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Anna Rachel Machado coordenacao) Eliane Lousada Pp WITT Wasytalekswy V0) ¢-\0 el Fl e( Capa e Projeto Grafico: Awontia Custoote CIP-BRASIL. CATALOGAGAO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ 1681 Machado, Anna Rachel, 1943 “Trabalhos de pesquisa: dirios de leitura para a revisio bibliogrfica / Anna Rachel Machado (caordenacao), Eliane Gouvea Louseda, Lie Santos Abreu- Tatdelli,- S80 Paulo: Pardbola Editorial, 2007 (Leitura e pradugBo de textos técnieos e académicos : 4) Anexos Inclui bibliografia ISBN 976-85-88456- 69-3, 1. Pesquisa - Metodologla. 2. Biblografia-Metodologia.3.Relat6rios-edacdo. 4 Letra. L Machado, Anna Rachel. I Lousada, Eliane. Il, Abreu-Tardel, Lie Santos. IV. Titulo: Diarios de letra para a revisdo bibliogréfica . Série. 07-0815 DD 0014 cou 0018 Direitos reservados 8 PARABOLA EDITORIAL ua Dr. Mario Vicente, 394 - Ipiranga (04270-000 Sao Paulo, SP ppabx: [11] 5061-9262 | Fax: [11] 5061-8075 | Fax: [11] 2589-9263 home page: www.parabolzeditorial.com.br e-mail: parabola@parabolaeditorialcom.br dos os direitos reservados. Nenfiuma parte desta obra pode ser reprodi= 2ida ou trensmiida por qualquer forma e/ou quaiseuer melos (elev@nico ou tmectnca,incluindo fotocépiaegr2vo¢80) ou arquivada eam qualquer sistema cu banco de dados sem permisso por escito da Parsboa Elta Lda ISBN: 978-85-88456-69-3 VF edigdo ~ 6° reimpressdo: fevereiro de 2023 © do texto: Anna Rachel Machado, Eliane Lousade, Lila Santos Abreu-Tardelli © da edicdo: Pardbola Editorial, Sao Paulo, SP, maio de 2007 SEGAO 17 Para compreender melhor o género didrio de leitura 1. Um pouco DE TEORIA ara introduzir nossos pressupostos sobre a questio da leitura e, conse- quentemente, compreender melhor o que consideramos ser um diério de leitura, nada melhor que nos voltarmos para a distingdio que Bakhtin/ Voloshinov (1929/1981) estabelecem entre o que denominam de uma “compreensio passiva” e uma “compreensio ativa”. A primeira seria aquela que nao implica uma resposta do sujeito, enquanto a segunda, a ativa, seria uma verdadeira forma de didlogo em que, como leitores, nao somos simplesmente receptores de informagdes, mas agentes dialégicos ¢ criativos, que, a cada palavra que buscamos compreender, respondemos com uma série de nossas préprias palavras. Considerando essa distingZo, podemos elaborar uma primeira definigao do difitio de Ieitura como um texto que vai sendo produzido por um leitor, normalmente em primeira pessoa, enquanto vai lendo outro texto, tendo como objetivo maior o estabelecimento de um didlogo, de uma “conversa” com o autor do texto lido, de forma reflexiva © que fazemos ao conversar com alguém? Podemos desenvolver imimeros atos de Hinguagem. Dentre eles, podemos enumerar os seguintes: = manifestar nossa compreensao ou incompreensio sobre 0 que nosso interlocutor nos dias = sintetizar ou fazer pardfrases para confirmar nossa compreensio; = pedir esclarecimentos ou fazer perguntas, quando nao compreendemos alguma palavra, algum trecho ou 0 contetido global do que é dito; = pedir que nosso interlocutor justifique ou exemplifique alguma afirmagao que faz; ™ concordar ou discordar com determinada posigio que ele toma sobre um tema qualquer; ‘TRABALHOS DE PESQUISA: DIARIOS DE LEITURA PARAA REVISAO BIBLIOGRAFICA 109 = acrescentar argumentos favoraveis & posigao de nosso interlocutor; m= apresentar argumentos contrarios a ela; = dar exemplos sobre 0 que ele afirma; = emitir nossa avaliago — positiva ou negativa — sobre o que 0 interlocutor nos diz ou sobre a forma como nos diz: se é verdadeiro ou nfo, se esti bem expresso, claro, interessante ete.s = expressar nossas reagdes e emogoes sobre o que ele diz; a relacionar 0 que é dito a alguma experiéncia pessoal nossa ou de outras pessoas gue conhecemos; a relacionar 0 que nos é dito ao que ouvimos ou lemos em outros lugares, a misicas gue ouvimos, a pegas de teatro e filmes a que assistimos, 4 pesquisa ou ao trabalho que pot acaso estivermos desenvolvendo; = etc. So exatamente todos esses atos — e muitos outros — que podemos, ao ler um texto, registrar por escrito em um didrio de leituras, tal como podemos ver no exemplo a seguir, que é parte de um difrio de leitura produzido por uma professora sobre as paginas de abertura do livro Filosofia da eiéncia, de Ruibem Alves, quando preparava uma aula sobre ele. Nome da diarista, 29/11/1999. Loma Mieco (om OK. Gosto do subtitulo, porque j& aponta para o jogo, para 0 acaso, para o social, para as regras que se devem cumprir. conforme diz a Margarida? Da pra nao ser reducionista? Tem-se sempre de enfocar todos 0s aspectos da realidade, que nfo se explica por um Unico fator? Problema da ciéncia, problema da compreensao da vida. Estamos sem- pre reduzindo, olhando apenas 0 lado que queremos ver, o lado que nos ensinaram a ver. Puxa! Esse livro saiu bem! Tenho a Agora, citacao de me sinto sempre imbeciloide diante da minha falta de cultura filoséfica. Da minha falta de meméria. Tenho corteza de que jé li qualquer coisa dele, mas s6 Deus sabe 0 qué. 790 ANNA RACHEL MACHADO | ELIANE LOUSADA | LILIA SANTOS ABREU-TARDELLI Observemos alguns dos atos que a diarista desenvolveu e registrou por escrito, a partir do texto lido: @) Em telagdo ao titulo: menciona-o, avalia-o subjetivamente e justifica a avaliagdo. b) Em relagdo ao nome do autor: expressa avaliacdes positivas que jé tem sobre ele, menciona uma avaliagao contraria & sua, questiona essa posigo contraria, formula uma justificativa pessoal para nao aceité-la. ©) Em telagio ao miimero da edigio: expressa uma reagio de espanto diante do niimeto grande de edigées e retira uma conclusio sobre o fato de que é um livro bem vendido. 4) Em relagao ao nome do responsavel pela ilustrago ¢ capa: expressa reagdo de espanto diante do nome do responsdvel (ou considera-o engracado). ©) Emrelagio & epigrafe (citagio de Kierkegard capacidades; interpreta, com um pouco de diivida, o sentido da citagdo em relacio confessa falhas em sua formagio e 1. As palavras ou os trechos do texto de Rubem Alves esto em destaque, enquanto a parte mais clara do texto indica os atos desenvolvidos pela diarista, TRABALHOS DE PESQUISA: DIARIOS DE LEITURA PARAAREVISAO BIBLIOGRAFICA 117. a0 contexto em que se encontra, prevé uma posssivel dificuldade dos alunos e projeta uma atividade possivel de leitura, relacionando epfgrafes e textos. f) Segunda epigrafe: interpreta a ironia da epigrafe, mas sem certeza, expande a interpretagdo do texto para fazer avaliagio pessoal sobre os cientistas, incluindo- ~se nesse grupo. g) Dedicatéria: levanta uma possivel interpretago para ela. h) indice: compara o indice do livro a outros que conhece, faz, uma andlise seman- tica dos titulos e aponta uma possivel dificuldade de serem relacionados ao con- tetido que prevé ser central no livro. Seré que um aluno, ao interpretar textos em atividades tradicionais de ensino de leitura, seria capaz de fazer tudo isso? 2. DIARIO DE LEITURA X EXERCICIOS DE INTERPRETACAO DE TEXTOS Acreditamos que 0 exemplo dado ilustra bem a diferenga dos didtios de leitara, quando comparados a resumos ou a respostas de questionétios de interpretagao de textos dos livros didaticos. Por mais esforgos que seus elaboradores fagam, esses exercicios acabam por veicular uma concepsio errénea sobre 0 que ver a ser 0 sentido de um texto ¢ sobre 0 proceso de compreensio, isto é, a ideia de que cada texto tem um sentido em si mesmo, tinico e imutavel, sentido esse que é aquele que © professor ou o livro didatico determinam como sendo o “real” sentido do texto. ‘Ao aluno, portanto, caberia apenas seguir as instruges que lhe so dadas para poder “recuperar” esse sentido, que seria 0 “bom” e o “correto”., Ao mesmo tempo e até por consequéncia disso, observa-se que, geralmente, nas discusses dos textos em sala de aula, dificilmente os estudantes se expressam por stia propria iniciativa, que quase nunca fazem avaliagdes sobre o que lem de forma pessoal e justificada; que sacralizam o escrito, nao ousando criticar um texto, mesmo quando mal organizado ou com argumentagio inconsistente, ¢ que n&o encontram espagos para que suas diferentes interpretagées, suas dificuldades e suas reagdes pes- soais venham & tona e a discussao. Ontra consequéncia dessa forma de se “ensinar a ler” é que a construgao de conhe- cimentos das diferentes disciplinas, mesmo de uma mesma Area, acaba se fazendo de WIZ ANNA RACHEL MACHADO | ELIANE LOUSADA | LILIA SANTOS ABREU-TARDELLI forma compartimentalizada, dado que os alunos nao sto incentivados diariamente, no decorrer de toda a sua vida escolar, a estabelecer relagies eles, entre o que leem ¢ os conhecimentos que ja tém, entre o que leem e suas proprias experiéneias. Dessa forma, estabelece-se um divércio inevitavel entre as diferentes disciplinas, entre a escola e a vida. Mas seria a produgao dos didrios de leitura um instrumento favordvel para modificar essa situaco? Para responder a esta pergunta, enfocatemos, em primeiro lugar, a questo da produgio de didrios em geral (diétios intimos, dirios de pesquisa, didrios de aprendizagem, didrios de leitura etc.), para depois abordar a questio da utilizagao do didrio de leituras em particular. 3. A ESCRITA DIARISTA: UM BREVE HISTORICO E SEUS BENEFICIOS Um forte argumento para incentivar a producio de diarios 6 a constatagao de que ela € uma pritica social desenvolvida ha séculos (mesmo havendo algumas diferengas entre o que se fazia antes ¢ 0 que se faz agora), o que nos leva, pelo menos, a nos indagar sobre os motivos que levaram tantos escritores, pensadores e pesquisadores a manter didrios de algum tipo e a defender sua producio. Prova da permanéncia dessa prética de leitura e escrita é facilmente encontrada, se buscarmos biografias ou autobiografias de grandes nomes, quando veremos que é raro encontrar algum deles que nio tenha se dedicado a esse tipo de escrita e/ou que nao a recomende. Che Guevara, Wittgenstein, Anais Ninn, Virginia Woolf, Elias Canetti, Gide, Green, Goux, Morin, Bernoux, Freud, Ferenczi, Mauss, Malinowski, Leiris, Mead, Condominas, Susan Sontag sto alguns dos exemplos mais conhecidos. Segundo varios desses autores, as fungbes da escrita diarista e os beneficios que ela traz so intimeras. Com ela, de acordo com suas reflexdes, eles podem: a descobrir seus proprios pensamentos ¢ aprofundé-los, como uma forma de pesqui- sa interna; = avaliar, questionar, buscar justificativas para eles; ter um conhecimento mais aprofundado de si mesmos; m= exercer uma constante autoavaliagio e autocritica sobre suas agdes e sobre os trabalhos em desenvolvimento; a construir uma espécie de “reservat6rio de textos”, que pode ser titil para trabalhos fururos; TRABALHOS DE PESQUISA: DIARIOS DE LEITURA PARAA REVISAO BIBLIOGRAFICA 1113 = deixar uma relacio escrita dos acontecimentos que viveram, um documento, um registro da meméria dirigido as geragGes fururas, ou como documento de vida, on como modelo do processo de construgao de uma obra um exercicio de escrita; = exercitarem-se na escrita etc. JAnna atividade cientifica de pesquisa, especialmente nas ciéncias humanas, a produ- gio de didrios tem sido também bastante incentivada, atribuindo-se a ela intimeras fungdes, como as de permitir a0 pesquisador: = identificar as nogbes pré-tedricas que influenciam sua pesquisa; = desenvolver uma autocritica constante em relagiio a seu desenvolvimento, a suas fases, a sua metodologia; = identificar claramente a interferéncia que sua subjetividade exerce sobre ela, para poder fazer uma discusso critica, analisando as atividades desenvolvidas e bus- cando nao ser dogmitico e ideolégico; = trazer & luz os caminhos da pesquisa, suas dividas e seus problemas, as relagdes sociais que estabelece com os participantes da pesquisa, enfim, todo o tortioso trabalho de criagi mete. J nas pesquisas das ciéneias da educagao ou da linguistica aplicada, a escrita diarista tem sido continuamente valorizada, considerando-se que ela é extremamente itil para os pesquisadores, para os alunos e individuos em processo de formagio profis- sional e para professores em exercicio. Portanto, néo s6 como instrumento de pesqui- sa, mas também como instrumento de ensino ¢ aprendizagem. Por exemplo, pesquisas em que se utilizou a produgdo de didrios de aprendizagem por alunos apontam imtimeros beneficios dela decorrentes, tanto para o professor quanto para o aluno. Dentre elas: = a possibilidade de serem mais facilmente detectadas as dificuldades individuais de cada aluno, 0 estado real de seus conhecimentos, 0 que permite que eles sejam auniliados de forma mais consistente e que o curso seja reestruturado, de acordo com suas reais necessidades; = 0 desenvolvimento de um aprendizado auténomo, que encoraja os alunos a assumirem responsabilidade diante de seu proprio aptendizado e a desenvolverem suas proprias ideias; = aumento da confianga dos alunos em sua capacidade de aprender e, finalmente, uma discuss%io mais produtiva na sala de aula; 44 ANNA RACHEL MACHADO | ELIANE LOUSADA | LILIA SANTOS ABREU-TARDELLI = o desenvolvimento de um espitito critico derivado da responsabilidade e da con- fianga finalmente desenvolvidas e, em consequéncia, uma discussio de ideias muito mais produtiva em sala de aula do que com os exercicios tradicionais. Muitas das vantagens ¢ beneficios da produgio de diérios em geral aqui elencados podem ser postulados também para a produgio de diftios de leitura, 0 que nossas pesquisas ¢ de outros pesquisadores jé evidenciaram de forma mais do que suficiente?. Por isso, vamos nos limitar aqui a expor apenas alguns argumentos fortes que os gregos (j4 naquela épocal) levantavam para incentivar a associagdo da leitura a escrita de reflexes sobre o que liam. Entre eles, enquanto a leitura era concebida como uma pratica essencial para se buscar no outro os prinefpios para guiar as proprias agdes, a escrita seria a forma mais adequada para se apropriarem do que liam. Para o latino Séneca, por exemplo, a leitura, sem a escrita, levaria a dispersio do sujeito, enquanto a escrita permitiria a apropriacao ou a unificagio de ideias heterogéneas. Assim, a escrita sobre a leitura permitiria a “digestdo”, a incorporagao no sujeito — de forma unificada e transfor- mada — daquilo que fora lido, constituindo-se, dessa forma, em um principio de agio racional. O jogo entre as diferentes leituras escolhidas ¢ a escrita permitiria a formagao da prépria identidade, na qual as diferentes vozes que a constitufram podetiam encontrar uma certa unidade. 4. O CONTEXTO DE PRODUGAO DE DIARIOS E SUA INFLUENCIA SOBRE A FORMA E OS CONTEUDOS DOS TEXTOS PRODUZIDOS Para enfocar as caracteristicas dos diarios de leitura, vejamos como podemos descre- ver 0 contexto de produc%o em que os didtios em geral normalmente se desenvol- vem, contexto que influi diretamente sobre a forma (em sentido amplo, envolvendo aspectos enunciativos, organizacionais, coesivos etc.) que os textos assumem e sobre os conteiidos que neles so mobilizados. Inicialmente, podemos dizer que temos um produtor que, fora das instituiges, da vida publica, periédica ou cotidianamente, escreve, em primeiro lugar, para si mes- 2. © Ieitor interessado encontra algumas indieagdes mais especificas na bibliografia final. TRABALHOS DE PESQUISA: DIARIOS DE LEITURA PARA A REVISAO BIBLIOGRAFICA 15 ‘mo, com objetivos que podem ser miltiplos, as vezes no conscientes, que variam de situago para situagao, de individuo para individuo, objetivos que nao sio predeter- minados pelo préprio género. Ao examinar mais minuciosamente essas caracteristicas, podemos dizer que, ja que a produgio do diario no se desenvolve na vida pablica, ela sofre menores restrigdes, havendo uma relativa liberdade para o produtor assumir diferentes papéis. Assim, em relagio as unidades enunciativas, 0 produtor normalmente escolhe integrar ao texto referencias explicitas a si mesmo, com o uso de unidades da primeira pessoa do singular, a0 espago e ao tempo de produgio. Entretanto, no so raros os fragmentos ou os digrios inteiros em que o produtor apaga essas marcas, utilizando a terceira pessoa. Quanto ao destinatério, no havendo, como regra, um receptor real efetivamente presente, ou mesmo ausente, que interfira diretamente no enunciado, os didrios apresentam poucas unidades de segunda pessoa. Entretanto, também em relagao a essa questo, pode haver uma variagio, pois o produtor pode criar um destinatario ideal ou ficticio situado no papel de confidente ou de alguém que 0 compreende total- mente, diante do qual nao precisa manter nenhum segredo. Nao havendo um destinatério empirico, o produtor também esté mais livre em relaco as representagdes sobre esse destinatario do que nas situagdes institucionais, Pela mesma raztio, ele nao se vé obrigado a manter uma imagem de alguém que tem certeza sobre tudo o que afirma. Ao contrario, ele frequentemente expressa sua incer- teza sobre o que afirma, seus questionamentos, sua dificuldade diante de determinada questo ou de um texto, como se deixasse seu pensamento fluir livremente, mostran- do claramente as miiltiplas vozes que 0 atravessam. isso que faz com que os didtios estejam repletos de frases interrogativas e de modalizadores de diivida. Como o difrio de leitura € um produto que nio se dirige a um destinatério empitico, seu produtor pode no assumir as responsabilidades inerentes a produg&o de um texto, no efetuando reorganizagdes, remanejamentos, niio The dando uma organizagio glo- bal e sem marcas de relagdes explicitas de coesio e de conexto entre seus segmentos, © que pode deixar o texto com um aspecto fragmentado de um texto em processo e no de um produto acabado, mesmo quando produzido por grandes escritores, Quanto aos contetidos possiveis, a variedade também é a regra. Mesmo assim, po- demos afirmar que o que predomina é 0 universo da experiéncia pessoal, incluindo- ~se ages, sentimentos, sensagdes e reflexes relacionadas a essas experiéncias. JA no 18 ANNA RACHEL MACHADO | ELIANE LOUSADA | LiLIA SANTOS ABREU-TARDELLI didrio de leitura, evidentemente, os contetidos expressos telacionam-se, de uma maneira ou de outra, a experiéncia com o texto lido, mas isso nao quer dizer que eles no possam trazer outros contetidos, pois podem incorporar digressdes do produtor despertadas exatamente pelo que o texto nele provoca. 5. Como UTILIZAR OS DIARIOS EM SALA DE AULA Feitas essas consideragdes mais gerais, é necessario que nos detenhamos agora sobre © modo de utilizagio de didrios em sala de aula, cuja produgao, como em qualquer transposig&io de uma prética de linguagem para a sala de aula, seré um pouco dife- rente, na medida em que ha sempre, em qualquer ensino de género, um objetivo maior de ensinar-aprender, que altera o objetivo especifico do género em foco. Nesse caso, por exemplo, 0 aluno nao vai comecar 0 seu didrio espontaneamente, como os autores diaristas 0 fazem, mas levados pelas instrugdes do professor. Outra questo fundamental é que nfo podemos ensinar um género se nao estivermos convictos de seus efeitos e beneficios e sem que o dominemos. Assim, antes de adotar essa nova forma de ensino de leitura, € necessdrio que o professor que nunca produzin uum texto desse tipo reserve alguns minutos do seu dia para experimentélo, da forma como sugerimos, antes de trabalhar com os alunos, observando se realmente se altera a sua forma de ler e em que se altera, para poder ter a certeza de que vale a pena. Em prinefpio, é fundamental que tenhamos em mente uma afirmagao de Lourau (1988), especialista no estudo de didrios de pesquisa, para quem os dirios (em geral) nao oferecem nenhum modelo preestabelecido, podendo eles ser bastante diferentes entre si. Entreranto, hé uma primeira e mais importante orientacdo que devemos dar aos alunos, que éa explicitaciio do objetivo da produgao dos didios de leitura. Assim, é necess4rio que, logo no inicio, expliquemos esse objetivo, deixando claro que é 0 de estabelecerem um verdadeizo didlogo com 0 autor e uma reflexio critica e aurénoma sobre o que esta sendo lido. Desse modo, torna-se necessario levar o aluno a compreender em que consiste esse didlogo. Para isso, acreditamos ter fornecido material suficiente para os professores, nas atividades propostas e nas segdes anteriores deste texto. Ao lado do objetivo maior que apontamos, 0 professor pode acrescentar outros objetivos que queira atingir, como, por exemplo, levar os alunos a uma reflexdo inicial sobre um texto para a produgdo de artigos de opini&o ou de resenhas (ver TRABALHOS DE PESQUISA: DIARIOS DE LEITURA PARA A REVISAO BIBLIOGRAFICA SRB nosso livro Resenha, dessa mesma colegio). & também necessério que 0 aluno com- preenda que, para chegar & producio do diério de leitura de forma auténoma, ha uma série de atividades propostas que os levarao, passo a passo, a desenvolver diferentes operagdes desejaveis na leitura de um texto. Assim, paulatinamente, dividindo-se a tarefa global em pequenas tarefas, o aluno ira recebendo instrugdes para as diferentes atividades, pelas quais podera ir dominando as capacidades de: m expor suas diividas; = posicionar-se diante do que 1é; m relacionar texto e experigncias de vida; m relacionar o texto com outros textos; mete. Ao final, espera-se que ele possa, sozinho, integrar essas atividades separadas na ativi- dade mais global, escolhendo a atividade que julgar mais adequada para cada trecho do texto. Por exemplo, em algum momento da leitura, poderd expor diividas; em outro, estabelecer relagdes entre textos e assim por diante, conforme julgar necessatio. Consideramos ainda que uma palavra a mais deve ser dita a respeito dos papéis que professor e alunos desempenharao com a utilizagao da produgao de didtios em sala de aula, Sendo absolutamente necessario criar condigdes para que os alunos consi- gam expor sua compreensio e suas dificuldades mais livremente do que é habitual nas tarefas escolares tradicionais, é preciso que compreendam que estarao diante de uma situacdo diferente, em que os papéis tradicionais de professor ¢ aluno estarao, de algum modo, modificados. Assim, 0 professor deve deixar claro que nao vai assumir © papel de avaliador ou de censor do que escreverem, comprometendo-se ¢ respei- tando 0 compromisso de respeitar tudo 0 que os alunos escreverem, sem censuras, colocando-se no papel de mais um leitor do texto lido, como mais um membro de uma comunidade leitora, Dessa forma, os alunos poderao deixar de lado a preocu- pacéo com a avaliacio do professor, com a resposta “certa” ou com o “responder 0 que o professor quer que seja respondido”. Caso 0 professor ainda tenha o objetivo de servir-se da producao do didrio para desenvolver capacidades de produgio, os alunos podem ser orientados a fazer uma revisio de seus didtios, a fim de tornd-los piblicos. Nessa revisio, eles podertio omitir 0 que nfo querem tornar piblico ¢/ou transformar o didrio inicial em um 448 ANNA RACHEL MACHADO | ELIANE LOUSADA | LILIA SANTOS ABREU-TARDELLI texto de género pitblico, em uma unidade comunicativa que apresente coeréncia se- mantica e pragmtica, correcao gramatical, adequagio 20 piiblico etc. Nesse caso, © diario inicial pode servir como ponto de partida para a elaboracdo de textos Pertencentes a outros géneros, como por exemplo, de artigos de opiniio ou de uma resenha critica. De forma coerente com 0 compromisso assumido pelo professor, para a avaliagao, © principio basico é o de que os didrios — na sua versio primeira — jamais devem ser lidos sem 0 consentimento do aluno, corrigidos ou avaliados com notas e conceitos Pelos professores. [sso tiraria a condicio necesséria e essencial para sua produgao, que €a de permitir que, em um primeiro momento, os alunos se exponham livremente © que no fiquem preocupados com as avaliagées tradicionais do professor. Isso nilo quer dizer que o professor no possa pedir os difrios para lélos, tendo por Principio que vai consideré-los, de fato, como textos significativos e singulares aos uais vai reagir como diante de um outro texto qualquer, expressando sua compreensiio responsiva ativa de um autor com quem pode concordar ou discordar, fazer perguntas, isto 6, realizando as operagdes que apontamos como sendo tipicas de uma conversa, Mas, mesmo assim, os alunos devem ser livres para entregar 0 dirio completo ou retirar alguma parte que nfo queiram que venha a piblico ¢ muito menos seja entregue a leitura do professor. Se necessarios, os conceitos e notas poderao ser atribuidos a produtos outros derivados da produgio e da discussio dos diérios, como por exemplo, a uma produgio reelaborada dos diarios para virem a piblico, com as modificagBes ¢ corregdes necessérias, com as omissdes desejadas, ou a pro- dugio de um texto de outro género, para o qual 0 didrio seja um subsidio, Alem disso, consideramos que, tanto quanto a produgio individual dos didrios, 6 da méxima importincia que haja uma discussao bem orientada entre todos os parti- cipantes sobre os didtios produzidos, inclusive com a participagio ativa do professor. A condugao dessa cliscussao de forma adequada é fundamental, pois serd determinante Para 0 sucesso ou o fracasso de uma experiéncia didética com o didtio e para o desenvolvimento dos alunos. Para se preparar para ela, o professor também deve Produzir seu didtio sobre o texto lido, da mesma forma que orientou os alunos para produzi-lo, e professor e alunos selecionam trechos com observagdes ou problemas que gostariam de discutir com todos. Dessa forma, preserva-se 0 carditer privado e livre da escrita diarista inicial, nao se obrigando o aluno a expor publicamente 0 que ndo gostaria de expor, TRABALHOS DE PESQUI: IARIOS DE LEITURA PARA A REVISAO BIBLIOGRAFICA [#45 © professor deve incitar todos os alunos a se expressarem, assim como a ouvirem atentamente e discutirem com os colegas. Em suas intervengdes, sempre deixando de lado a postura de quem “sabe a boa interpretagio”, deve dar énfase aos problemas de compreensio encontrados por alguns, as solugdes desses problemas encontradas por outros, as posigdes contrarias as do autor e as suas justificativas; &s posigdes diver- gentes entre 03 alunos; as diferentes telagdes estabelecidas entre 0 texto e outros textos, assim como entre o texto e experiéncias de vida dos alunos. Organizando a discussio, ele vai estabelecendo relagdes entre as diferentes interpretagbes, diferenci- ando-as ou aproximando-as; vai retomando-as e generalizando-as a partir dos exem- plos particulares que vao surgindo e de acordo com os objetivos que quer atingir em relagao a cada texto lido, Finalmente, nossa experiencia didatica nos diz que é preciso tera coragem de enfren- tar situagdes em sala de aula, quando realmente se envolyem com a producao de diérios de leitura, em que muitos dos conhecimentos ¢ muitas das relagdes que estabelecem entre 0 que lem e outros objetos culturais por eles conhecidos, nao sto por nés dominados e que muitas das questées que formulam nao temos condigdes de responder. As vezes, é outro aluno que poderd trazer a resposta ¢ os esclarecimen- tos necessarios. As vezes, uma pesquisa posterior se fard necessaria para atender as solicitagSes. Assim, teremos a coragem de deixar nosso papel de detentores de um saber total. A coragem de, realmente, constrair conhecimentos conjuntamente. A coragem de deixar que o aluno se constitua como um leitor auténomo ¢ critico, como um ator social que assume ¢ defende sua propria voz. Anna Racuet Macnapo. WO ANNA RACHEL MACHADO | ELIANE LOUSADA | LILIA SANTOS ABREU-TARDELLI CMe ene eae 0c Peaeaco UMcM ol cere Ovo oTo1 A621 cO ea ANN PULA eked csc) AGIOS tem como objetivo estabelecer um diélogo, uma “conversa” com 0 eutor do texto que esta Sendo lida — 6 um novo instrumento pedagégico, capaz de desoertar 0 posicionamento (ols ieeitelehs alunos e de enriquecer 0 debate com os professores em sala de aula. Trabalhos de pesquisa — Diérios de leitura para a revisao foliosiovsiclileay col veleme nese e(e) diario de leitura como um instrumento por meio do qual se pode Pigencentle clare eet qualquer tipo de texto e praduzir reflexoes e impressGes escritas. [blet oro We -MunlUlcorcwelae Meco o1-<5° [0] canceled Poles itecI yore ose Kms elgsiclU ses] WIglera-earA Chet esto convictas de que 0 diario de leitura canstitui um novo espaco ce dialogo com 0 texto, um espaco totalmente privado, onde o diarista pode adotar uma linguager informal ¢ se posicionar livremente. O professor, por sua vez, para langar mao desse instrumento de reflexao e de ensino, devera possibilitar a construgao de um espaco de discussdo das impress6es registradas nos didrios flees Nigro ss Por meio deles, padem-se desenvolver intimeros atos de linguagem: + manifestar compreensao ou incompreensao sobre 0 que o texio lido diz; esse nierccum ee lie Sas ec Kee Meni clme Olu PMCee CO * pedir esclarecimentos ou fazer perguntas, quando nao se compreendem alguma palavra, algum trecho ou 0 contelido global do que é dito; pedir que 0 interlocutor justifique ou exemplifique elguma afirmacao; concordar ou discordar com determinada posicao; * actescentar argumentos favoraveis 4 posicao co iTaiteyi e160) Cogs + apresentar argumentos contrarios a ela, dar exemplos sobre 0 que ele afirma; Ered reel te s(obean oes =e. aI=)= 10) cee) OK (0 -Ae) interlocutor diz ou sobre a forma foelueke rs expressar reacdes e emacdes; relacionar o que é dito a alguma experiencia pessoal; = Gite FONSI cencoe Oster Serta os YoUL fo eee 196 IMO Mee Oy (aisuels Por escrito em um diario de lettura: Sera que um aluno, ao interpretar textos em atividades tradicionals de ensino de leitura, seria capaz de fazer tudo isso? hl

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