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(Jodo Tadleu de Andiade ¢ Professor Dovtor do Mestrado em Poltcas Poblicas e Sociedade da LUECE. E-mail: liviacape@yahoo.com.br. Fernanda Bezerra Lopes 6 Academica de Ciencias (da: UECE. E-m jtadeu@uace br Livia Carneiro Poraira & Academica de Madi Sociais da UECE. E-mail: nandabrl@hatmail.com Joao Tadeu de Andrade Livia Carneiro Pereira Fernanda Bezerra Lopes* Humaniza SUS em Fortaleza: avancos e obstéculot na Atencdo priméria em sa "Neste artigo se anaisa a condugio da Polica Nacional de Humanizacio 1 Atencio Priméria, ressaltande avancos ¢ abstéculos akcancados a partir de estudo salizado em Contros de sadde da familia na rede municipal de Fortalezo, 1amos, na otica de profissionals e gestores, diversos aspectos relatives 0 gesi60, participacdo e humanizacdo das unidades da saude, efetvande uma ‘sbordagem comparative com os principios basicos da Humanizogao. ntrodugao © tema da humanizagdo em satide emerge na atualidade diante da necessidade de methoria efetiva dos ambientes terapéuticos a partir dos princfpios da integraidade da assisténcia, eqiidade e partcipagio social. Aspectos como é lado também sao pontos importantes nessa questio, pois a dignidade humana ¢ 0 acolhimento em todos os servigos estao vineulados as ccondigées em que os protagonistas das agdes de save encontram-se envolvidos. Em face de realidades em que se observa a caréncia de atengao ¢ euidada humanizado, Ministério da Satide propés. em 2003, a Politica Nacional de Humanizagio —PNH, conhecida também por Humaniza SUS, Tal politica foi s de concebida para aluar de maneira transversal no conjunto das pritic © poblico © © privade = N° 10 - Jutho/Derembro - 2007 177 Humanizacio, Atengao priméri, Seve da fer, (et atigo em por base porgulns finan: cada poo Ministrio da Side © Organizacio Panamericana de Sada, stra do Obucratio (e Recursos Humanos fm Sade ~ Fstagso Cearé © do Grupo de Peaquisa Edveagio Side Caleta da UECE. 178 ° Sistem de rflxéneta Assad don proce tos encaininhedos pelo atendimento de Teferéncia (elinics owt te). Jodo Tadeu de Andrade, Livia Corneiro Pereira e Femande Bazerra Lopes atengio e gestio da satide, buscando atingir as diferentes agées ¢ instincias do Sistema Unico de Sadde — SUS, Isto implica na produgio de sade de forma solidéria e comprometida, valorizando aspectos subjetivos, qe possam ser exprossos em atitudes e agGes humanizadoras na rede SUS, envolvendo os sujeitos principais desse censo: gestores,trabalhadores de side wstsrios. A proposta de humanizagao do SUS esta voltada para a construgio de novos ‘modelos de atuago nos campos da gestio e atengio dos servigos, nfo apenas em diferentes Areas da satide, respeitando-se uma pluralidade de saberes. ‘Tem-se, portanto, o objetivo de desenvolver processos de gestao participativa que contenham, de forma contributiva, mecanismos de controle social e que sejam estruturados canais de comunicagio direta com a comunidade. Também se destaca o estabelecimento de processos de trabalho que priorizem a atuagao de equipes multiprofissionais, capazes de gerar vinculos com os usuarios € de assumirem a responsabilidade pelo acompanhamento de seu tratamento. Reconhece-se, no entanto, que apesar dos avangos acumulados no que se refere aos seus prinofpios doutrinérios, 0 SUS ainda enfrenta problemas, como a fragmentacao do procesto de trabalho ¢ da relagao entre os diferentes profissionais: o despreparo dos profissionais de satide para lidar com a dimensao subjetiva; o uso de um modelo de atengao centrado na relagao queixa-conduta; a fragmentagao da rede assistencial dificultando a / baixo investimento na qualificagao dos trabalhadores, especialmente no que se refere & gestio participativa e ao trabalho em equipe: a formacao de profissionais de saiide distantes do debate ¢ da formulacio da politica piiblica de satide ¢ 0 frégil controle social dos processos de atengiio e gestio do SUS (BRASIL, 2004), complementaridade entre a rede bésica ¢ o sistema de referéne: contrareferéncis E oportuno destacar que a rede SUS tem uma densa capilatidade social na medida em que se faz presente na Atengio priméria, nos circuitos municipais. Entendida como “porta de entrada” do sistema piblico de satide, a Atengio priméria configura um nivel de cuidado formal em satide que diz respeito a “problemas mais comuns € menos definidos, geralmente em unidades comunitirias como consultérios, centros de saiide, escolas ¢ lares” (STARFIELD, 2002). Ela é menos intensiva, tanto em capital quanto em trabalho, oferecendo servigos de prevengio, cura e reabilitagao os quai de regra, nao exigem complexidade profissional nem densidade tecnolégica, como ocorre, por exemplo, nos hospitais.E neste nfvel de atengio em que opera © Programa Saiide da Familia - PSE. em torno do qual as demandas primarias se dio em face da presenga da equipe multiprofissional e da unidade do SUS, Humaniza SUS em Fortaleza: avangos # obstéculos na AtangGo primiria em sadde Neste artigo, desenvolvemos uma andlise dos principais obstéculos ao sucesso da PNH, assim como ressaltamos os avangos aleancados a partir da {mplementagio dessa politica, de acordo com a pesquisa realizada em Centros de sate da familia da rede municipal de Fortaleza. O intuito desta reflexao € examinar, na ética de profissionais e gestores, diversos aspectos como gestio, participagao e humanizagao, e realizar uma abordagem comparativa com os prinefpios hasicos presentes na PNH, Metodologia © procedimento metodolégico foi de caréter exploratério, com estratégia quantitativa © qualitativa na produgao e anilise dos dados. Foram associadas observagies de campo. aplicagao de questiondtio junto a usuérios, condugao de entrevistas individuais e grupos focais com servidores, no perfodo de dezembro de 2006 « maio de 2007. Também foi empreendida uma pesquisa documental com as politicas oficiais de Humanizagao, nas esferas federal, estadual e municipal. A pesquisa de campo deste estndo ficon circunscrita a oito unidades de Atengao primétia de satide da rede municipal de Fortaleza, atualmente denominadas Centros de Savde da Familia ~ CSF, Para lise dirige tum grande nvimeto de usuarios diariamente em busca de servigos, resultados de cexames einformaglo, oriundos muitas vezes de bairros fora da rea de cobertura daquele CSE. As unidades pesquisadas localizam-se nas Secretarias Executivas Regionais ~ SER I III, IV, V ¢ VI. Em cada uma delas, por ‘mecanismo de sorteio, foram identificados dois CSFs para o trabalho de campo. No presente artigo fazemos uso de dados qualitativos oriundos da consulta os trabalhadores em satide das unidades escolhidas, como igualmente de observagies empiricas feitas nos CSFs investigados, O exame destes dados foi realizado a partirda técnica Anilise de discurso, conforme orientam Bauer © Gaskell (2002), ¢ Minayo, Assis e Souza (2005). Para efeito da anélise, foram destacadas categorias relevantes nas falas dos sujeitos consultados, ‘bem como categorias resultantes do quadro tedrico constratdo. Humanizagéo como politica transversal na rede SUS: proposigoes, agées e acompanhamento 0 propésito de humsnizar pressupée a valorizagao de diferentes sujeitos para se obter uma maior qualidade de vida no processo de produgio da satide. Entretanto, devemos reconhecer que nessa érea encontram-se muitas caréncias relativas as condigGes exigidas pela concepgio, organizagao e implementagao do cuidar em satide, sendo fundamental a qualidade da atengio prestada, Tal qualidade diz respeito, de maneira liscussio sobre a eficiéncia © © poblico © © privade = N° 10 - Jutho/Derembro - 2007 179 180 Jodo Tadou de Andrade, Livia Camsiro Poreira o Fomanda Bozorra Lopes indissociével, ao emprego de tecnologias, saberes © recursos disponibilizados num contexto singular: do encontro entre quem sofre, sejam individuos om populages, e aqueles que se dedicam a mitigar este sofrimento, 05 profissionais de satide, gestores ou téonicos (DESLANDES © AYRES, 2005: OLIVEIRA, COLLET E VIEIRA, 2006). Esta orientacio € reforgada no exame que Machado ¢ outros (2007) fazem com relagio & integralidade no agir em sade. Isto significa wna assisténcia fundamentada na articulagio de todos 0 passos da produgio do cuidado, evitando- fragmentagao do processo satide/doenga, Neste ponto a énfase recai sobre cestratégias que favoregam odidlogo, a troca ea transdisciplinaridade de saberes formais e ndo formais (MACHADO e OUTROS, 2007: p. 3: Em uma perspectiva pragmética, A PNH trabalha visando a consolidagio de alguns objetivos ou marcas especificas: redugio das filas de espera com ampliagao do acesso ¢ atendimento acolhedor e resolutivo; os ususrios do SUS tm 0 direito de saber quem sio os profissionais que cuidam de sua satide; as unidades de satide devem garantir as informagdes ao usuario ¢ preservarem eeus direitos contidos no Cédig dos usuarios do SUS (CEARA, 2004a); as unidades de satide devem garantir gestao participativa aos seus trabathadores ¢ usuarios, assim como educagao permanente aos servidores. ‘Com ages para oalcance dessas metas, a PNH pretende rompercom pritica tradicional de gestao e atencAo, ou seja aquele modelo verticalizado, autoritério, organizado em tomo da fragmentagao de procedimentos médicos, ¢ ampliar o diélogo entre os profissionais, ¢ entre estes ¢ a populagao, promovendo a gestio participativa. A gestio com participagao, conforme os prinefpios do SUS, implica em se respeitar a privacidade e promover a ambiéucia acolhedora e confortavel que viabilize a partcipagao dos trabalhadores nas unidades de satide. Isto constitu’ ‘uma das formas de intensificar ages de incentivo e valorizagio da jomada integral no SUS, do trabalho em equipe c da participacio em processos de edueagao permanente que qualifiquem sua ago e sua insergo na rede de assisténcia (BRASIL, 2004), Significa também construgao de espagos coletivos em que se da a anélise das informagoes e a tomada das decisdes. Nestes espagos estao inclufdos a sociedade civil, o usuario e seus familiares, 0s trabalhadores e gestores dos servigos de satide (CEARA, 2004). Ainda segundo a PNH (BRASIL, 2004), existem alguns parametros para 0 acompanhamento da implementagao dessa politica na atengao hasica. Sao cles: elaboragiio de projetos de satide individuais e coletivos para usudrios © |Humaniza SUS em Fortaleza: avancos e obstéculos na Atengée priméria em sadde sua rede social, considerando as politicas intersetoriais ¢ as necessidades de neentivo as préticas promocionais da satide, de acolhimentoe incl do usndrio de maneira que se promova a otimizagao dos servigos, o fim das filas a hierarquizagio de riscos eo acesso aos demais niveis do sistema efetivadas. Deslandes (2005) nos mostra que para haver o resgate da humanidade do atendimento deve-se ir também contra a violénei seja ela material ou peicol6gica, que se expressa em maus-tratos fisioos e verbais, seja simbélica por meio de énfase em comportamentos esteriotipados e em estigmas soci Humaniza SUS nas agées de sade em Fortaleza trabalho de humanizagao implementado pela Prefeitura Municipal de Fortaleza PME, de 20085 até o presente ano, baseia-se na PNH. Esta Politica tom sido referénoia central nos encaminhamentos estaduais e municipais das agaes de humanizacao, como igualmente pega de anélise de especialistas © planejadores, Suas diretrizes © pressupostos enquadram-se em um esforgo nacional para o desenvolvimento das ages de sade. Ente os diversos postulados fundantes da politica nacional de humanizagao, cchama-se a atengao para seus “princfpios bisicas” nos quais podemos destacar a valorizagio da dimensio subjetiva e social em todas as praticas de atengio € gestio no SUS, que consolida © compromisso com os dircitos do cidad: fortalecimento do controle social e apoio a construgio de redes cooperativas, solidrias e comprometidas coma produgao de save e de sujeitos (HUMANIZA SUS, 2005). No que se refere particularmente & atengao priméria, a politica nacional destaca “o ineentivo as priticas promocionais de sadde” de acolhimento inelusao do usustio que promovam a otimizagao dos servicas”. ‘ormas No que diz respeito ao municfpio de Fortaleza, a politica local de humanizagao tem sido coordenada pela Assessoria de Planejamento da Secretaria de Satide, em articulagao com a Coordenagao da Atengao basica e com as Secretarias Executivas Regionais—SERs. A estratégia central de agées de humanizagio, na atual gestao municipal, se fundamenta na consideragao de que a hhumanizagao é uma “politica estruturante e de educagao permanente”. ‘A methoria fisica da rede e sua integragao, como também a humanizagao da atengao e da gestio sio estratégias que dizem respeito a varias agies simultaneas, tais como: elaborar mapas de risco dos ambientes de trabalho, estimular gestdes compartilhadas (por meio de rodas de conversa), fortalecer as redes de satide (entre a atengao priméria e o sistema hospitalar), promover o acolhimento por classificagao de risco ¢ intensificar © poblico © © privade = N° 10 - Jutho/Derembro - 2007 181 182 4030 Tadeu de Andrade, Livia Carneiro Pereira @ Fernanda Bezerra Lopes ‘uso do Posse Ajudar? (projeto voltado para o atendimento ao piiblico), no ordenamento do fluxo dos pacientes, entre outras medidas. De acordo com posicionamento dos gestores da Secretaria de Sade de Fortaleza, o euidado com a subjetividade é central, se mostrando nas agdes voltadas para o acolhimento. Isto é fundamento do propdsito de “assegurar ampliagio do acesso e cuidado integral e resolutivo” das agées da PNH. ‘eremos que o acolhimento, por exemplo, constiti uma das estratégias centrais da humanizagao nos CSFs, as unidades de atengo bésiea do munietpio. Em sintonia com este principio, podemos absorver como reflexio que: (.») onde nao ha SUS, humanizar é instalé-lo. Onde ha SUS, humanizar € aperfeicod-lo, radicalizando sua cexperiéncia democratia e tomando-o apto ao acolhimento da subjetividade, (SMSF, 2005: p. 17) Deste modo, a humanizagdo significa preferencialmente uma ago sobre as subjetividades — de gestores, servidores © usuérios da rede -, implicando necessariamente uma transformagio pessoal e coletiva. Deve ser, pordecoré gia, uma adesdo voluntaria e ativa, uma vez que, por prinefpioético, ela jamais poderia ser uma convocagao autoritéria ou hierdrquiea para tal mudanga, Exame dos dados Ainda que apresentem diferencas entre si (quanto a tumos de funcionamento, niimero de equipes do PSE quantidade de usuérios cadastrados, instalagies fisicas, entre outros itens), as unidades avaliadas mantém certas caracterfsticas ¢ organizagio espacial semelhantes. Observando a ambiéncia dos espagos terapéuticos, ela se constitui no entomo fisico, profissional e de relagies interpessoais que deve estar relacionado a um projeto de savide voltado para a atengio acolhedora, resolutiva e humana. Nos servigos de satide, a ambiéneia é mareada tanto pelas tecnologias médicas ali presentes quanto por outros componentes estéticos ou sens{veis apreendidos pelo olhar, olfato, audigao, ‘como, por exemplo, a luminosidade e os rufdos do ambiente, a temperatura e a decoragao (BRASIL, 2006). Um aspecto que deve serdestacado é de que: (..) 0 problema em muitos locais é justamente a falta de ccondigdes técnicas, seja de capacitagao, seja de materiais. ¢ toms-se desumanizante pela ma qualidade resultante zo atendimento e sua baixa resolubilidade, Essa falta de 183 Humaniza SUS em Fortaleza: avangos © obstaculos na Alencio priméria em sabde condigées técnicas © materiais também pode induzir A desumanizagao na medida em que profissionais ¢ usu se relacionem de forma desrespeitosa, impessoal ¢ agressiva, piorando uma situagio que ji 6 precaria. (DESLANDES e AYRES, 2005: p.510) Nas unidades observadas, a maioria passou por reformas e/ou melhorias em seu espaco fisico, Entretanto, considerando a elevada demanda de usuérios por servigos ¢ atendimentos pelas equipes de satide da familia, as estruturas fisicas dos centros de satide continuam limitadas, desconfortiveis, ¢ com necessidades urgentes de ampliagio e/ou reorganizagio, bem como descentralizagio de suas instalagées ¢ comodidades. As condigées restritivas de infra-estrutura na maioria destas unidades também afetam 0 conforto € a comodidade no atendimento das criangas, que nao possuem espagos para € a circulagio de portadores de necessidade especiais ¢ idosos, ja de rampas ¢ estruturas de acesso, em alguns casos. Além disso, importante observar na ambiéncia 0 componente afetivo expresso na forma de acolhimento, na atengao dispensada ao usuétio. O acolhimento refere-se a recepgio do ususrio, desde sua chegada, tratando integralmente dele, ouvindo sua queixa, permitindo que ele expresse suas preocupagoes, angiistias e, ao mesmo tempo, colocando os limites necessérios, garantindo alengio resolutiva e a articulagio com os outros servigos de saiide para a ccontinuidade da assisténcia (BRASIL, 2006). propssito,o aspecto propriamente estético da ambiéncia deve ser realgado aqui, pois ele favorece ainda mais um ‘elima” de recepgio¢ euidado. Isto se manifesta nos cartazes com mensagens positivas, na mifisica ambiente, na exposiglo dos aniversariantes do més, na decoragio aconchegante, na pintura das paredes. Em uma das unidades visitadas, encontramos 0 uso criativo de mensagens na parte inferior dos receitudrios. Algumas delas dizem: “Sempre que houver um vazio em tua vida, cenche-o de amor” on “Amar é ver tudo o que Deus fer e faz, e agradecer”. Este umaspecto que integra, a nosso ver, um ambiente humanizado, sendo exemplo concreto da prépria orientacio da PNH (BRASIL, 2006; SMSF, 2005). A atengao dispensada ao usuario € o fundamento das agdes desenvolvidas nestes espagos terapéuticos. 0 “Acolhimento com Classificagio de Riscé ACCR est sendo implementado como proposta de um potente reorganizador dos processos de trabalho, resultando em maior satisfacio dos trabalhadores € usuérios, com conseqiiente aumento da resolubilidade dos servigos (BRASIL, 2006). 0 projeto “Posso Ajudar?”, cujos funcionérios s40 terceirizados, implantado recentemente na recepgao dos Centros de satide, © poblico © © privade = N° 10 - Jutho/Derembro - 2007 184 Jodo Todeu de Andrade, Livia Carneiro Pereira e Femanda Bazexta Lopes soma esforgos no sentido de methorar o acolhimento,o fluxo de informagées os encaminhamentos dos usudrios aos servigos demandados. A comunicagio sinalizagao das atividades desenvolvidas pelas equipes de Satde da familia estio presentes nas ages do projeto, facilitando o acesso dos usuérios desavisados c/ou com pouca instrugio. Neste processo de acolhimento ¢ ‘humanizagao em servigos, outros agentes pertencentes a rede de profissionais s4o referencias para a comunidade, Muitas vezes, profissionais mais antigos jou aqueles mais ouvintes dos anseios queixas do usuério em atendimento, io necessariamente de nfvel superior, representam importantes interlocutores centre a comunidade e os centros de savide da familia, No que diz respeito aos servidores, os CSFs, na sua maioria, nao dispaem de equipes do PSF completas. Isto evidente causa dificuldades no atendimento, como sobrecarga dos profissionais em atividade, aumento das filas ¢ insatisfagio dos pacientes. No caso dos usuérios, hé unidades que contabilizam em média 1,000 atendimentos/dia, © que s6 & possivel com o funcionamento de trés tumnos de trabalho. Hé, entretanto, situagdes mais graves, como uma outta unidade. que possuii 40.000 usuérios eadastrados © realiza 3.400 atendimentos/més, sendo também em trés turnos, apresentando grandes filas no periodo notumo. Por sua vez, 0 néimero de funeionsrios nos CSFs é variavel. Hé unidades com 50 servidores, algumas Entre estes, persiste uma quantidade signific ‘teroeirizados, o que tem gerado problemas para os gestores, a que sua condigo trabalhista os coloca em situagio desvantajosa. No discurso da rotina de trabalho destes profissionais também é poss{vel perceber o atendimento diferenciado no desenvolver de suas agdes profissionais, ¢ mesmo as multitarefas, dentro de um quadro de earéncia de pessoal. Como auxiliar de enfermagem eu t6 hd 27 anos, mas aqui no posto hé 25 anos. Aqui eu fago de tudo. Aqui eu fago acrossol, vacina, curative, fico na sala de prevencio, ausilio aqui se faltar alguém aqui na farmécia o,as vezes, fice Ié pela coordenagio, dando uma maozinka na coordenagio, quando necesséio. Fico no SAME, fago aprazamento, fago 0 que for preciso para nao prejudiear 0 servigo. O que falta aqui, 0 que for necessério, eu me apresento ¢ chego junto. As vezes eu fico no SAME, aprazando exames, agendando e entregando exames. Sio cessas as minhas alrbuicdes aqui. (..) eu som até meio |Humaniza SUS em Fortaleza: avangos ¢ obstéculos na AtengGo priméria em sadde suspeita pra fazer isso, sabe, porque eu mesmo jé fiz muita coisa aqui que nio é de minha competéncia. E eu resolvi, procurei resolver. (Ausiliar de enfermagem) A localizagao dos centros de satide pesquisados é considerada de facil acesso para a populagao atendida, na sua maioria em bairros de classe média ou da periferia de Fortaleza. No entanto, sio comuns atendimentos de usuétios pertencentes a outras éreas de cobertura, que nao tém acesso A rede de satide emseu baino residencial. Muitas vezes, faltam centros em reas de riseo e/ou bairros populosos da grande capital, afetando, sobretudo, a populagao de baixa renda, carente dos servigos bisicos em sade. Em acréscimo, a poluigao sonora é bastante significativa nestes ambientes terapéuticos, 2 depender da orzanizacio do servico de acclhimento inicial e recepgdo (Posso Ajudar e SAME), do uiimero de atendimentos, especialmente de criangas, ¢ da proximidade ou nio de ambientes barulhentos, tais eomo cescolas, fébricas on ruas com transito intenso, Por sua vez, a questao da seguranga é um aspecto intrinseco @ realidade destas unidades de satide, sendo tema para debate junto aos usuarios € profissionais. Medidas como retirar grades de protegao das janelas e placas de vidro em ambientes de recepgao e farmécia, foram tomadas com intuito de promover una maior proximidade e sensagdo de confianga entre os sujeitos envolvidos. Este sem diivida é um item acentuado pelas reflexdes sobre a relagao paciente/terapeuta (CAPRARA e FRANCO, 1999) e mesmo pelas indicagGes das politicas locais de humanizagao (SMSF, 2005). No entanto, a presenga de guardas minicipais é solicitada como necessidade de prevengao de ovorréncias indesejadas, considerando os freqiientes relatos de episédios com diseussées ¢ furtos nas unidades pesquisa A centralizagao na tomada de decisdes ainda é uma forte marca na geréncia destas tmidades, considerando, ainda, que sio paucos os Conselhos locais de satide em pleno funcionamento, 0 trabalho de coordenagéo atua no sentido de estabelecer prioridades no campo de interesses de usuarios, profissionais de satide e gestdo administrativa, Interesses individuais e coletivos so ressaltados a depender do perfil de cada gestor por unidade. ‘Nos Centros de satide pesquisados, os representantes do Conselho local de satide, sobretudo usuarios. nao participam, ou part id embriondria, dos espacos de discussao sobre o acompanhamento e avaliagio das agGes desenvolvidas, Em parte das unidades visitadas, o que encontramos sm de forma t © poblico © © privade = N° 10 - Jutho/Derembro - 2007 185 186 Joo Tadou de Andrad, Livia Carneiro Pereira © Femanda Bazorra Lopes {oj a falta de mobilizacdoe iniiativa da comunidade para exercer esta paticipaglo. Por sua vez, o servico de Ouvidoria é centralizado nas unidades administrativas dda gestio municipal, ou seja, nas Seoretarias regioais. Os modos freqitentes de expressar reivindicagdes nos CSFs sao feitos através de contatos com a coordenaglo, diretamente no baledo, ou por meio do uso de caixas de sugestio, Diversos motivos sto mencionados como agentes causadores desta desmobilizaglo, dentre eles, dificuldades de interlocugao com liderangas comunitarias € interferéncias de agentes privados ¢ religiosos na construgio coletiva. No que diz respeito as formas de discriminagao e violéncia simbélica eventualmente presentes no ambiente dos CSFs, constatamos relatos de discriminagio verbal, isiea, racial e contra ofuncionalismo pablico. Em alguns casos, também soubemos de episédios ~ ainda que menos freqiientes ~ de discriminagao associada ao porte de uma determinada enfermidade. Outras ‘modalidades de violéncia so apontadas como as advindas de situagies res conflitivas ou de aleoolismo, transpostas para a unidade. Contudo, zna maioria dos relatos predomina uma negagio de ovorréncias de discriminagio, ‘como aquelas apontadas pela politica de humanizacao (HUMANIZA SUS, 2005). ‘Todavia, esta percepeao é confrontada pela opiniao dos usustios, que destacam trés modos significativos de diseriminagao —e de violéneia simbéliea -, que sao: por abuso de autoridade, por orientagao sexual e por enfermidade. Em _uitos relatos dos servidores ouvimos negativas enfiticas da inexisténcia de discriminagées, o que contrasta frontalmente com os informes dos usuarios. De acordo com Deslandes (2005), esse é um aspecto crucial, pois resgatar a fami Inumanidade do atendimento ¢ ir contra a violéncia, seja ela fisica e psicolégica, cexpressa nos maus-tralos, seja simbélica, na forma de frustragdo de demandas c expectativas do usudrio, ow nas modalidades acima indicadas. De outro lado, as situagdes de desconforto didrio ¢ de tensio entre os usurios — 0 que ocasiona reclamagoes ¢ queixas freqiientes — se originam na organizagio e tempo de espera da fila. Tida como um dos gargalos do acolhimento, a fila tem sido objeto de varias providéncias para facili atendimento da populagao. A classificagao por risco,o uso do “Posso Ajudar”, o trabalho das enfermeiras selecionando pessoas estao entre tais estratégias «que sii, de fato, positivas, Mas problemas sérios ainda persistem: A nossa rotina aqui de trabalho éatender certo da melhor maneira possivel 0 usuério. Acolher, dar os devidos encaminhamentos (..) O ponto crucial de deficiéneia dentro da minha unidade se resume na fila de espera, que 0 consultas especializadas com 0 newrologista, como 0 traumatologista ..) entto isto que dificulta. (Enfermeira) Humaniza SUS em Fortaleza: avancos # obsticulos na Atencio priméria em saude Quando surgem as vagas, 0 paciente muitas vezes nao sabe, mas agente vé aqui na fila de encaminhamento os pacientes que estao aguardando, Af agente vai e consegue marcar: Ou entio o proprio sistema marca, Marca nio. cles pré-agendam, é a chamada fila de espera. Se 0 ppaciente naquela semana chega na unidade ena verdade a consulta dele esta pré-agendada ele consegue. nitas veres, nao. Ele vem uma semana, duas ¢ ndo consegue (..) ele deixa de vir. (Coordenadora) fila concentra diversos problemas, pois elas se alongam também em virtude da realizagio de exames laboratoriais ou mesmo do atraso (ou falta) do profissional de satide ao expediente. H4, entretanto, ages criativas como 0 acolhimento meia-hora antes da abertura do expediente, quando os profissionais ja fazem uma selegao encaixando as pessoas nas devidas prioridades. Em uma das unidades, por exemplo, instituiu-se o “Revadinho do coragao”, sendo uma mensagem enviada aos pacientes pelo agente de satide que vai até residéncia dos usuarios, confirmando o pré-agendamento da consulta. elo que se observou nas unidades, os desconfortes relatives a discriminagio, violéncia, filas longas, atraso de exames ou de medicamentos (0 que pouco verificamos em nossas visitas) sfo atenuados por uma série de medidas que podem ser elassificadas como de humanizagio. Genericamente, elas dizem respeito a oferta de servicos de infra-estrutura como areas com televise banheiros, bebedouros e equipamentos de lazer para as eriangas. Ha de se observar que muitos destes ambientes por vezes carecem de ventilagao e de silencio, necessérios a uma instituigao de satide. Por outro lado, ages de ccunho participativo sao estimuladas, como grupos de idosos, grupos catélicos de oragao, festas populares (dia das criangas, das mies, dos pais), dias de vacinagio, rodas de conversa, prémios ¢ concursos, dentre outras atividades de educagdo em satde. Percebemos aqui que esse envolvimento de ususrios, gestores e scrvidores, liderado estrategicamente por coordenadores subcoordenadores das unidades, se alinha aos pressupostos da politica de humanizagao, particularmente no que diz respeito a gestao participativa (HUMANIZA SUS, 2005). Ha depoimentos que afirmam: “sem participagao, nih humanizagao”. Mas também os servidores alertam que “para humanizar ‘mesmo tem de comegar dando condices aos funcio Conforme os relatos dos servidores, observamos diversos sentidos para a Inumanizagao dos servigos de satide. Expresses variadas (“viver ben’ “reconhecer a necessidade de cada um”, “atender sem diseriminagio”, © poblico © © privade = N° 10 - Jutho/Derembro - 2007 187 188 Jodo Tadeu de Andrade, Livia Comeiro Pereira Femanda Baxera Lopes “participagao “conscientizaga “orientar da forma mais humana poss{vel") estéo presents nas perceposes que «8 fimeiondrios vém tendo acerca da politica de humanizagao em curso. Esta polissemia de sentidos vai ao encontro de uma das conceituagses de Ihumanizacio definida por Deslandes (2004), ou seja, capacidade de oferccer atendimento de qualidade, combinanda tecnologia ¢ relacionamento interpessoal, criando uma parceria exiativa entre a eefera subjetiva (dos relacionamentos) © 0 dominio tecnolégico (dos processos, comunicacao, . Acesso em: O de outubro de 200% BRASIL. Ministério da Satide, Secretaria de Atencio A Satide, Nieleo Técnico a Politica Nacional de Humanizaco. 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