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F I TO SS A N I D A D E

Alterações

Desafios do manejo no
controle de doenças do café
Flávia Rodrigues Alves Patricio e Edson Gil de Oliveira*

Ana Paula Neto


Lavoura em primeira produção, com incidência de mancha aureolada em ramos novos; Fortaleza de Minas, MG, 2013

A cafeicultura brasileira vive uma fase de caracterizada pelo emprego de elevada a mancha de phoma, a rizoctoniose, a
grande evolução que tem gerado aumento tecnologia, assim como aumentou a área mancha anular e a roseliniose. Entre as
sistemático da produtividade. Segundo a de café irrigado, no Brasil. O mercado de doenças que atacam o cafeeiro, algumas
Companhia Nacional de Abastecimento cafés especiais tem crescido a taxas maio- adquirem importância maior e exigem
(Conab), a produtividade média brasileira res que o restante do mercado cafeeiro, atenção em seu controle, considerando a
aumentou de 17,0 sacas/ha, no biênio estimulando a expansão da cafeicultura frequência com que ocorrem, as áreas de
2002/2004, para 23,9 sacas/ha, no último para áreas de maioraltitude, onde se ob- ocorrências e os danos causados às plan-
biênio 2010/2012. No Cerrado, a produ- tém café de boa qualidade. A mecanização tas. Para conseguir alcançar o máximo
tividade aumentou ainda mais: de 23,5 das lavouras também aumenta a cada dia, rendimento da cultura, o cafeicultor, além
sacas/ha (2002/2004) para 35,3 sacas/ha assim como a colheita mecanizada, espe- de cuidar de fatores da produção impor-
(2010-2012); ou seja, foram 12,4 sacas/ha cialmente por causa do custo da mão de tantes, como manejo correto do solo e da
de café beneficiado a mais. Contudo, uma obra e dos muitos problemas trabalhistas nutrição, precisa dar atenção ao controle
série de fatores fez com que apenas os que dificultam a atividade agrícola. químico dessas doenças, que podem pro-
produtores que mantêm produtividades Essas alterações têm modificado a vocar perdas significativas à produção,
relativamente elevadas permanecessem importância e o manejo das principais se não forem devidamente controladas.
na atividade. Por exemplo, houve expan- doenças do cafeeiro, tais como a ferrugem, Os dois fatores de produção acima
são da cafeicultura para o Cerrado, região a cercosporiose, a mancha aureolada, citados – manejo do solo e nutricional –,

visão agrícola nº 12 JAN | JUL 2013 51


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Figura 1 | Folha de café com ferrugem, apresentando manchas pulvurulentas de tem o pico entre maio e junho e, a partir
uredosporos, na face abaxial desses meses, decresce. Nos últimos
anos, o pico da ferrugem tem se deslo-
Anna Netto

cado para os meses entre julho e agosto,


mas pode ir até setembro. Para a convi-
vência com a ferrugem, os produtores de
café dispõem de cultivares resistentes,
como Obatã IAC 1669-20, Tupi IAC 1669-
33, Iapar 59 e Acauã. Entretanto, como a
maior parte do parque cafeeiro brasileiro
é composta por cultivares suscetíveis, é
necessário o controle químico da ferru-
gem, que pode ser efetuado no solo ou
colo da planta, com fungicidas formula-
dos com triazóis (ciproconazol, flutriafol)
ou misturas de triazóis e inseticidas (ci-
proconazol + tiametoxam, ciproconazol +
imidacloprido, triadimenol + imidaclopri-
do) e complementado com aplicações de
fungicidas na parte aérea.
além de serem indispensáveis para man- Ferrugem O controle químico da doença na
ter a planta em condições de produzir, Causada pelo fungo Hemileia vastatrix parte aérea é realizado, principalmente,
também têm influência grande no con- L., é a doença mais importante do cafeei- com misturas de fungicidas dos grupos
trole das doenças que atacam o cafeeiro. ro, no Brasil, e está amplamente distri- químicos dos triazóis com estrubilurinas
Plantas equilibradas nutricionalmente buída em todas as regiões produtoras de (ciproconazol + azoxistrobina, epoxico-
são mais tolerantes às doenças, devido café, no país. Lavouras bem conduzidas nazol + piraclostrobina, ciproconazol
ao maior vigor. São fundamentais o tecnicamente, com calagem e adubações + trifloxistrobina, ciproconazol + pico-
manejo correto do solo e um programa adequadas, de maneira geral, suportam xistrobina, flutriafol + azoxistrobina e
balanceado de nutrição para a proteção melhor as epidemias da ferrugem. Para- outros). As aplicações iniciam em final de
dos cafeeiros. Em lavouras mal nutridas, doxalmente, entretanto, lavouras produ- novembro e são realizadas em intervalos
a evolução de algumas doenças, princi- tivas são as mais afetadas pela doença. de 60 a 90 dias, conforme período residu-
palmente das que provocam desfolha, é A incidência de ferrugem em plantas al dos fungicidas. A mistura de produtos
mais grave e o seu controle mais difícil. produtivas, comparadas a plantas cujas de grupos químicos diferentes, além de
Além do aspecto nutricional, é fun- cargas foram retiradas, pode ser de 100% eficiente, dificulta o desenvolvimento
damental controlar a doença na época a 200% maior. O clima também influencia, de resistência por parte do patógeno.
correta, para não permitir que ela evolua pois os invernos nas regiões produtoras Entretanto, o potencial para produzir
e atinja níveis de dano econômico. O ma- de café têm sido mais quentes e, em al- quantidades grandes de uredosporos
nejo deve iniciar enquanto a incidência guns anos, mais chuvosos, contribuindo (cada lesão produz de 300 a 400 mil ure-
está baixa, antes que se instale totalmente para o aumento de inóculo, no início do dosporos ativos por cerca de dois meses)
na cultura, para não comprometer o su- ciclo da cultura. e a variabilidade de H. vastatrix aumenta
cesso do tratamento. Também é preciso A ferrugem forma manchas pulveru- a probabilidade da quebra da resistência
dar continuidade ao tratamento quími- lentas amareladas na face inferior das dos cultivares e o desenvolvimento de
co enquanto persistirem as condições folhas, após a formação dos uredosporos populações do patógeno resistentes aos
favoráveis à doença, pois a interrupção (Figura1). As folhas lesionadas caem e fungicidas aplicados na cultura, este é um
antes do momento ideal pode favorecer debilitam a planta, que não consegue desafio constante no manejo da doença.
o retorno e atinja, novamente, níveis de formar os botões florais da safra se- Considerando que as lavouras estão
dano econômico. Finalmente, para se guinte, acentuando o ciclo bienal de tendo maior quantidade de inóculo de
conseguir um bom controle químico, é im- produção da cultura. A doença pode ferrugem no início do ciclo da cultura,
prescindível o uso correto de defensivos reduzir a produção em 35%, em média. produtores começam mais cedo o contro-
de modo à reduzir ao máximo a fonte de A epidemia da doença começa com le químico da doença, com aplicações no
inóculo na lavoura. as chuvas entre dezembro e janeiro, solo (em outubro) e início dos tratamen-

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tos foliares (no final de novembro). Em (Figura 2). No final do ciclo da cultura, o controle da cercosporiose. Entretanto,
talhões com elevadas cargas de frutos, especialmente em plantas com muita lavouras com elevadas cargas de frutos e
é necessário reduzir o intervalo entre as carga pendente ou com problemas de situadas em regiões favoráveis à doença
aplicações, especialmente no início da nutrição, podem ocorrer lesões escuras, são atacadas a despeito do emprego
epidemia, salientando-se que, nos meses sem o centro acinzentado, que têm sido desses programas. Para estas lavouras,
de janeiro a fevereiro, ocorre a formação chamadas de “cercospora negra”. A cer- além dos cúpricos sugeridos anterior-
de novos internódios e folhas, que podem cosporiose pode derrubar frutos em fase mente, é interessante ao controle eficaz,
não estar protegidos pelos fungicidas. de expansão, mas em frutos já expandidos aplicações de outros fungicidas como
Como não há fungicidas tão eficientes forma lesões longitudinais castanhas e tebuconazole, metconazole e o tiofanato
disponíveis para o controle da ferru- deprimidas (Figura 3), aderidas à casca do metílico, entre final de dezembro e os me-
gem – como as misturas de triazóis e fruto, dificultando seu desprendimento ses de março a abril, especialmente nos
estrubulurinas –, uma estratégia pode durante o beneficiamento, com prejuízo a meses que não receberam tratamento
ser o retorno das aplicações de fungici- qualidade da bebida. A queda prematura para ferrugem.
das cúpricos, que também atuam como dos frutos atacados pela doença aumenta
coadjuvantes no controle de outras do- a quantidade do café de varrição, nota- Mancha aureolada
enças do cafeeiro, como a cercosporiose damente um café de qualidade inferior; Causada pela bactéria Pseudomonas
e a mancha aureolada. Por tratar-se de e a própria presença do fungo nos frutos syringae pv. garcae, a mancha aureo-
doença endêmica, é importante que o diminui os açúcares totais e aumenta a lada se tornou uma doença importante
controle químico seja preventivo, e seja cafeína e os polifenóis, causas conhecidas nas duas últimas safras – 2010/2011 e
feito com um nível máximo de 5% de de deterioração da bebida. 2011/2012 –, especialmente no sul de
incidência de ferrugem na lavoura, mo- O manejo da cercosporiose é, roti- Minas Gerais, no Cerrado e nos Estados
nitorada no período favorável à doença, neiramente, realizado no viveiro e no de São Paulo e Paraná. As lavouras mais
dando continuidade aos tratamentos campo, por meio do uso de fungicidas e prejudicadas pela doença são as em
sempre que a doença chegar próximo a de controle da nutrição, pois a doença formação, com até três e quatro anos de
este nível de infecção. se beneficia da deficiência de nitrogênio idade, além das culturas que sofreram po-
e cálcio, pelo excesso de potássio, mas, das drásticas, especialmente as situadas
Cercosporiose especialmente, por desequilíbrios na em locais altos e nas faces sul e sudeste
A importância da cercosporiose ou man- relação nitrogênio/potássio. Também de áreas montanhosas, sujeitas a ventos
cha de olho pardo, causada por Cercos- os programas de fungicidas empregados frios constantes. A adoção da colheita
pora coffeicola, parece ter aumentado para o controle da ferrugem promovem mecanizada de café provoca a abertura
no Brasil, nos últimos anos. A doença é
relevante em lavouras que empregam Figura 2 | Lesões por cercosporiose em folha de café

alta tecnologia e com elevadas produ-

Ana Paula Neto


tividades, em regiões de expansão da
cafeicultura (como no Cerrado), em la-
vouras irrigadas, em lavouras que visam
à produção de café gourmet e orgânicas,
além das tradicionalmente afetadas pela
cercosporiose, ou seja, as conduzidas
em solos arenosos e com problemas
de nutrição. A doença é favorecida por
temperaturas entre 18°C e 25°C, elevada
umidade relativa, e elevada insolação.
Pode vir com muita intensidade após pe-
ríodos de chuva seguidos por veranicos
ou períodos de intensa radiação solar e
déficit hídrico.
A cercosporiose ocorre em viveiros e
no campo; forma nas folhas lesões pardo-
-claras com o centro branco-acinzentado,
e causa desfolha em plantas e mudas

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Figura 3 | Lesões por cercosporiose, em de ferimentos que favorecem a penetra- phoma é causada, principalmente, pela
frutos de café ção e disseminação da bactéria nas plan- espécie Phoma tarda, fungo classificado
tas, o que pode ter agravado a doença em anteriormente como Ascochyta coffea
Flavia Patrício

nossos cafezais. As condições climáticas ou, na África, como Ascochyta tarda. A


que favorecem a mancha aureolada são espécie Phoma costarricencis, original-
temperaturas amenas, especialmente à mente associada à mancha de phoma no
noite, chuvas e elevada umidade relativa. Brasil, raramente é encontrada no país,
As lesões nas folhas são de coloração apenas em algumas lavouras situadas
parda, acompanhadas por um halo ama- acima de 1.000 m de altitude.
relado (Figura 4). Nos ramos, as lesões A mancha de phoma causa deforma-
são escuras e atingem o pecíolo das ções em folhas jovens e lesões em folhas
folhas, causando desfolha. Também são expandidas (Figura 6), flores e frutos
encontradas lesões nas inflorescências pequenos, além da seca de ramos. Nos
Figura 4 | Lesões de mancha aureolada
em folhas de café (rosetas) e em frutos novos, que podem ramos, provoca a morte, diminuindo
comprometer parte da produção (Figura áreas de produção do próximo ano. Nos
Flavia Patrício

5). O manejo da mancha aureolada se frutos novos, provoca a “mumificação


inicia pela utilização de mudas sadias; dos chumbinhos”, reduz o número de
caso a doença seja detectada em viveiros, frutos por roseta e, portanto, a produção
as mudas precisam ser destruídas e o final. Nas mudas, o fungo causa lesões no
restante é protegido, com aplicações de caule. A doença é favorecida por ventos
fungicidas cúpricos e/ou de antibiótico frios, temperaturas abaixo de 22°C e
(casugamicina), a cada 15 dias. O manejo umidade relativa alta.
no campo é difícil, por se tratar de uma Nas lavouras situadas em regiões altas
doença bacteriana. Em locais sujeitos a e com inóculo da doença, reduções na
ventos frios, instalam-se quebra-ventos produção são atribuídas à mancha de
temporários, como o milho, a crotalária, phoma, especialmente quando ocorrem
o feijão guandu e outras; se possível, ondas de frio com chuvas finas, nos
Figura 5 | Ramo de café atacado pela
mancha aureolada ainda antes do plantio das mudas de café. meses de setembro a outubro. Nesses
Também são sugeridos os quebra- locais, o manejo é realizado por meio
Flavia Patrício

-ventos permanentes, como grevíleas, dos quebra-ventos já descritos para a


bananeiras, abacate, cedrinho, eucalipto mancha aureolada, além de aplicações de
e outras. Os cultivares de cafeeiro do fungicidas, como boscalida, tebuzonazo-
grupo Mundo Novo mostram-se bas- le, metconazole, iprodione, axozistrobina
tante suscetíveis e devem ser evitadas, e iminoctadin, nos meses de setembro a
em locais muito favoráveis à doença. outubro, a fim de proteger as florações e
Lavouras em que foi constatada a doença os frutos em formação. Em locais muito
devem ser protegidas com aplicações de infestados, o controle também pode ser
fungicidas cúpricos, logo após a colheita realizado no final do período das águas,
e no início do ciclo reprodutivo da planta no mês de maio, respeitando-se o perío-
– meses de setembro a dezembro – com do de carência dos fungicidas e/ou logo
Figura 6 | Lesão causada pela mancha de
phoma, em folhas jovens de café aplicações a cada 20 ou 30 dias. após a colheita.
Flavia Patrício

*Flávia Rodrigues Alves Patricio é pes-


Mancha de phoma quisadora científica do Instituto Biológico
É uma doença de importância maior nas (flavia@biologico.sp.gov.br) e Edson Gil de
lavouras situadas acima de 800 m de Oliveira é consultor autônomo em cafeicul-
altitude, especialmente na cafeicultura tura (edsongill@bol.com.br).

de montanha do Espírito Santo, no norte


de Minas Gerais e na região de Vitória da
Conquista, na Bahia. Estudos recentes
mostraram que, no Brasil, a mancha de

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