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Nível _ intermédio

O método científico

Os cientistas e os filósofos da ciência descrevem a conduta da investigação científica em duas


grandes correntes – o método indutivo e o sistema hipotético-dedutivo. [...]
Regra geral, indução significa a discussão desde as circunstâncias particulares até às gerais; a
dedução significa a discussão no sentido inverso. Embora possa, à partida, parecer que
dedução e indução são igualmente válidas e rigorosas, visto que sobem e descem a mesma
escada, elas não o são. Só o raciocínio dedutivo pode ser desenvolvido de maneira rigorosa.

Atualmente, já praticamente ninguém acredita que o método indutivo seja rigoroso ou


descreva o método científico. [...] De acordo com o cenário indutivo, primeiro, surgem os
factos e, depois, como faria um grande detetive trabalhando com as suas pistas, os cientistas
arquitetam uma grande teoria.

[...] Aplicamos o método indutivo na nossa vida, todos os dias. Por exemplo, uma pessoa bebe
um copo de leite numa terça e numa quinta-feira e, refletindo sobre o assunto, lembra-se de
que andou mal do estômago precisamente nesses dias.

No sábado, esta mesma pessoa realiza uma experiência, bebendo um copo de leite, e, realmente, sente-
se mal do estômago. A partir desta sequência de acontecimentos específicos, conclui então que o leite
lhe perturba sempre o estômago. Da mesma forma, um físico experimental pode manter um dispositivo
delicado para efetuar medições de energias, iniciais e finais, de um processo de colisão de partículas
quânticas. De cada vez que o processo tem lugar, a energia final é igual à energia inicial, dentro
dos limites do erro experimental. O cientista verifica o processo com outros exemplos e
formula então o princípio geral de conservação de energia – mais uma vez, uma argumentação
que vai do particular para o geral. Será isto que os cientistas fazem – reunir os factos e depois
formular conclusões gerais?

A resposta é um não definitivo – não na prática e não em princípio. Os cientistas, ao


dedicarem-se a uma experiência, têm já algo em mente, um pensamento enquadrado, um
conjunto de opções previstas do resultado futuro. Tal como a pessoa que, um dia, decidiu
testar a sua reação ao leite, os cientistas já têm hipóteses formuladas quando se empenham
na recolha de dados. E, com isto, arrumamos a prática do método indutivo. [...] Os cientistas
começam por avançar uma hipótese imaginativa, uma conjetura esclarecida. “Uma facilidade
em formular hipóteses”, dizia W. Whewell “em lugar de constituir defeito no caráter do
descobridor, é [...] uma qualidade indispensável ao desempenho da sua tarefa. Formular
hipóteses e, depois, desperdiçar muito trabalho e talento a refutá-las, quando elas não
vingam, é prática comum das mentes inventivas.

Uma vez que o investigador tem de avançar constantemente no seu trabalho por meio de
hipóteses, falsas e verdadeiras, é muito importante que disponha de talento e meios para
verificar rapidamente cada hipótese, à medida que ela se apresenta.
Esta descrição do processo de descoberta não é a de um investigador inocente que recolhe
factos como quem apanha conchas na praia para depois as separar. Mas é, de facto, uma
descrição do verdadeiro procedimento que os cientistas costumam usar: primeiro, é formulada
a hipótese; depois, o aparelho crítico e rigoroso da experiência e da lógica surge em cena.
Nível _ intermédio

Whewell antecipou em mais de um século o sistema hipotético-dedutivo, que foi levado à sua
formulação mais forte por Karl Popper. Whewell chegou mesmo a reconhecer a importância
da falsificação – que as hipóteses nunca podem vir a ser provadas como verdadeiras; só se
pode mostrar que são falsas. Do outro lado do canal da Mancha, o seu contemporâneo Claude
Bernard, um grande biólogo, concordaria: “Uma hipótese é [...] o ponto de partida obrigatório
de todo o raciocínio experimental. Sem ela não há investigação possível, nunca se aprenderia
nada. Não se poderia fazer mais do que um amontoado de observações estéreis. Experimentar
sem qualquer ideia preconcebida é pairar sem direção certa [...]. A descoberta faz parte dos
processos irracionais, intuitivos, da mente, enquanto a demonstração é um procedimento
lógico rigoroso ou mesmo mecânico. Os que tomam consciência da impossibilidade de um dia
atingir a certeza não renunciam ao rigor lógico; limitam antes a sua aplicação aos pontos em
que ele é apropriado – a dedução lógica das consequências verificáveis de uma hipótese geral
e a determinação da coerência lógica de experiências e observações. Mas, como o método da
descoberta envolve imaginação, sorte, aleatoriedade e conjeturas, a hipótese que está na base
da descoberta terá também de ser uma conjetura inteligente, um salto em frente no
desconhecido que é dado pela imaginação. Este salto em frente é que distingue os grandes
cientistas dos outros.

Heinz R. Pagels (1990). Os Sonhos da Razão.


Lisboa: Gradiva, pp. 309-319 (adaptado)

1. De acordo com o texto, a investigação em ciência pode fazer-se através...

A. do método das conjeturas e refutações.


B. do método indutivo e do sistema hipotético-dedutivo.
C. do método indutivo.
D. do método dedutivo.

2. De acordo com o autor do texto, ...

A. tanto o método indutivo como o método dedutivo permitem fazer ciência de forma rigorosa.
B. apenas o método indutivo permite fazer ciência de forma rigorosa.
C. apenas o método dedutivo permite fazer ciência de forma rigorosa.
D. o método indutivo é aquele que melhor descreve a investigação científica.

3. A frase do texto, “as hipóteses nunca podem vir a ser provadas como verdadeiras; só se pode mostrar que
são falsas” refere-se à...

A. possibilidade de verificação das teorias.


B. crítica ao método hipotético-dedutivo.
C. importância do método dedutivo na verificação das teorias.
D. possibilidade de falsificação das teorias.

4. De acordo com o autor do texto, aquilo que permite distinguir “os grandes cientistas dos outros” é...

A. a sua capacidade de formular uma conjetura que constitui um salto em frente no desconhecido.
B. a sua capacidade de formular uma conjetura imaginativa.
C. a sua capacidade de testar uma hipótese.
D. a sua capacidade de confirmar uma hipótese que constitui um salto em frente no desconhecido.

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