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Educação Permanente Ideologia Educativa Ou Necessidade
Educação Permanente Ideologia Educativa Ou Necessidade
Paiva
Educação Permanente:
I - Ideologia Educativa ou
Necessidade Econômico-Social?
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ou a ela de algum modo ligados;' verificamos também que grande
parte dessa bibliografia foi escrita em francês. A temática que
está por detrás da "educação permanente" foi desenvolvida em in-
glês e alemão, por exemplo, sob a prudente e despretensiosa desig-
nação de "continuing education" ou de "Weiterbildung" ou mesmo
de "zweiter" ou "dritter Bildungsweg"; entre nós, no entanto, ela
surgiu j á sob a denominação de educação permanente, caracteri-
zando-se como uma temática "de língua francesa", em cuja tradi-
ção um certo espírito "literário-pedagógico", habilmente instruído
nos malabarismos semânticos e conceituais, tem permitido — atra-
vés da produção de textos que facilmente admitem diferentes leitu-
ras — evitar com elegância problemas incômodos colocados pela
realidade concreta. Assim, não é de surpreender que a intelectua-
lidade pedagógica nacional, ainda bastante ligada a certa tradição
francesa, se veja atraída pelo tema; não surpreende tampouco que
tal atração se exerça sobre gregos e troianos, constituindo a
educação permanente vtm campo de interesse e discussão no qual
se encontram profissionais da educação filiados a correntes teóri-
cas e metodológicas dificilmente conciliáveis.
O interesse nacional pelo tema não se traduziu, porém, em produ-
ção autóctone significativa: a produção nacional é pobre, resiunin-
do-se a pouco mais que os textos de Dumerval Trigueiro e de Arlin-
do Lopes Correia.* E m compensação, tratamos de criar rapida-
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mente cadeiras para o estudo do tema nas Faculdades de Educação,
gerando condições para que as Idéias que nos chegam através das
traduções ou dos textos especialmente para nós produzidos» possam
penetrar fundo entre os estudantes de pedagogia. Parece-nos, por
isso, oportuno analisar a bibliografia nacionalmente utilizada no
estudo do tema e colocar algumas questões sobre o assunto.
1. O ouro metropolitano
n.° 113, vol. 51, jan.-mar. 1969, pp. 9-18. Correia, Arllndo Lopes. Educa-
tion permanente et education d'adultes au Brésil. Mobral, 1973.
5' Os livros de Furter resultaram da sua atividade como professor
no CEEAL (Curso de Especialistas em Educação para a América Latina)
realizado em São Paulo em 1964/65 e organizado pela UNESCO/INEP como
parte do Projeto Principal da UNESCO para a América Latina. A partir
de então Furter tem produzido textos que são quase sempre traduzidos
para o português e publicados no Brasil, onde ele conta com um público
certo e atento entre os pedagogos.
6. ADISESHIAH, Malcolm. Perspectivas da educação permanente.
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, MEC/INEP,
n.» 113, vol. 51, jan.-mar. 1969, pp. 149-153.
7. Ibidem, p. 150.
8. Ibidem, p. 151.
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-pedagógico — carecem de interesse ou de instrumentos para anali-
sar a realidade concreta e por isso não logram deparar-se com os
dilemas da sua evolução. Claro está que semelhante idealismo e
semelhante carência terão que se espelhar nas afirmações especí-
ficas sobre a sociedade. Para o autor, na sociedade futura, a
educação e a ciütura de massas — e não o capital e o trabalho —
serão os fatores-chaves do desenvolvimento econômico;» em tal
sociedade, as dificuldades que a educação permanente encontraria
para instalar-se e dar setis frutos seriam decorrentes da "inércia
social" ou da força da tradição cultural, dependendo o seu êxito
— em última instância — do "poder de invenção do homem e da
sua vontade de salvar e de servir a humanidade", Ao nível atual
de desenvolvimento das ciências sociais, surpreende-nos semelhan-
te ingenuidade.
9. Ibidem, p. 151.
10. Ibidem, p. 151.
11. TOURAINE, Alain. Educação permanente e sociedade industrial.
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, MEC/INEP,
n.o 113, vol. 51, jan.-março 1969, p. 35.
12. Ibidem, pp. 35-36.
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mera imprecisão terminológica. Ela certamente existe porque ou
bem a produção é cultural (aquilo que se produz no plano da
cultura e que pode ou n ã o se converter, como técnica, em instru-
mento da produção) ou bem é material, ou seja, produção de
mercadorias, no caso do modo de produção capitalista. Mas o que
a determina é o que está por detrás daquilo em que se apoia a aná-
lise de Touraine: a aceitação básica da idéia de que a sociedade alta-
mente industrializada — que Touraine e outros insistem em cha-
mar de "pós-industrial" — apresentaria problemas específicos que
transcendem as diferenças entre os modos de produção; ele supõe
a existência de um "modo de produção industrial" que se define
ao nível das forças produtivas empregadas e que esquece as rela-
ções sociais de produção bem como a correspondente apropriação
relativa do produto social pelas diferentes classes sociais no capi-
talismo. Uma vez abandonado o plano da discussão calcado sobre
a diversidade dos modos de produção em nome da "produção
industrial" toma-se luna conseqüência necessária a abstração das
relações sócias de produção; a partir daí, nada mais natural que
a enfatização do cultural e do educacional como planos essenciais
dos conflitos sociais e da própria determinação dos caminhos pos-
síveis de evolução social. Assim, a reflexão sobre-as sociedades
tomarse com facilidade uma tarefa quase que exclusiva da antropo-
logia cultural: a questão central seria a "criação de modelos sócio-
-culturais de transformação social". A imaginação de tais mo-
delos responderia ao exercício intelectual que — coerente com o
seu ponto de partida — o autor propõe desde o início: "por que
não tentar um pouco de pós-socialismo utópico?", Por que não
tentar qualquer coisa, perguntamos nós.
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sob a condição de precisar que um indivíduo pode se encontrar
numa pluralidade de situações de classe ( . . . ) seria mais justo
falar aqui de grupos de interesse". Este estranho falar de luna
situação de algo que não existe aparece no livro de Touraine como
resultado de uma reinterpretação do conceito weberiano de "situa-
ção de classe". ^8 No mesmo hvro Touraine defende a idéia de
que uma civilização industrial só se constitui verdadeiramente
pela cultura de massa, quando a criatividade e a inovação cultural
deixam de ser privilégio dos estratos mais elevados: ela implicaria,
portanto, na democratização da cultura e da educação; poderia
implicar, assim, numa educação permanente que veiculasse um
"modelo cultural" adequado a tal civilização. A idéia de que o
"modelo cultural" é um dos fatores essenciais da transformação
das sociedades vai, aliás, ganhando cada vez mais ênfase na obra
de Touraine e ele a desenvolve amplamente no seu livro Proãuction
de Ia société.^^ Mas ela j á ganha importância na obra publicada
em 1969, La société post-industrielle,^" na qual ele se dedica mais
extensamente a questões que poderiam inspirar luna reflexão sobre
a educação permanente: o tempo livre, a participação social e a
inovação cultural. Na sociedade pós-industrial, na qual não se
poderia falar de classes sociais, as origens tradicionais, profissio-
nais e sociais da cultura teriam sido destruídas, definindo-se a
atividade cultural pelo nível de participação em valores elabora-
dos centralmente: viveriam, pois, tais sociedades, no mundo de
uma cultura luüficada, no qual se tem como ideal a difusão de
um modelo cultural baseado no conhecimento científico e técnico
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que se conectaria com a afirmação da existência pessoal. Na medi-
da em que este "modelo cultural" se situasse "no centro da socie-
dade" e n ã o na sua cúpula (uma das condições para a elaboração
central dos valores culturais), caberia à educação as tarefas de
"transmitir uma atitude crítica que ajude a liberar a inovação
cultural do controle social" e de "axunentar a participação da maio-
ria em modelos culturais novos", combatendo os modelos tradi-
cionais que dificultam a mudança. 22
A ênfase dada por Touraine aos aspectos cultm-ais na transformar
ção da sociedade faz com que uma grande parte da sua sociologia
se apoie sobre a antropologia cultural. Por outro lado, a sua socio-
logia da ação inspira-se fortemente no fimcíonalismo, pretendendo
ser um avanço em relação a este; o que ele traz de novo, no entan-
to, parece ser a substituição de conceitos fimcionalistas por outros
que encontram sua inspiração — em liltima instância — na filoso-
fia da existência: o ator social transforma-se no sujeito histórico,
a "historicidade" e a "temporalidade" surgem como conceitos fim-
damentais para a compreensão da sociedade e sua reprodução.
Compreende-se, então, a proximidade teórica entre Touraine e os
autores que, entre nós, como veremos mais adiante, escreveram
sobre o tema da educação permanente.
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nente é apresentada pelo autor como uma resposta para problemas
criados para os sistemas educacionais por fatores que vão desde
"o desenvolvimento da ciência moderna" ou o "prolongamento do
tempo de lazer" à "luta de classes" e às "guerras de libertação",
Uma proposta cujo nível de generalidade faz com que ela sirva de
resposta a todo tipo de problema.
B. Schvyartz reduz ainda mais o nível da reflexão, pensando a
educação permanente em seus aspectos propriamente pedagógicos.
Ele considera que a educação de adultos está ainda no seu começo,
oscilando entre "a reciclagem universitária e a chamada educação
'cultural'", 24 e faz propostas concretas para a organização de pro-
gramas de educação de adultos, com base em pesquisas anteriores.
Ele não propõe uma análise da sociedade nem modelos de trans-
formação social nem tampouco uma utopia social. A educação
permanente é para ele apenas luna maneira de enfocar a educação
dos adultos, luna direção de trabalho pedagógico com públicos
adultos em função de objetivos concretos. Sua reflexão se dá,
assim, em torno do problema da transformação dos métodos e dos
conteúdos da educação, a partir daquilo que ele vê ocorrendo con-
cretamente nos programas de educação de adultos existentes. No
artigo de Schwartz aquilo que a educação permanente ganha em
concretude ela perde em relevância social. J á n ã o se trata de uma
resposta pedagógica à multiplicidade de problemas contemporâ-
neos mas simplesmente uma maneira de reorganizar os programas
de educação de adultos, de modo a servir à sociedade existente e
em função dos problemas surgidos a micro-nível social, ou seja,
concretamente, dentro dos programas ou dos sistemas educacionais.
2. A prata da casa
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perspectiva política basicamente democrático-liberal, sendo muitas
das suas posições bem próximas daquelas defendidas por peritos
da UNESCO. Entre elas a vigorosa defesa da educação para todos,
a apresentação da educação permanente como alternativa para a
extensão da escolarização. A sua posição coincide também com
aquela de Alain Toiu-aine no que concerne à sociedade industrial,
merecendo — por isso — as mesmas críticas que formulamos ao
citado autor. 25 Consideramos, porém, que a nossa atenção deve
deslocar-se destes aspectos — deixando de lado também as erudi-
tas considerações filosóficas de Trigueiro relativas ao homem e
sua práxis social — para concentrar-se em questões que nos pare-
cem centrais não somente para entender mais profundamente a
interpretação que o autor d á à educação permanente como para
a melhor compreensão de grande e significativa parcela do pensa-
mento pedagógico nacional dos últimos 20 anos.
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se manifesta como sujeito e objeto de seu projeto". 2» A educação
seria o instrumento de tal transformação, uma transformação que
— deduz-se do texto — era exigida pela própria sociedade brasilei-
ra, pois diz o autor: "Estaremos em atraso irreparável com o
nosso próprio tempo e com a nossa própria sociedade se não
partirmos rapidamente para a educação permanente". 2» Esta seria
uma educação para a eficiência (devido ao caráter industrial da
sociedade moderna) e uma educação que, destinada às massas,
reduz ou elimina a marginalidade social, porque a nação moder-
na "aproveita todos os indivíduos no projeto comirni". 3«
Trigueiro opõe, na verdade, a sociedade moderna à sociedade arcai-
ca, uma civilização de massa, dinâmica, a uma civilização estática
e elitista; * i a primeira deveria ser o nosso objetivo. Mas a sua
construção se confunde com a própria construção da Nação, na
qual ele reserva à educação lun papel central: "dentro do contexto
a que nos estamos referindo, cada um se torna solidário, socius,
do grande empreendimento que é a Nação. Onde não haja esse
sentimento — da Nação como empreendimento — não pode haver
a percepção da necessidade da educação para todos". ^2 só pode-
mos perceber a importância da educação na medida em que o
nosso projeto é a democracia e o desenvolvimento. Mas tal projeto
— e com ele a educação permanente — esbarraria nos obstáculos
criados pelo fato de que as elites dirigentes, "emperradas no pas-
sado" recusavam os recursos necessários à difusão dessa educação
moderna não elitista, voltada para a participação e para a solida-
riedade. O projeto nacional se veria também, prejudicado porque
os "Estados modernos padecem de uma tremenda imaturidade (!)
quando se recusam a fazer a opção educacional como opção polí-
tica", colocando a educação no cerne do processo nacional. Tri-
gueiro revela, assim, uma perspectiva multo comum entre educa-
dores: um idealismo que se manifesta no julgamento moral das
instituições (sem se perguntar acerca do seu significado social
nem vislumbrar qualquer problema ao nível da teoria do Estado)
e que inverte os termos do problema ao colocar a educação como
motor das transformações sociais.
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ao menos abandonou a ideologia que informa o trabalho de Tri-
gueiro. O ISEB dos anos 50, no qual se teorizou a ascensão da
biu-guesia industrial nacional ao poder político, através de uma
aliança eleitoral com as classes médias e o proletariado (numa
estratégia que exigia a educação ou pelo menos a alfabetização das
massas, na medida em que existia a proibição do voto do analfa-
beto), dificilmente poderia ser caracterizado como subversivo, mes-
mo nos dias de hoje. O conflito entre a sociedade moderna, indus-
trializada, democrática, e a sociedade estática e tradicional, agrária
e autoritária, indicado por Trigueiro, corresponde claramente ao
núcleo da interpretação isebiana que afirmava a existência de uma
oposição entre uma burguesia Industrial-urbana, interessada no
progresso, e uma burguesia agrário-comercial, j á que seus inte-
resses básicos eram supostamente conflitantes. Elas representa-
riam respectivamente a nação e a anti-nação: a burguesia indus-
trial autóctone se interessaria pela construção da Nação enquanto
nação moderna, com amplo mercado interno e democracia-parla-
mentar, enquanto que a burguesia agrário-comercial aliada dos
interesses estrangeiros, combateria o "projeto nacional" e, em con-
seqüência, a democracia burguesa e a educação anti-elitista que ela
suporia.
Não resta dúvida dé que Trigueiro é tributário da ideologia isebia-
na, ao menos no momento em que escreveu o texto em questão.
Mas ele não é u m isebiano: ele recolhe da ideologia isebiana
alguns aspectos e em especial aqueles que — dentro de um todo
vasado de contradições e ambigüidades como o nacionalismo-de-
senvolvimentista — se prestam a uma leitura idealista ou supõem
luna tomada de posição metodológica ligada à sociologia tradicional.
Assim, ele n ã o se atém à s análises isebianas calcadas sobre as
classes sociais mas prefere a distinção parenteana entre massas e
elites; refere-se diversas vezes a realização de u m "projeto" comum,
nacional; utiliza-se mesmo da expressão de Hélio Jaguaribe (Esta-
do-Cartorial) ao criticar a expansão escolar como instrumento de
uma "solução cartorial"; ^* o próprio linguajar filosófico hegeliano
não era estranho ao ISEB, onde Vieira Pinto e Roland Corbisier
o aplicaram amplamente ao buscar justificar filosoficamente o
nacionalismo-desenvolvimentista. Finalmente, a perspectiva desen-
volvlmentista do texto é bastante clara: a educação, em última
Instância, deveria ser i m i instnunento do desenvolvimento nacional,
colocando-se este e não a exploração do trabaUio como ponto
crucial das atenções.
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de 1967,3» quando a ideologia isebiana j á havia sido abandonada
pela maioria dos seus adeptos. O ISEB tomara-se mais radical a
partir de 1960, mas Trigueiro certamente n ã o era um simpatizante
dos isebianos "jacobinos"; sua perspectiva política manteve-se está-
vel, democrático-burguesa, fato que também o impediu de assimi-
lar o lado autoritário do pensamento do ISEB. Com ela podiam
sobreviver em sua obra diversos traços que caracterizaram o isebia-
nismo dos anos 50, enquanto expressão da ideologia burguesa,
apesar não apenas do declínio da influência do nacionalismo-desen-
volvimentista sobre a intelectualidade brasileira como também da
constatação de que a interpretação da realidade proposta pelos
isebianos não encontrava sustentação na reahdade empírica,
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dos países desenvolvidos em suas hipóteses fundamentais, siias
categorias, seu vocabulário. Assim, o autor defende a educação
permanente em função da "melhoria da qualidade de vida da popu-
lação", u m lugar comum internacional nos dias de hoje mas que
dificilmente pode servir de argumento num país onde o salário
real dos trabalhadores baixou progressivamente nos últimos 10
anos. Ele se refere também à necessidade de "modificar o sistema
educativo em função da evolução científica e tecnológica, que obri-
ga a uma sobre-qualificação contínua", de "responder aos proble-
mas do lazer", de "facilitar a adaptação a novas experiências no
mundo do trabalho, do consumo, das relações entre gerações"
etc. 38 Reproduz, portanto, literalmente, os argumentos que os
intelectuais das sociedades desenvolvidas encontraram na sua reali-
dade — profundamente diferente da nossa — para forjar o con-
ceito de educação permanente.
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demanda que assegura o retomo constante do capital variável aos
bolsos do capitalista de modo tão mais rápido quanto mais rapida-
mente circulem as mercadorias. Mas que futiiro pode encontrar
tal idéia num país onde o salário dos operários atinge, em geral,
somente cerca de 1/10 do salário médio de um trabalhador alemão
ou norte-americano e onde o custo de vida é tão elevado quanto na
Alemanha Federal ou nos Estados Unidos?
Escrito em plena época do "milagre brasileiro" o artigo exprime
o estado de espírito da burocracia estatal na época: o país crescia
rapidamente, logo o seu setor produtivo se modificava e diversifi-
cava, diversificando-se ao mesmo tempo a estmtura ocupacional.
Correia concluía, então, que n ã o era possível ao sistema educativo
acompanhar tal evolução, fornecendo a força de trabalho exigida
pelo "milagre brasileiro": a solução estava, então, na educação
permanente, apresentada como uma transformação do ensino suple-
tivo para adultos. Sua proposta é bastante concreta: tratava-se
da integração das redes escolar e profissional através de dois me-
canismos: o da escolha da profissão e o do ensino supletivo, de
tal modo que o seu fimcionamento conjimto permitisse, a todo
instante, a promoção educativa e ocupacional do indivíduo, seja
preparando-o para o trabalho eficaz, seja permitindo-lhe retomar
ao sistema escolar.« Ele acentua, pois, o aspecto de formação
de força de trabalho necessária à indústria de capital intensivo, a
única que tem necessidade de reciclagem dos seus trabalhadores.
A reciclagem é — no final das contas — o fundamento da sua
proposta, fato que pode ser apreendido quando o autor caracteriza
o futuro sistema de educação permanente como aquele em que,
sendo a educação geral oferecida nas escolas, conjuga os esforços
dos organismos de educação profissional com as empresas privadas
e se apoia sobre os princípios do "Training within Industry"
(TWI).«
De fato. Correia propõe o modelo norte-americano de transferência
da formação profissional às empresas e às associações privadas,
em função de seus interesses imediatos; deixando, naturalmente,
ao Estado a responsabilidade pela educação geral. Esta solução
permitiria ao Estado enfrentar a falta de recursos para a educação
e, ao mesmo tempo, sub-tratar com aqueles que estão diretamente
ligados ao capital privado a formtição dos recursos humanos para
o crescimento econômico. E m última instância, ele propõe uma
subsunção mais direta da educação aos interesses do capital. A
utilização ou não do conceito de "educação permanente" tomarse,
então, uma questão de moda. Ou talvez — reconhecendo que há
toda mna tendência entre os grandes nomes da economia da edu-
40. Ibidem, p. 9.
41. Ibidem, p. 9.
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cação, como por exemplo Friedrich Edding, de se ocuparem com
o tema da educação permanente — possamos levantar a hipótese
de que o deslocamento da ênfase do planejamento educacional
para a educação permanente represente luna tentativa de camuflar
o fracasso dos métodos de planejamento educacional através de
sua substituição por mna nova ideologia. Mas se Correia reduz
a educação permanente à sua dimensão propriamente econômica,
ele n ã o esquece — porém — de completá-la com a "promoção
cultural", "desenvolvimento comunitário" etc. Quais seriam os
objetivos de tal acréscimo? Segundo o autor, o objetivo principal
seria "tomar as comunidades conscientes do seu papel no domí-
nio educativo", limitando assim a sua consciência social aos "inte-
resses superiores da nação e da segurança nacional". ge ele
repete o objetivo idealista da "sociedade educativa" ele esclarece
o que de fato quer dizer quando define o Mobral como "o instru-
mento de renovação que agirá sobre os demais componentes do
sistema social brasileiro que se aperfeiçoou rapidamente sob a
égide da revolução de 1964": ao Mobral caberia pois, realizar a
tal "sociedade educativa" através da educação permanente. Esta
aparece finalmente na sua dimensão política como parte de imia
tecnologia social que permite a mobilização e a manipulação polí-
tica das classes a que se destina.
3. O intermediário
81
países do mundo (especialmente do mundo subdesenvolvido) onde
mais se fala de educação permanente. E isto n ã o é produto apenas
da penetração dos seus livros, que alcançaram sucessivas edições,
mas também da sua influência pessoal, mantida mesmo depois
do seu retomo à Europa através da atuação de um gmpo dinâmico
de pessoas que, conquistadas por suas idéias, dispõem de conside-
rável peso na orientação dos cursos destinados â formação de
profissionais da educação a todos os níveis, especialmente no Rio
de Janeiro.
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e o desenvolvimento cultural — obtendo o sucesso que se poderia
prever: em meio ao generalizado despreparo dos meios pedagó-
gicos nacionais, surgia finalmente alguém que — embora (ou além
de?) estrangeiro — tomara parte da nossa experiência pedagógica
dos últimos anos e tocava em problemas que eram percebidos
pelos educadores nativos apenas de modo confuso. Escrevendo
em bom estilo e num discurso coerente, ele deu forma verbal a
uma série de questões que muitos apenas vislumbravam: ler os
seus livros, por mais sintéticos que eles fossem, era mna desco-
berta; significava verificar que a pedagogia tinha a ver com tudo,
que não era possível encontrar respostas ao nível pedagógico sem
as encontrar antes a outros níveis, que a discussão pedagógica
implicava na discussão do todo social. No entanto, ao formalizar
as questões ele impôs a sua maneira de perceber a realidade e seus
problemas a grupos que — com um pouco mais de preparo teórico
— talvez pudessem captá-los de outra maneira. Nesse sentido, ele
forjou parte da "mentalidade pedagógica" dos nossos dias no Brasil.
83
a segunda hipótese fosse mais justa, mas certamente a primeira
confortava melhor a consciência dos interessados.*"
A reflexão e a utopia são os dois temas centrais do trabalho, vasa-
do no mais pelas preocupações existencialistas clássicas: o homem
como ser temporal, a comunicação, a intersubjetividade, o diálogo,
o encontro com o outro, a liberdade htunana (e os problemas
colocados a ela pela planificação). Digamos de passagem que o
existencialismo se constituirá não apenas numa das mais signifi-
cativas correntes filosóficas defendidas no Brasil*" como, naquele
período específico, transformara-se numa "das maiores tentações
da juventude" entre nós, *^ o que assegurava grande êxito a uma
discussão da educação que o tivesse como quadro de referência.
84
t r a n s f o r m a ç ã o " . A utopia não ganhou concretude e o instru-
mento da sua realização (o planejamento) bem como a sua finali-
dade última (a mudança) podiam servir a todos: todos estão
interessados na mudança, desde que não se cometa a imprudência
de perguntar qual mudança; nos anos 60 já se esgotara a discussão
sobre o intervencionalismo estatal restrito, de tal modo que todos
estavam já interessados nalguma forma de planejamento. A evo-
lução dos fatos mostrou também que, ao contrário do que muitos
esperavam, também o governo militar estava interessado na mu-
dança — na medida em que ela significava a definitiva consolida-
ção do capitaUsmo no país; estava também interessado em certas
formas de planificação, como é do conhecimento público. A mu-
dança se processaria por canais determinados pela tecnocracia en-
carregada de planejar, como se o planejamento fosse neutro, eva-
dindo-se o problema do poder e da confrontação entre classes
sociais com interesses conflitantes. Bastaria planejar uma educa-
ção para a mudança, de acordo com um estado de espírito utópico,
para estar na direção certa.
85
fica, explosão escolar, diálogo entre civilizações etc). Neste livro,
porém, Furter esclarece melhor a sua perspectiva política. Por van
lado ele apela para o marxista Ernst Bloch de maneira a funda-
mentar a sua atitude otimista, esperançosa frente à realidade; por
outro, ele se coloca contra as mudanças radicais, afirmando que
a educação não deve ser uma "aventura sonhada por irresponsá-
veis" que pretendem "uma liquidação seguida de luna nova cons-
trução" mas deve ser tarefa de homens que olham criticamente
sobre o passado e a tradição. ^* A ambigüidade do texto não per-
mite descobrir concretamente quem seriam tais vândalos. Mas a
alternativa para t ã o abstratos inimigos seria uma reforma que
teria por objetivo último "formar um mundo à imagem da moder-
nidade". =5 Furter critica a "mera modernização", mas o "ser
moderno" por ele definido permanece tão impreciso que, não colo-
cando o autor em questão o modo de produção vigente, a moder-
nidade termina se confundindo com a modernização capitalista.
86
uma orientação para a ação. Esta análise "do mais frio detetive
(mas) que leva a sério os s o n h o s " é o ftmdamento da esperança
em Bloch; o marxismo é também para Bloch a "utopia social con-
creta, a união teoria-práxis capaz de transformar dialético-econo-
micamente o m u n d o " . A referência a Bloch na defesa que Furter
faz da esperança, por isso mesmo, parece contribuir mais para con-
fundir do que para esclarecer a posição e mesmo as idéias do
autor, na medida em que Bloch se vê inserido num contexto que
nada tem em comum com o marxismo. As conseqüências que
Furter tira da reflexão blochiana pouco tem a ver com o próprio
Bloch, pois não apontam para imia transformação mais profunda
da realidade, como — aliás — seria impossível meramente através
dos canais educativos. Na verdade a esperança apoiada em Bloch
se conecta com a preocupação com a temporalidade: o tempo
existe, podemos ter esperanças, devemos ser otimistas porque o
futuro está por vir. Embora Bloch apareça explicitamente citado
9 vezes no capítulo 4 de Educação e Vida, parece ser a obra do
pensador protestante Paul Ricoeur — bem mais que a de Bloch —
a principal fonte ém que se inspira a esperança de-Furter. Em
seu livro de 1969, Les conflits des interpretations, afirma Ricoeur
que o essencial do presente seria "o diálogo entre uma teologia
da esperança e imia filosofia da razão"; <"> mas esta idéia j á está
presente, de certo modo, em História e Verdade (publicação fran-
cesa de 1955), em cujo prefácio ele enfatiza a importância do
"ainda n ã o " e afirma que "o impacto filosófico da esperança é
o próprio comportamento da reflexão", « i Não teria merecido a
obra de Ricoeur, com toda a sua riqueza, receber — neste caso
— maior referência explícita?
87
tar as perspectivas infinitas do mundo atual".-»^ Uma educação
que realizasse semelhante preparação j á seria para Furter uma
educação democrática e libertadora. A educação seria libertadora,
afirma ele, porque é a sua função "difundir, esclarecer e contribuir
para a ordem que pretendemos dar em nosso tempo ao mundo":
que ordem é essa o autor n ã o esclarece mas nas suas cogitações
não entram temas como a sociedade de classes, o Estado como
instrumento da classe dominante, a educação como meio de repro-
dução social etc. As questões ficam em aberto e as suas respostas
deveriam ser buscadas na antropologia filosófica como interpreta-
ção do destino humano que tem, hoje, a temporalidade como cate-
goria central da reflexão.
88
daquelas propostas pelos demais autores da UNESCO (como Deléon
ou Schwartz), sendo realizáveis em qualquer tipo de sociedade de-
senvolvida ou subdesenvolvida — Furter busca definir a educação
permanente e indicar a sua importância a vários níveis. Assim,
ela seria "uma concepção dialética da educação, nimi duplo pro-
cesso de aprofundamento tanto da experiência pessoal quanto da
vida social global, que se traduz pela participação efetiva, ativa e
responsável de cada sujeito envolvido, qualquer que seja a etapa
da existência que ele esteja v i v e n d o " . T a l definição — que se
apoia firmemente sobre a sociologia da educação e propostas edu-
cacionais de Karl M a n n h e i m — transforma a educação perma-
nente num instrumento de democratização, implicando, pois, nimia
educação política cujos postulados e objetivos Furter não explicita.
Por outro lado, a educação permanente —como fonte e fundamento
de uma transformação profunda do sistema de ensino — deveria
constituir-se num fator que impulsiona o desenvolvimento sócio-
-econômico: ela estaria ligada ao take-off dos países subdesenvolvi-
dos, na medida em que atenderia à necessidade de elevação do
nível científico e tecnológico da nação, em que prepararia o homem
como produtor, como consumidor e como criador e em que res-
ponderia à necessidade social da reconversão e formação poliva-
lente, criadas pela automação. Deixaremos para depois a discussão
da relação entre educação permanente e o take-off; vale a pena,
porém, destacar desde logo que o autor coloca juntas necessidades
do take-off e da automação, devendo a educação permanente aten-
der a ambas. Ora, em nenhum momento Furter analisa ou fornece
indicações sobre as características ou exigências da estrutura pro-
dutiva dos países subdesenvolvidos que a educação permanente
deve atender; tampouco levanta a idéia de coexistência, nesses paí-
ses, de idades econômicas diversas dentro de irnia mesma estru-
tura produtiva. Desta forma, a mistura tofce-o///autom£ição (e suas
respectivas exigências ao nível da educação) aparece como algo
bastante contraditório: em última instância a educação permanente
serve a qualquer sociedade, a qualquer economia, a qualquer forma
de vida política.
89
cado quase uma década depois dos dois livros aqui referidos.'*
Neste livro, no entanto, a sua reflexão se afasta em muitos aspec-
tos daquela por nós aqui criticada; ele deixa quase que inteira-
mente de lado as suas preocupações na área da antropologia filosó-
fica — que constituía anteriormente a base sobre a qual era pen-
sada a educação permanente — e restringe as suas considerações
propriamente filosóficas; a nova base da sua reflexão sobre a
educação permanente é a antropologia cultural. Neste livro, Furter
pretende pensar especificamente o significado da educação perma-
nente nos países subdesenvolvidos, apoiado sobre a sua vivência
da realidade latino-americana em geral e brasileira e venezuelana
em particular. E m conexão com tal pretensão é que o seu livro
permeia-se de formulações positivas que merecem ser ressaltadas:
entre elas, o violento ataque ao preconceito contra o analfabeto,
a denúncia do trabalho realizado pelos peritos internacionais que
— com freqüência — atuam, de forma consciente ou não, como
agentes de uma política neo-colonialista, a defesa da democratiza-
ção da vida cultural etc. Sua perspectiva política não se modifi-
cou; cresceu, no entanto, a sua crença no poder da planificação.
Liga-se a estas características o fato de que o seu pensar a educa-
ção permanente adquire maior concretude (especialmente no capí-
tulo 4): ele pensa concretamente na organização da educação per-
manente, lembrando bastante o tipo de trabalho desenvolvido por
Archer Deléon ou por B. Schwartz. Neste sentido, seu novo livro
revela mais claramente que os outros a sua vinculação com a
UNESCO.
A. preocupação básica que orienta o desdobramento de Educação
•permanente e desenvolvimento cultural n ã o se refere à contínua
maturação humana mas ao desenvolvimento sócio-econômico e cultu-
ral. O objetivo seria a construção de uma sociedade industrial,
moderna; contribuiria a alfabetização generalizada para tal objetivo?
Ela só teria sentido — diz Furter — "se se deseja que o conjunto
da população participe do desenvolvimento de u m país em direção
a uma sociedade industrial"."" O problema fundamental seria
tornar alfabetização mn instrumento de mudança social provocada
— o que só poderia ocorrer se ela respondesse às aspirações e
expectativas dos analfabetos, de modo a torná-los agentes de trans-
formação social. Tal evolução suponha o rompimento dos laços
de dependência pessoal dos analfabetos, a sua afirmação como
pessoas autônomas e conscientes que contribuem para o desenvol-
vimento. Aqui Furter pretende pensar o problema do desenvolvi-
mento a dois níveis (o pessoal e o da sociedade nacional) conec-
90
tando os dois ao pensar a dependência. Mas n ã o se trata aqui de
utilizar a chamada "teoria da dependência" para entender a reali-
dade do subdesenvolvimento; trata-se de pensar a dependência a
nível psicológico (da criança ou adolescente em relação ao adulto,
do aluno em relação ao professor) e como vencê-la através da
intervenção educativa: a perspectiva da andragogia seria exatamen-
te a de promover a auto-educação de cada indivíduo, sendo a edu-
cação "um processo em que cada um aprende a se formar e a se
informar a fim de transformar-se e transformar o mundo".''» A
dimensão política deste pensar a dependência restringe-se à indica-
ção de que o mesmo processo ocorreria na relação elites/massa
ou povoai e de que o conceito se aplica também à s relações entre
as nações. O desenvolvimento cultural aparece como um instru-
mento para romper a dependência existente nas relações elites/
massa, na medida em que integra esta última na vida nacional
com o objetivo de acelerar o desenvolvimento sócio-econômico.
Mas também as relações tradicionais de dependência entre as na-
ções deveriam ser abaladas, transformando-se "o caráter atual de
domínio em nova relação de reciprocidade": a dependência tornar-
-se-ia interdependência, algo que supõe a transformação recíproca. ''^
Certamente, admite ele, tal processo traria consigo conflitos; mas
eles seriam necessários à "institucionalização do desenvolvimento".
E m síntese: estamos diante de uma posição anti-colonialista que
considera necessário para o desenvolvimento dos países subdesen-
volvidos a sua afirmação como nação; somente ela possibilitaria a
instituição de mecanismos de planejamento necessários ao desen-
volvimento nacional. Estamos também diante de uma crítica da
dominação e do colonialismo inspirada no existencialismo, tal como
se desenvolvera na França no final dos anos 50 e início dos anos
60 e que entre nós encontra em Vieira Pinto uma expressão das
mais conseqüentes e sistemáticas: o processo de crescimento pes-
soal é transposto para o plano da n a ç ã o . "
91
A análise e as proposições de Furter não implicara necessaria-
mente em colocar em questão o modo de produção capitalista,
apesar da citação de Marx na abertura da 2.' parte do livro. Ele
se mostra fimdamentalmente a favor da democratização e da pla-
nificação; mas se ele tem algo contra as estruturas de produção
e de poder vigentes nos países latino-americanos, ele não toma
isto explícito e sua análise não conduz necessariamente a uma
conclusão anticapitalista, por exemplo, na medida em que se man-
tém num plano nebuloso e ambíguo. Ele defende basicamente o
desenvolvimento nacional dos países do terceiro mundo e a utiliza-
ção da planificação; ora, pensar a planificação do desenvolvimento
cultural e da educação permanente implica na aprovação da polí-
tica global das forças que controlam o aparelho do Estado e, como
não é explícita a sua contestação do capitalismo (mas somente doá
aspectos dependentes de tal modo de produção), a sua reflexão
termina por poder ser assimilada por setores da burocracia esta-
tal com pretensões nacionalistas também países como o nosso,
servindo de apoio ao autoritarismo. Diz ele: "O desenvolvimento
cultural é lun conjimto de intervenções culturais, sucessivas e
contínuas que provocarão uma modificação — considerada positiva
e valorizada pelos responsáveis da vida nacional (grifo nosso) —
do universo simbólico que abrange tanto os interesses, as repre-
sentações quanto os valores das diversas populações da nação, a
92
fim de transformar em riqueza os recursos mentais e físicos dos
homens disponíveis. Será planificado em fimção de certos critérios
definidos segundo objetivos do desenvolvimento".''* O desenvol-
vimento cultural passa a poder ser manipulado de cima para baixo
em fimção de um objetivo maior que é o desenvolvimento nacio-
nal, sem que se coloque em questão o problema da exploração do
trabalho nem a estrutura de classes.
O possível apoio ao autoritarismo encontrado pelos burocratas no
livro de Furter vê-se minimizado pela sua defesa simultânea da
participação popular no desenvolvimento da democratização polí-
tica e cultural. A vida cultural deveria ser planificada mas os
mecanismos desta planiticação deveriam prever o diálogo do públi-
co com os organizadores da vida cultural, de maneira a combater
as resistências à mudança. A educação permanente est£iria intima-
mente Ugada à aceitação da mudança acarretada pelo desenvolvi-
mento como mn dado essencial da realidade: "A educação perma-
nente é a aprendizagem contínua de um estilo de vida adequado a
iuna sociedade que se considera, ela também, em permanente trans-
formação e em constante d e s e n v o l v i m e n t o " . A questão fimda-
mental é, portanto, a mudança — necessária para atingir o objetivo
de construção de uma sociedade industrial: para pensar em como
promovê-la jimto à população através de uma educação permanen-
te é preciso, efetivamente, apoiar-se amplamente sobre os conheci-
mentos acumulados pela antropologia cultural no que concerne à
análise da resistência à mudança. Tal temática, diga-se de passa-
gem, era muito popular entre pedagogos e assistentes sociais na
segunda metade da década dos 60 no Brasil, servindo de base para
o trabalho de desenvolvimento comunitário especialmente no nor-
deste.
93
cas de comunicação como instrumentos do desenvolvimento cultu-
r a l : a radiodifusão, a televisão, a instrução programada, os com-
putadores etc. Mas, ao contrário de Touraine que pretende a difu-
são de uma cultura centralmente produzida (vendo todo o resto
como folclore), Furter vê a necessidade de se estabelecer "um
novo modo de comimicação entre a cultura mais elaborada da
sociedade nacional e internacional e a cultura tal como é viven-
ciada pelas diferentes populações",'" a "cultura popular", as expres-
sões populares da cultura nacional. Em tal reflexão reflete-se
certamente a experiência do autor como observador participante
dos movimentos de cultura popular brasileiros da primeira metade
dos anos 60: sem apresentar propriamente uma solução para o
problema de tal comunicação, ele indica a necessidade de se encon-
trar lun ponto de equilíbrio entre as posições extremas que se
debatereim naquele período. Por u m lado, colocavam-se aqueles
que (como os elementos do Centro Popular de Cultura da União
Nacional dos Estudantes) viam a educação popular como instru-
mento para a transmissão de uma teoria possuída por uma van-
guarda revolucionária; por outro, aqueles que pretendiam extrair
tal teoria do povo, o detentor da verdade cultural e política. Mas
tais grupos, j á no final de 1963, haviam caminhado para certa
convergência: os primeiros admitindo a necessidade de aproximar-
-se da cultura do povo para exprimir na sua linguagem a teoria
revolucionária; os segundos, ao admitir a necessidade de uma teo-
ria que permitisse a análise científica da realidade porque aquela
que se lograva extrair do povo vinha impregnada pela ideologia
burguesa. Se tais grupos caminharam em tal direção, esse ca-
minhar limitou-se a círculos restritos sem que seus participantes
escrevessem sobre o assimto ou propusessem explicitamente uma
pedagogia da aproximação inter-classes. Furter traz a questão para
os meios pedagógicos social e politicamente "legítimos", inserida
j á num contexto cujas referências básicas não se encontram na
transformação revolucionária da sociedade brasileira mas na mu-
dança sócio-cultural que facilita o desenvolvimento. Que espere-
mos pela produção estrangeira para que tais questões sejam colo-
cadas patenteia dois dos problemas com que se debate a pedagogia
nacional: a precariedade da formação recebida pelos profissionais
da educação e o explícito e implícito cerceamento da "legitimidade"
de temas (ou de modo de desenvolvê-los) pedagógicos que desde
h á quase 2 décadas fazem parte das preocupações de grupos "mar-
ginais" em relação aos quadros pedagógicos considerados profis-
sionalmente legítimos entre n ó s . B u s c a m o s mostrar até aqui —
94
através da análise de textos — as implicações e debilidades da re-
flexão disponível entre nós sobre a educação permanente. No en-
tanto, lima idéia com j á tão extensa carreira não pode ter surgido
por acaso. Tentemos, pois, responder ao menos parcialmente a
por que educação permanente (tanto do ponto de vista sócio-
-econômico como ideológico) e indicar algumas direções de pes-
quisa sobre o assimto que possam ser mais fecimdas ou mais
realistas do que as anteriormente criticadas.
95
A resposta ao fracasso das campanhas foi a restrição do âmbito
dos programas através de imia nova estratégia: o desenvolvimento
de comimidades. Se a democratização das sociedades era não
apenas diversamente definida, de acordo com os interesses das
clases dominantes nos diversos países, e n ã o parecia estar neces-
sariamente ligada à ampliação maciça do eleitorado, se a alfabeti-
zação em si n ã o condtizia necessariamente à formação do cidadão
politicamente consciente e responsável, impimha-se u m tipo de
programação que implicasse num aprofundamento do "engajamento
educativo" e social da clientela dos programas. Utilizando o mo-
delo organizacional norte-americano, os programas de desenvolvi-
mento comunitário serviriam à "democratização fimdamental" da
sociedade na medida em que deveriam estimular a participação da
população ao nível da comunidade local. Peritos da UNESCO bus-
caram mesmo desenvolver uma metodologia de trabalho que fosse
adequada aos países subdesenvolvidos e centros úitemacionais fo-
ram criados para a preparação de pessoal que levasse adiante tais
programas nos diversos países. O fracasso destes, no entanto, evi-
denciou-se de forma pelo menos tão rápida quanto aquele das cam-
panhas: a mudança social imposta de fora em comunidades cujo
dinamismo interno era escasso mostrou ser mn objeto inatingí-
vel através de uma ação fimdamentalmente pedagógica. Iniciaram-
-se, então, as tentativas de inserir tais programas em projetos de
desenvolvimento econômico.
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(o "social demand approach") ele se torna cada vez mais irnia ma-
neira de abordar de forma tecnocrática os problemas educacionais,
especialmente quando se pretende utilizar o "man power approach"
nos países capitalistas. A discussão sobre o relativo fracasso dos
planos educacionais e do fôlego de sobrevivência do "planejamento"
como proposta orientadora na formulação e reformulação dos
programas e dos sistemas educacionais excede os Umites deste
trabalho. Ele continua a ser, porém, uma das propostas mais
atuais do organismo internacional, ao lado da educação permanente.
Esta parece, por seu lado, ser o seu complemento. Enquanto o
planejamento educacional pretende obedecer a tuna estrita raciona-
lidade econômica e funciona como uma tecnologia social, não colo-
cando em questão os modelos sociais, políticos ou econômicos a
que servem e apresentando-se como uma tarefa de tecnocratas, a
educação permanente parece pretender também recuperar a tra-
dição das propostas pedagógicas voltadas para objetivos político-
-sociais. Ela responde a exigências colocadas pela economia e seus
teóricos estão penetrados pela. preocupação de planificá-la, torná-la
economicamente adequada; mas na sua apresentação e na sua
discussão se incorporam os ideais de democratização da cultura
que tanto marcaram a história do organismo internacional que a
promove. A educação permanente, aparece, assim, como uma ideo-
logia pedagógica que sintetiza exigências aparentemente contradi-
tórias: ela recupera certas preocupações democráticas ao mesmo
tempo que preserva aquelas típicas da tecnocracia.
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