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Grupo 2: O setor popular (folk )

Neste setor, que é particularmente grande em sociedades não-industrializadas,


certos indivíduos especializam-se em formas de cura que são sagradas ou
seculares, ou uma mistura das duas. Esses curandeiros não pertencem ao
sistema médico oficial e ocupam uma posição intermediária entre os setores
informal e profissional. Existe uma ampla variação nos tipos de curandeiro
popular em qualquer sociedade, de especialistas puramente seculares e
técnicos, como quiropráticos, parteiras, pessoas que extraem dentes ou
herbalistas, até aqueles que realizam curas espirituais, clarividentes e xamãs.
Os curandeiros populares compõem um grupo heterogêneo, com muita variação
individual em termos de estilo e aspecto, mas algumas vezes estão organizados
em associações com regras de entrada, códigos de conduta e troca de
informações. A maioria das comunidades inclui uma mistura de curandeiros
populares sagrados e seculares. Por exemplo, em seu estudo no final da década
de 1970 sobre curandeiros afro-americanos nas periferias de baixa renda nos
Estados Unidos, Snow descreveu “médicos de ervas”, “médicos de raiz”,
espiritualistas, magos, houngans ou mambos de vodu, sacerdotes de cura e
curandeiros pela fé, profetas da vizinhança, “avozinhas” e vendedores de ervas
mágicas, raízes e medicamentos comerciais. Os curandeiros espirituais, que
operam fora dos templos, das igrejas ou das “lojas de velas”, são particularmente
comuns e lidam com doenças supostamente causadas por feitiçaria ou punição
divina. A maioria das doenças seculares são tratadas com automedicação, ou
pelas “avós” ou médicos herbalistas da vizinhança. Na prática, porém, há alguma
sobreposição entre suas abordagens e técnicas. Em outra comunidade, os Zulus
da África do Sul, também há uma sobreposição entre os curandeiros sagrados e
seculares. Enquanto a adivinhação sagrada é realizada pelas mulheres
isangomas, o tratamento com remédios herbais africanos é feito pelos homens
inyangas; ambos, porém, coletam informações sobre a origem social da vítima,
bem como detalhes sobre sua doença, antes de fazer um diagnóstico. Um
exemplo de um curandeiro puramente secular é o sahi, ou trabalhador da saúde,
como descrito pelos Underwoods em Raymah, República Árabe do Iêmen.
Esses curandeiros surgiram no Iêmen nos últimos anos, e sua prática consiste
principalmente em aplicar injeções de várias drogas ocidentais. Eles possuem
pouco treinamento (em geral, um contato breve com um profissional de saúde;
em um caso, um mês de trabalho como faxineiro de um hospital) e habilidade
diagnóstica limitada. O mesmo pode ser dito de suas habilidades de
aconselhamento ou psicológicas. Para os habitantes de Raymah, porém, o sahi
pratica o que é considerado a quintessência da medicina ocidental: “o tratamento
da doença por injeções”. A popularidade crescente das injeções foi descrita em
muitos países do Terceiro Mundo, assim como a proliferação de injecionistas
não-treinados (também conhecidos como médicos de injeção, homens da agulha
ou shot givers) como o sahi.

Outros exemplos dessa tendência foram descritos por Kimani,no Quênia. Lá, os
“médicos do mato” administram remédios e injeções, e os “meninos-médicos das
ruas e paradas de ônibus” repassam cápsulas de antibióticos adquiridas no
mercado negro. A maioria dos curandeiros populares compartilha os valores
culturais básicos e a visão de mundo das comunidades em que vivem, inclusive
as crenças sobre origem, significado e tratamento da má saúde. Em sociedades
nas quais a má saúde e outras formas de infortúnio são atribuídas às causas
sociais (feitiçaria ou “mau-olhado”) ou sobrenaturais (deuses, espíritos,
fantasmas ancestrais ou destino), os curandeiros sagrados são particularmente
comuns. Sua abordagem em geral é holística, lidando com todos os aspectos da
vida do paciente, inclusive os relacionamentos com outras pessoas, com o
ambiente natural e com forças sobrenaturais, bem como com quaisquer
sintomas físicos ou emocionais. Em muitas sociedades não-ocidentais, todos
esses aspectos da vida são parte da definição de saúde, que é vista como um
equilíbrio entre as pessoas e seu ambiente social, natural e sobrenatural. Um
distúrbio de qualquer um desses aspectos (como um comportamento imoral,
conflitos familiares ou falha em observar as práticas religiosas) pode resultar em
sintomas físicos ou sofrimento emocional e exige os serviços de um curandeiro
sagrado. Os curandeiros desse tipo, quando confrontados com a má saúde,
frequentemente perguntam sobre o comportamento do paciente antes da doença
e sobre quaisquer conflitos com outras pessoas. Em uma sociedade de pequena
escala, o curandeiro também pode ter conhecimento em primeira mão das
dificuldades de uma família por meio de fofocas locais, o que pode ser útil para
o diagnóstico. Além de colher informações sobre a história recente do paciente
e sua origem social, o curandeiro pode empregar um ritual de adivinhação. Esse
ritual tem muitas formas em todo o mundo, incluindo o uso de cartas, ossos,
palha, conchas, gravetos, pedras especiais e folhas de chá, cujo arranjo é
cuidadosamente examinado pelo curandeiro para evidências de qualquer padrão
subjacente. Também há exames das entranhas ou do fígado de certos animais
ou aves, interpretação de sonhos ou visões, ou consulta direta com espíritos, ou
seres sobrenaturais mediante transe. Em cada caso, a adivinhação visa revelar
a causa sobrenatural da doença (como feitiçaria ou retribuição divina) pelo uso
de técnicas sobrenaturais. A isangoma zulu, por exemplo, é consultada pelos
parentes de uma pessoa doente, que fica em casa. Ela faz o diagnóstico
entrando em transe e se comunicando com os espíritos, que lhe revelam a causa
e o tratamento da doença.

O xamã

Outra forma de adivinho é o xamã, encontrado em diferentes formas em muitas


culturas. O xamã é um curandeiro que faz a mediação entre os mundos material
e espiritual. Lewis define-o como “uma pessoa de qualquer sexo que dominou
os espíritos e pode introduzi-los à vontade em seu próprio corpo”; a adivinhação
ocorre em uma sessão, na qual o curandeiro incorpora os espíritos e, por meio
deles, diagnostica a doença e prescreve o tratamento. Como o xamã “dominou”
esses espíritos que penetraram nele, ele pode então usá-los para ajudar a
diagnosticar pessoas possuídas por eles ou por espíritos malevolentes
parecidos. Em alguns casos, o xamã somente entra em transe com o auxílio de
drogas alucinógenas poderosas (ver Capítulo 8). Esta e outras formas de
adivinhação algumas vezes ocorrem na presença de familiares, amigos e outros
contatos sociais do paciente. Nesta situação pública, o adivinho visa trazer à
tona os conflitos dentro de uma comunidade – que podem ter levado à feitiçaria
ou bruxaria entre as pessoas – e tenta resolvê-los de um modo ritual. Os
curandeiros sagrados também fornecem explicações e tratamentos para
sentimentos subjetivos de culpa, vergonha ou raiva, prescrevendo, por exemplo,
rezas, penitências ou a resolução de problemas interpessoais. Eles também
podem prescrever tratamentos físicos ou remédios simultaneamente.

A adivinhação em transe é comum em sociedades não-industrializadas, mas


está tornando-se cada vez mais comum no Ocidente entre os médiuns,
clarividentes, “canalizadores”, “neoxamãs” e membros de certas igrejas
carismáticas de cura. Mesmo nas regiões menos desenvolvidas, os curandeiros
xamânicos que praticam a adivinhação em transe e a cura são cada vez mais
encontrados em áreas urbanas e rurais.

Vantagens e desvantagens da cura popular (folk)

Para aqueles que a utilizam, a cura popular oferece diversas vantagens em


relação à medicina científica moderna. Uma delas é o frequente envolvimento da
família no diagnóstico e no tratamento. Por exemplo, como Martin destacou, para
os índios norteamericanos, tanto o paciente quanto sua família têm a
responsabilidade de participar dos rituais de cura da doença dele. O foco da
atenção não é somente o paciente (como na medicina ocidental), mas também
a reação da família e dos outros à doença. O curandeiro em si geralmente é
circundado por auxiliares, que tomam parte na cerimônia, dão explicações ao
paciente e sua família e respondem perguntas. De uma perspectiva moderna,
este tipo de curandeiro nativo norte-americano com auxiliares, junto com a
família do paciente, fornece uma equipe efetiva de cuidados primários de saúde,
especialmente ao lidar com problemas psicossociais. Fabrega e Silver
examinaram as vantagens, para o paciente, de outro tipo de curandeiro popular,
o h’ilol de Zinacantan, México, em comparação com os médicos ocidentais. Em
particular, existe uma visão de mundo compartilhada, intimidade, calor humano,
informalidade e uso da linguagem do dia-a-dia nas consultas, e a família e outros
membros da comunidade são envolvidos no tratamento. Além disso, o h’ilol é
uma figura crucial na comunidade; acredita-se que ele age em benefício do
paciente e da comunidade, bem como dos deuses. Ele pode influenciar a
sociedade em um nível maior, particularmente os relacionamentos sociais do
paciente, podendo influenciar o seu comportamento futuro, destacando a
influência das ações passadas sobre a sua doença atual. Finalmente, sua cura
ocorre em um ambiente familiar, como o lar ou um santuário religioso. Uma vez
que os curandeiros populares como o h’ilol, articulam e reforçam os valores
culturais das comunidades onde vivem, eles têm vantagens sobre os médicos
ocidentais, que estão frequentemente separados de seus pacientes por classe
social, posição econômica, gênero, educação especializada e, algumas vezes,
bagagem cultural. Em particular, esses curandeiros são mais capazes de definir
e tratar a perturbação – isto é, as dimensões sociais, psicológicas, morais e
espirituais associadas com a má saúde, assim como com outras formas de
infortúnio (ver Capítulo 5). Ao contrário do mundo ocidental, onde diferentes tipos
de infortúnio são manejados por diferentes tipos de agentes de cura – os
problemas físicos por médicos, os problemas psicológicos por psiquiatras ou
terapeutas, os problemas sociais por assistentes sociais e os problemas
espirituais por ministros religiosos – este tipo de agente de cura aborda todas
essas dimensões simultaneamente. E mais, eles muitas vezes as reúnem em
uma única explicação causal. Eles também fornecem formas culturalmente
familiares de explicar a causa e o momento de ocorrência do infortúnio e sua
relação com o mundo social e sobrenatural. Em diversos países hoje em dia,
esses curandeiros populares são muitas vezes usados paralelamente ao
tratamento médico, mesmo quando os dois baseiam-se em premissas muito
diferentes. No México, por exemplo, Finkler descreveu as diferenças e
semelhanças entre os médicos e os curandeiros espirituais (que curam com o
auxílio de espíritos que os possuem). A autora mostra que as pessoas usam os
dois sistemas, porém com fins diferentes. Como em muitas outras culturas, os
médicos tendem a dizer a seus pacientes o que aconteceu, enquanto os
curandeiros dizem a eles por que aconteceu.

Os curandeiros explicam a má saúde em termos culturais mais amplos, mais


familiares, envolvendo os aspectos sociais, psicológicos e espirituais da vida de
seus pacientes, enquanto os médicos se concentram principalmente nas
doenças físicas e em seus patógenos ou comportamentos causais. Isso ocorre
apesar do fato de os médicos gastarem duas vezes mais tempo (cerca de 20
minutos) nas primeiras consultas em comparação com os curandeiros. Porém,
há algumas semelhanças entre as duas abordagens. Ambas possuem uma visão
dualista do paciente, os médicos usando uma abordagem de mente e corpo e os
curandeiros, de espírito e corpo. Ambos tentam “olhar” para dentro do corpo do
paciente, de modo a diagnosticar a má saúde, os médicos com ajuda da
tecnologia e os curandeiros por meio de espíritos que os possuem e auxiliam.
Seus cenários terapêuticos, porém, são muito diferentes. A cura do
Espiritualismo ocorre em um templo, na presença da família e de outros
membros da comunidade, enquanto as interações médico-paciente ocorrem no
isolamento estéril de um pequeno cubículo, ocasionalmente na presença de
estranhos como enfermeiros ou estudantes de medicina. Finkler também nota
que, ao contrário dos médicos, os curandeiros espirituais raramente dão a seus
pacientes um diagnóstico específico; em vez disso, fornecem uma tranquilização
de que os espíritos sabem tudo sobre sua aflição. Para muitos pacientes, essa
explicação é satisfatória pois, em algum nível, ela atende suas próprias
expectativas e experiência emocional subjetiva de má saúde. Enquanto os
médicos tendem a colocar a má saúde do paciente em uma moldura temporal
limitada e localizá-la em uma determinada parte do corpo, os espíritos
oniscientes que auxiliam o curandeiro “transcendem o tempo e o espaço, do
mesmo modo que a doença do paciente transcende as dimensões temporal e
espacial”. Assim como outras formas de cuidados de saúde, a medicina popular
tem suas desvantagens e seus riscos. Por exemplo, os curandeiros populares
podem ignorar, fazer um diagnóstico errado ou tratar mal os sinais de uma
doença física grave ou de um distúrbio mental, como confundir psicose, epilepsia
ou tumor cerebral com uma “possessão espiritual”. Eles podem usar formas de
tratamento como exorcismos, concocções herbais fortes, dietas especiais ou
formas extremas de reza ou jejum que podem causar lesão física ou psicológica
a seus clientes. Alguns podem usar agulhas ou instrumentos não-esterilizados
em circuncisões, escarificações rituais, acupuntura ou outros tratamentos,
levando à disseminação de infecções com o vírus da imunodeficiência humana
(HIV) ou da hepatite B. Tanto a circuncisão masculina quanto a feminina,
realizadas por praticantes populares, algumas vezes podem levar a uma grande
hemorragia especialmente naqueles com tendência a sangramento, bem como
a infecções locais ou até septicemia. Algumas parteiras tradicionais podem usar
instrumentos não-esterilizados nos partos ou aconselhar as mães a descartar
seu colostro ou colocar pedaços de excrementos no coto umbilical do bebê após
o nascimento – levando ao tétano neonatal (ver Capítulo 6). Alguns curandeiros
populares também podem usar a credulidade e a vulnerabilidade de seus
clientes para explorá-los financeira, emocional ou mesmo sexualmente. Todos
esses exemplos significam que os curandeiros populares devem ser vistos de
modo realista, sem romantizá-los exageradamente. Para as pessoas que os
consultam, eles com certeza possuem muitas vantagens em comparação com
os médicos, mas também podem ter desvantagens e riscos.

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