresentar-lhe o mundo. Entre 0 quarto ¢ 0 quinto més jé se verificam os primeiros ‘movimentos e sons precisos da crianga, dando mostras da superagio de respostas reflexas a estimulos e da busca ativa a estimulos ‘ocupacionais, aos quais comega a responder espontaneamente. As reagGes sociais presenga do adulto de outras criangas evidenciam-se, portanto, criando possibilidades para o surgimento de uum importante procedimento de ensino: a imitacio, Na transigo entre o quinto e o sexto més verificam-se as primeiras formas imitativas de movimentos e de sons que auxiliardo © surgimento de formas de comportamento mais complexas. Portanto, compete ao educador explorar as miltiplas possibilidades ‘mitativas fornecendo os modelos (gestuais e sonoros) caracteristicos das ages que envolvem a crianga (por exemplo: abrir a boca na hora da alimentagio; dirigira mao até objetos; emitir sons repetidos etc). E na base desse processo que, por volta do décimo més, os movimentos ¢ os sons aleatérios cedem lugar a formas de comportamento e de comunicagao sociais Referindo-se a dindmica geral do desenvolvimento do bebé no primeiro ano, Vygotski (1996, p. 287) assinala trés periodos. O primeiro, proprio ao recém-nascido, denomina perlodo de passividade, representado pela transigdo entre a vida intrauterina e a ‘vida social e, ainda, substancialmente marcado por condicionantes biologicos. (O segundo, periodo de interesse receptivo, no qual o mundo cle préprio despontam como objetos de seu interesse. O terceiro, periodo de interesse ativo; momento de grande viragem ‘qualitativa; é representado, essencialmente, pela manipulago de objetos em relagdo com a sua significacio social, (por exemplo, levar um pente a cabega); pela busca de autonomia locomotora & pela utilizago embrionéria de formas sociais de comunicagao, Reiteramos que as demandas préprias a todos esses perfodos se realizam por completo por meio dos adultos que Ihe cuidam e, (0 Ersin eo Desenvolvimento da Criangs de Zero a THs Anos 10s por isso, jé nos primeiros meses de vida a crianga externaliza reagdes de orientagdo. Tais reaedes, que se iniciam por volta do terceiro més, constituem o chamado complexo de animagio (Smimov et al., 1960, p. 505) pelo qual cla reage de forma emocionalmente positiva a presenga do cuidador (fixa o olhar, agita © corpo estendendo os bragos e encolhendo as pemas, esboca sorriso ete.) A existéncia do bebé sendo maximamente social ¢ profundamente emocional corroboram para a denominagdo da atividade principal desse periodo como atividade de comunicagio emocional direta adulto/erianea (Elkonin, 1987, p. 122), da qual dependerio as mudangas mais decisivas de seu transcurso, Diante da caracterizago geral do desenvolvimento do bebé, passemos a identificagdo de seus marcos referenciais mais decisivos com respeito aos processos sensorial, perceptivo-motor, atencional, mnémico, linguistico e afetivo. Marcos referenciais do desenvolvimento do bebé Durante o primeiro ano de vida, ocorre um aperfeigoamento progressivo da atividade do cértex cerebral; conforme exposto no Capitulo 4 desta coleténea; que se faz acompanhado pelo estabeleci- mento de relagBes mais complexas entre a crianga e o meio que a rodeia. Nos momentos iniciais de vida inexiste uma diferenciagao especifica entre as funcdes psiquicas (sensac&o, percepgio, tengo, meméria etc.). Tais processos operam imbricados uns nos ‘outros e apenas sob condigdes de educagio, isto é, por exposigio por aprendizagem a estimulos extemnos, conquistam um funciona~ mento mais complexo ¢ auténomo, Portanto, o planejamento de ages que visem as esta estimulagio premissa bisica para 0 trabalho educativo de bebés, ‘Nao obstante a relativa incompletude que caracteriza o inicio da ‘vida humana, o recém-nascido dispde de um aparato sensorial que lhe permite sentir a maior parte dos cheiros, distinguir entre os sabores 104 Ligia Mircia Martins doce, salgado e amargo, além de possuir uma excelente acuidade titile auditiva (0 bebé € 6timo ouvinte e, muitas vezes, pouco se fala com le). Diferentemente, o sentido da visio revela-se pouco desenvolvido, ‘mas aprimora-se a passos largos nos primeiros meses de vida. ‘A existéncia de uma estreita unidade entre os processos sensorial e motor confere ao bebé uma caracteristica bem precisa, qual seja, um nexo ininterrupto entre percepedo ¢ comportamento, Segundo Vygotski (1996, p. 297), a percepeio ¢ a ago constituem, em principio, um proceso tinico, no qual a ago é uma ccontinuidade da percepeZo e vice-versa, Esse processo unitario se institui como uma expressio dos impulsos emocionais ¢ das necessidades experienciadas pela crianga, do que se conclui que também os processos sensério-motores vinculam-se aos processos afetivos. Cabe alertar, portanto, que a existéncia (ou a inexisténcia) da destreza desses processos carrega consigo a qualidade das relagdes crianga/mundo mediadas pelos adultos que Ihe cuidam. Como a totalidade das agdes de um recém-nascido, suas habilidades motoras so limitadas aos reflexos, constituindo-se de respostas involuntarias & estimulagdo, Contando com esses reflexos simples, o bebé principia sua vida, entretanto, muito rapidamente ‘comega a demonstrar controle voluntirio sobre os movimentos de varias partes do corpo. © desenvolvimento motor é altamente representativo dos saltos qualitativos que se processam no entrelacamento dos fatores biolgicos (maturacionais orgdnicos) e da estimulacdo social. Sob condigées tipicas de educag&o podem ser esperados os seguintes marcos nesse desenvolvimento: sustentagio da cabega aos dois meses de idade; rolar o corpo entre o segundo e o terceiro més; sentar com apoio aos trés meses; sentar sozinho entre o quinto € 0 ssexto més; engatinhar entre o sexto e 0 sétimo més; ficar em pé com apoio aos seis meses; caminhar com apoio aos nove meses ¢ ficar ‘em pé sozinho, aos onze meses (Huffinan et al., 2003, p. 321). O destaque da propria mao como objeto de observagio tem ‘uma importéncia extraordindria para o desenvolvimento do bebé. ‘Ao comegar a acompanhar, visualmente, os movimentos de suas (0 Ensino € 0 Desenvolvimento da Cranga de Zero a Tr8s Anos 10s mos (em tomo de quatro meses) e, a seguir, apalpar, descobre os objetos em suas possibilidades de apreensio, 0 que instiga a conquista de novos dominios motores (dirigir-se até objetos) tendo em vista a manipulagdo destes. Portanto, a proposi¢o de ages que incentivem a observa¢io dirigida de objetos e a atuagdo com eles é imprescindivel nesse ‘momento. Caberd a ele (adulto), por meio da comunicacdo verbal com a crianga, dar a conhecer os objetos que a rodeiam, denominando-os, considerando seus significados € usos sociais, suas propriedades fisicas mais evidentes (tamanho, cor, textura, forma etc), Este é0 inicio do caminho pelo qual a crianga aprender adiscriminar, analisar e diferenciar os objetos e fenémenos em suas propriedades mais importantes. Essa mediagio diretiva desempenhada pelo adulto é determinante também, do exercicio da aten¢o do bebé que, sendo involuntéria ¢ muito inconstante, dependera da natureza dos estimulos apresentados. A possibilidade de manejar as coisas amplia seu circulo de atengdo, permitindo o treino de focalizago e fixagdo auma vasta gama de estimulos visuais, auditivos, tateis ete. © desenvolvimento da meméria acompanha 0 desenvol- -vimento do bebé desde seu nascimento e sua expressio mais primitiva € oreconhecimento das pessoas ¢ objetos que 0 rodeiam. Os registros mnémicos que se efetivam neste perfodo nfo so facilmente reconheciveis, o que induz erréneas avaliagSes sobre a sua capacidade de memorizagao e consequentemente, de aprendizagem, Entretanto, @ medida que se efetivam os dominios da linguagem verbal, esses registros se evidenciam ¢ enriquecem, dado que pode ser verificado pelo movimento do olhar da crianga na dirego de um objeto ou situagdo expressos verbalmente (por exemplo, olhar para a porta ao ouvir “a mame chegou"!). Assim, a repetigo como treino de meméria, deve integrar as agdes educativas realizadas, Embora o bebé jé disponha, desde seu nascimento, de inimeras formas nfo verbais de comunicagio, a exemplo das posturas corporais, expressdes faciais, contato visual € sonoro, 106 Ligia Maria Martins dentre outros; 0 desenvolvimento da linguagem oral) atravessa varias etapas. A primeira, denominada pré-linguistica, antecede 0 dominio da linguagem em si, caracterizando todo o primeiro ano de vida da crianga. O segundo ¢ terceiro estigio; sobre os quais discorremos em item posterior; compreendem, respectivamente, & etapa do dominio primério do idioma ¢ do dominio da estrutura ‘gramatical da linguagem (Petroski, 1985, p. 201). Na etapa pré-linguistica destacam-se trés momentos: 0 dos ruidos, dos murmiirios e balbucios e das pseudopalavras. Os ruidos, dentre os quais se inclui o choro reflexo, assentam-se nos reflexos da laringe, gracas aos quais ocorre a emissio aleatoria de sons. Entre 0 segundo e 0 terceiro més a crianga comega a murmurar, isto é a produzir sons de vogais e, a partir do quarto més, esses sons se fazem acompanhados de consoantes, quando, entio, inicia o balbucio. No momento das pscudopalavras, proprio ao segundo semestre do primeiro ano, a crianga inicia a emissiio de sons, compostos por uma ou varias silabas acompanhadas de acentuaco, entonagio ¢ articulago tnica. Nele ocorre uma reprodugao da estrutura sonora dos fonemas sem haver, contudo, a intengdo de reprodugao das palavras do idioma. As pseudopalavras nao sio palavras produzidas erroneamente, mas emisso de sons de maior complexidade. ‘A importincia das pseudopalavras reside no fato que, sua ‘base, ocorre a modelagem social requerida ao estabelecimento de relagdes entre objetos ou fenémenos, sons ¢ significados. E claro que todas as etapas pré-linguisticas transcorrem como bases para 0 desenvolvimento linguistico ulterior, entretanto, as pseudopalavras, por sua proximidade com as palavras do idioma, representam seus mais efetivos pré-requisitos. Portanto, durante todo o primeiro ano, o bebé pode e deve ser censinado a falar, dado, porém, que no se reduz a mera repeticao ea emissdo de palavras, mas que demanda a exposi¢ao do bebé a variadas situagdes de estimulagdo cultural, tendo em vista 0 enriquecimento das relagdes entre objetos, fenémenos, sons © significagées, Y (0 Enso ¢o Desenvolvimento da Cranga de Zero a Tr8s Anos 107 Deixamos, propositadamente, por iltimo, 0 referente ao desenvolvimento das emogdes €, sobre ele, Vygotski (1996, p. 299) considera: (© préprio afeto, ao participar no processo do desenvolvimento psiquico como fator essencial, recorre tum caminho complexo, se modifica em cada nova etapa de formagéo da personalidade e toma parte na estrutura da nova consciéncla prépria da nova idade, Estas profundis- simas mudangas na natureza psiquica dos afetos se poem de ‘manifesto em toda nova etapa. Inclusive no primeiro ano de Vida 0 afeto experimenta um complexo desenvolvimento. ‘Se compararmos a primeira etapa desse periodo com a Ultima flearemos surpresos com a enorme mudanga que corre na vida afetiva do bebé. ‘As emogdes medeiam 0 desenvolvimento de todos os processos psiquicos ¢ 0 seu proprio desenvolvimento subjuga-se as condigdes para sua vivencia. Apenas na relagao ativa com o mundo e, essencialmente mediada pelo adulto, o bebé emerge de suas vivéncias emocionais indiferenciadas, préprias a condigao de recém-nascido, dotando-as de propriedades humanas. ‘As primeiras reagdes emocionais dos recém-nascidos relacionam-se A satisfagdo ou A insatisfaglo das necessidades orginicas. Essas reagdes ainda nao dependem de sua experiéncia pessoal, mas sim do aparato reflexo que dispée a0 nascer. Entretanto, j& no transcurso do segundo més de vida entram em cena novas reagdes que ultrapassam os limites dessasnecessidades. Tais reagbes advirdio das relacdes do bebé com 0 entorno fisico e social, passando a conter tonalidades emocionais resultantes de sua propria vivéncia do e no mundo, Aparece, ent, a necessidade de relacionar-se com as pessoas que a rodeiam e 0 interesse pelos objetos que se fazem presentes. ‘Analisando esse percurso, Vygotski (1996, p. 299) destaca -pedagogica calcada quais se evidencia a dispensado crianga dagégico referente & > destinados crianga propondo a distinta como contetidos de a, substratos para a psicofisicos naturais, ares, em diregéo a res, que representam, dividuo particular. tado de ocorréncias 5 seres humanos no tem 0 contato com a onstituam como tais sta gama de produtos valho dos homens 20 vefio dessa apropriag sis representativa das sizante seré, Tal como método inverso, se emissas que regem 0 femos que ter como ele ja assumida, tahumanidade, no que afantil, no pode ser 0 mplexo, o méximo! Y | | | CO Basin €o Desenvolvimento da Cranga de Zero a Tes Anos m REFERENCIAS ELKONIN, D. Sobre El roblema de la periodizacién del desarrollo psiquicoen la infaneia In: DAVIDOV, V.; SHUARE, M. La psicologia evolutivae pedagdgica cen la URS. URSS: Editorial Progresso, 1987. HUFFMAN, K; VERNOY, M,; VERNOY, J, Psicologia. So Paulo: Atlas, 2003, PETROVSKI, A. Psicologia general: manual didéctico para los institutos de pedagogia, Mosci: Editrial Progreso, 1985, SAVIANI, D. Perspectiva Marxiana do Problema Subjetividade: Intersubjetividade, In: DUARTE, N. (Org.). Critica ao Fetickismo da Individualidade. Campinas: Autores Associados, 2004 SMIRNOV, A. A. etal. Psicologia. México: Editorial Gryjalbo, 1960. VYGOTSKY, L. S.A formato social da mente. Sio Paulo: Martins Fontes, 1984 Obras escogides,Tomo IV. Madr: Visor, 1996 0 igi Marcia Martine Colocamos em questio a atencao institucional dispensada a crianga de zero a trés anos nas creches, assinalando a grande complexidade presente nesse periodo do desenvolvimento, bem como sua essencial dependéncia das condiges em que se processa, Advogamos que as creches ndo so outra coisa, senfo escolas, ‘Como tal, demandam uma organizagio politico-pedagégica calcada ‘em preceitos cientificos sélidos, na base dos quais se evidencia a imensa responsabilidade presente no trabalho dispensado a erianga pequena, Nessa dirego, elegemos 0 aspecto pedagégico referente & selegdo ed organizacdo de contetidos de ensino destinados dcrianga de zero a trés anos como foco de anélise, propondo a distinta natureza de cada. Ou seja, propondo-os como conteiidos de formacao operacional ¢ de formagdo teérica, substratos para a superagao da preponderdncia dos processos psicofisicos naturais, isto é, das fungdes psicolégicas elementares, em diregio a estruturagiio das fungdes psicologicas superiores, que representam, de fato, as marcas da humanidade em cada individuo particular. A referida estruturagio nio é resultado de ocorréncias sociais fortuitas, casuais e espontineas. Aos seres humanos nio basta a mera pertenca a espécie biolégica, nem 0 contato com a sociedade pelas suas bordas. Para que se constituam como tais (seres humanos) precisam apropriar-se da vasta gama de produtos materiais e intelectuais produzidos pelo trabalho dos homens a0 longo da histéria. No ambito da educagaio escolar, a promogao dessa apropriago incide no acesso a cultura que, quanto mais representativa das méximas conquistas humanas for, mais humanizante ser. Tal como asseverado por Vigotski, na proposi¢o do método inverso, se pretendemos conhecer verdadeiramente as premissas que regem 0 desenvolvimento de qualquer fendmeno, temos que ter como parimetro de andlise a maxima expressio por ele jé assumida, Assim sendo, 0 critério de validagao para a humanidade, no que se inclui a tarefa humanizadora da educagdo infantil, no pode ser 0 ‘mais simples, 0 minimo, outrossim, o mais complexo, o maximo! (0 Ennino e o Desenvolvimento da Crianga de Zero a Trés Anos a REFERENCIAS ELKONIN, D. Sobre El problema dela periodizacin del desarollopsiquico en la infancia. In: DAVIDOV, V.; SHUARE, M. La psicologia evolutiva e pedagdgica ‘en la URSS. URSS: Editorial Progresso, 1987. HUFFMAN, K,; VERNOY, M; VERNOY, J. Psicologia, So Paulo: Atlas, 2003, PETROVSKI, A. Poicologia general: manual didéctico para los insttutos de pedagogia. Mosca: Editorial Progreso, 1985. SAVIANI, D. Perspectiva Marxiana do Problema Subjetividade. Intersubjetividade. In: DUARTE, N. 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