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Nota sobre HIV/AIDS e a proteção dos refugiados, dos deslocados internos

e outras pessoas de interesse do ACNUR.


1. O impacto que teve o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e a Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida (AIDS) sobre a proteção dos refugiados continua sendo um tema
de preocupação do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). A
presente nota proporciona uma resenha sobre a maneira em que se aplicam os princípios da
proteção de refugiados e os direitos humanos a pessoas de interesse do ACNUR1 que são
vulneráveis ao HIV e as suas conseqüências e que vivem ou suspeitam terem adquirido o
HIV e a AIDS.

2. Esta nota tem como objetivo informar aos governos e ao pessoal do ACNUR sobre os
padrões reconhecidos no âmbito do HIV e da
O que é o HIV/AIDS ?
AIDS e da proteção das pessoas de interesse
do ACNUR, assim como assistir o ACNUR O HIV (o vírus da imunodeficiência humana)
no seu trabalho de proteção e seus esforços é um vírus que afeta o sistema imunológico do
de conscientizar essa população em corpo humano. O HIV infecta as células do
particular. sistema imunológico e destrói a sua função
até conduzir à “deficiência imunológica”.
A. Resposta fundamentada nos direitos Uma pessoa infectada com o HIV pode sentir-
humanos: se e manter uma aparência saudável por
muitos anos. Mas, o indivíduo pode transmitir
3. A política do ACNUR com respeito ao o vírus a outras pessoas.
HIV e à AIDS e à proteção dos refugiados,
A AIDS (Síndrome da Imunodeficiência
dos deslocados internos e outras pessoas de Adquirida) é causada pela infecção do vírus
interesse está firmemente arraigada ao do HIV. Com o tempo, o sistema imunológico
princípio de que os direitos humanos se debilita seriamente até que o corpo chega a
subjazem todos os aspectos do trabalho de perder sua capacidade de combater a
proteção internacional que realiza o infecção como o faria em condições normais.
ACNUR. Os direitos humanos constituem o A pessoa infectada desenvolve uma série de
marco normativo fundamental que regula as infecções e enfermidades severas que levam à
atividades de proteção e assistência que morte. Uma vez que uma pessoa com HIV
realiza o ACNUR a favor das pessoas de sua contrai uma ou mais infecções oportunistas,
competência afetadas pelo HIV/AIDS. Em diz-se que essa pessoa tem AIDS. Algumas
pessoas desenvolvem a AIDS pouco depois de
seus esforços por garantir o exercício mais
terem sido infectadas pelo HIV, mas outras
amplo possível dos direitos humanos e podem desenvolver o HIV por dez anos ou
liberdades fundamentais aos refugiados, mais antes de desenvolver a AIDS.
deslocados internos e outras pessoas dentro
de sua competência, o ACNUR promove o pleno cumprimento das obrigações por parte dos
Estados em conformidade com o direito internacional dos refugiados e o direito internacional
dos direitos humanos segundo a disposição, inter alia, na Convenção sobre o Estatuto dos
Refugiados, de 1951 (posteriormente, a Convenção de 1951), o Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e

1
As normas de direitos humanos que se analisam na presente nota se aplicam de igual forma aos indivíduos de interesse do
ACNUR, incluindo os refugiados e solicitantes de asilo, os deslocados dentro de seus próprios países (deslocados internos),
os repatriados (refugiados e deslocados internos que regressam ao seu país ou lugar de origem) e os apátridas.
Culturais, bem como a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher e a Convenção sobre os Direitos da Criança. Recorrem-se, também, aos
instrumentos regionais sobre direitos humanos e a normas de direito internacional
consuetudinário.
4. A política do ACNUR se complementa, ademais, com a experiência e perícia das quais
gozam as agências especializadas das Nações Unidas2, bem como nas interpretações dos
órgãos criados pelos tratados de direitos humanos da ONU. Ainda, conta-se com a guia
adicional da Conclusão do Comitê Executivo do ACNUR Nº. 102 (LVI) - 20053.
5. A presente nota é sustentada pela guia existente das Nações Unidas referentes aos direitos
humanos e ao HIV/AIDS, especificamente no documento HIV/AIDS e os Direitos Humanos:
Diretrizes Internacionais e a Sexta Diretriz Revisada: Acesso à prevenção tratamento,
atenção e apoio.4 Estas Diretrizes Internacionais destacam a importância fundamental que
possui a proteção dos direitos humanos em qualquer programa ou política que pretenda
combater eficazmente o HIV e a AIDS. Os princípios estabelecidos nesta Nota mostram a
maneira em que esta guia geral, fundamentada nos direitos humanos, se aplica como parte da
proteção que fornece aos refugiados e outras pessoas de interesse do ACNUR.
6. Um enfoque baseado nos direitos humanos deve também ser congruente com a Declaração
de Compromisso na luta contra o HIV/AIDS adotada pela Assembléia Geral das Nações
Unidas durante a reunião Extraordinária sobre HIV/AIDS realizada em 2001.5 A Comissão
de Direitos Humanos também ressaltou a estreita relação que existe entre a proteção dos
direitos humanos, o HIV e à AIDS. Ao considerar a relação crítica que existe entre a proteção
dos direitos humanos e a epidemia, a Comissão instou aos Estados, inter alia, a garantir que
suas leis, políticas e práticas relacionadas com o HIV e à AIDS respeitem os direitos
humanos.6

2
Por exemplo, a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o HIV/AIDS
(UNAIDS) e o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (EACDH)
3
Veja-se a Conclusão Geral Nº102 (LVI) – 2005 do Comitê Executivo (ExCom) sobre a proteção Internacional, no
parágrafo (w), a qual “Reconhece que os Estados estão aceitando cada vez mais que o acesso à prevenção, a atenção e o
tratamento do HIV/AIDS, em quanto seja possível de maneira comparada com os serviços de que dispõem a comunidade
local de acolhida, é um componente essencial da proteção aos refugiados, aos repatriados e outras pessoas de que se ocupa o
ACNUR; encoraja o ACNUR para que siga adiante com suas atividades a este respeito, em estreita colaboração com os
organismos colaboradores pertinentes, em particular na aplicação dos objetivos acordados no Pressuposto e plano de
trabalho unificados do UNAIDS, assegurando que se dê ênfase específica nos direitos das mulheres e das crianças
refugiadas afetadas pela pandemia; e toma nota das recomendações da equipe mundial de tarefas para melhorar a
coordenação em matéria de AIDS entre as instituições multilaterais e os doadores internacionais.”
4
O EACDH e o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o HIV/AIDS, HIV/AIDS e os Direitos Humanos: Diretrizes
Internacionais HR/PUB/98/1 (1998) (posteriormente HIV/AIDS e os Direitos Humanos: Diretrizes Internacionais);
EACDH/UNAIDS, HIV/AIDS e os Direitos Humanos: Diretrizes Internacionais. Sexta Diretriz Revisada: Acesso à
prevenção, tratamento, atenção e apoio, HR/PUB/2002/1 (2002) (a seguir “HIV/AIDS e os Direitos Humanos: Diretrizes
Internacionais. Sexta Diretriz revisada”). Como resposta a uma solicitação levantada pela Comissão de Direitos Humanos, as
diretrizes HIV/AIDS e os Direitos Humanos: Diretrizes Internacionais foram acordadas e adotadas na Segunda Consulta
Internacional sobre HIV/AIDS e Direitos Humanos em 1996. Embora as Diretrizes não sejam um instrumento vinculante,
estas refletem e são conseqüentes do direito internacional dos direitos humanos. Tais diretrizes servem de ferramenta para os
Estados no desenho, coordenação e implementação de políticas e estratégias nacionais efetivas sobre o HIV/AIDS, já que
proporcionam o marco necessário pra fornecer soluções à epidemia do HIV/AIDS tomando como fundamento os direitos e
determinando a forma em que se aplicam as normas dos direitos humanos dentro do contexto do HIV/AIDS e traduzindo-os
em medidas práticas a serem empreendidas no âmbito nacional. Em 2002, revisou-se a Sexta Diretriz com o fim de
incorporar novas normas relacionadas com o tratamento do HIV/AIDS e os avanços do direito internacional em matéria de
direito à saúde
5
Resolução da Sessão Extraordinária da Assembléia Geral das Nações Unidas relativa à “Declaração de Compromisso na
luta contra o HIV/AIDS” (A/RES/S – 26/2), Anexo (adotado em 27 de junho de 2001) (a seguir “Declaração de
compromisso na luta contra o HIV/AIDS”). Esta sessão extraordinária sobre o HIV/AIDS, convocada pela Assembleia Geral
de 25 a 27 de junho de 2001, se realizou como resposta ao crescimento alarmante da epidemia da AIDS e a seu impacto em
âmbito mundial.
6
Resolução 2005/84 da Comissão de Direitos Humanos “Proteção dos direitos humanos em relação ao vírus da
imunodeficiência humana (HIV) e a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS)”, E/CN.4/RES/2005/84, sexagésima
primeira (61) reunião (21 de abril de 2005), (a seguir “Resolução da CDH sobre a proteção dos Direitos Humanos em
relação ao HIV/AIDS”), parágrafo 12 do preâmbulo e parágrafo 5.
B. Inquietações relativas à proteção e ao HIV/AIDS:

7. O ACNUR se preocupa com uma série de temas relacionados à proteção dos refugiados,
dos deslocados internos e outras pessoas de seu interesse afetadas pelo HIV e pela AIDS. A
presente nota examina dez temas chave de proteção que podem surgir no contexto do HIV e
da AIDS, e ressalta a política que o ACNUR aplica para cada um desses aspectos. É provável
que estas políticas evoluam conforme aumente o acesso a tratamentos mais efetivos para o
HIV e para a AIDS. Estes dez aspectos e a política do ACNUR podem se resumir da seguinte
maneira:

10 aspectos chave sobre o HIV/AIDS e a proteção de refugiados, deslocados


internos e outras pessoas de competência do ACNUR:

1) Não-discriminação: as pessoas que vivem com HIV/AIDS têm direito de viver


com dignidade, livres de discriminação ou estigmatização. Os refugiados, os
deslocados internos e demais pessoas de interesse do ACNUR que vivem com
HIV/AIDS não devem ser submetidos a medidas discriminatórias. As ideias errôneas
sobre refugiados, deslocados internos e outras pessoas de interesse do ACNUR, que os
associam com uma maior incidência do HIV e da AIDS, podem conduzir a práticas
discriminatórias e, portanto, devem ser eliminadas.
2) Acesso a assistência médica para o HIV e AIDS: Os refugiados, os deslocados
internos e demais pessoas de interesse do ACNUR, igualmente a qualquer outro
indivíduo, têm o direito de que toda pessoa desfrute do mais alto nível possível de
saúde física e mental. Este direito implica no acesso, sem discriminação, a serviços
equivalentes aos que têm acesso as comunidades anfitriãs circundantes. No que se
refere ao HIV/AIDS, e com o fim de respeitar e cumprir o direito de ter acesso ao
mais alto nível possível de saúde física e mental, os Estados devem tomas ações
necessárias com o fim de garantir o acesso de todos os indivíduos à prevenção, ao
tratamento, ao cuidado e ao apoio contra o HIV/AIDS, o qual necessariamente inclui
as terapias antirretrovirais.
3) Acesso aos procedimentos de refúgio e à proteção contra a expulsão e
devolução: A condição de portador do HIV de um solicitante de refúgio não constitui
um impedimento para ter acesso aos procedimentos de refúgio. O direito a ser
protegido contra a devolução (refoulement) constitui a pedra angular do direito
internacional dos refugiados e a condição de portador do HIV tampouco é um motivo
que justifique uma exceção a este princípio. A condição de portador do HIV tampouco
é considerada como fundamento permitido para expulsar o solicitante a um terceiro
país.
4) Proteção contra a detenção arbitrária e restrições ilegais à liberdade de
movimento: A detenção e as restrições à liberdade de movimento das pessoas que
têm HIV/AIDS constituem violações ao direito fundamental, à liberdade e à segurança
da pessoa, bem como ao direito à liberdade de movimento, quando estas ações se
tomam considerando unicamente o estado real suposto, com respeito ao HIV, da
pessoa afetada por tal medida. Não existe nenhuma justificação de saúde pública que
permita justificar a imposição de restrições a estes direitos unicamente tomando por
base a condição de portador do HIV de uma pessoa. Estas restrições seriam
discriminatórias também.
5) Respeito à confidencialidade e privacidade: Em princípio, a informação pessoal
é confidencial e não deve ser compartilhada sem o consentimento do indivíduo
afetado. Esta informação inclui dados sobre a condição de saúde da pessoa. Aqueles
com acesso à informação sobre a condição da saúde das pessoas afetadas devem tomar
as medidas pertinentes para manter a confidencialidade.
6) Assessoramento e testes voluntários (ATV): os programas ATV desempenham
um papel importante na prevenção da transmissão do HIV, já que por meio deles é
fornecida às pessoas a informação específica sobre o vírus. Não obstante, sem os
padrões adequados, podem-se produzir violações ao princípio da confidencialidade
que podem gerar outros problemas de proteção. O ACNUR apoia os programas ATV
sempre que se cumpram os padrões internacionais e promove que todas as pessoas de
sua competência tenham acesso igualitário aos programas ATV existentes, ou em seu
padrão, o ACNUR apoia o estabelecimento de tais programas em cooperação com os
diferentes sócios e governos.
7) Não submissão aos testes obrigatórios: O ACNUR se opõe categoricamente a que
os solicitantes de refúgio, refugiados, deslocados internos e outras pessoas de sua
competência sejam submetidos a exames obrigatórios de detecção do HIV, já que esta
medida entra em conflito com os padrões relevantes de direitos humanos. A OMS e
UNAIDS afirmaram que não existe nenhuma razão de saúde pública que justifique
submeter as pessoas a provas obrigatórias de detecção do HIV, já que esta medida não
previne a introdução ou propagação do HIV. Considera-se que os interesses de saúde
pública se protegem mais eficazmente promovendo o assessoramento e os testes
voluntários em um entorno que garanta a privacidade e a confidencialidade.
8) Acesso a soluções duradouras: Alcançar uma solução duradoura não deve se ver
impedido pela condição de portador de HIV de um refugiado ou de um membro da
família. Com respeito à repatriação voluntária, o direito a regressar ao país de
origem não pode ser negado com base na condição de portador de HIV. No que se
refere à integração local, resulta crítico garantir o acesso aos serviços locais de
atenção médica para pacientes com HIV/AIDS em igualdade de condições com
respeito aos nacionais do país anfitrião, a fim de proteger os direitos básicos dos
refugiados. No âmbito do reassentamento, embora o ACNUR se oponha a que se
estabeleçam os testes de HIV como requisito prévio para o trâmite do reassentamento,
há alguns países de reassentamento que requerem a realização de provas de valoração
médica incluindo os testes de HIV. Quando se realizam estes testes, devem-se
respeitar os direitos humanos e cumprir as normas de assessoramento e testes
voluntários. Quando os Estados negam a entrada às pessoas diagnosticadas
positivamente com HIV/AIDS, se devem outorgar isenções automáticas para os casos
de reassentamento.
9) Necessidades de proteção das mulheres, meninas e meninos relacionados ao
HIV: As mulheres e as meninas se veem afetadas de maneira não proporcional pelo
HIV/AIDS e a desigualdade de gênero pode desempenhar um papel significativo nos
problemas de proteção aos que devem ser enfrentados, incluindo a crescente
vulnerabilidade à violência. Nestes casos, devem-se tomar medidas apropriadas para
garantir sua proteção contra a violência e exploração física e sexual. Dessa maneira,
deve-se prestar especial atenção às crianças afetadas pelo HIV, incluindo os órfãos ou
aqueles que são mais vulneráveis à consequência do HIV.
10) Acesso à informação sobre HIV e à educação: O direito à saúde inclui o acesso
não somente ao tratamento do HIV, mas também à educação sobre temas relacionados
ao mesmo. Tanto os Estados como o ACNUR devem garantir a divulgação de
informação sobre o HIV/AIDS entre os refugiados, os deslocados internos e outras
pessoas de interesse do ACNUR, particularmente informação relacionada com a
prevenção do HIV e a atenção necessária, bem como informação relacionada com a
saúde sexual e reprodutiva.
8. A política do ACNUR aplicável a cada um destes aspectos se explica em maiores detalhes
mais adiante e faz referência aos princípios legais internacionais nos quais tais políticas se
fundamentam.

B.1 Não discriminação:


9. As pessoas de interesse do ACNUR infectadas com o HIV e a AIDS enfrentam a
discriminação em diversas formas, incluindo a discriminação relacionada ao emprego,
habilitação e cuidados médicos. Esta discriminação pode advir de autoridades
governamentais, provedores de serviços, membros da comunidade anfitriã, bem como dos
próprios refugiados. As pessoas com HIV/AIDS têm o direito de viver suas vidas com
dignidade e sem discriminação, já que a não-discriminação constitui um dos princípios
fundamentais dos direitos fundamentais do direito internacional dos direitos humanos.
10. Segundo o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (ICCPR, sigla em inglês) e o
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (posteriormente PIDESC),
os direitos enunciados em tais instrumentos devem ser exercidos sem discriminação de
nenhum tipo em termos de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra
índole, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra
condição social. O comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, tal como o Comitê
dos Direitos da Criança, interpretaram que o termo “outra condição” que aparece nas
disposições contra a discriminação nos instrumentos relevantes de direitos humanos
compreende o estado da saúde, incluídos o HIV/AIDS.7 Em conclusão, a discriminação
baseada no estado real ou suposto com respeito ao HIV/AIDS de uma pessoa está proibida
pelos padrões internacionais de direitos humanos existentes.
11. Não obstante, o princípio da não discriminação permite a criação de estratégias
específicas para diferenciar grupos particulares de pessoas. Os critérios para fazer qualquer
tipo de distinção devem ser razoáveis e objetivos e a diferenciação deve perseguir um
objetivo legítimo de conformidade com o direito internacional dos direitos humanos. Dessa
forma, os meios utilizados para esse propósito devem ser proporcionais ao logro de tal
objetivo.8 Por isso, fornecer acesso privilegiado a um programa de atenção médica particular
com relação ao HIV/AIDS a um grupo marginal ou em desvantagem social, com
necessidades especiais, como, por exemplo, as mulheres grávidas infectadas pelo HIV ou
pela AIDS, não constituiria uma violação ao princípio de não-discriminação.
12. Por outro lado, as idéias errôneas por meio das quais se associam aos refugiados, aos
deslocados internos e às demais pessoas de interesse do ACNUR uma maior taxa de
incidência do HIV podem conduzir a práticas discriminatórias, por isso que estas idéias
devem ser eliminadas.9 Os governos devem promover ativamente o trato não discriminatório

7
Ver Observação Geral Nº 14 (2000) do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CESCR), relativo
ao artigo 12 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, E/C.12/2000/4 (posteriormente
“Observação Geral número 14 do CESCR”), parágrafos 18 e 19; e a Observação Geral nº 3 (2003) do Comitê de
Direitos da Criança referente ao “HIV/AIDS referente aos direitos da Criança” CRC/GC/2003/3 (posteriormente
“Observação Geral N.º 3 do CDC”) Parágrafo 7 em versão em espanhol (Nota do editor: na versão em inglês é o
parágrafo 9). A comissão de Direitos Humanos também interpretou que o termo “outra condição” inclui a
“condição de saúde, veja-se a resolução da CDH sobre a proteção dos direitos humanos em relação ao
HIV/AIDS, parágrafo 16 do preâmbulo, ver nota número 6 acima”
8
Ver Observação Geral N.º 18 do Comitê de Direitos Humanos referente à “não discriminação”,
HRI/GEN/1/Ver.7 (10 de novembro de 1989), parágrafo 13; Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial
(CERD), Observação Geral N. º 30 “Discriminação contra os cidadãos”, CERD/C/64Misc. 11/ver.3 (23 de
fevereiro – 12 de março de 2004); Observação Geral N.º14 do CERD referente à “Definição da Discriminação”,
HRI/GEN/1/Re.7 (22 de março de 1993).
9
As evidências sugerem que a incidência do HIV entre os refugiados é com freqüência menor entre a população
do país anfitrião que os rodeia, devido a uma série de fatores, incluindo o grau reduzido de mobilidade e o
limitado acesso à população, o qual pode contribuir a reduzir a transmissão do HIV. Ver PB Spiegel:
por meio de programas educativos e de informação pública que permitam ao público
compreender mais eficazmente a natureza do HIV e da AIDS. Outrossim, os governos devem
assegurar que tais programas, bem como os informes dos meios de comunicação, não
estigmatizem ou gerem estereótipos negativos com respeito aos refugiados, aos deslocados
internos ou demais pessoas de interesse do ACNUR. De acordo com a Diretriz número 9,
contida nas Diretrizes Internacionais sobre o HIV/AIDS e os Direitos Humanos, os Estados
devem, por exemplo, promover a difusão de materiais educativos destinados a modificar as
atitudes públicas de discriminação ou estigmatização associadas ao HIV/AIDS.10
13. Levando em consideração estes princípios, as pessoas refugiadas, deslocadas internas e
demais pessoas de interesse do ACNUR infectadas com o HIV e a AIDS não devem ser
submetidas a medidas discriminatórias baseadas nos motivos anteriormente destacados,
incluindo, em particular, a sua condição de saúde.

B.2 Acesso à atenção médica relacionada com o HIV/AIDS:

14. Um dos temas mais significativos para uma pessoa com HIV/AIDS é o acesso à atenção
médica, incluindo o acesso adequado ao tratamento necessário para salvar sua vida, como,
por exemplo, a terapia antirretroviral.11 O acesso à atenção médica é um dos direitos
contemplados na Convenção de 1951,12 e foi reconhecido, também, como um direito humano
fundamental no PIDESC que observou que este direito deve ser outorgado sobre uma base
não discriminatória.
15. Igual a outros direitos sociais, o direito a desfrutar do “mais alto nível possível de saúde
física e mental” requer que os Estados parte do PIDESC “adote[em] medidas, tanto
separadamente quanto mediante a assistência e a cooperação internacionais, especialmente
econômicas e técnicas, até o máximo dos recursos de que disponha, para conseguir,
progressivamente, por todos os meios apropriados, inclusive, em particular, a adoção de
medidas legislativas, a plena efetividade dos direitos aqui reconhecidos”13
16. O direito a ter acesso à atenção médica surge da obrigação que têm os Estados parte
mediante o PIDESC de assegurar que todas as pessoas que se encontrem dentro de sua
jurisdição tenham acesso sem discriminação, a desfrutar dos mais altos níveis possíveis de
saúde física e mental14. Um componente importante desta obrigação é a criação das condições

“HIV/AIDS among conflict-affected and displaced populations: dispelling myths and taking action”, Disaster,
28(3), (2004), p. 322-39.
10
Ver HIV/AIDS e Direitos Humanos: Diretrizes Internacionais, em nota número 4 acima, parágrafo 40. Ver
também a Observação Geral N.º14 do CESCR, nota número 7 acima, parágrafo 36, bem como a sessão B.10
mais adiante, referente ao Acesso à Informação e Educação sobre o HIV.
11
A terapia antirretroviral é uma combinação de medicamentos que interrompe a reprodução do HIV em
diferentes momentos do ciclo reprodutivo. Esta terapia se divide em geral em três componentes diferentes: 1)
profilaxia pós-exposição, geralmente administrada durante 28 dias a sobreviventes de violação, a fim de reduzir
as possibilidades de transmissão do HIV; 2) prevenção da transmissão da mãe à criança, um tratamento breve de
um ou mais antirretrovirais que se fornecem às mulheres grávidas durante o parto e ao recém-nascido com o
objetivo de reduzir as possibilidades de transmissão do HIV ao recém-nascido e; 3) a terapia antirretroviral de
longo prazo é uma combinação por via de medicamentos antirretrovirais que se administram às pessoas que têm
HIV/AIDS, que cumprem alguns dos critérios de inclusão.
12
O Artigo 23 da Convenção de 1951 estabelece que os refugiados que se encontram legalmente no território do
país anfitrião têm direito a receber assistência social e médica nas mesmas condições que os nacionais.
13
Artigo 2(1) do PIDESC
14
Ver o Artigo 2(1) do ICCPR e o artigo 12 do PIDESC. Ver também a observação Geral n.º31 do Comitê de
Direitos Humanos referente à “Natureza da obrigação jurídica geral imposta aos Estados parte no Pacto”,
CCPR/C/21/Ver.1/Add.13 (29 de março de 2004), parágrafo 10 e a Observação Geral n. º14 do CESCR, nota
número 7 acima, parágrafos 12, 34 e 52. A exceção que estabelece o artigo 2(3) do PIDESC que permite aos
países em desenvolvimento distinguir entre nacionais e não-nacionais está restringida aos direitos econômicos.
Dessa forma, o direito à saúde está reconhecido, inter alia, no artigo 5 (e) (iv) da Convenção Internacional sobre
necessárias que garantam a todas as pessoas o acesso não-discriminatório ao serviço e à
atenção médica, não somente para casos de enfermidade, mas também para o tratamento de
enfermidades epidêmicas.15 O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,
interpretou que o direito à saúde inclui a obrigação dos Estados de se absterem de negar ou
limitar o acesso equitativo aos serviços médicos preventivos, curativos e paliativos para todas
as pessoas, incluindo aos solicitantes de refúgio e aos migrantes ilegais.16 Ademais, de acordo
com o Comitê, uma das obrigações centrais dos Estados parte consiste em garantir a atenção
médica primária e fornecer os medicamentos essenciais.17
17. Com respeito ao HIV/AIDS, para respeitar e cumprir o direito de desfrutar do mais alto
nível de saúde física e mental, os Estados devem empreender ações e atuar da forma mais
rápida e eficaz possível com o fim de garantir o acesso de todas as pessoas aos serviços de
prevenção, tratamento, atenção e apoio relacionados com o HIV/AIDS,18 o qual deve incluir
necessariamente terapia antirretroviral.
18. Segundo o Comitê de Direitos da Criança, na atualidade é geralmente reconhecido o fato
de que o tratamento e o cuidado completo do HIV inclui a terapia antirretrovial19. Um fato
que sustenta ainda mais o pronunciamento do Comitê, é que a terapia antirretroviral está
sendo considerada como um medicamento essencial para salvar vidas e está registrada na
Lista de Medicamentos essenciais da Organização Mundial da Saúde (OMS). Finalmente, a
comunidade internacional reconheceu que o acesso aos medicamentos para tratar o
HIV/AIDS constitui um dos elementos fundamentais para lograr, progressivamente, o

a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial nos artigos 11.1 (f) e 12 da convenção sobre a
eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e no Artigo 24 da Convenção sobre os
Direitos da Criança. Vários instrumentos regionais sobre direitos humanos também reconhecem o direito à
saúde tais como a revisão da Carta Social Européia (artigo 11), a Carta Africana sobre os direitos humanos e dos
povos (artigo 16) e o protocolo adicional à convenção americana sobre direitos humanos em matéria de direitos
econômicos, sociais e culturais (artigo 10).
15
Com respeito ao tema do acesso não-discriminatório à assistência médica, segundo o comitê de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, o PIDESC “proíbe toda discriminação referente à saúde e aos fatores
determinantes básicos da saúde, assim como aos meios e direitos para consegui-lo, por motivos de raça, cor,
sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra índole, origem nacional ou posição social, situação
econômica, lugar de nascimento, impedimentos físicos ou mentais, estado de saúde (incluindo o HIV/AIDS),
orientação sexual e situação política, social ou de outra índole que tenham por objetivo ou por resultado da
invalidação ou a impunidade pelo prejuízo do gozo ou o exercício do direito à saúde”. Ver a Observação Geral
n.º 14 do CESCR, nota número 7 acima, parágrafo 18.
16
Ver a Observação Geral n.º 14 do CESCR, nota número acima, parágrafo 34.
17
Ver a Observação Geral n.º 14 do CESCR, nota número acima, parágrafo 43.
18
Ver HIV/AIDS e Direitos Humanos: Diretrizes Internacionais. Sexta Diretriz Revisada, nota número 4 acima,
parágrafo b, página 15. Ver também a observação geral n.º 14 do CESCR, nota número 7 acima, bem como a
resolução 2005/23 da Comissão de Direitos Humanos referente ao Acesso à medicação no contexto de
pandemais como as de HIV/AIDS, tuberculose e malária, E/CN.4/RES/2005/23, seção sexagésima primeira (61)
(15 de abril de 2005) (posteriormente “Resolução da CDH sobre o Acesso à mediação no contexto de pandemais
como as de HIV/AIDS, tuberculose e malária”), parágrafo 1, no qual se apontou que se reconhece que “o acesso
à medicação no contexto de pandemias como as de HIV/AIDS, tuberculose e malária é um dos elementos
fundamentais para alcançar gradualmente o exercício pleno do direito de toda pessoa ao desfrute do mais alto
nível possível de saúde física e mental”. A comissão também pediu aos Estados, no parágrafo 3, para
elaborarem e aplicarem estratégias nacionais com o fim de garantir, em forma progressiva, “o acesso de todas as
pessoas infectadas por pandemias como as de HIV/AIDS, tuberculose e malária a um tratamento, cuidado e
apoio integrais” e no parágrafo 7(a) estabelece que os Estados devem abster-se de “adotar medidas que possam
negar ou limitar o acesso de todos em igualdade de condições aos produtos farmacêuticos ou tecnologias
médicas de prevenção, cura ou alívio utilizados para tratar pandemias como as de HIV/AIDS, tuberculose e
malária ou infecções oportunistas mais frequentes que as acompanham”.
19
Observação Geral N.º3 do Comitê dos Direitos da Criança (2003), nota número 7 acima, parágrafo 25 na
versão em espanhol. (Nota do editor: na versão em inglês é o parágrafo 28)
exercício pleno do direito de todas as pessoas a desfrutar do mais alto nível possível de saúde
física e mental.20
19. Com respeito às crianças e ao direito à saúde, os Estados parte da Convenção sobre os
Direitos da Criança (CDC) têm a obrigação, inter alia, de garantir a todas crianças a
assistência médica e de saúde necessárias dentro de seu território e garantir a atenção pré e
pós natal adequadas para as mães.21Assim, por exemplo, o Comitê de Direitos da Criança
observou que, com a finalidade de prevenir a transmissão do HIV da mãe para o filho, “os
Estados parte devem adotar medidas como o fornecimento de medicamentos essenciais
(como por exemplo os fármacos antirretrovirais) de cuidados apropriados durante a gravidez,
o parto e o período pós-parto e aconselhamento e testes disponíveis para as grávidas e os seus
companheiros”.22
20. Com base nos princípios do direito internacional de direitos humanos e de refugiados,
anteriormente descritos e considerando que o acesso equitativo e não discriminatório à terapia
antirretroviral é um componente vital para garantir o direito ao mais alto nível de saúde
mental e física, os governos anfitriões, que são parte dos instrumentos anteriormente
observados, devem assegurar que os refugiados, os deslocados internos e demais pessoas de
interesse do ACNUR tenham acesso equitativo e não discriminatório aos programas
nacionais existentes de saúde para tratar o HIV e seus equivalentes. Esta medida inclui o
acesso aos programas nacionais de terapias antirretrovirais ou a seus equivalentes e o acesso a
outros medicamentos essenciais que estejam disponíveis para a população anfitriã.
21. Por outro lado, deve-se reconhecer que a terapia antirretroviral incorpora uma função de
saúde pública ao contribuir para prevenir a propagação do vírus,23 como é o caso em
particular da prevenção da transmissão do HIV da mãe ao filho, bem como a profilaxia pós-
exposição (PEP, sigla em inglês).24 A terapia antirretroviral também contribui, do ponto de
vista da saúde pública, a manter as pessoas com vida e saudáveis e atua como incentivo para
que as pessoas se beneficiem dos programas de assessoramento e provas voluntárias, as quais
incluem serviços de atenção e prevenção relacionados ao HIV.
22. O ACNUR promove o acesso pleno e não-discriminação dos refugiados, dos deslocados
internos e de demais pessoas de sua competência, aos sistemas públicos de saúde e advoga
por sua inclusão nos programas internacionais de assistência e as medidas adotadas para o
fortalecimento de capacidades.25

20
Declaração de Compromisso da Secretaria Geral da ONU sobre o HIV/AIDS, no número 5 acima, artigos 15
e 23.
21
Ver o artigo 24 da CDC. O Comitê dos Direitos da Criança interpretou que as obrigações dos Estados parte da
Convenção sobre os Direitos da Criança incluem a responsabilidade de garantir que as crianças tenham acesso
constante, equitativo e não-discriminatório ao tratamento e à atenção integral, incluindo os medicamentos,
produtos e serviços necessários relacionados com o HIV/AIDS. Observação Geral N.º3 do Comitê dos Direitos
da Criança, parágrafo 25 em versão em espanhol, nota número 7 acima.
22
Observação Geral N.º3 do Comitê dos Direitos da Criança, nota número 7 acima, parágrafo 23 na versão em
espanhol (Nota do editor: na versão em inglês é o parágrafo 25).
23
Segundo investigações médicas, “estimou-se por meio de uma análise de dados longitudinais de coorte que a
terapia antirretroviral reduz a infecção por cada relação de casal em 60%” Ver Porco TC, Martin JN, Page-
Shafer KA, Cheng A, Charlebois E, Grant RM, OSmond DH: “Decline in HIV infectivity following the
introduction of highly active antirretroviral therapy” (diminuição na infectividade do HIV depois da introdução
da terapia antirretroviral altamente ativa), AIDS Vol. 18 (2 de janeiro de 2004) páginas 81-88.
24
Ver nota número 11 acima.
25
Para maiores informações, ver a Política do ACNUR sobre terapia antirretroviral (na próxima publicação em
inglês).
B.3 Acesso aos procedimentos de refúgio e à proteção contra a expulsão ou a devolução:

23. Os refugiados e os solicitantes de refúgio que estão, ou se suspeita que estão infectados
com HIV e AIDS, podem estar em risco de ser expulsos ou devolvidos dos países de refúgio
devido a seu estado de HIV positivo ou, como solicitante de refúgio, pode se negar o acesso
aos procedimentos de refúgio. A condição de saúde ou o estado sorológico de HIV de um
solicitante de refúgio não constitui uma razão legítima para negar à pessoa o acesso aos
procedimentos de refúgio. Também, deve-se ter presente que a proteção contra a devolução
(non-refoulement) é a pedra angular do direito internacional de refugiados e que o estado
sorológico de HIV não constitui um motivo para fazer qualquer exceção a este princípio.
24. Em conformidade com a Convenção de 1951 e o direito consuetudinário internacional,
está proibido aos Estados devolver um refugiado a um país onde sua vida ou sua liberdade se
veem ameaçadas por motivos de raça, religião, pertencimento a um grupo social, ou por
razões de opinião política. Enquanto algumas disposições da Convenção de 1951 permitem,
raramente, a um terceiro país (artigo 32) ou a devolução de refugiados (artigo 33(2)), quando
estas ações se realizam unicamente tomando em conta a condição de HIV/AIDS do afetado,
constituem uma violação da Convenção de 1951 e/ou uma violação da obrigação de respeitar
o princípio non-refoulement (não devolução) sob o direito consuetudinário internacional.
25. Os motivos que justificam a exceção ao princípio de não devolução segundo o disposto
pelo artigo 33(2) da Convenção de 1951 são de alcance limitado e devem ser interpretados de
forma restrita e aplicado com grande cautela. Esta exceção se aplica unicamente aos
refugiados que são considerados por razões fundadas como um perigo para a segurança do
país no qual se encontram, o que, havendo sido objeto de uma condenação definitiva por um
delito particularmente grave, constituem uma ameaça para a comunidade do país no qual se
encontram. Por outro lado, o artigo 32 da Convenção de 1951 estabelece que os motivos
excepcionais de segurança nacional e ordem pública nas quais um refugiado, que se encontre
legalmente em território de um país, pode ser expulso a um terceiro país onde ela ou ele não
corra perigo de ser perseguido.
26. Uma pessoa com HIV/AIDS não se enquadra no âmbito das exceções de segurança
nacional nos artigos 32 e 33(2) da Convenção de 1951.26 Também se deve assinalar que os
trabalhos preparatórios da Convenção de 1951 mostram que os redatores não tinham como
objetivo que a exceção de ordem pública, estabelecida no artigo 32, permita a expulsão dos
refugiados com base em motivos sociais tais como a indigência, enfermidades físicas ou
mentais ou não-capacidades. Tampouco as razões de moralidade devem ser consideradas
válidas como motivo para invocar o artigo 32 da Convenção de 1951.27

26
Estes artigos são aplicáveis unicamente naqueles casos em que as pessoas representem um perigo grave no
futuro para a segurança do país de refúgio, e quando a devolução ou a expulsão seja necessária para eliminar o
perigo como mecanismo de último recurso de conformidade com o princípio de proporcionalidade. Veja o
Factum da apresentação do ACNUR em Suresh v. o Ministro de Cidadania e Imigração, SCC Número 27790
(Canadá) assim como a Opinião Consultiva do ACNUR referente ao âmbito da exceção sobre o perigo de
segurança para o país, estabelecida no artigo 33(2) da Convenção de 1951 sobre o Estatuto de Refugiado, carta a
Paul Engelmayer Esq. (6 de janeiro, 2006). Veja também E. Lauterpacht e D. Bethlehem, “The scope and
content of the principle of non-refoulement: Opinion’ en E. Feller, V.Türk e F. Nicholson (eds.) em Proteção do
refugiado no direito internacional: Consultas Mundiais do ACNUR sobre a Proteção Internacional, Cambridge
University Press 2003, em 87-177, particularmente os parágrafos 162-179 e Atle Grahl-Madsen, Comentário
sobre a Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados, (1963), p. 201-204 e p.232-236.
27
Convenção de 1951, Trabalhos preparatórios; veja Paul Weis, The Refugee Convention, 1951 Cambridge
University Press, Cambridge (1995), p.305-324.
B.4 Proteção contra a prisão arbitrária e as restrições ilegais à liberdade de movimento:

27. O direito à liberdade e à segurança do indivíduo, assim como o direito a não ser
submetido a prisão arbitrária, constituem normas fundamentais que não podem ser afetadas
unicamente por motivos fundamentados no estado sorológico do HIV de uma pessoa.28 Estes
direitos se aplicam a qualquer indivíduo que se encontre dentro da jurisdição de um Estado,
inclusive quem permanece de maneira ilegal.
28. Com respeito ao direito à liberdade de movimento e o direito a eleger o lugar de
residência, estes direitos estão garantidos unicamente para quem se encontra legalmente no
território. Desta maneira, os refugiados, os solicitantes de refúgio e outras pessoas de
competência do ACNUR que se encontram legalmente no território do Estado Anfitrião e que
estejam infectados com o HIV/AIDS não devem ser submetidos a restrições a sua liberdade
de movimento. 29 Enquanto algumas restrições à liberdade de movimento são permissíveis
segundo o artigo 12(3) do ICCPR, por razões de saúde pública, essa exceção raramente serve
como base para a aplicação desta restrição em casos de HIV/ AIDS e provavelmente violam o
princípio da não discriminação.30
29. De acordo com o documento HIV/AIDS e os Direitos Humanos Diretrizes Internacionais,
não existe nenhuma saúde pública que permita a privação da liberdade com base no estado
sorológico de HIV da pessoa (ainda quando se trate de casos de quarentena, detenção em
colônias ou centros especiais, ou em casos de refúgio).31 Também, todas as restrições que
limitem o direito à liberdade ou segurança da pessoa ou à liberdade de movimento
exclusivamente com base no estado sorológico de HIV, suposto ou real, são discriminatórias
e não se podem justificar com argumentos de saúde pública.32 O HIV/AIDS não é uma
doença que se pode transmitir por meio de atividades cotidianas e a transmissão pode ser
prevenida por meios menos restritivos, como por exemplo através de programas de educação
e de conscientização ao público assim como programas de assessoramento e provas médicas
voluntárias que fomentem o comportamento seguro dos indivíduos.
30. Os refugiados, os deslocados internos e também pessoas de competência do ACNUR não
devem ser, portanto, detidas, nem se impor restrições a sua liberdade de movimento tomando
unicamente o HIV como fundamento de sua condição.

B.5 Respeito à privacidade e à confidencialidade:

31. Outro aspecto crítico de proteção que enfrentam as pessoas com HIV/AIDS se relaciona
com a confidencialidade e privacidade de sua condição de saúde que, se não são respeitadas
pode pô-los em situação de risco. A princípio, a informação pessoal é confidencial e não deve

28
Veja o artigo 9 do ICCPR. Este direito também está garantido em vários instrumentos regionais de direitos
humanos tais como no artigo 5 da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais; no artigo 6 da Carta Africana sofre os Direitos Humanos e dos Povos; e no artigo 7 da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
29
Ver o artigo 26 da Convenção de 1951 e o artigo 12 do ICCPR.
30
Para que uma restrição a um direito humano seja legítima, o Estado deve estipular que tal restrição é
estabelecida e executada em conformidade com a lei. Enquanto deve-se estipular que a restrição cumpre um
objetivo legítimo, que é necessário e que os meios para alcançar o objetivo devem ser proporcionais com o fim
que se persegue, diga-se, que os meios utilizados devem ser os meios menos restritivos que existam para o
efeito. Por outra parte, qualquer restrição deve ser congruente com os demais direitos, como o direito à não-
discriminação. Até quando a saúde pública tenha sido citada pelos Estados como fundamento para restringir os
direitos humanos nos casos de HIV/AIDS, as medidas que estes adotem são algumas vezes as mais restritivas e
são impostas sobre uma base discriminatória, cujo caso não seriam legítimas; veja HIV/AIDS e os Direitos
Humanos: Diretrizes Internacionais, nota sobre número 4, parágrafos 82-83.
31
HIV/AIDS e os Direitos Humanos: Diretrizes Internacionais, nota sobre número 4, parágrafos 110-113
32
HIV/AIDS e os Direitos Humanos: Diretrizes Internacionais, nota sobre número 4, parágrafos 104-105.
ser compartilhada sem o consentimento prévio do indivíduo afetado, isto inclui todos os
dados relacionados com a condição de saúde da pessoa.
32. Como estabelece o artigo 17 do ICCPR, o direito à privacidade inclui a privacidade da
informação sobre a condição de saúde de uma pessoa, incluindo sua condição de HIV. Desta
maneira, as pessoas que tenham acesso à informação sobre a condição médica das pessoas
afetadas, como por exemplo, os profissionais de saúde, conselheiros, o pessoal do ACNUR
ou dos sócios implementadores, devem se assegurar de adotar as precauções necessárias para
manter a confidencialidade. Ao decidir se registrarem ou não o estado sorológico de HIV,
devem levar em consideração as necessidades de proteção da pessoa afetada (por exemplo,
para brindar assistência específica ou priorizar casos). Em caso de que se registre o estado
sorológico de HIV, devem tomar as medidas de segurança necessárias e de deve restringir o
acesso à informação.33
33. Se, para um propósito específico, se necessita divulgar a uma terceira parte a informação
sobre a condição de saúde de um indivíduo, é necessário contar com o consentimento
informado previamente da pessoa afetada. O consentimento informado requer explicar à
pessoa afetada sobre as razões que existem para compartilhar a informação e a quem as
fornecer. Ademais, implicar-se-iam sobre as conseqüências que implicaria negar tal
consentimento. O não-cumprimento da confidencialidade não só constitui uma violação ao
direito à privacidade da pessoa, mas também pode ocasionar outros problemas de proteção à
pessoa afetada, tais como a devolução, o rechaço por parte de membros da família ou da
comunidade, atos de violência ou ameaças de violência, o trato discriminatório com relação
ao acesso aos serviços necessários. Manter a privacidade também é um interesse superior de
saúde pública ao permitir a mais pessoas sentirem-se seguras e cômodas com as medidas de
saúde pública, tais como os serviços de atenção e prevenção do HIV/AIDS.34
34. O direito à privacidade também é aplicável às famílias, incluindo as crianças. Por isso, os
membros da família (incluindo os cônjuges ou os pais) não devem ser informados sobre o
estado sorológico de HIV de um parente, sem o consentimento do indivíduo afetado. Não
obstante, ao indivíduo se deve assessorar sobre a importância de informar a seu cônjuge e a
outros parceiros sexuais que possa ter.
35. A Convenção sobre os Direitos da Criança reitera a obrigação de respeitar o direito das
crianças à privacidade, incluindo privacidade no âmbito da saúde.35 Os serviços de
assessoramento e de evidências médicas devem, contudo, prestar a devida atenção à evolução
das capacidades das crianças e, geralmente, exige-se o consentimento dos pais, sempre
considerando o melhor interesse do menor de idade e com o devido respeito à legislação
nacional aplicável. Apesar de não ser obrigado a divulgar informações sobre o status de HIV
de crianças a terceiros, incluindo os pais, sem o consentimento da criança, esta medida é,
naturalmente, sujeita à idade e maturidade, bem como a determinação de interesses da criança
ou menina.36
36. É provável que seja necessário aplicar mecanismos inovadores com o fim de garantir que
a prestação de serviços que as pessoas com HIV/AIDS necessitam, particularmente em
territórios com refugiados e deslocados internos, não ponha em risco o princípio da
confidencialidade (por exemplo, garantir atendimento domiciliar ou alimentação suplementar
para todas as pessoas com enfermidades crônicas que atendam aos critérios requeridos e não
apenas aquelas afetadas com o HIV/AIDS). Além disso, as pessoas que prestam serviços de

33
Ver o Registro Manual do ACNUR.
34
HIV/AIDS e os Direitos Humanos: Diretrizes Internacionais, nota superior número 4, parágrafos 97-98.
35
Ver o artigo 16 da Convenção sobre os Direitos da Criança. Ver também a Observação Geral N°3 do Comitê
dos Direitos da Criança, nota número 7 acima, parágrafos 22-24.
36
Observação Geral N°3 do Comitê dos Direitos da Criança, nota número 7 acima, parágrafos 22-24
saúde aos refugiados, aos deslocados internos e a outras pessoas de interesse do ACNUR
devem receber a preparação e capacitação necessárias para proteger a privacidade e a
confidencialidade das pessoas afetadas.

B.6 Assessoramento e Testes voluntários:

37. A oferta de programas de aconselhamento e teste voluntário do HIV desempenham um


papel importante na prevenção da transmissão do HIV, já que esses programas dão às
pessoas informações específicas sobre o vírus. No entanto, quando não se implementam os
padrões adequados, há possibilidade de que tais programas violem os princípios de
confidencialidade, o que pode, por sua vez, gerar outros problemas de proteção (ver acima),
ou a pessoa afetada pode não receber a assessoria necessária para compreender as
consequências que implica viver com o vírus e conhecer os programas e os tratamentos que
estão à disposição deles e de suas famílias.
38. Assim, para que os programas de assessoramento e de testes voluntários cumpram os
padrões aceitáveis, os testes devem se realizar de maneira confidencial e devem ser
complementadas com assistência antes e depois dos testes. Ademais, deve-se realizar
unicamente com o consentimento da pessoa afetada, o que significa que a pessoa deve
expressar, voluntariamente, seu consentimento para submeter-se a tais testes e deve receber a
informação necessária37. A assistência anterior e posterior aos testes deve ser fornecida
unicamente por meio de pessoas qualificadas e profissionais. Também deve-se obter o
consentimento informado do paciente durante a sessão de assistência preliminar aos testes e
se deve conceder a assistência posterior aos testes independentemente dos resultados dos
testes. A orientação sobre a prevenção do HIV é importante tanto para aqueles que obtêm
resultados positivos como negativos. No caso dos pacientes que obtêm resultados positivos, é
necessário assessorá-los sobre a disponibilidade de programas de apoio e de referência
médica, incluindo programas de terapia antirretroviral.
39. A UNAIDS e a OMS recomendam que quando se garantem os serviços efetivos de
prevenção e tratamento, incluindo a terapia antirretroviral, os provedores de serviços de saúde
devem oferecer a certas categorias de pacientes a submissão rotineira aos testes de
diagnóstico do HIV durante as consultas médicas ou como parte delas.38 Por exemplo,
naquelas situações em que se dispõe de medidas de prevenção da transmissão do HIV da mãe
ao bebê, a equipe médica deve oferecer às mulheres grávidas a possibilidade de submissão
aos testes de HIV, as quais devem ser realizadas a menos que existam objeções específicas.
As condições básicas de confidencialidade e consentimento informado se aplicam em tais
situações.
40. O ACNUR recomenda o uso dos programas de assessorias e testes voluntários sempre
que se cumpram as normas anteriormente descritas. Igualmente, o ACNUR promove o acesso

37
De acordo com a UNAIDS e a OMS, o mínimo de informação que se deve fornecer aos pacientes para que
expressem seu consentimento fundamentado é: (i) os benefícios clínicos e preventivos que se obtêm dos testes;
(ii) o direito de negar se submeter aos testes; (iii) os serviços de seguimentos que serão oferecidos
posteriormente e; (iv) no caso em que o paciente recebe um diagnóstico positivo, deve-se advertir sobre a
importância de informar as pessoas que possam estar em constante risco e aquelas que poderiam não suspeitar
que se encontram expostas ao HIV. Ver Declaração de Política da UNAIDS e a OMS acerca dos Testes de HIV,
junho 2004.
38
De acordo com a UNAIDS e a OMS, os provedores de serviços de saúde devem realizar de forma rotineira os
testes de HIV nas seguintes situações: (1) no caso de pacientes que são avaliados para detectar infecções de
transmissão sexual; (2) no caso de mulheres grávidas quando é realizada terapia preventiva antirretroviral da
mãe ao filho; (3) no caso de pacientes que recebem tratamento em regiões próximas e em médicos que
trabalham em comunidades onde prevalecem altos índices de HIV e nos que recebem tratamento antirretroviral.
Ver a Declaração de Política sobre Provas de HIV, da UNAIDS, e a OMS, nota número37, acima.
igualitário das pessoas de sua competência aos programas mencionados quando já existam.
Ademais, promove a criação de tais programas em cooperação com os governos e com os
respectivos sócios.

B.7 Liberdade de submissão a testes obrigatórios:

41. Os testes obrigatórios impostos pelos Estados podem ter consequências negativas e
graves para a proteção dos refugiados, deslocados internos e demais pessoas de interesse do
ACNUR, tais como a devolução, a detenção ou a privação de outros direitos fundamentais.
42. O ACNUR se opõe categoricamente aos testes de HIV obrigatórios para os refugiados,
deslocados internos e demais pessoas de sua competência, tendo em vista que esta medida
entra em conflito com diversos padrões de direitos humanos. O direito à privacidade, segundo
previsto no artigo 17 do ICCPR, por exemplo, contempla obrigações que exigem o respeito à
privacidade da informação e à privacidade física das pessoas. Este último termo se refere à
segurança das pessoas. Os testes obrigatórios podem, portanto, violar ou conduzir à violação
de, por exemplo, o direito à liberdade e à segurança das pessoas ou do direito à não-
discriminação.39 O Comitê dos Direitos da Criança afirmou explicitamente que “Os Estados
parte, como têm o dever de velar pela proteção dos direitos à criança, devem em todas as
circunstâncias abster-se de impor testes de detecção de HIV/AIDS às crianças e velar pela sua
proteção contra tais medidas”.40
43. A OMS e a UNAIDS chegaram à conclusão de que não existe nenhum argumento de
saúde pública que justifique os testes obrigatórios de detecção de HIV, uma vez que esta
medida não previne a introdução ou a propagação do HIV e que, por outro lado, os testes de
detecção do HIV se realizam voluntariamente e, com a devida orientação preliminar e
posterior, têm maiores probabilidades de fomentar mudanças de comportamento que os testes
obrigatórios.41Ademais, os testes obrigatórios podem resultar contraproducentes, já que
podem induzir às pessoas com maior risco de contrair o HIV a permanecer no anonimato, o
que, por sua vez, pode privar tais pessoas do acesso aos programas de educação e de
assessoramento. Por isso, os interesses de saúde pública se satisfazem melhor através do
assessoramento e os testes voluntários realizados em um entorno de privacidade e
confidencialidade.42 Os interesses de saúde pública exigem testes de HIV em casos em que se
deve examinar o sangue ou outro produto humano, em vez da pessoa, antes de ser utilizado
em outros indivíduos.
44. Dentro deste contexto o ACNUR se opõe aos testes obrigatórios nas situações em que tais
testes são um pré-requisito para outorgar direitos e benefícios aos refugiados, aos deslocados
internos e demais pessoas de sua competência. Tal é o caso dos direitos relacionados à
admissão ao território de um Estado, o acesso aos procedimentos de refúgio ou às permissões
de residência.

39
Ver o documento HIV/AIDS e os Direitos Humanos: Diretrizes Internacionais, nota número 4 acima,
parágrafo 97.
40
Observação Geral N°3 do Comitê dos Direitos da Criança, nota número 7 acima, parágrafo 20 em versão em
espanhol (Nota do editor: na versão inglesa é no parágrafo 23).
41
Ver Declaração de Política da UNAIDS e a OMS acerca dos Testes de HIV, nota superior número 37. Ver
também a Resolução 45.35 da Assembléia Mundial da Saúde, quadragésima quinta Assembléia Mundial da
Saúde (14 de maio de 1992), a qual reconheceu que “não existe nenhuma justificativa relacionada com a saúde
pública para a adoção de medidas que cerceiem os direitos do indivíduo, principalmente medidas que pretendam
estabelecer testes médicos obrigatórios”. Da mesma forma, de acordo com o documento o HIV/AIDS e os
Direitos Humanos: Diretrizes Internacionais: “Testes de HIV obrigatórios podem constituir uma privação da
liberdade e uma violação ao direito de segurança de uma pessoa... Não existe nenhuma razão relacionada à
saúde pública que justifique testes obrigatórios de HIV”. Ver a nota número 4 acima, parágrafos 98 e 113.
42
Ver a Declaração conjunta da UNAIDS/OIM sobre restrições de viagem devido ao HIV/AIDS, junho 2004.
B.8 Acesso a soluções duradouras:

45. O mandato de proteção internacional do ACNUR o exige buscar, em cooperação com os


Estados, soluções duradouras para os refugiados. Conseguir uma solução duradoura não deve
ser prejudicada pelo estado sorológico de HIV de um refugiado ou de um membro de sua
família, especialmente nos casos em que isto possa conduzir à violação dos direitos humanos
fundamentais ou aqueles casos que possam resultar em privações indevidas ou aumentar
outros problemas de proteção. A condição de saúde de um indivíduo pode requerer dar
prioridade a um caso particular.
46. Com respeito à repatriação voluntária deve-se notar que o direito de regresso ao país de
origem está consagrado sem qualquer tipo de restrição no artigo 12 (4) do ICCPR e no artigo
13(2) da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e que este direito não pode ser negado
com base na condição sorológica de HIV de um indivíduo. Por outro lado, os testes
obrigatórios de HIV, dirigidos especificamente aos repatriados pelo fato de regressarem de
uma situação de refúgio ou de deslocamento interno, podem ser equivalentes à discriminação
e violar outros direitos humanos (ver sobre isso a seção anterior B.7 sobre a liberdade de
submissão a testes obrigatórios). No entanto, é necessário oferecer, na medida do possível,
programas confidenciais de assessoramento e testes voluntários aos repatriados e outras
pessoas em áreas de retorno. Por isso, as obrigações de um Estado de garantir a reintegração
dos repatriados e de respeitar seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais não
devem ser prejudicados pela condição sorológica dos indivíduos afetados.
47. Quando os refugiados recebem terapia antirretroviral no país de refúgio, é possível que
seja necessário implementar o regresso progressivo dos refugiados com o fim de garantir a
continuidade do tratamento no país de refúgio, no caso de que tal tratamento, todavia, não
esteja disponível no país de origem. A unidade familiar deve ser respeitada e mantida em tais
situações. Os governos devem adotar as medidas necessárias para estender a cobertura dos
programas às áreas de retorno com o apoio dos doadores, das ONGs e do ACNUR em
coordenação e com a cooperação do Grupo de Trabalho sobre HIV/AIDS da ONU.43
48. Igualmente, com respeito à integração local, e como foi notado anteriormente, é
fundamental garantir o acesso aos serviços de saúde para o tratamento de HIV e da AIDS
sobre uma base equitativa com respeito aos nacionais do país anfitrião, com o fim de proteger
os direitos básicos dos refugiados. O ACNUR recomenda firmemente integrar os programas
de HIV/AIDS para as pessoas de interesse do ACNUR e para as comunidades anfitriãs
vizinhas.
49. A princípio, o ACNUR se opõe aos testes de HIV como pré-requisito de elegibilidade
para o reassentamento. Não obstante, alguns países de reassentamento requerem exames
médicos antes da partida, incluindo testes de HIV. Quando se faz os exames, devem-se
respeitar os direitos humanos básicos à privacidade, à segurança, à não-discriminação, bem
como os princípios de autonomia, do consentimento informado e de confidencialidade,
principalmente com o fim de garantir que os mecanismos que se aplicarão para realizar as
provas e notificar os resultados, não exponham os refugiados à estigmatização ou a outros
problemas de proteção. Com respeito ao assessoramento, é de suma importância que a pessoa
afetada compreenda as razões e as possíveis consequências do teste. Ademais, devem-se
cumprir as normas anteriormente mencionadas na Seção B.6 sobre assessoramento de provas
voluntárias.
50. Com respeito à notificação dos resultados, quando um indivíduo apresente HIV positivo,
deve-se comunicar o resultado de uma maneira sensível que garanta a privacidade e o acesso
à informação completa sobre as conseqüências do diagnóstico e as alternativas disponíveis.
43
Para maiores informações, ver a Política do ACNUR sobre Terapia Antirretroviral (a próxima publicação será
em inglês).
Os Estados devem estabelecer e apoiar os procedimentos necessários para garantir o
cumprimento destas normas. Quando os Estados negam sistematicamente a entrada a
indivíduos com HIV ou AIDS, dever-se-ia outorgar uma isenção automática para os casos de
reassentamento.

B.9 Necessidades de proteção relacionados com o HIV das mulheres, das meninas e dos
meninos:

51. As mulheres e meninas se veem afetadas desproporcionadamente pela epidemia, no


sentido de que elas constituem um segmento cada vez mais numeroso de pessoas infectadas.
A desigualdade de gênero também desempenha um papel significativo na resolução dos
problemas de proteção que as mulheres enfrentam e os estudos demonstraram que não
somente a violência contra as mulheres e meninas aumenta o risco de contrair o HIV, mas
também as mulheres que são HIV positivas podem ser mais suscetíveis à violência ou à
ameaça de violência por parte de seus companheiros e de suas famílias.44
52. Em situações de deslocamento forçado aumentam os riscos de se verem afetados pela
violência física e sexual, e, portanto, os Estados, o ACNUR e seus sócios devem tomar as
medidas necessárias para proteger as mulheres, as meninas e os meninos da violência e da
exploração sexual, incluindo fornecer assistência suficiente para permitir-lhes evitar ser
vítimas das práticas de troca de alimentos, moradia ou satisfação de outras necessidades por
sexo. Devem-se realizar atividades adicionais para prevenir o contágio, como, por exemplo,
as campanhas de informação dirigidas às mulheres e às crianças. Deve-se prestar atenção
especial para as necessidades de proteção das mulheres e das crianças com HIV, ou que
sejam vulneráveis de outra maneira ao HIV e à AIDS, incluindo o risco incrementado de
sofrer violência doméstica, os obstáculos para o acesso à atenção e tratamento pelas
mulheres, a estigmatização e a discriminação e ao possível abandono por parte de suas
famílias, o incremento das responsabilidades familiares particularmente aos menores de idade
e às mulheres mais idosas.
53. Igualmente, deve-se prestar atenção especial para os meninos e meninas afetados pelo
HIV, incluindo os órfãos ou os que estejam, de alguma maneira, em situação de
vulnerabilidade por causa do HIV. Nestes casos, requer-se uma atenção especial, a fim de
garantir que a condição de HIV positivo do/a menor, ou a condição de algum outro membro
da família, não gere problemas adicionais de proteção, tais como o isolamento, a falta de
acesso à educação, bem como as necessidades de proteção das famílias nas quais os meninos
ou meninas são os chefes do lar.45
54. Conforme se notou na seção B.2 sobre o acesso à atenção médica relacionada com o
HIV/AIDS, o fornecimento de profilaxia pós exposição aos sobreviventes de violação e o
fornecimento de atenção às mulheres grávidas para a prevenção da transmissão do HIV da
44
A Declaração de Compromisso sobre HIV/AIDS da Secretaria Geral das Nações Unidas, mencionada em uma
das notas de rodapé da página anterior, nota de forma explícita, no artigo 14, as dimensões de gênero da
epidemia. Nesse contexto, realça o seguinte: “a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres são
elementos-chave para a redução da vulnerabilidade das mulheres e das meninas quanto ao HIV/AIDS. No artigo
47, os Estados Membros das Nações Unidas comprometeram-se a “intensificar os esforços a fim de... combater
os estereótipos e as atitudes de gênero, assim como a desigualdade de gênero com respeito ao HIV/AIDS,
promovendo a participação ativa dos homens e das crianças”. Ver também UNAIDS, UNFPA (Fundo de
População das Nações Unidas) e o UNIFEM (Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher),
Mulheres e HIV/AIDS: Luta contra a crise (2004); assim como o documento Stop Violence contra a Mulher:
Luta contra a AIDS, exemplar número 2, da Coalizão Global sobre Mulheres e AIDS, disponível em:
http://womenandaids.unaids.org.
45
Ver os artigos 13, 17 e 24 da Convenção sobre os Direitos das Crianças e a Observação Geral Nº3 do Comitê
de Direitos da Criança, citado na nota número 7 acima, parágrafos 13 e 14 em versão em espanhol (Nota do
editor: a versão em inglês corresponde aos parágrafos 16 e 17).
mãe ao bebê é de vital importância para reduzir os riscos de transmissão do vírus e deveria
ser, por isso, uma atividade prioritária. Os trabalhadores da saúde devem receber capacitação
adequada, a fim de que possam reconhecer as manifestações próprias da violência por
motivos de gênero e para que possam fornecer assistência médica, bem como serviços de
assessoramento e de consulta médica.

B.10 Acesso à informação e à educação sobre o HIV/AIDS:

55. O direito à saúde inclui não somente o tratamento do HIV/AIDS, mas também a educação
relacionada com o mesmo.46 Os Estados e o ACNUR devem garantir a divulgação
generalizada de informação a respeito do HIV/AIDS entre os refugiados, deslocados internos
e outras pessoas de sua competência, particularmente informação relacionada com a
prevenção e o tratamento do HIV, bem como informação relacionada com a saúde sexual e
reprodutiva.
56. Em congruência com os direitos à saúde e à informação, contidos na Convenção sobre os
Direitos da Criança, os Estados parte devem garantir que as crianças tenham acesso à
informação necessária sobre a prevenção e a atenção do HIV/AIDS. Tal informação deve ser
relevante, apropriada e oportuna e deve-se apresentar levando em conta os diferentes níveis
de compreensão da população infantil.47

C. Outros aspectos:

Para mais informação sobre a planificação estratégica e programas relacionados com o


HIV/AIDS, recomenda-se consultar o documentos VIH/SIDA: Plan Estratégico del ACNUR
2005-2007 e os endereços eletrônicos sobre o HIV e AIDS do ACNUR: (www.unhcr.org/hiv-
aids (inglês) e www.unhcr.fr/cgibin/texis/vtxprotect?id= 401915744 (francês)).

Divisão de Serviços de Proteção Internacional


ACNUR
5 de abril de 2006

46
O CESCR tem interpretado que o acesso à informação, incluindo o direito de buscar, receber e divulgar
informação e ideias referentes a assuntos de saúde, constitui um componente fundamental do direito à saúde. O
CESCR também informa que o direito consignado no artigo 12(2)(c) do PIDESC, o qual estabelece que os
Estados devem tomar as ações necessárias para a prevenção, o tratamento e o controle de doenças, “requer o
estabelecimento de programas de prevenção e educação que abordem inquietações relacionadas ao
comportamento da saúde com as doenças de transmissão sexual, em particular o HIV/AIDS”: ver a Observação
Geral Nº14 do CESCR, citado em nota superior número 7, parágrafos 12 e 16. Da mesma forma, o direito que
todo indivíduo tem à educação é reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual estipula no
artigo 26 que: “A educação terá como objeto o desenvolvimento pleno da personalidade humana e o
fortalecimento do respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais; favorecerá a compreensão, a
tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos étnicos ou religiosos; e promoverá o
desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz”.
47
Para mais informações ver Observação Geral N.º 3 do Comitê de sobre os Direitos da Criança, nota número 7
acima, parágrafos 16 e 17.
Informação Adicional:

• Refugees, HIV and AIDS: UNHCR’s Strategic Plan 2005-2007.


• Strategies to support the HIV-related needs of refuges and host populations.
UNAIDS, UNHCR Best Practice Collection, 2005.
• UNAIDS/WHO Policy Statement on HIV Testing, June 2004.
• Comitê dos Direitos da Criança, Observação Geral N°3 (2003) sobre “O
HIV/AIDS e os direitos da criança”.
• Inter-Agency Standing Committee (IASC). Guidelines for HIV/AIDS
interventions in emergency settings. Geneva: IASC reference group; 2003.
• EACDH/UNAIDS, HIV/AIDS e os Direitos Humanos: Diretrizes
Internacionais. Sexta Diretriz Revisada: Acesso à prevenção, tratamento,
atenção e apoio, HR/PUB/2002/1 (2002) e EACDH e o Programa Conjunto das
Nações Unidas sobre o HIV/AIDS, HIV/AIDS e os Direitos Humanos:
Diretrizes Internacionais, HR/PUB/98/1 (1998).
• Refugees and HIV/AIDS, Executive Committee of the High Commissioner's
Programme, Standing Committee, 20th mtg., U.N. Doc. EC/51/SC/CRP.7 (15
Feb. 2001).
• Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, Observação Geral N°14
(2000) O direito de desfrutar do mais alto nível possível de saúde (artigo 12 do
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais).
• UNHCR Policy Regarding Refugees and Acquired Immune Deficiency
Syndrome (AIDS),
• UNHCR/IOM/78/98, UNHCR/FOM/84/98 (1 Dec. 1998).
• UNHCR Policy and Guidelines Regarding Refugee Protection and Assistance
and Acquired Immune
• Deficiency Syndrome (AIDS), UNHCR/IOM/82/92, UNHCR/FOM/81/92 (12
Nov. 1992).
• UNHCR Policy and Guidelines regarding Refugee Protection and Assistance
and Acquired Immune
• Deficiency Syndrome (AIDS), UNHCR/IOM/70/88, UNHCR/FOM/63/88 (6
May 1988).

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