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Cólofon / lmprint

Rogério Duarte Publicado por/ Published by


Margina/ia 1

Editores/ Editors:
Manuel Raeder, Mariana Castillo Deball,
-O'·º<
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Sophie von Olfers, Rogério Duarte
BOM
Editor administrativo/ Managing editor: DIA
Studio Manuel Raeder BOA
Nações Unidas/United Nations: TARDE
Narlan Matos Teixeira BOA
Textos/Texts: Mariana Castillo Deball, NOITE
Manuel Raeder, Narlan Matos Teixeira,
Rogério Duarte, Max Jorge Hinderer Cruz Rosa-Luxemburg-Strasse 17
Tradução de textos/Text translation: 10178 Berlin
Adriana Francisco, Kiki Mazzucchelli, Moray McKie Germany
Tradução de poemas/ Poem translation: www.bomdiaboatardeboanoite.de
Mary Ellen Stitt
Edição de texto/ Copy editing: Courtney Johnson ISBN 978-3-943514-18-6

Design gráfico/Graphic design: The Deutsche Nationalbibliothek lists this publication


Studio Manuel Raeder in the Deutsche Nationalbibliografie; detailed
Impresso por/Printed by: Vier Türme GmbH, bibliographic data are available on lhe Internet at
Benedict Press, Münsterschwarzach Abtei http://dnb.d-nb.de.

Créditos fotográficos/ Photo credits: Ali rights reserved, including the right of reproduction
p. 42 photo by Cláudio Oiticica courtesy in whole or in pari in any form.
Projeto Hélio Oiticica, p. 43-46 Archivo Projeto Hélio
Oiticica, photo p. 50, 52, 64 Jorge Caê Rodrigues © 2013 Rogério Duarte, BOM DIA BOA
TARDE BOA NOITE Verlag, Portikus
The release of this book coincides with the
exhibition Capacete at Portikus, Frankfurt am Main, Printed in lhe EU
September 22-October 20, 2013.
Agradecimentos/ Special thanks to: Rogério Duarte,
Portikus Diogo Duarte, Rogério Duarte Filho, Carmen Gomes,
Alte Brücke 2/Maininsel Jorge Caê Rodrigues, Narlan Matos Teixeira,
60594 Frankfurt am Main Helmut Batista, Santiago da Silva, Marcelo Suzuki,
www.portikus.de Glauber Rocha, Jürgen Raeder, Annelie Raeder,
Aurélia Defrance, Paula Macedo WeiB, Daniel
Diretor/ Director: Nikolaus Hirsch Steegmann, Heesun Seo, Charlotte Taillet, Daniel
Curadora/ Curator: Sophie von Olfers Cortes, Antonio Manuel, Projeto Hélio Oiticica
Curadora Assistente/ Assistant Curator:
Aurélia Defrance Obra publicada com o apoio do IFA, Ministério
Coordenador da exposição/ Exhibition coordinator: da Cultura, Fundação Biblioteca Nacional/
Claudia Famulok Made possible with the financial support of the IFA,
Assistentes/ Assistants: Martin Kohout, Julien Nguyen Ministério da Cultura do Brasil, Fundação Biblioteca
Estagiária/lntern: Jane Palmer Nacional
Equipe de instalação /lnstallation team:
-. 1( Geene, Charlie Froud, Sam Siwe,

Vark Walker, Yasuaki Kitagawa

MlNJSTé.R.JO DA CULTURA BR~ fÜAÇÃONACIONAI.DINmS Ministry of


Fundaçio BIBLIOTECA NACIONAL
AS3 narte Externai Relatlons

1 '. L;
Gefõrdertdurchdu lnstltut fur
::>QRTIKUS f a Ausl;,ndsbezlehungenaus Mlttelnder ~
Ministry of
Kultur;abteilung
desAuswirtlgen Amtes AUIIDfUllDfVOICIS Culture
Índice/ Contents

Caro Rogério, 7 Dear Rogério, 11


Mariana Castillo Deball Mariana Castillo Deball
Manuel Raeder Manuel Raeder

REVISTA MOVIMENTO, Nº1: UM 107 MOVIMENTO, ISSUE 1: A LOST 113


MARCO PERDIDO DA TROPICÁLIA E LANDMARK OF TROPICÁLIA ANO
DA PÓS-MODERNIDADE NO BRASIL POSTMODERNITY IN BRAZIL
Narlan Matos Narlan Matos

A Grande Porta do Medo 137 The Great Door oJFear 161


Rogério Duarte Rogério Duarte

Notas sobre o 185 Notes on 201


desenho industrial Industrial Design
Rogério Duarte Rogério Duarte

Olhar para trás, olhar para frente 217 Looking Back, Looking Foreward 218
Max Jorge Hinderer Cruz Max Jorge Hinderer Cruz

Cronologia 221 Chronology 222


Cólofon 223 lmprint 223

79-85 29-42

15-19
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23-28
O y,,.OS
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o~ 20-27
~9-106 ü ~
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79-85 47-48
Notas sobre o Esclarecemos, de início, que desembaraçar da oposição en-
desenho industrial apenas assumimos uma respon- tre original e reprodução. Opo-
sabilidade que, se desleixada, sição nascida do fato de que
nos tornaria cúmplices de um a indústria nos seus começos,
Rogério Duarte erro mais grave que todos os não possuindo um repertório
prováveis contidos nestas notas: próprio de formas, abastecia-se
o silêncio. na produção manual, em que
Introdução Chama-se desenho indus- um contato direto entre criador
trial a ideação de formas para e cada objeto fazia supérflua
Antes tentamos um balanço produção em série. Diferente- a fixação de normas de produ-
didático e metódico das rela- mente da criação de formas ção. Porquanto, o criador podia
ções entre arte e técnica. De- não destinadas à reprodução, interferir incessantemente no
pois preferimos a forma atual, como acontece no artesanato, processo produtivo, sendo-lhe
como mais ao nível de nossas o que se concebe no desenho permitido até mesmo modificar
possibilidades e para evitar industrial não são existências ou aperfeiçoar os vários objetos
redundância, pois já existem vá- isoladas, e que podem ser com- de uma mesma fornada. Na
rias obras tratando do assunto preendidas enquanto isoladas, indústria, não havendo esse
e com muita propriedade. Os mas grupos de existências, isto contato, tende-se a considerar
interessados podem dirigir-se é, existências que concretizem como original o protótipo fruto
aos trabalhos de Herbert na sua estrutura não só as da mão, e reproduçõo, seus re-
Read, Nikolaus Pevsner, Pierre condições particulares, mas tratos que a máquina multiplica
Francastel, Sigfried Giedion, também as características de mecanicamente.
Lewis Mumford, Frederico série. Nesse sentido, um pro- Insistimos neste ponto, con-
Morais, entre outros. Na forma duto industrial é ao mesmo vencidos de que a remanescên-
atual, apresentamos e discu- tempo uma existência e uma cia do conceito, ou preconcei-
timos algumas ideias e fatos ideia, no sentido platônico de to, do original vale como um
relativos à matéria, com vistas arquétipo. E, em princípio, não bloqueio auto-defensivo por
mais a abrir o debate e pro- deve haver um empobrecimento parte de uma cultura fundada
mover o levantamento de um ou degeneração na atualização nas relações artesanais dos
problema importante para o da idéia. N_g_.p.roduto
reolizod.a_ conteúdos que historicamente
nosso país na presente etapa se identificam ideia e atualiza- lhe devem ocupar o posto.
de industrialização do que a ção, mais ainda, a ideia visg_f Partindo do nosso conceito o
fornecer conclusões fechadas. atualização, não se podendo d;J;senho industrial, não nos
Não fora a urgência com entender esta sem aquela. Doí restringiremos ao lugar comum
que esses problemas devem ser dizermos que, em desenho de que se trata de projetas
tratados e o sentimento de que, industrial, qualidade e quanti- para máquinas, objetos de uso
se não fizéssemos nós, talvez dade são funções recíprocas. comum, abajures, canetas, etc.
o assunto continuasse adorme- Para que compreendamos Nesse sentido, tanto um cantor
cido, não nos aventuraríamos. bem o exposto, devemos nos que grave discos, ou um autor
185
de uma receito de refrigeran.- fato dos primeiros tipos terem por excelência da arte de após
tes, Dm desennis.tQJ.nd.i.1.sJriol. copiado os formos do caligrafia o Revolução Industrial e que o
Citamos o exemplo do designer indico apenas o que referimos modificação dos critérios, tra-
Andrés Segovio, que o prin- no início, ou seja, o impossibi- zido pelo mecanização e suas
cípio se recusava o gravar, lidade do indústria possuir um consequências sociais, abrange
chamando os discos de músico repertório próprio de formos. o totalidade do cultura. Nos
enlatado, e depois modificou De resto, o tipografia l_ogo foi tópicos seguintes faremos con-
completamente o técnico ins- ao encontro dos modelos que sideração sobre alguns desses
trumental, o fim de obter bom lhe adequassem mais nos letras critérios. Principalmente, aque-
rendimento no gravação. gravados em pedro ou metal. les que são mais manifestos.
Em consequência, nos ofos- A tipografia do Renascimento < ~</"-
tomos do orientação geral que dá também um exempbde blo- Ar'? #°..oi''
/.<

estabelece como doto oficial do queio no tentativo de marginali- 1manenc1a versus V

gênesis do desenho industrial o zar, com iluminuras, adornos e transcedência "


ano de 1851, em que se reali- letras capitulares feitos à mão,
zou o Grande Feiro de Indústria o livro, descaracterizando-o A questão é saber se nos
em Londres. Sobretudo, evitare- como produto industrial. Não obras de desenho industrial
mos os dotas e marcos, apenas é muito diferente o situação o esteticidode é imanente ou
sugerindo que desde o origem do livro, no Renascimento, do transcendente. Trocando em
do imprenso pode-se falar em arquitetura, no século passa- miúdos: é saber se o beleza de
desenho industrial. Não tinham do, ajustando o ferro fundido um copo se dá no oereensão do
já os tipos móveis dos incunábu- às decorações oriundos do copo, o partir de suo realidade
los todos os condições atuais trabalho manual sobre o pe- êõmo copo (imanência), ou se
do projeto industrial? At~nte-se dro e o madeiro. É cloro que elo exige, poro existir, que o
poro o diferenço entre a_ca.lí- no Renascença não havíamos copo ultrapasse suo contingên-
grofo e o tipógrafo e verá que chegado à Revolução Industrial cia e se ligue o uma realidade
é o mesmo, qualitativamente, propriamente dito que, segundo superior, que pode ser um sím-
entre o artesão e o projetista. O E. Souriou, se manifesto pelo bolo ou estruÍuro privilegiado
tipógrafo deve prover o tipo de predominãncio do trabalho à (transcendência).
todos os requisitos de uso que máquina, estandardização, Dissemos que o questão era
tornem independente do suo abolição do iniciativa pessoal entre imanência e transcendên-
monuabilidode (espacejomento e influência massiva do traba- cia querendo indicar que entre
e entrelinho) e de cada situação lho, assim organizado sobre teóricos essa tem sido uma
particular, isto é, os tipos devem os meios concretos onde ele questão fundamental. De nosso
prever o reprodução, enquanto se exerce. Isso se dá de 1870 porte, evitaremos oposição de
o calígrafo pode ajustar seu es- o 1920. tal natureza por achar que elo
tilo o cada manuscrito, mesmo Nosso conclusão é que o decorre de um enfoque meta-
alterando o desenho, espacejo- desenho industci.Qwilllbriooório.. físico, tendendo o obsolutizor
menta e o tamanho do letra. O na fase renascentista, é a forma e erigir em entidades aspectos

186
~

múltiplos e fluidos da realida- duzidos à mão, sem lhes acres- sobre o industrial design. Na
de. Procuraremos demonstrar centar a menor alteração que, conclusão destas notas, tenta-
que tanto os partidários da qualquer que fosse, seria tida remos esclarecer o que pode
imanência, como os da trans- como uma deturpação da qua- constituir a síntese superadora
cendência, se situam em pólos lidade. O exemplo Laborde foi da contradição enunciada no
dialeticamente superáveis. f.ruCLescolhido por muito esclarecer título desse tópic~ .•,,.
, os últimos, .9 arte_ent1.a J:l.a o significado de tantas teorias f ,f. .,...tyl
; produção industrial como uma ainda atuais sobre o desenho 'I z.."1-fJ
/' ;O ' )f-:
categoria sagrada e eterna, industrial. Uso ou contemplação
:t cujos valores representam uma Nos fins do século XIX e
S
... espécie de redenção: é uma princípios deste, como antítese O conflito entre J!j..O e ~
f- tentativa
---
de humanização dos de Laborde e afins, surgem os templacãç não deve ser confun-
rebentos da máquina. Só que apologetas da beleza imanente dido com a oposição apresenta-
se aloja na abstração do hu- ~.quinQs. Comparam-nas da no tópico anterior. No caso
mano, a realidade concreta do às flores, acham que ambas presente não há uma oposição
homem feudal, pré-histórico, em crescem do mesmo modo, entre termos antitéticos, mas a
relação à era industrial. E que, segundo a racionalidade das comparação entre uma atitude
para elas, pretende se passar leis naturais. A beleza é então ~n!empJoção) e
sem abrir mão dos conteúdos identificada com a técnica e a uma outra que, não a excluindo,
obsoletos que a abstração en- natureza. Zurko vê nos critérios ultrapassa-a. Mas não se trata
globa. Sim, no sentido em que estéticos dessa facção analo- da proposição de atitudes, não
humanizar significa manualizar, gias éticas. Em verdade, Van de se trata de analisar as virtudes
individualizar a produção, Velde afirma a honestid_ade das do uso e da contemplação para
conferindo-lhe um prestígio que estruturas mecânicas. depois apregoar uma ou outra.
não lhe é próprio. Paradoxalmente, os imanen- Trata-se de analisar o us9.,coroo
Vimos que os transcenden- tistas esgotam a própria expe- condicão de experiência no de,
talistas constituem um bloqueio riência imanente das formas ao ~ho ind~tria.l, ~l}llitp.o-
à superestrutura da Revolução fazer delas reflexos de outras sição à atitude CQ_Q~mplativa,
Industrial. O exemplo típico realidades. A esteticida_de s~ que é lugar s_o_f!lum
c2._nsiderá-la
dessa posição está no relatório subtrai às medidas humanas como sen~o de relacão
da Seção Francesa da Feira p arÕ g ãrinar õ o5félTvíéÍad;entre- -
homem e ar.Le. Desde o
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de Londres, feito pelo Conde absoluta da natureza. Era a início, partimos da crença do r
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de Laborde, no qual pregava reação, ainda infantil, ao aris- desenho industrial como modo ,,.. ef ''
a conciliação das artes com tocratismo que caracteriza ~ da criação artística na .... ,;s,/,oP
a indústria. Não é preciso di- a primeira fase das relações vida moderna. Por isso falare- ~ 0,v'
zer que, nessa conciliação, a entre arte e indústria. No nos- mos do uso como única relacão JJ_;;I
indústria deveria verter para a so entender, no circuito desse possível com as formas válidas 1 ~e//
escala da produção em massa dualismo, vem se alternando da arte contemporânea. '{rf'
os objetos 'artisticamente' pro- a quase totalidade das teorias \ ê t-V"'.
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Por uso entendemos um coo- permanece no plano do absur- 1907. É claro que generalizava
tato operatório entre suLeilo e dõ: Citamosdois exemplos de para toda sociedade um com-
objeto. Poderíamos dizer lam- pintores sobreviventes à pintura, portamento talvez compatível
~m vez de contato ope- arte de contemplação, estando só com as classes não trabalha-
ratório, relação consumatória dado que sua funcionalidade se doras. Não se pode, entretanto,
ou mesmo antropofágica, para transferiu para outros objetos. fazer por menos as profundas
usar a expressão de Oswald É verdade que o uso como modificações que a velocidade,
de Andrade. Tal relação ou relação exclusiva é bastante por exemplo, trouxe para a
contato pressupõ;;;-ecessidade ligado às condições da vida maneira de viver dos homens.
e especificidade do objeto. A atual. Nas culturas de lazer Antigamente, pouco se sabia
relação consumatória não é das classes dominantes ante- que procedesse diretamente
ociosa, lúdica, define-se por riores à Revolução Industrial das fontes de informação. Às
ser necessária, com nitidez. é difícil pensar nele. De Van pessoas as notícias chegavam
Posto que poderíamos chamar de Velde: 'o homem moderno já devidamente temperadas
de função a modalidade do se lava, se banha e se abri- de sonho e ordenação, de
desenho industrial. Nele nada ga diferentemente do homem maneira a não lhes perturbar o
existe: peças ou materiais, pré-moderno. Lê, trabalha, vida. Era o primado do sistema
senão que tudo funciona, que se move e procura distração de pensamento sobre o fato.
tudo é signo, começando sua de outro modo. O homem Com o assustador aumento de
realidade na interpretação pré-moderno tomava banho, quantidade de informação da
que vem a ser o próprio uso. comia e trabalhava sentimental- época atual os sistemas de inter-
Fora dessa relação vital, temos mente porquanto lhe agradava pretação passam a secundar o
que o homem se defronta com ler um conselho higiênico nas próprio real, ficando substituída
a inacessibilidade ou inércia toalhas, um alegre dístico na a filosofia pelo conhecimento
da coisa. Sartre chama essa caneca de cerveja, gostosas (falamos apenas de inclinações
inércia de obscenidade. Donde rimas no fogão, flores pintadas e perspectivas). ~g.9ção
concluirmos que fora do uso na vasilha e sentenças morais contemplativa cede posto ao
toda relação é obscena, situa- no gabinete de trabalho'. ato de situar-se correiamente na
-se no plano do absurdo. Aliás 'O homem pré-moderno história, como única orientação
foi a intuição do uso, como trabalhava também sentimen- capaz de oferecer condições
único meio de comunicação talmente pois considerava o ao manejo do quase acúmulo
estética, que levou um Malevich trabalho uma penitência. Via- de informações da vida pre-
à construção das arquiteturas, java sentimentalmente, porque sente. É o que Gebser chama
ou uma Lygia Clark a construir os escassos e lentos meios de de universo aperspectívico. E o
os Bichos. Só que nos dois ca- transporte de que dispunha lhe situar-se só é possível quando se
sos a relação falhava por não deixavam suficientes horas de toma partido, ou seja, quando
haver a necessidade do objeto, ócio, como para que seu cora- se faz um USO do mundo.
era uma tentativa de criar o ção se entregasse às efusões A imaginação metafísica se
uso na gratuidade, a relação líricas'. Velde escreveu isso em afasto dando passagem à wá-j../-, .

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xis. Com isso, podemos definir a é essa nova v1sao espacial? nar uma aventura possível. E o
apreensão estética como práxis É fartamente sabido que no espaço dado ganhou o sentido
das formas. Para isso se realizar início deste século o conceito do espaço conquistado cujo
como teoria, deve-se, talvez, de espaço, tanto na arte como conhecimento só é tido pela
substituir o conceito tradicional na ciência, era de um espaço comunhão, ou práxis, ou uso.
de estética pelo de linguagem. informe e contínuo, um espa- Donde tentar conhecê-lo pelo
Mas, não queremos significar ço objetivo independente do olhar parado é destruí-lo. Os
que o imaginário tenha perdi- homem que nele poderia se critérios da contemplação são
do o posto no mundo, só que, envolver, poderia analisá-lo, ineficazes para as formas que
também ele, deve se enquadrar mas nunca criá-lo. Era uma se processam no espaço-tempo,
na categoria, para que se dê à visão estática de espaço, sua espaço do uso. Temos então
fome de mito, que no homem é consequência plástica era a que o uso, mais que relação
análoga à do pão (ou a mes- noção de equilíbrio, um espaço materialista, como é usado
ma): nós vamos ao cinema e eterno cuja máxima manifesta- pelos esteticistas tradicionais,
usamos nossos deuses que são ção era a imobilidade. Noção é uma nova gnosiologia.
coisas práticas, objetos de uso que pressupunha uma visão do Definimos forma como ne-
cotidiano. Quem quiser achar homem desligado do fazer, cuja cessidade. Acreditamos que
o deus no específico divino vai única ciência era a análise e a pela intencionalidade, pela
encontrar o pacífico divino, vai constatação - e o espaço era função, elementos se agrupam
encontrar o vazio e, como ele, o da impotência. No século numa estrutura particular. ~
a arte se nutre das impurezas XX a noção de espaço-tempo intencionalidade se determina
da terra. A arte é o código como realidade humana veio pela necessidade que faz com
onde a existência se legitima, preencher o vazio daquele que elementos isolados saiam
onde o homem se libera do espaço anterior. E a noção de da inércia para adquirir a graça
acaso da individualidade e vai equilíbrio se substituiu pela de da forma. Precisaríamos, tal-
encontrar a plenitude do social. ritmo. Este espaço reflete um vez, o sentido da necessidade
É objeto do uso mais definido. maior poder de ação do homem dizendo que ela é, quando
Na sua função comprometida sobre o mundo, uma integra- se estabelece uma ruptura de
ela atinge a forma - forma é ção: os sistemas desaparecem equilíbrio no interior de um sis-
necessidade. e surgem os métodos (mais uma tema, o impulso de restaurá-lo.
Entramos aqui nas relações vez chamamos atenção para o Se consideramos ~_todas as
entre uso e espaço. De início, uma fato de que não descreveremos r~ão sistemas, teremos
afirmação de Walter Gropius o mundo moderno, bloqueado a necessidade como móvel de
sobre a arquitetura: 'muito ainda por um sistema de força toda ação, seja de procurar
mais importante do que esta que impede a civilização indus- alimento, abrigo ou amor. A
economia estrutural e sua ên- trial de atingir sua totalidade, necessidade, com a nitidez que
fase funcional, é a realização mas apontamos suas latências). lhe caracteriza, exclui o gratui-
intelectual que tornou possível A realidade deixava de ser uma to. Percepção também só existe
uma nova visão espacial'. Qual certeza impossív_el para se tor- quando necessária. Se fosse

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possível haver um olhar desin- é algo polêmico, admitimos. manual das corporações de ofí-
teressado, ele- nunca cãptaria Como Descartes, fazemos fé cio da Idade Média (o curioso
uma estrutura. O verdadeiro na discussão e na conversa é que o grande mal da indústria
espaço, ele tam~ém, só existe também. Ousamos mesmo afir- nascesse nessas mesmas cor-
quando necessário, porquanto mar que em certas situações, porações de ofício). Diante da
é uma forma determinada no colocar o problema da arte careta, na sua sensibilidade,
tempo pela a_Ç_ã.9..bl:!.!ll.OD-O- (mesmo para nós que somos compreenderam a esterilidade
Do arrazoado, aílora a pe- mais fazedores que juízes) vale de qualquer discussão restrita
quena conclusão de que, sem mais que produzi-la. ao âmbito da estética, como a
o conceito de fim como me- A Feira de Londres, primeira dos arquitetos da época, para
dida do objeto, escultura ou grande explosão de mau gosto os quais o importante era saber
ferramenta, nenhum critério de da História. Fala-se de um carri- qual o mais bonitinho, o estilo
apreciação é possível - se não nho para crianças em forma de Neo-Gótico ou o Paladino. Para
definimos para o que serve uma navio sobre um suporte deco- Morris 'não se p~ _gru.o..c.i.oi:..
coisa, arte ou o que for, não rado em cuja proa uma vitória a arte do sistema sociol'. Sem
se pode admitir sua existência. alada deixa cair dos braços consciência de que qualquer
Mas é fundamental que não levantados um ornato de rendas transformação deveria se pro-
nos esqueçamos do conceito de e grinaldas formando uma espé- cessar a partir da indústria mes-
fim tanto para o objeto quanto cie de umbela - antevisão da mo, tomou os sintomas como
para o sujeito: uma ação sem Disneylândia, de Hollywood ou causa, e escolheu o imaginário:
seu "para quê" é apenas um das Lojas Brasileiras. Uma con- cria uma corporação de artes
gesto. É possível que tenhamos cretização das ideias de conci- e ofícios (Arts & Crafts) e vai
sido excessivos pois quisemos liação entre as artes e a indús- realizar uma experiência dentro
mostrar apenas que a contem- tria, propaladas pelos Laborde da qual fica descomprometido
plação, critério estabelecido e Caterva. Acrescente-se que a com os males da época. Morris,
para a avaliação da arte, de feira era apenas o lado de fora entretanto, foi adiante de
nada serve. Resumindo: espa- do horror, nas fábricas cujas Ruskin, que ficou paralisado
ço, tempo, forma, linguagem, jornadas de trabalho eram de na contemplação das catedrais
valor, esteticidade só existem mais de 12 horas, uma multidão, góticas, pois, no seu utopismo
'no dramático compromisso de inclusive crianças, apodrecia muito informado por Thomas
fazer'. (Giulio Cario Argan). no escuro e na sujeira. Uma Morus ele partiu para a militân-
Tendo feito este levantamen- imensa careta da máquina (da cia política, chegando a criar
to de alguns conceitos a que máquina?), diante da qual os uma liga socialista. Pena que
se liga o problema do desenho sensíveis John Ruskin e William seu romantismo, sua pressa de
industrial, ensaiaremos o balan- Morris são como crianças as- beleza, lhe conduzissem à eva-
ço resumido de algumas teorias, sustadas procurando abrigo nas são, pois quando estouraram
escolas ou movimentos de arte saias do passado. Para eles a os grandes motins de Londres e
industrial desde William Morris redenção do homem e da arte a Revolução pareceu tangível,
até nossos dias. Nosso objetivo estava no retorno ao trabalho ele, desta vez horrorizado com

190
ela mesma, se afasta definitiva- sem serifa tão característico discussões acadêmicas aqueles
mente para sua idílica tipogra- de nosso tempo foi desenhado que lhe querem fazer combate
fia, abandonando 'as lutas vãs pela primeira vez em 1803. em nome da salvação da cultu-
deste mundo'. Parecia haver uma harmonia ra. Já os artistas do 1900 têm
A importância de William entre o desenvolvimento das consciência de que só através
M~is reside na tendência técnicas e das formas. Mas com da integração na sociedade
totali~e de sua concepção a irrupção da Revolução Indus- industrial eles podem sobre-
deãrfe, no fato de relacioná-lo trial os ritmos de crescimento viver. Invadem o mundo dos
com os outros aspectos da adquiriram um motus avassala- objetos mas com todo fanatismo
sociedade desde o modo de dor, criando uma situação de expressionista que faz dos ob-
produção até a visão de mundo desequilíbrio cultural que levou jetos representações subjetivas
subjacente. Pois, identificando os artistas ao irracionalismo. independentes dos condicio-
indústria com o mal não pode- Era como uma desprovinciani- namentos reais. Fazem do
ria basear nela sua arte, o que zação do mundo, assustadora. cotidiano quase um sonho onde
levou sua obra à co.ntradi~o Os artistas procuraram face a as formas não passam de senti-
de, sendo produzida artesanal- ela a fantasia - a época dos mentos retificados. Arriscamos
mente e com re.fioamentos esteti- orientalismos, misticismos e etc. dizer que os artistas de 1900
cistas, estar acima da cultura do No plano da sociedade este assaltaram o mundo dos objetos
pov;, para quem, segundo ele, desequilíbrio sentia-se particu- para camuflá-lo, para fazê-lo
a- arte deveria ser feita. larmente: é a época da maior perder a contundência. O
miséria operária e fastígio bur- 'manto diáfano da fantasia' se
guês. Pouquíssimos são os que, colava à face do próprio real.
Art Nouveau como Marx, conseguem ter uma Num cartaz de Grassei, anun-
visão clara do significado da in- ciando bicicletas vemos uma
Alguns dos elementos do dústria. Na segunda metade do ninfa alada envolta por ervas,
que se poderia chamar de o século XIX e princípios do sécu- mas não vemos a bicicleta: todo
estilo século XX vinham já se lo XX agrava-se a situação. Os um complô de símbolos antigos
desenvolvendo normalmente artistas, excluídos do contexto para neutralizar a novidade do
desde o século XVI. A tendên- da produção, aferram-se à luta objeto, sua nudez destruidora.
cia à racionalização da forma contra o que acreditavam ser Estamos em plena transcendên-
das letras empreendida pela sua inimiga maior, a indústria. cia. Não é à toa que justo nesse
Comissão Jaugéon, nos fins do No desenho dos objetos de con- momento aparece a teoria do
século XVI 1.As construções dos sumo, nota-se um retorno à fase belo-técnico-imanente e pre-
engenheiros do século XVIII. A anterior ao racionalismo renas- cisamente que Van de Velde,
Revolução Francesa introduziu centista. O grupo Pré-Rafaelita chefe do movimento 100 (Art
a noção de beleza racional. exemplifica bem essa atitude. Nouveau), seja um dos seus
Napoleão considerava obra Mas o processo de industrializa- primeiros anunciadores.
de arte o trabalho dos técnicos ção é irreversível, e vão ficando
construtores. O primeiro tipo marginalizados no âmbito das

191
No início deste tópico disse- to coerentemente com o razão o fizemos do Arts & Crofts e
mos que os formos típicos que de Von de Velde e com o espíri- Art Nouveau. Também não
culminaram no estilo século XX to do século XX, prego num dis- terá sentido, para estas notas,
vinham se desenvolvendo nor- curso no Deutscher Werkbund analisar os experiências de
malmente até o século passado, o estandardização, Velde retru- teatro e pintura no Bouhous,
em que um temor diante do co que, sendo o artista um apai- mesmo porque não se pode
indústria fez os artistas retroce- xonado individualista, nunca se folar numa versão bouhousia-
derem até um passado anterior submeterá o cânones. na de cada manifestação do
ao início do culturo que redun- Vimos então como, no Art cultura. Aliás se pode dizer
dam no Revolução Industrial. Nouveou, se coloco a distinção que a Bauhous foi um agrupa-
Com efeito, vemos que nos artes metafísico imanência-trans- mento, sem característicos de
gráficos do estilo cartesiano cendência. Era o decorrência 'ismo', de todos as tendências
de Didot os especulações se do beco sem saído em que se contemporâneos que ali se
voltam poro os decoroções e encontravam os concepções de juntaram com o objetivo do
caligrafias do século XV. arte desse período. Ou admiti- construção. A_eenas_poder-se-ia
O espírito que conduziu ao riam o arte justaposto, espécie distingui-lo dos outros movimen-
medievalismo de Burne-Jones é de enfermidade cutâneo do tos artísticos pelo seu marcado
o mesmo que subsidio o do Art realidade, ou teriam que negar sentido de ordenação que em
Nouveou. O artista alienado completamente a figuração princípio afastava qualquer
se superindividualizo e depois como fator determinante nos irracionalismo. Das suas fontes,
procuro o reintegração no formas. Expressionismo, Construtivismo,
social, mos sem querer perder Não queremos que se pense Dadaísmo, Funcionalismo (So-
os vivências de suo condição serem nossos observações um chlichkeit) e o movimento Arts
marginal. Von de Velde será quadro do que foi o movimento & Crofts, procurava-se extrair
portador ao mesmo tempo des- Art Nouveau. Apenas extraí- as virtualidades formadoras de
se individualismo exacerbada e mos dele alguns dados úteis à uma nova visão das artes, mas
do tradição racionalista. Será o exposição de nosso ponto de afastava-se de tudo que fosse
um só tempo sentimento e razão visto sobre desenho industrial. decorrência dos limitações de
isolados um do outro em células Por isso deixamos de nos referir cada um desses movimentos.
estanques. E, por ser os duas a fatos que, embora sendo da Por exemplo, aceitar o liberda-
coisos, vai ao extremo de cada maior importância em outro de dadoísto não implicava assu-
uma - do superindividuolismo à contexto, não nos ajudariam mir suo atitude de infantil revolto
extremizoção racionalista que substancialmente. frente à linguagem. Recebia-se
levou à identidade orte-mecã- a contribuição de Morris mos
nico. Do duplo doença infantil sem se embarcar poro o Idade
subjetivismo-positivismo sofreu Bauhaus Média. O mesmo se pode dizer
Von de Velde, e de nenhuma de- dos outras tendências plásticos
las se curou. Pois quando, já em Não vamos fazer uma des- absorvidas pela Bauhaus. Não
1914, Hermonn Muthesius, mui- crição da Bauhaus como não se depreende que na Bouhous

192
procurava-se arrancar dos mo- artística. Sabia que a divisão artigos de consumo - objetos
vimentos suas formas, sua casca do trabalho só poderia ser pre- sociolistas no mundo capitalista.
esvaziada de conteúdo. O que judicial à arte quando essa arte Da contradição entre teoria e
ela procurou foi absorver o que estivesse ligada ao indivíduo. situação econômica surgiu não
havia de progressista, de sub- E propunha a substituição do só o impasse da Bauhaus, mas a
sídios para um formulação das artista pelo programador, ou impossibilidade até nossos dias
artes integrado na socidedade seja, o criador de formas que de uma formulação e aplicação
industrial. parte do princípio do trabalho de uma correta teoria do dese-
Walter Gropius, o fundador de equipe, e nele se situa como nho industrial.
da escola, continua o movi- mediador das várias etapas. As acusações que se fazem a
mente iniciado na Alemanha Contra a especialização, pro- Gropius, de ter reduzido a arte
por Muthesius e Van de Velde. punha, por parte dos elementos a um frio tecnicismo, revelam,
No entanto não se deve con- de uma equipe, a consciência sobre quem as faz, ausência
fundir as teorias de Gropius da totalidade do processo de uma compreensão global
com as ingênuas posições de de produção, que tornaria os do problema: em primeiro lugar,
Van de Velde. Pois se Gropius membros da equipe intérpretes separa-se Gropius do seu con-
ia (como Muthesius) além do dos objetos. Ele queria levar a texto, em seguida, exige-se da
que diz respeito à integração indústria à realização completa sua obra que tenha as qualida-
arte-indústria, a ponto de co- de seus conteúdos, a partir da des estéticas segundo um modo
locar a estandardização como produção de formas. Queria de approach contra o qual ele
um de seus progromas básicos, a desalienação da arte pelo desencadeou sua maior luta.
não restringia sua estética a trabalho na indústria e a de- Numa sociedade injustificada
uma pura abolição de enfeites. salienação do trabalho pel.a.. por outros motivos, espera-se
Para ele o importante não. era consciência criadora. O estilo dos objetos, de que estamos
substituir a decoração pelo deveria demitir-se de sua tarefa separados por uma impossibi-
maschinensti/, mas simplesmente de transformar os objetos em fe- !idade de ação integrada, que
destruir o conceito tradicional tiches de classe. Gropius querra portem uma carga simbólica do
.{ de estilo, pondo o método de objetos aestilísticos para uma totem. Aí reside a incompreen-
sl trabalho como único determi-
nante do resultado formal dos
sociedade sem a superestrutu-
ra de classes (claro que sem
são da Bauhaus, e a razão de
grande parte das heresias que
objetos. Para Gropius, nesse transformar a infraestrutura). lhe sucederam.
particular muito afim de Marx, o Mas achava que a verdade Podemos criticar o utopismo
critério da verdade no desenho dos objetos deveria nascer de Gropius, mas nunca aceitar
é a práxis. Não só considerava idealisticamente do esforço de o julgamento do seu trabalho
Gropius a estandardização uma elite lúcida. Aí o utopismo partindo de um critério invali-
como única resposta ao proble- de Gropius se encontra com o dado por esse mesmo trabalho:
ma do fabrico, mas acreditava de Morris. Ambos querendo contemplação ou simplicidade
que a individualidade tinha realizar um socialismo por no fetichismo. Inclusive o pró-
chegado ao fim na produção analogia na produção dos prio uso que nos permitirá a

193
plena experiência das abjetos o trabalho na oficina de ferro formais oferecidas pela régua
é quase um ideal distante, se ou madéira, numa busca direta e compasso. Afirmamos que
entendermos que o uso não é de contato com esses materiais, Dürer nõo incorreria em tal
só uma participação física do fornecer sua natureza, se essa simplismo porque, ainda no
objeto pelo sujeito, mas comu- natureza iria ser completamente Renascimento, quando bolou
nhão entre os dois. diversa quando no contato com seu método de construção de
Havíamos falado, a propó- a máquina? Na Bauhaus, só letras, usava instrumentos geo-
sito dos Bichos de Lygia Clark, com Marcel Breuer sentimos métricos só para normalizar a
sobre o contato no plano do uma visão das formas mais estrutura, deixando à maleabi-
absurdo. Porém, não é verdade adequadas à produção indus- lidade da mão seu traçado de-
que este absurdo continua no trial. De suas cadeiras já não se finitivo. Muito estranhamos que
manuseio dos objetos de consu- pode observar que o material um teórico tão avisado como
mo, se não se precisa uma clara causa a forma, pois o próprio Argan cometesse o descuido
teologia que torne significante material é a forma {referimo-nos de afirmar que na Bauhaus
o cotidiano? às cadeiras tubulares). pela primeira vez procurou-se
É de dentro do 'espírito Outro fator do maneirismo desenhar as letras em função
de uma época sem espíriJo' bauhausiano foi o movimento da leitura, e que em toda a
(Marx) que se pretende analisar Construtivista. É verdade que história das formas de letras o
Gropius. Gropius o percebeu, muito se tipo não passava de comple-
O que devemos criticar na empenhando contra Doesburg. mento epigráfico do texto. Será
Bauhaus, afora seu utopismo, Por via do Construtivismo, a que Argan ignora as teorias de
são justamente as obras que funcionalidade era confundida legibilidade, as mais sutis que já
contrariam seus postulados. A com o processo de construção existem desde Carlos Magno,
Bauhaus pretendia destruir com- (essa deformação lembra a que mandou Alcuino desenhar
pletamente o conceito de estilo identificação arte-técnica do uma letra que racionalizasse
e acabou presa a um maneiris- fim do século). Faz-se sentir na todas as escritas anteriores?
mo. Muito do que lá se dizia arquitetura e particularmente na Mas o estilo Bauhaus se de-
decorrente de necessidades comunicação visual: os tipos de nuncia como estilo no sentido
objetivas, na verdade era fruto letra desenhados por Herbert mais tradicional quando mais
peco e uma estereotipação. Bayer, o Futura de Paul Renner tarde se torna atrativo superfi-
Outra crítica é que a Bauhaus, desenhado a partir das formu- cial para mercadorias de baixa
tendo pretendido uma arte pu- lações bauhausianas ou o tipo qualidade. Gropius poderia
ramente industrial, dá origem Chamblon de Albers, são de um dizer como Valéry - "Ci-git moi,
a formas decorrentes de expe- simplismo em que não incorreria tué par les autres".
riências artesanais. O primado nem mesmo um Albrecht Dürer.
dos materiais, sua ação sobre a Esses tipos foram projetados
figura, seria diferente segundo não a partir de uma teoria de
fossem eles abordados pela percepção e da legibilidade
mão ou pela máquina. Poderia mas segundo as possibilidades

194
O Styling Americano O caso do cigarro Lucky Strike anúncio de máquina de lavar,
ou das copiadoras Gestetner onde no texto se faz um apelo
A Bauhaus, com todos seus repetem-se aos milhares. Étudo à razão (compre a máquina X,
id;ais de transformação do isso fruto da sensatez do bom pois economiza tantos minutos
homem através da arte, aca- desenho? Se fosse estaríamos de energia e de tempo), e na
bou transformando-se naquilo diante do triunfo da verdade e imagem, ao sentimento (uma fa.
que Gropius menos desejaria: da beleza. Mas existe alguma mília feliz admira o trabalho da
um estilo, uma bossa. Nos coisa atrás de tudo isso: a su- máquina enquanto a família do
EUA, a preocupação com a perprodução. vizinho, igualmente composta
forma dos produtos tornou-se Falamos do problema do de marido, mulher, filho e filha,
uma extensão da publicidade. uso como racionalidade e espia invejosa pela janela). O
'Estético é o que faz soar a demos o exemplo dos Bichos, slogan só não é: 'compre a
caixa registradora' é, apesar da onde, procurando-se criar o máquina X e seja melhor que
crueza, o slogan que engloba uso pela superfície, deixava-se seu vizinho' porque as pala-
os ideais do industrial design a relação no plano do absurdo. vras vão para a consciência,
americano. Raymond Loewy, Aparentemente a saída estaria enquanto as imagens, por não
lá chegando em 1919, arma em abandonar imediatamente se revestirem do aspecto legal
seu negócio num arranha-céu as esculturas e partir para os que só uma linguagem conven-
da 5º Avenida e manda brasa. objetos de consumo. Mas isto só cionada teria, dirigem-se às
Chega mesmo a escrever um em tese, pois uma relação inte- razões inconfessáveis. Aí reside
livro no qual tenta provar que grada só não é menos absurda o princípio do grande sucesso
existe correspondência abso- do que, com os Bichos, a rela- de Loewy, Teague, Dreyfus,
luta entre beleza e vendagem. ção que existe entre o homem Earl, etc. O que eles fazem
O designer, nova versão do e os objetos de consumo, num não é só resolver os problemas
artista iluminado, desta vez contexto culturalmente falido, técnico-formais da indústria
intui misteriosamente as remotas onde o cotidiano é apenas para ou enfeitar simplesmente as
aspirações do consumidor. Não aturdir a percepção do vazio. estruturas. Criam objetos de
é homem de gênio, mas homem Num mundo onírico a relação consumo imaginário - eles são
de faro. Tudo se passa como realista é impossível. Impossível os escultores, os intérpretes da
num conto de fadas, aliás muito numa civilização como a ame- frustração americana.
no gênero americano. As coisas ricana, em que a necessidade Concluímos que a função do
nascem do nada, o engraxate da produção capitalista, de desen'1isto nos EUA é manter
vira capitão de indústria, uma criar um consumo artificial o consumidor na esfera do
mercadoria encalhada vira poro escoar a superprodução, onírico, para evitar que um vivi-
best seller, por obra e graça falseia o contato consumatório. ficante contato com a forma nua
do designer, que, modificando O uso torna-se pretexto para de realidade pudesse levá-lo
a apresentação, faz do produto uma liturgia fetichista. É bem a tomar consciência de si e
a coisa mais desejável do mun- conhecido, entre os profissio- de seu absurdo, e torná-lo um
do. E isso acontece realmente. nais de publicida~e, o caso do elemento perigosamente subver-
195
sivo. As bossas da Bauhaus fo- rio à salvação do homem. Basta o mau gosto das multidões po-
ram usadas porque no Olimpo educar uma elite de esthéticiens luísse a pureza dos arquétipos.
americano admite-se também industrieis para que a era indus- Assim o povo consumia objetos
o mito da razão. Este Olimpo trial se humanize. O pior é que de finíssimo gosto, mas sem
é tão diversificado quanto o Viénot não confra na práxis do saber - era mais um caso de
grego, a única diferença é que desenho industrial como deter- consumo no plano do absurdo.
o lugar de Júpiter é ocupado minadora de formas. O artista Viénot refere-se a essa situação
por Mercúrio. deve receber as prendas da como o ideal a ser atingido. Por
arte superior, arte de gabinete, que não dizer que para ele o
e depois massificá-la nos produ- importante é que os padrões
L'Esthétique lndustrielle tos. De pouco vale fazer decla- da classe dominante sejam
rações contra um decorativismo mantidos?
Jacques Viénot fez uma mistu- já posto por terra desde Adolf
ra de Morris, Souriau, Gropius, Loos e Van de Velde.
Loewy, Max Bill, para colocar O que acontece com Viénot A escola de Ulm
a França no páreo da arte in- é o mesmo que com os outros
dustrial. Ele acredita, como seus teóricos do desenho industrial: Fundada pelo ex-bauhau-
inspiradores (crença convenien- colocar-se à margem da ques- siano Max Bill, é dirigida atu-
te aos interesses da indústria), tão principal - não é possível almente pelo argentino Tomás
na redenção por meio dos haver uma arte coerente com Maldonado. Houve uma briga
objetos. A dificuldade é criar a indústria se não for coerente entre os dois. Bill, um pouco à
uma tradição de bom gosto. consigo própria, enquanto sua moda de Van de Velde, reagiu
Viénot não pensa como Loewy natureza social estiver bloque- contra o individualismo radical
diz que pensa. Isto é, que feiúra ada. de Maldonado. Achava que o
não se vende. Na sua ética, A questão estética do de- artista deveria continuar artista,
que não vai ao ponto de abolir senho industrial é, em última pintar seus quadros a óleo,
nas estruturas sociais, propõe a análise, uma questão política. contemplar às vezes a beleza
educação como único caminho Por enquanto, o que se pode desinteressante, sem que isso o
para a elevação do gosto. Esta discutir é se são bons ou maus invalidasse como designer.
é a posição geral dos humanis- os desenhos de objetos absur- Já Maldonado, consideran-
tas que admitem o capitalismo dos. Basta citar a razão que do o crescente aumento da
como ponto pacífico, Herbert Viénot dá do bom gosto dos complexidade da produção in-
Read por exemplo. Viénot, na objetos artesanais, para se fa- dustrial, temia uma defasagem
impossibilidade de uma visão zer uma ideia da sua privação entre a indústria e o produtor de
totalizante, cai na posição dos de sentido. Acha ele que se formas. Para evitá-la, qualquer
transcendentalistas, como Léon deve a que os modelos-norma interferência do expressionismo
de Laborde , de cem anos atrás: eram produzidos por artistas na produção industrial devia ser
o casamento de conveniência e obedecidos cegamente por proscrita. O industrio/ designe,
entre arte e indústria é necessá- artesãos, evitando-se assim que tinha que, cjein[cio, aparelharse

196
tecnologicamente para iníluir de Maldonado não dispõe que cializado. Que poderia todo
eficazmente no processo de o bom desenho possa determi- o operacionalismo científico
faóricação moderna, carac- nar o bom homem, nem preten- desse mundo fazer contra a
terizado essencialmente pela de substituir pelo designer de obsolescência planejada? E, em
automação.jSegundo Mald"c;. objetos todas as manifestações segundo lugar, porque acredita-
nado, chegamos em éE9.ca de anteriores de cultura. Por outro mos que, no fundo, Ulm ainda
tal complexidade que qualquer lado, Maldonado faz severa está presa a uma figuração
decisão errada no processo de oposição ao estilismo como cubista e bauhausiana que aí
elaboração do produto pode meio de implantação artificial se refere apenas a um estilo no
ser desastroso. de mercadorias. O desenhista sentido mais formal da palavra.
Ele via o perigo de qualquer industrial é um técnico que age Quem sabe se a visão de um
discussão sobre princípios esté- nas áreas de maior responsabi- mundo supertécnico em Ulm
ticos tornar-se acadêmica. Que lidade da produção, e não um não decorre da necessidade de
os princípios não pudessem esteticista industrial. As formas justificar seu formalismo? Pensa
se traduzir em ação sobre a são estudadas do ponto de vis- -se no trabalho de Otl Aicher
máquina, e o consequente pe- ta ergonômico da operação a no setor de comunicação visu-
rigo de se fiar na gratuidade realizar e não simplesmente do al. Tudo arrumadinho e exato,
individual do artista. Outra má ponto de vista da figuração. A como se um milímetro para lá
consequência do esteticismo via ética do profissional é ater-se às ou para cá na colocação de
Maldonado estava no fato da considerações técnicas, e não qualquer elemento visual pudes-
indústria, para satisfazer sua às de mercado ou estéticas. Ve- se levar a Europa à ruína. Max
real demanda de designers, mos aí que, segundo a filosofia Bill diz que o estilo de Mondrian
formá-los pragmaticamente, de Ulm, a resposta ao problema é puramente emocional. Não
sem lhes permitir tornarem-se in- da produção de formas está no será também um geometrismo
térpretes da cultura. O objetivo designer assumir-se num contex- autodefensivo, como a pintura
de Ulm é formarJllQ.9_íamadores to cada vez mais técnico, para dos esquizofrênicos, a figura-
técnico-visuais ultraespecializa- não ser por ele sufocado. ção da escola de Ulm? Talvez
dos para atuar sobre o nervo Evitaremos protestar ingenu- estejamos enganados, mas
da produção. Os cursos contêm amente contra o tecnocratismo podemos arriscar as observa-
disciplinas como teoria geral de Ulm. Manteremos apenas ções acima pelo que nos foi
dos signos, programação linear, nossas reservas quanto à viabi- dado conhecer de perto aqui
teoria dos grupos, topologia, lidade prática de seus pontos no Brasil sobre os resultados da
cultura contemporânea e outras de vista, em primeiro lugar cha- Hoschule für Gestaltung.
matérias ainda mais complica- mando a atenção para o fato
das. Em Ulm, critica-se o que de que, por mais cibernético
na Bauhaus havia de místico. A que seja um desenhista indus- O Brasil
própria idéia de reformulação trial, ele não poderá modificar
do homem é severamente criti- a orientação de uma indústria A grande feira de 1851
cada, pois o progroma realista através de seu trab_alho espe- repercutiu também entre nós.

197
Manuel de Araújo Porto Alegre se restringiu às manifestações Mesmo o nacionalismo do
representou para nós o que artísticas tradicionais. O termo período romântico ou de 22,
Léon de Laborde representou futurista designou o movimento são versões tupiniquins de
para a França. Pintor e poeta, de 22, e Marinetti chegou a nacionalismos estrangeiros. A
participante do movimento ser considerado um dos seus Europa grita: está na hora de
romântico, grande amigo de maiores iníluenciadores, nem amar a pátria, e aí nos senti-
Gonçalves Dias, quando no- se tocando no nome de Antonio mos autorizados a amar nossa
meado por Pedro li para a de Sant'Elia, extraordinário ar- pátria. Irrita-se ou não a glória
direção da Escola de Belas quiteto e homem de visão das nacional, vamos afirmar que isto
Artes, reformou os métodos de relações entre arte e indústria, é muito natural quando se trata
ensino, dando especial relevo que tantas vinculações teve com de países subdesenvolvidos.
ao desenho de arte aplicada o movimento futurista italiano. Depois de Lúcio Costa é
à indústria. Procurou dar maior O Brasil acorda tarde: o que Loewy quem ocupa nossa cena
objetividade à Escola de Belas provocou escândalo em São através da abertura em São
Artes, orientando-a mais para a Paulo no movimento moderno Paulo da Raymond Loewy &
formação de profissionais úteis nada mais é do que a descober- Associates. Passamos a usar
do que indivíduos ociosos a fa. ta, feita trinta anos depois, do desenhos da linha america-
bricar uma arte para a qual não Impressionismo, Simbolismo e na que decorre, como vimos,
havia sequer o mínimo consumo outras manifestações do século de uma tentativa de resolver
no Brasil de então. É claro que passado na Europa. pela superfície dos objetos o
não encontrou entre os acadê- Talvez não esteja absolu- problema da vendagem. País
micos {não se sabe se são os tamente exato o que afirma- subprodutor, o Brasil consome
mesmos que ainda hoje dirigem mos. Pode-se replicar que o as formas da superprodução
a escola) condições para a rea- Futurismo, o Cubismo não são americana, e ainda por cima
lização de suas ideias. movimentos do século passado pagando elevados royalties.
Não temos notícia de nada e nós concordaríamos de bom Em 1948, Lino Bo Bardi
de significativo sobre a ma- grado, apenas chamando a e Giancarlo Palanti criam o
téria desde Porto Alegre até atenção para o fato de que, se estúdio Palma em São Paulo,
1930, quando Lúcio Costa, na enxurrada de 22 aparece o onde se começa a desenhar os
calcado em Le Corbusier, rea- que havia de mais recente na primeiros móveis modernos no
cende entre nós o reílexo das Europa, qualitativamente esse Brasil. Mas a produção é ainda
mais recentes preocupações movimento ficou no Impressio- em escala pequena e sem levar
culturais europeias. É de es- nismo. em conta a realidade brasileira.
tranhar que o movimento de Um fato triste, mas que não Os operários que construíram
1922 não tenha introduzido pode deixar de ser menciona- esses móveis eram italianos
entre nós conceitos de então do, é que quase tudo apare- como seus projetistas, Dois anos
sobre o desenho industrial. cido entre nós em matéria de durou a atividade do estúdio
Um movimento típico de uma vanguardismo é decorrência Palma. Depois Lino Bo Bardi
descoberta de vida moderna de movimentos estrangeiros. inicia· um curso de desenho

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industrial no IAC de São Paulo, subdesenvolvido como o nosso, diretamente à confecção de
também o primeiro do Brasil e pode ficar absurdo o operacio- objetos de uso imediato. Isso
com a mesma duração de dois nalismo científico de Ulm;..Tu.m-e-- porque não os acreditamos
anos. Mais tarde, Lina ensina mos que ESDI siga um caminho essencialmente distintos dos
desenho industrial durante três não muito de acordo com o objetos de consumo cultural, e
anos na Universidade de São que precisamos (uma escola de porque justamente na especifici-
Paulo. A partir das primeiras desenho industrial deveria, por dade da analogia entre ambos
experiências, LinaBo Bardi evo- exemplo, estar ligada, ou pelo consiste o ponto de vista motor
luiu para uma pesquisa aprofun- menos levar em conta um plano da nossa busca. Procuraremos
dada da realidade brasileira, como o de industrialização da agora extrair do nosso esbo-
desde os aspectos físicos aos SUDENE, de Celso Furtado). ço algumas conclusões mais
antropológicos, fazendo um le- Além disso,_ainda que a linha gerais sobre o significado e a
vantamento dos objetos de uso üfm não nos fosse prejudicial, situação da arte na sociedade
popular, encontrando na sua não acreditamos que a ESDI presente. Desde logo evitan-
propriedade formal e conteudís- possa manter o se.u po-drão, do a dualidade enunciada
tica, e na sua autenticidade, as pois o Brasil, não tendo nem no tópico imanência versus
verdadeiras raízes do desenho infra nem superestrutura que transcendência, ~stenderemos
industrial brasileiro. Em Lina Bo possa mantê-lo, pode levar a nossos conceitos sobre objeto
Bardi nós temos o exemplo da ESDI a tornar-se uma imitação industrial a toda gama das ma-
tomada de consciência de que pobre. Mas estes temores só se nifestações culturais modernas,
os problemas artísticos são so- justificam em parte, pois nosso opondo-as sociologicamente às
mente uma face do problema contato com a Escola e sua artesanais, mesmo quando se
social. Ela se desloca de uma turma nos faz ficar pelo menos trata daquelas consideradas
visão superintelectualizada e atentos ao que lá possa surgir. comumente desinteressadas.
europeia para a arte popular Confiamos no..no.s.so..poder de Do que decorre não haver mais
brasileira. ~ação e transformação nexõem falar de original como
A Escola Superior de Desenho de influências, na nossa antro- condição estética. O processo
Industrial é a iniciativa mais pofagia. de ideação substitui o de ma-
recente do gênero entre nós. nufatura. Caducou também a
Não é ainda tempo de julgar dependência da arte à indivi-
seu_sresultados porque ainda Conclusão dualidade: as concepções po-
nem formou a primeira turma. dem perfeitamente proceder-se
No entanto, baseado no co- Nestas notas procuramos numa equipe tal como nas
nhecimento de seus programas focalizar e discutir apenas fábricas. Não é isso que acon-
e professores, podemos arriscar alguns aspectos das relações tece no cinema? A divisão do
algumas opiniões sobre suas entre arte e indústria. Apesar da trabalho ocorre no cinema no
possibilidades. Causa-nos um amplitude da nossa definição cerne mesmo da criação e
pouco de apreensão seu cará- inicial quase nos ativemos aos sem prejuízo da unidade da
ter de escola superior. Em país movimentos plásticos ligados obra, pois o processo criador
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é interativo, compondo-se em que existe entre cinema e teatro Nem levaria ao formalismo Op,
unidade a cada momento da ou pintura e cartaz. Cartaz e nem à alienação paulista, que é
feitura: o roteirista interpreta cinema são desenho industrial. uma mescla dos dois e se chama
um argumento, e por sua vez é Aplicando-se os critérios da Opop ou Popcreto (é ridículo).
interpretado pelo diretor, que teoria da comunicação à teoria Não adianta querer usar o mass
dá à interpretação do público, da arte: a diferença entre uma media sem se comprometer com
também criadora. obra de ficção e uma obra di- seu conteúdo, que é o própria
Não nos escravizemos tam- dático está nos objetivos puros. épica coletiva, onde não há
bém às categorias Benseanas O instrumental, para ser instru- lugar para a intelectualizada
de belo contingente e belo mental, deve conter elementos decadência esteticamente inte-
necessário para as diferenças consumatórios, e vice-versa. É ressante. (G. Lukács).
entre arte e artigo de consumo. preciso acabar com as catego- Quanto às teorias de pro-
Não há uma nítida diferença rias, sobretudo quando nelas dução de objetos de consumo,
entre as duas coisas, como não há, implícita, uma hierarquia fico absurdo no nosso está-
há uma identidade interna no aristocrático. Há uma continui- gio cultural falar em estili~mo.
que supõe Bense ser categoria. dade topológica entre o que os A forma dos nossos produtos
Pode haver, inclusive, diferença chamados estetas denominam nascerá da próprio urgência - e
de determinação tão grande en- discriminadamente arte menor será boa se verdadeira._ Se__ria_
tre os dois objetos de consumo e maior. ridículo transplantar 'ismos' de
como entre duas obras de arte. -~-~--J~Jas.il, p.ofa-1úr9em de países onde os problemas de
Dever-se-ia analisar os objetos, uma tradi~r:le.sanal - sa- infra-estrutura já foram 'resol-
de consumo imediato ou não, ímos do neolítico para a era vidos', e onde se pode pensar
segundo a complexidade de atômica - sente.cse...afalta de em refinamentos ociosos. Nossa
sua natureza e o grau de sua penetração das formo.s tradicio- arte industrial terá de ser uma
determinação, conseguindo-se naís éfe arte. Rádio, imprensa, arte de bem resolver - de dar
o partir doí classificar os formos TV e -cinema é o que o povo resposta exata ~emandas,
culturais, desde o mais rudimen- consome (ou a parcelo do povo sejam d,:: pele ou do espírito.
tar instrumento cotidiano às que no Brasil consome alguma
mais elevados exteriorizações coisa). O comics, a fotonovela Rio, abril de 1965
artísticos. Por exemplo, entre um são o que de mais significativo
monumento de celebração e um se faz hoje em comunicação
edifício residencial há uma dife- visual. Não é à toa que Chris
renço qualitativo {sendo os dois Morker ou Resnais buscariam
projetos arquitetônicos) equiva- essas formas de comunicação.
lente àquela entre um poema É claro que esse caminho não
e uma reportagem, diferença levaria à Pop Art, tentativa frus-
apenas de grau de determina- trada de penetrar na comunica-
ção. Não se pode aplicar aos ção de massa desde um ponto
termos design e arte o diferença de vista lúmpen da realidade.

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