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LESC ÊNCIA
DO
A
Sumário
Quem somos nós? 1

Todo dia eu tô diferente 2

Diana, Cleo e Manu 7

A primeira grande escolha 20

Isso não é um conto de fadas 30

Sob pressão 43

O que estão cochichando? 50

Quando as feridas cicatrizam 56

Bolo 60

Além da Festa 72

O mundo oculto de Clarice 80

Créditos 88
em somos nós
Qu ?
Esta coletânea de contos trata de questões
muito relevantes! Ela foi elaborada pelos
alunos da disciplina de Psicologia do
Desenvolvimento II, 2023.1, do Curso de
Psicologia da Universidade de Fortaleza.

Apresenta diversas temáticas que envolvem o


adolescente no contexto contemporâneo.
O leitor encontrará temas, como: bullying,
comportamento auto lesivo, projetos futuros,
redes sociais, saúde mental, sexualidade, entre
outros. Todos especialmente selecionados
para levar aos jovens reflexões sobre o
adolecer, a partir das narrativas construídas.
Dessa forma, os autores convidam o leitor a se
debruçar sobre diversos contos, que
emocionam, fazem rir e promovem reflexão ao
mostrarem que, a travessia do tempo da
adolescência é repleta de experiências que
podem marcar nossas vidas para sempre.

Ana Claudia Coelho Brito


Todo dia eu tô
diferente

AVISO!
O tema principal dessa história é mudanças da
adolescência. Se você se sente incomodado com
este assunto, sugerimos que não leia este capítulo!
1
Helena, 13 anos, abriu um olho, depois outro, acordou, sem querer
levantar, mas, ao fazê-lo se olhou no espelho e se sentiu estranha.
Pensou: “Como estou feia hoje. Vou ficar em casa, não me sinto
bonita para sair”.
A adolescente saiu do quarto, ao ouvir sua mãe chamar para tomar o
café da manhã com a família, mas, antes colocou um moletom porque
queria esconder seus seios e sua barriga que doíam e estavam
inchados.
Durante o café da manhã, sua mãe comentou que a noite toda a
família sairia para o aniversário da avó de Helena. Ela pensou em
argumentar com os pais que não iria. Mas, sentiu medo da reação
deles e nada disse. Começou a ficar preocupada porque se sentia
envergonhada de sair se sentindo feia daquele jeito, sem se aceitar
tão bem e se sentindo diferente em relação ao corpo, pois eram
tantas sensações novas e diferentes que vinham surgindo. Mesmo
assim, ela aceitou e foi com os pais à casa da avó.
Foi surpreendida com a quantidade de pessoas que haviam lá. Aos
poucos foi sentindo o coração acelerar, as mãos a suar e um frio
passar por sua barriga, pela presença dos tios, primos e avós. Vários
questionamentos começaram a ser feitos, como: “e os
namoradinhos?”; “e as festinhas?”. Helena voltou a sentir o mesmo de
quando chegou, a pressão de um dia ruim e os questionamentos da
família que a deixavam angustiada; nem ela mesma conseguia
responder aquelas perguntas para si.
Nanda, uma prima muito próxima e da mesma idade que Helena,
notou seu desespero e logo chegou perto para perguntar o motivo da
esquisitice, ela não satisfeita reagiu e disse “ Ah, prima, Todo dia
estou diferente.

todo dia eu tô diferente — 3


Hoje, por exemplo, me sinto feia, não me sinto bem, me deixe em paz”.
No entanto, a prima insistiu em tentar animá-la e a convidou para
irem ao Ginásio de Esportes no dia seguinte pela manhã, pois haveria
um jogo de basquete de um amigo. Helena respondeu à prima que
tudo o que queria era ficar em casa, trancada no seu quarto,
assistindo séries e jogando com os amigos virtuais. Enquanto isso, a
prima acessava a rede social do amigo que iria jogar basquete,
mostrando a foto dele para Helena, que logo se mostrou interessada
e disse que se acordasse melhor, sem se sentir tão feia, talvez fosse
ao jogo. Já era final de tarde, quando os pais de Helena a chamaram
para voltarem para casa.
No dia seguinte, Helena acordou mais cedo, mal tinha conseguido
dormir, ansiosa para ir com a prima ao jogo de basquete para
conhecer o amigo dela.Antes mesmo de tomar café da manhã, já
mandou mensagem para a prima Nanda, e ficou nervosa porque ela
demorou a respondê-la. Então decidiu ligar: “Oi Nanda, acordei tão
bem, tô me sentindo linda. Quero ir para o jogo com você.” A prima riu
e brincou com Helena que a foto do amigo tinha feito milagre. Helena
estava de bom humor e riu do comentário de Nanda.
Em pouco tempo, as duas estavam no ginásio para assistirem ao jogo.
Um pouco antes de começar, Nanda procurou o amigo, Erick, que
tinha 15 anos, e o apresentou a Helena, que mesmo um pouco
envergonhada, sorriu timidamente e sentiu o rosto ficar quente e
vermelho enquanto o menino se aproximava dela para cumprimentar
com dois beijinhos no rosto. Helena, sentiu um misto de sensações, ao
mesmo tempo que se sentiu confusa, pois não sabia se ele a teria
achado bonita, apesar dela se sentir assim naquele momento. Muitas
vezes, ela própria não entendia aquele turbilhão de sentimentos
contraditórios que ela vivia ao mesmo tempo, em tantas situações.
Os pensamentos automáticos que vieram naquele momento, sem
saber ao certo que impressão havia causado em Erick, a deixaram
insegura com o corpo, com a roupa que vestia, em estar naquele
ambiente lotado de adolescentes como ela.

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Ela se perguntava se eles também se sentiam confusos com tantas
mudanças físicas, com a intensidade das emoções boas e ruins que
sentia a todo instante, que a faziam se sentir perdida, sem rumo, sem
saber o que fazer, como agir e reagir. Logo, a prima a chamou,
interrompendo seus pensamentos. Helena disse que queria ir embora,
não se sentia bem, estava com cólicas, queria se deitar, ficar quieta e
sozinha no seu quarto, que ali tinha muita gente. A prima ofereceu um
remédio que tinha na bolsa, ela aceitou, e enquanto tomava, houve um
intervalo do jogo.
Enquanto isso, Erick as chamou e pediu para fazer uma selfie com
elas, para postar no instagram após o término do jogo. Helena tentou
disfarçar, mas, ficou eufórica, feliz, que até esqueceu que queria ir
embora. Agora seu desejo era esperar o final do jogo, pois, de
repente,queria conhecer e conversar mais com o amigo da prima. Ao
final do jogo, Erick mandou mensagem para Nanda, convidando-as
para almoçarem na sua casa, com sua família, para comemorarem a
vitória do seu time. As meninas perguntaram aos pais se poderiam ir
para a casa de Erick. Mas, apenas os pais da Nanda deixaram, os pais
de Helena, não. Ela ficou com raiva, irritada, chorou e por alguns
instantes sentiu ódio dos pais. Pensou: “Como eles podem fazer isso
comigo?; Como podem atrapalhar meus planos desse jeito?; Estão
sempre reclamando que eu não saio do quarto, que tenho pouca vida
social, mas, quando tento me divertir e me enturmar, eles não
deixam”.
Nanda ligou para os pais e pediu que eles falassem com os pais de
Helena, para dizer que Erick era um menino bom e de confiança. Não
demorou muito e os pais de Helena voltaram atrás e deixaram ela ir
com a prima para o almoço. E logo, todos aqueles sentimentos ruins e
intensos que Helena tinha experienciado há poucos minutos, foram
substituídos por sentimentos igualmente intensos de alívio, felicidade
e gratidão.

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Foi ao banheiro, lavou o rosto, se acalmou, e quando voltou para
encontrar a prima, Erick estava lá, olhando em sua direção e
perguntou o que havia acontecido e se ela havia chorado. Helena ficou
envergonhada com a pergunta, pensou que ele iria achá-la criança e
antes que ela pudesse responder, Nanda mudou de assunto e disse
que estava com fome, se eles não podiam ir logo. Erick e Helena riram,
e todos saíram juntos do ginásio.
Chegando a casa de Erick, ele apresentou a família e à sua irmã,
Clara, que também tinha 13 anos, como Nanda e Helena. Clara era
muito alegre, comunicativa, e logo deixou as visitas bem a vontade.
Principalmente, Helena, que pensou, como Clara tinha a mesma idade
que ela e eram tão diferentes? Pois, quando os pais de Helena
recebiam visitas em sua casa, ela não fazia questão de receber
ninguém, preferia ficar trancada no quarto, e mesmo quando saía de
lá, após muita insistência da mãe, jamais receberia as pessoas
daquele jeito, com tanta alegria. Ela precisava saber qual era o
segredo da Clara, porque ela gostaria de ser um pouco menos chata
e “aborrecente”, que era como seus pais a chamavam.
Após o almoço, Clara as chamou para seu quarto, onde puderam
conversar sobre vários assuntos. Depois de um tempo, Helena se
sentiu à vontade para perguntar como Clara conseguia ser tão
animada e alegre? Porque, ela, Helena, na maior parte do tempo, se
sentia triste, insegura, confusa e com tédio. Clara riu e disse que com
ela também era assim, que no dia anterior, ela não se sentia bem para
sair de casa, pois se sentia feia, e quando estava assim, evitava se
olhar no espelho, se arrumar e sair de casa. Todas deram risada. E
Helena pôde perceber que aquele seu universo adolescente não era
exclusividade dela. Mesmo assim,com o alívio de se sentir acolhida
por Clara, aquele excesso de pensamentos fazia com que ela se
sentisse muito confusa a cada dia que passava, trazendo angústia.
Em meio a essa confusão, conhecer Erick e Clara pareceu ser um
alívio em meio ao caos da adolescência, vindo a se tornar um grande
laço de amizade no trilhar dos caminhos dessa fase.

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Diana, Cleo
e Manu

AVISO!
O tema principal dessa história é violência na
internet. Se você se sente incomodado com
este assunto, sugerimos que não leia este
capítulo!
2
Foi no meio da gritaria do pátio da escola, que a diretora chamou
minha atenção e me pediu que a acompanhasse. Haviam três garotas
discutindo no pátio, nem eu, a diretora e nem as assistentes de
corredor entenderam o motivo da confusão das três meninas. Então,
foi quando reconheci: era o famoso trio inseparável, essas garotas
tem mais ou menos 14 anos e estavam no 1° ano do ensino médio. Pelo
jeito delas, parece até que elas saíram de algum tipo de filme. Eu,
pessoalmente, só conheço uma das garotas, Manu, que é muito
engajada nas atividades escolares e já veio conversar comigo
algumas vezes sobre o calendário das atividades de esportes da
escola.
Normalmente, elas se davam bem e conseguiam resolver seus
conflitos de maneira calma, até porque elas eram muito amigas, mas
acho que para tudo tem uma primeira vez.
A presença da diretora se aproximando do grupo, fez com que Emma
alertasse as outras meninas, que estavam ainda com muita raiva, em
meio à confusão, para prestarem atenção na figura da diretora. Ela é
alta, elegante, no tipo de estilo que impunha respeito aos outros, ao
lado delas. Assim, quando as meninas enfim pararam de discutir para
serem questionadas pela diretora, que apenas repassou a situação
diretamente para mim.
— Diana, Cleo e Manu, da última vez foi na sala de aula, desta vez
vocês resolveram discutir durante o intervalo inteiro, aos berros, no
meio do pátio da escola. As outras crianças não precisam ouvir a
discussão inteira de vocês. Por isso, estou convocando vocês para
terminar essa conversa na sala da Alice. Caso não a conheçam ainda,
ela é nossa psicóloga e participante das reuniões dos conselhos
estudantis. Acompanhem ela até a sala.

diana, cleo e manu — 8


Dei um sorriso leve para tentar aliviar a situação, mas pelo que eu já
estava observando durante o intervalo, um sorriso não vai ser
suficiente para quebrar o gelo com essas meninas. Assim, fomos
subindo as escadas, andamos pelo longo corredor até chegar na
minha sala, então ouvi as meninas discutindo baixinho e logo Manu fez
uma tentativa de que elas parassem. Chegando próximo a minha sala,
passamos por um garoto que as meninas parecem estar bem
familiarizadas. O nome dele é Leo, é um menino muito inteligente,
extremamente engajado com as atividades científicas da escola, já o
vi nos eventos acadêmicos, ele é o tipo de aluno que se destaca dos
outros.
— Olha lá, lá vem o Leo – Disse a Manu — Fica tranquila, Cleo. Lembre
que sua briga não é com ele, então não desconte nele.
Então o Leo se aproxima, me comprimentando com a cabeça. Acho
que ele me reconheceu dos eventos científicos. Mas permanece
focado em ir diretamente até a Cleo. Paro para esperar por elas e
observo Cleo ficar vermelha nas bochechas enquanto o comprimenta.
— Oii Leo!! — Disse Cleo — Desculpa, a Alice está levando a gente pra
sala dela agora. Podemos conversar no fim da aula?
— Claro!! Faz tempo que estou tentando falar com você, mas você
não tem olhado as mensagens, então não quis insistir porque acho
que você nem está olhando o celular, por conta da semana de provas,
que está chegando. Acertei? — Disse o Leo.
— É isso mesmo, sabe como é, né? Não quero comprometer meus
estudos por outras coisas. — Respondeu Cleo.
— Eu sei, eu sei. Eu também sou assim, mas eu sei organizar meu
tempo para não perder as outras coisas também. Então, no fim da
aula a gente se encontra no lugar de sempre — Leo quebra o contato
visual com Cleo e se dirig dirige a mim e as outras meninas, que
estavam observando atentamente a conversa. — Até mais!!
Não demora nem dois segundos, ele não conseguiu nem se afastar do
grupo e logo elas já começaram a gritar de novo. Não consigo captar
quem começou a gritar.

diana, cleo e manu — 9


— VOCÊ FALOU ISSO DE PROPÓSITO! — Gritou Diana.
— CLARO QUE NÃO! COMO SE EU TIVESSE COMBINADO ME
ENCONTRAR COM O LEO NO CORREDOR E ESSE ASSUNTO SURGIR,
É APENAS A VERDADE! — Responde Cleo.
— Foi só uma coincidência, Diana! A Cleo não falou nada de propósito,
se foi ele que puxou o assunto. Ele não é da nossa sala e eu aposto que
ele tava enfiado na biblioteca durante o intervalo e nem viu o episódio
idiota de vocês no pátio. — Afirmou Manu.
— Ah claro, até o Leo, o seu ex-namorado, sabe que você não dá
tempo para se divertir e relaxar, mas a verdade é que você
simplesmente ignora a existência das redes sociais. Você é mais do
que Low Profile, você é NO PROFILE. Então, você não sabe nada sobre
como EU deveria lidar com as redes sociais. — Comenta Diana. Pelos
meus conhecimentos, Low Profile é alguém que não aparece muito
nas redes sociais e No Profile, eu imagino que seja alguém sem conta
nas redes sociais.
— Chega meninas, vamos logo para minha sala para esclarecermos e
encerrarmos essa história — Eu interrompo, de maneira mais bruta
do que gostaria.
Ainda não está claro pra mim por que essas meninas estariam
brigando por conta de redes sociais, muito menos o que o ex-
namorado da Cleo tem a ver com isso. Ainda bem que já estamos na
porta da minha sala quando me dei conta que elas estavam, pelas
minhas costas, fazendo caretas umas para as outras. Ah, como eu
queria ter um olho nas costas para interpretar o que elas estavam
expressando e entender isso de uma vez, para conseguir resolver.
Abrindo a porta da sala, pedi para que cada uma se acomodasse nas
cadeiras da minha sala. Tentei não observar de maneira exagerada
cada movimento delas, mas percebi que Cleo e Diana se sentaram em
lugares opostos na sala de aula e Manu, involuntariamente, já que foi
a última a entrar na sala, sentou no lugar que restou no meio, entre as
duas meninas.

diana, cleo e manu — 10


Parecia que eu conseguia ver os sinais de asteriscos e gritos e
fumaça saindo pela cabeça delas, claramente não estavam
contentes em terem sido trazidas para cá. Logo, o clima da sala
esfriou. Nenhuma delas dizia uma palavra. Não calavam a boca há um
minuto e meio atrás, estavam cheias de opinião e agora… nada? Bom,
acho que vou ter que começar quebrando o gelo, com cuidado para
não acender o pavio curto dessas duas.
— Então, meninas, vamos direto ao assunto para não perdermos
muito tempo. Gostaria de tentar entender o que aconteceu entre
vocês. Por que uma de vocês não me conta como tudo isso começou?
— Começo falando. Mas nem Diana e nem Cleo se pronunciam.
— Elas meio que começaram essa discussão no final da última aula,
Alice. Por que a Diana não saia do celular durante a aula e o celular
dela chegou a atrapalhar a Cleo algumas vezes. Foi aí que a Cleo
perdeu a paciência e mandou ela largar a droga do celular e prestar o
mínimo de atenção na aula. — Explicou Manu.
— Entendi, mas foi isso o que levou a gritaria durante o intervalo no
meio do pátio? - Perguntei, olhando para as três meninas ao mesmo
tempo, tentando fazer com que as outras se pronunciassem também.
— Bom, começou assim. Mas a verdade é que elas levaram tudo pro
pessoal muito rápido, foi ai que tudo complicou. — Continuou Manu.
— Mas, o que a vida pessoal delas tem a ver com o fato da Diana
estar usando muito o celular?
Perguntei isso para evitar já chamar atenção da Diana por estar no
celular durante a aula, o que é, segundo as regras da escola, proibido.
Pois, já vi que Diana desviou o olhar do meu caderno para meu rosto
de uma maneira rápida e apreensiva, quando Manu citou que ela
estava no celular durante a aula. Ela claramente sabe que é proibido e
tem medo de ser pega, mas esse não é o ponto principal agora

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— A verdade, Alice, é que a Cleo, não consegue entender os lados
legais e divertidos de se utilizar as redes sociais, por que ela só sabe
estudar, ela raramente responde mensagens de grupos. É
simplesmente impossível, ela só aparece pra falar de algum trabalho
ou pra ajudar a gente com conteúdo de prova. Ela não sabe ter uma
vida e está tentando fazer eu me sentir culpada por ter uma. —
Desabafou Diana.
— Ter uma vida? TER UMA VIDA? Você não pode chamar essa
mentira que você projeta nas suas redes sociais de vida! Fala sério! Eu
não aguento mais isso!! Quando você sai com a gente, fica o tempo
todo no celular, só vive para tirar fotos e postar e não aproveita o
rolê com a gente. Você é tão apegada aos likes e comentários que
ficou completamente dependente deles, sinceramente, isso não é
viver, mas só você não enxerga isso!!! — Rebate Cleo.
— Elas duas simplesmente não conseguem entender que as duas
estão erradas, mas as duas estão certas. Pelo menos na minha
opinião, já tentei explicar milhares de vezes. Mas parece não adiantar,
elas não querem abrir a mente para tentar entender o argumento da
outra. Existem opiniões diferentes e talvez até melhores do que a
delas, mas elas não levam nem em consideração! — Comenta Manu.
Ahhh, agora as coisas estão ficando mais claras. Um conflito
complicado, tanto de personalidades, quanto de opiniões, claramente
bem opostos uns dos outros. Mas, ainda está faltando pedaços dessa
história. Elas precisam liberar essa angústia, essa raiva, essa
frustração e essa confusão que tá tomando conta delas agora.
— Certo, entendo seus pontos de vista, mas acho que vocês não se
deram oportunidade de expressar os pensamentos de maneira
correta. Acredito que a frustração e a raiva tomaram mais conta de
vocês do que vocês gostariam de admitir. Manu, por favor, você pode
ir buscar um copo de água para as duas? — Peço para Manu, para
conseguir um momento a sós com as duas “chaminés” sentadas na
minha frente. Quando Manu se levanta e sai da sala, Cleo fala
rapidamente:

diana, cleo e manu — 12


— A verdade, Alice, é que a Cleo, não consegue entender os lados
legais e divertidos de se utilizar as redes sociais, por que ela só sabe
estudar, ela raramente responde mensagens de grupos. É
simplesmente impossível, ela só aparece pra falar de algum trabalho
ou pra ajudar a gente com conteúdo de prova. Ela não sabe ter uma
vida e está tentando fazer eu me sentir culpada por ter uma. —
Desabafou Diana.
— Ter uma vida? TER UMA VIDA? Você não pode chamar essa
mentira que você projeta nas suas redes sociais de vida! Fala sério! Eu
não aguento mais isso!! Quando você sai com a gente, fica o tempo
todo no celular, só vive para tirar fotos e postar e não aproveita o
rolê com a gente. Você é tão apegada aos likes e comentários que
ficou completamente dependente deles, sinceramente, isso não é
viver, mas só você não enxerga isso!!! — Rebate Cleo.
— Elas duas simplesmente não conseguem entender que as duas
estão erradas, mas as duas estão certas. Pelo menos na minha
opinião, já tentei explicar milhares de vezes. Mas parece não adiantar,
elas não querem abrir a mente para tentar entender o argumento da
outra. Existem opiniões diferentes e talvez até melhores do que a
delas, mas elas não levam nem em consideração! — Comenta Manu.
Ahhh, agora as coisas estão ficando mais claras. Um conflito
complicado, tanto de personalidades, quanto de opiniões, claramente
bem opostos uns dos outros. Mas, ainda está faltando pedaços dessa
história. Elas precisam liberar essa angústia, essa raiva, essa
frustração e essa confusão que tá tomando conta delas agora.
— Certo, entendo seus pontos de vista, mas acho que vocês não se
deram oportunidade de expressar os pensamentos de maneira
correta. Acredito que a frustração e a raiva tomaram mais conta de
vocês do que vocês gostariam de admitir. Manu, por favor, você pode
ir buscar um copo de água para as duas? — Peço para Manu, para
conseguir um momento a sós com as duas “chaminés” sentadas na
minha frente. Quando Manu se levanta e sai da sala, Cleo fala
rapidamente:

diana, cleo e manu — 13


— Honestamente, fiquei muito chateada com o fato dela vir esfregar
na minha cara que meu relacionamento com o Leo não funcionou
porque eu não quis. Sabe, não é tão fácil assim conciliar todas as
coisas da vida. Não, eu não sou dependente de um pedaço de tela
para ser feliz, e não, eu não vejo nada errado nisso. Se minha vida
acabasse amanhã, eu saberia que ela não teria se resumido a posts
numa rede social. — Desabafa Cleo.
— Cleo, deixa de ser assim! A vida não é só escola, responsabilidades,
livros de romance e estudos. Existe uma vida fora de tudo isso. Como
que você espera viver um romance como o dos livros que você lê, se
quando o menino perfeito para você aparece bem na sua frente, se
declara para você e você simplesmente TERMINA com ele porque
você QUER TEMPO PRA ESTUDAR? ALÔ? Que VIDA você quer viver, a
dos livros ou a sua? — Comenta Diana.
— Mas e você? Qual MUNDO que você quer estar? O mundo dentro
das redes sociais, onde tudo é uma mentira, as pessoas são uma
farsa e onde tudo é manipulável e existem pessoas ruins esperando
uma oportunidade para te usar, ou no mundo real, onde você pode
realmente obter experiências, conhecer pessoas, fazer amigos, ter
tempo de qualidade, aproveitar os pequenos momentos? — Retruca
Cleo.
— Você fala isso como se você não trocasse as experiências com
pessoas na vida real pelos estudos, provas e trabalhos. Você
literalmente descartou o "match" mais perfeito para você como se
não fosse nada. O garoto estava ali babando aos seus pés e você
gosta dele também. Mas porque você simplesmente achou que não
teria tempo, terminou com ele e o coitado do menino tá lá, se
rastejando pelo mísero farelo da sua atenção. Tanto que até os seus
pais te falaram isso, mas você não consegue deixar de ser careta e se
dar 2 minutos de lazer. – Continua Diana.

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— Pra você tudo se resume a isso né? Ter alguém para te bajular,
para te aceitar? É por isso que você é tão preocupada com tudo nas
redes sociais? Se preocupando com os míseros detalhes como, a
pose de foto que vai te dar mais likes ou o engajamento dos seus
seguidores. Fala sério, Diana! Você não tem por que ficar caçando
amor virtual e se vender por tão pouco para inventar uma imagem
perfeita na internet. Você SABE que isso pode ter consequências. —
Assim que Cleo termina, Manu retorna para a sala e as duas ficam
caladas novamente, de maneira quase preocupada com a presença
dela na sala novamente.
Tudo bem, acho que já escutei o suficiente. Entendi a situação.
Acredito que agora seja uma boa hora para realizar uma intervenção.
Cleo, é mais centrada, preocupada com a escola, levando muito a
sério, ao ponto que ela esquece de todo o resto, o que é a crítica da
Diana, e os pais dela estão cientes que ela negligencia outras coisas
para estudar. Por isso ela terminou com o Leo, mas por sinal, eu acho
que faz bastante sentido eles estarem juntos, já que os dois são muito
inteligentes, carismáticos e fáceis de fazer amizade, mesmo que
tímidos.
Por outro lado, Diana, já está no oposto dessa ideia. Ela é dependente
das redes sociais. Segundo Cleo, ela busca tanta atenção nas redes
sociais que esquece de realmente se fazer presente na vida dela,
então Cleo chama atenção pra isso. Como se ela vivesse uma vida
para parecer ter uma vida nas redes sociais que atende aos padrões
que ela está criando na própria cabeça. Ambas perceberam o
problema da outra, mas não o de si mesma. Mas por alguma razão,
elas esperaram Manu sair da sala para desabafar, e isso ainda não
está fazendo sentido. Essa parte da história está faltando.
Quando Manu reaparece, ela cuidadosamente observa o clima da
sala e eu observo o comportamento de Diana e Cleo, que quebraram
o contato visual comigo para observarem Manu entrar na sala e
rapidamente se entreolharam.

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Elas parecem ter algum tipo de acordo não falado, de deixar um
certo assunto quieto, algo importante, provavelmente relacionado a
tudo isso. Por isso, espero Manu se sentar novamente e dou início a
tentativa de criar oportunidade para que elas fiquem mais
confortáveis em contar o que quer que esteja faltando para
completar o quebra cabeça da história.
— Certo, já consegui entender como vocês começaram essa briga.
Mas vamos por partes, primeiro, entendo que a Cleo, com razão,
alertou você, Diana — falo olhando diretamente para ela — que está
utilizando as redes sociais de maneira indevida. Não se trata de
utilizar muito as redes sociais, mas sim de usar da maneira correta e
você sabe que existe um tempo e lugar para tudo e com certeza, o
lugar de estar usando as redes sociais, não é durante as aulas. Suas
amigas disseram estarem incomodadas com o fato de você estar
presente, mas não de fato ser presente nos momentos com elas.
Você acha que tem administrado bem o uso do seu tempo nas redes
sociais? — Pergunto, tentando fazê-la refletir sobre isso.
— Bom, eu achava que sim né. Mas quando você colocou desse jeito,
me fez questionar se eu não estou realmente muito viciada. Eu não
acho que estou usando muito, não me sinto afetada… Vou falar a
verdade, é que não me importo muito com os estudos e as minhas
notas comprovam isso, mas eu posso estar me importando além do
que deveria com meu perfil nas redes sociais. Então, não, não acho
que estou administrando tão bem o meu tempo quanto deveria. —
Responde Diana, para a minha surpresa, ela compreendeu o
problema de si mesma.
— Cleo, eu entendo que você acumulou por muito tempo seus
pensamentos sobre isso e acabou explodindo de uma maneira que
você não previu. Mas você acha que Diana merecia uma abordagem
mais tranquila sobre esse assunto? — Pergunto, direcionando a
atenção para Cleo.

diana, cleo e manu — 16


— Não, acho que lidei mal. Desculpa por ter explodido desse jeito no
meio da aula, Diana. — Ela para, respira fundo e começa a falar bem
rápido — Mas eu realmente estava incomodada com isso já faz
tempo, mas a Manu também tava. Só veio a calhar que eu me
estressei antes dela, até porque a gente sabe que tem que ter
cuidado com as redes sociais, exatamente por que algo ruim já
aconteceu com uma de nós então a gente sabe melhor do que
ninguém que temos que ter um cuidado redobrado com isso. —
Declara Cleo, pela forma que ela respirou fundo, parecia que ela tinha
desengasgado alguma coisa.
Achei o que estava faltando. Confirmando essa hipótese apenas pela
reação das outras duas, Diana de repente arregalou os olhos e Manu
desviou o olhar. Acho que Cleo nem percebeu o que falou. Tento não
deixar elas assustadas com a minha reação.
— Você tem razão, precisa sim ter cuidado com as redes sociais. Ter
cuidado com o uso indevido, uso exagerado e também com a
segurança das suas informações. Mas como assim algo de ruim já
aconteceu com uma de vocês? — Pergunto da maneira mais delicada
que poderia, acredito que seja o tópico sensível que elas estavam
evitando comentar. Mas elas não se pronunciam. — Gostaria de falar
para vocês, algo sobre nosso aconselhamento aqui. Tudo que vocês
falarem, permanecerá em sigilo. A não ser que envolva a segurança
de vocês, não será informado para outras pessoas. Somos apenas eu
e vocês trocando ideias e tentando resolver isso, entenderam? —
Observo as meninas relaxarem de alguma forma, percebo que isso
deu uma tranquilizada nelas. — Cleo, as meninas tem falado, que você
tem deixado de aproveitar outras coisas da vida, para dedicar tempo
aos estudos. Saiba que não tem nada de errado em se dedicar, mas
um dos seus direitos básicos é o lazer, você não acha que deveria ter
também mais tempo de qualidade com suas amigas, família e
também… quem sabe, ter um relacionamento?

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— Hmm… bom… sim. Eu gosto de passar meu tempo estudando,
também não vejo nenhum mal nisso. Mas já que estão todos me
alertando que to passando muito tempo fazendo só isso, eu não me
torno diferente da Diana em relação as redes sociais. Algo muito
hipócrita da minha parte, eu nem percebi… — Comenta Cleo, ao fim
da sua fala, vejo ela se afundar um pouco na cadeira e respirar fundo.
— Eu sei que a vida não é minha, mas já que a gente já passou do limite
e já estamos nos intrometendo na vida das outras, acho que você
deveria voltar com o Leo. Garota, namoro de um mês não é namoro,
um teste grátis do Spotify dura mais tempo do que isso — Comenta
Diana. Fazendo todas nós caímos na gargalhada. Observo Cleo
concordar com a cabeça e responder
— Certo. Vou conversar com ele depois da aula.
— Que bom que conseguimos esclarecer isso meninas. Agora, não
posso ignorar algo que vocês comentaram. O que aconteceu nas
redes sociais e com quem? — Não preciso especificar nada, elas já
entenderam ao que eu estava me referindo.
— É… Não é história minha para contar, eu não deveria ter dito nada
— Desabafa Cleo.
— Você fez bem em me contar, precisamos falar sobre isso. O que
aconteceu? — Continuo

diana, cleo e manu — 18


— Foi comigo… — Responde Manu. Meio envergonhada de ter que
falar sobre isso. — Pouco tempo atrás, eu comecei a receber
mensagens no meu perfil, em todas as redes sociais. Instagram,
Tiktok, Twitter… Todos de um usuário desconhecido, como se fosse
um perfil criado só para me atacar. Eram comentários, mensagens,
fotos minhas editadas com meu rosto em coisas como… o saco de
lixo, animais… enfim… Todas diziam que eu não prestava, diziam que eu
era a atleta mais careta da escola, junto com outros nomes que
inventaram pra me chamar. Eu fiquei me sentindo horrível, a pessoa
mais “zero a esquerda” do planeta, comecei a não querer usar as
redes sociais pra mais nada e me fechei pra algumas pessoas na vida
real. As meninas descobriram por que pegaram meu celular uma vez,
já que elas perceberam que eu estava agindo estranho, além de
terem visto também alguns comentários que eu esqueci de excluir.
Elas me ajudaram a bloquear os hackers e fazer as contas deles
serem banidas das redes sociais. Eventualmente eles voltavam pra
me atacar… Então eu tive que criar um outro perfil privado, onde só
entravam pessoas que eu deixasse, e eu só aceito agora quem eu
realmente conheço pessoalmente. — Descarrega Manu, terminando
de falar com um suspiro. O que fez as outras meninas saírem dos seus
lugares longes uma da outra para se aproximarem dela — Foi isso.
— Entendo. Você agiu corretamente em criar uma nova conta, dessa
vez privada. O cyberbullying é um problema que deve ser enfrentado
de maneira correta, para evitar que coisas piores aconteçam e para
evitar que o bullying continue. — Mas, além de suas amigas, você
contou isso para alguém? Para algum adulto responsável? —
Perguntei
— Não, mas você tá sabendo agora. — Responde Manu. Pela reação
dela, imagino que seja difícil falar sobre isso, mas é exatamente por
isso que deve ser falado.

diana, cleo e manu — 19


— Manu, você entende que essa é uma questão muito complexa e que
só eu não dou conta de ajudar você como deveria. Uma situação
dessas, pode ter mexido com você em muito mais você diz, muito
mais do que nas suas redes sociais, afetou também seu desempenho
na escola, no seu relacionamento com os colegas, além de ter
envolvido seu emocional e mental. Mesmo que suas amigas tenham
lhe ajudado… — Paro para observar Cleo e Diana, que ainda sentadas,
abraçaram Manu de uma maneira que a confortasse — Essa situação
poderia ter ficado ainda mais perigosa do que o que vocês pensam.
Por isso, aconselho que você procure alguém que seja
profissionalmente instruído, não eu, para você conversar sobre isso e
evitar que consequências maiores venham para você. Quem sabe,
uma psicoterapia possa ajudar você a entender suas emoções e
comportamentos? — Digo.
— Você não pode fazer isso? Você já sabe tudo que aconteceu, seria
bem mais fácil. — Comenta Manu. Eu entendo o que ela diz, mas não,
não posso. Principalmente, ela deve contar que isso aconteceu para
os pais, para que eles tentem ajudá-la como puderem.
— Sinto muito, não posso. Mas eu posso ajudar você a realizar
algumas etapas do processo, posso estar com você e auxilia-lá
quando for contar para os seus pais, se você quiser. — Sugiro isso
como uma alternativa, para que ela não deixe isso pra lá e acabe
sofrendo por algo desse tipo depois.
— Tudo bem, acho melhor do que eu tentar contar tudo isso sozinha
para eles. — Responde Manu.
— Muito bem. Meninas, espero que vocês permaneçam cuidando
umas das outras, lembrem que podem me procurar caso algo assim
aconteça novamente. Diana e Cleo, vocês estão liberadas para voltar
pra aula. Manu, vamos na coordenação entrar em contato com seus
pais, tudo bem?

diana, cleo e manu — 20


A primeira grande
escolha

AVISO!
O tema principal dessa história é projetos de vida.
Se você se sente incomodado com este assunto,
sugerimos que não leia este capítulo!
3
Flora não aguentava mais o ritual que seus pais insistiam em manter
de almoçar em família, ela entendia o desejo que eles tinham de
conversar e tentar se entender com ela, e ela sabia que estava
distante deles ultimamente - não tinha como não perceber isso -, mas
na prática eles só sentavam na mesa e discutiam com ela sobre o
vestibular e a importância da faculdade de medicina por uma hora
até que ela terminava de comer e se levantava para ir pro quarto
falar com sua madrinha ou com Maitê. “É estranho que eu só tenha
duas amigas e uma delas é uma mulher de 30 anos?” Era o que
passava na cabeça dela, talvez ela devesse se abrir mais no colégio e
tentar fazer mais amizades… mas ela já conhece Maitê desde o jardim
de infância e todo mundo do colégio é tão chato, passam o recreio em
grupinhos, falando mal da vida alheia e reproduzindo dancinhas
estranhas da internet.
Era mais uma quarta feira igual às outras, mais um dia de aula igual
aos outros - ENEM, ENEM, ENEM, vestibular, vestibular vestibular… -
mais um almoço em família… igual aos outros. Pelo menos hoje era
Strogonoff com batata palha.
— Como foi a aula hoje? Teve aula com aquela sua professora legal
de biologia? — Sua mãe perguntava colocando a comida na mesa e
sentando-se.
— Hoje não. Foi aula só de física 3 e matemática 5. — Ela respondeu,
pensando porque diabos ela tinha que estudar tantas matemáticas e
tantas físicas se tudo que lhe interessava era o português.
Comeram em silêncio por alguns minutos enquanto sua mãe pensava
em outra pergunta para fazer sobre a escola e seu pai refletia sobre
a existência de 5 matemáticas, “pelo menos com esse monte de coisa
pra estudar esses jovens de hoje em dia vão ter menos tempo pra
inventar farra e fazer besteira.” ele pensou.

a primeira grande escolha — 21


— Vai estudar com a Maitê hoje, filha? Se quiser faço um café antes
de sair pro turno da tarde pra vocês beberem enquanto. — Sandra
disse. A mãe dela sabia o quanto as meninas eram esforçadas, mas
estudo e discurso de pai e mãe nunca são demais né?
— Hoje não mãe, tenho trabalho na livraria à tarde. — Flora respondeu,
olhando para o prato. Segundos de silêncio. Ela já conseguia sentir o
que estava por vir.
— Esse negócio de você trabalhar e estudar não está certo, minha
filha! Tira muito o foco do que é importante pra você agora! O
vestibular tá pertinho e com as suas notas você já está com um pé na
faculdade de medicina. — Seu pai fala em tom de reclamação, ela
deve focar no que realmente é importante.
— São só três dias por semana…— Ela tenta se defender, mas sua
mãe já corta sua fala.
— São três dias por semana todas as semanas que você vai deixando
de estudar! Já que teve aula dessa matemática 4, 7, 3 sei lá. Calcula aí
quanto tempo de estudo até o vestibular você tá perdendo, garota! —
Sandra responde, já nervosa- Falta só um pouquinho, Medicina tá
quase aí. Fortaleza tá quase aí, filha! — Ela complementa, dessa vez
tentando parecer mais calma, usando a tão sonhada faculdade como
prêmio de incentivo.
Flora não responde, o Strogonoff está uma delícia e ela não quer
estragar a refeição brigando com seus pais e se sentindo mal, ela sabe
que não conseguirá mudar a opinião deles então talvez seja melhor só
terminar de comer em silêncio. Seus pais parecem aceitar a resposta
dela porque param de falar também. Claro que seu pai solta um
resmungão aqui e ali, mas nada fora do comum para o
comportamento do Seu Luís.
Deitada encarando o teto do seu quarto, Flora pensa sobre o futuro e
a faculdade. “Futuro”, esse lugar que ainda não existe, cheio de
possibilidades que ao mesmo tempo dá tanto medo, mas também
tanta vontade de saber o que vai ter lá. Ela não conseguia imaginar um
futuro em que os livros não fossem parte da sua vida, não sabe de que
forma ainda, mas eles estarão lá.

a primeira grande escolha — 22


O trabalho na livraria era só uma forma de aprender mais sobre o
mundo literário, além de ter responsabilidades “de adulto” e do
pagamento… se é que poderia chamar aquele valor tão pequeno de
pagamento.
Tantos pensamentos se passavam na cabeça dela, percebeu que
precisava de alguém para conversar. Resolveu ligar para a madrinha,
queria alguém para desabafar e sabia que ela sempre atendia o
telefone.
— Oi, tia Isa! Tô atrapalhando? — Perguntou enquanto mexia no cabelo
e ainda olhava para o teto.
— Você?? Nunca, meu amor, aconteceu alguma coisa? — Isabela
responde do outro lado chamada.
— Mamãe e papai tão chatos hoje. Tão falando ainda mais de
vestibular e faculdade; quanto mais perto fica parece que piora.
— Você já decidiu o que quer fazer?
— O que eu quero mesmo, já… mas ainda tô indecisa se vou atrás disso
mesmo.
— É muito distante da Medicina?- perguntou a tia em um tom
levemente cômico.
— Letras.
— É. Um pouco distante mesmo.
— Pois é. Fico nervosa com a ideia de decepcionar eles com isso, mas
não posso simplesmente largar a ideia.
— Você tá muito ansiosa com isso, né?
— É. Tá complicado.
— Anjinho, eu tenho uma reunião já já, vou precisar desligar, mas vou
te mandar por mensagem o número de uma psicóloga amiga minha
que trabalha nessa área de orientação vocacional. Fala com ela, ok?
Pode ser muito bom para você. Beijo da dinda!
— Beijo tia. A gente se fala.
A conversa não saía da cabeça dela, sua tia sempre sabia o que fazer
em situações difíceis, apesar de aparecer com umas coisas meio…
diferentes “Psicóloga? Isso não é coisa de doido? Psicóloga
orientadora, pior ainda, será que eu sou doida e desorientada?”.

a primeira grande escolha — 23


No resto do dia não houve nada demais, mesmo trabalho de sempre e
como ainda chegou cedo em casa deu para estudar à noite antes de
dormir e fofocar um pouco por mensagem com Maitê.
No dia seguinte pensou em falar com a psicóloga antes da aula,
marcar a sessão o mais rápido possível e resolver logo a situação, mas
alguma coisa a impediu; um frio na barriga misturado com um aperto
no peito estranho não deixaram Flora fazer nada. Agora só restava ir
para a aula e deixar esse assunto para depois. “Pelo menos vou poder
pedir a opinião de Maitê”, ela pensou.
Flora e Maitê sempre passavam o recreio andando e conversando
para lá e para cá. Sentavam-se apenas para comer alguma coisa ou
para olhar os meninos jogando futebol na quadra. Hoje quando o sinal
do intervalo bateu, Flora estava apreensiva. Não tinha vontade de
comer ou de se sentar; parecia que seu corpo tinha muita energia para
gastar e só pensava em desabafar com a amiga, mesmo que sentisse
que iria travar ao tentar explicar como estava se sentindo. Buscou o
jardim que sempre lhe acalmava. Tentou respirar fundo e explicar para
a amiga da melhor maneira o que estava sentindo. Não entendia por
que até a ideia de ir à psicóloga lhe causava tanta apreensão.
— Honestamente, amiga, acho uma ótima ideia. — Maitê respondeu ao
ouvir o desabafo — Eu sei que tu sempre teve na cabeça que ia fazer
Medicina, mas não sei se te imagino muito como médica… daquela vez
que a gente quebrou um copo lá de casa e eu me machuquei tu quase
desmaiou vendo sangue.
— Oh mulher foi só daquela vez, acho que agora eu já me acostumei. —
Flora reagiu tentando se defender, mas nem tão convencida assim de
suas palavras.
— Sei, sei. Mesmo assim, acho que tu devia fazer alguma coisa que tu
realmente sente algum tipo de paixão, que tu vai gostar e se dedicar
mesmo quando ficar puxado, sabe? Fala com a tal da psicóloga, não
acho que a tua tia te colocaria em alguma furada, depois pensa com
cuidado sobre isso. — Maitê termina de aconselhar a amiga e começa
a comer seu lanche.

a primeira grande escolha — 24


As duas ficam um pouco em silêncio pensando e olhando o jogo de
futebol dos meninos.
— E tu, tá decidida já? — Flora pergunta à amiga.
— Tô sim, com muita certeza. Minha mãe ficou feliz quando eu falei
que quero administração, ela quer uma vida melhor para mim do que a
dela, sabe? Vou continuar trabalhando no salão dela, só que quero ficar
lá o dia todo, isso se conseguir colocar a faculdade à noite. Quero
ajudar ela de todo jeito que eu puder. Aí tu aproveita e vai lá fazer as
unhas que eu te dou desconto, viu! — Maitê fala, as duas riem e
prometem fazer isso muitas vezes e se arrumar para as festas da
faculdade lá.
Flora resolve marcar a sessão agora mesmo. Liga para o consultório e
descobre um horário disponível para depois da sua aula. Ela avisa à
madrinha, que diz que vai buscá-la na escola e levá-la para a sessão.
Ela fica aliviada e Maitê comemora. As coisas parecem estar se
encaixando. As meninas voltam a conversar e a comer até o fim do
recreio.
[…]
— Fico feliz que você me ouviu e marcou a consulta. A dinda tá ficando
velha mas ainda te entende, viu?
— Eu sei…Só tô nervosa, nada demais.
É claro que havia algo a mais, porém, ao chegar no consultório, Flora
começou a ficar mais calma. Não era um lugar parecido com o dos
médicos; aqueles hospitais mórbidos e frios. Era aconchegante. Não se
sentia analisada ali, mas acolhida, de certa forma. Ainda nem tinha
entrado na sessão com a psicóloga Lorena e já havia percebido que
realmente não era nada demais.
Uma mulher alta e de cabelo cacheado apareceu na recepção e
chamou:
— Flora? Vamos?
A menina olhou para a madrinha como se fosse uma criança
esperando a aprovação da mãe, no que ela respondeu baixo:
— Vai logo. — Fazendo sinal com as mãos para a menina ir.

a primeira grande escolha — 25


O consultório tinha duas poltronas coloridas, uma escrivaninha, uma
estante de livros de madeira escura e um tapete estampado. Ela se
sentiu confortável vendo alguns livros que já havia lido espalhados
pelas prateleiras de madeira. Sentou-se com os braços cruzados na
cadeira que a psicóloga indicou.
— Oi Flora, acho que você já sabe, mas me chamo Lorena, sou
psicóloga e trabalho com orientação profissional. Você marcou a
consulta por influência da Isa, né? Me conta mais sobre a tua procura
pela sessão.
— Então…
E as coisas foram saindo. A chatice da escola -mas o gosto por
estudar -, o quanto a literatura era seu porto seguro, a faculdade…
Essa parte foi um pouco mais difícil de falar. Era evidente que Flora
tinha curiosidade e planos para o futuro, mas eram tão vagos. “Quero
trabalhar com algo que eu gosto, namorar com uma pessoa que eu
gosto e ser feliz fazendo o que gosto.” Mas… Ela sabia do que gostava?
De Medicina? Gostava de brincar de fazer cirurgias em bonecas
quando era criança e de assistir séries de TV de médicos americanos
que tratam doenças raras, mas era o bastante para estudar e
trabalhar com isso pelo resto de sua vida?
Ela nem percebeu a sessão chegando ao fim. Lorena sugeriu que elas
continuassem uma vez por semana e Flora marcou na recepção o
retorno. Foi bom colocar suas angústias para fora e parecia que era o
certo a fazer. Também recebeu uma ‘lição de casa’ da psicóloga: ver
vídeos de estudantes de Medicina contando como é o curso, pesquisar
sobre este e também como é algum outro curso que lhe pareça
interessante; tentar analisar o que ela gosta de estudar. Parecia um
bom começo.
Na segunda sessão aprofundaram um tema mais específico, começou
com uma pergunta que parecia sem importância:
- Flora, você acha que a sua família tem alguma influência nas decisões
e nos planos do seu futuro?- Lorena quis saber.

a primeira grande escolha — 26


Não. Não? Sim? O que ela deveria responder? Eles tinham a opinião
deles e a ajudavam a tomar as melhores decisões, do mesmo jeito que
uma mãe diz para o filho comer os legumes porque precisa e faz bem
“Não sei se é a melhor metáfora, mas eles sabem sim o que é melhor
para mim. Eles querem o meu melhor”, Flora pensou. Falaram também
sobre as pessoas que eram importantes para ela. Contou de Maitê e
da madrinha; contou do trabalho na livraria, que apesar de não ser uma
pessoa era algo importante para ela e quis falar sobre.
No final da sessão, Lorena passou mais uma lição de casa: pensar
como os pais influenciam ela na faculdade e se a opinião deles é
importante para ela. Flora começou a achar que esse negócio de
autoconhecimento era muito trabalhoso.
[...]
Mais um almoço em família, mais perguntas sobre o ENEM e a escola.
Pelo menos hoje Flora sentia que realmente tinha algo para falar.
— Eu tenho pensado muito na faculdade nesses dias, sabe…— Flora
começou, já dava para ver sua mãe orgulhosa enquanto ouvia a filha e
servia seu prato e seu pai virando o rosto para olhá-la. — Não acho que
quero fazer Medicina.
Foi como uma explosão, os pegou desprevenidos e aconteceu de uma
vez. Tentavam controlar as caras de desentendimento mas não dava
pra esconder o quão aborrecidos estavam.
— Minha filha, como assim?— Seu pai perguntou, com as sobrancelhas
tensionadas e se eles estivessem em um desenho animado nesse
momento teriam vários pontos de interrogação saindo da cabeça dele.
— Do nada isso? — Perguntou a mãe.
— Isso é coisa de Maitê, né?
— Claro que não, Luiz Cornélio. A Maitê é uma menina incrível; ela não
faria isso. — disse a mãe levemente ofendida, por ter a amiga de Flora
quase como uma segunda filha.
— Mas ontem mesmo ela sonhava em fazer medicina e hoje já não
quer?
— É, normal não tá. Ela deve tá pensando que não vai passar.
— Alguém deve ter falado isso pra ela.

a primeira grande escolha — 27


— Flora, minha filha, esse povo quer só mal a você. Escuta papai e
mamãe, que a gente quer teu bem, tá?
A jovem sentia-se como uma espectadora da própria vida. Seu futuro
e, possivelmente, sonho estavam diante de uma aprovação e, mesmo
assim, ela não tinha um lugar. Nesse teatro de faculdade, a aluna era
apenas uma vítima. Flora revoltou-se com a ideia de viver passiva e, de
uma forma que nunca pensou antes – rara, digna de aurora boreal –,
decidiu se impor e defender seu sonho.
— Pai, a Maitê não tem nada a ver com isso, tá bom? Eu sou uma
pessoa inteira, eu sei pensar por mim. Mãe, ninguém tá me
desincentivando a fazer nada. Pelo contrário, eu tô pela primeira vez
sendo incentivada a fazer algo que eu realmente gosto. A tia Isa me
aju…
— AH! Tinha que ser! — seu pai a interrompeu. — Tinha que ser a
Isabela. Vou ligar pra ela agora. Só porque ela é minha irmã acha que
pode mexer com a cabeça da minha neném. Nanani...
— PAI! — gritou Flora, jogando o jogo do pai — Me escuta, por favor! Eu
não gosto de Medicina. Desde que eu fiz seis anos eu já não sei mais
quero mais fazer isso, esses dias tive certeza. Eu amo ler, escrever,
falar de livros, pensar em literatura; enfim, eu amo isso, essa arte. Eu
quero trabalhar com livros. Talvez eu não cure mil pessoas com uma
doença que nem existe ainda, mas eu vou fazer de tudo pra ajudar as
pessoas da forma como eu sei e talvez, um dia, eu consiga tocar mil
pessoas com o que eu escrevo. Talvez não, mas pode existir a chance,
não é? Eu quero mesmo fazer isso.
Flora sentia-se, finalmente, uma protagonista, não aquelas
desajeitadas e tímida para qualquer leitor se identificar, uma forte,
corajosa e cheia de energia. Seu peito batia forte e a sua garganta
ansiava soltar mais do que estava preso, mas ela estava satisfeita
com o que tinha dito. Queria gritar. Não com os pais, mas para o
mundo. Gritar que finalmente sabia amar o que amava. Os pais se
acalmaram. Ouviram. Certamente pareceram deprimidos. Mas de
certa forma também pareciam orgulhosos. A mãe disse que entendia,
mas que ainda ia ser um pouco difícil de digerir.

a primeira grande escolha — 28


O pai disse que não entendia muito bem, mas que ia tentar respeitar.
Disse que caso ela quisesse voltar atrás, ele adoraria ajudá-la nesse
caminho. Ela sentiu-se ofendida, mas também grata. Era só um passo.
Um passo de muitos a serem feitos. Ela respirou fundo, talvez
mudanças sejam lentas e trabalhosas, que nem o autoconhecimento.
Talvez daqui a algumas semanas tudo já esteja melhor, talvez eles
comam strogonoffs e lasanhas combinando um futuro que ela
realmente vê para si. Talvez não.

a primeira grande escolha — 29


Isso não é um
conto de fadas

AVISO!
O tema principal dessa história é a sexualidade.
Se você se sente incomodado com este assunto,
sugerimos que não leia este capítulo!
4
CATARINA

Nesse momento me encontro perplexa, sem acreditar na


possibilidade desse e-mail ser real, como que eu, uma menina de
apenas 16 anos, que ainda vai à escola e não tem nenhum
conhecimento técnico para administrar as redes sociais, passou na
primeira fase da seleção para cuidar das redes sociais do herdeiro
da família real de Coventry. Após uma longa pesquisa de dois minutos
sobre a possibilidade de falsificação desse e-mail, gritei ao perceber
o que realmente estaria à minha frente.
Sou Catarina e aos 8 anos me mudei para a cidade de Coventry após
minha mãe ser transferida para ser professora da maior escola da
cidade, onde estudei todos os anos da minha vida até agora. Sempre
gostei de ler e escrever minhas histórias e, diante dessa minha
paixão, desde meus 12 anos tenho o grande sonho de ser Jornalista e,
por isso, criei um grupo de escrita criativa na minha escola. , onde
conheci David, que acabou sendo o meu primeiro amor e meu
primeiro namorado. Depois de 1 ano, David teve que se mudar para
outro país com seus pais, fiquei muito triste, mas tive que seguir em
frente. Pouco tempo depois, conheci Austin durante a produção da
peça da escola, com quem eu infelizmente namorei por 6 meses. Digo
infelizmente, pois a felicidade durou pouco. Uma semana após o
nosso término, Austin espalhou para todos os seus amigos populares
da escola o que fizemos durante o nosso namoro, minha fama de
“piranha” começou aí.
Hoje estamos em maio, mês do aniversário do príncipe e herdeiro da
família real Vecchi, Henry, que vai completar 17 anos. Após ter
surtado com o e-mail e convite para participar da seleção para ser
sua social mídia, agora estou surtando por ter recebido o convite
para a maior festa do ano, seu aniversário, pelo correio.

isso não é um conto de fadas — 31


O surto acaba em poucos minutos ao lembrar que todas as
concorrentes do concurso foram chamadas e ele continua sem saber
quem eu sou.
Diante desse convite que pode significar o maior passo para a minha
carreira, vou com a minha mãe a um brechó de roupas de festa e
acho o vestido perfeito. Agora estou vestida nele e fazendo os últimos
ajustes na minha maquiagem, minutos antes de entrar no meu uber
em direção à festa. No caminho começo a imaginar os diversos
cenários que podem acontecer e rapidamente me encontro em uma
ansiedade extrema, que logo é esquecida ao abrirem a porta do meu
carro:
— Boa noite Catarina, seja bem vinda! É um prazer finalmente te
conhecer pessoalmente, adorei seu texto de inscrição.
— Boa noite, senhora Marienne! Estou tão entusiasmada com essa
oportunidade, espero surpreender mesmo sendo a mais nova na
seleção.
— Pode me chamar apenas de Marienne, minha querida. E Tenho
certeza que se você der o seu melhor, tudo dará certo. Vamos entrar?
— Vamos! Estou feliz por esse convite, muito obrigada pela
oportunidade de fazer parte desse momento.

Me deparo com a senhora Marienne, governanta da família Vecchi e


líder do processo de seleção que fui convidada, aparentemente ela
sabe quem eu sou. Entro na festa e me deparo com um grupo de
pessoas que eu achava que só existiam on-line, nunca imaginei vendo-
os ao vivo, muito menos eu estando na mesma festa que eles.
Depois de algum tempo observando a movimentação da família mais
rica da cidade e seus amigos, estava conversando com algumas
meninas que estavam no mesmo processo seletivo que eu e,
consequentemente, percebendo o nível da minha competição, o
príncipe olha na minha direção e fica olhando repetidamente por
alguns minutos, ao ponto que olhei para trás para ver se tinha alguém
atrás de mim.

isso não é um conto de fadas — 32


Foi no momento em que virei para frente de novo que me deparei com
o príncipe à minha frente e dei um pequeno pulo para trás no susto
que tomei. Não tive tempo de pensar nas possíveis razões dele querer
falar comigo enquanto tinham centenas de pessoas do círculo dele,
quando ele já veio falando:
— E aí, tudo bem? Prazer, sou Henry. Você poderia me acompanhar?
Queria que conversássemos em um lugar mais calmo.
Sinto minha cabeça rodar, não consigo acreditar no que está
acontecendo, será que estou delirando ou o príncipe está falando
diretamente comigo, passo alguns segundos em completo estado de
choque até lembrar que o príncipe está na minha frente e eu não falei
nada para ele.
— O-okay!
OKAY? Sério Catarina? Esse tempo todo para pensar em alguma
coisa e gaguejar um “OKAY” pro príncipe? Meu Deus, para onde ele
está me levando? Estamos andando e nos distanciando da festa e ele
está logo à minha frente me guiando para algum local que seja
afastado da multidão…
Estamos passando agora por um corredor que dá diretamente na
cozinha oficial do castelo, ao abrir uma porta, nós damos de cara
com provavelmente o lugar mais mágico que já conheci!
Um Jardim, um dos locais que nenhuma das fotos postadas descreve
verdadeiramente a mágica deste local, tem todos os tipos de flores,
várias luzinhas espalhadas por toda a extensão, são as flores mais
impecáveis e perfumadas que eu já vi em toda a minha vida, ele nem
imagina que eu amo tudo que envolva flores, amo estudar as
espécies, sou encantada com tudo que envolva floricultura, sinto que
estou no meu paraíso particular e agora o príncipe está virando para
me olhar e parece que eu vou entrar em pânico mais uma vez, eu não
faço ideia o que ele quer falar comigo, eu não sei nem como reagir,
será que eu ainda sei falar? Acho que estou hiperventilando, meu
Deus….

isso não é um conto de fadas — 33


— Oi? Você está bem? Está parecendo um pouco apavorada. Está se
sentindo mal? Quer um copo de água?
— NÃO! Quer dizer é…Não, Obrigada! Está tudo bem, é só que esse
visual me tirou o fôlego, acho que nunca tinha visto algo tão lindo
antes…
— Obrigado pela parte que me toca, ninguém nunca tinha me
elogiado assim antes! hahahahah, é brincadeira! Você tinha que ter
visto sua cara ainda mais apavorada, foi hilária! Mas sim, esse local é
realmente lindo! Costumo passar algumas noites apenas vindo aqui
para observar e pensar.
Meu Deus, eu sinto que vou ter uma síncope a qualquer momento, o
Henry Vecchi - leia-se o garoto mais disputado da cidade- está
fazendo piadinhas comigo e rindo de mim, eu acho que enlouqueci de
vez, é a única explicação plausível para esse momento. Estou
começando a falar para perguntar o que ele queria falar comigo
quando seu nome é chamado no microfone da festa para pedirem a
presença dele pois agora iriam cantar os parabéns dele, quem está
chamando-o é sua mãe, atual Rainha de Coventry.
— Poxa, foi mal! Tenho que ir correndo pois se não vou levar uma
advertência da Dona Sophie, mas depois nos encontramos
novamente né? Estou bastante curioso para te conhecer melhor, você
é bastante carismática e eu te achei muito linda!
— Ah…É.., tudo bem! Sem problemas..a Rainha está te
chamando..Pode ir na frente que eu vou logo após…Foi um prazer te
conhecer, nos falamos depois!
Essa foi -COM CERTEZA- a situação mais embaraçosa da minha vida,
eu gaguejei o tempo todo, ele deve estar achando que eu sou uma
maluca! Mas quem chama a Rainha Real de “Dona” e pelo 1° nome? É
verdade, estamos falando do filho dela, eles são íntimos, mas estou
tão acostumada a só conhecer ela como Rainha que eu tinha me
esquecido que seu nome é Sophie… ALGUÉM ouviu ele me chamando
de Linda? L-I-N-D-A. Já diria o poeta brasileiro Luan Santana “Se for
sonho, não me acorde!”.

isso não é um conto de fadas — 34


Ok, eu preciso me recompor! Agora eu vou parar de surtar um pouco
e entrar para cantar os parabéns que já começou e eu ainda estou
aqui com a cabeça borbulhando e sozinha no Jardim do castelo depois
desse momento…
Decido voltar para festa para parar um pouco de surtar e me
concentrar em outras coisas. No momento em que chego perto das
meninas que estava conversando, Christina, com quem conversei a
noite toda e criei um pouco de intimidade, me bombardeou de
perguntas, ela tinha me visto com o príncipe, entrei novamente no
meu surto.
O que isso significa? Não consigo parar de pensar, ele não havia
falado com nenhuma das outras pessoas que estavam na
competição, na verdade, ele não tinha saído em nenhum momento do
seu grupo fechado de amigos a não ser para falar com os familiares.
Minha cabeça rodava e rodava, não sabia se era pela falta de açúcar
no sangue ou pela conversa que tinha acabado de ter. O que o
príncipe queria comigo? Será que ele sabia que eu estava no processo
de seleção para cuidar das redes sociais dele antes de vir falar
comigo? não sei, sei que agora ele sabe, após conversarmos por 30
minutos, suficientes para eu me encantar por ele, não estou mais
entendendo. Enquanto estava nesse momento reflexivo, tomo outro
susto com o Henry a minha frente, novamente:
— Hey, moça bonita! Vamos continuar nossa conversa? Quero te
mostrar outro local!
— Tudo bem!
Ainda continuo sem entender o que ele quer comigo, não entendo o
que eu posso ter feito para chamar tanto a atenção de alguém tão
disputado entre todas as meninas, eu não tenho nada de especial, sou
tão simples…Estamos indo novamente em direção ao Jardim mais
encantador que eu já vi em toda minha pequena existência.
— Antes de tudo, desculpe por ter sido tão mal educado, qual seu
nome?
— Ah, ahn…Sem problemas! Eu sou a Catarina, Catarina Miracle.
Prazer!

isso não é um conto de fadas — 35


— Chegamos, ao abrir essa porta você tem que jurar que nada do
que verá sairá daqui!
Eu fico sem entender e sem saber o que esperar, estamos ainda no
jardim do castelo mas tem uma casinha com uma porta, toda de vidro
mas os vidros não revelam o que tem dentro da pequena caixa de
vidro, o que posso esperar disso? Não lembro de algum dia ter visto
algo sobre essa parte do Palácio Real, parece um local nunca antes
revelado, será que é por isso que ele me pediu sigilo? Ele começa a
abrir a porta e se antes eu sentia que ia desmaiar, agora então, eu
sinto que estou em êxtase…
— EU ESTOU FICANDO LOUCA ou aquilo é uma Flor Kadapul? E aquela
é uma Orquídea Dourada de Kinabalu? Eu...definitivamente estou
sonhando!
— Peraí! Como você sabe o nome dessas..
— Eu amo flores, amo tudo que envolva floricultura, como vocês
conseguiram encontrar essas espécies? Estão entre as mais raras do
mundo! O mundo não pode saber que isso se encontra bem aqui, meu
Deus, como é possível!
— Era isso que eu vim te mostrar, percebi seu encantamento com o
jardim, ia te explicar um pouco sobre as espécies, mas pelo visto você
já sabe de tudo, você conseguiu me surpreender ainda mais..
— Meu Deus! eu estou sonhando! Obrigada por compartilhar isso
comigo, eu não estou entendendo o que você espera de mim, nem
porque quis me conhecer, mas obrigada por dividir isso comigo, eu
prometo que o segredo está guardado comigo, eu sou apaixonada
por essas espécies e sei o quão procuradas elas são, não irei fazer
nada para te prejudicar.
O príncipe está vindo na minha direção, estou me sentindo em um
filme adolescente em que o cara por quem a garota está caidinha
começa a andar em câmera lenta e o cabelo começa a sacudir pelo
vento e eu acho que vou vomitar de nervoso..
— Catarina, você é uma das garotas mais lindas e autênticas que eu
já conheci, sei que trocamos poucas palavras, mas quero te conhecer
melhor..

isso não é um conto de fadas — 36


Okay, isso está acontecendo, o que eu faço? o que eu digo? Ele está
colocando a mão no meu queixo, está colocando uma mecha do meu
cabelo atrás da minha orelha, olhando fixamente nos meus olhos a
cada movimento que faz e eu sinto todos os tipos de borboletas se
remexerem no meu estômago, essa é provavelmente a cena mais
clichê do mundo, mas parece a coisa mais irreal que me aconteceu.
— Catarina, estou esperando você falar alguma coisa, está tudo
bem?
Eu não sei o que estou fazendo nesse momento, mas quando me dou
conta eu já levei meus braços para trás do seu pescoço e já estou
ficando nas pontas dos pés e indo em direção a ele, eu estou beijando
ele. EU, CATARINA VON MIRACLE, ESTOU BEIJANDO O PRÍNCIPE! Ok,
eu sinto que estou em um conto de fadas, sinto que vou cair durinha
no chão e que a qualquer momento o narrador do meu conto de fadas
falará “E viveram felizes para sempre!” mas na realidade o que estou
escutando são os seguranças batendo na porta de vidro e ainda mais,
escuto a voz de uma mulher chamando ao fundo, uma voz conhecida..
— Henry, se você não sair daí agora, eu vou mandar o segurança
arrombar essa porta! EU JÁ TE PEDI INÚMERAS VEZES PARA NÃO
ENTRAR NESSA ÁREA QUE VOCÊ SABE QUE É RESTRITA, MEU FILHO!
Sabe que só existem duas chaves, uma minha e outra sua, você está
atraindo olhares para esse local, tudo o que eu sempre te pedi foi
para me obedecer e deixar esse local secreto!
Paro tudo o que estou fazendo depois de ouvir a frase, porque quem
está aí fora, gritando e pedindo pra eu sair, é nada mais nada menos
que a Rainha de Coventry...Meu Deus, como eu vou fazer para sair
daqui agora? Com que cara vou fazer isso? Henry está levantando a
mão para tampar minha boca com a cara mais assustada que eu já
vi..
— Henry…
— Shhhh, Shhhh! Não fala nada. Espera que eu vou tentar fazer ela ir
embora.
— OI MÃE, É…eu já estou saindo, tá bom? Eu estava apenas
precisando tomar um ar fresco, estou saindo, me dá apenas 1 minuto!

isso não é um conto de fadas — 37


— Henry, eu estou deixando os seguranças aqui na porta e vou entrar
para a festa, se eu souber de qualquer notícia acerca disso, você irá
pagar por isso! Isso é a única coisa que eu te peço desde sempre, eu
te dou 5 minutos para voltar a festa, SE VOCÊ ousar me desobedecer,
teremos uma conversa séria amanhã, estamos entendidos?
— Sim..sim, Mãe! Já estou saindo!
— Mil desculpas por ter que ouvir tudo isso, Catarina! Eu preciso
realmente ir embora ou minha mãe irá me dar o maior castigo que já
existiu! Eu irei sair antes e peço para um dos seguranças ficar na
porta e te acompanhar, mas pode ficar tranquila que ele não irá falar
para ninguém. Eu amei te conhecer, foi um prazer! Você pode me
passar seu whatsapp e seu instagram para eu entrar em contato com
você?
— Claro que sim! O prazer foi todo meu, Henry!

Henry
Nunca tive muita coragem de ir atrás das meninas, meus pais sempre
me alertaram muito de como a minha vida é exposta e como um
pequeno erro pode arruinar a reputação da família, acho que isso me
influenciou a ser muito cauteloso a respeito das escolhas da minha
vida. Mas neste aniversário não consegui não notar uma menina linda
que nunca havia visto, não sei se estava no processo seletivo da
Marienne, que ela havia falado sobre como as minha redes sociais
eram a porta de entrada da minha pessoa pública, que agora eu
precisava mais do que antes, pois estava cada vez mais próximo da
minha nomeação, mas não entendo muito disso, então só concordei e
nunca mais ouvi a respeito. Agora estava indo em direção ao meu
melhor amigo, após ter conversado e ficado com a menina mais
bonita e mais legal da festa, para contar-lhe a grande novidade.
— Diego, você não vai acreditar! Eu acho que estou apaixonado! Ou é
muito cedo pra dizer isso? Bom, eu só sei que a menina mais linda que
já vi está na minha festa e nós acabamos de…
— QUEM?!! - Diego perguntou muito surpreso.

isso não é um conto de fadas — 38


— O nome dela é Catarina, eu nunca a tinha visto e, olha ali
disfarçadamente, ela está do outro lado.
— Espera! Essa menina não é a ex namorada do Austin?
— Austin? Que Austin? - Não sabia quem era, mas o que me
importava? Eles não estavam mais namorando mesmo.
— Cara, essa menina foi namorada de um amigo meu. Eles
namoraram durante 6 meses e olha... ele espalhou cada coisa sobre
ela. Se posso te dar um conselho, acho melhor você tentar esquecer
essa garota.
— Mas por que? Não estou entendendo. Então, Diego me contou com
mais detalhes sobre o que Austin havia espalhado.
Não sabia o que pensar e muito menos sabia o que falar para o Diego
após ele me contar essa história e fazer aquele tipo de comentário,
naquele momento era impossível não ficar dividido entre o sentimento
que eu havia sentido ao estar perto de Catarina e as implicações da
“fama” dela na minha vida pública como príncipe herdeiro da coroa.
Diante dessa dualidade que me encontrei, decidi não tomar mais
nenhum posicionamento com ela, pelo menos durante a festa. Não
podia desconsiderar o que o meu melhor amigo havia falado, afinal,
ele era o meu melhor amigo e eu acreditava e confiava nos seus
conselhos, mesmo que, algumas vezes, eles soassem um pouco
extremista, ele queria o meu bem e ele também era de uma família
bem importante da cidade, o que o fazia capaz de entender a minha
situação. Com isso, tentei curtir o resto da minha forma e, de certa
forma, esquecer que ela estava ali, mas algo não parava de me
incomodar.

Catarina
Após ter ficado na festa até perto da meia-noite, decidi ir para casa
e processar direito tudo que tinha acontecido naquele local, nada
fazia sentido. Chego em casa e começo a escrever no meio diário
para organizar minhas ideias, onde eu questionava, principalmente,
as possíveis razões para o comportamento do príncipe após o nosso
beijo, mais uma vez, o que aquilo poderia significar?

isso não é um conto de fadas — 39


Decido dormir após escrever, escrever e não chegar a nenhuma
conclusão. No dia seguinte sou convocada a participar da semana de
treinamento, na qual, ao seu final, seria escolhida a pessoa que seria
responsável pelas redes sociais do príncipe que agora era mais do
que “só o príncipe” para mim.
No decorrer da semana, fico apaixonada pela possibilidade de
trabalhar com isso, é o trabalho que sempre sonhei e, durante o
treinamento, percebi que de fato tenho a capacidade de passar, sinto
consegui aplicar o que desenvolvi ao longo dos anos e conseguirei
aprender inúmeras coisas para entrar no programa de universidade
que tanto sonho.
Ainda assim, infelizmente fiquei esperando algum retorno a respeito
do que aconteceu na festa, não achava que eu era a única a achar que
tinha algo de especial ali, que não tinha sido apenas um beijo. Mas
aparentemente, sim, eu estava me iludindo sozinha, Henry não me
mandou nenhuma mensagem, apesar de ter pegado meu número e
meu Instagram. Mesmo estando no mesmo local que ele durante uma
semana, ele não tentou me procurar. Então, de repente, o vejo indo
em direção ao mesmo jardim onde tivemos nossa conversa, o salão
onde os treinamentos aconteciam era em frente ao jardim, esse fato
não colabora com a minha vontade de esquecer tudo o que tinha
acontecido naquela noite.

Henry
Após o meu aniversário, pensei no que faria e cheguei a conclusão que
a decisão mais fácil seria não procurá-la, fingir que o que tivemos foi
apenas mais um beijo, apesar de, para mim, não ter sido. Diego ficou
satisfeito com a minha escolha, falou que vão aparecer outras
meninas que não são “putas” para mim e que logo logo eu iria
esquecer Catarina, tentei acreditar no que ele me falava, não sei
porque me importo tanto com a opinião de Diego. Algum tempo
depois dessa conversa decidi relembrar o caminho que tínhamos feito
até o jardim e, ao chegar lá, não consegui acreditar no que eu via e no
quanto eu era um pouco alheio do que acontecia na minha própria
casa.

isso não é um conto de fadas — 40


Vi Catarina no salão de eventos, no treinamento da seleção inventada
por Marienne. Tentei sair o mais rápido possível, não queria que
Catarina me visse, não queria ter que lidar com toda essa questão
que havia me metido. Não consegui ser rápido o suficiente, nossos
olhos se cruzaram, isso é bom ou ruim? RUIM, MUITO RUIM HENRY.
Não consigo fugir dos meus sentimentos, de algum jeito, tenho que
falar a verdade para ela.
Entro no meu quarto e abro as mensagens com ela, não tem nada
escrito, nunca conversamos, mas não consegui apagar seu contato,
por algum motivo. Começo a digitar, tentando ser o mais verdadeiro
possível, mesmo que isso signifique que, provavelmente, ela não vai
querer mais falar comigo depois.
— Oi Catarina! Aqui é o Henry. Achei melhor vir falar com você e ser
sincero. Desde que te vi lá na minha festa, eu senti algo diferente,
aquilo que aconteceu entre nós significou muito para mim. Porém,
meu amigo Diego me contou sobre o que aconteceu entre você e o
Austin. Eu sei que vocês não estão mais juntos, e saber dessas coisas
não mudou o que sinto por você, mas você sabe que eu sou uma figura
pública, e isso complica um pouco mais as coisas. Então, embora eu
não quisesse, achei melhor ser sincero com você e pedir para que a
gente tente esquecer tudo que aconteceu, tá? Vai ser melhor assim.

Catarina
No momento em que trocamos olhares cheguei a conclusão da dúvida
que estava me matando a semana toda, aquilo significou algo para
ele, não só para mim, como eu estava pensando. Mas, ao mesmo
tempo, outra dúvida surgiu, por que ele não tinha falado comigo? O
que o fez mudar de ideia? Alguma coisa havia acontecido. Foi o
penúltimo dia de treinamento, em alguns dias saberei o resultado que
pode mudar minha vida, mas naquele momento só conseguia pensar
no quanto exausta eu estava, fui diretamente para o meu ritual de
banho que demora, geralmente, uma hora e meia. Quando sai e fui
checar meu celular para dormir, me deparei com a mensagem mais
inesperada, um texto do Henry, vinda de um número que eu não tinha
salvo, pois só ele havia pegado meu número.

isso não é um conto de fadas — 41


A mensagem machuca como uma facada, é como viver algo
traumático tudo de novo, a decepção toma conta de mim, pois achei
que Henry era diferente, eu claramente estava errada. Se o que
aconteceu tivesse realmente significado para ele, não iria me pedir
para esquecer, principalmente sem me dar nenhuma chance de
rebater essas acusações, entendo que confie em seu amigo, mas
acho que eu merecia o benefício da dúvida, certo? Estou destruída, as
memórias me atingem, achei que estava vivendo um sonho com
Austin, até que tudo se transformou em um pesadelo que
aparentemente me assombra até hoje. É incrível como sua palavra
tem tanta relevância e a minha parece não ter nenhuma, tanto que
Henry nem quis me ouvir. Bom, não me resta nada além de realmente
tentar esquecer o que aconteceu.
Não tive tempo de respondê-lo, já que meu telefone vibra
novamente com outra notificação, dessa vez ela vem do email…
“Parabéns, Catarina! Você foi aprovada e agora faz parte do
time de funcionários reais como social media do príncipe Henry, seja
bem-vinda!”
Não consigo terminar de ler o que vem a seguir, essas duas
linhas já são suficientes pra me fazer entrar em completo… bom, não
sei o que estou sentindo agora, é uma mistura de alegria e pânico. É
claro que meu trabalho dos sonhos tinha que vir com algo a mais.
Parece que não vai ser tão fácil assim esquecer o que aconteceu…

isso não é um conto de fadas — 42


Sob pressão

AVISO!
O tema principal dessa história é ansiedade e
depressão. Se você se sente incomodado com
este assunto, sugerimos que não leia este capítulo!
5
Que a pressão colocada nos adolescentes no ensino médio é algo
bastante pesado, todos já sabem. Mesmo que seja algo normal e
socialmente aceito em nossa sociedade, ainda é uma questão
bastante preocupante, especialmente no que se refere à valorização
da saúde mental.
Gabriela sempre foi muito reconhecida em sua escola por causa de
sua simpatia e participação não só em atividades obrigatórias, mas
também extras oferecidas pela instituição. A garota sempre se
mostrou muito dedicada aos seus estudos, buscando, por muitas
vezes, uma validação acadêmica quase impossível de alcançar. Essa
necessidade de ser perfeita em relação às suas notas era algo que
havia piorado bastante desde quando entrou no ensino médio, uma
vez que o número de disciplinas e de conteúdos havia aumentado
drasticamente. Além disso, fazia atividades fora do âmbito escolar
que, ao invés de fazerem ela se sentir relaxada, ela se sentia culpada
por não estar estudando naqueles momentos.
Infelizmente, a pressão que Gabriela tinha não era apenas uma
questão de autocobrança, visto que os seus pais também
introjetavam nela suas próprias expectativas, cobrando, assim, as
melhores notas de seu ano, destaque em todas as áreas da sua vida e
sempre reforçaram o fato de como seria importante entrar em
primeiro lugar na melhor universidade federal de seu Estado. Por
mais que ela se sentisse cada vez mais sufocada e aflita pela
situação, não conseguia dizer “Não” aos pais e tomava como certo o
que eles diziam a ela.
Apesar dos inúmeros momentos de angústia, ela tinha amigos que
sabia que poderia contar a qualquer momento. Ricardo, seu melhor
amigo, era o principal de todos eles. Mesmo que fossem amigos
desde a infância, os dois eram pólos completamente opostos.

sob pressão — 44
Enquanto Gabriela não se permitia cometer erros, Ricardo era a
pessoa mais tranquila que a jovem já havia conhecido na vida. Ela
nunca tinha visto o amigo se estressar ou até mesmo brigar com
alguém, além da sua enorme calmaria frente às questões escolares.
Muito dessa tranquilidade vem de seus pais, que são conhecidos por
serem pessoas “good vibes”, além de sempre passarem uma
imagem, na medida possível, equilibrada para o seu filho.
O segundo semestre já havia começado, aumentando, assim, a
pressão em relação ao ENEM, a quantidade de provas e a carga
horária exorbitante, o que contribuía excessivamente com o estresse
da adolescente. Ela já começava a apresentar sintomas graves de
ansiedade, depressão e estresse, o que afetava não só o seu
contexto individual, mas também o seu núcleo social.
— Gabi, por que você não quer sair com a gente? Essa vai ser a
melhor festa do ano! — dizia Ricardo, quase implorando de joelhos.
— Tenho que estudar, Ricardo, estou cheia de matérias atrasadas —
respondia impacientemente.
— Você só saiu comigo umas três vezes desde o começo do ano e
sempre foi embora mais cedo com a desculpa de que estava ou muito
cansada, ou que precisava estudar.
— Tô’ muito sobrecarregada ultimamente para discutir com você,
Ricardo.
— Isso não é uma discussão, Gabi. Eu só quero entender o por quê.
— Porque eu tô’ exausta! Tenho quase três crises de ansiedade toda
semana, não consigo nem dormir, muito menos me alimentar bem há
tempos. Não consigo me concentrar direito e isso está me deixando
cada vez mais ansiosa! — desabafa ela, exasperada. — Ainda tenho
que aguentar os meus pais me cobrando o tempo todo para só tirar
10 nas provas — finalizou ela, parecendo um pouco mais aliviada
depois do desabafo.
— Você nunca me contou nada sobre isso, Gabi… eu poderia ter te
ajudado de alguma forma, meus pais também poderiam…
— Não leva pro coração, mas não quero ajuda agora. Basta continuar
sendo meu melhor amigo que tudo fica bem.

sob pressão — 45
Mesmo com o coração apertado pelo pedido de sua melhor amiga,
ele aceitou a condição e continuou ao lado dela. Evitava demonstrar
sua preocupação por Gabriela na frente dela, mas sempre
conversava com seus pais sobre essa situação. Os mais velhos diziam
que ele deveria ter calma, já que era uma questão muito delicada,
especialmente porque a menina não queria ajuda de ninguém.
Incentivaram ele a sempre ouvir o que ela tinha a dizer quando Gabi
desabafava, sem julgamentos, com total empatia e respeito por ela.
A situação foi se agravando e Gabriela já estava em um ponto que
não conseguia dar conta de mais nada. A garota havia entrado em um
estado de burnout, sentindo um extremo cansaço físico e mental,
dores de cabeça frequentes, sentimentos de fracasso e insegurança,
além da constante negatividade acerca do seu presente e do seu
futuro. Ricardo tentava ajudar da maneira que podia, mas não tinha
aparato suficiente para isso. Além de ser apenas um adolescente, os
pais de Gabi também dificultavam cada vez mais os encontros entre
os dois, visto que, de acordo com eles, “Ricardo era uma má
companhia” ou “Você tem que andar com pessoas mais sérias,
Gabriela!”.
A garota todo dia se sentia como se estivesse lutando contra um
afogamento, contudo, estava cada vez mais difícil resistir ao impulso
de jogar tudo para o ar. Em um dia particularmente mais estressante
que o comum, ela teve uma crise de pânico durante uma aula de
Física. Ela sentiu uma enorme vertigem, além do medo de enlouquecer
ou de perder completamente o seu controle. Ela saiu da sala
rapidamente, deixando todos os alunos assustados pela
repentinidade do ato. Ricardo foi o único a se levantar para ajudar
sua melhor amiga, que claramente não estava bem naquele momento.
— Gabi, o que tá’ acontecendo? — perguntou ele, desesperado. A
menina nem conseguia responder ele, só conseguia chorar e tremer.
Ela se sentou encolhida em um canto e ficou murmurando “Tá tudo
bem” e “Isso vai passar”.

sob pressão — 46
Ricardo apenas se sentou ao lado dela e esperou que a menina se
sentisse um pouco melhor, uma vez que ele nunca havia visto uma
situação dessas e, consequentemente, não sabia como agir.
— Acho que acabei de ter uma crise de pânico, Ric — disse ela depois
de uns dez minutos, com a voz fanha e o rosto avermelhado pelo
choro. — Não aguento mais a pressão que eu tô’ sentindo. Sinto como
se eu fosse uma panela de pressão prestes a explodir. Eu tô’
afundando cada vez a cada dia que passa e não tenho mais forças
para lutar contra isso — desabafou a menina baixinho, encostando a
cabeça no ombro do amigo.
— Há quanto tempo você vem sentindo essas coisas, Gabi?
— Acho que desde o começo do ano. Nunca desabafei sobre isso com
ninguém para evitar preocupação. Tá tudo bem comigo, Ricardo, é só
uma fase ruim.
— Fase ruim de quase um ano? Isso não existe, Gabriela.
— Você pode brigar comigo depois, mas agora não, por favor. Só
preciso do meu melhor amigo agora.
— Certo, ok, vou ser o que você precisa agora.
Eles ficaram na mesma posição por um pouco mais de uma hora,
apenas aproveitando a companhia um do outro em silêncio. Foi nesse
exato momento que Gabriela se deu conta de que algo precisava
mudar. Ela percebeu que estava perdendo sua própria identidade,
sufocada pelas expectativas impostas por si e por seus pais. Ela sabia
que seria um processo doloroso, mas que precisava de ajuda
profissional.
Depois de quase um mês depois desse episódio, Gabriela finalmente
se sentiu pronta para enfrentar a ida ao psicólogo. Logo após aquele
momento com Ricardo, ela conversou com os seus pais sobre como
se sentia em relação a tudo: a escola, a pressão colocada por eles e
todos os sintomas negativos que havia sentido durante muitos meses.
De primeira, seus pais ficaram bastante chocados pelo desabafo de
sua filha, uma vez que ela nunca havia reclamado do comportamento
deles no que se refere aos estudos, todavia, compreenderam o lado
de Gabi e a acolheram como nunca haviam feito.

sob pressão — 47
Desde então, eles se preocupam mais com a saúde mental de sua
filha, incentivam ela a sair nos finais de semana com seus amigos da
escola, especialmente com Ricardo, e se tornaram uma rede de apoio
muito fortalecedora na reta final do processo. Eles também
começaram a estudar mais sobre saúde mental e a importância dela
na vida de uma pessoa. Ademais, começaram a conversar mais com
os pais de Ricardo para aprender a como conversar essas questões
com Gabi da maneira menos invasiva e diretiva possível. Apesar de,
muitas vezes, controlarem o impulso de serem um pouco mais rígidos
com a garota, eles estavam se saindo como bons pais.
A psicóloga havia sido uma indicação de um parente da família, uma
vez que o filho mais velho dela já havia passado pela mesma situação
de Gabriela. Ela estava mais nervosa do que nunca no momento em se
sentou na poltrona em frente à psicóloga:
— Não sei como fazer isso — a menina murmurou mais para si do que
para a psicóloga.
— Fazer o que? — perguntou a mulher, um pouco surpresa pela fala
de Gabriela.
— Essas coisas de conversar com os outros, desabafar, sabe? Nunca
fui muito boa nisso.
— Então comece falando sobre quem você é, Gabriela.
— Ok… meu nome é Gabriela, tenho 18 anos de idade e quero fazer
Medicina. Eu estudo bastante e já tive não sei quantas crises de
ansiedade por causa disso.
— Não tem mais nada que você queira falar? Algum hobbie, alguma
coisa que você gosta de fazer? Nada?
— A minha vida gira em torno dos estudos, não sei fazer mais nada
que não seja sentar a bunda na cadeira e estudar.

sob pressão — 48
— Você percebe o que você tá’ dizendo, Gabriela? Você é uma menina
de 18 anos, que deveria estar vivendo a melhor fase da sua vida, mas
não está aproveitando isso da maneira que deveria. Não estou
dizendo que você deva negligenciar os seus estudos e jogar tudo para
o ar, mas é importante que você tenha momentos de descanso para o
bem da sua saúde mental. Ser saudável não é só comer bem, mas é
estar bem emocionalmente, socialmente e espiritualmente — a
psicóloga deu uma pausa para que Gabi absorvesse o que estava
sendo dito. — Eu não estou aqui para te julgar e ditar o que você deve
fazer, estou aqui para servir de apoio. Não adianta você viver sua vida
com a cabeça no futuro, e não no presente.
A última fala da psicóloga havia virado uma chave na cabeça de
Gabriela. Ela estava tão preocupada em como seria sua vida no
futuro, de como deveria ser, que esquecia de aproveitar momentos
fundamentais. Deixava de sair com seus amigos, de fazer coisas que
gostava, de fazer tudo por causa de coisas que ainda não haviam
acontecido.
Depois de quase um ano da sua primeira consulta, Gabriela estava
progredindo muito bem. Ainda havia momentos em que ela se sentia
como a mesma garota insegura e indefesa de alguns meses atrás,
mas a sua rede de apoio sempre a ajudava e a acolhia da melhor
maneira possível. Seus pais sempre perguntavam como ela estava se
sentindo, se precisava desabafar ou somente descansar. Eles haviam
progredido bastante nesses meses e Gabi não poderia estar mais
feliz pelo relacionamento saudável que eles tinham estabelecido. Ela
também havia desenvolvido hobbies que jamais imaginaria gostar,
dentre eles, fazer crochê e cantar. Saía mais com seus amigos,
especialmente Ricardo, uma vez que haviam se tornado mais
inseparáveis do que nunca.

sob pressão — 49
O que estão
cochichando?

AVISO!
O tema principal dessa história é bullying. Se
você se sente incomodado com este assunto,
sugerimos que não leia este capítulo!
6
Luísa, quando tinha 15 anos, era uma adolescente introvertida e
estudiosa que frequentava a escola local. Agora, com seus 16, estava
enfrentando uma mudança de cidade, o que virou a vida dela de
cabeça pra baixo — era uma nova escola, uma nova casa, e novos
amigos… Ah como ela temia isso. Ela sempre foi tímida, nada que
tenha afetado ela, mas estava com medo de como iria ser essa nova
experiência, mudando de uma escola pública agora para uma
particular. “Será que vão gostar de mim?” era o que ela mais se
perguntava enquanto as aulas não começavam.

Na primeira semana de aula, Luísa se sentia insegura, especialmente


quando foi parar na mesma sala de aula que um grupo de alunos que
pareciam ser os mais populares da escola. Ela sabia que eles estavam
olhando para ela e cochichando, mas ela tentou ignorá-los e continuar
sua rotina escolar normal, em que chegava na escola e se sentia bem,
tentando não pensar no que acontecia e fazia suas atividades
normais — tipo… procrastinar no Instagram.

Ela era uma menina normal, seus cabelos longos e pretos com certeza
fariam inveja a alguém. Sua vida além da escola era bem calma, tinha
poucas amigas, seu Instagram não era o mais seguido, nem mais
movimentado, mas lá ela postava muitas coisas que gostava, Luísa
era uma entusiasta de moda, amava ver tudo daquele universo e se
via trabalhando com isso, era certeza pra ela já.

Só que os cochichos continuaram, os populares achavam engraçado


rir do jeito que ela se arrumava ou do jeito que ela era, tímida e quieta
— infelizmente, sua aparência parecia ser motivo de piadas mais do
que tudo.

o que estão cochichando? — 51


Ela era alta, magra e tinha um óculos de armação grande, além do
cabelão, só que isso fazia com que fosse ridicularizada pelos colegas,
mas ela sempre se perguntava: o que tem de ridículo nisso?

No colégio, na sala em que estudava, tinham mais ou menos 30 alunos,


todos fardados com aquela roupinha azul e branca que ela não
aguentava mais ver: as cadeiras eram azuis, as paredes brancas e os
alunos eram quase que uma mistura doida de tudo. Os professores
eram muitos sérios e não deixavam ninguém usar o celular em sala de
aula, mas ela conseguia se distrair desenhando em seu caderno suas
coisas favoritas, como os manequins com roupas que ela desenhava.

E mesmo não achando seu colégio novo o lugar mais legal do mundo,
ela ainda gostava, um sentimento de amor e ódio mesmo… O que
fazia tudo mais suportável era seu trio de amigas, Helena e Julia. Era
assim, pelo menos, até que uma perseguição começou, e Luísa era
regularmente insultada e mal falada pelos populares. Eles a
chamavam de nomes desagradáveis, jogavam bolinhas de papel nela,
riam de seu estilo, empurravam-na pelos corredores e outras coisas
cruéis, como até grudar chiclete em seu cabelo. Cada vez que isso
acontecia, Luísa se sentia acabada e com a autoestima abalada.

— Ei, você! — chamou o menino mais famosinho da sala, no fundão, e


Luísa já sabia o que estava por vir — Consegue me enxergar daqui?
Quantos dedos tem aqui? — “ah, claro, tinha que ser a piada de
sempre” ela pensou enquanto ria um pouco.

Por mais que Luísa não estivesse sozinha, Helena e Julia não
ajudavam-a a responder às ofensas e só ficavam caladas. Isso ficava
rodeando a cabeça dela “se elas não dizem nada… talvez estejam
concordando com isso” — tudo só contribuia para que ela estivesse
odiando mais essa experiência, sentia falta de casa, onde nada disso
acontecia.

o que estão cochichando? — 52


Com o tempo, os ataques se intensificaram, ela se sentia cada vez
mais sozinha e desamparada, como se estivesse lutando uma batalha
impossível, começando a perder a motivação para estudar e se
afastando de suas amigas mais próximas. A situação chegou a um
ponto em que Luísa não conseguia mais suportar fingir que nada
estava acontecendo — começaram a surgir pesadelos à noite, se
sentia ansiosa e perdeu o interesse por atividades que antes a faziam
feliz, como a moda ou até mesmo seu estilo, anéis, pulseiras e óculos.
Ela sabia que precisava de ajuda, então decidiu conversar com o
psicólogo escolar, este que era um homem gentil e experiente, logo
ouviu a história de Luísa com empatia e compreensão.

Eduardo, o psicólogo do colégio, então identificou o bullying e tentou


acalmar a estudante. Sua sala por si só já era um ambiente melhor
que aquele das salas, não parecia tanto um manicômio como a sala
de aula e ainda tinha cadeiras bem confortáveis - “ainda bem”, Luísa
pensou. Sentando ao lado do profissional, ela decidiu falar sobre o
que vinha acontecendo com ela, o que havia guardado por tanto
tempo.

— Luísa, você entende que isso é bullying e é um problema bastante


sério? — ele comentou e a adolescente concordou com a cabeça —
Isso é o primeiro passo para mudarmos essa situação, mas ainda
existe um longo caminho pela frente.
— O que mais podemos fazer? Isso me frustra, não sei mais o que
fazer…
— Você precisa entender que a culpa não é sua, por mais difícil que
isso seja. Seu cabelo, seu corpo, seus óculos, são características que
fazem de você, a Luísa, e isso não é vergonhoso! — ele falava num tom
tão suave e de maneira positiva que ela então buscou acreditar
naquelas palavras.

o que estão cochichando? — 53


Eduardo também ajudou Luísa a desenvolver habilidades que lhe
ajudariam a se posicionar nesses momentos em que se sentia
atacada, falando sobre meditação, respiração profunda e exercícios
de relaxamento para lidar com a ansiedade. Ele a incentivou a se
concentrar em seus pontos fortes e em seus talentos, em vez de se
fixar em suas inseguranças e nos comentários que faziam sobre si.
Luísa, com isso, começou a se sentir mais confiante e capaz de
enfrentar o bullying. Ela aprendeu a se comunicar melhor com seus
pais e professores, pedindo ajuda quando precisava, até mesmo se
juntou a um grupo virtual de apoio para vítimas de bullying, onde
conheceu outras pessoas que passavam pelo mesmo problema.

Com o tempo, Luísa percebeu que o bullying não definia quem ela era
e que ela era muito mais do que as palavras cruéis que os agressores
usavam para descrevê-la. Seus óculos, cabelos ou timidez não
impedia-a de nada, e passou a enxergá-los como os pontos mais
fortes de sua personalidade. Agora, no final de seu 2º ano do Ensino
Médio, ela se sentia muito mais a vontade no colégio e tentava ajudar
pessoas próximas que sofriam com problemas parecidos.

O psicólogo escolar continuou a trabalhar com Luísa, monitorando


seu progresso e oferecendo suporte emocional e psicológico
enquanto estava na escola. Ele ajudou Luísa a desenvolver estratégias
para lidar com situações difíceis e a se manter focada em seus
objetivos, como seu interesse pela moda. Com o tempo, a escola
também começou a tomar medidas para combater o bullying: eles
estabeleceram um programa de prevenção de bullying que envolveu
toda a comunidade escolar, incluindo pais, professores e alunos, com
palestras, workshops e atividades que ajudaram a conscientizar
sobre o problema dessa forma de violência a promover um ambiente
escolar mais seguro e acolhedor para todos.

o que estão cochichando? — 54


Gradualmente, o ambiente na escola começou a mudar. Ela percebeu
que o processo de superação do bullying foi difícil, mas que ela
aprendeu muito sobre si mesma e sobre o que é preciso para se
tornar uma pessoa forte e resiliente, se sentindo grata por ter a
ajuda do psicólogo escolar. No final do ano letivo, Luísa recebeu um
prêmio de reconhecimento pelos esforços que ela fez para combater
o bullying na escola. Ela se sentiu orgulhosa de si mesma e de suas
realizações e soube que tinha encontrado sua voz e sua força interior.

O psicólogo escolar observou com satisfação a mudança positiva que


ocorreu na escola. Ele sabia que havia muito trabalho a ser feito, mas
estava esperançoso de que a comunidade escolar continuaria a
trabalhar unida para criar um ambiente seguro e acolhedor para
todos os alunos.

o que estão cochichando? — 55


Quando as feridas
cicatrizam

AVISO!
O tema principal dessa história é sobre
comportamentos autolesivos. Se você se
sente incomodado com este assunto,
sugerimos que não leia este capítulo!
7
Cartaz de conscientização sobre o Setembro Amarelo... É realmente
muito cômico que ninguém verdadeiramente se importa com os
alunos desta escola, e mesmo assim quando chega o tal de "setembro
amarelo", todos os professores vem com este mesmo discurso
manjado.
Ninguém sabe da minha dor, ninguém nem quer saber na verdade...
todas estas marcas que eu carrego nos pulsos, eu as cubro com um
moletom grosso de lã e mesmo nesse calor ninguém questiona o
porquê de eu usá-lo.
E eu não posso contar com nem sequer uma pessoa, eu não tenho
nada aqui, ninguém quer a minha amizade, os professores só ligam
pra notas e para vestibulares, e o Psicólogo dessa escola? Eu não sei
nem como ele se formou, sempre que eu peço ajuda ele sugere
"organizar" meu horário de estudo. Como se toda a minha dor se
resumisse só às minhas notas...
Não vejo sentido em estar mais aqui... Quero ir pra casa, mas não é
como se eu gostasse de estar em casa... Tenho tantas memórias ruins
vindo de lá, cobranças de todos os lados... Nem no meu próprio lar me
sinto protegido por nada nem ninguém, eu... preciso fazer essa
sensação de angústia passar, eu vou para casa...
Vou ao banheiro, preciso resolver isso, não tem ninguém em casa
agora, tenho a oportunidade perfeita de calar essa voz na minha
cabeça, só preciso de algo afiado agora...
Seu irmão sabia que essa escola era complicada, ele percebia quando
você ia embora mais cedo, de novo e de novo. Ele sabia que você não
era acolhido entre seus colegas, mas ele não sabia como chegar em
você. Parecia que você sumia todas as vezes que passava como um
espectro em nossa casa, fechando-se naquele quarto, seu irmão
sabia, mas nunca teve coragem de ousar ir até você. Até aquele dia..

quando as feridas cicatrizam — 57


Até o dia em que ele tomou fôlego para abrir a porta e ver você sem
aquele moletom, sem aquela carapaça, que achava servir para
esconder o seu corpo, mas tornou-se um receptáculo de toda a sua
angústia. O sangue corria pela pele, deslizando como um animal
peçonhento, despejando sua viscosa essência no ralo da pia.
— Irmão, não conta pro papai, por favor...
Aquelas palavras ressoavam como uma lixa na cabeça do irmão, que
lembrava-se daquele semblante inocente de uma criança tornar-se
um rosto mais velho, mais deprimido, cujas lágrimas escorriam de
seus olhos como o sangue de seus cortes.
— Meu deus, você tá bem? O que foi esse sangue?!
— Eu me cortei, irmão, me desculpa! Não conta pra eles irmão!
Enquanto seus joelhos cederam ao peso do corpo, quando suas mãos
não mais suportavam o peso daquela navalha, seu irmão nada mais
sentia a vontade de te acolher, de segurar sua mão e lavar seus
cortes, olhar em seus olhos e dizer...
“Eu estou aqui”
— Eu não vou contar para eles... eu estou aqui... sou seu irmão, nunca
vou abandonar você...
Foi estranho...Meu irmão viu o que eu estava fazendo e mesmo assim
decidiu me acolher.. e tão estranho, eu achava que não merecia amor
nesse mundo e no meu momento mais vulnerável ele veio até mim
para me ajudar, ser meu companheiro, dividir o peso do mundo que eu
carrego nas costas, agora ele ta aqui, me chamando para fazer
coisas banais, dividir experiências... meus pais nem sonham no que
aconteceu naquele dia. Por muito tempo tentei esconder o que eu
sentia, por achar que isso me fazia bem, eu aprisionava o que eu
sentia cada vez mais fundo em meu peito, até que a pressão fosse
tão grande, que não vi outra alternativa do que os cortes. Então, meu
irmão fez o que nunca fizeram por mim, me acolheu, me ouviu, não só
de corpo presente, ele estava inteiramente ali, por mim.

quando as feridas cicatrizam — 58


Conversamos sobre esse assunto novamente, foi difícil, as palavras
demoraram a sair pela minha boca, estavam entaladas em minha
sombra, por tanto tempo oculta. Porém, eu persisti, as palavras
“sangraram” por mim, jorraram violentamente acelerando o meu
peito e fazendo meu corpo tremer, hesitei, mas lutei contra meu
desejo inevitável de me esconder e me fechar. As lágrimas cortavam
meu rosto como uma navalha e minha visão embaçou como se minha
pressão caísse. Eu senti o peso de tudo aquilo que eu passei durante
todo esse tempo esmagando meu peito de uma vez, eu nunca imaginei
que faria aquilo algum dia, mas o fiz. Sei que ainda tenho muito a
aprender, sei que não existe uma cura para o que eu passei, mas
enfrentei naquele momento o que poderia ter sido um caminho sem
volta para algo pior. Por mais que seja difícil, por mais que demore,
por mais incessantes que sejam as angústias, eu vou sorrir de novo.

quando as feridas cicatrizam — 59


Bolo

AVISO!
O tema principal dessa história é sobre os
transtornos alimentares. Se você se sente
incomodado com este assunto, sugerimos que
não leia este capítulo!
7
— Que merda!
É a primeira coisa que me vem à cabeça ao deslizar as costas pela
“Carvalheira” e me deixar desabar na grama. Enquanto tento
esconder meu rosto ficando entre meus braços e pernas, percebo
meu corpo tremer, minha respiração ofegante, e minhas lágrimas
deslizantes sobre minhas bochechas, sem saber exatamente se foi
por causa da corrida desesperada que fiz até aqui, ou se foi por
causa da causa desse desespero.
“Por que c@$%/ eu fiz isso?”, é a única coisa que passa pela minha
cabeça nesse momento, intercalado por “eu sou um idiota”, e as
vezes até por um “eu sou um estúpido filha p@$% que não merece
viver”. Já nem sei mais se estou chorando pelo o que fiz, ou pelo ódio
que sinto de mim mesmo. Depois de um tempo dessa
autodepreciação agressiva e miserável, minha mente é tomada
completamente por um novo tormento, dessa vez mais incisivo:
“Por que eu não consigo comer?”
Eu estaria mentindo se dissesse que essa foi a primeira vez que me
fiz essa pergunta, e a resposta sempre estava no espelho, onde tudo
o que eu via era um corpo de 15 anos, alienado e sem nenhum controle
sobre a própria vida, e que não sabe ou não tem coragem de buscar
esse controle porque não fazia ideia de quem ou o que era, e muito
menos sabia o que queria ou deveria ser. Quando olhava para uma
comida, o que eu normalmente pensava era: “pelo menos isso eu
consigo controlar”, eu sei, é bem ridículo, um garoto tendo “um
problema de garota”, mas sinceramente o que não é “um problema
de garota” hoje em dia? Às vezes eu me pergunto se eu sou uma
garota por não conseguir lidar com meus problemas sem chorar…
como agora…

bolo — 61
ou uma garota por não conseguir lidar com meus problemas sem
chorar… como agora… Entretanto, pensava que haviam exceções,
momentos e alimentos que eu não me importava em perder o
controle, pois era melhor do que decepcionar aqueles que eram
importantes para mim, mas pelo visto eu estava enganado.
A merda de hoje me fez lembrar de todos as vezes que fui um escroto
ridículo, como aconteceu dias antes do Natal do ano passado. Eu tinha
14 anos (sim, eu faço aniversário depois do Natal), meus avós viajaram
para a nossa casa para comemorarmos em família, como de
costume, e no dia em que chegaram, minha mãe preparou um jantar,
acho que era a forma dela de agradar os sogros. Quando me
chamaram para comer, eu estava no meio de uma questão de um
simulado Enem, já que é só isso que eu faço agora nessa merda de
vida.
Quando a terminei, desci as escadas e me deparei com todos
sentados à mesa me esperando. Minha primeira reação foi de
extrema confusão seguida pela pergunta:
— O que foi? o que vocês estão fazendo?
Logo em seguida o vovô Miguel respondeu:
— Estávamos esperando você terminar de estudar para jantar todo
mundo junto!
O vovô Miguel é muito atencioso, diferente do filho dele, ele sempre
se mostra muito preocupado com os outros, e tenta deixar todo
mundo confortável, do jeito dele, inclusive eu. Mas mesmo assim, não
pude evitar de ficar extremamente perplexo, “eles estavam me
esperando para comer!”, eu nunca, jamais, imaginaria isso, nem nos
meus sonhos mais loucos.
A caminho de me sentar à mesa, vi uma caçarola de lasanha, a uns
anos atrás, quando eu era criança, estaria saltitando de felicidade, eu
adorava lasanha, e minha mãe sabia disso. Mas agora, quando olhava
aquele aglomerado de massa imersa em molho de tomate, tudo o que
me ocorre é a angústia de pensar o que aquilo faria ao meu corpo.
Várias vezes eu já me perguntei quando foi que eu comecei a me
sentir assim, mas nunca obtive uma resposta concreta.

bolo — 62
O que normalmente eu vejo a internet fazer é colocar a culpa nas
redes sociais, e é verdade que quando eu vejo todas aquelas pessoas
com seus corpos e vidas perfeitas, realizando seus sonhos e vivendo
felizes para sempre, eu não consigo evitar de me sentir ainda pior
sobre mim mesmo ou que deveria estar fazendo mais para não “ficar
para trás”, como meu pai costuma dizer. Mas algo me diz que não é
só isso, “quando foi que eu comecei a usar redes sociais mesmo?”
Antes de me servir, meu pai perguntou por educação:
— Como está indo Abel?
Eu já sabia que essa pergunta não estava sendo direcionada ao meu
bem estar e sim às minhas notas.
— Bem…
— Ótimo… — Ele continua, servindo-se de lasanha — Lembre-se que
só os melhores passam em medicina!
— Hm… — Respondo dando de ombros e olhando para nada.
Eu nem queria fazer medicina, na verdade eu nem sei o que eu quero
fazer, mas eu nunca pensaria em fazer medicina se não fosse essa
incessante encheção de saco dele, mas é claro que ele não sabe disso,
que eles não sabem disso, estavam ocupados demais trabalhando
para saber se o filho estava comendo direito, quem dirá se importar
com seus sonhos e aspirações. Me pergunto se meus pais prestariam
mais atenção em mim se eu começasse a ir mal na escola ou
passasse a noite em festas cheias de bebidas, drogas e sexo sem
camisinha, mas é claro que eu teria que pedir permissão para sair,
igual a tudo na minha vida...
Depois disso, parto para discretamente colocar um pedaço
inexpressivo de lasanha na esperança de que ninguém fosse notar, o
que normalmente acontece, mas dessa vez não foi o caso, não eram
apenas meus pais na mesa.
— Vai comer só isso?! — Diz a vovó Nana olhando pro meu prato
depois de eu ter largado a colher de servir.
— Não estou com muita fome… e eu preciso comer logo para voltar a
estudar… — Digo um pouco acanhado.

bolo — 63
— Mas você precisa comer direito para poder crescer menino! —
Retruca ela com um aroma doce de vó na voz. — Como você espera
estudar de barriga vazia? Olha só para você, está só o couro e o osso!
Dessa vez, as palavras da vovó Nana não soaram doce… na verdade
soaram com um tom de ácido angustiante, como se estivesse
correndo as minhas roupas e me expondo para todos. Eu só quis me
esconder, o que me fez baixar a cabeça e querer me cobrir em meus
ombros.
— E nós todos estávamos aqui te esperando para comer! —
Continuou vovô Miguel — E você quer comer rápido para já poder
voltar para o seu quarto?!
— Bem… eu não pedi para vocês me esperarem! — E de repente
percebi que o que eu falei soou pior do que eu pretendia. Todos
olharam pra mim como se eu tivesse acabado de ofender 20 minorias
com uma única frase. Eu só queria sumir.
Depois de alguns segundos de silêncio, minha mãe, que estava calada
até agora, pronunciou:
— Seus avós têm razão Abel, você precisa comer direito!
Não sei exatamente o que deu em mim, só sei que, ao ouvir aquelas
palavras, aquelas palavras saindo da boca da minha mãe,
imediatamente sentir uma pressão de ódio inflar no meu peito,
acompanhada de uma elevação de voz imprevisível:
— AH, ENTÃO AGORA VOCÊ SE IMPORTA COM O QUE EU COMO?!
QUER CONTROLAR ISSO TAMBÉM?
Dava para ver claramente o choque no rosto da minha mãe, o
semblante paralisado, assim como o dos meus avós, e eu não tive
coragem de olhar para o de meu pai, só conseguia imaginar… Quando
vi o estrago da bomba que havia soltado, e senti minha garganta
começar a se fechar em lágrimas, disse saindo às pressas da mesa:
— Preciso estudar!
No meu quarto, estava na mesma situação presente, fechado,
angustiado, com ódio de mim mesmo, “Por que caralhos eu fiz isso?”...
“eu sou um idiota”...“Por que eu não consigo comer?”.

bolo — 64
E como agora, lembro-me de pensar que parte de mim só queria se
enterrar no chão e se esconder onde ninguém pudesse ver essa cena
deplorável, e parte de mim só queria que alguém aparecesse por
aquela porta, que alguém me desse atenção, que alguém me
ajudasse… mas não foi o que aconteceu.
Agora, ao pé da "Carvalheira", eu até peguei meu celular e pensei em
mandar mensagem para Alice, minha amiga, mas não quis incomodá-
la, ela mesma já tem seus próprios problemas para resolver.
Entretanto, dessa vez, o inesperado tomou conta do lugar ao qual não
foi chamado, quando tirei meus olhos da tela, vi algo novo, alguém que
não estava aqui antes, misterioso. O mundo estava embaçado por
conta das lágrimas em meus olhos, mas dava para ver que tinha
alguém ali, em pé a poucos metros à minha frente, olhando para mim.
Ao esfregar meus olhos para tentar enxugar as lágrimas e ao
aproximar-se da figura misteriosa, consegui ver que se tratava de
uma garota. Através dos óculos era possível ver que ela estava com o
mesmo semblante paralisado de minha mãe, como se nunca tivesse
visto um garoto chorar antes, mas com bochechas mais
rechonchudas e avermelhadas.
Depois de alguns segundos, ela se ajoelhou e estendeu o braço em
minha direção com um lenço a mão, daqueles que você usa para
limpar os óculos, e perguntou:
— Você está bem?

Um momento de silêncio pairou o ambiente antes que eu pudesse
responder a essa simplória pergunta incompreensível, como se não
estivesse sendo capaz de escutar o que estava ouvindo, olhar o que
estava vendo, presenciar o que estava bem à minha frente, mesmo
encarando obsessivamente. Como uma súbita reanimação, meu
corpo recuperou o fôlego da alma, e respondi:
— Sim! — Quase como um susto — Estou bem… — mais tímido,
desviando o olhar para baixo acompanhado de um dar de ombros.

bolo — 65
Como as garras de um gato apanhei rapidamente o lenço de sua
mão, mas sem nunca encontrar o olhar. Enquanto uso o tecido macio
abruptamente para enxugar meus olhos e nariz, e enquanto a garota
misteriosa não parava de me dissecar com olhos, a correnteza de
climão guiada pelo silêncio estava me sufocando, mais do que minhas
próprias lágrimas.
— O que foi?... Nunca viu ninguém chorando não? — Dessa vez, ousei
levantar o olhar, afrontoso.
— Bem, sim… Só não esperava ver você chorando! — Disse ela
desajeitada, quase inaudível, como se tivesse percebido a
inconveniência.
— Você sabe quem sou eu? — A dúvida penetrou meu olhar.
— Bem… sim! Você é o Abel… Nós estudamos na mesma escola… — A
decepção e o constrangimento passeiam em seu sorriso nesse
momento. Ela espera alguns segundos na esperança de que eu fosse
lembrar apenas com essas informações, mas percebe que estava
enganada.
— Eu me chamo Carol, sou da turma do segundo ano A…
Continuo encarando com uma interrogação expressiva flutuando
acima de mim apesar das esperançosas tentativas dela.
— A esquisitona que só senta perto do canto das sementes!
— Ahh! — Como um atropelamento o reconhecimento vem a minha
cabeça.
Carol, a garota assanhada que está sempre sozinha, sentada sempre
próxima a janela que dá à um pé de ninho, onde ninguém quer ficar por
conta da sujeira que fica com a queda das sementes. Para ser
honesto, é só isso que sei sobre ela. Nunca a vi conversando com
ninguém da sala, nem mesmo com o “grupo dos esquisitos”, sempre
entrando muda e saindo calada. Mas porque então ela veio falar
comigo?
— Carol! Lembrei!... Então… o que você está fazendo aqui? — Digo
tentando diminuir o desajeito dessa “conversa”.

bolo — 66
— Bem, eu gosto de vir a esse parque, tem muitas plantas. Mas…
sinceramente, eu é que deveria estar fazendo essa pergunta! O que
você está fazendo aqui chorando sozinho ao pé de uma Babosa
Branca?
— Babosa Branca? Então esse é o nome dela?! Sempre a chamei de
“Carvalheira”.
— Carvalheira?! Por que? — Perguntou ela demonstrando muito
interesse.
— É por causa do meu irmão, sempre que ele estava passando por
um momento difícil ele vinha para cá. Ele me disse que essa árvore era
como um cavaleiro medieval de histórias de fantasia, que o protegia
do mundo real para que pudesse pensar, imaginar… — falar do meu
irmão me lembrou a angústia de quando cheguei aqui, ela voltou para
embargar minha voz.
— Ele me disse, que quando eu estivesse passando por um momento
difícil também, eu poderia vir aqui, que ela iria me proteger também…
me levar embora dessa realidade… me deixar em paz… —
Vislumbrando o nada, sinto meus olhos lacrimejarem novamente, mas
luto com tudo que tenho para impedi-las de sair, uma tentativa
miserável de tentar não transparecer o que está acontecendo
comigo. Inútil, obviamente.
— Então você… está passando por um momento difícil? — Não tenho
como ver seu rosto, mas sei que estava com um semblante
preocupado.
Minha resposta é o silêncio.
— Tem alguma coisa a ver com o seu irmão?
Novamente, o silêncio, mas dessa vez desviando ainda mais o rosto,
como se estivesse querendo fugir.
— Ele… faleceu?
— O QUE?! — Sem nem me dar conta estava de corpo todo diante
dela — Não é isso! Eu só… — Falho com a minha voz — Eu fiz merda tá
legal! Eu… — Já estava novamente, de corpo e olhar, buscando o nada,
buscando a coragem para dar um último suspiro, como se fossem
minhas últimas palavras — Magoei ele…

bolo — 67
Já nem estava mais lutando para manter minhas lágrimas em
cárcere, e choro um choro quieto, sutil, silencioso, para que ninguém
veja. Como podem duas míseras gotas de água do mar serem tão
difíceis de barrar? Não há dúvidas de que eu falhei na missão que eu
mesmo me dei de tentar fazer com que ninguém me visse nessa
situação. Dessa vez, tinha alguém ali, me observando a cada
movimento, a cada soluçada. Dessa vez, tinha alguém comigo.
Em algum momento, ela encostou a palma da mão em minhas costas,
fez contato. Não sei que propriedades mágicas existem nessa simples
ação, mas, de alguma forma, ela me fez me sentir melhor?! Como se
todo o peso que eu sentia estivesse sendo tirado das minhas costas, o
que pelo menos tinha alguém me ajudando a carregá-lo, um alívio. Me
vi capaz de recuperar o fôlego, de “engolir o choro”. Me vi até, em um
canto de olho, com coragem de tentar novamente um contato visual.
Carol não tinha falado nada até agora, mas, mesmo que só por um
vislumbre, sabia que ela estava lá para me escutar, sabia que seria
ouvido pelo menos uma vez na vida. Eu posso contar a minha história.
— Bem eu… tenho um problema… ou talvez eu seja o problema… eu já
nem sei mais. Enfim… Eu não consigo comer! Eu não sei bem o que
acontece comigo, mas… Sempre que eu olho para uma comida,
qualquer que seja, tudo o que passa na minha cabeça é que eu preciso
me controlar, que eu não posso exagerar, que eu preciso tomar
cuidado e ter controle na minha vida! E… Hoje de manhã… O meu
irmão, que é a pessoa mais incrível de toda a história do c@$%/ do
universo, veio até mim com um bolo… — comecei a me exaltar
gradativamente — Um bolo! De cenoura com cobertura de chocolate,
simplesmente o meu bolo favorito! O melhor que já existiu! Só que,
adivinha só, eu não consegui comer!... E o meu irmão, maravilhoso
como ele é, disse que percebeu que eu não estava comendo direito
esses dias, e que estava começando a se preocupar. E que por isso
ele fez esse bendito bolo, para que eu comesse!... Eu não sei o que deu
em mim nessa hora, mas… acho que eu não conseguia aceitar o fato
de que alguém percebeu que tinha algo de errado comigo… e é claro
que o meu irmão iria perceber!

bolo — 68
Por que ele não perceberia? Ele é a pessoa mais próxima a mim! A
única que realmente se importa comigo, que confia em mim!... E eu
nem sei como ele é capaz de fazer isso, porque eu mesmo não confio…
Acredita que eu fui a primeira pessoa a quem ele contou que era gay?!
Sério, não sei como ele pode pensar tanto de mim já que eu só faço
merda… como hoje, que eu me neguei tanto a comer um c@$%/ de
um simples pedaço de bolo que acabei derrubando ele todo no chão!
O bolo que o meu irmão fez para mim!...
Depois de uma pausa para tentar me recompor, continuei:
— Eu sei o que você deve estar pensando, “nossa que garoto ridículo,
chorando por causa de um bolo”, e você tem razão, eu sou ridículo! —
Disse escondendo meu rosto entre todo o meu corpo.
Novamente uma névoa pesada de silêncio tomou conta do espaço.
Porém, dessa vez foi cortada por Carol:
— Na verdade… eu também já chorei por causa de um bolo…
Levanto a cabeça e retruco:
— Não precisa dizer isso só para me fazer sentir melhor! O que? Vai
me dizer que não conseguiu comer também?! Olha só para você, seu
corpo está perfeito! — Digo voltando a cabeça de volta ao meu corpo.
— Na verdade… eu chorei porque eu comi… um pedaço de bolo!
Por algum motivo, aquilo havia me atingido como uma bala
atravessando por trás da minha nuca. Arregalei os olhos e voltei-me
novamente a observar Carol, não conseguia nem imaginar que tipo de
pintura sua expressão estava escrevendo.
— E depois… — Ela continuou — Me arrependi e… coloquei tudo para
fora… — Agora, sua presença se tornara triste… solitária… escura.
— Como? — Perguntei sem saber se deveria ter perguntado.
Palavras não foram convidadas para essa resposta, elas não
estavam nem perto de estarem vestidas adequadamente para
expressar o significado do simples gesto de direcionar dois dedos a
boca. Enquanto isso, eu estava falhando na procura de qual sapato
usar para se adequar a esse chapéu que me havia sido entregue e que
estava apertando a minha cabeça como nunca antes.

bolo — 69
Por incrível que pareça, o silêncio, que eu venho tentando evitar
desde o momento que Carol disse que sabia quem eu era, parecia ser
o que calçava melhor, apesar de parecer muito desconfortável e feio.
Felizmente, Carol percebeu que havia me colocado em uma saia justa
por conta do aperto das dúvidas e resolveu ela mesma continuar a
conversa.
— Se você quiser saber o porquê eu faço isso, eu não sei e também
queria saber! Tudo o que eu sei é que eu não consigo me controlar…
quando eu vejo uma comida, eu não consigo parar… mesmo eu só
querendo parar eu não consigo!... E depois… eu me arrependo
amargamente, ao ponto de eu ter que…
Ela não ousou continuar, dava para ver pela queda de seus olhos que
aquilo, falar de seus problemas, da sua vida, estava parecendo tão
difícil para ela contar para mim, quanto foi para mim contar para ela.
Ela… esteve aqui para me ouvir… Me senti no lugar de também estar
aqui ouvi-la, mas não queria pressioná-la a falar. Portanto, tudo o que
me veio a cabeça para não deixá-la presa naquele silêncio
ensurdecedor que se seguiu foi:
— Eu… nunca esperava encontrar alguém que também tivesse
problemas com a comida… Quer dizer, eu sabia que tinham pessoas
que também passavam por isso, mas… nunca pensei que fosse
encontrá-las pessoalmente! — Digo tentando aliviar a tensão. E acho
que funcionou, pelo menos um pouco, pois Carol faz um sorriso
singelo e desajeitado.
— Ei — Continuo — Mais cedo, você disse que não espera me
encontrar aqui chorando… Por que? Por que é tão inacreditável assim
me ver chorando?
— Ahh, você sabe… — Diz ela dando de ombros e desviando o olhar.
— Na verdade eu não sei não. - Retruco.
— É que você é o Abel!
— Como assim?
— Você sabe ué — Ela me aponta os braços e continua — Você está
sempre entre os melhores alunos da escola, é popular, faz esportes,
já foi líder de sala…

bolo — 70
— E o que isso tem a ver? — Pergunto cada vez mais confuso.
— Para quem vê de fora, parece muito que você tem a vida perfeita…
sabe?
— Ah! — Fico estático por um momento e depois me solto em uma
gargalhada - Bem, acho que você já tem sua resposta.
— Sim! — Diz ela rindo também.
— Ei — Chamo — Você esteve aqui para me escutar e isso me ajudou
muito, fico grato. Então, se você precisar de alguém para conversar
também, pode me chamar! Eu vou te passar meu número.
— Ah, claro! — Diz ela tirando o telefone do bolso — Então depois eu
te mando mensagem, é que já está ficando tarde e eu preciso voltar
para casa.
— Ah sim claro! — Digo ao nos distanciarmos enquanto nos
despedimos
— Mas ei! - Carol me chama novamente — O que você vai fazer sobre
aquela história do bolo?... e o seu irmão?... — Novamente ela se
mostra preocupada.
— Não sei… — Respondo depois de um longo suspiro — vou pensar
ainda…
Pauso por um instante enquanto procuro as palavras.
— Eu só… Queria conseguir comer…— solto mais um suspiro, dessa
vez, quase como um riso.
Carol solta mais um sorriso singelo e diz:
— Eu só queria conseguir parar de comer…

bolo — 71
Além da Festa

AVISO!
O tema principal dessa história é o abuso de
drogas. Se você se sente incomodado com
este assunto, sugerimos que não leia este
capítulo!
9
Gabriela era uma jovem de 15 anos, que estudava no 9° ano do
fundamental, Ela era introvertida, mas sempre foi muito curiosa e
buscava novas experiências. Seus pais tinham dificuldade de entendê-
la, e sempre a proibiam de sair sozinha, por isso eram raras as
ocasiões onde a garota buscava a permissão deles. Gabriela nunca
conseguiu fazer muitos amigos na escola, não se sentia parte de
nenhum grupo, e isso lhe doía, ela não se encaixava, todos sabiam, e
ela também.
Há alguns anos, Gabriela havia conhecido uma garota chamada
Marcela, que na época já tinha 15 anos de idade. Ela havia recém
chegado de outra cidade, e ainda não conhecia ninguém, se mudara
para mesma rua de Gabriela, e por “bons modos” foram de porta em
porta, Marcela e seus pais, anunciando a chegada da nova família na
rua. Gabi sempre achou esse um jeito estranho para o início de uma
amizade, fato irrelevante para quem tinha tão poucas.
Durante o tempo que se passou, Marcela chamou Gabi para sair
algumas vezes, mas os convites eram sempre negados com a mesma
frase: “foi mal amiga, meus pais não deixaram, não adianta”. Ano
após ano, a mesma coisa.
Só que, agora, quem tem 15 anos é a Gabi, e esse tempo que se
arrastou parecia se estender como uma infinidade. Ainda assim, isso
não era suficiente: o “ninho” virou cativeiro e ela não cabia mais ali.
Marcela ainda mantinha contato, e em todo aniversário ainda
mandava um convite, só que dessa vez foi diferente: Gabi não
recebeu um papelzinho colorido com a data, hora e local da festa. Foi
um convite mais simples, sendo uma mensagem em seu celular que
dizia apenas: “Gabi, hoje é meu aniversário, vai ser na minha casa
mesmo, queria que tu viesse mas se teus pais não deixarem mais uma
vez, eu entendo“.

além da festa — 73
Gabriela já estava cansada. Era revoltante. Não tinha amigos na
escola, não podia sair de casa, e as poucas oportunidades que tinha
de sair eram por conta da Marcela. E mesmo assim, toda santa vez
ela acabava não indo.
— Já chega!!!
Triste, estressada e esgotada com tantas proibições, simplesmente
decidiu que ia e pronto! Sem ninguém saber mesmo. Afinal de contas,
se ela fizesse tudo certo, esse dia passaria despercebido. Respondeu
a Marcela com um curto e direto; “que horas começa?”
Marcela não demorou a responder: “sei lá, vem tipo umas 20h”. Um
frio cortante tomou conta do corpo inteiro de Gabi, “eu vou mesmo
fazer isso? eu vou!”
Sair da casa não foi um grande sacrifício, os pais de Gabi não
deixavam ela sair, mas obviamente eles podiam. Só foi preciso
paciência para achar a chave certa, cautela para abrir o portão e
coragem para correr até a casa de Marcela.
A casa era grande e estava cheia de pessoas, o ambiente estava
escuro, com luzes coloridas, e a música alta demais. O ambiente não
combinava com ela, mas ela parecia não combinar com nada. A
sensação de estar deslocada não era novidade, doeu, mas ela já
conhecia essa dor fria. Não conhecia nem falava com ninguém, tensa
dos pés a cabeça, e a ideia de ter ido escondida à festa continuava
martelando sua cabeça. Eram coisas demais, um mundo inteiro de
informações dentro de uma casa, dentro de uma garota, dentro de
uma cabeça. Gabi sentia que ia explodir a qualquer momento.
Marcela estava rodeada de amigos. Demorou um pouco pra notar,
mas acabou percebendo a presença de Gabi. Marcela até que tentou
enturmá-la, só que falar com as outras pessoas era um desafio muito
grande pra Gabi, a diferença era clara: Marcela flutuava no ambiente
como uma pluma, Gabi jazia na terra feito rocha, imovel e estática.
Ela não queria ser assim, não queria estar assim. Percebendo o
desconforto de Gabi, Marcela pega um copo cheio de bebida, na
frente de Gabi, e tira do bolso um saquinho plástico minúsculo. Ela
pega algo que estava ali dentro, coloca em um copo com bebida e diz:

além da festa — 74
— Se isso não te fizer melhorar essa cara, nada mais no mundo vai!
Nada disso parecia certo, ela já tinha ouvido sobre isso na escola.
Mas aquele momento poderia ser único. Sentiu que ela poderia ficar
mais feliz, mais leve, livrar-se do estresse e fazer parte de alguma
coisa ao menos uma vez. Então ela bebeu mais, mais e mais, se
divertiu e riu com os amigos de Marcela. Estava se sentindo meio
tonta, mas feliz e relaxada. Depois, uma das pessoas do grupo
ofereceu a ela um comprimido, e Marcela incentivou Gabi a tomá-lo.
Ela já estava tão alcoolizada que não conseguiu perguntar o que era
aquele comprimido. Não se preocupou, queria curtir o momento.
Aceitou e, depois de colocar aquilo debaixo da língua, como mandou o
amigo de Marcela, ela se divertiu como nunca, as cores pareciam
mais vivas, e finalmente sentiu-se parte de um grupo de amigos.
Enquanto se divertia, durante todos esses pequenos eventos, um
garoto observava Gabi de longe. Ele percebeu que, no decorrer da
festa, o comportamento de Gabriela havia mudado: estava mais leve,
extrovertida, aberta a conversas. Por isso, achou que seria uma boa
oportunidade para abordá-la. O menino chegou perto de Gabriela e
eles começaram a conversar. Gabi estava gostando da conversa,
mas percebeu que o comportamento do garoto estava estranho. O
garoto começou a se comunicar de forma suspeita, expressando seu
desejo por Gabriela. Porém, ela, por estar sob efeito de substâncias,
não estava consciente e não pôde compreender claramente quais
eram as suas intenções, Depois de um tempo, o garoto lhe disse:
— A música tá muito alta,que tal a gente ir pra um lugar com mais
privacidade?
Gabriela aceitou, e foi puxada pelo braço em direção ao quarto. Lá, o
garoto conversou com ela, depois começou a fazer perguntas
pessoais, então tentou beijá-la e tocá-la. Naquele momento, Gabriela
começou a se sentir desconfortável e recuar, mas o garoto
continuava tentando. Naquele momento o incômodo de Gabriela, em
relação aquela situação crescia, e as investidas do garoto também.
Ela notou que a mão dele passava pelo seu corpo, mas ela não
conseguia pedir ajuda.

além da festa — 75
Gabriela ouvia as pessoas do lado de fora daquele quarto, ouviu que
um outro garoto não deixava ninguém entrar. Ela tentou acalmar-se
mas o desespero foi tomando conta, pois apesar das tentativas,
Gabriela não conseguia sair dali. Ela olhou nos olhos dele e observou
seu cabelo, e no momento que em ela sentiu mais medo, ela pode
ouvir um amigo dele o chamando pelo nome:
— Enzo, sai daí!
E naquele mesmo momento, Marcela entrou no quarto e avisou que
seus pais chegaram para buscá-la, pois sentiram a falta da filha e
conheciam bem o caminho da casa da amiga. Quando a viram,
perceberam que a filha não estava em si, e receberam-na com gritos.
— Gabriela, por que você está assim?! O que foi que você aprontou?!
Agora que você não vai mais sair de casa mesmo, garota! — disse a
mãe, que olhava furiosamente para Gabriela. — Vamos agora!
Assim, os pais de Gabriela a levaram embora da festa. Ela não sabia
se estava mais atordoada pelo que acabara de acontecer, ou se
estava mais ansiosa com a situação e com os gritos que levava,
desde que entrou no carro até em casa, de seus pais.
No dia seguinte, Gabriela acordou sentindo um mal-estar físico e
mental muito grande: sentia dores de cabeça e enjoos, além de se
sentir muito triste. Lembrou de muitas coisas que aconteceram
ontem e, estando sóbria, sofreu muito mais. Mesmo assim, se forçou
a ir à escola, pois não queria dar ainda mais motivos para seus pais
brigarem com ela.
Por celular, Gabriela marcou de se encontrar com Marcela, no
intervalo da escola. Elas conversaram sobre o que aconteceu na
festa, e Gabriela ressaltou como o momento foi bom, mas se sentiu
muito mal pelos seus pais. Ela procurou saber se aconteceu alguma
coisa que não lembra, e falou sobre muitas coisas, mas não queria
tocar no assunto do que ocorreu com Enzo, pois ainda se sentia muito
triste, irritada, ansiosa e culpada com a situação. Depois de muitos
desabafos de Gabriela, Marcela comentou:
— Logo depois da aula, eu e meus amigos, aqueles da festa, estamos
indo procurar… Você sabe, né? Aquelas balinhas. Você quer ir com a
gente? Parece que você gostou.

além da festa — 76
Gabriela estremeceu. Por um instante, ela hesitou. Mas lembrou da
sensação tão boa que essa pequena balinha lhe causou. "Será que
devo ir?", pensava. Era uma oportunidade: seus pais não iriam saber
de nada, pois pensariam que Gabriela estaria na escola. Além disso,
pensava: "Eu já não vou poder sair de casa por nada. Já estou presa.
Qual o problema de me permitir essa diversão de novo? Eu finalmente
vou poder ser amiga de alguém". Com todos esses pensamentos
passando pela sua cabeça, Gabriela aceitou o convite.
Quando tocou o último sinal da escola, Gabriela dirigiu-se à porta
para esperar Marcela e pôde observar os colegas que também
estavam saindo e ouvir algumas conversas que aconteciam. Até que
ela ouviu:
— Enzo, você nem falou como foi aquela festa, e aí?
Ao ouvir aquele nome ela estremeceu. Virou-se, e então percebeu
que aquele menino que estudava na sua escola era o mesmo que a fez
sentir o maior medo de sua vida. Em meio a um estupor de
pensamentos, Marcela chega:
— Vamos Gabriela?
Gabriela sentiu que precisava de algo que tirasse aquela sensação
ruim que sentia. Ao encontrar seus novos amigos, ela já tomou a
iniciativa de perguntar o que eles haviam levado, e já foi beber com
eles para relaxar. Dessa vez acho que merecia 2 comprimidos para
livrar-se daquele sentimento de medo e de nojo que teve ao ouvir Enzo
e seus amigos.
No dia seguinte, além de, mais uma vez, sentir um grande mal estar,
ela percebeu também que sentia-se mais triste do que nunca. Pensou
que sua cabeça ia explodir de dor, mas teve certeza que precisava ir a
escola falar com o Diretor, ele precisava fazer algo em relação ao
menino que tentou abusá-la. Esperou as primeiras aulas passaram e
foi correndo para a sala de direção, ela precisava usar aquele
segundo de coragem para falar com aquele homem mais velho sobre
a situação que viveu. Ao chegar na direção pediu um tempo a sós com
o Diretor e disse:

além da festa — 77
— Senhor, sei que não sou a melhor aluna da minha série, mas nesse
momento preciso que acredite em mim. Em uma festa na casa da
Marcela, o Enzo, do terceiro ano, tentou agarrar-me e aproveitar-se
de mim enquanto eu não estava sóbria. Eu senti muito medo e acho
que essa situação precisa de uma punição exemplar. Ele prosseguiu
com o ato porque meus pais chegaram, mas e se eles não
chegassem?
Ela fez uma pausa e tentou não chorar, mas seus olhos encheram-se
de lágrimas. Gabriela respirou fundo e continuou:
— O que o senhor vai fazer?
O diretor, então, ficou em silêncio. Gabriela ficou de cabeça
abaixada, esperando o acolhimento que certamente viria, e ouviu as
seguintes palavras:
— Gabriela, eu não posso agir nessa situação, pois o fato não
aconteceu dentro da área escolar, e nem sei se isso realmente
aconteceu! Como você sabe se ele estava fora de si? Sinceramente,
nem eu nem ninguém fará algo a respeito, pois sem provas ou
testemunhas afirmando que você não queria estar naquele local,
nada pode ser feito. Aconselho você a parar de usar as coisas que
você usa, nunca passaria por algo assim se estivesse em casa
estudando.
Aquelas palavras entraram como facas nos ouvidos de Gabriela, a
emoção foi tão ruim quanto o que o rapaz a fez sentir naquele quarto
escuro. Ela não conseguia acreditar no que ouviu. Levantou-se e saiu
de lá correndo para o banheiro, e mandou mensagens para Marcela
perguntando se poderiam ver seus amigos hoje novamente. Gabriela
contou que precisava relaxar. Pensou que merecia sentir aquela paz
instantânea, e que tinha direito de tirar algumas sensações ruins que
sentia. As duas faltaram às últimas aulas para encontrar aqueles que
continham as substâncias que elas queriam. Essa foi a primeira vez
que ela fumou um cigarro, ele fazia Gabriela sentir-se mais relaxada,
e finalmente ela sentiu que era livre das suas preocupações.

além da festa — 78
Nessa noite, ela dormiu bem, mas cada dia sem usar nada era como
estar presa mais uma vez a noite, a toda realidade tão injusta, que
esmagava impiedosamente qualquer tentativa de fugir. Todos
recomendavam tantas coisas, mas todos se importavam tão pouco.
Gabi mais uma vez recorreu a Marcela, só que, nesse ponto, tudo
tinha um preço: as drogas já não eram cortesia, o vício já tinha se
instalado e quem fornecia sabia bem disso. Gabi precisava arranjar
alguma forma de conseguir usar, estar presa àquilo tudo de novo não
era uma opção, tudo era, menos isso. Ela buscou ajuda, ela ouviu o que
lhe disseram, ela gritou, e ninguém veio ajudar. Decidiu que não iria
mais depender de ninguém pra lidar com a dor que sentia, mesmo que
fosse necessário fugir pra sempre, então pra todo sempre ela
fugiria.

além da festa — 79
O mundo oculto
de Clarice

AVISO!
O tema principal dessa história é suicídio. Se
você se sente incomodado com este assunto,
sugerimos que não leia este capítulo!
10
Vocês conhecem alguma Clarice, gente?
Todo mundo conhece pelo menos uma, eu acho! Eu vou contar agora a
história da minha amiga, Clarice, ou melhor, um pouquinho dela. Eu
conheci a Clarice já no terceiro ano, mas nem sempre fomos amigas.
Na verdade, é até meio constrangedor assumir que minha best friend
hoje, na verdade, foi quase cancelada pela nossa turma da escola
pelo simples fato da gente não conhecê-la bem. E tipo, por não
conhecer os problemas dela, não íamos muito mesmo com a cara
dela também.
Mas deixando esse longínquo e tenebroso passado para trás, vamos
aos fatos, né?
Clarice, assim como todas nós, apenas uma adolescente comum,
como a maioria no ensino médio: Cheia de dúvidas e empolgações, em
busca de respostas em meio a suas muitas confusões. Não, na
verdade, ela parecia ser meio esquisitona no começo das aulas.
Todo mundo sabe que o terceiro ano é o CAOS NA TERRA, e por isso,
tanto por motivo de tempo e até um pouquinho de impaciência
mesmo, digamos que nosso poder de socialização diminui um pouco,
se é que vocês me entendem? Já seriam muitos conflitos e muitas
dúvidas, pensar no Enem, vestibular e questionamentos em relação a
vários sonhos e ao futuro, porém, já passados quase 30 ou 40 dias do
início das aulas, aparece aquela novata.
Olhos cinzas e sem expressão, cabelão grande, porém sempre
jogados de lado e uma mecha rosa.
— A novata mais calada de todas, diziam os meninos brincando.
Não interagia, não olhava muito para os lados como se fosse ou muito
tímida, ou como se não quisesse dar abertura mesmo. Cheguei a
achar que ela tinha um jeitinho meio de “superior”, mas ao mesmo
tempo bastante introspectiva, no mundo dela.

o mundo oculto de clarice — 81


— Nossa, que menina estranha, não fala com ninguém, passa a aula
roendo a ponta do lápis, mexendo no cabelo rosa — dizia Aline, uma
das minhas colegas de sala.
Clarice de fato tinha um jeitão bem peculiar: Coçando os olhos, e
usando os seus tênis All Star pretos surrados, tocando os tornozelos
de uma forma que transparecia um pouco de ansiedade e ao mesmo
tempo uma carinha de preguiça ou sono.
- Quanta estranheza, ela tem cara de poucos amigos – diziam outros.
Algo, no entanto, me causou estranheza: Clarice havia parado de ir a
aula durante uns quase 10 dias, até que um dia eu vi sua mãe deixá-la,
meio que quase na porta da escola mesmo, tipo como se deixasse
para ela não fugir, sabe?
Nesse dia, a turma dos “perfeitinhos da sala ” estavam comentando
que existia um tal segredo sobre a garota, fiquei então me
perguntando que segredo teria uma pessoa que parecia não estar
nenhum pouco interessada em vida social no terceiro ano.
Nossa coordenadora, Isabela entrou na sala esse dia e eu ouvi ela
sussurrando ao professor que a Clarice tinha seus altos e baixos,
pedindo que o professor desse “atenção” a ela.
Seria tipo uma depressão? Ansiedade? Isso despertou mais ainda
minha curiosidade. Não despertaria a sua também? Afinal, que
segredo seria esse, que havia gerado tanto “zumzumzum” em relação
a essa misteriosa novata? Escondido a sete chaves. Então eu
confesso, que apesar de não ser muito de julgar, eu já havia julgado o
“livro pela capa”! Hoje eu sei que foi um certo preconceito,
infelizmente. Mas nesse dia, para minha surpresa, rolou uma
atividade que deveria ser em dupla. A professora olha pra ela e
aponta justamente para mim!
- Eduarda, você vai sentar com a Clarice.
Pronto, o chão se abriu. Pensei: Eu? Com aquela esquisita? Com
aquele livro empoeirado que eu já havia julgado pela capa sem graça?
Pensei, agora será meu fim, mas, tive que obedecer, afinal, manda
quem pode, obedece quem tem juízo.

o mundo oculto de clarice — 82


Na hora que eu timidamente sentei ao lado dela, reparei também que
ela tinha o pulso esquerdo com muitas marcas. Será que o segredo
dela tem alguma coisa a ver com isso?
Daqui em diante, a história sofre uma reviravolta daquelas de Agatha
Christie. Sabe aquelas que você jura que o vilão é o mordomo, mas na
verdade, o vilão é a pessoa menos improvável da face da terra, se
liga? Nos primeiros 20 minutos, parecia que estávamos
reconhecendo um campo minado de batalha, uma estudando a outra,
e quem falasse primeiro perderia o jogo. Mas vencida pela
necessidade de fazer a atividade que era pra nota, começamos a
conversar. Logo, parecia que estávamos sob o efeito de algum
encanto.
Descobri que o pai dela havia, inclusive, nascido na mesma
cidadezinha que meu pai, em Jaguaribara- Ceará. E que também já
tínhamos passado férias no mesmo local – mais de uma vez. Nossa
conversa fluiu rápido, depois que descobri um pouco mais sobre ela.
Rapidamente eu percebi que ela parecia ser bem mais “normal” do
que eu e minhas amigas sempre havíamos pensado. Ela logo se
mostrou falante e tagarela como um papagaio que parecia ter antes
um barbante ao redor do bico. Mas, foi no final da aula, depois que o
sino tocou que nosso papo tomou forma. Clarice disse que tinha
TDAH, assim como eu, e queria morar na Itália, pensou em Milão,
porque lá seria o berço da moda no mundo, mas assumiu que amava
mesmo era Paris. Eu também amo Paris.
— Todo namorado que se preze quer uma foto em frente da Torre,
né? — disse Eduarda.
— Afinal, como se pronuncia Eiffel? Seria -EIFFEL-? Ou Éiffel? (rimos à
beça daquela pronúncia que os franceses gatos falam, ainda por
cima fazendo biquinho) kkkkk — perguntou Clarice.
No dia seguinte, Clarice já me mandou uma mensagem cedo. O papo
dessa vez era sobre Gustav Eiffel, que projetou a Torre, obviamente
algum Francês chatinho, porém de bom gosto.

o mundo oculto de clarice — 83


Ela adorava doramas, e a cultura POP, Coreana, mas disse que de um
tempinho para cá estava meio desanimada, depois que entrou em
“crise” e que havia parado de assistir mais. “Crise”? Pensei eu.
Será que ela vai tocar no segredo misterioso, que todo Terceiro ano
G até pagaria para saber? A essa altura, isso pouco passou a
importar para mim, nossa conversa girava em torno de atualidades,
países e até discutimos como poderia a Estátua da Liberdade ser um
presente dos Franceses, se ela era tão grande?
Nossa, ela era super ativista e já estava contabilizando quantos
galões de óleo diesel poluíram o Oceano até chegar no velho mundo.
Pensamos que seria mais simples eles mandarem um quadro, uma
pintura, sei lá. Falamos também sobre alimentação vegana,
feminismo e sobre como os homens não prestam. (pelo menos 99.9%
o que logicamente inclui nossos pais e o Papa).
Nos próximos dias, na aula passamos a sentar juntas, (apesar de
algumas na sala passarem até a me olhar de forma estranha, mas
como cara feia pra mim é fome, eu nem ligo). Seguimos falando sobre
ENEM:
— Eu estou pensando em fazer Psicologia,
Ela confessou que tinha parado de pensar no vestibular há um tempo.
Da última vez que pensei nisso, foi entre Veterinária ou Direito.
Daí eu percebi algo meio diferente rolar, justamente quando eu falei
sobre Psicologia. Clarice disse que não acha que poderia ser uma boa
psicóloga. Pelo menos eu tenho o bom senso de afirmar que eu mal
consigo resolver os meus problemas, então, não acho que conseguiria
ajudar muito os outros, talvez eu até faça com o que os outros saiam
com mais dúvidas do que entraram, sei lá.
Nesse exato momento meio que acendeu uma luz amarela e eu senti
que de fato, ela poderia estar querendo dizer algo, mesmo que
timidamente, mas eu não quis forçar, claro! Era uma sexta-feira e a
gente iria se ver apenas na segunda, já que passaríamos o final de
semana estudando pros simulados.

o mundo oculto de clarice — 84


Bom, segunda-feira chegou e Clarice não estava na sala. Liguei pro
telefone dela, mas nem as mensagens chegaram. Eu fiquei meio
ansiosa, afinal, nunca havíamos falado nada que fosse profundo, nem
dos pulsos que eu sabia que ela tinha machucado lá no início das aulas,
nem do tal segredo, nada que pudesse confrontá-la ou magoá-la,
afinal, nós passamos a ser mais próximas não tinha tanto tempo. Foi
rápido de fato e nada intencional.
Desde que passei a colocar de lado meus preconceitos passados,
muita coisa havia mudado. A aula terminou. Depois o dia também
seguiu no mesmo ritmo, cheio de provas, tarefas e atividades da
escola. E nada dela me atender, mas meu instinto me deixa inquieta.
Então resolvi ir na Av. Beira Mar, ali já pertinho das 17:30, hora do pôr-
do-sol , porque resolvi fuçar os story do Insta do pai dela (que diga-se
de passagem era público e que pela coincidência das coincidências
estava entre os amigos do meu pai) e vi que no story havia a seguinte
mensagem: “Todo mistério tem um fim e toda dor um dia acabará.”.
Nossa, que louco, hein? Quando eu vi esse post eu reconheci que
ficava ali perto do Poço da Draga, uma partezinha da Beira Mar que
já era lá próximo ao Centro Cultural Dragão do Mar. Quando desço
do Uber eu me deparo com aquela cena: Clarice estava escrevendo
uma carta de despedida, e essa carta era destinada às pessoas que
ela mais gostava, e dentre elas: Eu.
Ela estava prestes a tentar tirar a sua própria vida novamente, mas,
na hora que ela me viu, o choro foi iminente. Inevitável. Emblemático.
Ela tenta evitar que eu pegasse a carta, mas, claro, eu não dou mole,
pois sabia que entender aquele sofrimento poderia ser a luz que
faltava a ela. Alguém que a escutasse, porque quando as coisas não
estão bem por dentro, uma hora elas costumam ressoar, gritar,
ALARMAR!
Eu poderia não saber qual era o segredo dela, mas, aquilo ali pra mim,
já pouco importava. O que saltava aos meus olhos ali era o fato de
que minha nova amiga precisava de ajuda, e foi isso que eu fiz. Nos
olhamos nos olhos e nos abraçamos.

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Senti o coração dela pulsando fortemente, como que um pedido de
socorro emitido no antigo código morse, usado no século passado,
mas era um código morse pela vida.
Aquela sensibilidade que veio até mim, uma garota de 16 anos de
idade, de forma súbita, mudou ali nossos destinos. Uma vez
conversando com um primo meu que é psicólogo, a gente chegou a
falar nesse tema, e eu imaginei que isso nunca iria passar nem perto
de mim. Meu primo Filipe, havia dito duas coisas que ficaram
gravadas nesse papo: A primeira é que quem tenta um suicídio não
quer normalmente acabar com a sua vida, mas sim com o sofrimento
que parece ser insuportável pra a estrutura ATUAL daquela pessoa. E
a segunda é que muitos fazem por impulso, ou seja, se você puder
dissuadir essa pessoa (mesmo que contra a vontade dela naquele
momento), você poderá estar salvando a vida dela.
E foi isso que fiz nesse dia. Ela desistiu de tirar sua vida, quando me viu
e me disse:
- Eu havia orado a Deus, pedindo por uma resposta, então para mim,
você foi a resposta.
Fiquei muito feliz por ter ajudado minha nova amiga, mesmo sem
saber que estava ajudando, e descobri que para conseguir, é preciso
nunca desistir. Desse dia em diante, eu percebi que o vestibular era
sim, muito importante, os garotos também eram, meus sonhos, mas,
descobri também que existem valores que não dependem da idade,
nem de estigmas, nem de julgamentos e sim de você poder se doar
um pouco. E se não puder, peça a quem pode, mas NUNCA IGNORE os
sinais que você vê.
Hoje, Clarice e eu estamos nos formando em Psicologia, pois
descobrimos que a gente pode sim, fazer mais tanto por nós
mesmos, como pelos outros. Clarice havia se enganado quando falou
que não conseguiria nem ajudar a si mesma, pois hoje ela faz parte de
uma ONG que ajuda jovens com depressão, como ela foi um dia. E que
assim como eu não desisti dela e juntas pedimos ajuda e suporte
tanto dos pais dela, irmãos, terapeutas e médicos, nós podemos
fazer diferença na vida de nossos pacientes também!

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Muitas vezes os piores inimigos que podemos enfrentar são os
invisíveis e silenciosos. Por vezes, uma pessoa que não demonstra
emoções, não fala, ou mesmo sofre uma tristeza ou depressão de
forma solitária. Não querem preocupar os pais. Por outras, os pais e
pessoas mais próximas dela, poderiam achar que não seria nada tão
sério.
Você lembra daquela semana que a Clarice faltou às aulas, no
terceiro ano?
Ela havia tentado pela primeira vez suicídio, mas desistiu e ainda
conseguiu pedir ajuda. Ela disse que havia se lembrado das conversas
que tivemos numa sexta-feira, vocês lembram?
Fazer a diferença na vida de uma pessoa, me fez desejar ver essa
diferença em outras pessoas também, me fez ter um sentido – aliás,
nos fez ter um novo sentido. E o mistério?
-Vocês ainda querem saber do famoso mistério da Clarice no
terceiro ano?
Até hoje eu nunca perguntei. Acho que é porque inconscientemente eu
sei que o mistério, por qualquer que seja, já não existe mais.
E sendo assim, o maior segredo é não haver mistério algum.

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ORGANIZAÇÃO
Professora Ana Cláudia Coelho Brito Giovana Vieira da Costa de Lavor
Mestranda Kliciane Paulo Yuri Pinheiro da Nóbrega
Taíssa de Almeida Loureto Tanara Emily de Souza Muniz

AUTORES
O MUNDO OCULTO DE CLARICE ISSO NÃO É UM CONTO DE FADAS
Erica Lopes Clara Mamede
Felipe Alencar Damayane Marques
Gabriele Lourenço Agnes Albuquerque
Gleiva Rios Isabela Maia
Tanara Muniz Marina Leal
Ana Vitória Estanislau
O QUE ESTÃO COCHICHANDO?
Gerusa Borges TODO DIA EU TÔ DIFERENTE
Taíssa de Almeida Lara Guimarães
Letícia Luna Alessandra Natasha
Ana Júlia Araújo Alícia Vasconcelos
Rodrigo Maia
DIANA, CLEO E MANU
Vanessa Bezerra QUANDO AS FERIDAS CICATRIZAM
Maria Clara Ivo Luan Oliveira
Ana Luíza Lima Luan Vieira
Vanessa Boris Samuel de Queiroz
Ana Valquíria Hannah Hagne
Clarice Rocha
BOLO
SOB PRESSÃO Ana Máira Lima
Clarice Galdino Ingrid Ávila
Gisele Soares Larissa Gonçalves
Larissa Teles Letícia Freitas
Rogaciano Sampaio Paulo Yuri
Davi Ferreira Vinicius Chaves
Rebeca Luana Sabrina Crisóstomo

A PRIMEIRA GRANDE ESCOLHA ALÉM DA FESTA


Mariana Pessoa Eric Gabriel
José Gabriel Lopes Beatrice Marques
Luana Chaves Echelly Ferreira
Amanda Carneiro Giovana Lavor
Sammara Moura

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