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• CLASSIFICAÇÃO DAS COISAS

O artigo 202.º do Código Civil diz-nos que “Coisa é tudo o que pode ser objeto de relações
jurídicas” mas a definição deste artigo é a de bens e não de coisas. Os objetos de relações
jurídicas (aquilo sobre que recaem o poder ou poderes que os diversos direitos conferem ao
seu titular) são as prestações (nos direitos de crédito), as pessoas ou bens incindíveis das
pessoas (nos direitos de personalidade a as coisas (nos direitos reais).
Isto quer dizer que há bens coisificáveis (que são coisas) e bens não coisificáveis (prestações,
as pessoas ou bens da personalidade, situações economicamente vantajosas não autónomas –
clientela ou aviamento do estabelecimento comercial e o fenómeno da coisificação de
direitos).

• NOÇÃO DE COISA PROPOSTA


“Tudo o que sendo exterior ao homem, do mundo sensível ou insensível e que tem suficiente
autonomia ou individualidade e economicidade para suportar o estatuto permanente (não
esporádico ou ocasional) de objeto de domínio.”

 São coisas as entidades percetíveis pelos sentidos (corpóreas, ex: energia), mas
também aquelas de que nos apercebemos pela nossa inteligência ou sensibilidade
(incorpóreas, ex: ideia inventiva, uma sinfonia).
 Tem de ter autonomia, ser distinta e independente de outras coisas (uma carta de um
baralho não é).
 Tem de ter valor económico (ex: uma meia, uma abelha não tem)

• CLASSIFICAÇÃO DAS COISAS

1. Corpóreas/incorpóreas
2. Coisas imóveis (artigo 204.º) e móveis (tudo o que não for imóvel – artigo 205.º)
Coisas Imóveis:
a) Prédios rústicos e urbanos
b) Águas
c) As árvores, arbustos e frutos naturais enquanto ligados ao solo
d) Direitos inerentes aos imóveis
e) Partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos

 Prédio Rústico – Parte delimitada do solo + construções sem autonomia económica


(adega, celeiro, armazém para guardar alfaias agrícolas). Estas construções não são
prédios urbanos, porque não têm autonomia.
Abrange superfície, subsolo e espaço aéreo (Número 1 e 2 do artigo 1344.º)

 Prédio Urbano – Edifício incorporado no solo + terrenos que lhe sirvam de logradouro.
 Edifício – não é qualquer construção
Ex: um muro, uma parede, uma cerca, uma coluna, não são edifícios. Para serem, têm
de limitar o solo por todos os lados, inclusive o telhado. Tem de estar incorporado no
solo, unida ao solo com caráter de permanência por alicerces, colunas, estacas… Por
isso as casas pré-fabricadas podem não ser prédios urbanos.

Podem existir construções dependentes de caráter secundário, anexas ao edifício


principal e não constituem novos prédios urbanos porque não têm autonomia (ex:
garagem, arrumos, galinheiro).

Também os jardins, pátios, quintais anexos não são prédios rústicos autónomos.
Devem ter a mesma natureza do edifício a que estão ligados. E o mesmo vale para as piscinas:
ou são partes componentes de prédios urbanos ou de prédios rústicos.

As frações autónomas de um prédio em regime de propriedade horizontal são imóveis.


Por isso, são hipotecáveis (número 2 do artigo 688.º). O legislador civil não previu a hipótese
de prédios mistos.

 As águas – Imóveis por natureza, porque se entende que durante um certo


período, em determinado lugar, existe sempre uma quantidade de água.
As águas de uma fonte, nascente, um rio, represa, etc. são juridicamente
imóveis e como fazem parte integrante dum determinado prédio ou
terreno, tal como a terra e as pedras, estão sujeitas aos mesmos direitos que
incidem sobre o prédio a que pertencem. Por isso pertencem ao dono do
terreno, que é dono de tudo quanto estiver na superfície e no subsolo do
prédio por força do artigo 1344.º. Quando desintegradas do prédio por força
de negócio jurídico, por exemplo, adquirem autonomia e são consideradas
imóveis.

 Árvores, arbustos e frutos naturais enquanto ligados ao solo


São imóveis por disposição da lei. É a lei que os considera imóveis enquanto
estiverem materialmente ligadas ao prédio, para que também fiquem
juridicamente dependentes dele, sofrendo as mesmas vicissitudes que o
prédio. Se o dono do prédio o vender, também são vendidas as árvores e
frutos que estão lá plantadas.
Quando forem cortadas ou separadas materialmente do prédio são móveis.
Podem ser objeto autónomo das relações jurídicas:

- Exemplo: Na constituição do direito de superfície por alienação de árvores


(artigo 1528.º)
- Exemplo: Posso vender árvores antes de serem cortadas mas com vista a
serem cortadas – o negócio só produz efeitos obrigacionais. A propriedade só
se transfere com a separação (Número 2 do Artigo 408.º).

Enquanto a árvore ou fruto estiver ligada ao solo, o adquirente só tem direito de


crédito que não prevalece se, entretanto, um terceiro vier a adquirir sobre o prédio, um direito
real incompatível.
O alienante deve permitir a separação e exercer as diligências necessárias para que a
separação aconteça (artigo 880.º).
As partes, nestes negócios, consideram as coisas (árvores ou frutos) não no estado em
que se encontram os imóveis, mas no estado de móveis resultantes da separação, isto é, trata-
se da venda de um bem futuro que, não transfere direitos reais por força do princípio da
atualidade (número 2 do artigo 408.º). Só quando a coisa for presente (a árvore for cortada e
passar a ser um móvel) é que se produzem automaticamente efeitos reais.

Direitos inerentes aos imóveis


Só se incluem aqui os direitos reais, porque só estes é que são inerentes aos prédios. Os
direitos de crédito, mesmo que não tenham por objeto um prédio, como a locação, são apenas
direitos a uma prestação e não direitos sobre o prédio.
Estes direitos reais só constituem coisas no sentido dado, quando são objeto de outros
direitos, como acontece na hipoteca de um usufruto (artigo 688-e) ou de um direito de
superfície.

PARTES INTEGRANTES DOS PRÉDIOS RÚSTICOS OU URBANOS


Toda a coisa móvel ligada materialmente a um prédio com caráter de permanência (exemplo:
alcatifa, antena parabólica)

a) Tem de ser móvel.


b) Tem de estar ligado a um prédio. Se estiver ligada a uma coisa móvel, já não cabe
nesta definição (exemplo: computador ligados nos automóveis).
c) A ligação tem de ser material, com cola, parafusos, cabos, fios… Exclui assim os bens
meramente colocados no imóvel como uma cama ou um sofá.
d) A ligação tem de ser permanente, o que exclui as ligações esporádicas ou ocasionais.

Partes integrantes estão sujeitas ao mesmo regime das árvores e frutos. Assim, estando
ligadas ao prédio, acompanham toda a sorte de vicissitudes que recaem sobre o prédio. Se
o prédio for vendido, também é vendida a parte componente.

Por outro lado, não podem ser objeto de direitos reais autónomos enquanto forem partes
integrantes. São coisas móveis futuras. A sua venda só produz efeitos obrigacionais.
Quando separadas do prédio, produzem-se efeitos reais (número 2 do artigo 408.º -
Princípio da Atualidade).

Existem ainda COMPONENTES ou CONSTITUTIVAS – São as coisas que fazem parte da


própria estrutura do prédio ou do móvel e sem as quais eles não estão completos ou são
impróprios para o uso a que se destinam (ex: janelas e portas de uma casa, pneu de um
automóvel, etc.). Não têm qualquer autonomia separadas do prédio ou móvel. As partes
integrantes não fazem parte da estrutura da coisa principal, só servem para a tornar mais
cómoda, bonita, produtiva, etc.
Estas partes componentes estão sujeitas ao mesmo regime das partes integrantes.

Partes acessórias (Artigo 210.º) – São os móveis que, não constituindo partes integrantes
(nomeadamente porque não há a ligação material e permanente com o prédio), estão
afetadas de forma duradoura ao serviço ou ornamentação da coisa principal, que pode ser
móvel ou imóvel. Exemplo: O recheio duma casa, as molduras dos quadros, o computador
instalado num carro, etc.
Os negócios que tenham por objeto a coisa principal, não abrangem as coisas acessórias
(número 2 do artigo 210.º). Isto significa que não estão sujeitas as mesmas vicissitudes da
coisa principal (vendendo a casa não se inclui o recheio) e podem ser objeto de direitos
reais autónomos, mesmo que elas não tenham sido separadas da coisa principal.

3 – Coisas simples, compostas e universalidades de facto (Artigo 206.º)


Simples: São as coisas que têm uma individualidade unitária por natureza (pedra, cavalo)
ou por ação do homem que artificialmente as produziu, mediante a fusão/compenetração
íntima de vários elementos cuja existência física se perdeu no todo (farinha – pão, metal –
moeda…)

Compostas: Constituídas por vários elementos que, embora combinados, não perderão a
sua individualidade e estão unidas por um critério de organização (exemplo: relógio,
estabelecimento comercial).

Universalidades de facto: Conjunto de coisas simples que, sem perderem a sua


individualidade, estão unidas por um critério de mera agregação. Cada coisa simples,
dentro ou fora da universalidade, tem o mesmo valor e o valor do todo é igual à soma das
partes (exemplo: um rebanho, um colar de pérolas).

4– Coisa FUNGÍVEIS E NÃO FUNGÍVEIS – Artigo 207.º

 Fungível são as coisas que se determinam pelo seu género, quantidade e


qualidade (exemplo: um quilo de batatas de semente);
 Não fungível são as outras;

A fungibilidade não é um critério naturalístico mas económico-social, porque depende dos


usos da vida e da vontade das partes, não sendo uma caraterística ou qualidade das próprias
coisas. Uma vaca pode ser uma fungível ou não (se ao credor só interessa aquela vaca e não
outra qualquer outra é não fungível).
Paralelamente à noção de coisa fungível temos a noção de coisa genérica do artigo 539.º, que
é aquela cujo objeto é uma coisa fungível, uma coisa que se determina pelo seu género e
quantidade: um quilo de batatas.
Os negócios sobre coisas genéricas não produzem efeitos reais enquanto as coisas não
estiverem certas e determinadas – Princípio da especificação (Número 2 do artigo 408.º).

Quer dizer, se o negócio tiver por objeto uma coisa genérica é necessário a concentração, que
ocorre normalmente com a escolha por parte do devedor (geralmente o vendedor – artigo
539.º) para as coisas se tornarem certas e determinadas e poderem incidir sobre elas direitos
reais.
5 – Coisas CONSUMÍVEIS E NÃO CONSUMÍVEIS – Artigo 208.º
 Consumíveis – Aquelas cujo uso regular importa a sua destruição ou alienação (não é
um critério meramente material mas também jurídico, até porque tudo depende do
uso regular que as partes fazem da coisa em cada relação jurídica (exemplo: livro para
livreiro, uma casa para uma sociedade de compra e venda.)
 Não Consumíveis – Aquelas cujo uso regular não importa a sua destruição ou
alienação, mas pode provocar a sua deterioração, como é próprio de todas as coisas.

Esta noção tem interesse para o usufruto de coisas consumíveis (Artigo 1451.º), porque aí
o usufrutuário pode consumir as cosias ou aliená-las, devendo restituir no fim do usufruto
o seu valor ou outras coisas do mesmo género. No entanto, a propriedade das coisas não
se transfere para o usufrutuário (Número 2 do Artigo 1451.º)

6 – COISAS DIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS – Artigo 209.º


Divisíveis são as que podem ser fracionadas sem alteração da sua substância, ou diminuição
do valor ou prejuízo para o uso a que se destinam.

Atenção que a divisibilidade das coisas importa muitas vezes a alteração da sua substância e
diminui o seu valor, mas fá-lo de forma proporcional. O que interessa é que as coisas divididas
possam continuar a exercer a mesma função e a terem o mesmo uso e que o valor das partes
recomponha o valor do todo. Mas essas partes têm de ser autónomas e da mesma natureza.

A indivisibilidade das coisas pode resultar da lei (Ex: artigo 1376.º e 1546.º), ou da vontade das
partes (artigo 1412.º), ou da natureza da própria coisa (um animal, anel com pedras preciosas).

FRUTOS – Artigo 212.º


É tudo aquilo que a coisa produz periodicamente sem alteração da sua forma ou substância
(exemplo: a cria de uma ovelha).
Este conceito jurídico de fruto não coincide com o seu conceito biológico ligado à
suscetibilidade de reprodução. Por isso, são frutos os bens produzidos pelas árvores e pelos
animais, mas também os ramos das árvores separados pela poda, as flores, a lã, o minério de
uma mina.

O requisito “não alterar a forma e substância” tem de ser entendido com base numa ideia
económica e não reprodutiva, quer dizer, temos de olhar à forma normal de exploração da
coisa: a extração de minério de uma mina ou de pedra de uma pedreira, apesar de afetar a
substância da coisa, porque ela não produz mais pedra ou metais, é uma colheita de frutos
porque este é o método normal de exploração da mina ou pedreira. Isto também vale para os
despojos de animais nas universalidades de facto (rebanhos). Embora não sejam de criação
periódica e alterem a substância da coisa no sentido naturalístico (porque com a morte de
elementos do rebanho fica menor), eles devem ser considerados frutos porque o critério a ter
em conta é um critério jurídico de exploração da coisa e não um critério naturalístico de
reprodução. Assim, entende-se o porquê de a lei os considerar frutos (Número 3 do Artigo
212.º).
Os FRUTOS podem ser:

a) Naturais – Provém diretamente da coisa


b) Civis – Resultam de uma relação jurídica sobre a coisa (exemplo: rendas ou
rendimentos de prédios, juros da aplicação do capital.)

O regime de frutos está previsto nos artigos 212.º a 215.º.

BENFEITORIAS – (Artigo 216.º) – São as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.
Podem classificar-se em:

a) Necessárias – Visam evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa;


b) Úteis – Não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, aumentam-lhe o valor;
c) Voluptuárias – Servem apenas para o recreio do benfeitorizante;

Coisas PRESENTES, FUTURAS, ALHEIAS E INEXISTENTES – (Artigo 211.º)


 COISA FUTURA (Artigo 211.º) – Coisas que não estão em poder do disponente ou a
que este não tem direito ao tempo da declaração negocial. Erradamente, porque esta
é a noção de coisa alheia.
 COISA PRESENTE – São as que existem na esfera de disponibilidade jurídica do titular
ao tempo da declaração negocial.
 COISAS FUTURAS: Não estão em poder do disponente ao tempo da declaração
negocial, mas ele espera legitimamente vir a tê-las na sua disponibilidade jurídica e
comunica essa intenção à outra parte.

As coisas futuras podem ser:


a) Relativamente futuras: A coisa já existe, mas não está na disponibilidade
jurídica do disponente. (Exemplo: António e Berto celebram um contrato
promessa com eficácia real e antes de fazerem o contrato prometido, Berto
vende a Carla dizendo-lhe que ainda não era dono mas tinha uma legítima
expectativa de vir a sê-lo porque fez um contrato promessa de aquisição.
b) Absolutamente futuras: A coisa não existe ainda (Exemplo: venda de uma
casa que não está feita, mas que o transmitente espera legitimamente vir a
fazer e comunica isso ao adquirente.

Coisas ALHEIAS – São as coisas existentes, mas que não estão na esfera de disponibilidade
do disponente e ele não tem uma legítima expectativa de vir a adquiri-las e não comunica
isso ao adquirente. O disponente faz-se passar por dono delas.

Coisas INEXISTENTES – São coisas que ainda não existem e o disponente não comunica isso
à outra parte.
Esta distinção é importante porque:

1) Os negócios sobre coisas inexistentes são nulos porque o seu objeto é indeterminado
e indeterminável (Artigo 280.º)
2) Venda de coisas futuras é válida, mas só produz efeitos obrigacionais (Número 2 do
artigo 408.º). Quando a coisa se tornar presente, o comprador adquire
automaticamente o direito de propriedade. Isto também vale para qualquer alienação
onerosa de direitos sobre coisas futuras, por força do artigo 939.º. Assim, um usufruto
oneroso sobre um bem futuro é válido, mas só produz efeitos obrigacionais até que o
titular da coisa se torne proprietário.
3) Doação de coisas futuras – Proibida pelo artigo 942.º e, portanto, nula devido ao
artigo 294.º. Qualquer alienação gratuita de direitos sobre coisas futuras, por força
do artigo 940.º que inclui na noção de doação a disposição de coisas e direitos.
4) Venda de coisa alheia – NULA (Artigo 892.º). É uma nulidade atípica, porque o
vendedor não pode opô-la ao comprador de boa fé e porque o negócio pode
convalidar-se se o vendedor adquirir por algum modo a propriedade da coisa. O
mesmo vale para a alienação onerosa de direitos alheios (Artigo 939.º)
5) Doação de bens alheios – NULA (Artigo 956.º). Mas também o doador não pode opô-
la ao donatário de boa fé. Porém, não há qualquer possibilidade de convalidação do
contrato, mesmo que o doador adquira a coisa.

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DOS DIREITOS REAIS

Não estão necessariamente consagrados na constituição, mas são princípios que


orientam toda a constituição de direitos reais. Estão ligados ao lado interno (os
direitos reais são poderes diretos e imediatos obre os bens) ou ao lado externo (os
direitos reais são direitos absolutos que se opõem à generalidade dos membros da
sociedade).

Princípios ligados ao lado interno:


1. Princípio da coisificação – os direitos reais só incidem sobre coisas ou
bens coisificáveis. Há bens coisificáveis (coisas corpóreas ou incorpóreas,
apesar do artigo 1302.º) e bens não coisificáveis:
 As pessoas e os bens incindíveis da pessoa (nome, intimidade,
honra, vida, etc.)
 As prestações
 As situações economicamente vantajosas não autónomas (ex:
freguesia ou viamento do estabelecimento comercial)
2. Princípio da atualidade ou imediação – Só é possível direitos reais
sobre coisas presentes (número 2 do artigo 408.º). Exceções ao princípio da
atualidade (situações em que é permitida a constituição de direitos reais sobre
coisas que não são presentes:
 Situação do artigo 243.º - A nulidade da simulação não pode ser
arguida pelo simulador contra terceiro de boa fé. (Exemplo: António
finge vender a Berto uma casa para fugir a uns credores. Berto depois
vende a casa a Carlos, que desconhecia o que se tinha passado. Nem
António nem Berto podem arguir a simulação contra Carlos, que assim
adquire a propriedade de quem não era dono.

 Situação do artigo 291.º - A declaração de nulidade ou anulabilidade


do negócio que respeite a bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo,
não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso, por terceiro de
boa fé, se o registo da sua aquisição for anterior ao registo da ação de
nulidade ou anulabilidade do negócio ou anterior ao registo do acordo
entre as partes acerca da invalidade do negócio. Há um período de
carência (Número 2 do artigo 291.º): Os direitos de terceiro só são
reconhecidos se a ação de nulidade ou anulabilidade não tiver sido
instaurada nos primeiros três anos após a conclusão do primeiro
negócio. Se a ação foi instaurada nos primeiros três anos após a
conclusão do primeiro negócio. Se a ação foi instaurada nesses três
anos, o terceiro não é protegido, mesmo que se verifiquem os
restantes requisitos deste artigo 291.º.
A proteção de terceiro pressupõe que a coisa fosse presente na esfera
jurídica do 1.º alienante, porque senão o seu proprietário poderia
instaurar a todo o tempo uma ação de reivindicação. (Exemplo:
António vende a Berto uma casa de que era proprietário por
documento particular. O negócio é nulo. Depois Berto vende a casa a
Carlos celebrando uma escritura pública. Carlos vai ser protegido,
apesar de Berto não ser o dono da casa, se se verificarem
cumulativamente os seguintes requisitos:
 O negócio de Carlos tem de ser oneroso
 Carlos tem de estar de boa fé
 O objeto dos negócios tem de ser imóveis ou móveis sujeitos a registo
 Carlos tem de ser registado o seu direito antes do registo da ação de
nulidade
 A ação de nulidade não pode ter sido instaurada nos 3 anos
posteriores à celebração do negócio entre António e Berto.

3. Princípio da especialidade ou individualidade – Só há direitos


reais sobre coisas certas e determinadas. Para além disso, a coisa deve ainda
estar juridicamente individualizada para poder ser objeto de um direito real
autónomo, senão deve estender-se a ele o direito real que recai sobre a coisa
principal ou sobre o conjunto. Este princípio é a manifestação do Princípio
superfícies solo cedit, segundo o qual, o direito de propriedade absorve tudo o
que por ação natural ou humana acresce ao seu primitivo objeto. O princípio
da especialidade está consagrado no número 2 do artigo 408.º.
Este princípio tem duas vertentes:
 Vertente das coisas genéricas – Só há direitos reais sobre coisas certas
e determinadas. Nas obrigações genéricas e alternativas, as coisas até
podem estar certas e determinadas, mas juridicamente não estão. A
individualização jurídica só acontece com a escolha e só nessa altura é
que se transmite o direito real.
 Vertente das coisas conexas – Recai sobre a coisa conexa, o mesmo
direito que recai sobre a coisa principal. É o que acontece com as
partes integrantes ou com as outras coisas ligadas materialmente à
coisa principal, como as árvores, arbustos ou frutos. Enquanto ligados
ao solo estão sujeitos ao mesmo direito que recai sobre o solo. É
preciso a separação da árvore do solo, ou do fruto da árvore, para se
poderem constituir direitos reais autónomos sobre a árvore e o fruto.

Exceções:

 Na compropriedade, o artigo 1403.º diz-nos que cada proprietário é titular de


um direito de propriedade sobre uma quota ideal ou alíquota (Não é uma
coisa certa, só está determinada pela quantidade).

 Na propriedade horizontal, do artigo 1420.º resulta que há direito de


compropriedade sobre as partes comuns e um direito de propriedade singular
sobre cada fração autónoma, ou seja, sobre a coisa principal (edifício), recai
uma propriedade comum e sobre as partes desse edifício que são as frações
autónomas, recaem direitos de propriedade singular. Ora, o princípio da da
especialidade diz que sobre a coisa conexa (frações) deve incidir o mesmo
direito que incide sobre a coisa principal (edifício), mas não é isso que
acontece.

 No direito de superfície, o direito de construir ou manter obra ou plantação


sobre o prédio alheio (Artigo 1524.º). Do seu exercício resulta, para o
superficiário, um direito de propriedade sobre a obra ou plantação realizada.
Ora o Princípio da especialidade diz que sobre a coisa conexa (obra ou
plantação) deve incidir o mesmo direito que incide sobre a coisa principal
(solo) mas não é isso que acontece.
Se o direito de superfície resultar da alienação de obra ou plantação já
existente, separadamente da propriedade do solo (parte final do artigo
1528.º), já não há exceção ao princípio da especialidade porque juridicamente
já se deu a separação, a individualização da coisa – Trata-se de uma separação
jurídica e não material, porque esta separação material não é possível fazer.

 A acessão é a união de um objeto (enriquecedor) a outro (enriquecido), por


efeito da natureza ou por obra do homem. É uma forma originária do direito
de propriedade. Em algumas modalidades de acessão, respeita-se este
princípio porque o dono do objeto enriquecido fica dono das outras coisas que
se unem – assim, na hipótese do aluvião e da avulsão (Artigos 1328.º e número
2 do artigo 1329.º).
Noutros casos, viola-se o princípio da especialidade, porque o dono do objeto
enriquecido (que é a coisa principal) não fica dono do conjunto. Isso acontece
em alguns casos da acessão industrial mobiliária. Aqui, havendo boa fé do
autor da acessão, vale a regra do maior valor para determinar quem é que fica
dono do conjunto (artigos 1333.º e 1336.º). Se por força dessa regra, ficar
proprietário do conjunto o autor da acessão há violação do Princípio da
especialidade. (Exemplo: António é ourives e coloca uma pedra preciosas num
anel que pertence a outa pessoa. Se a pedra valer mais que o anel, e António
estiver de boa fé, António passa a ser dono de tudo, violando-se o Princípio da
especialidade.

Na acessão industrial imobiliária, o normal era que o dono do terreno ficasse


com tudo o que lá acrescesse. No entanto, havendo boa fé do autor da união,
é a regra do maior valor que determina quem vai ficar dono do conjunto
(Artigo 1340.º). Por isso, se o autor da acessão ficar com a propriedade do
conjunto, há violação do Princípio da Especialidade. Exemplo: António de boa
fé, faz uma sementeira no terreno de Berto. Temos de avaliar o valor da
sementeira e do terreno. Se o valor da sementeira for superior ao do terreno,
António fica a ser dono do terreno com a sementeira, violando-se o Princípio
da especialidade que nos diz que o dono do terreno é dono de tudo quanto lá
se encontra (o que não sucedeu).
O mesmo acontece quando alguém, de boa fé, ao construir um edifício em
terreno próprio, se ocupe de uma parcela de terreno alheio (Artigo 1343.º). O
construtor pode tornar-se proprietário do terreno ocupado se passarem três
meses a contar do início da ocupação sem ter havido oposição do proprietário,
tendo de pagar o valor do terreno e, eventualmente, uma indeminização. Ora,
se valesse aqui o princípio da especialidade, devia ser o dono do terreno a ficar
dono também da construção mas, como não é isso que acontece, há aqui uma
violação a esse Princípio.

 Nas servidões positivas (aquelas em que o dono do prédio serviente tem de


tolerar atos de gozo no seu prédio) também se viola o Princípio da
especialidade porque se o proprietário do prédio dominante fizer obras no
prédio serviente, a propriedade dessas obras é do dono do prédio dominante e
não do prédio serviente.

4. Princípio da elasticidade ou consolidação – Os direitos reais têm


uma estrutura elástica. Podem comprimir-se e dar lugar a outos direitos reais
menores que, quando cessam, deixam de comprimir o direito onerado, o qual
recupera a plenitude dos seus poderes originais. Os direitos novos surgem pela
criação de novos poderes em benefício do seu titular e não pela extinção ou
transmissão derivada dos poderes do direito mãe.

Todos os direitos reais têm uma tendência para a consolidação num direito
mais espesso ou mais próximo do pleno, o que de certa forma revela a
conceção hierarquizante dos direitos reais.
Esta elasticidade não é atributo apenas do direito de propriedade, mas de
outros direitos reais menores que tenham uma amplitude de poderes
suficiente para permitir um aproveitamento mais restrito em termos de
direitos reais. É o que acontece com o usufruto, com o direito de superfície e
com o direito real de habitação periódica.

Nenhum outro direito goza desta elasticidade:


a) O direito de uso e habitação porque tem um carácter intuito personae;
b) As servidões, porque vigora o Princípio da inseparabilidade dos
prédios a que pertencem, quer ativa como passivamente (Artigo
1545.º) – daí que elas estão sujeitas ao mesmo direito que incide
sobre o prédio a que pertencem e não podem ser alienadas,
hipotecadas ou penhoradas separadamente.
c) Os direitos reais de garantia não permitem a constituição de outos
direitos reais menores porque são aproveitamentos limites, quer
dizer, têm um conteúdo tão preciso (garantir a satisfação de um
crédito) que não sobra mais nada para, a partir deles, se constituir
outro aproveitamento das coisas em termos reais.
d) Os direitos reais de aquisição também são aproveitamentos limites –
permitir a aquisição de outro direito – e por isso não tem mais poderes
para se constituírem outros aproveitamentos das coisas em termos
reais.

Todo o direito sobre as coisas tende a abranger o máximo de utilidades


que um direito daquela espécie podia proporcionar, quer dizer, todo o
direito real tende a expandir-se ou re-expandir-se até ao máximo de
faculdades que abstratamente contém.

5. Princípio da compatibilidade ou exclusão – Só há direitos reais


sobre uma coisa se eles não forem excluídos por outros direitos reais
preexistentes (constituídos anteriormente) ou prevalecentes (mais fortes).
Qualquer direito real, sendo um poder direto e imediato sobre uma coisa,
tende a excluir outro direito real que atinja esse poder. Mas, como são
possíveis vários graus de utilização das coisas, é possível a compatibilização de
diferentes direitos reais sobre a mesma coisa, quer sejam direitos do mesmo
género ou de género diferente.
Exemplo: Sobre a mesma coisa pode haver uma propriedade e um usufruto,
ou duas hipotecas, etc. Dito isto de outro modo, se um direito real atribui ao
seu titular poderes de uso e fruição sobre uma coisa, a sua existência exclui
qualquer outro direito que perturbe esses poderes. Se não perturbar (se forem
tolerados pelo dono da coisa) já podem incidir vários direitos reais sobre a
mesma coisa.
Não há incompatibilidades no regime da compropriedade nem da propriedade
horizontal porque:
a) Na compropriedade há vários direitos de propriedade sobre partes
alíquotas ou quotas da mesma coisa, portanto, cada direito de
propriedade tem um objeto diferente;
b) Na propriedade horizontal, o direito sobre as coisas comuns é um
único direito de propriedade encabeçado por todos os condóminos,
portanto, só há um direito de propriedade.

Em rigor, não existem exceções a este princípio porque, quando há


mais do que um direito com conteúdo idêntico ou diferente sobre a
mesma coisa, a lei resolve expressamente esse problema,
estabelecendo uma hierarquia entre os diversos direitos ou então
aplica-se a regra da prioridade cronológica, segundo a qual prevalece o
direito real primeiramente constituído.
Assim, em caso de concursos de direitos de preferência:
1) As preferências legais preferem sempre às convencionais
(Artigo 422.º) mesmo que estas se tenham constituído
primeiro;
2) Havendo várias preferências legais, temos o artigo 1380.º,
números 1 e 3 do artigo 1409.º, artigo 1535.º, número 3 do
artigo 1555.º e artigo 2130.º a estabelecer a sua prioridade.

No concurso de direitos reais de garantia temos:


a) Artigos 746.º, 747.º, 751.º, número 2 do artigo 759.º a
estabelecer a prioridade.

Princípios ligados ao lado externo:


1. Princípio da tipicidade – Os direitos reais oferecem-se em tipos
caraterísticos. A noção de tipo não coincide com facti-species ou previsão da
norma jurídica. Há previsões não típicas (Ex: Princípio da liberdade contratual –
Artigo 405.º).
Tipo é um meio termo entre um conceito (geral e abstrato) e os casos
concretos. Um tipo especifica um conceito. Noção de usufruto (Artigo 1439.º)
ou servidão (1543.º). O legislador descreve elementos indispensáveis de cada
tipo – O usufruto consiste no uso e fruição temporário mas pleno sobre uma
coisa alheia; As servidões são encargos impostos num prédio em proveito de
outro prédio. Descrevendo assim os direitos reais, todos nós conseguimos ter
uma intuição do que sejam esses direitos, o que é indispensável dado que eles
se opõem a toda a gente. Aqui reside a justificação para que os direitos reais
sejam típicos.
A formação dos tipos não acontece de um dia para o outro, são normalmente
fruto da evolução histórica acumulada ao longo dos tempos (tipos
correntes/empíricos). Também podem nascer da atividade do mundo dos
negócios que depois as Ordens Jurídicas procuram modelar imprimindo-lhes
uma certa orientação jurídica (tipos normativos).

As tipologias podem ser:


1) Exemplificativa: O legislador prevê alguns tipos mas admite que as
partes criem outros, por exemplo: os contratos, os regimes de bens,
justas causas de despedimento, etc.
2) Taxativas – Só são admitidos os tipos que o legislador prevê: as
descrições legais e crime, as sociedades comerciais, os direitos reais.

Podem ser ainda:

a) Abertas, dentro de cada forma de direito real as partes podem


modelar várias figuras, desde que respeitem o conteúdo mínimo
desse direito.
b) Fechados que são as normas definidoras de crimes. É só aquilo e
mais nada!

2. Princípio da taxatividade ou do número clausus – A tipicidade


dos direitos reais é taxativa. As pessoas não podem criar novas formas de
utilização das coisas com eficácial real para além daquelas que o legislador
criou:
 Artigo 1306.º: “Não é permitida a constituição, com caráter real, de
restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares desse
direito senão nos casos previstos na lei; Toda a restrição resultante de
um negócio jurídico, que não esteja nessas condições, tem natureza
obrigacional”
o Restrições são todos os direitos reais menores; de gozo,
garantia e aquisição;
o Figura parcelar do direito de propriedade era a eufiteuse, que
divide o domínio em direto e útil.
Deste artigo resulta uma restrição ao direito de propriedade,
não prevista na lei. É um negócio nulo porque, de acordo com
o artigo 294.º, viola uma norma imperativa. Mas há uma
conversão deste negócio nulo num negócio com eficácia
obrigacional, porque se presume (ilidívelmente) que essa é a
vontade das partes. Não é necessário provarem que essa é a
sua vontade, como se exige no artigo 293.º para a conversão
genérica de qualquer negócio nulo. Basta que tenham sido
observados os requisitos de forma exigidos para o negócio
obrigacional.
Exemplo: Usufruto mediante o qual o usufrutuário só podia
cultivar batatas e couves no seu terreno. É nulo porque viola
um elemento essencial do usufruto que é o uso e fruição plena
da coisa. Mas pode converter-se num direito obrigacional se
tiverem sido observados os requisitos de forma nesse negócio.

Tratando-se de criação de uma figura parcelar do direito de


propriedade, o negócio é nulo por violar uma norma
imperativa, mas só se converte num negócio com natureza
obrigacional se as partes alegarem e provarem que era essa a
sua vontade, ou seja, não há agora qualquer presunção de que
essa era a vontade das partes.
Esta diferença de regimes dá-se porque nas restrições ao
direito de propriedade, é provável que os interesses das partes
se mantenham havendo a conversão dum direito real num
direito obrigacional, ou seja, é provável que as partes tenham
interesse que se crie um direito novo que em vez de ser
tutelado com eficácia real é tutelado com eficácia
obrigacional, mas o mesmo já não acontece com a criação das
figuras parcelares, porque não há direito de crédito que possa
corresponder, em termos de satisfação de interesses, à criação
nula de uma enfiteuse.

3. Princípio da causalidade – Só se podem constituir ou transmitir direitos


reais se houver um título válido e procedente. As noções fundamentais para a
compreensão deste princípio são:
 Título: Não é o documento, mas toda a justa causa de atribuição
(inclui toda a constituição ou transferência de direitos reais). Pode ser
um negócio jurídico, a lei, a ocupação, acessão, usucapião, etc. No
entanto, só nos interessa a noção restrita de título, que apenas inclui
o ato onde se manifesta a vontade de atribuir ou adquirir um direito
real (Negócio jurídico).
Modo: É o ato onde se exterioriza a vontade firmada no título de
atribuir e adquirir direitos reais, por exemplo: a entrega da coisa ou o
registo constitutivo.

Título válido, significa negócio jurídico sem vícios substanciais ou


formais que provoquem a sua invalidade (exemplo: fico proprietário
de uma casa se fizer uma escritura de compra com o proprietário).

Título procedente, significa, negócio apto ou idóneo a constituir


direitos reais. Nem todos os negócios transmissivos de direitos reais
são procedentes. É o que sucede se a coisa for futura, ou partes
componentes ou integrantes, ou a venda de árvores antes de serem
cortadas, ou venda de coisas genéricas, ou compra e venda com
reserva de propriedade, ou com condição suspensiva, ou um contrato
de arrendamento, ou de comodato, etc. São tudo negócios válidos mas
não procedentes.

Resulta da conjugação dos artigos 408.º “A constituição de direitos reais dá-se


por mero efeito do contrato” e dos artigos 979.º alínea a) e 954.º alínea a)
que, para os atos onerosos e gratuitos dizem que a compra e venda/doação
têm como efeitos essenciais a transmissão da propriedade da coisa ou da
titularidade do direito.”
Em Portugal vigora o sistema do título, basta o título para se constituírem
direitos reais. Não é necessário o modo, ou seja, nem a entrega da coisa, nem
o registo constitutivo, para se adquirirem direitos reais.
Por isso o nosso sistema de registo é declarativo e não constitutivo – Artigo
4.º do Código do Registo Predial (com exceção da hipoteca).
O título tem de ser válido e procedente, quer dizer, há uma relação de causa
efeito entre a transmissão do direito real e a existência de um título válido e
procedente.

Restrições (não exceções) a este princípio:


São casos em que o título de transmissão tem de ser válido e procedente, mas
admite-se uma única irregularidade no negócio onde o terceiro intervém, que
é a ilegitimidade do transmitente. Essa ilegitimidade do transmitente resulta:
a) Na proteção de terceiros do artigo 243.º e 291.º, do transmitente nunca
ter chegado a adquirir a propriedade (o 1.º negócio era simulado – 243.º
ou inválido por outra causa – 291.º)
b) No efeito central do registo, o transmitente tinha transmitido previamente
a outra pessoa e de forma válida o seu direito.
Não pode haver qualquer outra irregularidade nestes negócios e, por isso,
estes casos são restrições e não exceções a este princípio. Não se
prescinde completamente do título válido e procedente.
c) No regime da venda de coisas alheias, que é negócio nulo, mas em que o
vendedor não pode invocar a nulidade contra o comprador de boa fé
(Artigo 892.º). Aqui a ilegitimidade do vendedor resulta de ele não ser
dono;
d) Na doação de coisa alheia, também é nulo (Artigo 956.º) – e o doador não
pode invocar a nulidade contra o donatário de boa fé.

Estas restrições às vezes protegem o terceiro adquirente contra toda a gente


mas outras vezes só o protegem contra algumas partes. Assim:

 No artigo 243.º. o terceiro de boa fé é protegido contra os


simuladores, mas pode haver outras pessoas que tenham interesse na
declaração de nulidade do negócio simulado, como os herdeiros
legitimários dos simuladores ou os seus credores, e esses podem pedir
a nulidade da simulação e o terceiro já vai deixar de estar protegido
 No efeito central do registo e no artigo 291.º, o terceiro é protegido
contra toda a gente.
 Na venda ou doação de coisa alheia, o terceiro só é protegido contra o
vendedor ou doador.

4. Princípio da consensualidade – Está intimamente ligado ao princípio da


causalidade. Uma vez que para se constituírem direitos reais é preciso um
título válido (sem vícios formais ou substanciais) e procedente (apto a produzir
efeitos reais). Este princípio acrescenta:
1) Basta esse título, não é necessário nada mais, nem o registo nem a
tradição da coisa (Artigo 408.º).

De acordo com o princípio da consensualidade, basta um contrato para se


constituírem direitos reais. Atendendo ao princípio da causalidade, esse título
tem de ser válido e procedente.
O princípio da consensualidade dos direitos reais distingue-se do princípio dos
direitos de crédito com o mesmo nome e que está consagrado no artigo 219.º,
segundo o qual a celebração de negócios jurídicos não depende de qualquer
formalidade.

Exceções ao Princípio da CONSENSUALIDADE dos direitos reais:

Trata-se de casos em que não basta o título para se constituírem direitos reais,
sendo necessário um modo, isto é, o registo constitutivo ou a entrega da coisa, etc.

1) Hipoteca – O registo é constitutivo (número 2 do artigo 4.º do Código do


registo predial).
2) Doação de móveis quando não for feita por escrito – Exige-se entrega da
coisa (Artigo 974/2)
3) Penhor de coisas, exige-se a tradição da coisa ou de documento que
atribua a disponibilidade da coisa (Artigo 669º.)
4) Penhor de direitos, exige-se a notificação ao devedor (Artigo 681.º/2)
5) Títulos ao portador, exige-se a tradição ou entrega da coisa.

5. Princípio da publicidade – É um princípio compensador do princípio da


consensualidade, porque se os direitos reais dizem respeito a todos e se
constituem com o simples título, é fundamental existirem mecanismos que
permitam a todos conhecerem quem é o titular dos bens e se estes têm alguns
ónus ou encargos.
Esta publicidade é feita através do registo. Só os imóveis e alguns móveis estão
sujeitos a registo. Com o registo, qualquer pessoa se pode dirigir a uma
Conservatória e pedir informações sobre quem é o proprietário do prédio X ou
Y e se existe algum ónus ou encargo sobre ele.

Atendendo à eficácia ou ao valor do registo, este pode ser:


 Constitutivo, se for condição de validade de constituição de direitos
reais – o direito real precisa de ser registado para se transmitir ao
adquirente.
 Declarativo, se for apenas condição de oponibilidade desses direitos
perante terceiros – O direito real transmite-se com um título válido e
procedente, é oponível erga omnes porque é um direito absoluto, mas
só é oponível a terceiros depois do registo.
Quem são os terceiros?
Esta é uma das noções mais polémicas da nossa ordem jurídica, mas
que o legislador consagrou no número 4 do artigo 5.º do Código de
Registo Predial – “terceiros para efeitos de registo, são aqueles que
tenham adquirido de um autor comum, direitos incompatíveis entre
si”.

Em Portugal o registo é declarativo (Artigo 4.º do CRP). Esta regra tem


a exceção da hipoteca, que só depois de registada pode ser invocada
entra as próprias partes (Artigo 4.º/2).
Isto vale para os bens móveis registados (Artigo 3.º/2 do Código de
Registo de bens móveis).

O registo pode ainda ser:


1) Facultativo, não é obrigatório proceder ao registo
2) Obrigatório, se os titulares de direitos reais sofrerem sanções por
não registarem os seus direitos – Em Portugal, com o DL 116/2008,
criou-se uma obrigação de registar para os tituladores ou para os
sujeitos ativos do registo (Artigo 8-A e 8-B do CRP) e, se eles não
registarem num determinado prazo (geralmente 2 meses) o
registo passa a custar o dobro (Artigo 8-D), devendo esta quantia
ser paga pelo titulador e não pela pessoa que adquiriu o direito
sobre o bem.
Antes deste regime obrigatório de registo, em Portugal já era
aplicado outro sistema que implicava uma obrigatoriedade
indireta do registo, porque o notário (ou o titulador) só podia fazer
o título se o transmitente do direito ou do ónus tivesse o seu
direito registado. Neste sistema, só registava quem queria, mas se
quisesse vender ou hipotecar tinha de registar primeiro

Atualmente, é mesmo obrigatório registar e continua a valer o


estabelecido no artigo 54.º/2 do Código do Notariado.
Regra idêntica vale para a transmissão ou constituição de algum
encargo sobre frações autónomas. O artigo 62.º do Código do
Notariado também exige que o notário confirme a existência do
registo do título constitutivo da propriedade horizontal para poder
fazer um título onde seja transmitida ou onerada uma fração – É
também uma obrigatoriedade indireta do registo.

O mesmo vale para o direito real de habitação periódica, porque


o artigo 10.º/2 do DL 275-93, estabelece que o título constitutivo
deste direito está sujeito a inscrição no registo, sendo esse registo
indispensável à emissão do certificado predial, que é o documento
que titula cada um dos direitos de habitação periódica e legitima a
sua transmissão ou oneração.
Sem o registo do título constitutivo do direito real de habitação
periódica, a Conservatória não emite certificado predial e por isso
não pode haver qualquer transmissão ou oneração desse direito
que é feito por declaração escrita nesse certificado com
reconhecimento das assinaturas.

É também uma manifestação da obrigatoriedade indireta do


registo.

Estas disposições do artigo 54.º e 61.º do Código do Notariado e


do artigo 10.º/2 do DL 275-93 e ainda do artigo 9.º do Código do
Registo Predial, visam garantir o princípio do trato sucessivo
consagrado no artigo 34.º do CRP por força do qual se pretende
assegurar uma cadeia ininterrupta de registos de aquisições de
direitos sobre uma coisa, desde a primeira aquisição inscrita até à
última.

Sendo interrompido o trato sucessivo, não se pode lavrar novo


registo sem se reatar o trato sucessivo, o que pode ser feito por
várias vias previstas no artigo 116.º do CRP que, geralmente, se
traduz numa escritura de justificação.

Efeitos do registo
1. O efeito automático do registo é a presunção de titularidade do direito em nome de
quem ele está registado. Está consagrado no artigo 7.º.

É uma presunção ilidível porque, em regra, as presunções são ilidíveis (Artigo 349.º).

2. Efeitos central do registo


Decorre da natureza declarativa do registo e manifesta-se na seguinte hipótese:
António transmite a Berto por escritura pública o seu direito sobre um imóvel mas
Berto não regista. Depois António que continua a ser titular inscrito, volta a vender
esse imóvel a Carlos que regista antes de Berto.
O bem passa a ser de Carlos porque registou primeiro.
Como se justifica isto?
De acordo com o artigo 5.º do CRP, o registo entre nós tem efeito declarativo: “Os
factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do
respetivo registo”.
Para entender bem este preceito é indispensável saber o que deve entender-se por
terceiro.
O número 4 deste artigo 5.º define terceiro como “aqueles que tenham adquirido de
um autor comum direitos incompatíveis entre si”.
Se alguém tiver adquirido um direito real sobre um imóvel, esse direito só é oponível
àqueles que venham a adquirir do mesmo autor ou causante um direito real sobre o
mesmo imóvel, se o direito estiver previamente registado. Perante qualquer outra
pessoa, o direito real sobre o imóvel é oponível por força da eficácia erga omnes que
qualquer direito real tem.

Decorrente desta eficácia declarativa do registo, o terceiro fica com a garantia


absoluta que a pessoa que lhe vai constituir um direito real sobre o imóvel não
constitui anteriormente outros direitos reais sobre o mesmo bem ou, se os constitui,
eles não lhe vão ser oponíveis, porque não estão registados.

Esta é uma garantia absoluta que o adquirente tem e não uma mera presunção
relativa (como a do artigo 7.º do CRP), que pode ser afastada por prova em contrário.

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