Você está na página 1de 53

Bordenave

ÍNDICE

— Prólogo 7
— O meio ambiente social da comunicação... 12
— Do grunhido ao satélite 23
— O ato de comunicar 35
— É impossível não comunicar 50
— Que "significa" isto? 62
— Os dois gumes da linguagem 76
— O poder da comunicação e a comunicação
do poder 92
— Indicações para leitura 102
PRÓLOGO

É oportuno perguntar-se o que é a comunicação.


A razão da atualidade da questão não é a comu-
mente mencionada, isto é, o enorme desenvolvi-
mento dos meios tecnológicos de comunicação.
A razão é muito mais profunda. Consiste simples-
mente em que, na década de 70, foi descoberto o
"homem social".
As décadas anteriores, particularmente as de
60 e 60, preocuparam-se com o conhecimento
às vezes, com o melhoramento de tudo o que
rodeia o homem. Desenvolveram-se bastante o
planejamento econômico, o urbanismo, o combate
poluição ambiental, a racionalização do trânsito,
on sistemas de comercialização em grande escala.
Mas foi só na década de 70 que se começou
a conceder uma importância concreta ao fato de
o homem ser ao mesmo tempo o produto e o
criador de sua sociedade e sua cultura. Tomou-se distribuídas em militares fileiras pouco
em conta que ele está rodeado pelo meio ambiente propícias ao diálogo; estes são alguns dos resulta-
físico mas, sobretudo, pelo meio ambiente social, dos do planejamento educativo baseado em
composto por outras pessoas com quem ele conceitos anacrônicos do homem social.
mantém relações de interdependência. E a comunicação? Será que o modo de nossa
A primeira reação ante a descoberta do homem sociedade usar sua comunicação "social" responde
social foi aplicar-lhe os modelos mecanicistas e às necessidades das pessoas reais? Os meios de
pragmáticos emergentes das ciências físicas e comunicação ajudam na tomada de decisões
naturais. Acontece, porém, que estes modelos importantes? Oferecem oportunidades de expressão
não conceituam adequadamente os mecanismos a todos os setores da população? Fornecem
e processos de interação psíquica e social pro- ocasiões de diálogo e de encontro? Estimulam
priamente humanos. Conseqüentemente, métodos o crescimento da consciência crítica e da capaci-
e procedimentos de planejamento, organização, dade de participação? Questionam os regimes
administração, capacitação e t c , aplicados com políticos e as estruturas sociais que não respondem
a melhor boa vontade, têm produzido formas aos anseios de liberdade, convívio, beleza, além
manipulatórias e desumanas de trabalhar com de não satisfazer às necessidades básicas da
as pessoas. população?
0 caso da educação é ilustrativo. As escolas, Os meios de comunicação, organizados e mane-
assim como os cárceres e outras instituições sociais, jados segundo modelos forâneos verticais e unila-
organizadas e manejadas segundo modelos espúrios, terais, a não ser raras exceções, parecem procurar
não respeitam as características e necessidades mais o lucro, o prestígio, o poder e o domínio
da vida individual e social. Currículos alienados do que a construção de uma sociedade participa-
da realidade (na remota escolinha rural os alunos tiva, igualitária e solidária, onde as pessoas
estudam a geografia da Europa mas não como realizem plenamente seu potencial humano.
cuidar das plantas); calendários escolares defasados Existe, então, uma defasagem entre a descoberta
dos ciclos e ritmos vitais (a época da safra coincide do homem social e o conhecimento de como
com o período letivo e muitas crianças faltam orientar a vida social em função desse homem.
à escola para ajudar seus pais); disciplinas estanques Mesmo o conhecimento talvez não seja sufi-
que dividem em retalhos problemas que aparecem ciente.
integrados e globais na vida diária; carteiras escolares Sócrates, o filósofo grego, foi sempre tachado
de ingênuo porque afirmava que o conhecimento pontinhos de luz na mente de alguns leitores, ou
da verdade leva à virtude. Basta que uma pessoa aumentar pontinhos já acesos que iluminem
conheça o que é verdadeiro, dizia ele, para que espaços cada vez maiores em suas vidas, os esforços
ela procure viver de acordo com a verdade. do autor e da editora estarão plenamente recom-
Sócrates era mesmo ingênuo. Entretanto, pensados.
ainda continua sendo necessário, embora não
suficiente, conhecer as coisas para melhorá-las.
É claro que, além de conhecê-las, outras coisas
têm que vir — a valorização, a decisão, a ação
coletiva. Mas ainda é certo que o homem precisa
primeiro conhecer como são as coisas para que
se decida a melhorá-las.
Daí a utilidade e atualidade da coleção "Primei-
ros Passos". Processos e questões que antes eram
discutidos só no interior de reduzidos círculos,
favorecidos pelo acesso à instrução intelectual,
são agora postos ao alcance de milhares de pessoas
desejosas de dar os primeiros passos na construção
de um espaço mais amplo para sua inteligência
e sua atividade.
Um melhor conhecimento da comunicação
pode contribuir para que muitas pessoas adotem
uma posição mais crítica e exigente em relação ao
que deveria ser a comunicação na SUA sociedade.
Além disto, a compreensão do fascinante
processo da comunicação pode induzir alguns
a gozar mais das infinitas possibilidades, gratuitas
e abertas, deste dom que temos de nos comunicar-
mos uns com os outros.
Se este pequeno livro consegue acender alguns
emoções da grande festa popular.
• Primeiro dia de sessões da Câmara dos Depu-
tados após o recesso de Natal. As cadeiras,
normalmente vazias, estão todas ocupadas.
Vota-se hoje o audacioso projeto de reforma
agrária apresentado pela oposição. O futuro de
milhões de agricultores e suas famílias depende
do entrechoque das argumentações, da influência
dos grandes interesses, das lealdades manipuladas,
O MEIO AMBIENTE SOCIAL da coragem de alguns e da esperteza de outros.
DA COMUNICAÇÃO Grupos antagônicos de latifundiários, estudantes,
agricultores, bóias-frias e intelectuais lotam as
galerias. Escutam-se, lá fora, os gritos de populares
não admitidos no recinto. O policiamento é
• Tarde de jogo decisivo no gigantesco estádio. ostensivo e a tensão no ar é quase tangível.
Os gritos de milhares de torcedores levam caloroso Jornalistas amontoam-se nos lugares reservados
apoio aos jogadores. Com fundo de tambores, para a imprensa. Câmaras de televisão focalizam
rojões e foguetes, agitam-se as bandeiras multico¬ os atores principais do confronto. A presidência
loridas nas arquibancadas. Os alto-falantes infor- da mesa abre os trabalhos. Microfones e alto-
mam a composição dos times e as eventuais falantes amplificam as intervenções. O debate
substituições. Enxames de radinhos de pilha esquenta. Aplausos e vaias nas galerias obrigam
colados aos ouvidos formam um zumbido constante o Presidente a fazer soar a campainha. Desde
que vira pandemônio quando estoura um gol. Os seus lares, os habitantes do país acompanham
refletores do estádio e os sinais luminosos do o dramático funcionamento da democracia.
placar eletrônico dão uma atmosfera circense • É sábado e a feira livre do bairro está no
ao espetáculo. Na tribuna de honra as autoridades momento de máxima atividade. Os feirantes —
trocam comentários com os convidados especiais. brasileiros, portugueses, italianos — chamam a
Dúzias de repórteres e fotógrafos acompanham atenção dos fregueses para os seus preços, escritos
os lances da partida, enquanto rádio e televisão com giz nas tabuletas para poder mudá-los
levam a milhões de pessoas no país inteiro as quando convier. As donas-de-casa, assustadas
pelos preços sempre em aumento, barganham melhor amiga.
com insistência. Velhos cavalheiros de bermuda Episódios como estes constituem o meio
carregam sacolas e olham as empregadinhas ambiente social da comunicação.
rebolantes. Senhoras de todas as idades, umas A comunicação está presente no estádio de
de short, outras elegantes, algumas grávidas, futebol, na Câmara dos Deputados, na feira livre
manuseiam chuchus, cheiram peixes, escolhem e na reunião familiar.
laranjas, comentam os preços com as demais No estádio de futebol, a comunicação aparece
freguesas. Inspetores da fiscalização passeiam nos gritos da torcida, nas cores das bandeiras,
devagar entre as barracas com ares de importância. nos números das camisetas dos jogadores, nos
Barulhentos carrinhos "made in favela", empurra- gestos, apitadas e cartões do juiz e dos bandei¬
dos por rapazolas, transportam as compras das rinhas, no placar eletrônico, nos alto-falantes
"madames". Vizinhos do mesmo prédio encon- e radinhos de pilha, nas conversas e insultos dos
tram-se e batem um papinho, interrompendo o torcedores, em seus gritos de estímulo, no trabalho
trânsito de pessoas e carrinhos entre as barracas. dos repórteres, radialistas, fotógrafos e operadores
Mendigos esperam conversando o fim da feira de TV. O próprio jogo é um ato de comunicação.
para catar os ingredientes de seu almoço. Dias antes já tinha provocado dúzias de mensagens
• Hora da novela no lar dos Azevedo. Toda a e durante dias a fio ele continuará sendo objeto
família está na sala, amontoada em sofás, cadeiras de comunicação nos botequins, nos escritórios,
e almofadas. As empregadas olham em pé desde nas fábricas, nos rádios e jornais.
a porta da copa. Uma das filhas tenta conversar Na Câmara dos Deputados, a comunicação é
com a mãe e é interrompida pelo " S h h h h ! ! ! " a essência mesma de seu funcionamento. Tudo
de todos os presentes. Chegam uns amigos e nela foi construído e organizado para fornecer
imediatarne«te são silenciados e acomodados. um ambiente adequado à comunicação, desde a
Nos momentos críticos pode-se escutar o vôo forma especial do grande recinto, passando pela
de uma mosca, tal é o silêncio dos narcotizados. posição da mesa e das cadeiras, o acesso aos micro-
Nesta sala, no apartamento vizinho, em todos os fones, o tabuleiro de cômputo dos resultados das
apartamentos do prédio, em todos os prédios votações, até a presença de taquígrafos e distri-
da cidade e em todas as cidades do país, todo buidores de discursos. Todo um complexo sistema
o mundo está preso aos infortúnios da coitada de normas e de códigos disciplinam a comunicação
Heloísa, abandonada pelo marido por sua parlamentar para o cumprimento da função
legislativa. existir comunicação sem sociedade, nem sociedade
A feira de bairro é um ambiente social não sem comunicação. A comunicação não pode ser
estruturado de comunicação, já que sua função melhor que sua sociedade nem esta melhor que
básica é a comercialização de produtos. Entretanto, sua comunicação. Cada sociedade tem a comuni-
esta função não poderia ser cumprida sem a cação que merece. "Dize-me como é a tua comuni-
comunicação: a exibição de produtos e seus preços, cação e te direi como é a tua sociedade."
a barganha pela qual vendedores e compradores
chegam a um acordo, a própria fixação dos preços
e sua modificação durante a feira, são todos atos Comunicação e socialização
de comunicação. Mas a feira não é só um mercado
de produtos, É também um lugar de encontro.
Habitantes do mesmo prédio, que mal se cumpri- Lembre-se o leitor como se fez gente: sua casa,
mentam nos elevadores, entretêm-se em demoradas seu bairro, sua escola, sua patota. A comunicação
conversas no informal ambiente da feira de seu foi o canal pelo qual os padrões de vida de sua
bairro. cultura foram-lhe transmitidos, pelo qual aprendeu
Na hora da novela, as pessoas se "incomunicam" a ser "membro" de sua sociedade — de sua família,
entre si para comunicar-se com a fantasia. A TV de seu grupo de amigos, de sua vizinhança, de
já foi chamada de "magia a domicílio", por seu sua nação. Foi assim que adotou a sua "cultura",
poder de transportar as pessoas a outros mundos isto é, os modos de pensamento e de ação, suas
onde a rotina e o cansaço cedem lugar à aventura crenças e valores, seus hábitos e tabus. Isto não
e à emoção. A família reunida para ver a novela ocorreu por "instrução", pelo menos antes de ir
constitui um dos microambientes da comunicação, para a escola: ninguém lhe ensinou propositada-
como o são também o papo no escritório, a mente como está organizada a sociedade e o que
festinha de aniversário, o casamento, o velório e pensa e sente a sua cultura. Isto aconteceu indire-
o piquenique, o mutirão e a missa. Milhões destes tamente, pela experiência acumulada de numerosos
microambientes formam o macroambiente social pequenos eventos, insignificantes em si mesmos,
da comunicação. através dos quais travou relações com diversas
Então, a comunicação não existe por si mesma, pessoas e aprendeu naturalmente a orientar seu
como algo separado da vida da sociedade. Socie- comportamento para o que "convinha". Tudo
dade e comunicação são uma coisa só. Não poderia isto foi possível graças à comunicação. Não foram
os professores na escola que lhe ensinaram sua num dia cheio dela: "boa-noite".
cultura: foi a comunicação diária com pais, irmãos, A comunicação confunde-se, assim, com a
amigos, na casa, na rua, nas lojas, no ônibus, no própria vida. Temos tanta consciência de que
jogo, no botequim, na igreja, que lhe transmitiram, comunicamos como de que respiramos ou andamos.
menino, as qualidades essenciais da sociedade Somente percebemos a sua essencial importância
e a natureza do ser social. quando, por um acidente ou uma doença, perde-
Contrariamente, então, ao que alguns pensam, mos a capacidade de nos comunicar. Pessoas que
a comunicação é muito mais que os meios de foram impedidas de se comunicarem durante
comunicação social. Estes meios são tão poderosos longos períodos, enlouqueceram ou ficaram
e importantes na nossa vida atual que às vezes perto da loucura.
esquecemos que representam apenas uma mínima A comunicação é uma necessidade básica da
parte de nossa comunicação total. pessoa humana, do homem social.
Alguém fez, uma vez, uma lista dos atos de
comunicação que um homem qualquer realiza
desde que se levanta pela manhã até a hora de Os meios em nossas vidas
deitar-se, no fim do dia. A quantidade de atos de
comunicação é simplesmente inacreditável, desde
o "bom-dia" à sua mulher, acompanhado ou não Estudos feitos durante greves de jornais demons-
por um beijo, passando pela leitura do jornal, a traram a intensidade dos sentimentos de privação
decodificação de número e cores do ônibus que e frustração que se desenvolvem quando a leitores
o leva ao trabalho, o pagamento ao cobrador, a habituados lhes falta a leitura diária. Pesquisas
conversa com o companheiro de banco, os junto a telespectadores indicaram que a televisão
cumprimentos aos colegas no escritório, o trabalho em geral, e as telenovelas em particular, exercem
com documentos, recibos, relatórios, as reuniões uma série de influências sobre eles, algumas
e entrevistas, a visita ao banco e as conversas com "positivas" e outras "negativas".
seu chefe, os inúmeros telefonemas, o papo Destas investigações, bem como da experiência
durante o almoço, a escolha do prato no menu, a da qualquer um de nós, depreende-se a idéia de
conversa com os filhos no jantar, o programinha que os meios desempenham certas funções
de televisão, o diálogo amoroso com sua mulher importantes na vida das pessoas.
antes de dormir, e o ato final de comunicação No caso do jornal, além das funções de tipo
"racional", como a provisão de informação (notí- em que ocorrem seus melodramas refletem gostos
cias, anúncios etc), o jornal satisfaz necessidades de classe média para cima.
"não racionais", como o fornecimento de contatos As telenovelas, aliás, são formas de comunicação
sociais e, indiretamente, de prestígio social. A com um complexo papel social. Para alguns, elas
estas funções agrega-se uma de proporcionar constituem oportunidades de catarse emocional,
"segurança" aos leitores num mundo sempre isto é, uma ocasião para experimentar surpresas,
perturbado, e uma função "ritualista" ou quase alegrias, sofrimentos e até para dar vazão a senti-
compulsiva para as pessoas que lêem o jornal mentos agressivos. A identificação do ouvinte
sempre na mesma hora, no mesmo lugar e na com os personagens e suas alegrias e sofrimentos
mesma seqüência. parece produzir uma sensação positiva, já que
Outros meios, como o rádio, mostraram desem- significa compartilhar os próprios problemas
penhar ainda .o papel de "companhia", particular- com alguém mais importante. 0 sucesso obtido
mente para pessoas solitárias. pelos personagens parece cumprir a função de
0 rádio e a TV, além de difundirem notícias, compensar e aliviar carências e fracassos dos
diversão e publicidade, cumprem uma função ouvintes. Assim, uma mulher cuja filha abandonou
social de "escape", oferecendo uma compensação o lar para casar-se com um homem que está ausente
relaxante para o crescente "stress" da vida todas as noites, assiste a novelas que pintam
moderna. As revistas populares cumprem mais uma vida familiar feliz e uma esposa bem-sucedida.
ou menos a mesma função, especialmente as que As telenovelas são também escutadas como
contêm romances e fotonovelas. fonte de orientação e conselho: "Se você assiste a
Para muitos leitores e telespectadores, os meios novelas e algo acontece em sua própria vida —
respondem também a suas aspirações de mobili- afirmam alguns telespectadores — você sabe o que
dade social. Talvez por esta razão, os recortes fazer porque já viu algo semelhante na novela."
de revistas que cobrem as paredes dos favelados Há pessoas que resolvem fazer regime porque
raramente contêm cenas de pobreza e opressão e viram um personagem de novela fazendo regime.
sim de mansões de luxo, pessoas bem vestidas, Outras aceitam a situação em que se encontram
personagens aparentemente bem-sucedidos, como lembrando que, numa certa novela, o personagem
astros de cinema, cantores e estrelas de futebol. fez isto mesmo e se deu bem.
Os criadores de telenovelas parecem ter chegado Importantes como eles são, é um erro, porém,
a conclusão semelhante, daí por que os ambientes considerar os meios de comunicação social como
representando o maior vulto na comunicação
global da sociedade. Uma maior proporção desta
acontece na vida familiar e de relação diária entre
as pessoas, no trabalho, na recreação, no comércio
e no esporte.
A comunicação interpessoal, característica da
sociedade tradicional, que muitos pensavam que
seria suplantada pela comunicação impessoal
dos meios eletrônicos, hoje está de novo em
ascenso, talvez como uma reação contra a massi- DO GRUNHIDO AO SATÉLITE
ficação e o comercialismo dos meios de massa.
Mas a razão mais provável da revalorização do
colóquio, do encontro, do bate-papo, talvez seja
porque o homem-indivíduo está encontrando sua Assim como cresce e se desenvolve uma grande
identidade verdadeira de homem-social. No seio árvore, a comunicação evoluiu de uma pequena
do associativismo em ascensão e da luta pelo semente — a associação inicial entre um signo e um
fortalecimento da "sociedade civil", o homem objeto — para formar linguagens e inventar meios
está reaprendendo a comunicação pessoa a pessoa. que vencessem o tempo e a distância, ramificando-
se em sistemas e instituições até cobrir o mundo
com seus ramos. E não contente em cobrir o
mundo, a grande árvore já começou a lançar
seus brotos à procura das estrelas.
A comunicação humana tem um começo bastante
nebuloso. Realmente não sabemos como foi que
os homens primitivos começaram a se comunicar
entre si, se por gritos ou grunhidos, como fazem
os animais, ou se por gestos, ou ainda por combi-
nações de gritos, grunhidos e gestos.
Durante bastante tempo discutiu-se a origem
da fala humana. Alguns afirmavam que os primeiros
sons usados para criar uma linguagem eram signos mas também da estrutura de sua apre-
imitações dos sons da natureza: o cantar do sentação. É por isto que não é a mesma coisa
pássaro, o latido do cachorro, a queda d'água, o dizer: " U m urso matou meu pai", que dizer:
trovão. Outros afirmavam que os sons humanos "Meu pai matou um urso."
vinham das exclamações espontâneas como o De posse de repertórios de signos, e de regras
" a i " da pessoa ferida, o " a h " de admiração, o para combiná-los, o homem criou a linguagem.
"grrr" da fúria. Eventualmente os homens aprenderam a distin-
Nada impede que se pense também que o guir modos diversos de usar a linguagem: modo
homem primitivo usasse sons produzidos pelas indicativo, declarativo, interrogativo, imperativo,
mãos e os pés, e não só pela boca. Poderia ainda traduzindo as diferentes intenções dos interlo-
ter produzido sons por meio de objetos, como cutores.
pedras ou troncos ocos. Compreendeu-se que, na linguagem, algumas
Qualquer que seja o caso, o que a história palavras tinham a função de indicar ação, outras
mostra é que os homens encontraram a forma de nomear coisas, outras de descrever qualidades
de associar um determinado som ou gesto a um ou estados das coisas etc. Evidentemente, quando
certo objeto ou ação. Assim nasceram o signo, isto criaram a linguagem, os homens primitivos não
é, qualquer coisa que faz referência a outra coisa imaginavam que estas funções algum dia recebe-
ou idéia, e a significação, que consiste no uso riam os nomes de verbo, substantivo, adjetivo,
social dos signos. A atribuição de significados a advérbio etc.
determinados signos é precisamente a base da
comunicação em geral e da linguagem em particular.
Outra grande invenção humana foi a gramática, Vencer o tempo e a distância
isto é, o conjunto de regras para relacionar os
signos entre si. As regras de combinação são
necessárias pela seguinte razão: se o homem possui Parece haver poucas dúvidas de que a primeira
um repertório de signos, teoricamente poderia forma organizada de comunicação humana foi a
combiná-los de infinitos modos. Se cada pessoa linguagem oral, quer acompanhada ou não pela
combinasse seus signos a seu modo, seria muito linguagem gestual.
difícil comunicar-se com os outros. Graças à A linguagem oral, entretanto, sofre de duas
gramática, o significado já não depende só dos sérias limitações: a falta de permanência e a falta
de alcance. Daí o fato de que os homens tenham Egito são um exemplo da escrita pictográfica.
apelado a modos de fixar seus signos e a modos Chegou um momento em que o homem sentiu-se
de transmiti-los a distância. demasiadamente limitado pela necessidade de que a
Para fixar seus signos o homem utilizou primeiro cada signo correspondesse um objeto. Passou
o desenho e mais tarde a linguagem escrita. então a usar signos não para representar objetos,
Desenhos primitivos, pintados por homens da mas para representar idéias. Assim, para indígenas
era Paleolítica (entre 35 000 e 15 000 anos antes da América do Norte a figura de um pássaro
da era cristã), foram achados em cavernas como voando significava "pressa", e a paz era represen-
as de Altamira, Espanha, e Dordogne, França. tada por um cachimbo. Os antigos egípcios
Ali se observam cenas de caça envolvendo animais representavam a alma por meio de um pássaro
e pessoas. Não se sabe se o propósito destas figuras com cabeça de homem. Este tipo de escrita recebeu
era mágico, estético ou simplesmente expressivo o nome de ideográfica, e dela são exemplos o
ou comunicativo. chinês e o japonês.
Os egípcios, cerca de 3 000 anos antes de Cristo, A escrita inicialmente seguia a mesma seqüência
representavam aspectos de sua cultura por meio que a língua falada. Nos primeiros pictogramas e
de desenhos e gravuras colocados nas casas, ideogramas a seqüência dos signos reproduzia
edifícios e câmaras mortuárias. a cronologia dos eventos narrados. Se um caçador
Para resolver o problema do alcance, o homem jejuava, logo depois reunia suas armas e mais tarde
inicialmente apelou a signos sonoros e visuais, tais matava um animal, estes eventos sucessivos seriam
como o tantã, o berrante, o gongo, os sinais de desenhados em tal ordem.
fumaça. Mas uma solução mais decisiva foi encon- Um grau ainda maior de liberdade foi alcançado
trada com a invenção da escrita, lá pelo século IV quando os homens perceberam que as palavras
antes de Cristo. As mensagens escritas, com efeito, ou os nomes de objetos compunham-se por
podem ser transportadas a qualquer distância. unidades menores de som (fonemas), e que, por
A linguagem escrita evoluiu a partir dos pictogra- conseguinte, os signos podiam representar estas
mas, signos que guardam correspondência direta unidades de som e não mais objetos ou idéias.
entre a imagem gráfica (desenho) e o objeto repre- Esta descoberta serviu de base para a escrita
sentado. O desenho de uma mulher significava isso chamada fonográfica, onde os signos representam
mesmo, mulher; o desenho de um sol significava o sons. Os sons elementares são combinados em
sol, e assim por diante. Os hieróglifos do antigo seqüências de diversos comprimentos para
representar idéias. de sua cultura.
O fato de os signos gráficos passarem a represen-
tar unidades de som menores que as palavras deu
nascimento ao conceito de letras, tais como A, B,
C etc. Com estas letras constituíram-se os alfabetos,
Os meios de comunicação
onde cada letra representa um certo som.
Isto era o que se necessitava para facilitar um Paralelamente à evolução da linguagem, desen-
maior alcance da linguagem escrita, pois qualquer volveram-se também os meios de comunicação.
pessoa podia aprender a combinar os sons sem ser Gutenberg inventou a tipografia, e o papel
obrigado a conhecer as equivalências dos signos aperfeiçoou-se fazendo-se mais resistente e mais
gráficos com idéias e objetos determinados. leve, de modo que os livros, antes copiados
O que faltava para conquistar a distância era um laboriosamente a mão pelos monges amanuenses,
meio de transportar signos mais prático que as puderam ser impressos repetidamente em muitos
pedras e os pergaminhos de couro. Os chineses exemplares. A indústria gráfica associou-se a
parecem ter sido os primeiros a inventar o papel invenções da mecânica, da química, da eletrônica
e também os tipos de imprensa móveis. Os tipos etc, até chegar hoje às impressoras computadori-
usados pelos "chineses eram feitos de barro cozido, zadas, capazes de receber sinais transmitidos por
de estanho, de madeira e de bronze. satélites e imprimir edições inteiras de jornais
Apesar de existirem alfabetos, por muitos em vários países ao mesmo tempo.
séculos a cultura transmitiu-se oralmente, por meio A invenção da fotografia teve um impacto muito
da linguagem falada, e visualmente, por meio mais forte sobre o desenvolvimento da comunica-
das imagens. O uso de imagens para a difusão ção visual do que normalmente se pensa. Ela
da cultura — que muitos consideram um fenômeno possibilitou a ilustração de livros, jornais e
moderno — é realmente muito antigo. Lembremo- revistas; inspirou o cinema, primeiro mudo, mais
nos, por exemplo, que durante a Idade Média tarde sonoro; aliada à eletrônica, culminou na
o povo não tinha acesso à linguagem escrita (restri- transmissão das imagens via televisão.
ta aos monges e às pessoas letradas), mas os vitrais 0 alcance da comunicação foi assegurado de
das catedrais comunicavam-lhe, através de colori- maneira definitiva pela invenção dos meios
das imagens, toda a história sagrada sobre a qual eletrônicos que aproveitam diversos tipos de
fundamentava-se sua fé religiosa e grande parte ondas para transmitir signos: o telégrafo, o telefone,
o rádio, a televisão e, finalmente, o satélite.
O domínio das ondas eletromagnéticas pelo
homem reduziu o tamanho do mundo e o trans-
formou numa "aldeia global". Se alguns anos
atrás uma notícia precisava 4 meses para chegar
da Europa à América do Sul, hoje não demora
mais que segundos.
A influência social dos meios aumentou na
medida de sua penetração e difusão. As técnicas
de impressão aperfeiçoadas permitiram o uso de
várias cores, tiragens de milhões, formatos originais
em jornais, revistas, livros, folhetos e cartazes.
0 rádio estendeu a voz do homem através de
montanhas e desertos, até os lares mais humildes
e isolados. 0 cinema, ao incorporar o som e a cor,
ao ampliar a tela e empregar lentes especiais,
oferece uma expressão cada dia mais fiel da
realidade. A televisão juntou o alcance geográfico
do rádio às potencialidades visuais do cinema e se
converteu numa "magia a domicílio".
A ciência e a tecnologia da comunicação produ-
zem constantemente inovações cada vez mais
sofisticadas. A vinculação dos meios de comunica-
ção com os de processamento de dados gerou uma
nova ciência: a informática. A invenção dos
microcomputadores promete colocar ao alcance
de qualquer pessoa os recursos informativos de
centenas de bancos de dados distribuídos em
todos os países. A teleconferência, pela qual
pessoas localizadas em diferentes cidades podem A comunicação orientando os comportamentos.
conversar simultaneamente, vendo-se mutuamente de comunicação, conhecido como "hardware"
nas telas e trocando informações escritas ou gráfi- ou equipamento pesado, psicólogos, sociólogos,
cas, é apenas um dos numerosos milagres da politicólogos e comunicólogos de todo o mundo
telemática. 0 vídeo-teipe e o vídeo-disco são já desenvolveram a arte da elaboração das mensagens,
realidades que só esperam o barateamento dos pesquisando as condições ótimas de percepção,
custos para se popularizarem. A câmara fotográfica decodificação, interpretação e incorporação de
de revelação instantânea já é utilizada por milhões seus conteúdos.
de pessoas. Pela prática profissional, pela pesquisa e pela
competição recíproca, melhoram-se constantemen-
te a redação de notícias e artigos, a elaboração
A indústria da comunicação de programas de rádio e TV, a preparação de
anúncios publicitários e a produção de filmes e
videocassetes.
Ora, para explorar comercialmente as capacidades Paralelamente, deu-se um fenômeno interessante:
tecnológicas dos meios de comunicação, organiza- a utilização dos meios de comunicação como parte
ram-se empresas jornalísticas, editoriais e teledi¬ do processo educativo formal e não-formal. No
fusoras. Para colher o material que elas necessitam, mundo inteiro a rádio e a TV, e mais recentemente
formaram-se agências noticiosas, como a Reuter, os microcomputadores, passaram a formar parte
da Inglaterra, a France Press, da França, e a Asso- da bagagem instrumental da chamada Tecnologia
ciated Press e United Press, dos Estados Unidos. Educativa.
Para construir a infra-estrutura física necessária Este processo de desenvolvimento de aparelhos
à transmissão massiva de mensagens, criaram-se ("hardware") e das técnicas de programação e
empresas fabricantes de aparelhos emissores, produção ("software") foi acompanhado de um
transmissores e receptores, assim como de satélites tremendo aumento de influência e poder da
e outros materiais. A indústria da comunicação comunicação na sociedade. O impacto dos meios
passou à casa dos bilhões de dólares e transnacio¬ sobre as idéias, as emoções, o comportamento
nalizou-se, instalando fábricas e conquistando econômico e político das pessoas, cresceu tanto
mercados em todos os continentes. que se converteu em fator fundamental de poder
Ao mesmo tempo que os engenheiros eletrônicos o de domínio em todos os campos da atividade
aperfeiçoavam as capacidades técnicas dos meios humana.
A chamada "indústria cultural", isto é, a explo-
ração comerciai dos recursos da comunicação,
tornou-se uma das mais atraentes inversões de
capital e, conseqüentemente, grandes corporações
multinacionais passaram a ser proprietárias de
redes de comunicação e de empresas que manufa-
turam equipamentos para as mesmas.
A comunicação elevou-se ao nível de um dos
grandes problemas políticos do mundo, até o ponto
de obrigar a UNESCO a criar uma Comissão de O ATO DE COMUNICAR
Estudo dos Problemas da Comunicação, com 16
membros, presidida por um ex-Prêmio Nobel da Paz,
bem como a preocupar-se com o estabelecimento
de uma Nova Ordem Mundial da Informação. • O velho artesão de Petrolina mostra a seu
Dentro de cada nação, o controle da comuni- filho como se faz uma carranca de barro. O menino
cação adquiriu suma importância, visto que ela pega um pouco de barro e tenta fazer o mesmo
pode estabilizar ou desestabilizar governos. A que viu fazer. O menino pergunta, o velho respon-
UNESCO iniciou uma campanha mundial para de. O velho corrige, aprova, mostra. Meses depois,
conseguir que cada país tenha sua Política Nacional o menino leva para a feira seus primeiros trabalhos
de Comunicação, provocando com isto o antago- de artesão.
nismo das associações internacionais de proprietá- • A peça vai começar no teatro lotado. O ator
rios de meios de comunicação social. maquila-se no camarim. A cortina se levanta.
Assim se desenvolveu a grande árvore da comu- Cena trás cena, os atores dialogam no palco, a
nicação. Começou com os grunhidos e os gestos platéia pendente de suas palavras. O ator diz as
dos poucos homens recém-emergidos da animali- linhas decoradas com tanta sinceridade e senti-
dade original, evoluiu e se enriqueceu em seu mento como se fossem próprias. O coração do
conteúdo e em seus meios, ganhando cada vez público se comove e algumas pessoas choram
maior permanência e alcance, aumentando sua na platéia. A peça termina com o estrepitar dos
influência nas pessoas e, através delas, incidindo aplausos.
na cultura, na economia e na política das nações. • O famoso locutor de rádio lê no microfone
as notícias nacionais e internacionais. Concentra-se De que elementos consta a comunicação?
tanto no roteiro escrito, para não pular palavras, Analisemos as três situações de comunicação,
que não lembra que, nesse momento, mais de acima.
três milhões de pessoas o estão escutando. As • O artesão ensina seu filho a fazer carrancas
notícias que divulga, porém, afetam as vidas de de cerâmica.
muitos ouvintes. Compartilha com ele conhecimentos e
0 que há de comum nestas três situações: experiência. Ambos usam palavras, gestos,
objetos e movimentos como meio para trocar
o artesão e seu filho, o ator e sua platéia, o locutor
suas percepções e intenções. O barro da terra
e seu público?
se transforma em uma nova realidade. Ao
O que há de comum é que todas as três são mesmo tempo, o pai e o filho se modificam:
ATOS DE COMUNICAÇÃO. o velho torna-se, mais que pai, mestre; e o
O que é, então, a comunicação? filho converte-se em artesão.
Há duas maneiras de definir o que é uma coisa: • 0 ator e a platéia se comunicam: o ator
enumerar os elementos de que está composta diz suas palavras, faz seus gestos, caminha,
ou indicar para que serve. Pode-se definir o pula, se ajoelha. A platéia, embora não fale
automóvel, por exemplo, dizendo que é um con- com palavras, o faz com seu silêncio, suas
junto formado por motor, carroçaria e rodas. lágrimas, seus aplausos. O ator e o público se
Mas seria ainda melhor defini-lo como um veículo transformam: o ator sente-se mais seguro,
autopropulsado que serve para transportar pessoas mais bem compreendido, até mais querido. O
e coisas de um lugar a outro. público volta à rotina de sua própria vida com
E para que serve a comunicação? novas percepções, novas perguntas, às vezes
Serve para que as pessoas se relacionem entre mais calmo, às vezes mais angustiado. A
si, transformando-se mutuamente e a realidade realidade social recebe o impacto do teatro:
que as rodeia. ela reflete sobre si mesma através do drama e
Sem a comunicação cada pessoa seria um mundo da comédia representados no palco.
fechado em si mesmo. Pela comunicação as pessoas • O locutor de rádio se comunica com o seu
compartilham experiências, idéias e sentimentos. público. Para manter a atenção de seus
Ao se relacionarem como seres interdependentes, ouvintes enquanto transmite os aconteci-
influenciam-se mutuamente e, juntas, modificam mentos do dia, ele usa, além de suas palavras,
a realidade onde estão inseridas.
música e efeitos de som. Um complexo emoções, intormaçoes. Estes são
mecanismo tecnológico — a emissora — leva os interlocutores (os que falam entre si).
suas palavras até milhões de receptores, de Num momento dado cada interlocutor é
tal modo que as recebam simultaneamente. fonte de comunicação e noutro é receptor.
Embora os ouvintes não tenham condições • As coisas que se deseja compartilhar é outro
para dialogar com o locutor, como dialogam elemento da comunicação, que chamaremos
o artesão e seu filho, tanto o locutor como de mensagem. Inicialmente, as mensagens
os ouvintes se transformam, mesmo que vivem apenas na mente (ou no coração) dos
imperceptivelmente. E a realidade também interlocutores. Mas, durante a comunicação,
se transforma por efeito da difusão das elas aparecem de modo a que possam ser
notícias. ouvidas, vistas e tocadas.
Quais, então, são os elementos comuns aos • O quarto elemento viria então a ser a forma
três atos de comunicação? como a mensagem se apresenta: as palavras,
• Primeiramente, nos três casos temos uma os gestos, os olhares, os movimentos do
realidade na qual a comunicação se realiza. corpo. As formas que representam as idéias e
As pessoas não se comunicam num vazio, mas as emoções chamam-se signos. Signo é todo
dentro de um ambiente, como parte de uma objeto perceptível que de alguma maneira
situação, como momento de uma história. remete a outro objeto, toma o lugar de outra
O artesão e seu filho conversam em Petrolina, coisa. Se pudéssemos influir diretamente
no sertão pernambucano, num ambiente de nas mentes de outras pessoas não precisa-
classe pobre, de gente que vive do artesanato ríamos de signos para transmitir nossas idéias
por gerações, dentro de uma comunidade e emoções. Mas nem sempre podemos. Daí
que tem uma história, uma tradição, uma a necessidade de "significar" nosso mundo
cultura e uma esperança. Tudo isto — o interior para poder compartilhá-lo com os
passado, o presente e o futuro — está presente demais. Em geral, os signos formam con-
no mais simples ato de comunicação. A juntos organizados chamados códigos. A
realidade influi sobre o comunicar e o comu- língua portuguesa, o código Morse, os sinais
nicar influi sobre a realidade. de trânsito, o sistema Braile para cegos, são
• Em segundo lugar, nos três casos há pessoas conjuntos organizados de signos.
que desejam partilhar alguma coisa: conhecimentos • O quinto elemento da comunicação seriam os
meios que os interlocutores utilizam para
combiná-los. E por trás de tudo isso está o cérebro
levar, suas palavras ou seus gestos às outras
humano, computador de infinita sutileza, que
pessoas. O artesão usa o barro, suas mãos, recebe os sons, os movimentos e as luzes, combina-
sua voz, como meios para comunicar seus os e, apelando à memória de milhões de expe-
conhecimentos ao filho; o ator usa sua voz, o riências prévias, interpreta o que estes estímulos
palco, as luzes da ribalta, a maquilagem, a representam para a pessoa.
música, as roupas especiais; o locutor emprega
De posse dos elementos da comunicação, esta-
sua voz, o roteiro, o disco, a fita gravada, a
mos em condições de analisar como funciona este
emissora de rádio em geral. complexo processo.
Resumindo, os elementos básicos da comuni-
cação são: •

• a realidade ou situação onde ela se realiza e Ás fases do processo


sobre a qual tem um efeito transformador;
• os interlocutores que dela participam; •

• os conteúdos ou mensagens que elas compar- É teórica e praticamente impossível dizer onde
tilham; começa e onde termina o processo da comunicação.
• os signos que elas utilizam para representá-los; Razões internas ou externas podem levar duas
• os meios que empregam para transmiti-los. pessoas a se comunicarem. Embora a fase visível
É importante assinalar que a própria natureza da comunicação possa ser iniciada por uma delas,
encarregou-se, durante o longo curso da evolução sua decisão de comunicar pode ter sido provocada
de nossa espécie, de nos preparar para a comuni- pela outra, ou por uma terceira pessoa, presente
cação. Ela nos forneceu os órgãos capazes de criar ou ausente, ou por muitas causas coincidentes.
signos e também os órgãos que podem recebê-los Não é possível, assim, enumerar as fases de uma
e interpretá-los. comunicação como se fossem partes de uma
Assim, a boca humana é capaz de produzir seqüência linear e ordenada. A comunicação, de
infinitas combinações de sons, e o ouvido pode fato, é um processo multifacético que ocorre
captar e distinguir milhares dessas combinações. ao mesmo tempo em vários níveis — consciente,
O rosto, os olhos e as mãos podem mover-se de mil subconsciente, inconsciente —, como parte
maneiras para criar gestos expressivos. E os olhos orgânica do dinâmico processo da própria vida.
podem captar esses movimentos, distingui-los e Qualquer tentativa de "dissecar" o processo
vital da comunicação é um exercício pouco realista, língua, ouvido. Entretanto, a pessoa não
embora possa ter utilidade didática ou explicativa. emite tudo o que ela contém nem recebe tudo
Contudo, podem ser mencionadas algumas o que a ela vem do meio ambiente. De modo
fases que costumam participar do processo da que outra fase do processo é a seleção.
comunicação. As fases podem se dar em qualquer • A seleção: Deste caldeirão onde fervem as
ordem, ou simultaneamente, e podem até entrar experiências da pessoa, seus conhecimentos e
em conflito umas com as outras. Vejamos: crenças, valores e atitudes, signos e capaci-
• A pulsação vital: A dinâmica interna de dades, a pessoa seleciona alguns elementos
qualquer pessoa está sempre pulsando, ferven- que deseja compartilhar com outras pessoas.
do, vibrando, como verdadeiro caldeirão vital Ás vezes esta seleção é provocada por estímu-
onde se encontram em ebulição pensamentos, los que vêm de fora, outras vezes pela decisão
lembranças, sentimentos, novas sensações e da própria pessoa de tornar consciente — para
percepções, desejos e necessidades. A pulsação refletir sobre eles — alguns elementos de
vital ocorre em todo o corpo, mas seu centro seu repertório.
é o cérebro. O organismo humano compor- • A percepção: No caso de estímulos que vêm
ta-se, então, como um sistema aberto em de fora, o homem "sente" a realidade que o
constante interação consigo mesmo e com o rodeia por meio de seus sentidos — vista,
meio ambiente. ouvido, olfato, tato e paladar —, e assim
• A interação: A pulsação vital permanente no percebe as palavras, gestos e outros signos
interior da pessoa consiste num precário que lhe são apresentados.
equilíbrio dinâmico que, para ser mantido, • A decodificação: Percebidos os signos, a
tem obrigatoriamente de se adaptar ao meio pessoa tem que determinar o que eles repre-
ambiente físico e social que rodeia o organis- sentam, a que código pertencem. Como o
mo, quer se acomodando a ele, quer tentando artesão e seu filho pertencem ambos à mesma
transformá-lo. Em outras palavras, a pessoa cultura — a nordestina —, os signos que eles
necessita entrar em interação com o meio usam têm o mesmo significado para os dois.
ambiente. Ora, uma das maneiras de interagir De fato, eles usam o mesmo código: para
com o meio ambiente é a comunicação. falar, usam o idioma português (com suas
A pessoa emite e recebe mensagens por todos variações regionais e locais); para gesticular,
os canais disponíveis: olhos, pele, mãos, usam os gestos que aprenderam de seus
antepassados. Então, tão logo o filho percebe acervo. A flexibilidade mental do receptor,
as palavras e os gestos de seu pai, ele os sua mente aberta ou fechada, seu nível de
decodifica, isto é, para cada signo, encontra, tensão ou ansiedade, sua segurança ou auto-
na sua memória, um objeto ou idéia corres- confiança e t c , intervêm na aceitação ou
pondente. rejeição da mensagem. Às vezes a incorpo-
• A interpretação: Às vezes, entretanto, mesmo ração é só parcial e uma parte da mensagem
que o filho decodifique as palavras e os é rejeitada.
gestos do pai, não entende claramente o • A reação: Os resultados da incorporação da
sentido ou o significado da mensagem. O que mensagem na dinâmica mental própria do
ele entende é diferente do que o pai pretendia receptor podem ser claramente visíveis, como
que entendesse. "Pai, não estou entendendo quando a pessoa, considerando-se insultada
o que o senhor quer que eu faça." Além da pela mensagem, agride seu interlocutor.
decodificação, então, vem outra fase, a de Mas, às vezes, a transformação provocada
interpretação, que consiste em compreender pela mensagem é puramente interna. Quando
não apenas o que cada palavra significa, mas o ator no teatro consegue emocionar sua
o que a mensagem inteira pretende dizer. platéia, pode aparecer externamente pouca
A interpretação exige que se coloque a demonstração de que internamente ela
mensagem em um contexto, que se a compare esteja comovida.
com outros elementos do repertório e com
o conhecimento que se tem das intenções
do interlocutor. Qualquer pessoa, por exem- As funções da comunicação
plo, pode decodificar as palavras ser-ou-não-
ser-essa-é-a-questão; porém, quantas pessoas
interpretam o verdadeiro significado da O sistema de signos que o homem criou para sua
frase: "Ser ou não ser, essa é a questão"? comunicação não é um conjunto mecânico de
• A incorporação: Se a mensagem é interpre- peças que se armam como um quebra-cabeças
tada de uma maneira tal que a pessoa não seguindo normas de engenharia da linguagem.
se considera ameaçada em seu sistema de A comunicação é um produto funcional da
idéias, valores e sentimentos, a mensagem é necessidade humana de expressão e relaciona-
facilmente incorporada ao repertório ou mento. Por conseguinte, ela satisfaz uma série de
funções, entre as quais as que se seguem: a falar?".
— Função imaginativa: criar um mundo próprio
— Função instrumental: satisfazer necessidades de fantasia e beleza.
materiais ou espirituais da pessoa. Exemplos: "Vamos fazer de conta que
Exemplos: "Eu quero isto", "Tenho fome", "Havia uma vez um rei . . . " , " 0 que eu
"Estou caindo", "Preciso um conselho seu", faria se ganhasse na loteria esportiva?".
"Ajude-me a resolver este problema".
— Função informativa: apresentar nova infor- Outra função da comunicação é indicar a quali-
mação. dade de nossa participação no ato de comunicação:
Exemplos: "Tenho algo para te dizer", "Aten- que papéis tomamos e impomos aos outros, que
ção! O Conselho de Segurança da ONU votou desejos, sentimentos, atitudes, juízos e expecta-
10 contra 1 . . . " . tivas trazemos ao ato de comunicar.
— Função regulatória: controlar o compor- E a comunicação deve fazer tudo isto ao mesmo
tamento de outros. tempo, de maneira tal que o que se está dizendo
Exemplos: "Faça como eu lhe digo", "Será coincida com a forma com que se diz e com o
que tenho que repetir a mesma coisa para contexto social em que se fala. A comunicação
você um milhão de vezes? Obedeça a lei". não apresenta uma pilha de signos e símbolos,
— Função interacional: relacionar-se com outras senão um "discurso", isto é, uma obra de sentido
pessoas. e de coerência que somente nós, homens, podemos
Exemplos: "Você e eu vamos tomar conta construir.
disso t u d o " , " E u amo você". As qualidades únicas da comunicação humana
— Função de expressão pessoal: identificar destacam-se quando a comparamos com a comu-
e expressar o " e u " . nicação animal. Porque os animais também pos-
Exemplos: "Sou contrário aos regimes de suem signos, órgãos emissores e órgãos receptores.
direita", "Eu amo a liberdade mas também Mas os signos animais não foram criados delibe-
defendo a justiça social". rada e arbitrariamente como foram criados os
— Função heurística ou explicativa: explorar signos humanos. Aqueles formam parte automática
o mundo dentro e fora da pessoa. do equipamento genético da espécie. Como tais,
Exemplos: "Pai, por que a lua muda de eles não mudam nunca. O cachorro de Cleópatra
tamanho? " , "Como é que a criança aprende no antigo Egito latia da mesma maneira e nas
mesmas circunstâncias em que late hoje o cachorro perguntou o Coronel. 'Nada', respondeu o
de Elizabeth Taylor em Hollywood. Tampouco filho, 'Eles dizem que me matarão se o Alcázar
os animais inventam signos novos ou modificam não se render'. 'Se for verdade', replicou o
o significado dos antigos. Coronel Moscardó, 'encomenda a tua alma a
É que os signos dos animais parecem ser mais Deus, grita 'Viva Espanha' e morre como um
sinais que signos: eles indicam reações a estímulos herói. Adeus, meu filho, um derradeiro beijo.'
presentes ou lembrados. Os animais se comunicam 'Adeus, meu pai', respondeu Luis, 'um beijo
da mesma maneira instintiva com a qual cons- bem grande'. Candido Cabello voltou ao tele-
troem seus ninhos, fogem dos perigos e copulam fone e o Coronel Moscardó anunciou-lhe que
para reproduzir sua espécie. não precisava de prazo para decidir. ' 0 Alcázar
Daí que a comunicação animal carece do poten- jamais se renderá', declarou antes de desligar
cial de beleza e de paixão que o homem coloca o telefone. Luis Moscardó foi morto a 23
em suas mensagens. Beethoven, surdo, com- de agosto."
pondo sua Sonata Patética para expressar a
tormenta que rugia em sua alma desesperada, (A Guerra Civil Espanhola, por Hugh Thomas,
é um fenômeno exclusivamente humano. Como Editora Civilização Brasileira, 1964, p. 244).
é unicamente humana a despedida do Coronel
Moscardó de seu filho refém, que seria fuzilado
se o pai não entregasse o Alcázar de Toledo,
durante a Guerra Civil Espanhola:

"Candido Cabello, chefe da milícia em Toledo,


telefonou ao Coronel Moscardó dizendo-lhe
que se não entregasse o Alcázar dentro de dez
minutos, ele, Cabello, matar-lhe-ia o filho,
Luis Moscardó, a quem havia capturado naquela
manhã. 'E para que veja que é verdade, ele
próprio vai falar-lhe', acrescentou Candido
Cabello. Então Luis Moscardó disse ao telefone
a palavra 'Papai'. 'Que se passa, meu filho?',
martelo, as diferenças nas palavras escolhidas
e no tom de voz usado com cada filho comunicam
uma mensagem secundária bastante clara: o pai
não gosta igualmente dos dois filhos.
Às vezes, até mesmo o silêncio comunica.
Quando uma pessoa deixa de responder às
perguntas ou incitações de outra, ou quando
trata de ignorar a sua presença, seu' silêncio é
mais eloqüente que qualquer conjunto de palavras.
É IMPOSSÍVEL NÃO COMUNICAR O marido, que lê seu jornal sem admitir conversa
alguma enquanto almoça com sua mulher, comu-
nica a ela que está mais interessado na leitura
que no diálogo.
É necessário compreender que a comunicação Às vezes, o que a palavra não comunica é trans-
não inclui apenas as mensagens que as pessoas mitido pelos olhos ou pelas mãos. Os bons jogadores
trocam deliberadamente entre si. Além das mensa- de pôquer são tão poucos porque são poucas as
gens trocadas conscientemente, com efeito, muitas pessoas capazes de "blefar" sem que se note
outras são trocadas sem querer, numa espécie em seus olhos que estão blefando. Contrabandistas
de paracomunicação ou paralinguagem. amadores são presos nas alfândegas porque seu
O tom das palavras faladas, os movimentos do nervosismo, na iminência da revista, delata que
corpo, a roupa que se veste, os olhares e a maneira estão introduzindo algo proibido.
de estreitar a mão do interlocutor, tudo tem Uma ocasião muito interessante para observar
algum significado, tudo comunica. Quer dizer o funcionamento da paracomunicação são os
que, praticamente, é impossível não comunicar. debates de políticos na televisão. Parte dos
Quando um pai diz para um de seus filhos: comportamentos observados são evidentemente
"Tenha cuidado com o martelo porque você deliberados, como por exemplo uma atitude
pode se machucar", e para outro filho diz: "Veja calma e repousada, para indicar segurança e
se não faz as mesmas besteiras de sempre com competência. Mas grande parte das manifestações
o martelo!!", embora seu propósito consciente somáticas dos interlocutores, tais como olhares,
seja o de advertir ambos sobre os perigos do movimentos das mãos, risadas, tiques nervosos,
palidez ou rubor e t c , são involuntários e até
inconscientes. O telespectador, em todo caso,
recebe tantas mensagens sobre os mesmos candi-
datos como sobre os assuntos debatidos.
Isto nos leva a comentar o chamado "carisma"
de certas pessoas, entendendo por tal os efeitos
que elas produzem sobre o público, sem que
seja possível especificar precisamente as quali-
dades que provocam esses efeitos. Carlos Lacerda,
Juscelino Kubitscheck, Jânio Quadros, exerciam
complexas influências sobre as massas, sendo
difícil explicá-las através da mera análise de suas
qualidades.
A mesma coisa acontece com os artistas popu-
lares. Arthur da Távola, por exemplo, percebeu
o misterioso "carisma" comunicativo das grandes
cantoras e atrizes brasileiras e escreveu em O
Globo:

"Gal transmite ao lado do 'texto', isto é, do que


fala e canta, uma série de outras mensagens de
alto poder comunicativo que se somam à sua
figura de comunicação, modelando-a. Que
mecanismos secretos explicarão a relação da
atriz Elizabeth Savalla com o povão? Ela é boa
atriz e moça bonita, mas há centenas de outras
boas atrizes e moças bonitas que não estabe-
lecem os mesmos mecanismos secretos de
comunicação."
Arthur da Távola comenta que esses mecanismos — Enquanto os empregados são obrigados a
atuam em níveis mais fundos que os da percepção chegar a seus lugares de trabalho às 8 h em
consciente: "Eles excitam mecanismos guardados ponto, o chefe chega às 9 h ou 10 h da
e desconhecidos, difíceis de definir. Estão no manhã. Isto indica a todos a diferença de
território da empatia, um lugar complexo, oculto, hierarquia.
misterioso." — No Natal, costuma-se dar presentes aos
parentes e amigos. 0 valor do presente, em
geral, comunica o grau de importância que
A cultura como comunicação o doador atribui ao presenteado.
— Até há pouco tempo, os parentes costumavam
vestir-se de preto quando morria um membro
Se tudo na vida pode ser decodificado como da família, e a cultura estipulava um prazo
signo — o penteado, a maneira de andar e de para a viúva, os irmãos etc. manterem o
sentar-se, o bairro em que se mora, a igreja que luto.
se freqüenta —, então a própria cultura de uma — A maneira de manejar os talheres nas refeições
sociedade pode ser considerada como um vasto não é assunto de escolha individual; ela
sistema de códigos de comunicação. comunica imediatamente a classe social
Estes códigos indicam os papéis apropriados e a que pertence a pessoa.
oportunos, o que é tabu e o que é sagrado. — As empregadas domésticas são obrigadas a
Exemplos de nossa cultura incluem os seguintes: vestir uniformes para não serem confundidas
com os membros da família.
— Quando um homem e uma mulher se casam — É considerado de mau gosto chegar pontual-
colocam anéis, se possível de ouro, em certos mente a uma recepção. Os convidados pon-
dedos da mão. O nome dos anéis é "aliança" tuais correm o risco de encontrar os anfi-
pois eles comunicam aos demais que estas triões ainda no banheiro ou terminando
pessoas já não estão mais livres e sem com- de se vestir.
promisso. — Expressamos nossos sentimentos patrióticos
— Na mesa onde a família faz suas refeições, o por meio de símbolos que incluem a bandeira,
pai sempre ocupa a cabeceira. Seu lugar na o hino nacional, os vultos históricos, as
mesa comunica sua posição de autoridade. efemérides ou datas significativas.
— As flores são a base para diversas mensagens zombando de você".
codificadas: a rosa vermelha, o buquê de — Um técnico internacional chileno, visitando
orquídeas, a coroa no funeral. o Brasil pela primeira vez, procurou um copo

no banheiro do hotel e não achou. Como
Esta lista, longa porém incompleta, demonstra em espanhol a palavra para copo é "vaso", ele
que a cultura funciona pela comunicação. Seria telefonou para a portaria dizendo: " E m
impossível para uma pessoa viver no seio de uma meu banheiro não há vaso." "Não é possível!",
cultura sem aprender a usar seus códigos de comu- responderam na recepção. "Tem de haver
nicação. E também seria impossível para ela um vaso em seu,, banheiro!! Será que está
não se comunicar. quebrado?" "Não - exclamou o chileno —
aqui não há vaso e estou precisando escovar
os dentes!"
A comunicação transcultural — Arrotar ruidosamente após as refeições é
considerado de péssima educação nas culturas
ocidentais. Mas nas orientais o hóspede
O fato de que cada cultura tenha seus próprios que não arrota está "significando" que não
códigos de comunicação torna bastante difícil gostou das comidas que lhe foram servidas,
a comunicação entre culturas diferentes. Na
ou que elas não foram suficientes para deixá-
experiência de missionários, exploradores, diplo-
lo satisfeito.
matas e técnicos de organismos internacionais,
— A distância física que se deve guardar entre
existem numerosos exemplos de confusões devidas
as pessoas varia nas diferentes culturas.
a uma decodificação errada dos códigos locais.
Algumas valorizam a proximidade, o contato
Alguns exemplos:
físico, o abraço, o beijo. Outras preferem que
— Um missionário que ensinou a rezar o " E u , seja mantida uma prudente distância entre
pecador" a crianças africanas, estranhou-se as pessoas e decodificam a aproximação
das gargalhadas provocadas pelos golpes no "excessiva" como mostra de vulgaridade
peito que no Ocidente católico acompanham e classe baixa.
a parte que diz "minha culpa, minha grande — Querendo ser amável com estudantes africa-
culpa. Ocorre que em certas culturas a f r i - nos recém-chegados, o professor norte¬
canas bater no peito significa "Eu estou americano falou para eles: "Apareçam alguma
vez para jantar em minha casa." Na semana As diferenças transculturais na decodificação
seguinte os africanos chegaram para jantar. dos signos ilustram muito claramente o caráter
Na sua cultura, um convite é sempre tomado arbitrário dos signos criados pelo homem. Com
a sério, quando, na norte-americana, deve efeito, cada cultura cria seus próprios signos e
ser codificado apenas como uma mostra lhes atribui seus próprios significados. Para que
de simpatia. os signos comuniquem, deve haver uma convenção
— Na China, a cor que expressa luto é a cor ou acordo entre as partes. E isto é precisamente
branca, e não a preta como na América o papel da cultura ao estabelecer seus códigos.
Latina. O significado da morte varia também
segundo as culturas. Na cultura ocidental
a morte é o máximo inimigo que se deve A metacomunicação
evitar por todos os meios. No Japão, entre
as pessoas religiosas, a morte pelo Imperador
Da mesma maneira que é impossível não comu-
ou pela Pátria era considerada a maior glória
nicar — porque tudo na vida comunica —, a pessoa
que um homem poderia desejar.
que comunica em geral necessita dar a seus inter-
— Para indicar a altura de uma pessoa, de um
locutores uma idéia sobre como ela deseja que
animal ou de uma coisa, em Costa Rica e
sua mensagem seja decodificada e interpretada.
no México, usam-se gestos feitos com a mão,
diferentes para cada caso. No Brasil, a altura Isto se chama metacomunicação, isto é: comu-
de pessoas, animais e coisas sem distinção nicação sobre a comunicação.
indica-se colocando a mão na posição hori- A metacomunicação pode ser verbal ou não-
zontal, palmas para baixo. Usar para pessoas verbal, isto é, feita quer com palavras, quer com
o gesto reservado para animais ou coisas gestos, olhares, tom de voz etc.
é considerado ofensivo no México e na As nossas conversas estão compostas por uma
Costa Rica. parte que é o que queremos dizer e por outra
— Enquanto nos países católicos os homens parte que é uma indicação de como queremos
devem tirar o chapéu para entrar numa ser entendidos. Exemplos:
igreja, em Israel e nos templos israelitas os — "Olhe. É difícil colocar isto em palavras,
homens devem cobrir a cabeça para serem mas o que eu quero dizer é o seguinte . . . "
admitidos. — "Escuta. Por favor não tome como uma
ofensa, mas eu queria te d i z e r . . . " vezes, porém, a aproximação excessiva revela uma
— "Quero que você preste muita atenção porque ameaça, visto que a violação do espaço pessoal
o que eu vou falar é muito sério . . . " de um dos interlocutores pelo outro é claro indício
— "Por favor, não me interprete mal. Não estou de que pode ocorrer uma agressão física ou pelo
insinuando que todos vocês sejam . . . " menos psicológica.
— "Esqueça o que falei, eu não estava falando
a sério . . . "
— "Veja bem, isto é apenas uma opinião muito
pessoal, m a s . . . "
— " O negócio é o seguinte . . . "

Usamos também outros truques para metaco¬


municar. A nossa maneira de olhar, ou deixar de
olhar, a outra pessoa traduz sentimentos de
sinceridade, superioridade, complexo de culpa,
interesse em continuar a conversa, curiosidade,
desejos de uma boa "fofoca", ou suprema indi-
ferença. Metacomunica a nossa própria maneira
de intervir no diálogo: se monopolizo a conversa
estou comunicando que não concedo aos demais
o direito de participar igualmente na conversa;
se interrompo constantemente meu interlocutor,
estou lhe indicando que ou estou por demais
interessado no que ele fala ou não dou importância
a seus argumentos.
A proximidade ou distância dos interlocutores
influi sobre a interpretação que eles darão às
mensagens. Quanto maior a proximidade, é mais
provável que a interpretação tenha que ser menos
objetiva e fria e mais subjetiva e pessoal. Outras
QUE "SIGNIFICA" ISTO?

As pessoas perguntam-se com freqüência:


"Que significa isto?" Com menor freqüência
interrogam-se: "Que significa significar?"
A comunicação, entretanto, seria impossível
sem a significação, isto é, a produção social de
sentido,
Já sabemos que signo é todo objeto perceptível
que de alguma maneira remete a outro objeto.
Há objetos que foram especificamente criados
para fazer pensar em outros objetos. Entre eles
os sinais de trânsito, as notas musicais e as
palavras da língua portuguesa.
Outros objetos têm função de signo em virtude
de seu uso na sociedade. O automóvel é um signo
de velocidade, como o caminhão é de transporte;
a máquina de costura é signo de costura e o giz é
signo de aula. Os símbolos.
Os chamados símbolos são um tipo especial "esta pedra" e não todas as pedras em geral.
de signos, embora, às vezes, símbolo seja empre- Mas é próprio da mente humana a capacidade
gado como sinônimo de signo. Os símbolos são de abstração, isto é, de identificar o que há de
— segundo a Enciclopédia Delta Larousse — comum em muitos objetos semelhantes. Prova-
"objetos físicos a que se dá significação moral velmente o homem primitivo passou a chamar
fundada em relação natural". São símbolos a de " p e d r a " todos os objetos que tivessem as
bandeira e o hino nacional; a cruz; a pomba com características de uma pedra. Nesse sentido, é
o ramo de oliveira; a mulher cega segurando uma possível que os bisontes e cervos desenhados na
balança; as alianças do casal. caverna de Altamira pelo homem paleolítico
Outro subgrupo dos signos são os sinais, "indí- representassem não um determinado animal,
cios que possibilitam conhecer, reconhecer, mas os bisontes e cervos em geral.
adivinhar ou prever alguma coisa". São sinais os Esta capacidade de abstração de qualidades
diversos desenhos e letras utilizados para repre- comuns e de colocar um nome à qualidade geral
sentar regras do trânsito. Existem os sinais orto- deu origem ao conceito. 0 conceito viria então
gráficos, os sinais de pontuação, os sinais de alarme; a ser a imagem formada na mente do homem
os barcos, aviões, caminhões, usam luzes de "sina- após perceber muitas coisas semelhantes entre
lização" para evitar colisões e outros acidentes. si. Daí em diante, o assunto se simplificou para o
Mas o homem descobre também sinais naturais homem porque, em lugar de ter que guardar em sua
no mundo que o rodeia: uma pegada humana numa memória mil palavras para mil pedras diferentes,
praia é sinal de que alguém passou por ali; a fuga agora tinha de lembrar apenas o conceito de pedra
de animais sinaliza a iminência de algum desastre; e seu signo correspondente: a palavra "pedra".
e para alguns a dor nos calos indica que vai chover. A palavra veio a representar conceitos, não
apenas objetos. Veja-se o seguinte esquema:
CONCEITO
Como um signo "significa"? ("Pedra")

É possível que os primeiros signos criados pelo


homem estivessem cada um associado a um deter- PALAVRA OBJETO
minado objeto. Talvez os sons "pe-dra" indicassem (P-e-d-r-a) (Pedra)
O mesmo esquema seria válido para signos Todavia, o significado não é uma propriedade
diferentes das palavras, como desenhos, figuras, do signo, mas um conjunto de relações das quais
gestos etc. o signo é a tradução externa.
Estes são precisamente os elementos do signo,
aqueles cujas relações lhe permitem "significar",
isto é, representar idéias. SIGNIFICADO
Primeiramente temos o objeto representado,
chamado objeto referente ou simplesmente o refe- SIGNO
rente, visto que o signo "faz referência" a ele. OBJETO
SIGNIFICANTE
Em segundo lugar temos o significado do signo, REFERENTE
que viria a ser o conceito ou a imagem formada
na mente acerca do referente.
Em terceiro lugar temos o significante, que O significado também não é a relação direta do
viria a ser a apresentação física do signo: os sons signo com algum objeto no mundo físico. O
"pe-dra", a palavra escrita "p-e-d-r-a", o desenho significado da palavra "pedra" não é uma pedra
de uma pedra ou sua fotografia, estes são diferentes particular, mas é a relação do signo com o conceito
significantes que o signo pode adotar. ou conjunto de conceitos que as pessoas têm sobre
Objeto referente, significado e significante são as pedras.
então os elementos componentes do signo, os que Se se tivesse como significado apenas a relação
lhe dão capacidade de intervir no processo da entre o signo e um objeto real, não poderíamos
comunicação. ter significado para coisas que nunca existiram
Aqui vemos que o conceito de signo não é tão senão em nossas mentes, tais como as sereias, os
simples, e envolve não só coisas visíveis ou tangí- unicórnios e os deuses do Olimpo. Aliás, não
veis mas também relações abstratas. teríamos um significado para Deus.
Isto é contrário ao conceito comum de signo. Do modo que o significado dos signos não está
É freqüente pensar que o significado de uma nos próprios signos, nem nos objetos, mas nos
palavra (ou gesto, ou figura) é uma espécie de conceitos ou imagens formados na mente das
atributo ou propriedade da palavra. Fala-se, neste pessoas.
sentido, "esta palavra significa . . . " , ou " o signi-
ficado desta palavra é . . . " .
Códigos analógicos e também letras.
códigos digitais Entre os códigos digitais, os mais utilizados são
os códigos binários, aqueles que transmitem
informação pela alternância de apenas dois estados.
Na sua evolução, a humanidade foi passando do Exemplos: o tambor falante de algumas tribos do
uso de signos parecidos com seus objetos refe- Congo emite dois tons, um por eles chamado de
rentes — tais como os desenhos de animais, as tom masculino e outro, de tom feminino. 0
palavras imitativas dos sons da natureza, os gestos código Morse combina de várias maneiras apenas
reprodutores de ações naturais — ao emprego de dois signos: o ponto e o traço. Os semáforos ou
signos cada vez mais arbitrários, sem qualquer sinais luminosos do trânsito operam sobre a base de
semelhança com os objetos representados, e que certas luzes convencionais estão "ligadas" ou
que, por conseguinte, somente funcionavam quando "desligadas"; quer dizer, adotam dois estados pos-
existia uma espécie qualquer de convenção ou síveis. As máquinas calculadoras e os computadores
acordo entre os interlocutores. funcionam por meio de impulsos elétricos que
Aqueles signos cujos significantes se parecem "passam" ou "não passam", código binário que
com os objetos referentes receberam o nome de pode ser utilizado para transmitir fantásticas quanti-
signos analógicos. Entre eles, os signos icônicos dades de informação a velocidades elevadíssimas.
(de " i k o n e " = imagem, em grego) reproduzem Na comunicação humana, empregam-se ambos os
mais fielmente as características do objeto tipos de códigos — analógicos e digitais — de maneira
referente. Signos icônicos são as fotografias, os complementar: enquanto os signos analógicos comu-
desenhos, as esculturas, as pinturas realistas. nicam de maneira vivida e natural as emoções
Mas, por extensão, também são signos icônicos (gestos, silêncios, movimentos do corpo, exclama-
as palavras onomatopéicas, isto é, as que imitam ções e t c ) , os códigos digitais (linguagem oral e
os sons naturais. escrita) fornecem informações precisas e detalhadas.
No outro extremo, isto é, entre os signos que
não guardam semelhança alguma com seus
referentes, estão os signos chamados digitais. Os tipos de significado
A palavra digital vem de dígito, que são os números
de 0 a 9. Os códigos digitais, entretanto, não
empregam somente números ou dígitos mas Os signos são como as pessoas, têm significados
diferentes segundo o contexto em que se encon- da linguagem ou outros códigos.
tram. Um homem é pai em sua casa, chefe no Esta diferença do cognitivo e do emotivo é
escritório e goleiro no time de futebol do bairro. importante porque muitas vezes as pessoas reagem
Uma mesma palavra, por exemplo, varia seu emocionalmente não à palavra em si ou a sua
significado segundo sua posição na frase: adequação gramatical, mas à maneira de usar a
"João é professor de educação." linguagem ou às circunstâncias em que ela é usada.
" A educação do professor é importante." Os chamados palavrões, para citar um caso, não
A palavra educação evidentemente não possui produzem indignação por si mesmos, mas pelo
o mesmo significado em ambas as sentenças. lugar e pela ocasião, ou pelo tom de voz, em que
Este é o chamado "significado gramatical", são pronunciados. A expressão "filho da mãe"
pois depende da relação do signo com outros nem sempre é insultante. A palavra " f o g o " pode
signos ou elementos do discurso. ter um significado cognitivo num discurso normal,
Da mesma maneira, o significado de uma parte mas adquire significado emotivo quando é gritada
de uma figura ou fotografia não é independente do num teatro lotado.
contexto que a rodeia. Este seria o "significado Os papéis sociais dos interlocutores influenciam
contextual". também o significado emotivo. De um sacerdote,
Quando o significado depende somente da um professor, um juiz de direito, espera-se um
relação entre o signo e seu conceito referente, determinado comportamento lingüístico consi¬
temos o "significado referencial". Estes significa- rado apropriado à sua posição. Quando ocorre um
dos são os que aparecem nos dicionários. marcado desvio deste papel esperado no uso
Para complicar um pouco, vamos considerar do vocabulário, é provável que resulte uma reação
uma outra dimensão dos significados, a dimensão emotiva, tal como surpresa, assombro ou rejeição.
racional-emocional. Todos estes exemplos confirmam o fato de que
Tanto o significado referencial como o gramati- os signos não são produto de relações rígidas e
cal são de tipo cognitivo, já que se referem somente estáticas; eles são tão dinâmicos como a própria
aos aspectos intelectuais da razão humana. Mas sociedade.
os signos têm também uma dimensão não-racional, Aliás, a flexibilidade dos signos nota-se de
visto que seu impacto na pessoa abrange também maneira ainda mais interessante na diferença
os sentimentos. O significado emotivo refere-se entre dois tipos de significados: o significado
aos tipos e graus de reação emocional às expressões denotativo e o conotativo.
• O significado denotativo aparece quando um comunicação humana e a animal consista em que os
signo indica diretamente um objeto referente signos animais são todos denotativos; o que poderia
ou suas qualidades. haver de conotativo neles seria apenas a lembrança
"Esse aí é meu livro de Matemática." das experiências associadas aos signos. Se um signo
Aqui, a palavra " l i v r o " indica um livro esteve associado com dor ou castigo no passado, é
concreto, aquele que é meu, que está sobre natural que provoque no animal reações de alarme,
a mesa. fuga ou agressão. No animal, a conotação consis-
Ao significado denotativo de " l i v r o " estão tiria num caso de condicionamento.
associadas percepções de propriedades obser- No ser humano a conotação é algo muito dife-
váveis e objetivas, como o formato, o tama- rente. A capacidade de imaginação dá para a
nho, a tipografia, as ilustrações etc. conotação uma liberdade quase total. Partindo
• 0 significado conotativo inclui as inter- de denotações bastante objetivas e concretas, a
pretações subjetivas ou pessoais que podem imaginação constrói novas realidades. Uma gota
derivar-se do signo. de orvalho se converte em lágrimas, em pureza
"Esse aí é meu livro de Matemática." ou em melancolia. Um pôr-do-sol conota a
Conotativamente falando, a palavra " l i v r o " serenidade, a saudade, a solidão. Veja-se no famoso
pode evocar uma série de significados — tanto Poema 20, de Pablo Neruda, como o poeta
cognitivos como emotivos —, tais como "estudo", consegue conotar melancolia e saudades com
"prova", "ansiedade", "notas", "cola", " t é d i o " , expressões aparentemente denotativas e simples:
"sono".
Vê-se no exemplo que um mesmo signo pode
20
ter ao mesmo tempo significados denotativos e
conotativos, É evidente que os significados cono- Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
tativos serão bastante diferentes para cada pessoa. Escrever, por exemplo: " A noite está estrelada
e t i r i t a m , azuis, os astros, ao longe."

O vento da noite gira no céu e canta.


O poder da conotação Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu a amei, e às vezes ela também me a m o u .

Em noites como esta eu a tive entre os meus braços.


É possível que a grande diferença entre a Beijei-a tantas vezes sob o céu i n f i n i t o .
Ela me amou, às vezes eu também a amava. conotativo o faz transcender a realidade presente
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos. e construir uma nova. Os signos denotativos são
Posso escrever os versos mais tristes esta noite. indispensáveis para a sobrevivência no mundo
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi. concreto, mas sem os conotativos o homem ficaria
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela. preso aos determinismos do real.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho. No extremo oposto, o significado conotativo
(Neruda), Antologia Poética — Tradução de Eliane Zagury. permite tomar dados concretos da realidade atual
Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1974) ou histórica e extrapolá-los de tal maneira que
toda uma nova realidade de significados é cons-
Nesta capacidade dos signos humanos de conotar, truída.
isto é, de ampliar e enriquecer o significado
"referencial" dos signos, originam-se as criações
mais importantes da cultura, da filosofia e da
religião.
0 significado conotativo introduz a liberdade
na comunicação humana. Enquanto o significado
denotativo orienta o homem na realidade, o
e destruir.
Não é sem motivo que, na Bíblia, a linguagem
aparece elevada a um nível quase sagrado, quando
se chama o Filho de Deus de Verbo ou Palavra
Encarnada, como também se apresenta como
causa de confusão e divisão no episódio da Torre
de Babel.
Qual é, então, a natureza da linguagem como
OS DOIS GUMES meio de comunicação? Qual é seu papel na
sociedade?
DA LINGUAGEM
A natureza da linguagem
Embora não haja limites para os signos que o
homem pode utilizar para se comunicar, a maior Em Linguística, a ciência que estuda a linguagem,
parte da comunicação se realiza por meio da é tradicional defini-la como um sistema de signos
linguagem, falada ou escrita. vocais arbitrários usados para a comunicação
Ao mesmo tempo, a maior parte das confusões humana.
e incomunicações que ocorrem entre as pessoas, Em qualquer língua humana, um certo número
entre os grupos e entre as nações têm como origem de sons, chamados sílabas, pode ser combinado
a linguagem. dentro de um conjunto de regras, gerando unidades
A linguagem é uma faca de dois gumes. A mais significativas denominadas palavras. Outro
humana das características, exprimindo a superio- conjunto de regras — a gramática ou sintática —
ridade funcional do cérebro do homem sobre o estabelece as maneiras pelas quais as palavras
dos animais, capaz de expressar seus sentimentos podem ser combinadas para formar unidades
mais profundos e seus pensamentos mais comple- significativas maiores, as frases ou sentenças.
xos, a linguagem pode levar os homens à comunhão A título ilustrativo, as sílabas ti, ca, Io, sa, jo,
no amor e na amizade, mas também pode ser o, de, a, fei, ta podem ser combinadas formando
utilizado para ocultar, enganar, separar, dominar as palavras: tijolo, casa, feita e outras, e estas
palavras podem ser organizadas na frase: indo-germânico ou ariano (alemão, inglês, francês,
" A CASA É FEITA DE TIJOLOS." italiano e t c ) ; o uralo-altaico (finlandês, húngaro,
A definição de linguagem diz que ela está turco e t c ) ; e o basco, este último compreende
formada por "signos vocais arbitrários", e no só uma língua, a basca.
exemplo acima pode-se notar que, de fato, nada As línguas não são estáticas e se modificam
obriga uma sociedade qualquer a escolher os sons com o tempo, diferenciando-se em tal grau nas
ti, ca, los, as, e outros, dentre os infinitos sons diversas regiões de um mesmo país que os "diale-
possíveis para o aparelho fonador do homem. tos" produzidos chegam a não ser entendidos
Também nada obriga a combinar estes sons for- por pessoas que falam outros dialetos "irmãos".
mando as palavras casa, tijolos e outras. E, final- Tanto a sobrevivência de uma língua como suas
mente, nada obriga a organizar estas palavras modificações dependem de variados fatores histó-
em determinada seqüência: "A casa é feita de ricos, geográficos, culturais, tais como os regio-
tijolos", podendo combiná-las de qualquer outra nalismos; o isolamento de grupos humanos em
forma, tal como: "Feita a tijolos de casa é." lugares montanhosos, ilhas e florestas; os contatos
A total liberdade dos homens para escolher com outras línguas e culturas; as descobertas
os signos e a gramática de suas Iínguas teve como técnico-científicas que exigem novos nomes
natural conseqüência a existência de milhares para novos objetos e processos; a criatividade
de idiomas e dialetos ao longo da história. Curio- da juventude ("gírias") e t c Com bastante freqüên-
samente, não é muito ampla a variedade de formas cia, a lei do menor esforço tende a suprimir sons
utilizadas pelas línguas para a organização das desnecessários e facilitar sons de difícil pronúncia.
palavras no discurso. Geralmente se reconhece No caso do idioma guarani, o casamento poli¬
a existência de três tipos de formação das palavras: gâmico dos conquistadores espanhóis — que
o tipo isolante, exemplificado pelo chinês; o eram poucos — com as filhas dos caciques, somado
tipo aglutinante, ilustrado pelo turco e o tupi- ao isolamento do Paraguai como país mediterrâneo,
guarani; e o tipo inflexionante, do qual o latim e fez com que, até hoje, 80% da população fale o
o alemão são representantes. idioma nativo, embora cada dia misturando-o
Muitas das línguas conhecidas, por outro lado, mais com o espanhol, que é a língua "culta".
derivam de uma mesma língua anterior, isto é, de Em contraste, outras línguas latino-americanas
um mesmo "tronco lingüístico". As línguas estão em franco processo de extinção, como
européias provêm de três grandes troncos: o a língua dos chibchas, antigamente dominante
na região de Cundinamarca, na Colômbia.
classes mais elevadas entregam uma narração
unitária, mesmo que complexa.
Linguagem e classe social Classificação e relação: A pessoas de nível social
baixo custa se referir a categorias gerais de
pessoas e atos, pois elas não costumam falar em
Embora não tenha sido ainda bem estudada a termos de "classes" ou "categorias", mas de
barreira que a linguagem representa para a mobi- "indivíduos". Pessoas de classes mais altas
lidade social numa estrutura de marcada estrati- possuem uma terminologia rica em conceitos,
ficação de classes, diversos estudos têm mostrado usam freqüentemente classificações e tipologias,
que existem diferenças importantes entre a lingua- bem como as conexões entre elas são aparen-
gem empregada pelas classes sociais mais elevadas temente lógicas.
e a utilizada pelas classes subalternas. Abstrações: As classes populares são menos
Certos lingüistas denominam "códigos elabo- sensíveis à informação abstrata e às questões
rados" os vocabulários e hábitos gramaticais ou assuntos pouco concretos, enquanto as
utilizados pelas classes altas, e "códigos restritos" classes mais altas compreendem e usam genera-
os empregados pelas classes populares. lizações e padrões abstratos. A linguagem do
Algumas das diferenças entre ambos os tipos operário ou camponês é concreta e literal
de códigos podem ser analisadas sob diversos (denotativa); sua linguagem figurativa (metáforas,
pontos de vista, tais como: alegorias etc.) inclui em geral animais e coisas;
tende a personificar assuntos impessoais.
Perspectiva: Enquanto as classes populares têm
um modo de comunicar baseado numa única Uso do tempo: Na classe baixa é descontínuo,
perspectiva ou ponto de vista, mais descritivo dando-se ênfase ao particular e efêmero, enquan-
que interpretativo, a classe média e alta olham to na classe alta o tempo é contínuo e se dá
coisas sob vários pontos de vista e comparam ênfase ao processo e ao desenvolvimento.
diversas interpretações alternativas.
É evidente que estas comparações são muito
Organização do discurso: A mensagem é composta relativas e que existem indivíduos nas classes
de segmentos sem muita conexão entre si no populares capazes de maior abstração, comple-
discurso das classes subalternas, enquanto as xidade e precisão no uso da linguagem que alguns
membros das classes altas. Porém, o universo poderia compreender melhor o que acontece
cultural mais restrito das classes subalternas limita com ele e seus companheiros. Mas como seu
a sua capacidade de expressar noções analíticas vocabulário é limitado, ele atribui seu fracasso
e abstrações que transcendam o particular e o a razões pessoais e familiares, e isto contribui
específico. para que desenvolva uma imagem negativa de si
Ora, como a sociedade atual é basicamente mesmo e de seu ambiente. A pobreza de seu código,
competitiva e a habilidade de comunicação é neste sentido, não o prepara para entender o código
um recurso valorizado, é natural que pessoas que político da sociedade global e, por conseguinte, não
não conseguem manejar proposições complexas o motiva para a superação dos obstáculos que
e noções abrangentes, que não articulam suas a estrutura social coloca em seu caminho.
intenções claramente, fundamentando-as com
argumentos bem formulados e estruturados, se
encontrem em completa desvantagem ante pessoas A manipulação da linguagem
com amplo vocabulário, perspectiva flexível e
domínio seguro do pensamento abstrato.
A posse, então, de um código elaborado ou Na seção anterior vimos que a linguagem, que
de um código restrito tem influência na mobilidade serve como instrumento integrador dentro de
social ou na permanência do indivíduo em sua um mesmo grupo social, pode servir também
classe original. Tomemos, como exemplo, crianças como diferenciador entre grupos que falam dife-
das classes pobres que fracassam na escola. A rentes línguas ou a mesma língua de uma maneira
ideologia dominante explica este fenômeno atri- elaborada ou restrita.
buindo a culpa às próprias crianças ou a seus Ao servir como auxiliar do pensamento e da
pais, jamais à estrutura social injusta que coloca consciência, a linguagem pode ser ainda instru-
limitações sobre o domínio da linguagem. mento da manipulação das pessoas.
Ora, a própria pobreza lingüística dificulta a A linguagem tem, por conseguinte, uma clara
compreensão de sua desvantagem por parte das função política.
classes subalternas. Se um estudante pobre tivesse Historicamente, a manipulação da linguagem
em seu repertório conceitual-vocabular termos tais, tem sido realizada de muitas maneiras:
como "classe social", "discriminação", "códigos 1. A imposição de uma nova linguagem em uma
lingüísticos elaborados ou restritos" e outros, cultura que possui sua própria linguagem tem
sido característica na conquista e colonização
de África, América e Ásia por países europeus.
Palavra Antes Durante
A Rússia Soviética obriga todas as repúblicas
Relacionado com a Certificado genalógico de
que compõem a URSS a ensinar russo nas Abstammungsnachweis
criação de gado origem Ariana
escolas, mesmo permitindo a manutenção Blutschande Incesto Relação íntima com um
de suas línguas nativas. "não-Ariano"
Blutvergiftung Toxemia; envenenamen- Aparência de decadência
2. A censura, quer oficial e explícita, quer to do sangue
em povos e raças
espontânea ou implícita, aquela que os Fanatisch Fanático {adjetivo com
Fanático (adjetivo com
conotações negativas}
cidadãos mesmo se aplicam a si próprios por Intellect Capacidade criativa conotações positivas)
medo, é freqüente nos regimes ditatoriais, Diferente do instinto;
palavra que denota uma
como meio de cooptação lingüística. Quando qualidade crítica, subversiva
o autor deste livro foi convidado a fazer e destrutiva.

uma conferência num país de governo autori-


tário, indicou como tema de sua palestra: Estas regulações da linguagem eram acompa-
" O papel dos meios de comunicação na nhadas de instruções precisas para o uso das
construção de uma sociedade democrática". palavras pelos meios de comunicação social.
Quando a instituição patrocinadora publicou A Agência de Imprensa, por exemplo, circulou
o anúncio do evento, o título da palestra as seguintes diretrizes nas datas correspondentes:
era o seguinte: "O papel dos meios da comu-
nicação na sociedade moderna". Setembro 1, 1939 - A palavra "guerra" deve ser
3. A imposição de novos significados para as evitada em todas as notícias e editoriais.
palavras é um recurso utilizado nos regimes A Alemanha está resistindo a um ataque
totalitários. Durante a vigência do Terceiro da Polônia.
Reich na Alemanha nacional-socialista, os
dicionários e enciclopédias eram revisados Novembro 16, 1939 - A palavra "paz" deve ser
para eliminar certos termos, agregar outros eliminada da imprensa alemã.
e modificar o sentido de ainda outros. Vejam- Outubro 16, 1941 - Não deve haver mais
se alguns exemplos da redefinição de palavras referências aos sovietes ou aos soldados
pela comparação de seu significado antes e soviéticos. Quanto mais, eles devem ser cha-
durante o Terceiro Reich: mados de "Sovietarmisten" — membros do
exército soviético — ou apenas de bolche¬ maneira fragorosa!", "MM, o cigarro que
viques, bestas e animais. mais se vende no mundo", "Todos usam X " ,
Março 16, 1944 - O termo "catástrofe" fica "Não fique sozinho . . . ".
eliminado completamente da língua germâ-
nica. Deverá ser substituído pela expressão — Testemunho ou transferência de prestígio: O
"grande emergência", e "socorro de catás- produto ou a causa é associado a figuras de
t r o f e " deverá ser substituído por "socorro de prestígio e/ou estas dão um testemunho de
bombardeio aéreo". que favorecem ou usam o produto. Exemplos:
"Eu tomo * * * , tome também você", " O
4. A publicidade comercial tem explorado enge- Partido de Abraham Lincoln", "Faça como
nhosamente a capacidade de as palavras X... use N".
conotarem significados gratificantes, na mani- — Mostrar só o melhor: Destacar as qualidades e
pulação de mensagens persuasivas. Algumas silenciar os defeitos e limitações próprios,
técnicas empregadas pela publicidade: fazendo o oposto com o adversário.
— Generalidades brilhantes: uso de expressões — Esforço-recompensa: Condicionar uma gratifi-
ambíguas e vagas, que insinuam efeitos inveri¬ cação à aquisição e uso do produto divulgado.
ficáveis mas atraentes, bem como de substan- Exemplos: "Se você quer progredir, o cami-
tivos e adjetivos insinuando qualidades nho é . . . " , "Se você é inteligente, en-
desejáveis quer do produto quer da pessoa que tão . . . " , "Caminho para o sucesso é . ..".
o usa. Exemplos: "delicadamente feminina", — Palavras de países avançados: No tempo em
"momentos inesquecíveis", "raro prazer", que a França exercia grande influência na
"dá mais vida", "elite", "status", "triunfa¬ América Latina, muitas palavras francesas
dor", "sabe o que quer", "elegância", "dis- foram adotadas porque davam status. Hoje,
tinção". com a dominação dos Estados Unidos, são
— Todos estão conosco: expressões gregárias in- palavras inglesas as que "vendem". Marcas de
dicando que o produto ou a causa reúne os cigarros, nomes de conjuntos musicais, nomes
ganhadores, os que "tiram vantagem" das de locais comerciais, a maioria são palavras
coisas. Exemplos: "De cada 10 estrelas de inglesas: "Charm", " H o l l y w o o d " , "Beverly
cinema, 9 usam. . . " , "Ganharemos de Hills", "The Fevers", "shopping center",
"minimum price system" etc. 6. A lavagem cerebral viria a ser a maneira mais
extremada de manipulação da linguagem.
— Rótulos ou etiquetas: Com a finalidade de Através de um complexo processo de ameaças
desacreditar pessoas ou grupos, colocou-se e oferecimentos de recompensas e redução de
neles rótulos ou etiquetas verbais, tais como castigos, como também de privações, acompa-
"fascista", "comunista", "subversivo", "agita- nhadas de doutrinações repetidas, intensa-
dor" etc. Isto é feito na propaganda política. mente, os significados que a vítima atribui
Na publicidade o procedimento é inverso: normalmente às palavras são substituídos por
colocam-se rótulos ou etiquetas positivos que novos significados. Como a estabilidade
individualizam o produto. Exemplos: " L í d e r " , emocional da pessoa está destroçada pela
"campeão", " A melhor" etc. tortura psicológica, a aceitação até subcons-
ciente dos novos significados vem a constituir
5. Uma técnica de manipulação da linguagem um alívio. Numa situação assim, a pessoa
amplamente utilizada por governos e institui- chega a acreditar como verdadeiras as frases
ções é o emprego de eufemismos, isto é, que foi obrigada a decorar e a expressar
expressões que, sem alterar o significado, publicamente.
dissimulam melhor realidades desagradáveis
ou desfavoráveis, que poderiam ser conotadas.
No Vietnã, o genocídio em massa causado por A reconstrução da realidade
um exército foi diluído em expressões tais
como "programa de pacificação", "Zona de
fogo livre", "taxa de mortes" etc. Referindo- As diversas formas de manipulação da linguagem
se aos países ocidentais, a imprensa dos países parecem indicar que existem duas realidades
capitalistas fala "mundo livre", enquanto os bastante diferentes: a realidade objetiva e a reali-
países socialistas do Leste estão "atrás da dade reconstruída pelo discurso da comunicação.
Cortina de Ferro". A exploração dos países A comunicação supostamente mais objetiva,
pelas empresas multinacionais é sujeita a como a notícia jornalística, não é mais que a
eufemismos tais como "cooperação interna- "reconstrução" da realidade pelo repórter. Os
cional", "transferência de tecnologia", "inter- eventos, com efeito, são percebidos pelo repórter
dependência", "liberdade de comércio" etc. que, além de selecionar apenas os aspectos que
lhe parecem relevantes, deixando de fora outros, tipos de linguagem tem provocado a intensificação
ainda projeta seus próprios significados conotativos de um movimento orientado para a capacitação
sobre o evento. Ao escrever, a estrutura do do público em geral na "leitura crítica" das
discurso — isto é, a seqüência dos fatos reportados mensagens. Esta habilidade consiste em identificar
— introduz sua própria paralinguagem. E a posição o grau de denotação-conotação nas mensagens,
da matéria no jornal — primeira página, última unida ao desenvolvimento de uma atitude de
página, ângulo superior direito, ângulo inferior desconfiança sobre as intenções e os conteúdos
esquerdo etc. — agrega seu quinhão de valorização ideológicos inseridos nos textos.
do evento. O resultado é um produto parcialmente
denotativo e parcialmente conotativo, mas
reconstruído.
Na informação sobre o ataque da Inglaterra
aos argentinos que defendiam as ilhas Geórgia
do Sul, a versão inglesa era que os argentinos
"se renderam", enquanto a versão argentina
dizia que se "haviam retirado taticamente" para
continuar a resistência.
Os meios que manejam signos visuais e auditivos,
tais como o cinema e a televisão, possuem ainda
maior margem de reconstrução da realidade do
que os meios escritos. Eles podem chegar a criar
uma "atmosfera" (romântica, de terror, de
comicidade) que predispõe o público a perceber
a realidade da maneira desejada pelo diretor.

A leitura crítica

A possibilidade de manipulação de todos os


de orientação e treinamento, aproveitar construti-
vamente suas capacidades de expressão, relaciona-
mento e participação.
Se a comunicação pode definir-se como "a
interação social através de mensagens", por que
não aprender a formular e trocar mensagens que
elevem a qualidade da interação social?
Se os meios de comunicação são verdadeiras
"extensões do homem", por que não aprender a
O PODER DA COMUNICAÇÃO usá-los desde a infância em um sentido construtivo
E A COMUNICAÇÃO DO PODER de auto-expressão e de construção de uma nova
sociedade mais justa e solidária? Por que não
promover o acesso de toda a população ao usufruto
dos meios de comunicação "para que possam dizer
É próprio da comunicação contribuir para a sua palavra e pronunciar o mundo"?
modificação dos significados que as pessoas Ora, o aproveitamento ótimo do poder da
atribuem às coisas. E, através da modificação comunicação para a expressão, o relacionamento
de significados, a comunicação colabora na e a participação, dentro de um projeto geral de
transformação das crenças, dos valores e dos transformação social, implica a tomada de uma
comportamentos. série de medidas pela sociedade, começando pela
Daí o imenso poder da comunicação. Daí procura de novas formas de apropriação e adminis-
o uso que o poder faz da comunicação. tração dos meios, até melhores formas de capa-
citação das pessoas no uso da comunicação.
No caso da educação, novos modos de prepa-
O poder da comunicação ração para a comunicação devem ser desenvolvidos
a vários níveis, a saber:

No primeiro sentido, as pessoas em geral não • Desde o pré-escolar até o segundo grau,
desenvolvem todo seu potencial de comunicação, a matéria Comunicação e Expressão deveria
embora, certamente, poderiam elas, com um pouco receber a maior ênfase. Ela poderia até ser o
eixo central de todo o currículo, sobretudo Slogans Jornal mural
nas primeiras séries. Usar-se-ia uma aborda- Desenhos Estórias em
gem a partir de problemas reais. Através de Cartazes quadrinhos
"estudo situacional" inicial, podem ser Fotografias Fotomontagem
escolhidos "núcleos geradores" que levem a Fotos seriados Fotonovela
uma melhor compreensão da realidade graças Colagens Teatro vivo
a diversas "leituras" da mesma: leitura deno¬ Artigos de Teatro de fantoches
tativa, leitura conotativa e leitura estrutural. revista Retroprojetor
Nestas leituras entrariam, como auxiliares do
conhecimento, todas as demais disciplinas:
biologia, botânica, história, matemática etc. Na educação formal e nao-formal de adultos,
Na etapa final, o método ofereceria aos o potencial de comunicação deve também
aprendizes a oportunidade de comunicarem ser desenvolvido. Na educação formal dando
criativamente suas propostas para o melho- mais importância à capacidade de comunicar
ramento da realidade, observada e analisada do que de absorver conhecimentos, isto é, de
dentro dos núcleos geradores. socializar o aprendido em benefício da
Tanto na investigação da realidade como na aplicação social da profissão ou ocupação.
apresentação dos projetos e propostas, os Na educação não-formal, tornando-a mais um
aprendizes utilizariam todos os meios de processo de resolução de problemas que de
comunicação convenientes, tais como: adoção de práticas recomendadas. Com
efeito, a educação não-formal de adultos tem
Conferências Poesia se caracterizado até agora pela diretividade e
Mesa-redonda Estudo de casos pelo utilitarismo: assim, os extensionistas
Entrevista Sociodrama rurais só procuram transmitir tecnologia
Painel de Oratória agropecuária; os educadores sanitários só
"conhecedores" Dinâmica de grupos procuram transmitir práticas de saúde; os
Simpósio Projeções (filmes, assistentes sociais só tentam transmitir proce-
Comissão diapositivos, dimentos jurídicos e trabalhistas. Só recente-
informativa diaposonoras etc.) mente alguns agentes de mudança se deram
Reportagem Contos conta de que muito mais importante do que
adotar conhecimentos e práticas específicas população, desmistificando os meios, se se quer
é desenvolver a capacidade de identificar conseguir a construção de uma sociedade
problemas da realidade através da interação participativa.
com os demais e com o meio, para depois
articular estes problemas e buscar-lhes solução Resumindo, o extraordinário poder da comuni-
ou, caso os recursos próprios do grupo sejam cação para o desenvolvimento da criatividade na
insuficientes, levá-los ao conhecimento dos auto-expressão, da fraternidade na convivência
poderes públicos pertinentes. e da força política na luta pela transformação das
Ora, tudo isto exige o desenvolvimento da estruturas sociais está ainda esperando ou uma
capacidade de comunicar. A aquisição do teoria social que a valorize ou um método que
poder de reivindicação implica a coesão a concretize.
grupai, a autoconfiança e a posse de habili-
dades de exposição, argumentação e persuasão
da opinião pública, todas estas capacidades A comunicação do poder
baseadas na comunicação.
Paradoxalmente, um terceiro nível onde o
poder da comunicação pode ser desenvolvido O inesperado desenvolvimento e difusão da
pela educação são as faculdades e escolas consciência associativa e a multiplicação conse-
de comunicação. Com efeito, a formação qüente de grupos ecológicos, associações de classe,
atual dos comunicadores sociais dá ênfase associações de bairro e de vizinhança, comuni-
aos aspectos técnicos e administrativos do dades eclesiais de base e t c , mostram que foi
manejo dos meios, mas pouca atenção às quebrado — oxalá definitivamente — o antigo
estratégias de utilização da comunicação num conformismo e passividade da sociedade civil.
sentido educativo e dinamizador das trans- Ante ela, ergue-se formidável, toda uma tradição
formações sociais. Os comunicadores saem de monopólio e de manejo da comunicação pelas
da faculdade moldados para o trabalho em classes dominantes, dispostas a perpetuar os
meios do tipo comercial-empresariaI e, orgu- padrões de elitismo, privilégio, coerção e explora-
lhosos de seu profissionalismo, caem na ção que caracterizaram nossa história. 0 uso da
tentação de esquecer que a capacidade de comunicação, evidentemente, foi apenas um dos
comunicar deve ser estendida a toda a meios empregados, junto a sanções econômicas,
discriminação educacional, nepotismo e, ainda, de jornalistas e radialistas nas folhas de paga-
exílio, tortura e outros de triste memória. mento oficiais para que veiculem matérias
Na manipulação da comunicação, as classes favoráveis ao governo; a influência das firmas
dominantes mobilizaram tantos tipos de medidas anunciadoras na política editorial dos meios
que sua enumeração seria impossível. Entretanto, comerciais etc.
uma tentativa de classificação destas medidas
distingue entre: Há ainda as táticas diversionistas do governo
quando, para apartar a atenção do' povo dos
Comunicação dirigida: consistindo na manipulação problemas de base, fomenta filmes, programas
da linguagem, obrigatoriedade de certos signi- de rádio e de T V isentos de qualquer valor
ficados, imposição de certos conteúdos, proibi- educativo ou conscientizador, como os programas
ção de outros (censura), utilização de adjetivos de calouros, os jogos competitivos, os concursos
laudatórios para as autoridades do momento. com prêmios, as pornochanchadas, assim como
também os horóscopos, colunas sociais de mexe-
Comunicação limitada: envolve qualquer medida
ricos, suplementos dominicais de orientação
para a manutenção das massas na ignorância; a
frívola e consumista etc.
educação sendo orientada para forçar as classes
Nos programas de TV do tipo "pão e circo",
baixas a manterem seus códigos restritos, que
aplicam-se métodos de repetição rítmica e ritual
não lhes permitem articular seus interesses e
que condicionam as pessoas, embotando seu
participar do jogo político.
sentido crítico e estético e evitando o desenvol-
Comunicação constrangida: os esforços realizados vimento de sua consciência crítica. As crianças
por grupos privados e governamentais para participantes destes programas recebem forte
estruturar e limitar a comunicação pública com dose de doutrinação consumista e mercantilista,
a finalidade de conseguir que prevaleçam seus ficando condicionadas a uma crescente dependên-
interesses: a obrigação imposta pelo proprietário cia dos reforços e gratificações oferecidos pela
de um jornal no sentido de que todos os jorna- indústria cultural.
listas obedeçam à linha editorial mesmo contra
os ditames de sua consciência; o controle da
opinião dos jornais através do monopólio
estatal de distribuição do papel; a manutenção
A comunicação de resistência pela participação pessoal, e esta passa forçosa-
mente pela comunicação.
Deseja-se colocar o poder da comunicação a
Havendo a sociedade civil constatado que o serviço da construção de uma sociedade onde a
vasto poder da comunicação não está sendo utili- participação e o diálogo transformantes sejam
zado para promover o crescimento integral das possíveis.
pessoas de todas as classes sociais, sendo antes
empregada como um narcótico que oferece ao
povo "pão e circo" em troca de sua desistência
da luta pela transformação da sociedade, a
resistência contra este tipo de comunicação já
começou.
A luta tem adotado a forma de movimentos em
favor de tipos de comunicação chamados:
«» comunicação alternativa
comunicação participatória
comunicação militante
comunicação popular
comunicação de resistência
comunicação folclórica ou tradicional
Embora cada denominação expresse algumas
diferenças de significado, a idéia comum permeando
os diversos movimentos é a de que o homem
social, até agora reduzido à qualidade de um
parâmetro numa equação econômica e submetido
a um planejamento hierarquizada que não o
consulta seriamente, hoje luta por uma sociedade
participativa, i g u a l i t á r i a e antielitista. A transfor-
mação de urna sociedade liberal representativa Os meios de comunicação:
numa sociedade participativa passa forçosamente verdadeiras extensões do homem.
O mesmo ocorre com as obras de Marshall
McLuhan: A G A L Á X I A DE GUTENBERG
(Editora Nacional, 1972); OS MEIOS SÃO A
MASSAGEM (Record), OS MEIOS, EXTENSÕES
DO HOMEM etc. O livro TEORIAS DE COMU-
NICAÇÃO DE MASSA, de Melvin De Fleur,
contém dados relevantes (Zahar Editores),
enquanto COMUNICAÇÃO DE MASSA, de
Charles R. Wright, oferece uma perspectiva
INDICAÇÕES PARA LEITURA sociológica e muitos resultados de pesquisas.
A TEORIA DA INFORMAÇÃO, de Marcello
C. D'Azevedo (Vozes, 1971), desenvolve o ponto
de vista da comunicação como transmissão de
A escolha de leituras adicionais dependerá das informação.
perguntas que o leitor sinta levantar-se em sua Que implicações ideológico-políticas tem a
mente: comunicação ?
Como evoluiu a comunicação e quais são suas Uma excelente coletânea de autores escolhidos
perspectivas? cuidadosamente por sua posição progressista
O FUTURO DA COMUNICAÇÃO, Da galáxia a respeito da comunicação é MEIOS DE COMU-
de Gutenberg à aldeia global de McLuhan, de NICAÇÃO: REALIDADE E MITO, de Jorge
R. A. Amaral Vieira, publicado por Achiamé, Werthein (org.), publicado pela Editora Nacional,
2 a edição, 1981, é a resposta. 1979. O livro COMUNICAÇÃO E PLANEJA-
MUTAÇÕES EM EDUCAÇÃO SEGUNDO MENTO, de Juan Díaz Bordenave e Horácio
MCLUHAN, de Lauro de Oliveira Lima, da Editora Martins de Carvalho, critica os modelos vigentes
Vozes, 1973, é um excelente complemento. de planificação e uso da comunicação na sociedade
Qual é a natureza e a função da comunicação capitalista. COMUNICAÇÃO E INDÚSTRIA
na sociedade? CULTURAL, de Gabriel Cohn (Ed. Nacional,
Embora ultrapassado em vários aspectos, o livro 1977), situa a comunicação no mundo empresarial
de Wilbur Schramm, PROCESSO E EFEITOS DA que produz e vende mensagens. Paulo Freire, em
COMUNICAÇÃO DE MASSAS, continua útil, sua obra EXTENSÃO OU COMUNICAÇÃO?,
revela a violência antipedagógica da educação SOCIAL SEMIOTIC, The Social Interpretation
não-formal diretiva. A Paz e Terra acaba de lançar of Language and Meaning, Londres, Edward
COMUNICAÇÃO DOMINADA, resumindo os Arnold 1979.
modos de influência dos Estados Unidos nos A PRAGMÁTICA DA COMUNICAÇÃO HUMA-
meios latino-americanos de comunicação. Quem NA, de Watzlawick, Beavin e Jackson, focaliza
puder conseguir um exemplar do relatório da a influência da comunicação sobre a personalidade
Comissão da UNESCO para o Estudo dos Problemas e a conduta.
da Comunicação, que apareceu em espanhol E sobre Comunicação Alternativa; Popular,
com o t í t u l o : UN SOLO MUNDO, VOCÊS Participatória, existem textos publicados em
MULTIPLES. COMUNICACION E INFORMA¬ português?
CION EN NUESTRO TIEMPO, publicado por Lamentavelmente, com exceção de FOLKCO¬
Fondo de Cultura Economica en México, 1980, MUNICAÇÃO, a Comunicação dos Marginalizados,
terá ante si uma visão global da situação e pers- de Luiz Beltrão (Cortez Editora, 1980), não há
pectivas da comunicação no cenário mundial. quase nada publicado em forma de livro. Jorge
Como é que a linguagem humana funciona Werthein e Marcela Gajardo estão preparando uma
realmente? Como se formam os significados na coletânea sobre Educação e Participação, para
sociedade? Como afetam os comportamentos? a editora Paz e Terra. Está também no prelo, na
Existem textos sobre Semiologia e suas três Paz e Terra, outra coletânea intitulada COMU-
grandes divisões: a Semântica, a Sintática e a NICAÇÃO E DEMOCRACIA NA AMÉRICA
Pragmática, traduzidos para o português. Alguns LATINA, organizada por Elizabeth Fox e Hector
deles são os seguintes: Schmucler.
Ronald Barthes - ELEMENTOS DE SEMIO-
LOGIA, Cultrix 1979.
R. Jakobson - LINGÜÍSTICA E COMUNI-
CAÇÃO, Cultrix 1973.
I. Hayakawa - A LINGUAGEM NO PENSA-
MENTO E NA AÇÃO, Livraria Pioneira Editora,
1966.
Ainda não traduzido mas excelente é o "Paper-
back" de M. A. K. Halliday LANGUAGE AS
Sobre o autor

Juan Díaz Bordenave é paraguaio, agrônomo, Mestre


em Jornalismo Agrícola pela Universidade Wisconsin e
PhD em Comunicação pela Universidade do estado de Mi-
chigan, ambas nos EUA. Autor dos livros Estratégias de
ensino-aprendizagem (Vozes 1977, 12? ed. 1991), com
Adair Martins; Além dos meios e mensagens — introdu-
ção à comunicação como processo, tecnologia, sistema e
ciência (Vozes 1983, 5? ed. 1991); Teleducação ou educa-
ção à distância, (Vozes, 1987); Comunicação e planeja-
mento, (Paz e Terra, 1980) com Horacio Martins Carvalho;
Educação rural no terceiro mundo, (Paz e Terra, 1981) com
Jorge Werthein e prólogo de Paulo Freire. Como Consultor
Internacional em Comunicação e Educação, presta servi-
ços a organismos nacionais dos países latinoamericanos
e a organismos internacionais como UNESCO, FAO, OIT,
UNFPA, IICA e CIID. Reside em Rio de Janeiro desde 1968.

Caro leitor:
As opiniões expressas neste livro são as ao autor,
p o d e m não ser as suas. Caso você a c h e que vale a
p e n a escrever um outro livro sobre o mesmo tema,
nós estamos dispostos a estudar sua p u b l i c a ç ã o
c o m o mesmo título como "segunda visão".

Você também pode gostar