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International Biocentric Foundation

Escola de Biodanza Rio de Janeiro

“SOB O OLHAR REPOUSA O


INFINITO E O MOVIMENTO DO UNIVERSO”
MARCOS SANTAROSSA

Monografia apresentada à Escola de


Biodanza Rio de Janeiro como requisito
parcial para a obtenção do título de
Facilitador de Biodanza.

Orientadora:
Erika Mendel Ferreira
Facilitadora Didata pela IBF
Registro IBF .RIOB 1201

26 de Fevereiro de 2016

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Obra Síntese apresentada à Escola de Biodanza Rio de Janeiro e aprovada pela
comissão julgadora formada pelos didatas:

_____________________________________________
Orientadora: Erika Mendel Ferreira
Facilitadora Didata de Biodanza pela International Biocentric Foundation
Registro IBF .RIOB 1201

_____________________________________________
xxxxxxxxxxxx
Facilitadora Didata de Biodanza pela International Biocentric Foundation
Reg. xxxxxxxxxxx

Visto e permitido a impressão

Rio de Janeiro, 26 de Fevereiro de 2016.

__________________________________________
Andrea Zattar
Diretora Escola de Biodanza Rio de Janeiro
International Biocentric Foundation
Reg. RJ, nº 132

__________________________________________
Danielle Tavares
Diretora Escola de Biodanza Rio de Janeiro
International Biocentric Foundation
Reg. RJ, nº 134

2
“ Sob o olhar repousa o infinito e o movimento do
Universo”

Sob o olhar do infinito


Eu me desnudo e me recrio.
Olho o outro e me olho
No olhar biocêntrico, observando a mim no infinito do eu,
No olhar fascinado buscando a força do infinito.
Sou o movimento constante do Universo,
Insondável,
Percebido em mim.

Sou o olhar do pássaro voando em bando.


Sou a flor exalando seu cheiro natural
Sou o mar debruçando-se na areia
E aquela nuvem de cor púrpura.
Me vejo, me olho
Para olhar além.
Olhar sendo parte do todo.
Olhar só olhar.
Olhar sem véu, sem mistério
Guiado pela força do Universo
Em seu movimento constante.

Olhar e perceber a energia imperceptível,


Pulsante, inquieta.
Olhar a manifestação de vida
Em todo espaço e a qualquer momento.
Sou o olhar fascinado e inocente
Que se percebe e sente
Na certeza do amanhã
No imponderável da vida.
Sob o olhar repousa o infinito e o movimento do Universo
Unindo-se ao meu verso
Sentindo a maravilhosa sensação de estar vivo
Participando da existência
Pura em sua essência
Expressão maior da vida

Marcos Santarossa

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ÍNDICE
AGRADECIMENTOS ..................................................................... 06

INTRODUÇÃO .............................................................................. 08

CAPITULO 1 : BIODANZA E OLHAR


1.1. Conceitos Fundamentais ................................................... 10
1.1.1. Conceito de Biodanza ............................................... 10
1.1.2. Principio Biocêntrico .................................................. 12
1.2. O Olhar e Biodanza .............................................................. 15
1.2.1. Fisiologia do Olhar .................................................... 15
1.2.2. Identidade e o Olhar ................................................ 18
1.2.3. Estadio de Espelho de Lacan ................................... 20
1.2.4. Vinculo através do Olhar ........................................... 25
1.2.5. Mito de Narciso ......................................................... 26
1.3. Olhar e o Modelo Teórico de Biodanza .............................. 27
1.3.1. Modelo teórico .......................................................... 29
1.3.2. O Olhar no Modelo Teórico ...................................... 31
1.3.3. Exercícios de Olhares em Biodanza ........................ 33
1.4. O Olhar Biocêntrico - A poética do Olhar ........................... 34

CAPÍTULO 2: O PROJETO RIO-ABRACE


2.1. Biodanza e Ação Social ..................................................... 40
2.2. Parceria com a Rio-Abrace ............................................. 42
2.3. Apresentação do Projeto / Objetivos Específicos do Projeto ...... 44

CAPÍTULO 3: APLICAÇÃO DA BIODANZA NO PROJETO


3.1. O Trabalho na Associação Rio-Abrace …………………….... 45
3.2. O Grupo Regular – Características ………………………….... 46
3.3. O Programa …………………………………………………….... 47
3.4. Depoimentos ……………………………………………………… 50
3.5. Fotos ……………………………………………………................. 51

4
CONCLUSÃO ……………………………………………………………… 55

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................... 57

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais que me deram a vida e a oportunidade de estar


neste momento único, aqui e agora.

Agradeço a meu filho e minha nora que mesmo não conhecendo a Biodanza
constataram a transformação que em mim houve no caminho que me permiti
enxergar.

Agradeço a meu grupo de formação, a Turma VIII que me proporcionou


muitos momentos lindos e vivencias marcantes e inesquecíveis dando a certeza do
novo caminho a trilhar.

Agradeço a meu grupo regular de terça-feira e o de quinta-feira ao qual passei


a frequentar ao viver muitas emoções e alegrias.

Agradeço a meus amigos queridos, a todos que trilham esse caminho da


Biodanza, e que fazem parte da minha história.

Agradeço a todos participes do meu caminho por onde passei nas maratonas,
congressos, cursos e vivencias de Biodanza.

Agradeço as minhas diretoras da Escola de Biodanza com quem eu iniciei


essa trajetória e que me acompanham desde então: Danielle Tavares e
AndreaZattar.

Agradeço as minhas supervisora e orientadora, Irene Fagim e Erika Mendel


que sem elas, com sua dedicação e apoio, não estaria aqui neste momento.

Agradeço a Sanclair Lemos que me ensinou a enxergar o que é simples e o


desapego as coisas e principalmente a enxergar o sagrado da vida.

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Agradeço a todos os presentes nesse momento solene e grandioso em minha
vida.
Agradeço ao Universo, que existe por existir a vida, me permitindo ser um
milagre, e estar aqui presente, reverenciando os meus ancestrais, antecedentes da
minha história.

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INTRODUÇÃO

A monografia que agora apresento é fruto de minhas vivencias acontecidas


desde 2006, em que passei a enxergar o olhar como o mistério que atemoriza as
pessoas e causam um sentimento de desconforto e por que não de angústia perante
a grandeza da vida.

Parte do que apreendi, e também vivenciei em minha dificuldade de


simplesmente olhar, era não enxergar nas pessoas uma continuação minha e ao
mesmo tempo não me enxergar na existência. Eu via mas não enxergava o que é
belo e me escondia na penumbra para não me perceber e me achar, e não me
achando, não olhava as pessoas e o Universo em sua magnitude.

Em minha desconexão eu não entendia que o belo é a vida, simplesmente a


vida, sem entendimento, perscrutações e análises.

Parte de mim agora eu me ver olhando a vida, magnífica em sua plenitude de


ser vida, sem véus, mistérios, censuras e julgamentos.

A vida é a manifestação maior da grandeza do Universo, que só existe por ela


existir, e meu olhar agora enxerga a beleza de sua expressão e o sagrado existente
em mim.

- O Inicio

Foram olhares distintos: o primeiro em minha infância quando através de um


buraco no portal do cinema em frente à casa em que morava, olhava maravilhado a
tela e suas imagens vivas e para mim emocionantes.

Passou-se o tempo e meu olhar se perdeu nas andanças pela vida, nas
experiências e caminhadas pelas quais passei.

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O meu olhar era restrito ao que não via de verdadeiro, pois não enxergava a
vida e é interessante assinalar o que me magnetizava era a tela de cinema de meus
tempos de criança, um olhar fascinado e inocente das muitas histórias que assisti.

Hoje, na minha história, o olhar é fascinado e inocente mas pela vida e toda a
sua manifestação grandiosa.

Ao conhecer a Biodanza o meu olhar tímido e escondido, aflorou no que é


belo e propiciou enxergar a beleza, a singularidade e a riqueza do ser humano me
reconhecendo nele.

O meu olhar hoje, é o olhar do simples, do encanto pela vida em sua


esplendorosa potência. Eu me enxergo no outro e me percebo fazendo parte do
cosmos.

O meu olhar, hoje, é do tamanho do Universo, eu me sentindo parte dele e


vice-versa, um espelho do outro.

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CAPITULO 1 : BIODANZA E OLHAR

1.1. Conceitos Fundamentais

1.1.1. Conceito de Biodanza

“Biodanza não é apenas uma forma saudável de liberação e saúde.


Sua ação constitui uma forma de ecologia humana baseada em uma
percepção da vida como experiência suprema”
Rolando Toro Araneda

“A Biodanza provém de uma meditação sobre a vida, ou, talvez,


Do desespero, do desejo de renascer de nossos gestos
Despedaçados, de nossa vazia e estéril estrutura de repressão.
Poderíamos dizer, com certeza: da nostalgia do amor. Mais que
Uma ciência, é uma poética do encontro humano, uma nova
Sensibilidade frente a existência”
Rolando Toro Araneda

A Biodanza é um sistema de plenitude, de integração afetiva, de expansão da


identidade cósmica e de educação saudável e expansiva através do resgate dos
instintos primordiais da espécie humana com o desenvolvimento das cinco linhas de
vivencia: vitalidade, sexualidade, criatividade, afetividade e transcendência.

É um sistema para fazer aflorar a parte maravilhosa que há em cada um.

A Biodanza é um sistema de integração humana, de renovação


orgânica, de reeducação afetiva e de reaprendizagem das funções
originárias da vida. Sua metodologia consiste em induzir vivencias
integradoras através da música, da dança e do movimento e
situações de encontro em grupo.
Definição clássica – Rolando Toro Araneda

“Biodanza é um sistema de aceleração de processos integrativos no


nível celular, metabólico, neuroendócrino, imunológico e existencial,
mediante ambiente enriquecido com musicas especificas,
movimentos integradores e caricias que deflagram vivencias”.
10
Definição cientifica calcada principalmente, na Biologia e
Fisiologia do sistema humano – Rolando Toro Araneda.

Em Biodanza o processo de integração se realiza mediante o estímulo da


função primordial de conexão com a vida, que permite a cada indivíduo integrar-se
consigo mesmo, resgatando a unidade psicofísica, com o semelhante restaurando o
vínculo originário com a espécie como totalidade biológica e com o Universo ao
resgatar o vínculo primordial que une o homem a natureza e em reconhecer-se parte
de uma totalidade maior, o cosmos.

A renovação orgânica se dá nas reações de adaptação as mais variadas


situações biológicas, se observando em casos de “rejuvenescimento” de pessoas
mais velhas provocado por uma transformação no estilo de vida, na recuperação do
equilíbrio funcional após algumas doenças e em casos de remissão espontânea do
câncer.

A renovação se dá como estímulo da homeostase no equilíbrio interno e de


redução de fatores de estresse.

“A homeostase é um mecanismo de autorregulação que permite ao


organismo manter-se em estado de equilíbrio dinâmico, não obstante
as oscilações das várias funções”.
Walter Cannon

A Biodanza se propõe a reeducar afetivamente o ser humano, mediante a


aplicação de seu método no âmbito da educação, sendo possível sua aplicação
desde os primeiros anos de vida.

A reaprendizagem das funções originárias da vida é resgatar os instintos que


são condutas inatas que não requerem aprendizagem e são expressões da
programação biológica da espécie humana, através de estímulos específicos com
finalidade de adaptação ao meio ambiente para a sobrevivência da espécie, comum
a todos os seres vivos. Associados a irracionalidade, os instintos possuem sabedoria

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biológica de saciedade em sua manifestação e nesta bipolaridade existe uma lógica
da vida para a adaptação das espécies em escala muito ampla.
A base orgânica que autorregula os instintos é constituída por uma estrutura
neuroendócrina de notável precisão o que os torna sem perigo, coerentes com o
impulso inato.

Através da música, da dança e de movimentos integrados induz-se a vivencia


que é o aqui-agora de estar consigo em comunhão com o outro e o Universo.

A Biodanza é a base de uma vida tonificante, instintiva, resgatando a


naturalidade e a identidade do ser humano.

1.1.2.Principio Biocêntrico

“O Princípio Biocêntrico tem como ponto de partida a vivencia de um


Universo organizado em função da vida”.
Rolando Toro Araneda

Quando se fala em Princípio Biocêntrico, se fala de vida gerando vida, não


dependente da vontade nem da intenção.

Os elementos, astros, plantas ou animais, incluindo o homem, existentes no


Universo são partes de um sistema vivente ampliado, onde as relações de
transformação matéria-energia são graus de integração da vida.

É o programa genético que se aperfeiçoa através dos tempos, é a inteligência


vital organizadora de tudo na ordem fisiológica de cada espécie seja animal ou
vegetal.

De Francisco Varela com a auto-organização dos seres vivos a Humberto


Maturana com a Autopoiese, se procura entender essa organização vivente com sua
transformação não programada que se aperfeiçoa através dos tempos.

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Nisso bem fala Sanclair Lemos que “em uma concepção biocêntrica o ser
humano é compreendido como um ser auto organizador que se renova por
autopoiésis na ação e na relação com o ato de viver sendo a autopoiésis um
processo de autocriação”.

“O ser humano é parte de uma totalidade viva e contém em si a


totalidade da vida. E a expressão de milhares de vínculos e relações
que se organizam no ato mesmo de viver”
Sanclair Lemos

O centro de tudo é a vida manifesta em todos os movimentos existentes no


Universo em constante evolução.

“A vida não é simplesmente a consequência de processos atômicos e


químicos, mas o programa implicado que guia a construção do
Universo”.
Rolando Toro Araneda

A abordagem epistemológica parte do vivente, o inicio de tudo.

É enfoque biocosmologico e não teológico, cosmológico ou antrópico.

Segundo Rolando Toro Araneda, criador da Biodanza, os elementos químicos


presentes no Universo fazem parte do processo biológico dos organismos vivos em
torno de 24, uns mais relevantes outros apresentando alguns traços.

Ele explica através do quadro a seguir que os seis elementos químicos


presentes nos organismos vivos também compõem a composição interestelar e a
parte volátil dos cometas apresentando semelhanças entre si podendo apoiar-se a
hipótese da origem extraterrestre das moléculas orgânicas vitais da vida.

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Composição Parte Volátil dos
Bactérias Mamíferos
Interestelar Cometas

Hidrogênio 63,00% 61,00% 55,0% 50,0%


Oxigênio 29,00% 26,00% 30,0% 31,0%
Carbono 6,40% 10,50% 13,0% 10,0%
Nitrogênio 1,40% 2,40% 1,0% 2,7%
Fósforo 0,12% 0,13% - -
Enxofre 0,06% 0,13% 0,8% 0,3%
Cálcio - 0,23% - -
Adaptado de A.H.Delsemme. "Les Cometes et L´origin de la Vie" L´Astronomie - 94-
393 - 1981

A partir das moléculas precursoras presentes no ambiente como o gás


carbônico, água e nitrogênio, os organismos assimilam as moléculas primordiais
transformando-as em proteínas, ácidos nucléicos, polissacarídeos e lipídios comuns
aos organismos vivos, desde as bactérias até ao homem.

A matéria viva replica estabelecendo um código genético, o DNA que está no


núcleo das células gerando os fatores hereditários.

Humberto Maturana e Francisco Varela realizaram estudos exaustivos sobre


a autonomia nos processos vitais, segundo os quais os seres vivos se caracterizam
pela capacidade de “produzir-se a si mesmos” continuamente, que Humberto
Maturana chamou “autopoiese”.

Assim a vida se auto-organiza gerando mais vida.

O Princípio Biocêntrico, formulado em 1970, se inspira no pensamento de que


o Universo se organiza em função da vida, que é essencial e a força que conduz
através de milhões de anos,a evolução do cosmos- Rolando Toro.

Podemos conceber o Universo como um gigantesco holograma vivo, um


“útero cósmico” que se nutre e respira com o amor dos elementos.

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O Princípio Biocêntrico restabelece a noção de sacralidade da vida, situando
o respeito pela vida como base das disciplinas e comportamentos humanos “in
totum”.

Ele se inspira em um Universo organizado pela vida para reformular os


valores culturais que não tenham como referencial a vida.

Podemos dizer: o Bem preserva a vida, favorece-a,conduzindo-a a sua


expressão máxima e o Mal procura aniquilá-la, impondo barreiras ao seu
florescimento.

O Universo reverbera o que a vida determina atuando em todos os espaços e


esferas como uma força insondável e misteriosa, sobretudo simples e maravilhosa.

1.2. O Olhar e Biodanza

1.2.1. Fisiologia do Olhar

O nosso olho que faz parte de nossa corporeidade é um pequeno órgão que
pesa aproximadamente 7,5 g mas que tem a capacidade de ver não só o foco
detectado como também os ângulos ao seu redor.

Sua capacidade de enxergar o sol que se encontra a 150 milhões de


quilômetros da terra é um dispositivo ótico formado por diversas estruturas que
convergem os raios luminosos sobre a retina, fazendo surgir a imagem.

O olho possui autofoco, favorecido por um mecanismo natural que possui


duas lentes principais- a córnea e o cristalino – responsáveis pela convergência dos
raios luminosos provenientes do ambiente durante a sua travessia pelo olho.

A “córnea” formada por cinco camadas de tecido transparente e resistente, é


a primeira estrutura atingida pela luz, e sua camada mais externa, o epitélio, possui

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uma grande capacidade regenerativa, conferindo-lhe a capacidade de recuperação
rápida de lesões superficiais.

O “cristalino” é o órgão que ajusta na retina o foco da luz que vem através da
pupila. O funcionamento dessas lentes é que propicia a formação da imagem na
retina.

A retina é a membrana que preenche a parede interna em volta do olho e que


recebe a luz do cristalino, composta por fotorreceptores responsáveis pela
transformação da luz em impulsos elétricos, que o cérebro poderá interpretar como
imagens.

O “humor vítreo”, uma substancia gelatinosa composta por proteínas, ocupa o


espaço interno do globo ocular entre o cristalino e a retina por onde passa o feixe de
luz convergente que atravessa a pupila – abertura central da íris – por onde a luz
entra para alcançar o cristalino.

Os dois tipos de fotorreceptores encontrados na retina são os “cones”


sensíveis a intensidade e a cor responsáveis pela visão de luz intensa e os
“bastonetes” na parte periférica da retina responsáveis pela visão de pouca luz.

Com a variação da luminosidade mais extrema que na água, a sensibilidade


variável dos cones e bastonetes favoreceu a adaptação dos animais em sua
sobrevivência no novo habitat.

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O olho não funciona da mesma maneira em todos os animais.

Nos humanos – os olhos tipo câmera – apresentam uma estrutura onde os


fotorreceptores compartilham uma única lente que foca a luz e estão dispostos como
uma lamina, no caso a retina, que reveste a superfície interna da parede ocular
diferente dos olhos dos artrópodes(insetos, crustáceos e aracnídeos), que possuem
grande quantidade de unidades chamadas omatídeos com uma visão particionada
e bastante limitada, mas que percebe bem movimentos, são os – olhos compostos.

Os mamíferos também possuem olhos tipo câmera.

O fenômeno fisiológico de focalização automática da imagem sobre a retina é


chamado “acomodação”. A acomodação não depende só da capacidade elástica do
cristalino mas também de dois mecanismos auxiliares que são a “vigência dos olhos”
e a “variação do diâmetro pupilar”.

No primeiro acontece quando algo se aproxima do rosto e os olhos tendem a


centralizar seu foco sobre o objeto, incidindo sobre pontos equivalentes da retina.
Quando se afasta o objeto ocorre a divergência.

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No segundo é complexo tendo a pupila equivalente ao diafragma de uma
câmera fotográfica, possui o movimento de fechamento – miose – que é um conjunto
de músculos lisos composto por fibras circulares e o movimento de abertura –
midriase – formada por fibras radiais.

Quando a pupila se fecha, o feixe de luz se estreita tornando mais agudo o


cone de luz que vai em direção da retina. O nosso sistema visual percebe menos as
variações de posição da imagem em relação ao plano focal da retina, resultando um
foco maior mais profundo, quando o cone de luz é mais agudo. Cones de luz mais
abertos produzem menor profundidade de foco.

É importante salientar que os mecanismos elaborados que partem do cérebro,


resultam em imagens precisas focalizadas sobre a retina.

Para buscar o melhor foco, os olhos estão em constante movimento. Esse


fenômeno chamado de “músculos extraoculares” não só otimizam a percepção,
como são essenciais para que ela ocorra.

Os olhos, pequenos no tamanho físico mas grandiosos em seus mecanismos


de nos fazer ver, nos proporcionam a luz que se irradia por todos os ângulos da
vida.

1.2.2. Identidade e o Olhar

“A capacidade de experimentar-se a si mesmo, como entidade única


e como centro de percepção do mundo, a partir de uma iniludível e
comovedora vivencia corporal”
Rolando Toro Araneda

“A vivencia fundamental da Identidade surge como a sensação


endógena de estar vivo. A experiência primordial da identidade é a
comovedora e intensa sensação de estar vivo, gerando-se a si
mesmo”
Rolando Toro Araneda

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Os estudos de Piaget no campo da Psicologia evidenciaram que o conceito
de Identidade ocultava a complexidade ainda não suspeita. Os dois paradoxos da
Identidade faziam deste conceito um enigma, ao que parece, insondável:

a) A Identidade se faz patente só através de “o outro”.

b) A Identidade tem uma essência invariável já que se transforma


constantemente, devido a sua dimensão espaço-temporal. Assim a Identidade
é sempre única e, ao mesmo tempo, muda de aspecto com a idade.

A palavra-guia de Parmenides “o mesmo” se aplica no princípio de identidade


segundo Heidegger: consigo mesmo é cada mesmo A, mesmo. Ele propõe escutar a
ressonância ontológica do “é” na fórmula A é A.

“A interpelação da Identidade fala pelo Ser do Ente”


Heidegger

Através da convivência com o grupo EU me faço presente na presença do TU,


propiciando a Integração e o Fortalecimento da Identidade.

“Nossa identidade se revela na presença do outro”


Rolando Toro Araneda

O olhar em grupo identifica o núcleo afetivo e determina a diferença entre EU


e TU ou EU e NÓS.

Com o olhar eu me identifico comigo mesmo ao enxergar o outro, adquirindo


a capacidade do vínculo afetivo.

“O fato de ocorrer uma vivencia integradora aumenta a pulsação da


identidade e a eleva a uma espiral evolutiva. Neste momento, surge o
fluxo regulador e expressivo de si mesmo”
Cesar Wagner Góis

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O poder de vinculo se dá quando percebemos o “outro” fortalecendo a nossa
identidade na alegria de “ser com outro”, em harmonia.

Segundo Martin Buber não existe o “eu” mas o “nós”.

A identidade se faz patente só através de “o outro”, e tem uma essência


invariável que se transforma sempre devido ao espaço- temporal.

“A “via régia” para compreender a Identidade é o transe musical”


Rolando Toro Araneda

A vivencia em Biodanza proporciona a oportunidade do indivíduo se enxergar,


ser ele mesmo, experimentando a sensação de ter um corpo como fonte de prazer e
como potencialidade capaz de expressar-se criativamente.

O desenvolvimento da identidade vai de encontro a convivência maior com


outras pessoas.

A identidade integrada vive a uniformidade de vida com Vitalidade,


Sexualidade, Criatividade, Afetividade e Transcendência, ou é vivenciada ao
constituir uma criatura única em intimidade com o vivente e a percepção corporal de
forma autônoma.

O olhar desmitifica o julgamento e a crítica na medida em que integra com o


outro, através da vivencia, a identidade de cada um, um enxergando no outro a sua
continuação, a continuação da espécie.

1.2.3. Estádio de Espelho de Lacan

A criança que encara com seu olhar o adulto, faz isso de forma sublime e
deslavada até os 3 ou 4 anos, perdendo esse encanto com a repressão e os
preconceitos do meio.

20
“A estrutura da identidade advém no momento do contato afetivo
inicial com a mãe (contato tátil, visual e vocal)”
Identidade segundo René Spitz.

Segundo Spitz a estruturação da identidade do bebê ocorre no momento dos


contatos afetivos iniciais com a mãe.

Figura 1
Vemos na foto da figura 1, o menino no segundo mês,
acompanha com o olhar o rosto do adulto.

Figura 2
Na figura 2, durante a mamada o menino não tira os olhos do rosto da mãe.
21
Figura 3

Figura 4
Na figura 3, reage ao rosto sorridente do adulto, e tem uma reação ao rosto de perfil
do adulto na figura 4.

22
Figura 5
Na figura 5 a criança se sente só ao não ter a atenção do adulto, o seu olhar de
reconhecimento

Segundo Lacan “a identidade se estrutura no estádio do espelho, o menino


tem uma experiência antecipada de si”.

O Estádio do Espelho, segundo Lacan, “o olho, nosso primeiro aparelho de


coordenação do espaço, que começa a percebê-lo, registrá-lo e organizá-lo
“antecipadamente, ou seja, desde muito antes que o organismo possa mobilizar-se e
deslocar-se fisicamente nesse campo, já que a ORGANIZAÇÃO DO OLHAR
PRECEDE O GESTO E A PALAVRA. É o nosso primeiro aparelho de controle, de
conexão e de contato com o mundo exterior. Esse aparelho registra em sua história
um momento fundamental: o Estádio do Espelho.

Lacan vai além, teorizando o momento da constituição do EU MEDIANTE A


IDENTIFICAÇÃO COM A IMAGEM DO OUTRO atribuindo a imagem papel fundador
na constituição do eu e na matriz simbólica do sujeito.

23
A criança se antecipa numa unidade a partir da imagem do outro, ou seja DA
IMAGEM do corpo próprio encontrada no espelho.

A visão do corpo inteiro no espelho desperta manifestações de júbilo na


criança, que OLHA PARA O ADULTO PARA ENCONTRAR, NO OLHAR DO
OUTRO, A CONFIRMAÇÃO DO QUE VÊ NO ESPELHO. O espelho é o próprio
olhar da mãe pois a criança nunca teve espelho.

Uma criança pequena, de 2 a 3 anos, vê o adulto tal qual ele se apresenta. Já


o adulto tende a ver somente em função do julgamento coletivo.

A criança descrê da palavra e acredita na visão, vendo tudo o que há para se


ver.

O Estádio do Espelho de Lacan é o precursor da dialética da alienação do


sujeito no eu. O espelho é o ponto de partida da” subjetividade humana já que a
imagem do corpo próprio é uma espécie de matriz simbólica do sujeito, protosímbolo
de sua presença no mundo”.

A dissociação do ser, se tem na imagem do sujeito que se vê a si mesmo não


se enxergando na presença do outro por que a imagem é dele própria e essa
dissociação parte da alienação do mundo moderno.

O corpo real é como o vaso refletido no espelho, inacessível ao olhar.

É através dessa tela do espelho plano que o EU pode se reconhecer na


imagem do outro, pode se projetar (sua imagem) numa relação que pode ser lida
como PROJEÇÃO DE UM EU IDEAL.

“Quando, diante do espelho nos deparamos com nossa imagem, pode haver
um momento em que ela se modifique, como aponta Lacan, sobretudo quando há
um momento em que o “o olhar que aparece no espelho começa a não olhar para
nós mesmos”.

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Essa transformação do objeto, de reconhecível e intercambiável, para um
objeto privado e incomunicável que pode dominar disformicamente, o sujeito em
suas fantasias, é o que marca o que Lacan chamou de “initium, aura, aurora” de um
sentimento de estranheza, que é a porta aberta para a angústia.

Por se estar refletido no espelho o homem se enxerga único e principal na


existência não entendendo o essencial: o seu semelhante que o revela, projeta e
dimensiona a sua grandeza, é o que pode dar as mãos numa comunhão cósmica de
reconhecimento da vida no simples e sublime gesto do olhar.

1.2.4. Vinculo através do Olhar

Ao falarmos em vinculo precisamos atentar que o olhar é o espelho de um


grupo afetivo, pois ele se dá com o reconhecimento do outro e do grupo.

O vinculo se dá nesse contato visual na vivencia integradora provocando


emoção e alegria do “estar com”.

O olhar traz o mistério do momento vivido em grupo mas que vai se


desmanchando, esse mistério, com o intensificar da vivencia.

A partir desse olhar emocionado e inocente cria-se condições para que o


vínculo se dê e se solidifique provocando a força da convivência e do prazer de estar
em grupo.

O olhar em grupo reconhece, valoriza e dá a dimensão do ora vivido, trazendo


a autoestima, o estar bem, o estar em vinculo biodançante.

Os exercícios de olhar em grupo vinculam porque geram sensações de “estar


vivo”, gerados a medida que se aprofunda a convivência.

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O vínculo se dá também através do contato e da caricia, mas o olhar é o
identificador do reconhecimento em grupo.
A importância do olhar que vincula é o mesmo que nos faz pertencentes a
ordem cósmica.

1.2.4. Mito de Narciso

Narciso que vivia debruçado no lago para observar sua beleza refletida na
água tinha somente olhos para si e desprezava a realidade por não ter aquele a
quem tanto amava – a si próprio.

Na visão de Ovidio, tem o seu final com a morte.

Oscar Wilde tem uma visão diferente desse final contando que após a morte
de Narciso, as oréiades, deusas do bosque, observaram que o lago se transformou
em um cântaro de lágrimas salgadas, choradas pelo próprio lago, inconformado com
a morte de Narciso. E o interpelaram ficando surpresas quando o lago disse não ter
reconhecido a beleza de Narciso, por se achar refletido nos seus olhos a sua própria
beleza.

Este espelho apresentado por Wilde reflete como Narciso, o que o próprio
lago viu somente a si. Tendo espelhado a imagem do herói, não se permitiu ver a
beleza expressa pelo outro, tão preso que estava na visão da sua própria beleza
refletida no fundo dos olhos de Narciso.

Narciso e o lago não se enxergaram e não reconheceram suas diferenças, ou


não se permitiram revelar-se um ao outro.

Tal qual no espelho de Lacan, a imagem refletida no lago,provoca a


descoberta de si, com a constituição do eu mediante a identificação com a imagem
do outro.

26
O espelho, segundo o mito, funciona como um alter-ego, ou seja o seu próprio
ego ao refletir a própria imagem tal qual aparece, daí a infelicidade da personagem.

1.3. Olhar e o Modelo Teórico de Biodanza

1.3.1. Modelo teórico

O “Modelo” nos permite pensar de maneira prática a relação entre um sistema


normal (criado pelo homem) e seu exterior “natural”.

Um modelo é um instrumento de pesquisa e manipulação de um determinado


conjunto de fenômenos observados, através do qual é possível descobrir relações
de coerência.

E foi assim que Rolando Toro criou o Modelo Teórico de Biodanza baseado
em pesquisas feitas em 1965 com dança no Hospital Psiquiátrico de Santiago do
Chile com enfermos mentais.

Na primeira experiência, foi observado que os exercícios de dança com o


objetivo de induzir harmonia e tranquilidade nos pacientes psiquiátricos gerou
desconforto ao levá-los a estados regressivos provocando alucinações e delírios que
se acentuavam por vários dias.

Na experiência seguinte com danças euforizantes a partir de ritmos alegres, a


motricidade deles melhorou sensivelmente, propiciando um notável aumento do
sentido de realidade e a desaparição dos delírios e alucinações.

Os exercícios apresentados tiveram respostas neurovegetativas especificas,


senão vejamos:

*Exercícios euforizantes estimulavam a identidade com respostas simpático-


adrenérgicas.

27
*Exercícios de regressão apresentavam respostas parassimpático-
colinérgicas.

O primeiro eixo do modelo teórico foi desenhado sendo aperfeiçoado com o


tempo.

CONSCIÊNCIA SI MESMO REGRESSÃO

Toro estruturou um conjunto de exercícios e músicas uns reforçando a


identidade e outros que induziam o transe.

Identidade Regressão

Transe

Categorias do polo Identidade Categorias do polo Regressão

Expansão Centrífuga Tensão centrípeta

Ampliação de consciência Dissolução na totalidade

Percepção de si como centro do Regressão aos estados primordiais


mundo
Entrega e fusão com o todo
Incorporação aferente de estímulos

Percepção realista

Os potenciais genéticos se expressam dentro deste campo pulsante,


centrípeto-centrífugo em que o primeiro é movimento para fora e o segundo é
movimento para dentro, intimo.

A evolução do Modelo Teórico propiciou sua aplicação em todas as pessoas


sejam enfermas com quadros clínicos diversos como em pessoas normais.

28
Através do processo evolutivo dos alunos, dentro das cinco linhas de vivencia
(potencial genético) chegou-se ao modelo atual.

MODELO TEÓRICO

29
O potencial genético se estimula através das cinco linhas de vivencia em
exercícios integrados de Biodanza, propiciando bem-estar e alegria de estar em
grupo:

 Vitalidade - potencial de equilíbrio orgânico, ímpeto vital, harmonia biológica e


homeostase;
 Sexualidade- potencial de sentir desejo sexual e prazer;
 Criatividade- potencial de renovação, criar-se a si mesmo, realizar atividades
artísticas e ser criativo em cada ato de viver;
 Afetividade- potencial de amor indiferenciado que abarca a todos
indistintamente. O afeto que ultrapassa fronteiras;
 Transcendência- potencial de transcender, de ir além de si, expandindo a
consciência em êxtase místico.

As linhas de vivencia tem origem nas Protovivencias, sensações orgânicas


que o bebê protagoniza nos primeiros 6 meses de vida:

 A Vitalidade parte do movimento, atividade e repouso do bebê;


 A Sexualidade do contato e das primeiras sensações de prazer através das
caricias e no ato de amamentar;
 A Criatividade provem da curiosidade pelas mudanças de posição no
ambiente, a linguagem e o grafismo;
 A Afetividade é estimulada através da protovivencia de amamentação e
nutrição;
 A Transcendência parte da protovivencia de plenitude e harmonia com o
meio.

O desenvolvimento evolutivo de cada individuo se dá a medida que os potenciais


genéticos se expressam através da existência.

30
Os fatores ambientais que determinam a expressão do potencial genético se
denominam “ecofatores”, que podem ser positivos ou negativos se permitem ou
bloqueiam a expressão de potenciais.
Uma sessão de Biodanza é um bombardeio de ecofatores positivos sobre a
função integradora-adaptativa-limbico-hipotalamica, potencializando a expressão da
identidade.

As funções vitais, sexuais, de renovação biológica, afetiva e de expansão da


consciência são estimuladas através das vivencias sobre os centros límbico-
hipotalamico. Tais funções tem origem genética.

O Modelo Teórico de Biodanza consta de um eixo vertical que ascende desde o


potencial genético (desenvolvimento ontogenético), e um eixo horizontal
(consciência da Identidade-Regressão).

Em torno das linhas de vivencias entrelaçadas em forma de espiral ascendente,


se encontra um virtual eixo horizontal que oscila entre dois pólos de forma pulsante.

1.3.2 O Olhar no Modelo Teórico

31
Partindo desse eixo Identidade -------- Regressão podemos dizer que no
estado de Consciência de Identidade o indivíduo se percebe como centro do mundo,
com seus olhos abertos, enquanto que na regressão, o indivíduo tende a dissolver-
se na totalidade do universo, perdendo os limites corporais e vivendo o
Indiferenciado. No regresso à consciência, ele adquire uma nova visão ampliada,
enxergando o universo através do olhar cósmico,

Se a ampliação da consciência se dá de Olhos Abertos, com a percepção do


olhar que enxerga a vida a seu redor e capta a sua beleza, a regressão acontece de
olhos fechados com a identidade sendo diluída, ou seja, naquele momento, a
identidade faz parte de um todo, indistintamente.

A integração se dá com o estimulo do potencial genético individual dentro da


espiral passando pelo eixo de Identidade-Regressão, dois estados biológicos que
pulsam entre a “consciência de si e do mundo” e a “fusão com o todo”(regressão).

O estado de regressão é uma volta psicobiológica a períodos pré-natais ou da


primeira infância. A pessoa perde os limites corporais, diminui a vigilância e se
abandona a um estado cenestésico semelhante ao do bebê dentro do útero.

O renascimento através da regressão provoca um estado de bem-estar


cenestésico, renovação biológica afetiva e de expansão da consciência.

O outro lado do eixo, a percepção de si, do outro e do cosmos.

O núcleo central do Modelo Teórico de Biodanza é o eixo Identidade (olhar o


mundo) ------Regressão (olhar íntimo) e a espiral do potencial genético com as
cinco linhas de vivencia.

Ao retornar a consciência, ressurge a identidade agora pulsante ao se


perceber como parte de si no mundo, sendo parte do mundo, nas vivencias de
expansão da identidade acontecidas através das cinco linhas de vivencia(Vitalidade,
Sexualidade, Criatividade, Afetividade e Transcendência).

32
A experiência de regresso ao indiferenciado onde a própria identidade se tem
como parte da Identidade do “Todo”, constitui o ponto de união entre Identidade e
Regressão.

1.3.3. Exercícios de Olhares em Biodanza

Faço menção a alguns exercícios de olhares em Biodanza que estimulam


através do olhar, a integração e o reconhecimento em um grupo regular.

- Roda de Iniciação ou (Roda de Integração Inicial) - Inicia-se a Roda


estimulando-se o contato visual para reconhecimento dos que fazem parte dela. De
maneira espontânea as pessoas vão se percebendo,através do deslocamento da
roda.

- Sincronização Rítmica em Pares - A sincronização é a procura de um


movimento comum aos dois, estimulada pelo ritmo, frente a frente, em que o olhar é
espontâneo a dois.

- Sincronização Melódica em Pares - Tal qual a rítmica o olhar é estimulado,


sendo preponderante a melodia a dois.

- Rodas Concêntricas de Olhares - São organizadas duas rodas, uma por


dentro da outra, de forma que cada participante fique frente a frente com uma
pessoa de modo a poderem olhar-se mutuamente nos olhos. Ao iniciar a musica,
cada roda começa a girar para a direita muito lentamente. As pessoas olham nos
olhos de quem está a sua frente de forma natural, com inocência, olhando como se
olharia uma criança,e reconhecendo-se um ao outro.

- Dança de Eutonia - A Dança de Eutonia é realizada com a união dos dedos


indicadores da mão direita de duas pessoas, que vão dançando e se deslocando
mantendo os dedos unidos. O exercício envolve a comunicação afetiva através do
olhar.

33
- Encontro de Mãos e Olhares - Duas pessoas se aproximam
progressivamente e se tomam pelas mãos olhando-se nos olhos mas sem se
abraçar.

- Jogo do Leque Chinês em Pares – Duas pessoas se colocam frente a frente


e cobrem parcialmente seu olhar formando uma “teia”, ou “véu”, com suas mãos,
deixando os dedos afastados como um biombo vazado. Através dos interstícios, e
numa dança sensível, os olhares se procuram, se encontram, às vezes, com
aproximação dos corpos, outras vezes se afastando. Quando se sente que há uma
conexão de confiança, as mãos se separam, revelando assim uma parte do rosto e
do olhar, até se abrirem mostrando-se completamente. De forma espontânea vai se
permitindo o olhar, olhar o outro deixando-se descobrir e entender o olhar como
expressão natural, nada mais.

- Roda Final - Como ocorre com a Roda Inicial agora o olhar é de agradecimento
pelos momentos vividos pelo grupo, reconhecendo-se a importância de cada um.

1.3. O Olhar Biocêntrico - A poética do Olhar

“Não vês que o olho abraça a beleza do mundo inteiro(...) É janela do


corpo humano, por onde a alma especula e frui a beleza do mundo,
aceitando a prisão do corpo que, sem esse poder, seria um tormento
(...). Quem acreditaria que um espaço tão reduzido seria capaz de
absorver as imagens do Universo”
Leonardo da Vinci

“A omissão do olhar é um dos fundamentos da sociedade autoritária”.


“Somos treinados desde muito cedo a omitir o que vemos”.
“Em nossa espécie, a palavra nos roubou a luz”.
“Pretende-se encontrar a luz...nas palavras sem os olhos”
“Só o olhar pode...ver o caminho”
J.A. Gaiarsa
“Sou visto, logo existo”
Rolando Toro

34
“É preciso esquecer o aprendido que nos fez adultos para ver o
mundo com novos olhos”
Rubem Alves

“Quando me olhava no espelho


Já havia envelhecido na imagem que me continha.
Eu não era senão um menino que dançava
Dentro de um homem de cem anos”.
Rolando Toro Araneda

Porque cremos que a visão se faz em nós pelo fora e,


simultaneamente, se faz de nós para fora, olhar é, ao mesmo tempo,
sair de si e trazer o mundo para dentro de si.
Porque estamos certos de que a visão depende de nós e se origina
em nossos olhos, expondo o nosso interior ao exterior, falamos em
janelas da alma.
Marilena Chaui em Janela da Alma, Espelho do Mundo.

“Olho, e as coisas existem


Penso e existo só eu”
Alberto Caeiro - Fernando Pessoa

“O essencial é saber ver,


Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.
Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender
(...)
Que difícil ser próprio e não ver senão o visível!
Alberto Caeiro – Fernando Pessoa

“Destaques de como o olhar sob a ótica do mundo moderno se


desvirtuou por não enxergar a beleza e a sacralidade da vida”
Marcos Santarossa

35
Falar sobre o olhar é como desnudar o mistério da existência, abrindo espaço
para o maravilhoso.

As pessoas que não olham, não se enxergam pois só se identifica consigo.


Mesmo quem percebe o próximo, se espelha e se acha nele.

No mundo atual, com a agitação cotidiana o olhar é motivo de inquietação, de


medo e provoca reações de quem está sendo olhado.

As pessoas se acham invadidas ao entender que o olhar representa


julgamento, critica e interesse se atendo ao que o sistema impõe, não enxergando a
beleza da simplicidade, do olhar embevecido e inocente.

O mundo as fez esquecer o que de sublime existe: o olhar sob a ótica do


simples.

Crescemos e perdemos a inocência ao nos perder no esquecimento do olhar


na sua mais pura essência.

Para se falar em Olhar entende-se o desvendar do ora visto, o


deslumbramento do acessado, o olhar sem parâmetro ou pensamento.

Simplesmente olhar, e se encantar com o que se vê imaginando ou


percebendo as belezas do mundo.

É assim o olhar, bonança que nos faz ver o que deve ser visto: a beleza da
vida.

Para Demócrito, os olhos, feitos de átomos d’água, são espelhos onde vem
refletir-se átomos de fogo (fonte de luz) que se desprendem das coisas luminosas ou
iluminadas, espalhando-se pelo ar e alcançando os olhos, onde se espelham.

36
O olhar, misterioso como o vêem, é aberto a luz e a vida. Por ele, se enxerga
a imensidão do Universo, a estrela a distância, o mar próximo, a flor no jardim e o
passarinho que pousa distraidamente em sua janela.

“Segundo o discurso de Epicuro e de Lucrécio, o mundo se dá ao


olho humano, porque a natureza desenvolve um movimento
constante, veloz, febril, desprendendo da superfície dos seres os
“simulacra” (eidola, em grego), figuras que duplicam sutilmente a
forma superficial das coisas.Os simulacros, por serem materiais,
embora tenuissimos, vem ao encontro dos nossos olhos, trazidos que
são pelos raios da luz solar, estelar ou lunar. São essas figuras
impalpáveis que, entrando por nossas pupilas adentro e
impressionando as nossas retinas, nos aparecem como imagens da
natureza e de nossos semelhantes.”

“Os olhos recebem passivamente, com prazer ou desprazer, contanto


que estejam abertos, verdadeiras sarabandas de figuras, formas,
cores, nuvens de átomos luminosos que se ofertam, em danças e
volteios vertiginosos, aos sentidos do homem. E o efeito desse
encontro deslumbrante pode ter um nome: conhecimento. Conhecer é
ser invadido e habitado pelas imagens errantes de um cosmo
luminoso”.
Alfredo Bosi – Fenomenologia do Olhar

“Pensar é estar doente dos olhos” no olhar de Alberto Caeiro, uma visão mais
intensa, captada no real.

Através do olhar enxergamos o outro e o Universo, participes que somos do


movimento da vida.

Sem esse olhar de deslumbramento perante a vida não há integração, não há


reconhecimento, é como se as partes desse todo estejam desconectadas.

Diante do meu olhar biocêntrico passei a enxergar o movimento da vida e o


que há de mais profundo em mim revelando a essência e a minha selvagem

37
inocência. Em mim revelou minha base instintiva que é a sabedoria biológica da
espécie em sua própria lógica.

O meu instinto primordial de conservação da vida me trouxe uma experiência


fantástica ocorrida na Chapada Diamantina há algum tempo.
Caminhava pela trilha na volta de uma vivencia por uma cachoeira quando de
repente escorreguei e iria cair no precipício quando num reflexo jamais pensado em
mim, me agarrei a um galho de árvore fincado na rocha próxima do precipício. O
instinto de sobrevivência falou mais alto e me trouxe a certeza do primordial em mim,
ao me agarrar a um pequeno arbusto e me salvar de cair no vácuo.

O meu olhar enxergou esse episódio como uma renovação de vida e um


resgate da função originária, o instinto que representa a natureza em mim não tendo
nenhuma experiência prévia e que se repete nos indivíduos da mesma espécie.

O meu olhar biocentrico me fez expectador de momentos de êxtase ao


perceber o espetáculo da natureza em seu movimento natural.

Estava eu e meu grupo de vivencias na Chapada Diamantina subindo uma


trilha quando nos deparamos com uma cobra que acabara de engolir uma cobra
menor e por alguns momentos ficamos a espreitá-la. Ela ficou imóvel sentindo nossa
aproximação e o guia orientou no sentido de passarmos ao lado dela sem
movimento brusco. E assim foi feito. E o que se viu foi que todos passaram e só
então ela se moveu em direção ao mato próximo.

O instinto do animal percebeu a nossa intenção de passar sem ameaçá-lo e


ele simplesmente deixou isso acontecer. Sabedoria da natureza em sua expressão
do movimento cósmico.

Em outra ocasião, olhei um beija-flor saltitando e bicando a água que escorria


de uma rocha em trilha de subida na Chapada.

38
Se eu não tivesse a percepção do olhar biocêntrico não teria observado a
beleza no simples movimento natural da vida!

E foi com esse olhar perceptivo que vivi uma das mais profundas vivencias
que me aconteceram. A noite muito cansado das andanças pelo vale na Chapada,
adormeci e quando acordei no dia seguinte me dei conta que foi um sono sem
sonhos, sem inquietações um sono muito reparador. Havia dormido igual a um
pássaro, houve um interregno desde o momento que adormeci até o meu despertar:
um sono de passarinho!

Me percebi grandioso como o é o passarinho em sua essência inocente e


natural, me percebi pertencente à vida e ao cosmos, me percebi integrado a
natureza.

Com o meu olhar biocêntrico, houve a expansão ampliada do meu ser e a


manifestação da vida no cosmos, uma hierofania digna do que é belo e insondável.
Percebi a grandiosidade da vivência na consciência ampliada que em mim se deu.

39
CAPÍTULO2: O PROJETO RIO-ABRACE

2.1. Biodanza e Ação Social

“A Biodanza na ação social oferece meios de resgate da cidadania a


partir do reforço da identidade individual, grupal, comunitária e
cultural, favorecendo a noção de valor intrínseco e de importância
dentro da sociedade. Resgata a potencia de agir no mundo e
modificar realidades opressoras a partir de uma noção vivencial de
dignidade”
Myrthes Gonzalez

A Biodanza por seus princípios sempre causa um impacto nas estruturas


sociais ao tratar da ação social pois propõe o resgate da dignidade reforçando a
identidade.

Se entendermos que a Biodanza desperta, vincula, provoca o afeto, a


solidariedade e a indignação social frente ao desrespeito e a opressão podemos
considerá-la como ação social.

Mas existe um passo além que é a busca que se empreende em relação as


estruturas sociais.

Situações de miséria, violência de todo tipo, abandono, descaso com os


direitos essenciais geram uma desqualificação da presença do individuo na
sociedade formando pessoas que desconhecem seus direitos básicos como
cidadãos.

São os excluídos que se excluem a si mesmos, pelo desconhecimento de sua


potencia e lugar no mundo.

A Biodanza procura estimular através das vivencias, o lugar que é de cada


um no mundo, fazendo entender que a exclusão não é normal, a privação retira os

40
seus direitos como cidadão, para que o participante reconheça o seu valor, seu
potencial e enxergue o valor e o potencial dos outros.

O resgate que se quer é o cuidado com a vida, conquistado com a


autoestima, vinculo em feedback com o ambiente, amizade e solidariedade.

O estimulo a mudanças se dá com a construção coletiva, a procura do bem-


estar de todos.

O enfoque da Biodanza na Ação Social é o resgate da identidade em sentido


amplo e profundo. Os aspectos mais importantes desse processo são:

- Valor da Expressão Cultural – A identidade da comunidade traduz-se com


sua manifestação cultural. É importante observar e validar a cultura do local frisando
que cada pessoa é única, singular, não havendo coincidência de códigos genéticos,
que a vida é sagrada e quando a desrespeitamos ela se torna violenta e destrutiva
ao não enxergarmos o sagrado na natureza e nas pessoas.

- Potência – A Biodanza propõe e estimula nas pessoas a percepção de si


como seres capazes de mudança e ação concreta no mundo. A Identidade
conquista seu espaço com a percepção da potencia em si.

- Capacidade de Adaptação e Mudança–Por serem complementares, em


Biodanza as chamamos de capacidade de fluidez. A pessoa muda a medida que se
adapta ao ambiente sem abrir mão de suas prerrogativas e de seu lugar no mundo.
É o movimento da água que desce pelo rio e ao encontrar as pedras, os galhos de
árvores, as dificuldades vai contornando os obstáculos fluindo, se impondo em sua
capacidade de adaptação. A fluidez é o sinônimo da liberdade com responsabilidade
e comprometimento. Circular por uma rede de vínculos com muitas possibilidades é
o propósito da Biodanza.

- Reflexão Profunda Sobre os Próprios Valores e Lugar no Mundo – A


Biodanza proporciona um ambiente que amplia a percepção, estabelecendo uma

41
visão objetiva das maneiras de se estar no mundo, dos valores que possibilitam um
contato com o potencial criativo como instrumento de transformação.

Não cabe ao facilitador questionar sobre a forma de viver ou se relacionar do


participante.

- O Desafio do Facilitador – No campo social, o Facilitador deve compreender


o ambiente em que está inserido, não interferindo nos hábitos culturais diferentes do
seu no local. A sua proposta é resgatar a identidade de cada um, que se perceberá
potente e atento aos seus direitos básicos e a sua importância e lugar no mundo,
respeitando a vida com afetividade, empatia, gestos solidários e comunhão com
todos os atuantes do processo.

O Facilitador busca atuação em rede, atendendo a maioria das pessoas, dos


participantes a funcionários e familiares procurando desenvolver o potencial de cada
um dos envolvidos com princípios de vinculo, empatia, relação em feedback e
solidariedade.

2.2. Parceria com a Rio Abrace

Associação Beneficente de Combate ao Câncer- RIO-ABRACE é uma


Associação de Assistência Social, Beneficente, Filantrópica e Educacional.
Iniciousuas atividades no Rio de Janeiro em julho de 2003. Os benefícios oferecidos
às pessoas carentes em adoecimento do câncer são totalmente gratuitos e
extensivos aos familiares.

O trabalho desenvolvido visa amenizar as dores físicas, sociais e emocionais


decorrentes do câncer, proporcionando qualidade de vida, inclusão social e
informações acerca dos direitos sociais garantidos por lei, entre outros. Mais de 800
pessoas já receberam sua ajuda ao longo destes anos de trabalho.

42
Para atender as pessoas cadastradas, bem como seus familiares a RIO-
ABRACE conta com uma equipe de profissionais técnicos e voluntários, composta
por:

 Assistente Social: Carmem Lúcia Gomes Amaral;


 Psicóloga: Aparecida Coelho Esteves;
 Advogada: Isabel Cristina de Oliveira Saad Nalin ;
 Fisioterapeuta: Maria da Penha de Souza de Assis Pacheco;
 Nutricionista: Dilma Ribeiro da Silva;
 Além de instrutores de artesanato, professora de alfabetização e equipe de
apoio.

Objetivos

Suprir todas as necessidades com alimentação básica e suplementar,


comprar os medicamentos prescritos em receita médica, pagar exames médicos de
baixo e alto custo, comprar próteses mamárias, bolsas de colostomia, fraldas
geriátricas e materiais de suporte para o tratamento, comprar vale-transporte para
que não haja interrupção do tratamento pela falta de recursos, entre outros
benefícios.

E ainda: oferecer atendimento social, psicológico, jurídico, fisioterapeuta e


nutricional, além de desenvolver atividades educativas e de socialização visando à
melhoria da qualidade de vida dos assistidos e familiares através de Palestras,
Atendimento em grupo e Terapias Complementares.

Valores

Compreensão da pessoa na sua totalidade, igualdade de acesso aos serviços


e benefícios, atendimento humanizado, respeito, responsabilidade,
comprometimento o acolhimento aos assistidos, que deve ser compreendido não
somente com o ato de receber bem, mas também saber ouvir a demanda e buscar
formas de compreendê-la e solidarizar-se com ela.

43
2.3. Apresentação do Projeto de Biodanza

O Projeto procurou atender, inicialmente, o lado emocional do grupo assistido


pela Associação, em suas questões de baixa autoestima, falta de vitalidade,
sentimento de impotência e de negação da identidade, provocados por fatores
sociais, econômicos, geográficos e principalmente pelo tratamento-recuperação dos
efeitos do câncer.

Com esse propósito e todo o apoio da Associação que disponibilizou o


espaço, a infraestrutura, o dia e a hora em que as aulas iriam ocorrer, aliados a boa
vontade do pessoal de recepção e apoio, foi dado início ao projeto.

2.4. Objetivos Específicos do Projeto

Provocar no grupo assistido um sentimento maior de confiança, de autoestima


e de enfrentamento dos problemas causados pela doença e suas consequências
pós, através de um trabalho que visa colocar as pessoas no seu cenário de vida,
saberem-se dignas, possuidoras do direito de espaço e prerrogativas para uma vida
melhor.

Estimular a expressão da identidade, através de exercícios específicos, dando


a cada um a oportunidade de se ver integro, vivo e merecedor de uma vida mais
digna.

Atentando para o fato primordial que através de exercícios objetivos, se chega


a uma melhor renovação orgânica e a percepção do sentimento de estarem no
mundo, ao escutarem as batidas de seus corações e a respiração que gera vida de
forma natural, renovação na percepção de se olharem a si mesmos e entenderem o
fluxo maravilhoso da vida independente das dificuldades.

44
CAPÍTULO 3:
APLICAÇÃO DA BIODANZA NO PROJETO RIO-ABRACE

3.1. Trabalho na Associação Rio-Abrace

Na Associação Rio-Abrace em Olaria-RJ onde comecei a dar aulas de forma


voluntária, passei a enxergar nas pessoas as dificuldades de integração, de entrega,
de reconhecimento, de amor, dificuldades essas que se observam nos grupos que
começam a se formar.

A diferença no meu caso foi de que se trata de pessoas assistidas, portadoras


ou em fase de recuperação de câncer.

O que presenciei com o tempo e o meu olhar atento e deslumbrado com o


movimento desse grupo, foi a alegria a cada semana ao me ver estimulando o
convívio, o contato, e o cuidado, que aos poucos foram dissolvendo a rigidez,
abrindo-se sorrisos, criando-se laços de amizade.

A minha sensação de gratitude por estar ajudando-facilitando essas pessoas


foi de estar aprendendo com eles mais do que ensinando ao se sentirem mais
afortunadas com o sentido e a sacralidade da vida.

O meu olhar, ampliado na possibilidade de gerar mais conforto, tranquilidade


e contentamento se fez sensível na importância da Biodanza como um sistema
integrador na origem de novos modelos de comportamento que respondem as
necessidades vitais básicas.

Principalmente em pessoas com as mais diversas dificuldades, mas que com


a Biodanza enxergaram essa mudança no decorrer das semanas ao se mostrarem
mais sensíveis, mais despertas, mais integradas.

A autorregulação no processo de cada um deles foi fundamental para que


percebessem a renovação orgânica, desafio em suas vidas.
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A Biodanza trouxe para eles a oportunidade de integração, superação através
da alegria ao provocar através da música, movimento, o canto e encontros no grupo
novas perspectivas.

Eu, com o meu olhar, me abri a permanente escuta desse grupo com suas
necessidades e vontade de superação.

Estou imensamente honrado com a oportunidade de participar desse grupo


tornando viável a transformação do modo de vida das pessoas através da Biodanza.

A experiência que agora relato, emocionado e agradecido, não teria sido


possível sem o apoio e o desprendimento da Associação que se colocou à
disposição, dando todo o apoio necessário para a realização desse intento, ao
acreditar na Biodanza como sistema integrador e renovador.

O meu olhar se descortinou atento ao movimento da vida que se fez presente


em minhas retinas, na oportunidade de estar facilitando vidas, abraçando vidas.

3.2. O Grupo Regular – Características

O Grupo é formado por pessoas entre 40 e 75 anos, a mais velha, e foi


iniciado em 18 de Março de 2015 com 17 pessoas.

Com o desenvolver das aulas e as dificuldades de cada um em adequar


horário e tempo o grupo regular passou a ter de oito a doze pessoas.

Com esse grupo desenvolvi o meu trabalho durante o ano privilegiando a


escuta e a atenção e as consignas preparadas com muito carinho com músicas que
estimularam o convívio, a alegria, a autoconfiança e a autoestima e a expressão da
identidade e a amizade no grupo.

46
3.3. O Programa

Comecei a primeira aula com 17 pessoas que se deram as mãos pela


primeira vez, mesmo sendo assistidas pela Associação portadoras do diagnóstico
afim: em tratamento ou na fase posterior, ou seja, as que tem apoio psicológico pós-
trauma vivido.

Falei na importância da Roda, onde as pessoas se conhecem e se


reconhecem, dançam e se olham mesmo timidamente celebrando a vida. Essa
primeira aula teve como tema o “Despertar para a Vida” propondo a conexão com a
vida, e a busca de uma existência mais leve e alegre.

A aula foi pautada pela alegria com brincadeiras de infância, movimentos


espontâneos, o contato com a própria respiração e a leveza superando a rigidez.

- Aulas 2 a 4
Nas três outras aulas, o objetivo foi despertar a autoestima e a crença em si,
focando na importância de estar vivo, valorizando o próprio ato de viver, com a
celebração do encontro, a alegria no caminhar.

- Aulas 5 a 8
Nessas aulas, os exercícios propostos Deslocamento Suave(desaceleração)
Respiração Dançante (conexão consigo) e a Dança Livre (a alegria no movimento)
focaram no elevar da autoestima, da confiança em si e a celebração do encontro
buscando sempre a integração motora.

- Aulas 9 a 12
Procurei dar ênfase como nas aulas anteriores na espontaneidade e na
alegria proporcionando tônus vital e na desaceleração para haver a conexão consigo
mesmo, no prazer do movimento pelo movimento.

47
Os exercícios-chave foram a Dança de Extensão Máxima para expansão dos
limites corporais, A Sincronização Melódica para trazer o movimento com a melodia
e a Dança de Expressão Melódica coordenando a melodia com a expressão de si, o
estar no mundo.

Mostrei a importância da integração do grupo induzindo a maior afetividade.

- Aulas 13 a 16
A percepção da dificuldade motora em alguns alunos me fez procurar dar
ênfase nos exercícios envolvendo a harmonia através da Dança de Extensão
Harmônica visando a uma maior harmonia, a Respiração sem Música (contato
consigo) e no Deslocamento Suave exercício de soltura corporal, frisando no grupo
desde a primeira aula na importância da autorregulação.

Exercícios de fluidez acompanharam toda a sequência das aulas para


quebrar a rigidez provocada pela tensão crônica, trazendo a sensibilidade e a leveza
com exercícios de brincadeiras e de alegria como o caminhar, o lúdico estimulando a
integração do grupo e o reconhecimento de si na importância de fazer parte do
grupo.

- Aulas de 17 a 20
A Partir da aula 18, introduzi exercícios de Posição Geratriz do Código I.
Percebi nessas aulas uma maior desenvoltura por parte dos alunos mais integrados
se percebendo integrante do grupo.

A integração motora já apresentava melhoras sensíveis em todos, a partir do


momento em que a alegria e a confiança em si provocava o reconhecimento do
outro.

Foi com uma emoção e uma alegria imensa, me senti premiado pelas
dificuldades iniciais de trabalhar com um grupo que me exigiu muita atenção e
dedicação. O progresso deles me deu a certeza do meu trabalho como facilitador

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galgando mais uma etapa, com a sensação de estar atendendo o propósito da
Biodanza que é facilitar a vida das pessoas.

- Aulas 21 a 24

Como citado anteriormente introduzi as Posições Geratrizes que reverenciam


e valorizam a vida celebrando a sua manifestação grandiosa. Percebi a integração
do grupo com a amizade nascida das danças dançadas e dos movimentos alegres e
lúdicos fazendo expressar a identidade de cada um, aproximando e exaltando a
alegria de viver

- Aulas 25 a 28
Com estas aulas, o convite foi expressar-se com danças no centro da roda,
jogos de contato caminhando em grupo, aproximando o grupo afetivamente com
rodas de embalo, caricias e abraços de coração a coração.

Já se percebe com as Posições Geratrizes de Pedir, Receber, Dar, Dar-se


que a autoestima está crescendo com a consequente valorização e posição de se
sentir fazendo parte do todo, do grupo acolhido pela Biodanza que o fez entender o
significado da vida.

A Integração Afetivo-Motora está de mãos dadas com o grupo propiciando


aconchego, reconhecimento, autoestima, valorização da vida e sentimento de
pertencimento.

Novamente, a emoção tomou conta de mim por estar proporcionando a integração


do grupo.

- Aulas 29 a 32
Foi um salto significativo de quando iniciei as aulas, olhando o
desenvolvimento, a melhoria de cada um no processo de integração motora, na
disposição física mesmo na limitação de cada um, na amizade surgida nas aulas de
Biodanza, na valorização da vida e na sua reverencia, na afetividade no grupo e nos

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exercícios que procuraram estimular a renovação orgânica, trazendo humor
endógeno e sensação de bem-estar.

Meu sentimento de gratidão e de júbilo se fez presente ao ser convidado a


continuar dando aulas para o grupo e novas pessoas que estarão chegando em
2016.

Sinto-me gratificado e feliz: valeu a pena, o trabalho vai continuar e eu vou


estar com o grupo em mais um novo desafio.

O Universo conspirou a favor, e minha existência ganhou um significado


especial.

3.4. Depoimentos

Os depoimentos e comentários foram acontecendo no decorrer das aulas mas


destaco os seguintes:

- a sensação de alegria e de plenitude ao agradecer a vida, e um sentimento


de quietude e paz e renovação existencial nas palavras de uma aluna regular;

- a percepção de quando iniciou a aula estar com dificuldade motora nas


pernas mas que ao término da aula havia desaparecido tal dificuldade nos dizeres
de outra aluna regular;

- o comentário de outra aluna indagando se eu tinha disponibilidade de outro


local e hora para atender uma pessoa interessada em fazer Biodanza;

- um aluno regular que atua-dá força as pessoas que passaram pela mesma
doença que ele, indo ao hospital de 15 em 15 dias, comentou se eu poderia dar
aulas também no local onde ele dava assistência, para melhorar o estado anímico
das pessoas ali hospitalizadas.

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Esse gesto de reconhecimento ao meu trabalho me encheu de alegria e
emoção e me fez entender que as dificuldades da doença não podem provocar
desanimo e que a vida é muito maior que isso, é a mais pura manifestação de amor
que pode ajudar as pessoas a terem mais saúde e alegria de viver;

- por último, a psicóloga da instituição que agradeceu a minha disponibilidade


ao me doar ao grupo, se colocando a minha disposição para nova etapa a partir de
2016, pois no seu entendimento a Biodanza trouxe benefícios e alegrias para seus
assistidos, mais disposição e animus-vida e isso não tem preço, é o trabalho da
formiguinha que vai se juntando as demais para alcançar o objetivo maior, a
integração e o bem-estar comum a todos.

3.5. Fotos

Eis o movimento da Biodanza no meu grupo na Associação:

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CONCLUSÃO

Meu desafio que se iniciou com o grupo na Associação é despertar nas


pessoas a possibilidade do olhar voltado para o sublime da vida, sem nuances ou
viés, e entendendo também serem parte do todo universal.

Ao se voltar para a Natureza, saber-se particípe da grandeza e da sacralidade


da vida.

É um desafio árduo mas compensador na medida em que mais pessoas vão


se integrando através da Biodanza.

Um desafio que me traz alegria por me possibilitar a inclusão através do olhar


a magnitude do cosmos em sua infinita grandeza.

Desafio enorme mas compensador de me ver abraçando a Biodanza na


percepção do olhar que desmitifica, identifica e une no movimento, na dança, na
música, expressando a nossa identidade, una em cada um de nós.

É nesse desafio que me entrego e me torno forte, e vivo o momento da


Biodanza como elemento único de transformação e possibilidade de olhar e me
embevecer pelo que é de mais sagrado e verdadeiro: a Vida como Expressão
Máxima do Universo.

É nesse desafio que me engajo para estimular a conexão consigo mesmo,


com o semelhante e o Universo no reconhecimento da totalidade maior: o cosmos.

O meu desafio como Facilitador é despertar o sentimento de humanidade e


solidariedade nas pessoas para que se possa dar um sentido maior a nossa
experiência como seres humanos.

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O meu desafio como facilitador vai ser espalhar sementes por todos os cantos
onde eu estiver para que germinem e se transformem em árvores da vida, levando
alegria e mais saúde para as pessoas.

“Para a antivida, o antídoto é a Biodanza”.


Marcos Santarossa

“Nuestros pies y nuestro corazón son rítmicos. Nuestras manos son melódicas,
como nuestro cuello y nuestra sonrisa. La armonía, en cambio, hay que buscarla em
el fondo de los ojos, em el encuentro de miradas, donde se establece el circuito
inicial, o de La vida”

Rolando Toro Araneda

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- Bosi, A. – Fenomenologia do Olhar. O Olhar. Editora Schwarcz, 1999.

- Chaui M. – Janela da Alma, Espelho do Mundo. O Olhar. Editora Schwarcz, 1999.

- Gaiarsa, J. A. – O Olhar, Editora Ágora – SP, 2009

- Góis, C. W. de L. Artigo Arte-Identidade – Revista Pensamento Biocentrico,


Número 4, Julho-Dezembro 2005.

- Gonzalez, M. – Artigo Biodanza e Ação Social, Aspectos Básicos. Revista


Pensamento Biocêntrico, Número 7, Janeiro-Junho 2007.

- Lacan, J. “O Estádio do Espelho como Formador da Função do Eu”. In Escritos. Rio


de Janeiro, Jorge Zahar Editora.

- Lemos, S. A Vivencia de Transcendência. Gráfica Editora Pallotti 2ª Ed. 2013

- Pessoa, F. – Poesia Completa de Alberto Caeiro – Editora Schwarcz, 2001.

- Toro, R. A. – Biodanza – Editorial Cuarto Própriy Espacio Indigo – Chile 2009

- Toro, R. A. – Extasis del Renacido, Editorial Galac, Venezuela, 1995.

- Toro, R. A. – Inconsciente Vital e Principio Biocêntrico – Apostila do Curso de


- Formação Docente de Biodanza – Sistema Rolando Toro.

- Toro, R. A. - Identidade e Integração – Apostila do Curso de Formação Docente


- de Biodanza – Sistema Rolando Toro

- Toro, R. A. - Definição e Modelo Teórico de Biodanza – Apostila do Curso de - -


Formação Docente de Biodanza – Sistema Rolando Toro.

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