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\ ·-.-~vtuntuísmo, neologismo tirado pelo '
,--. rn tonleste livro, da palavra Muntll (~essoa na
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- ---lfngüa bantu ), se propõe corno denominação de
('_ --um modelo teórico de -"personalismo africano" .
(" -- \ corrente do personalismo, notoriamente
_Jançada na França. na primeira metade do
t. ·_ século passado por Emmanuel Mounier,
( -· mcontra o seu habitat mais natural na cultura
·;_~fricana que· é essencialmente personalista,
\ . : enquanto se sustenta sobre os três pilares desta
(" ·:: orrente: pessoa, comunidade, Deus. No
· ')ciden te, estes pilares desmoro_naram: Delis já
( _ , morreu (executado pelas instâncias nülistas e
e ' ) ositi:distdas écla conbt_edmporanleidade); a
-- ,omuni a e _ cónce i a preva entemente
( > ~orno espaço de reivindicai;:ão dos direitos
( ' ' .ndividuais (no sentido da filosofia marxista ou i
--"~ losofia da praxe) e. á pessoa é. reduzida ao
( _indivíduo s_em nenhuma <limensil.o
(" ' ,ranscertdental, sufocado na sua finitude (do i
·· -reconceituoso fechamento da cultura à ideia f.
,.
("_ '.rle Deus ficou consequentemei1te ' também i:
(' 1 ~ - .echado b acesso à verdade da pessoa).
-- ) Muntuísmo, a diferença do ubuntuísmo e do

( _ _J_1antufsmo , que ac·entuam mais a dimensão ' i'


( ~ornunitária; coloca no centro o Mi:mtu o qual
_,__ ao desaparece . diante da comunidade (o
\ _'. "0111\Jnitarismo africano é muitas vezes um
( '-~ugar comum conttadito pela realidade) e nem
:- lante ele Deus (lembrar que os · africános
(' ·--·hegaram ao monoteísmo antes dos gregos e 1
'1
l ~romanos!), mas ei1contra propriamente a sua i
·. "erdade plurimilenaria na dimensão horizontal
1

( ----, vertical da sua existência. Uma rryaior énfase


( • _cJa centr.alidade da pessoa em relação à
r i · ,omuni'.d ade , 11oderá marcar uma nova
1 j ~linámica no cJ esenvolvimento da "humanitas"
/; ~~ricana. -
: i arn (fyiuntu) because l believe (Deus) ahd I
e 1
:--'ove (ComunicJade)": é o aforismo que melhor
e i/~intetiza os três pilares do muntufsi:rio, ou seja,
1
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Ezro LORENZO BONO

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MUNTUÍSMO
A IDEIA DE PESSOA
NA FILOSOFIA AFRICANA CONTEMPORÂNEA

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ÍNDICE
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( . , ABSTRACT ..... ...... ............. ... ... .... .... .... .... ..... .............. ...... ... .. ..... ........ ....'( .. ..... .. .. 9
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SUMÁRIO .... ... .. ..... .. ... ...... .. ... .. ...... .. .. ... .. .... ...... ... ...... ... ......... .. ..... ........... .i ... .... .. . 11
Título original : L 'idea dipersona nella Filosofia africana contemporanea - 1 il ! :
INTRODUÇAO .. ..... ........... ..... .......... .. .. ....... .. .. .. .... .. ... ............ .... ... ...... .. ..... .. ..... 13
e (Tese 'de.fendida no curso de doutoramento em Ciências
Pedagógicas, na "Universitá degli Studi di Bergamo" - Itália)
- , - das ldeias
H1stona - ............. ... ...... ....... .......... .. ..... .... ............ ... .. .. .. ... ... ..' .... .11. .........
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19 ili i.
( 1

Título: MUNTUÍSMO Pessoa ("Muntu"): da etnofilosofia às teologias .... ..... .... .. ... ............ .. .. ... ..!.. ...:.... 19 iti
r A idei'a de .Pessoa na Filosofia Africana Contemporânea
1 a) Placide Tempels (Muntu =Pessoa como Força Vital) .. ..... ............ .. .....:... ....... 19
1. 1 '
il:
( ; ~~-,
Autor: Ezio Lorenzo Bono
1
b) Alexis Kagame (Ser de Inteligência) ... .......... ...... ..... .... ..... ... .... ... .'. .... J.......... 34 1\ :
( / ~
Tradução: Jofred'ino L. Faife
( 1 ,-. Revisão: Danif9 Chutumiá e) Vincent Mulago (Ser como união vital) ................. ................ .. .. ...... ... ).. .... .. .. 47 ; ~··

.J . . ... . 55
111 ·1:

Edição: Editora Educar 1Series Maxixenses - UP - Maxixe (UniSaF) d) Jean Marc Ela (Ser oprimido) ....... .. .... ...... .. .... .......... .......... ..... ..... ... ..
() 1 1 i! ! 1

''
(" 1 .- e) John Mbiti (Ser ontologicamente religioso) .. .......... ........... ... .. ...... .... .. '. ...... .... 65 .,
1

Capa: Nelson Américo Uate - NESESTUDIO


r.· Arranjo gráfico: Nelso~ Américo Uate - NESESTUDIO
1 1
f) Menkiti Ifeany A./ Kwame Gyekye (Ser comunitário e Ser pessoal) ..:..... ..... 87

( J '\ Acabamento e impressão: NESESTUDIO g) Fabien Eboussi Boulaga (Ser em crise) .............................. .. ............... :.... .. .. 100
( 1 h) Filomeno Lopes (Ser de comunicação) ............ .. ................. ... .... .... .. ... :... ..... 116
( _ ,--·-. Nº de Registo: 7066/RLINLD/201 l i) Severino Elias Ngoenha (Essere soggetto della storia) .. ......... , ... ... .... .. !... ..... 127
( _,....""\ ISBN: 978-1 ~63173-100-6
j) José Paulino Castiano (Ser de lntersubjectivação) .... .. ... ........ .. ............ ! ........ 140
i
Ci Palabre com "sábios" africanos .. .. ..,..... ., .. ...... .. ... ................. .. ... .. ... ........ ....·...... .. 157
.~
( . A ideia de pessoa na cultura dos Vatonga, Vathswa e Vacopi ..... .. .. ....... \.. .. .... 157
r
r e,,, 2014 Todos os Direitos reservados a Universidade Pedagógica de Moçambique por Editora
a) As línguas bantu . .......................... .. .\.i .. .. .... .. ... .... .... ....... .... ... ........ .. .... .~ .....:... 158
~

\ )r '1car. 1
b) A cultura dos Vatonga: Amaral Bernardo Amaral. .. ...... ... ...... .... .... ...... .... .. . 160
( ,
c) A cultura dos Vathswa (ou Mathswa): Francisco Lerma Martinez ...... .. ...... 173
(' 1
d) A cultura dos Vacopi (Changana/Chope): Adriano Langa ............ ... .. ........ .. 184
e e) A metodologia da Sage Phisophy ........... .. .......... ............ ... ........ .. .............. .. . 189
( ) -- ;

2. Compêndio das entrevistas com duzentos sábios dos povos Vatonga,


(
Vathswa e Vacopi ... .. ........ .. ..... ... ....... ......... .. .. .. ........ .... ....... .... ... ......... .. ... .. .... .. 193
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~evisão Sistemática e Perspectivas .... ... .... .. ....... .. ....... .... ... .. ..... ............. ... ....... 201
ABSiRACT
· ",M.untui smo": um "novo" modelo teórico de Pessoa? .............. .. .. .. .. .. ............. 201
l~~etom.ada sistemática ... ...... ... ..................... ... ... ... ... ....................... .. ....... ...... 202
"The idea of person in contemporary African philosophy" is a title thac reveals the
a) 'corrente cultural/filosófica. .... ........ .. ..... .... .... .. ..... ..... ....... ... ...... ........ ........ .. . 203 intention, and at the sarne time, the material object as well as the fo rmal object of
' b) Corrente histórico/política ...... .. ......: .........._. ...... .. .... .. ........ ....... .. ...... ........... .. 208 our research. The material object is composed by the philosophical production of
2:- Perspectivas . ........ .................. .. ................ .... ......... ............ .. ....... ... ............. ... 210 the notable contemporary African writers, and through "Palabre" with numerous
African Sages living in the Province of Inhambane (Mozambique), with whorn we
a) A questão metodológica ... ...... .. .... .... .... ... .. ....... .......... ........ ...... :.. .... .. .. ......... 211
have further examine d the is sue of "person". The formal object is precisely the
b) Por um personalismo africano ("Bela n}'.Umbani") .. .. .'. .... .. .. ......... .. .. .. .. ......... 226 idea of "person", or the theoretical model to Justify its own universal character
BI~LIOGRAFIA .. .. .... .... ......... ... .. .. ..... ... ..... .. .. .. .... .... .... ...... ......... ..... ..... ... ..... .. 237 (man's truth) and its distinctive historical cháracter (African tradition). Finally,
1
APÊNDICE :.... ............ ....... .. ................ ... .. ........ .. ...... .. ................ ...... ............... 249 the intent of the research coincides with its formal object as well as with the
ÍNprcE ONOMÁSTICO ........ .... ......... .. .... ..... ... .. .. .. ........ ... ......................... 24957 critica! justification of this model. The theoretical basis is thal this model is
rational, as it includes universality and trúth, and thus conforrns ro the
anthropological structure (existence of the person and his truth) .
The dissertation is divided into three parts . ln the First part we find the
reconstruction of the real "history of ideas", a criticai analysis of the cexts of the
African philosophers who have cont1ibuted meaningful ideas regarding the
African person. ln the Second part we find a convergence of the resulcs of varíous
studies and Palabre with a large group of African Sages of Inhambane . Our study
was conducted according to the methodology of the Sage Philosophy, who have
virtually confirmed the ideas d~rived from critical analysis conducted in the first
part. Finally, in the third part, aftet a systematic recovery of the results achieved
in the first two parts, we find ary outline of the Afiican cheoretical model of
"person" derived from our researcp, a model that we will call "Muntuismo" . The
"Muntuismo," according to our proposal, will be the theoretical model in which to
. develop the study of Afocan Personalisrn.
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KEYWORDS: "A ideia de pessoa na filosofia africana! contemporânea" é um [títµlo que reve_la,:
simultaneamente, o objectivo, o objectp formal e o objecto :rp.aterial da noss~
pesquisa. O objecto material é comp~sto pela produção fil9sófica dos mais:! 1
African Personalism; African Philosophy; Person ; History of Ideas; African
significativos autores africanos da era c9ntemporânea, desde a s~gunda metade ddl i
Tradition; African Philosophy of Education; Sage Philosophy; Ethnophilosophy;
século passado até aos dias que correm, ~pela Palabre com os sabias africanos de>,?"(
Muntu; Muntuismo; Palabre.:
território de Inhambane (Moçambique), com os quais discutimo~ aspectos ligados·! i
ao nosso tema. O objecto formal é, preJisamente, a ideia de pe'.ssoa, ou seja, um,
modelo teórico que satisfaça concomitantemente o carácter ~niversal - a suai 1
1
verdade acerca do Homem - e histórico! a sua coerência co'm a ;tradição africana. , •

) --~
Por fim, o objectivo da pesquisa coincide com o objecto foroial, isto é, com a ·
( )
justificação crítica de tal modelo. O p~essupos~o. teórico ~ qu~ tal modelo seja:,:
) ' ' racional porque conforme a estrutura qntropolog1ca ao ponto !cte expressar não1!
1 ' 1
( 1 apenas o ser da pessoa africana, JJ].as a sua verdade, visto que na sua: 1
' '
( • ~, universalidade inclui-se a sua verdade, a:sua racionalidade. :! ,
1 ·:

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A dissertação divide-se em três partes. A primeira parte constitui uma1
( j ,.-·,, 1

... reconstrução da história das ideias, por meio de uma análise critica de textos de:,
( · 1

filósofos africanos que reflectiram significativamente acerca d1 pessoa africana. '


1 ' '
11 1
( ' Na segunda parte confluem os resultados dos estudos e a Pa;labre com vários;,
(' l 1
·e· sábios africanos do território de Inham~ane, por mediação metodológica da Sage
i
<: ; .... ' Philosophy, que confirmam as ' idelas sJrgidas na análise crítica desenvolv,tda na1 :
primeira parte. . · _: J j 1'
1

' : 1 1 !

(j .. i 1 ! 1 : 1
Finalmente, na terceira parte, após re~omar sistematicamente 'os ~esultados das1 .
( ; - partes precedentes, delineia-se o inodel;o teórico de pessoa afriFªºª deduzido dai
\r ·, -.,
pesquisa efectuada. O modelo emergente vem denominado por meio de u~
neologismo: "Muntuísmo". Segundo a 4ossa proposta, o "Munt\Jísmo" apresenta-·
se como o modelo teórico sobre o qual s:e desenvolve o personal~smo africano.

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INTRODUÇÃO

O título da nossa pesqmsa "A ideia de pessoa na filosofia africana


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l'" ;Peisoililis~o
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Africano; Filosofia Africana; Pessoa; História das ideias; Tradicão
:. contemporânea". esconde, à partida, uma intenção ambiciosa que pretendemos
f!:il f '. :{ '_1fqc~~a;Jiló~~~,fia 'Africana, .d~ Educação; Filosofia da Sageza; subitamente delimitar. Mais do que filosófico, o ponto de partida da nossa
lliiii . \ ·§tnofiJoso,fia; Muntu; Muntmsmo; Palabre. reflexão é pedagógico. Partimos da pesquisa teórico-pedagógica que ao longo de
p,il
di.i
.. ..•,
anos conduziucnos ao estudo da filosofia da educação no. contexto africano. Com

i!'.!!i ij
·i'fiii! . ' ,. efeito, nos últimos anos exercemos a profissão de docente neste contexto
!·!; t~ ! -~=:· (africano) completamente diferente daquele da nossa origem, e encontramo-nos ~ -e

~!/' "
na contingência de conhecer mais a fundo os elementos essenciais que constituem ~ -e~
a filosofia da educação africana, entre os quais a antropologia, a axiologia e a :i·c
pedagogia africana. Colocamo-nos, então, a seguintes questões: Que ideia temos
da pessoa que pretendemos educar? Quais valores transmitir? Que método
educativo privilegiar?
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1·: r O ponto crucial é o estudo da ideia de pessoa, do qual descendem os demais


elementos. A motivação de fundo na origem da nossa reflexão esteve intimamente
. 1
ligada a exigências pedagógicas essenciais. Todavia, o percurso seguido foi
necessariamente filosófico. Interrogar-se acerca da ideia de pessoa implica,
inevitavelmente, uma questão veritativa e, conseqüentemente, filosófica .
O nosso objectivo não foi meran1ente argumentar a existência de uma ''ideia
africana de pessoa, mas também demonstrar a sua veracidade. A ideia africana de
pessoa reivindica uma universalida9e: importaveiificar as condições racionais de
universalidade de~ta reivindicação .'' Tal pretensão é baseada no facto "histórico"
da tradição e cultura africana que por milénios sustentou e guiou gerayões inteiras
até aos nossos dias. A legitimidade do modelo africano, que se impõe na sua auto-
evidência, deve ser explicitada por meio de .uma reflexão racional que demonstre
a sua veracidade. Quando evocamos a racionalidade referimo-nos à reflexão
acerca das condiÇões universais ele veracidade (toda pretensão de veracidade é
uma pretensão de universalidade). Trata~se de demonstrar .a lógica de tal modelo.
e ~ ~1;p~i&~:r/. ,. . ·. 1

( ~1 üV ·:,: ú4lM u·N TU J.s ·"'o l NT ~ OD UÇ Â O 1 15 ;


r~ ~fl(~li''._,~;:<:~~'.Lc~:, :_
... ----· ... -·-· .
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l ~l~;l.l.},:C"' Ú,tn modelo de pessoa como o africano não teria sido capaz de sobreviver e guiar descobrindo-o em estudos sobre a ideia de pessoa, levàdos a e>abo por filósofos ·
r "~"'"" .-Üs' se&s povos até aos nossqs dias se não fosse pleno de uma verdade profunda, africanos amplamente reconhecidos como autores significativos .em fontes 1
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1 1
uiuversal e, consequentemente, racional. Do estudo emerge uma ideia clara de credíveis no .plano internacional. 1 1

: c::i. .
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pêssoa, articulada segundo um discurso metafísico . .
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O fio condutor desta análise foi a verificação _crítica do. modelo .africano d~11
11

( ./ w! ~'!J . 'A' est~ ponto, importa um dclarecimento, pois o atributo metafísico do discurso pessoa. A sua coerência com a estrutura antropológica ates tal à partida, a su~ 1
) ~.lfü+'. -pode suscitar alguma . perpÍexidade. É certo que mesmo quando tratamos da racionalidade e, por consequência, a sua verdade, .sendo q:ue ieste constitu~l ·
( muu11 religião africana como fonte, de um sentido universalmente aceite e reconhecido, precisamente o pressuposto teórico. Um modelo emerge das co~stantes reveladas! !
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idflectimos~cerca de ideias e tradições de carácter metafísico e não propriamente no desenvolvimento de determinado t~ ma, que permitem o reco~hecimento ,de u~! 1
(
1
~lfüll "teológico". Uma crítica fei ta à filosofia africana, e que é aplicável igualmente a paradigma específico e.das linhas de força de tal orientação. D~ análise das obras-.
' ) ~lli n:! esta dissertação, é a confus~o entre o discurso filosófico e o teológico. É, como filosóficas dos vários autores africanos e da Palabre com ios vários s·á.bios: :·
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te,iemos ocasião de analisar,! a mesma crítica que D~rrida move contra Lévinas. entrevistados, relevamos algumas constantes, algumas linhas be força que no~l I
r .~ ü~iil . Todavia, de acordo com Lévinas, respondemos que a pesquisa de sentido nãq se permitiram definir um modelo africano de pessoa, o qual denprr}inamos com ~i i
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identifica com um discurso teológico tout-court enquanto discurso humano por neologismo "Muntuísmo".
excelência. Adernais , o desafio filosófico é distinguir os dois níveis de discurso. Os intelectuais africanos reivindicam muitos "primados": o pr;imado da culturai 1
. Quando se fala da verdade do Homem e do sentido da vida faz-se um discurso egípcia, enquanto pertencente à África negra, sobre as cult~ras ocidentais; ·o! :
. metafísico e, discutindo tais questões, o discurso filosófico abraça primado das culturas africanas que detêm o mérito de terem c~egaclo à ideia d~ I:
necessariamente o teológico. É importante explicitar o percurso metodológico monoteísmo mesmo antes dos gregos e romanos; o primado da filosofia e teologia! 1
necessário para que não se confundam os dois níveis. da libertação africana sobre a latino-americana e, por fim, como veremos nestei'. 1
1
Justificar o modelo africano de pessoa requer a:· demonstração crítica de como tal estudo, podem reivindicar o primado do personalismo africano ~obre o ocidental.!i
modelo declara a verdade do Homem enquanto tal: uma verdade universal Da análise crítica dos filósofo~ ' ~(ricanos, teremos ainda ocasi~o de not~'/que ·º·l ;·
fundada sobre uma verdade histórica e tradicional, ou seja, sobre a vida concreta mo~elo afri:an~ ~e pessoa re~ela ~ma força e uma verdade inesP:en1.das. ..... :! ·
do Homem africano tal como se desenvolveu ao longo de séculos. O acesso 'à .. A d1ss.ert~çao dmde-se em t~es pafes: , . . . . 1 , . · . · i!
verdade universal do Homem africano dá-se por via do carácter histórico, do Na pnmeua parte reconstruimos l h1stona das ideias, repercove~do os estµdos j
Homem africano concreto que encontrou o seu sentido na sua tradição milenária, dos autores africanos que, .segundo nos parece, reflectiram de modo. significatiy9,i 1. \
que deve ser verificada criticamente através do método fenomenológico- a respeito do nosso tema. '"!'~â\l·i ·4,,
! .: -·· .
he,rmenêutico. A nossa pesquisa limita-se à produção filosófica africana dos últimos decénios, da::; . '
, O objectivo primordial era estudar expressamente o personalismo africano. metade do século passado aos nossos dias e, .particularmente, -.~ . a~gun~ .f:l.1~~9fi?.~f.;,:C ,
Contúdo, não encontrando obras significativas a respeito, vimo-nos forçados a eleitos entre os milhares que compõem o panorama intelec~ual/~!'i5~~9~:-;(:?~~i~)[,_ '
· optar por um trabalho de "reconstrução" de um personalismo africano, autores"tratados não são apresentados ao detalhe, não se apres~pta iQt#~~a\i;q~#~~Wlt.Y.<
1
~~ .:~\ ..:<~·::,.:.,'.~;i"';> _;·(·f~~bti ::r ':,\<'._. .·
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]NTRODUÇ /\() \li·:
.t6' 1· M u N T u i s M e

' seu · pensamento · filosófico, mas; foram seleccioriadas as obras que de modo fundamental para o processo de elaboração de tal modelo que, confomie
directo ou não; trataram do nosso tema:: A escolha destes autores é determi~ada anunciamos acima, denominamos por via de um neologismo : "Muntuísmo". '.?:
Como conciliar a pretensão de universalidade da teoria acerca da pessoa na
por uma opção pessoal - são os autores que pessoalmente considerei màis ~e
.significativos, sem 'nenhuma 'pretensão de ser exaustivo - e pela ol-ientação de filosofia africana e o carácter prático desta ideia, ancorada, na sua concretização .
histórica, à tradição? É este, pois, o nó teórito que tentaremos desfazer, com
.e
1
professores e ·colegas especialistas em filosofia africana. Torna-se supérfluo
recurso à reflexão sobre a estrutura originária da verdade, à qual o modelo
sublinhar que não se trata da reconstrução da história da filos~fia africana tout~
.i COllft; cuja bibliografia sena :infindável; mas de uma pesquisa SObte a ideia de
africano busca conformar-se.
Sou plenamente consciente do carácter pioneiro da pesquisa pôis, conforme
pessoa' na. filosofia africana · contemporânea, circunscrita, · conforme dito, aos
revelamos, a bibliografia não propõe estudos aç:erca do personalismo africano e,
autores que considerei mais significativos. O título desta secção, ''Da etrtofilosofia
por conseguinte, sou igualmente ciente de todos os limites da minha pesquisa , que
às Teologias", delineia o percurso da reflexão filosófic'a africana que, passando da
se propõe apenas como contribuição para suscitar o interesse em torno deste tema
fase inicial da etnófilosofia, emboca nas filosofias e t~ologias: a maior parte dos
filósofos africanos analisados são igualmente teólogos e tal facto nos 'permitiu e estimular ulteriores estudos.
uma abordagem int~gral da ideia de pessoa. ·
A perspicácia e erudição de · muitos dos autores em questão não deixarão, por
certo; de sUtpreender os leitores pouco familiarizados com a filosofia afrieana.
Pessoalmente, adm!to o efeito "fulgurante" das análises e da subtil ironi·a do
fllósofo camaronês Fabien Ebóússi Boulaga.

A segunda parte resulta de umestudó de tampo s~gun;do a linha hermenêutica da


Sage Philos0phy. Antes de mais estudei e conversei, por via do método da
: Palabre, o qual discútirei mais adiante, com três "sábios" influentes, um por cada
, etnia presente no território. Depois, com a ajuda dos estudantes; do méu curso de
· ' filosofia da educação, entrevistamos cercâ de duzentoS- "sábios" das três 'etnías a
'. respeito das ideias"de Pessoa;· Deus, Comunidade e Educação. As reflexões dés;es
. : "sábios" confirmaram as principais ideias da primeira parte da nossa dissertação.

· Por ·fim, na Terceira Parte, expus sinteticamente uma reflexão sistemática em


, i torno dos resultado's ' obtidos, de 'modo a concluir a pesquisa propondo um modelo

· ' teórico deduzido cio trabalho ate então desenvolvido. 'A questão metodológica é
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CAPÍTULO I
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~:1
HISTÓRIA DAS IDEIAS

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Pessoa ("Muntu"): da etnofilosofia às teologias

a) Placide Tempels (Muntu =Pessoa como Força Vital)

Um ponto de partida importante para a filosofia africana contemporânea é,


singularmente, um texto escrito por um autor não africano 1. Trata-se de uma obra
cuja importância é, provavelmente, mais histórica do que filosófica, sob o título
Filosofia Bantu2, publicada em 1945 por um missionário franciscano de origem
belga, Placide Tempels, que por muitos anos trabalhou numa missão do Congo
belga, em Dilolo, Katanga. Propomo-nos ir além do debate que se seguiu à sua
publicação3 porque, não obstante os limites intrínsecos, é uma obra relevante,

' A expressão ''filosofia africana contemporânea" indica a jilosofiq produzida em África nos
últimos decénios, descartando, por ora, qualquer referimento às filosofias da diáspora negra e, em
particular, à :filosofia afro-americana , Çfr. os estudos de L. Procesi: Africa: filosofia afri,cana e
diaspora nera e Africa: etnofi.losofia, in, :Enciclopedia Filosofica, J, A-AUT, Bompiani, ~lilano,
2006, pp.120-141 e pp.141-163; ainda soti a cura de L. Procesi a edição italiana do clássico da
filosofia africana Fabien Eboussi Boulàgii, Autenticità africana e filosofia: la crisi del Muntu.
Intelligenza, responsabilità, liberazione.,o C9ristian Marinotti Editore, lvli lano, 2007., com introdução
e apêndice explicativos; ou ainda a introdução ao n. 6 da Revista de Filosofia Babelonline/print,
anno 2009, dedicado à filosofia africana, s:ob sua cura . ·
' Publicada em francês em 1945: Philo5ophie bantoue, I..ovania, Elizabethville. Quanto a nós,
fazemos referência à edição italiana: Filosofia bantu, Medusa, Milano, 2005.
' A sua posição foi criticada por muitos filósofos africanos que o acusaram de. pretender ensinar
aos Bantu a serem Bantu. Todavia , não pretendemos descer a fundo nessa disputa, pelo menos •por ·
ora, posto que o nosso objectivo e reconstruir a ideia de pessoa na filosofia africana . ,Gfr ;. F:·
Eboussi Boulaga, La bantoue problérnatique, in «Présence Africaine», 66, 1968, pp. :, s"7~,Q; .<'.,i
republicada in, Philosophie africaine. Textes Choisis et bibliographie sélective, a cura de.;A>Jd:?~f:;'
Smet, I-Il, Kinshasa 1975, vol II, pp. 348-380; P. Hountondji, L 'Ef!et Tempe/s, in.,, Encyd6p~.?t~'..;{:i,:\:
·. '•:-·'.•

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20 j H l s T r) R l A D !\ S l ' D E i i\ S
J\ ! U N T U Í S lvl O j 21 .
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mesmo pelo mero facto de marcar o início da reflexão filosófica africana '
popoli primitivi , la sofferenza e la morte sono i grandi apostoli della fedeltà aliá
contemporânea. De facto , Tempels foi o primeiro a afirmar que a religiosidade concezione 'magica' e dei ricorso alie pratiche 'niagiche' tradiziprtali ." 6 .
dos Bantu - denominação :que se atribui aos negros da África subsaariana. - Cada comportamento humano, ai'nda segundo Tempels, é alicerçado erri
e'xprime um pensamento metafísico e não mágico, afirmando que a sua cultura
Princípios e conceitos. Tal acontece também na cultura Barttu, que ~ tem •\irri.•;
representa u,m sistema filosqfico autêntico 4 . . 1
sistema ontológico coerente. Uma ontologia que existe emb~ra ·os Bantu nã6i 1
'

tenham plena consciência ou não consigam expô-la. Por es ~a razão Tempels: i


O estudo de?ta obra é de caP,ital importância para a nossa pesquisa,. pois da a.nálise
do texto deduz-se uma idei;a clara de Pessoa, designada pelo termo Muntu 5• A assH~~ . o p~pel {na verdade'. uma .incumbência qu~ cabeh a ; ~os ·imp,ériosl [
coloma1s) de ajudar os Bantu a s1stemat1zar a sua ontologia. ! j · 1,·1 ·
peculiaridade da natureza do Muntu emerge, sobretu~o, quando este atravessa
O objectivo é, então, conhecer os Bantu e orientá-los sem 'apagar as suahaízes;i.:
momentos de particular dificuldade: mesmo se "civilizado" e cristão, retoma i•
porque "e soltanto parlando dei vera, buoni e solidi costumi illdigeni che noi!,
l

sempre às suas origens tradicionais . Isto deve-se ao facto de os antepassados


possiamo condurre i Bantu ~erso l'unica e. vera civilizz,~zio~e l~,a~tu" . ~emp~l~i·1
7
terem deixado soluções práticas aos grandes problemas humanos como a vida, a t
morte , a salvação e a destruição: "Pressa i Bantu, e verosimilmente pressa tutti i questiona-se acerca dos motivos pelos quais os negros p~ga~~ dparecem mmdtq[: .'~,:.·:.
1 . 1
mais equilibrados do que os .negros "civilizados" ou "cristiam~a .os" e respon ~ ·1 :
sublinhando que os primeiros vivem a sua ontologia e teodiceia segundo o~ i ~i
fundamentos tradicionais que resolvem todos os problemas da yida. Abandonar ~ : ~.:"'·.
!.:.:
. . .·.

sua "filosofia" seria um suicídio. Com efeito, ninguém consegiliu 'convencê-los · ~ i .;


U,niverselle Phi/osophique, Publié sous la direction d 'André Jacob~ t. 1, L 'Univers philosophique, fazê-lo. À pergunta "Quanti civilizzati, o neri veram~~te er oluti, po.tremmi /: t~
Presses Universitaires de France, Paris 1989, pp. 1472-1480.
contare trai Bantu?" Tempels responde que, salvo as leg1oes d~s desenrmzados ~ / r,i.·~,..·:.:
8
' 'Cfr. Leghissa G. E Tatiana S., L'etnojilosojia deLpadre . Térripels· e la filosofia africa 1na
cóntemporanea, Introdução ao texto de Placide Tempels, Filosofia bantu,o.c.,. p.10. Estes autores se degenerados a maioria permanece Muntu, não obstante as tentaÜvas de esconder~. "
mostram muito ''.complacentes" na sua avaliação a respeito da obra de Tempels e do seu desejo de
se imitando, os brancos. A ~u'.Íp~- de tudo isto é "nossa", ;,'nós os br~ncos"\ j' . f.
"dar voz ao outro ". Retomaremos este aspecto da filosofia tempelsiana na parte argumentativa do
texto ·confrontando-o com a filosofia (ou retórica?) do outro de Emanuel Lévinas . Leghissa1 e missionários, administradores, etc.; , que nunca entramos profu*damente na alm:~ ! ~.J_.:·.j
T~ tiana · sublinham, curiosamente, a ideia emergente do texto, acerca da natureza comum dos· negros. Quando ridiculariia~os os seus costumes, nós btianc;os matamos· ~ j. -:~.
(naturaliter cristiana) entre o cristianismo e o pensamento , africano. John Mbiti, como
analisaremos mais adiante, retomará o tema da natureza ontologicamente espiritual do Homem "Homem" que está nos Bantu. A,quilo que nós consideramos: inpompreensíveJ~ f-~ · a
africano. . ' ' u >'· !I :
.; "Parece impróprio traduzir esta acepção da palavra muniu pelo termo 'Homem'. O muniu vi.ve ~nto os Bantu, e verosimilmente junto todos os povos primitivos, o sofriirl:nto e a moi:te -são?o ~ i \
num co1po certamente visível, mas .tal corpo 'não é' o muntu em si. Um indígena explicava a ~m grandes apóstolos da fidelidade à ,concepção mágica e da recorrência ,às '·práticas mágié~~ ::
c01rmão: o muntu é aproximativainente aquilo a que vós designais em francês com a palavra
tra?icionais" (TdA), Idem, p.35. . , __ 1 , . • • ~ • • , ...:;' :~'.:.2~!.f.,.>
'pessoa ' e não aquilo · que designais com a palavra 'Homem'". Filosofia baniu, o.e. p. 62. Nas '"E somente falando dos verdadeiros; bons e sólidos costumes md1genas que nos podemos concduz1r <:)'.:
lí~gu~s ~antu, muntu é o singular de bantu, termo que significa genericamente ;"Homens:'. A os Bantu rumo à única e verdadeira civilização dos bantu" (TdA),Idem, p.40 ' · ! · · . 4" >'.): ·· ···.··
questao e tratada profundamente pelo filósofo , metafísico .e linguista, ruandês, Alexis Kagame, v. ' "Quantos civilizados, ou negros verdadeiramente evoluídos, poderemos ·éontar entí·e'·os ·fi~
Infra.
(TdN, Idem, p. 41 "' '"'~º'~'F
. ,-
r:Jrº~i'.~~'.'' :·
[;:;,! ,''E;~>.!l}Íl< 1_ Ó •!,, D AS 1 e> E J As rvt u N T u i s 1VI o 1.23
;::·;·:-

!:;.-;:,-:
~.;;[!!/:;·. 11<i:f.a .~osBantu ·pão é, porque_se trata de algo deduzido directamente da sua igualmente o limite do seu eshldo que "non pretende d'altra parte di essere piú cli
ffi'i
1
ontologia. A este .ponto, Tempels recorre a um exemplo infeJiz, afinnando ser un'ipotesi, un primo tentativo di svi luppo sistematico di una filosofia bantu':i 2 _ A
'. :. :!_/:· ! inútil coQvencê-los de que . a morte de determinada pessoa seja cm1sada por respeito do método, questiona-se como fundar a objectividade da exposição da
1
::". determinada doença, porque eles têm à partida. a sua própria explicação. É um filosofia bantu. O método de eleição é o confronto entré linguagens,
:,
::J!;, .exemplo infeliz porque nega aos .Bantu a possibilidade de acesso a explicações " comportamentos, instituições e usos bantu, para analisá-los, isolar as ideais
\r.
:!Ji!·; ; diversas e racionais a respeito de quanto acontece em suas vidas. Não acontecia o fundamentais e construir um sistema de pensamento bantu . À partida, Tempels
lil!i·!·.
iHl! ·I
mesmo com os nossos progenitores europeus que, perante determinadas apresenta a sua hipótese completa, que de segUida tenta provar por via dos factos
:!i :,
1
desgraças, recorriam a expli~ações populares nem sempre racionais? 9 :·· '
relevantes. Ciente dos seus limites, convida outros estudiosos a prosseguir os
:! 1Jl: :
'T;'' Tempels continua interrogando-se se estes princípios basilares dos Bantu ' .
~
estudos e pede de apresentar as próprias teses sem ser interrompido, convidando
! !: : . pertencem ao domínio da fiiosofia, segundo a acepção europeia. O conceito os .vários estudiosos a comportar-se como os negros, que numa disputa nunca
·,! .;r
! 1j, _ primeiro; intelectual, do ser, da existência e daquilo .que existe verdadeiramente, interrompem quem faz o uso da palavra.
i i;:
1.1 não é ontologia ou ciências do ser? Podemos falar de uma filosofia bantu? A estas Tempels define a tese central, que será o fio vermelho de todo o seu estudo,
:1;:
perguntas Tempels responde afirmando que os bantu não são primitivos puros segundo o qual a concepção da vida dos Bantu é alicerçada num único valor: a
![11
:I porquei praticam, por exemplo, . um culto evoluído a um ser supremo, e conclui vida, o vigor da vida. É este o valor supremo. Todos os cultos e as magias dos
1:1
laconicamente que não .são. ;o,s negros, mas os brancos é que ·devem aprender ·a bantu prestam-se à afirmação da vida. As curas medicinais prestam-se a recuperar
pensar . u_.µi . pouco mais filosoficamente e que "senza penetrazione filosofica, a força. Deus é o vigoroso. Todos os seres possuem uma força vital que lhes é
1·1r
!'etnologia non e che folklore:' º. Passa desce modo a expor a·filosofia dos Bantu
1
1 '
1
dada por Deus. A felicidade suprema consiste em ser vigoroso e a pior desgraça
/, que, segundo lhe parece, é comum a todos os povos primitivos e povos clânicos.
i consiste na perda do vigor. Segundo Tempels os negros não se convertem e não.se
1; ; · No es,tµdp da filosofia bantu; 'Tempels alerta quê .para desenvolver o seu discurso abandonam às práticas mágicas porque tal significaiia o distanciamento da força
11:1

!ili
li!':
deve ..n.ecessariamente recorrer à terminologia filosófica ocidental. Será este 0 natural que dá vigor à vida.
'•

"drama" vivido por vários fllósofos africanos que, para falarem de si e da sua Uma noção fundamental do conc.elto de ser é 6 conceito de "força vital". O
'i~ :ili .
cuIhrra devem recorrer a ,. uma "l'mgua ,, estrangeira•
. li . Tempels . reconhece
l 1::·
conceito de ser da metafísica ocidettal1
é estático e não inclui a noçãó de força,
que é vista como um acidente do ser. o pensamento primitivo, por seu turno,
1t Ji1;

, !ii! ·'Jean Marc Ela, granae teólogo e sociólogo camaronês morto recentemente, denuncia este tipo de acentua um aspecto dinâmico do s~r. O que é o ser para os Bantu 9 É aquilo que
1i!J! , . ~obre:alorizaçã9
~·ª . medicina . tradicional, como um artificio ideológico para poupar nos
1 possui força, ou, melhor, o ser é força. A força não é um attibuto· que advém de
i :::[ rnveshmentos massivos que o sistema sanitário africano requer: J.-M. Ela, Repenser -la théologie
africaine. Le Dieu qui libere, Paris 2003 , p. 139. · fora um acidente. Para os ocidentais o ser é "aquilo que é", para os .Bantu é "a
!9 .'~sem penetração filosófica,.a etnologia é só folclore" (TdA), Idem, p. 47
.
'1
.: i . .,:; .i_··,i,_.-.·... ·

1
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.
' '

'.1 ·;r·,_. " ~erca desta questão c~ucial, cfr. os escritos do filósofo ganês Kwasi Wiredu, um dps 'expoentes differenza», tr.it. di L. Procesi. 6, 2009, pp. 97-105.
if . · ,maXJmos da ,filosofia africana con[empor.ânea, e em particular: K Wiredu, La necessità di una 12
"não tem nenhuma pretensão se não de ser somente uma hipótese, urna· primeira tentativa de
\ ii!!., . <!.ecolonizzazione concettuale nella filosofia africana, in «B@belonline/print. Voei e percorsi della .desenvolvimento sistemMico de uma filosofia ban/11" (tdA), Idem, p. 51
f ~!!, ·: . .
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24 j H 1 S T Ó R .1 i1 D '\ S 1 D E 1 ,\ S
M U f'I :T U JS M O ! 25

força .que é". No ponto em ·gue os primeiros evocam o conceito de "ser" os .. ossui a força e é o criador de todas as forças. Depois se seguem ?s antepassados;
segundos servem-se daquele de "força" 13 .
Para os Bantu existem muitas forças, diferentes umas das outras, v1Sive 1s
;s primogénitos; os anciões. Os jovens são insipientes e sem os anciões estariam
• • 1 -- ·
perdidos. Não obstante estes possam aprender mmtas coisas, esta nao e, sageza,
(materiais) e invisíveis (natureza intrínseca do ser). O Muntu é excelência do ser.
não é compreensão da natureza do ser. · 1
Deus é o grande Muntu. As coisas são forças inferiores. A força (o ser} pode
14 'A-doutrina dos seres é universalmente conhecida entre os Bantu: cada Ba'ritu '1: 1
crescer ou diminuir . As forças podem interagir entre .elas. Esta interacção entre
conhece a sua filosofia das forças. Esta·filosofia é universalmente!aceite por todos .1
forças é denominada magia. Deus concede tais forças ao Homem através da ·
e nunca posta em discussão. É uma filos?fia que se funda na_ evi~ência externa e i,. 1
11atureza. Existe uma hierarquia de forças: Deus que cria; o Homem (antepassados
inteniat7. Os antepassados sempre pos~mram esta força e es~1verfim 1 em altura de 11
dos diversos clãs, defuntos); terra (Homens, animais, plantas). Dentro de cada
conservar a comunidade . Bantu até aos dias de hoje. Adema~s, esta filosofia ' :
) 'l ' classe de forças existe uma hierarquia ulterior. Todas as forças estão relacionadas
f, ; responde a todas as questões da vida e para os Bantu "questa é una prova in piu · ~ ,.
, !; r\: com os vivos que são o centro de toda a humanidade, incluindo os defuntos.
del fondamento realistico della loro' filosofia" • Quando nã~ se encontra · a !I j
18
r 1.!1.,· Existem igualmente leis que regulam tais forças: um ser inferior não pode . 1veu.
\ ;?-.. solução, a força vital se empobreceu ou se disso 1 .
1 1
1
influenciar um ser superior 15 .
Tempels sustenta que a diferença existente na filosofia ocident~l entre as ideias 1 1
J

Na prossecução elo nosso intento de reconstruir a ideia de pessoa na filosofia .


fundamentais/transcendentais e o conhecimento concreto dos serrs
1
naturais• •
existe "1 j
bantu encontramos elementos importantes naquela que Tempels define como "a
7 1
também na filosofia bantu. Embora os princípios da filosofia bantu sejam comuns ,,, \j
sageza e a doutrina do conhecimento" dos Bantu. A sageza é "la visione piu
para todos os Bantu, a sua aplicação difere de tribo para tribo. A filosofia bant\.J : l.•.t.'t !,
profonda nella natura degli esseri e delle forze . La vera: saggezza é la conoscenza
16 tem princípios ontológicos imutáveis. Mesmo quando se predispõem a agir 111 " "'
onto1ogica" . Deus é o sapiente por excelência .porque conhece todas as coisas, ' 1 ' ·'1 , ,
concretamente, os Bantu seguem a sua filosofia das forças. Tudo quanto realizam il · \'. i
'' 1
: i e obtêm sucede graças às forças vitais: "la conoscenza dei BaJiltu· non é bifida . .1 i ::(
'' Cfr, Idem, P: 60. Para uma crítica mais aprofundada acerca desta identificação entre ser e força ; i
cfr . F. Eboussi Bouiaga, Le bantu problématique, cit., p. 355. ' 1
Non c' é presso di loro un campÔ rtservato alia filosofia delie forze a lato ili un !1. · · ·;j
'.'. Neste ..ponto, TempeJs descortina um nexo com quanto a teologia católica afirma a respeito éla
graça campo in cui giocano le conoscen* critiche" 19. ;O que se denomina magia ~·é 11 / " o
"?empe.Js nota que os Bantu contestavam quando os administradores coloniais nomeavam chefes
conhecimento das forças . Um sistFma filosófico pode ser "cr~ticq" mesn'íó ·Se :1f;,
nao _acenes pelos próprios Bantu, visto serem (estes chefes) considerados inferiores na escala
h1erarqwca, não tendo, por conseguinte, autoridade sobre eles. o :útra observação interessante é ·
que os B.antu encaravam os brancos partindo da própria ontologia e os concebiam corno seres
.
ontológico" (TdA), Idem, p. 73 · ·
. i i,
. 1, .
'. · ·.· . . : ; ~jf ;/~ .,·
· ·s· ..
, ., . ;,. dFFi."
dqtados_ de ur_na grande força vital da qua 1eles também queriam tomar parte. "Parece que a fundação desta teoria dá-se com recurso ao método fenomeno/og1cq hermene~!,1~~Jikf'.
Uma cnt1ca as pe:a a Tempels acerca desta ideia de hierarquia dos seres, que colocava os brancos no qual os factos apresentados sustentam as hipóteses, e a negação. destas conclu~ões co~.du~~1~;.~:'\:~{< ,
uma reacção de contrariedade. Dito em outros termos: é eYJdente qu€'. .seja · assim ~ ;~-~·~º :;,;-:.
no topo. da p1rarrude, é formulada por Aimé Césaire, no seu famoso discurso acerca do
coJon.1aJ1smo: A Césaire, Discours sur Je colonialisme, Paris 1955, tr. it. di N. Ngana Yogo diversamente. /' ' , . 'i?K·P.' ,\;f":
D1scorso sul colonialismo, Roma 1999, p. 48. '
18
"esta é uma prova a mais do fundamento realista da sua :filosofia'.' (TdA), ~~e1m,"P·'. f .
16" ' - ' ' 19
"o conhecimento dos Baniu não é bífido. Não há neles um campo reservadb )à .6fo~ç
· . ª YJsao ma is profunda na natureza cios seres e das forças. A verdadeira sageza é o conhecimento ao lado de um campo onde actuam os conhecimentos críticos" (JdA), Idem,. p·:J ~6'"
~Ç j H l S T Ó.R f A D AS 1 D E I ,•\ S
~· ( L N T U Í 'i \ 1 \1 J 27

prov.ado falso. Se assjm não fosse, existiria uma só filosofia e as demais não ' . • u ·~êmpfr· uma incógnita para o outro, até mesmo para o amigo mais íncimo. Só os
poderiam ser denominadas ·do mesrno modo.
'.. .. .· ~:.ad· i·vinhos. podem explorar o seu segredo íntimo.
Tempels passa .em revista .as ideias filosóficas dos 'Bantu a respeito do Homem, :-:. Úm :indivíduo pode ser conhecido pelo nome, o qual exprime a nature za do seu
apresentando a psicologia e ressaltando que se trata daquela "che esiste nello "'· · ·~e1:21,. No indivíduo que nasce, "renasce" um dos antepassados.
spiiito bantu e non quella che risulterebbe dall'osservazione dei 'Bantu per opera · ;cAJ:análise da ética dos Bantu joga um papel importante com vista a identificar a
20
degJi. europei" . A psicologia bantu é derivada da filosofia bantu. Não se de've· . Jd~ia de pessoa emergente da filosofia bantu: para que exista a pessoa, deve
por isso, pr~~urar vocábulos correspondentes aos nossos, pois hipotizar-se-ia qu~ ·• :·).,
, ..oco rrer a intencionalidade da acção. Como todos os ''primitivos (ou semi-
· os Bantu d1v1dem o Homem,. tal como nós, em corpo e alma. Deve-se partir da . prirhitivos)" para a elaboração dos princípios e normas do bem e do mal, os Bantu
condição de tábua rasa · para que se esteja em altura de colher a sua diversa recorrem à sua ontologia, filosofia e teodiceia. Há quem afirme que os Bantu não
·'
::.ir concepção ,de .Homem. Em atenção a este facto, Tempels destaca a importância do . . ..,.._
i :.: dispõem de tais noções, pois para eles o furto não é um mal, bastando que não ·!
.' ·,:;"' termo Muntu, como possível conceito equivalente àquele de pessoa na filosofia sejam descobertos; as mentiras e enganos são sinais de fineza do espírito; o ........:
europeia. Usando de uma notável imparcialidade, argumenta que tal como os r
adultério não é imoral, sendo que se alguém é encontrando em flagrante basta que
oc'.dentais não podem dizer muito a respeito da alma, do espírito, etc., não se pode .
pague uma "indemnização''. . . .
.' ~.
I
ex1g1r aos Bantu uma explicação detalhada acerca do Muntu. Tal como a filosofia Tempels nao concorda com esta análise porque todos os males elencados acima
' '
ocidental é aproximativa a respeito de muitas questõ'es complexas, por exemplo ~ã
sobre o que é o ser, a filosofia bantu também o é.
• são condenados pelos Bantu. Eles condenam a poligamia, o matrimónio entre
adolescentes, os abusos sexuais: "tutto sornmato conoscono e riconoscono la
Muntu é força v.iva, força pessoal, superior àquela de todos os seres animados. o Legge natural e, formulata nel Decalogo" 22 . Tempels concluí que
Hom~. m enquant~ Muntu é a mais vigorosa entre as forças criadas e regula as indubitavelmente os Bantu têm noção do bem e do mal; por exemplo, os facto de
demais forças v~ventes. Esta variação não diz' respeito à sua natureza mas os anciões lamentarem-se da perda dos bons e velpos princípios revela que têm
principalmente_à sua relação com os outros Bantu e com os outros seres vi~os. ~ noção do bem. ., · 1
força vital do Muntu pode aumentar ou diminuir ao ponto de desaparecer. Um A moral objectiva para os negros é Lima moral ontológica, imanente e intrínseca:
e:~mplo nos é dado por aqueles antepassados mortos 'há tanto tempo ao ponto de "la morale bantu dipende dali a natu.b degli esseri, é fondata sull 'ontologia!.n
nao terem alguma força em altura de fazer-lhes entrar em relação com os vivos. Reconhecem uma ordem natural: od actos que respeitam tal orderr). são bons,
Após analisar o ser humano. em geral, Tempels procede à análise de ·como os aqueles que a negam são maus. Tudo lquanto "offuschi o diminµisca la forza vi tale
Bantu concebem o Homem concreto, indivíduo determinado. Todo 0 indivíduo é

" O nome indígena designa propriamente "aquele que ele é", e não "como é chamado".· p ~de~
coexistir muitos nomes: o nome vital (o qual é imutável); o nome atribuído ou adaptado ·(pór·
ba~tu 'e não aquela que resultaria da observação dos Bant~ feita
20
"que existe no espírito pelos exemplo, devido aos encargos assumidos); o nome que cada' um se atr~bui (~ue pode. serrnu~ªªº? '..'.'.'.~, . ... '
europeus" (TdA), Idem; p. 91
22
"em suma conhecem e reconhecem a Lei natural formulada no Decalogo (TdA), _Idem, p..10? · ~' '<·': .
"a moral bantu depende da natureza dos seres, é fundada sobre a oncologia" (TdA), Id~m,:p. '109._J:-...;;;,;,. .,•
23

· _ .;,r:.:;,;1~.~>

r
28 1 H 1 S T (; R 1 !\ D ./\ .~ l D E ! A S M UNT UÍ S M O \ 2.9

la gerarchia vitale del Muntu e cattivo" . O direito e a política são bons ou


24
0 ;\:;.'.g, Quan9o um Bantu recebe alguma ajuda afirma ter sido salvo e fliberto. Ser salvo
25
maus na medida em que ~ão a favor ou contra a ordem e a moral ontológica. :; , .'/ifI)plica; então, res,tituir dez vezes mais . Se paga o mal inflig~do e não tanto o;:
Analisadas as normas objectivas, Tempels analisa . o comportamento moral do Aªno econ.ó~co. Quem determina o valor da inde~nização não é o juiz, mas oi 1
Muntu como indivíduo. Para os Bantu existem Homens perversos, com uma · . lesado.
.... .
OJutZ pode apenas confirmar quanto detenrunado pelo lesado. 1

malícia total, absoluta, sem atenuantes . Neste caso, afirma-se que o mal se tenha . ,e)s erros contra as forças superiores (Deus, antepassados, progenitores) são: 1
apossado destes indivíduos. Os Homens perversos podem influenciar outros em ·. ' :desordens ontológicas; um atentado à :hierarquia da vida. .j 1 ,
modo nefasto. ·..b.;s antepassados nunca prejudicam a sua descendênda, mas ps progenitores t:;'i '
Existem também Homens que fazem o mal porque instigados ou provocados: . chefes dos clãs podem colocar em perigo a força do clã. 1· 1
1
. li !
trata-se de Homens que cometem erros, e não de Homens perversos. Neste caso . Eritre Deus e os humanos não existe! algum contrato (aliadça), porque diante de.:
não se afitma que o mal se tenha apossado deles . A cólera que se experimenta Deus o Homem apresenta-se como uma criança:, sem título para estabelecer uni :
deve ser passageira, pois ,, se persiste significa que o mal se apossou de tal pessoa, contrato com o pai. A reparação dá-se por via do reconhdcimento (ofertas!l 1
a qual já não merece perdão . • .•tz..
s~crifícios, cultos, etc.) da superioridade dos antepassados. 1 'I ;
Tempels sustenta que existem erros inconscientes: há quem seja condenado por Um ser "superior" (por exemplo o pai) pode prejudicar utj:i "inferior" (pori 1
ter provocado a morte ou doença de outrem mesmo que não tenha consciência e, exemplo o filho) diminuindo-.lhe a força vital e expondo-d,, deste modo, ai'
todavia, aceita resignadamente _a pena que lhe cabe. Tempels sublinha .i ·~ influências nefastas. Para restaurar esta ordem faz-se necessári.a a· revogação da
prontamente que tal resignação é inexplicável para os europeus.
1 -~ :
maldição (depois da confissão do erro por parte do ser '.'inf~rior") por via da .
Em conclusão, os Bantu têm uma clara consciência moral, conhecem os seus bênção. 1 I,
deveres para com o cl~ e para com os estrangeiros. Tais deveres mudam segundo . :~
Não se pode desprezar os antepassados. Os defuntos "ordi.nários" são esquecidosJ:
o papel que cada indivíduo exerce na comunidade. Existem defuntos "maus", aqueles que atentaram :contra a vida do clã. Um defunto' :
Defronte ao mal, os Bant~ dirigem-se a Deus para que intervenha com um acto de mau é objecto de particular esc·onj~ro para que a sua força sejai neutralizad~ parai~;
reparação final. Os anciões mantêm a ordem usando a arma do anátema ou o ,".. . sempre e não possa criar danos . .Peste modo, a ;ordem e a vid~ são restauradas.! '
retiro da influência vital proveniente da paternidade. Não obstante o mal, a força _ Existem ainda outros defunto~ ·..~ue ·celebram "contratos" dom, os· viv,os: ª\; li
vital tem meios para restaurar a vida e o direito. ; observância de tal contrato é rompida quando um dos contraentes n~o o respeita. l1 · .·· 1

Em qu.e consiste o mal? Consiste no atentado contn1. a força vital. O mal ocorre 1, '! ' 1
quando um membro menor da farru1ia toma uma deCisão autónoma ou quando
!I· ·'.·!
recorre à justiça dos estrangeiros. Todo o atentado à vida humana é um mal " Tempels escreve que interrogando úm ancião a este respeito e deplorando este costume ' como ·. .j
infinito que não pode ser reparado por via da simples lei .do direito dos bens. exploração e usura, ouviu o interlocutor replicar-lhe "Não o terá por acaso salvo?". Cita.:im1
exemplo de alguém que tinha sob sua custódia uma cabra de um vizinho e pelo facto de a cabra se '
ter tresmalhado, viu-se obrigado a restituir ao proprietário três cabrasi. e cem .franco~, ...
"obscurece ou diminui a força vital ou a hierarquia vital do M~ntu é mau" (TdA), Ibidem
24
reparação da dor provocada a este. Cfr. Idem, pp.128-129. •:: ;:"

.1;_
. _
[\ i \.. 1': f I ' i ::; <Vi () 1 31

<·. As~:.perturbações mitológicas ou vitais que provocam dano à vida podem ser - .autênticos; por exemplo, alguns remédios, com o passar do tempo não são mais
·<rbp·a'radas com a eliminação da malícia intrínseca por via de qualquer meio puros remédios naturais (ervas médicas), transformando-se em poções mágicas
(inorte>cremação do corpo, etc.). ·,· . artificiais. Os próprios Bantu, observa Tempels, reconhecem que mu.1tas ve2.es se
.Existem influências negativas inconscientes, enquanto os Bantu -podem perturbar comentem abusos .
a•: ordem ontológica sem tomar conhecimento de tal facto. O erro deve ser Existem algumas questões a respeito cio insucesso da evangelização dos Bantu em
- teparado através de uma série de ritos e abluções, caso contrário geraria uma muitos térritórios: depende de qualquer coisa inerente ao cristianismo? Terá
desgraça. alguma relação com o método ele evangelização? Ou será que os Bantu não são
27
Na conclusão elo seu estudo, Tempels. sustenta que se esta filosofia fosse ''civilizáveis"?
confirmada,· seria necessário que os brancos revisassem todas as suas posições em Para Tempels não existe alguma incompatibilidade entre o cri stiani smo e as
relação aos negros, sempre considerados selvagens e animalescos. Os negros são aspirações dos Bantu. Antes pelo contrário, coincidem peti"eilamente. A doutrina
Homens que se erguem sobre os· "ingénuos" europeus, porque os primeiros cristã da graça, por exemplo, é um reforço ela vida, e esta é uma suqxeendente
possuíam já uma concepção mais pura e elevada de um Deus único antes dos analogia com a ontologia dos Bantu. Tempels conclui que "il cristianesirno,
segundos. Os educadores brancos consideravam ingénuos os costumes · dos specialmente nella sua forma piú alta, piu spiritualizzata, costituisce la sola
negros, julgando-os infantis, sem no entanto perceberem que se encontravam realizzazione possibile dell'icleale bantu. Ma é indispensabile esporre la perenne
diante de uma humanidade adulta. dottrina nei termini della dottrina bantu e fa· sembrare la vita crisliana che noi
Os ,negros devem .construir a sua civilização com base na sua sageza, que contém proponiamo a loro come rinforzo vitale ed elevazione vitale. La civilizzazione ;::----·

necessariamente um núcleo de verdade. Por isso não se deve minar os seus bantu - conclude Tempels - sarà cristiana o non sarà. L'europeizzazione ;;;

fundamentos, deve-se antes amá-los como são e valorizar tudo quanto seja digno superficiale delle masse non puà che uccidere il bantuisrno. Ma come il l_Ç
de valor. Vincando com fervor que civilização não significa bem-estar cristianesimo che . ha potuto informare di sé la civiltà occidentale, contiene, nella
económico; mas a posse de uma concepção inteligente do mundo e da vida, de um -verità della sua dottrina e nel dirünP,ismo umano che sa suscitare, le risorse per
sublimare e nobilitare la civiltà baQ~t"
28
26
sentido , Tempels ressalta que o civilizador branco não pode privar as raças .
primitivas das suas verdades, pois tal representaria 'um ataque à sua humanidade.
Pelo contrário, é necessfuio aprofundar a sua filosofia para que não se eduquem _ " Segundo Ternpels, esta última hipótese .e inaceitável: a quem pensa desLe modo convém que
"evoluídos" desemaizados. r~t01~ne à Europa. ' :
" "o cristianismo, especialmente na sua forma mais alta, mais espiritualizada , constitui a úrüca
Perguntando-se ainda se se pode implantar a civilização dos Bantu sobre a sua
possível realização do ideal bantu. Mas é indispensável expor a perene doutrina nos :ermos da
sageza, Tempels responde .prudentemente que nem todos os ritos e costumes são doutrina bantu e apresentar a vida cristã que lhes propon1os, como reforço v1Cal e elevaçao yi mL.. A
civilização bantu será cristã ou não será uma civilização. A europeizaçã.o superficial da s mas.sas :fr
'' "De· que valeria uma civilizaçã.o sem sageza, concepções profundas e entusiasmo pela vida? pode matar o bantuísmo. Mas, corno o cristianismo que soube 10formar de si a c 1v1.11:za_~~:° .
Como se pode pretender imaginar uma civilização sem filosofia, ideais e aspirações superiores?" ocidental contém na verdade da sua doutrina e no dinamismo humano que s_abe s u scr_t ~r,;.-. ?s,, , >: .
(TdA),Idem, p.147. ' . recursos 'para sublimar e nobilitar a civilização bantL1" (TdA), Idem, p. 156. Esta posição , ~ó~;'.;<3 ' :~
·::,;:--::..
~:· . t.

r
1 •
~·1 U N T ·U 1 S M O j 33
-·· .L..

em todas as tribos dos Bantu, mas de todos os primitivbs • E~ terceiro lugar,


31
E, por fim, a força vital dos Bantu é algo meramente, terreno? Segundo Tempels
1
os bantu aspiram a um "reforço vital infinito": até os Bantu conhecem uma muitos outros etnólogos europeus, partindo de tribos e lugares diferentes,
"nostalgia infinita", uma melancolia, uma insatisfação do coração 29 . chegaram às mesmas conclusões, mesmo sem terem esta~elecido alguma li 1

Tempels tennina o seu texto apresentando uma defesa à filosofia bantu. Diante da comunicação entre eles. Por fim, os mesmos Bantu reconhecem-se na ontologia .
questão se "a 'filosofia bantu" reflecte fielmente o pensamento dos Bantu, . .
das f orças vitais. '
1 111
··
responde assertivamente apresent:ando quatro provas. "J:.. partida esta hipótese é fiel Nas ~xortações finais, Tempels sugere como reformular a evangelização partindo 1

da sua teo~a , resp~ndendo às v~rias objecçõ~s movidas :contf~ ~ .obra. Entre \1


porque é baseada em factqs. Partiu de uma hipótese (na verdade uma conclusão 32
que emerge da observação dos factos) para em seguida apresentar os factos como tantas, considera particularmente d1gn~ de atençao apenas a ique~taa se os Bi!.ntu, :
prova da teoria. Em segundo lugar, a teoria das forças vitais é aplicável aos ·1:'
para .além da ideia de força vital (que para os europeus é consi:derada acidente)
factos 30 , ou melhor, ainda, 1 as características desta teoria são encontradas não só não possuem uma ideia de ser, objecção à qual replicou ·afirmando que: l!
"conoscere la forza di un essere o conoscere l'essere é la stessa ~.osa. 1 Bantu non \
i ., 11
hanno una nozione dell'essere come tale senzala sua forza e, a<Fcanto a cro, una 1;
emerge da nota do tradutor (para a edição italiana), ressalta, não tanto uma posição apologética,
nozione della forza come qualcosa che sarebbe distinta d~ll'essere stesso. J~
Conoscere la forza é conoscere l'essenza dell'essere, la nozione di forza é, sempre 1!
1
ma s a contrariedade à ideia segundo a qual para cristiani2ar faz-se necessário, antes de mais,
1
europei za r. Somos de opinião que a conclusão de Tempels tr.ilha os passos da doutrina dos . d'e11' essere " 33 ..
secon do 1. bantu, 1a noz10ne 1
primeiros padres da Igreja (S. Justino l Apologia , Clemente Alessandrino , entre outros) que
defendiam a ideia do lóyoç crn:cppo.nKóç (sementes do verbo), fundamentada no prólogo de São Neste ponto parece que Tempels identifica a noção de forç q com a de ser, '
João l,1-3 : anulando, deste modo, a diferença entre a ontologia europeia le a·bantu. ·Se a i ,
ontologia é a ciência da verdade sobre ser, será possível que exiJta~ vários seres
1 1
€V ªPXT/ qv o Àoyoa Kal o Àoyoa 17v 7rpOa rov Bwv Kal Bcoa 77v OÀoyoa, ouroa 77v CV apz77
7rpOa Wll 8€0V, rravra Ôl aurou êy€VCTO KaL XWpla !JUTOU €Y€VCTO OUÔC CV O yqO V€V.
(No princípio ·era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus . Ele estava no princípio e inúmeras verdades diversas o~ p~dos. diversos de _conceber as ;várias face~as da \ ·
com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez) . mesma verdade? Sem pretender a.(ltec1pm· conclusoes apressad;as a respeito da 1
O ataque à identificação do cristianismo como religião imposta· pelos colonos europeus para a . ' • • 1 .... . 1

ll1atcrialização do próprio domínio e central em toda a filosofia e, sobretudo, teologia africana Cfr. minha pesquisa, parece-me antev.er ;d01s modos diversos de concsber o mesn:io ser ! 1

Em particular: J.-M. Ela, Le cri de /'homme africain: Questions aux chrétiens et aux églises 'e
por parte da filosofia ocidental ~antu, pelo menos na acepçã<~ tempelsiana. A :i j "
d'Afrique, Paris 1980. tr.il. di S. Nuzzo. 11 grido de// 'uomo africano. Domande ai cristiani e alie r . 1\r ·
. 1 '• I
chiese dell 'Africa , Torino 2001.
"' Parecem-no,> muito expressivas as palavras dos Baluba reportadas por Temples: "«Se pode ter ·~ ·
" Tempels recorda , por exempl~, que os' ínÁios da América conuam o coração ~os branc~s
para. qt;\: \l l ,•
riqueza. prosperidade, uma prole numerosa e, todavi a, em certos dias se e dominado pela ·,·,
..-:.. se apoderassem da sua força vital. Idem, p. 165 . · '~":0 ·;1q
mela ncol.ia (kulanga)», e encrontra-se kubobo pa lubailga, a cabeça apoiada sobre a mão, sem " .f'or. exemplo, .apresentar os dez mandamentos como protecção e fonte de ~da ; os Sacramentp~,.:i; ;; ·
mesmo saber porquê, se ncio pelo facto de que o coração não se encontra mais satisfeito ". Idem, p. como garante de vida , etc. Idem, p. 174. ' : .• . ~}:{:i{{;_L;,.
\57. "' "conhecer a força de um ser ou conhecer o ser é a mesma coisa. Os Bantu nã·o têm uma noçaoí:IP.,<,~(,<'. ·:
m A hipótese vem si ntetizada deste modo : a) a natureza do ser e considerada força; b) o ser pode ser como tal sem a sua força e, além disso, uma noção de forças como . algo de. .dife~ente d();~sifK?f~;;;y_ ·,
crescer ou climinu.ir ; c) um ser pode influenciar outro ser , fortificá:lo ou diminuí-lo; d) os seres são . ser. Conhecer a força é conhecer a essência do ser , a noção de força é, sempre 1segnnc!ppt~~}1itlf : ...... ; ''.:
ordenados hierarquicamente. Idem. p.164 . noçãq de ser" (TdA), ldem, _p. 179-180. · ·i ' ' ' ft·i:{
.' .'~~.
iv!U i'\Tl ' ÍS\iO l 35
}'{ 'Í S T ()' R l ;\ D A S 1 D E J A S

'. ,; 4e,sBaluba qu'il évangelisait" 38 e deste modo "ne pewt prétendre à la découverte
primeira p:rivilegi'a h ideia imanente do ser enqüanfo a segunda privilegiá a 39
.' :dú la: philosophie 'Bantu' à travers le comportement d' une seule tribu" . Em
econorníca. Pm:áfraseando . o Grundaxiom de Karl Rahner, publicado na
•!'.; 'seD'u.ndo lugar Kagame acusa Tempels de ·ter abordado a cultura luba num'L
monumental obra Mysterium salutis, pai'a o qual :"a Trindande económica é a __,~:·- . · ... P '
perspectiva:.mais etnológica do que filosófica, pois "il n 'y figure aucune forme de
Trindade imanente e vice~veisa'' parece poder dizer que o "ser imanente é 0 ser
· ~; <Qocumentation 'Bantu', sur laquelle l'auteur· se serait appuyé pour étayer ses
económico e vice-versa" 34 .
· '. Úfirmations"49. De todas as formas, "Tempels conservem à jamais J'honneur
À interpretação :da filosofia bantu sob os auspícios de um filosofo ·não africano
.·.: ·· ( Favoid_e prernier donné le signal de départ en,ce genre de recherches, d'avoir été
segue-se uma série de reacções, a primeira das quais do filosofo ruandês Alexis 1
un.pionnier dans l'histoire, que nos espérons longue, de la philosophie Bancu'"' •
K~game, "presentata in un'opera di alto livello speculativo, erudita e polemica, La
A bibliografia de Kagame conta com mais de cem publicações, das quais apenas
philosophie bantu-rwandese de l 'Être. Eun dialogo filosofico in cui íl dotto abate
seis de filosofia (dois livros e quatro artigos) sendo as· demais de história e
ruandese, rivendica con acume e profondità speculativa onori e oneri, diritto e
literatura. Todavia, os seus dois livros filosóficos são de uma importância capital
responsabilità di spiegare le proprie culture nei propri linguaggi alla ·nuova
para a filosofia africana: "La Philosophie bantu rwandaise de / 'être" de 1956 e
generazione di intellethrnli af1:icani, nata e formata nell'asservimento euiopeo" 35 .
aquele que o próprio autor considera a continuação do primeiro, "La Philosophie
bantu comparée" de 1976. Relevante, tanto quanto nos parece, é Lambém o artigo
b) Alexis Kagame (Ser de Inteligência) "L 'Ethno-philosophie des Bantu'' 42 que passamos a analisar conjuntamente com o
texto de 1956.
Oobjec~ivo de ~agame é verificar e conigir as teorias de Tempels, denunciando
36

"une i~1ét~o.de gravement deficiente", 37 pois Tempels "ne connaissait que la tribu importantes acerca de Kagame: i\lfUDIMBE V.Y., Kagarne e la scuola etnofilosofica, in
.. ···· L 'invenzione deli 'Africa, Biblioteca Afeltemi, Roma, ,• 2007, pp.205-216; PROCESI L, Alexis
Kagame. Invito ai dialogo filosofico, in M-;jV., Filosofie in Africa, in Simplegadi, 12, 2007 ,,pp.83-
'' O tema .do ser (e de Deus) como algo não estático e imutável foi objecto de análise de muitos 118. .) ;
'.'.l~,s~fos. ~ . .teó.lo~os.: ~eferim~ ;no.s especi~lmente .à obra de Eberarth ,Jungel (pa~ticularmente ". "11m método gravemente deficiente" (TdA). KAGAME A.. L'.Ethno-philosuphie eles "Baniu ". ern
L. e>se1 e d1 Dw e nel d1vemre ), e ao pensamento fraco de Gianni Vattimo. SMET AJ., Philosophie Africaine . Textesj choisis I, Presses Universitaires clu Zaire , .Kinshasa ,
" "Apresehtad~ _riuma obra cie âlto nível especulativo, er~dita e polémica, La philosophie bantu- . 1975,p.95 i
1w~rndese de,' Elre .(A filosofia bantu-rüanclês cio Ser). E um diálogo filosófico em que 0 douto ""não conheceu se não a tribo cios Baluba ,que ele evangelizou" (TdA), Ibidem.
abdde rua.n.des r~1vrnd1ca com acume e profundidade especulativa honores e oneres, direito e "' "não pode reivindicar a c/esco/Jerta. da filosofia 'Bani!? através do comportamento de uma única
~es ponsab.1hda_c1_e de exphc~r as ·próprias culturas nas prqprias línguas à nova geração de . tribo" (TdA), Ibidem
Imtelectua1s
d - · , afncanos,
· nascida e formada na submissão aos europeus" . .. , , p roces1
. (TdA) · · Lid'ia, ""Não aparece nenhuma forma de documentação 'Bantu', no qual o autor se apoiou para sustentar
ntro uçao a obr;rde EBOUSSI BOULAGA F., Autenticità africana e filosofia · Ma'rinotti Edizioni
w.:
··.'!
as suas pretensões" (TdA), Ibidem
~!fino, ~007, ?}: Oi:. ainda L. Procesi, Alexis Kagame. Invito ai dialogo filosofico, in M "' "Tempels manterá sempre a honra ele Ler sido o primeiro a dar o sinal de partida neste
F1losofie rn Afnca ;rn «S1mplegadi», JZ, 2007, pp. 83-118. . pesquisa, tendo sido um pioneiro ela história, que nós esperamos ser longa, da Filosofia
'". :'Al_exi.s K'.1gàmé ·is 'without,. doubt .ª giant of contemporary Aji'ica;1 thoughl ", assim 0 define (TdA), Ibidem
L1boue Kagabo. K.AGABO. L. ; AleXJs .Kagame (1912-1981): Life · and Thought, in MW., A
" Cit. pp.93-115
Companwn to Afman Philosophy, Blackwell Publishing, 2006, pp.231-242 . Outros estudos

r
1
M U N ,T U f S M O 1 37

La philosophie bantu-rwanclaise de l 'Être é a tese de doutoramento de Alexis ~Pórfün, que coisa é o -Homem? O Homem é o Homem. Os dois efoditos ironizam
Kagame pela Pontifícia Universidade Gregoriana. Uma obra monumental, -~:d;tupidez dos europeus que consideram esta definição infantil 46 , ;
ç- composta como uma Palabre africana entre dois eruditos: Kama e Gama, os quais ._- -J(agame retoma e sintetiza a metafísica _do primeiro texto de 1956; no artigo sobre
() conversavam a respeito de variados temas. Da sua conversação pode-se deduzir a á etnofilosofia, no qual apresenta as categorias do ser na .filosofia :"Bantu". Indica
ontologia bantu-ruandesa. O intento era demonstrar a possibilidade de fazer - .qu;tro categorias "unificadoras": "l. MUntu=l'être d'intelligen2e (Homme) . 2. ijl
filosofia, mesmo perante a carestia de textos, como de resto foi feito em muitos , ' Klptur=:=l'être sans intelligence (chose). 3. HAntu=l'être-localisatepr (lieu-temps). j;
c~sos na filosofia europeia. Kagame recorre à análise linguística, 43 em particular 0
. 4, .KUntu=l'être modal (maniere d'être de l'Être)". 47 li\i
if.: ··.:..
da língua kinyarwanda. Quanto ao tema que mais nos interessa, a ideia de pessoa, Come se pode deparar, nestas categorias "nous rt'y avons pas rele .é la présence ni 1 1
.
·'.i ... • .. _lln~ place pour y classer Dieu" porque ':la philosophie Bantú !'a ai:nsi lasse .dehors
' J . ~

o autor analisa o termo Muntu, composto pela raiz - ntu (ser no sentido genérico) .~ !
e pelo prefixo mu , com o plural ba (inteligência), defi~indo assim o Homem (ou d.es catégories de l'être" enquanto "Dieu n'est pas une essence 1: un ntu" mas· é
pessoa) como Ser de Inteli~ência. Aos que acusam as línguas bantu de falta de "un Préexistant placé en dehors des ntu 'A 8. É então impróprio deeynir Deus como li i
capacidade abstractiva, Kagame demonstra que a língua kinyarwanda é capaz de 0 Ser--supremo, porque para a filosofia bantu, este não faz parte ~a categoria dos t\ 1 :

abstracção: basta substituir ~o prefixo mu (que exprime o concreto) o prefixo bu seres. Os seus nomes mais apropriados são "Préexistant, Existant Eternei, :i 1 [t
(que exprime o abstracto), de modo que u-mu-ntu significa Homem e u-bu-ntu Créateur, Tout-puissant, Tré-Grand (ou Grand-Esprit)" .
49
I !! · f[
Os únicos seres vivos na filosofia "bantu" são o Animal e o Ho~em, os únicos f~.
44
humanidade . Desta feita, Kagame denuncia que "certains représentants de la 'I'
culture européo-américaine ont laissé longtemps courir l'opinion que les Bantu dotados de sentido e movimento espontâneo, que nascem e morr~m. 1 O princípio .•li ;l J
étaient incapables d'exprimh l'abstrait.Nous somrnes à même d' affirrner, au
,
vital do animal é a "sombra" que no momento da morte desaparyce. O Homem,
1
1 Í;
cootraire, que toutes les tangues Bantu comportent une classe réservée à rendre diferentemente, tem um duplo princípio vital, a "sombra" como ios ·animais e o : . \ 1:i
~:
1:"
·f 1 1
les abstraits, à savoir celle du classificatif bu tavec ses variantes régionales, bo, princípio de inteligência que não tem nome por todo o perío,do de vida do ·; ' \L
vu, ou, u, etc ) .45 . 1 ;: · ·1:.
:'; t,, ! ., l1
"Cfr. .KAGAME A., La Philosophie baniu rwandaise de /'être, Bruxel/es, 1959, pp.22-23 " Cfr.KAGAMEA.,LaPhilosophiebanttt ... ,o.c.'. p.118 : ·; i: ~(_
•• Queremos por enquanto deixar de lado a precisão ou menos deste tennó, para sublinhar como, " "1. MUntu = ser de inteligência (homem). -2. Klotu =ser sem inteligência (coisa). 3. HAntu = ser- ' ·'
pese embora a imprecisão , este termo teve sucesso na África do Sul pós-apartheid (movimento do localizador (lugar-tempo). 4. = KUntu ser modal (modo de ser do Ser)" (TdA), KAGAME A, ' ~-
ubuntuismo) L 'Ethno-philosophie ... , o.e., pp.101-102 · M
" "Alguns representantes da cultura europeia-americana deixaram por muito tempo correr a - ~"Nós não detecta11XJs a presença nem um lugar para categorizar Deus" porque "a filosofia Bantu \
opinião de que os bantu eram incapazes de expressar o abstracto. Nós ao contrário, somos capazes o deixou fora das categorias de ser" enquanto "Deus não é uma essência, um ntu" mas é "um Pré- 1

de afirmar, que todas as línguas bantu têm uma classe dedicada a render o abstracto, ou seja , a da existente colocado fora dos ntu" (TdA), Ivi, pp. 105-106 1

classe· bu (com as sua s variações regionais, bo, vu, ou, u, etc" (TqA), KAGAME A., L'EÍhno- " "Pré-existente, Eternamente Existente, Criador, TÓdo-Poderoso, . Grandís;simo (ou Grande
philosophie ... , o.e., p.97 ; . Espírito)" (TdA), Ivi, p.106 .
' '
·· .-..,.__
!

DAS fDEl;\ S
:<! U ,"< TU i () ;·.i O 1 39
-~·--. ·- ... -

· HOmem, más após a: morte recebe o nome ("ser de inteligência privado de vida") . duas finalidades, conhecer e amar, regulam consequentemente, o agir do Homem,
50 'que a teologia clássica identifica no conhecer e amar Deus e que permite o
·e óã6 será mais um "ser vivo", mas um "existente" .
:Qu·ando'·' é ·que ·o Homem se torna um . ser de inteligênCia? Algumas reg10es alcance do fim último do Homem: a posse eterna de Deus . Para a filosofia
'fbantu" afirmam sê-lo desde a concepção, outras desde a imposição do nome, . '~l:iantu" a finalidade do Homem é determinada pela sua "forma" de .macho e
outras ainda (zona meridional) desde o alcance da idade da razão . . · fêmea, e, por consequência, é a procriação, que permite a continuação da
Entre ·as faculdades internas do Homem, Kagame nomeia a "Intelligence ", ' ' Únhagem. Resulta, então, que morrer sem descendência é a maior desgraça. Não
•, '

''cceur" e "mémoire ", (inteligência, coração e memória) e nota que "le coeur, ' ,. '~- existe pt;nição ou recompensa no Além porqüe tudo se reali za aqui, na existência
qu'il ne faut pás confond~e avec l'organe matériel de ce nom, représente ce que la -terrena, assim como o princípio vitai, 'considerado imortal, transmite-se
l
culture européo-américaine appelle la volonté. C'est à lui · que reviennent les indefinidamente de uma geração à outra.
l )
fonctions du vouloir (chercher) et du choix"51 , e onde reside a "liberté" Sendo esta a finalidade, ela regula o agir. A Lei principal será a lei do sangue, que
(liberdade) e a "concupiscence "(luxúria). dura mesino depois da morte, por meio dos antepassados: "Et cette loi enfim, de J.r
Discutindo-a. ética "bantu", Kagame afinna que "l.31 regle fondamentale de !'agir, • la communauté du sang, seront fondées les rêgles de l' occupation du sol et les '(
et de l'utilisation d'un être est basée sur sa finalité interne"52 . Esta finalidade instituitions politiques dans une société clanique, ainsi que les costumes ou rites J('
"encarnada" modela igualmente a própria ·forma do ser53 . Qual é, então, a entourantla célébration des mariages" 55 . Kagame indica _duas categorias de lei: as .l
"finalidade encarnada" do Homem? Esta não deve ser procurada naquilo que o de conteúdo jurídico, que não obrigam a consciência, ao ponto de, se o culpado
!Ir
estiver em altura de burlá-las , a sua astúcia será digna de admiração; e as leis-
Homem tem em cotntim ·com os animais, mas, no princípio vital de inteligência ., \i
.!
tabú, puramente religiosas, de carácter "negativo", ou seja, que não obrigam a ~e
próprio da natureza humana: "Or le dit principe vital a été réalisé avec une double
"pointe" (pour rester dans l' exemple de la fléche ), à savoir l' intelligence et la ' ' cumprir, mas a evitar determinados actos : nestes casos, a sanção não dependerá
'volorité (celle ci étaht le coeur chez les 'Bantú') 54 . Para a filosÓfia clássica, estas dos juízes, mas tarde ou cedo se manifestará espontaneamente. Um Homem pode
ser culpado mesmo que não., o tsaiba56 . Para remover a sanção deve' .fazer
exactamente quanto lhe impõem os. ritos tradicionais. Deus é o garante destas leis-
"' Cfr. Ivi, p.108
" "O coração'. a não :~er confundido com o órgão material com este nome, representa o que a tabú, e pode castigar as transgressões até ao ponto de extinguir a descendência do
cultura europeia-americana chamada a vontade. A ele se referem as funções da vontade (procurar) transgressor. Emerge, então, a quíestão se as leis-tabú obrigam efectivarnente à
e da escolhã" (TdA), Ivi , p.109 ·
" "A regra fundainental do agir, bem como a utilização de um ser é com base na sua finalidade
consciência, isto é, requerem plena consciência e consenso, inteligência e
interna 11
• • ·~·i::' ~" · ·' vontade. Esta ·condição, todavia, não se apresenta corno necessária para que se
(TdA). Ibidem
.~ ~ii[oo,: por· ~~e!'Ílplo~ a_forma da flecha é ?e ser afiada porque a sua finalidade é perfurar. Cfr.
>Ibidem. . ··; .•<·. · ·..... ,, ,· · . . . " "E em fi·m nesta lei , da comunidade de sa ngue, serão baseada s as regras para ó uso da terra e
;. "No entant.o, o i:litop_r.inc;ípio ~tal foi realizado com uma dupl~ "ponia''. (para ficar no e·xemplo da instituições pollticas numa sociedade ba seada em clãs, bem como os coscumes e rituais em torno da
seta); ou se1a, a uiteligêricia e a vontade (sendo esce ültimo o coração para os 'BantÚ') (TdA). celebração do matrimónio" (TdA), I vi, p.111
Tu~ ' ' " Cfr. O tema das "culpas in conscientes" já analisado acima por Tempe/s.
!
[V] U N \ LI Í S !vi O 1 41
-'•-'. -

possa reconhecer a sua transgressão formal. Somente por analogia, isto é, graças à das quais provém a informação. Analisa em modo çietalh~do os ternas da
força da influência do cristianismo, se pode falar de obrigação de consciência nb bantu, do "Préexistant" e do "L'Existant-sans-intelligeI}.ce" já v.istos de
âmbito das violações de tais princípios religiosos 57 . .~odó sintético no artigo supracitado (Ethnophilosophie Bantu .. ,). A análise
Com vista a suprir o deficitário método de Tempels, na sua segunda obra :·:detalhada do capítulo Muntu, Existant d'intelligence (já antecfpado no artigo
filosófica La philosophie bantu comparée (Paris, 19,76), Kagame sustenta que a ;etnofilosofia) é fundamental para a nossa pesquisa em tQrno da ideia de :

falar de uma "Filosofia Bantu" requer o seguinte procedimento: "a) Prendre une :.pessoa na filosofia africana contemporânea. . , l : 11
'!,
~one cu ltu~elle determinée jet en identifier les élémeI].tS philosophiques incarnés · · fAos olhos da cultura bantu, o Homem é também uma espécie ~nimal, com um !:
1

j'.'. 1
dans la langue et dans les i\1stitutions, dans les contes, récits et dans Ie proverbes, ·. princípio vital análogo àquele dos seres "purement sensitifp". Exi~tem, porém, li! i;'
en évitant leur aspect qui re1éve de l'Ethnologie; b) Étendre ensuite ces recherches "regii5es bantu" que destacam "une :différence essentiel entr~ l"'. 'ombre .d~s
1
li i''
sur tout l'aire Bantu, dans Je but de vérifier si les mêmes éléments s'y retrouvent purement sensitifs et celle de 1'homme," 61 . E será desta diferenç~ que se. ocupará ':
ou non. La conclusion serait qu'on pourra alars ou reconnaitre l'absence d'une . ..;
Kagame. La vie végétative (vida vegetativa) não é senão uma analogia (pu_isque 1e ·1 l
Philosofphie Bantu, ou afiooer son existence réelle". 58
végétal n 'a pas de principe vital, mais celui de viridité/ . ~lgu~as tribos falam
2
:11
No primeiro capítulo, Kagame elenca todos "Les coauteurs du présente ouvrage" da alma (muya) como de alg~ p~rten~ente .ªºHomem e ao ammal! outras como de :1:
(co-autores ela presente obra): 405 textos e informantes entrevistados, 180 línguas algo próprio do Homem (pnnc1pe V!tale immortel). O termo mui)'a (o moyo) em ,
analisadas, querendo conferir, desta feita, dignidade de "filósofos" aos sábios tjue outras tribos é substituído por mutima, que quer dizer coraçã.o, não apenas como :
1 ;lr
1
passam a sapiência da "civilização bantu" de geração para geração 59 . As línguas centro afectivo, mas também como centro da vontade-liberdade e outras 'I
são um elemento fundamental da civilização bantu porque mantêm viva a tradição qualidades humanas 63 . Com a morte, a alma separa-se do corpo e começa uma ·I'
,
que se actualiza continuamente na transmissão dos valores seculares. Pode~se • '
grande viagem. Vida e espírito (l 'âme) .não são a mesma coisa, porque o espmto e
, • , '1 l
:! i
dizer que se trata de uma filosofia viva que se renova continuamente na ' 1

60
ciralidade . Na análise dos vários termos, Kagame eira continuamente as fontes ,, 1 : "·
i !.

"Cfr . Ivi, pp.l il l-112 -- .• ; . ;


do nome Bantu, derivado da classificação das línguas africanas que têm em comum os sufixos Ba
'."a) Considerar uma área cultural específica e identificar os elementos :filosóficos consagrados na
(Ba-Sprachen) e ntu. Cfr. Ivi, pp.52-53 . ' f ·i ' . ,'
linguagem e rnstHu1ções, nos contos, histórias e provérb.ios, evitando o que é da Etnologia b) " "urna diferença fundamental entre a somb,ra dos puramente sensoriais e a do;hon)ern" (TdA), Ivi, . 'i
Estender a pesquisa , em segutda, a toda a área Bantu, a fim de verificar se os mesmos elementos se p.227 .· i ;
encontram Já ou não. Em conclusão é que podemos então reconhecer a ausência de uma Filosofia ""desde que a planta não tem princípio vital, mas de vegetal verde" (TdA), Ivi, p. 228
Bantu ou afirmar sua existência real" (TdA), em KAGAME A, La philosophie bantu cornparée
m É interessante notar que para a tribo Gitonga (da região ·na qual vivo há 12 anos) o termo .que
Presence africaine, Paris, 1976, p.7 '
indica coração é monyo, idêntico ao ternio alma de outras tribos. Cfr. AMARAL'B.A, Dicionári9 de.. i
·'' . O segundo capitulo será ji1stamente dedicado ao tema da "civilização" e dos seus elementos
cons.ti tu ti vos. Português-Gitonga e Compêndio gramatical, Ed.C.M.O, Oeiras, 2007, p. 41. M4is adiante;" Kag~me ;;'.:1'<'.'
cita o etnólogo H. Junod, que a propósito da tribo Ronga, do sul de Moçarn,b~que, ª.~rrna ~?:.~ iZ~;: ! · ·•·
"'É inte.ressante notar que a falta de fontes escritas não é um !.imite para a.filosofia africana antes
indígenas acreditam certamente num principio psíquico independente, urna alma, que e o prrns~eto :··
. pelo contrário, esta não é uma filosofia fixa mas algo de vivo. Kagame explica igualmente a ~rigern
vitaldoHomem.Aistosechamamoya.Ivi. p.234 •i: -.,'. •c., .. ,'.~('{1;
. 1~z. . 1 H·- --FS- T ó-- R I .·\
- ~ . -
D AS l D E 1A S

. 0 princípio vital e a sua união com o corpo constitui a vida. Em muitas tribos, ci ~tu~o à-éviternité ("durée de ce gui a commencé-à-ex1ster, mais qm n'aura pas ele
espírito ê chârnado moya "principe vital d'intelligehce".64 · t an t)" 69 .
:'' -·tfo;-1'
- éterni te, == duree
, tot al du p reex1s
,
Ertfqnase tÓ.das as tribos bantu, os sentidos externos restringem-se a dois, vista ~ , :<:Como vimos, as faculdades do princípio vital de rnteligência são duas:
. audição, que c0trespondem analogamente a uma capacidade, a de comprêender. E· :~ :-~i~t~ligêpcia (com a vontade) e o coração. As propriedades da inteligência são as ;~ ·~
, 0 ' mesmo termo que condensa a · percepção auditiva, _ do tacto, ·do pa,ladar e a ··
olfactiva: "des 5 sens externes dont les perceptions·sont designées chacune par um
·'"'' estiras da "filosofia universal": conhecer, memória, propensão para o bem,
;coifrer, desejar, querer, reflectir, comparar e inventar. As propriedades interiores
1
tetme spéciale, ·elle en·a fait deux; puis les deux fondamentaux ont été finalement ' ('
Ó;Homem são totalizadas no coração, concebido como centro da vida afectiva e
· réduits à l'ünité,' au stade ultime de l'intellection."65 ,1: (
i·"erilo~io;nal; fonte da vontade, sede da vida intelectual e consciência do Homem,
Eritre os Banfo, não existem "sentidos internos": existe a memória e a imaginação ,){:/~~· qual se encontra "la personnalité même de l'ho~me". .Em conclusão, "la
70

que podem serccinsideradas faculdades integráveis' nas actividades da inteligência ... / .t,
.,/'i!'::.''?:;:'
... ,, .. ven e, la pensée, les iclées, etc., ne sont pas dans la tete, mms dans le ca::ur qrn
e do coração, "lequel cbrrespond à la volonté-liberté de la Philosophie -l .,,, '> ' 71• "

' , ,,66 ::: ·. ·siege en notre sem _


europeenne . ·A:propósito da vida eterna, Kagame reconhece que os termos usados .sao
buscados· da cultura semita e europeia, mesmo ,quanclo a cu,Itura bantu a expnme
O princípio ::vita~,- de inteligência não tem nome enquanto permanecer no Homem
segundo o próprio génio: importa distinguir entre vida. e existir; a vicia pressupõe
vivo: "la raison! en est que l'homme est justement le corps uni audit principe
um corpo .ainda unido ao seu princípio vital, e "ceux qui sont morts ne sont plus
vi,tal" 67 pelá, que "c'. est là une conception totalisante de l'homme: l'ombre
Vivants"72 de modo que à expressão "vida eterna" se deve substituir "existir
dénommée .dans l'homme, parce qu'elle ne forme pas sa :nature spécifique. Le
eterno" (se poderia falar de "vida" eterna apenas pór analogia). Se "retorna" à
princip,e .d'intelligence, au contraire, uni dans l'actualité avec le corps, c'est lui
- ~'vida~' eterna apenas após a ressurreição dos coq)os.
l 'homme. Des que le corps en est séparé, le príncipe vital d'intelligence continue
Como terão os Baritu chegados ~ ideia de que o princípio ele inteligência su~siste
son exister indépendamment de la matiere" 68 . E, enquanto nos animais o existir
mesmo depois da separação do c'o ~pb? Primeiro, partindo da consiatação de que o
cessa e.oro a_morte, no Homem, contrariamente, o existir segue a sua trajectória
sonho, por exemplo, é uma activicla~e que não segue o corpo que dorme e l~va o
'" "principio vital de inteligência" (TdA), ]vi, p.23j .
~ Homem a "viajar" e encontrar tan~as pessoas vivas e mortas que, :deste ·modo,
"; "dos' cinco sentidos externos cujas percepções são denotadas cada uma por um termo especial,
ela (a cultura bantu) concentrou em dois, então os dois fündamentais foram finalmente reduzidos à ,,; éviternité ("período que começou a exi stir, mas' não terá fim; a eternidade = a dur ação total cio
tmidade, o estágio final da intelecção" (TdA), Ivi,p.238 '
Pré-existente)'.' (TdA), Ivi, p.241 .
· ~ . ~!qàe corresponde à vontade-liberdade da Filosofia eur,opeid" (TdA), lvi,p.239
"'"a personalidade própria do homem" (Te/A), !vi, p.242. Ainda Junod, citado po~ Kagame, relere-
' '::"Arazãn é que o homem é justamente o corpo unido ao princípio vital" (TdA);Ivi, p.240
7

se ao coração como "siege du génie et des dons . intellectuels '.' (sede do gemo e da s dotes
" "·Esta' é üina concepção' totalizante do homem: a ·sombra cc\nhecida no homelll; não forma a sua intel~ctuais), e lugar do qual provêm as decisões da vontade. Cfr . lvi,p.246 ·, "
:patuteia rêspecífica. O princípio da inteligência, ao contrário, 'unidolia actúalidade com o corpo, ~" "A;verdade, pensamento, ideia s, etc. não estão na cabeça, rnas no coraçã o que se assenta em nos
~le: e 'ô hôinem>Uma vez que o úirpó é separado, o princípio vital de inteligência continua a existir
(TdA), Ivi, p.247 . __
. ind~penderitemente da matéria" (TdA), Ivi, pp.240-241 ·
""Aqueles qüe estão mortos não estão mais vivos" (TdA) , lv1, p.2))
fVJ U N; T U Í :s iV! {) ~ 45 il .

continuam a existir mesmo depois da sua morte. Segundo, constatando o desejo · úrn elemento fundamental da religião é a moral. A moral indid os actos para o
inato de viver infinitamente. Desse desejo activa-se a auto consciência do :·: ~ ... alcance cios fins. O fim típico do Homem, diferente daquele cios animais, diz
princípio de inteligência, que conduz à aquisição da certeza da própria :~ : ,·, ~respeito àquilo que ele é ele verdade: a inteligência e a vo ntade ~coração, para os
lncorporéité (incorporeidade), a qual exclui a eventualidade .da morte, que bantu) , com vista a escolher o bem e evitar o mal. Não set trata de regras ~!i
pressupõe um princípio unido à matéria. A imaterialidade, incorporeidade, conduz ._ , ·inventadas, mas d~ atitudes ele base fundadas na natureza, liber.dfde e cli~eitos d.o 'J i \i
à certeza ela .imortalidade e corresponde à espiritualidade ela alma, o ·princípio vital .. Homem, que, se nao observados, subvertem e desagregam a sociedade. Sao as leis J
elo qual a inteligência é uma das faculdades . > gerais da Moral natural : "l'ensamble , d~s pr~nci~es qui gui1ent les, ACTES i, t.I 1

Por fi m, Kagame procede' a uma class ificação cios antepassados, dos "tipos" e .:\ .. HUMAINS pour les rendre conformes a l honnetete perçue par la ,fwnz ere de la 'i · ·. ~
•lugares da sua presença e !conclui que a ideia da reencarnação não faz parte da Raison ". 75 1 ! '''
cultura bantu: os espíritos não se reencarnam , mas podem estabelecer uma ligação Por acto humano se entende todo aquele cumprido com plena conkciência (rôle de
1
.t
estreita com os seus descendentes no momento do nascimento. l 'intelligence,· papel da inteligência) e pleno de consenso (r~le idu caur ·ou I' [
Nos últimos dois capítulos La religion des Bantu e La Philosophie et la religion ~ 1 volonté; papel do coração e ela vontade). O que significa qu~e a inteligência 1. \:
ba ntu face à la colonisa tion et au christianisme, Kagame apresenta a essência .
~ ilumina a verdade do objecto, qualificando-o como bem ou mal, e o coração, a J, ~
;~
metafísica ela religião bantu no confronto do c1istianismo. A religião bantu, ;i vontade, determina se escolher ou não. A inteligência não. tem rbsponsabilidade, i; 1

-~
1
contrariamente às religiões reveladas, é uma religião metafísica (porque natural), .f) pois é o coração, a vontade, a causa eficiente elo acto humano. Existem duas 1
' ! i .
"est l'une eles branches ele la Métaphysique" 73 . Os dogmas e a moral desta religião "causas" do acto humano externo ao Homem: o fim e a lei. E~ta última, como 1 • fi' ~··
"relévent forrnellement de la Métaphysique"74 . As verdades desta religião, deSCiito no artigo sobre a etnofilosofia, divide-se em leis jurfol.icas e leis sem ;i .
·· ~:

!i
~

inicialmente formuladas por pensadores anónimos, foram transmitidas de uma conteúdo jurídico, mas que, contrariamente às primeiras, obrigam a consciência. 1
·I' ...
geração à outra ao ponto ele tornarem-sé..- croya~ce traditionnelles (crença As primeiras requerem um acto humano, conhecimento e vontade, enquaD;tO as \; ·
li r1 ·· Al·· .i

tradicional), de 99 % elos Bantu. Estas verdades transformaram-se em religião. De segundas não. ~ 1 ~•


•' 1 .,

que modo? O medo da morte, das doenças e das desgraças obriga a recorrer iaos O fim último do Homem é deterrni113do por Deus . O Homem pode dispor apenas , I! · l
seres considerados capazes de vencê-los, Deus e os antepassados. Para ter acesso :~ 1
dos _fins med,ia~os (fi~s-moyens):,c.pand~ o Horriem: Deus não ~sa ~utro modelo ;1i'.)i . lJ'. ,j
senao ele propno. Cna o Homem e, o onenta para s1 mesmo, de ·mqdo que a sua : b~)
·:;
a este "remédio" se deve recorrer aos adivinhos, capazes de inventar formas de . r,:
x:
1
f'·
culto que mitigam a·s "exigências" dos espíritos e antepa,ssados. realização consista em reconhecer quem o criou: "ainsi dan~ la Philosophie:;JJ,J ;\~ ;~
théologicisée, la fin ultime de l'homme a été déterrninée à partir de ses deifX \';~::; ')~ ~
facultés spécifiques. C'est évidemment la conception indispu~able .: ·.a\!,_· p9si'k · i'.~
''"É um cios ramos da Metafisica" (TdA), Ivi, p. 270. Kagame recorda que a matéria que estuda •. , ~~::\\~; i ·~~
Deus e a religião do ponto de vista racional é a teodicéia , a qJaJ é aplicada também à religião
bantu. cbni6~·~~~{~;· ' $~
""provêm formalmente da Metafisica" (TdA), Ivi, 269
'' "Conjunto dos princípios que orientam as ACÇÕES HUMANAS para
honestidade percebida pela luz da Razão" (TdA), Ivi, p. 275 . :···<\::~\t~~ii~ .i
~
~~
' ...- ·~

[\,.j U N 1 U l S 1\J O \ 47 :'.('


r
,('
/r
Ji~ : .Ao contrário, a mensagem evangélica não pode ser privada da sua
; ;..côn_victions''76 . Não existe recompensa ou castigo no Além, existem soment"
êh~J~. sem trair a si mesma. Por isso, nenhuma civilização pode ter
V <nestâ t~rra. O fim não é a posse eterna de Deus, mas a recompensa nesta terra, q~i­
:t:Ób~ê :o cristianismo, definindo-se "cristã" como tal, mas todas, incluindo
i> , · · é"qnsjs,te nq.. posse dos "biens de la fortune; le.s biens de la personne (sant6t:"
· :{)odem apenas ser cristianizadas no contínuo ensino da Revelação de
i . . ' r~çhesses, .honneurs, Jongévité); les biens de la progéniture (mourir en lassant sã;
l des~endànce assurée) "77 . O mal maior é morrer sem descendência. Isto nãg,
fàpte ·.isto, Kagame conclui que "il n 'y a pas de raison prévisible qui
1 < •. · ápenas porque a procriação é o prolongamento de si próprio na história, ma§;;;, )'[.
1. .· ;· i;oq!·etudo porque é a realização do fim do Homem criado em dois sexos diverso~~
'fá'.ft 1e culte des ancêtres de continuer à gêner la Christianisation
·enfi~Jf de notre Civilisation"
79
. t (
J Quem não procria não realiza o fim último para o qual foi criado por Deus. Firit:
iJ.:~kxis J(agame, cuja filosofia "has been trapped under a kind of ideology, } ~ ('
1 último e fundamento da religião bantu é a perpetuação do género humano, razãó'.:
.pela qual os .Homens devem salvaguardar a continuação da vida; os antepassado~'t ·~Sd~§!Ógy . of ethnophilosophy, which has impeded the appreciation of other .-(
devem proteger os seus descendentes; Deus deve vigiar os actos do Homem de~k ~?.ét,faof his work" 8º, assistimos à passagem da filosofia bantu à etnofilosofia, ·r
modo a manter a sua linhagem. Desta feita, a religião bantu é antropocêntrica. ·1 kii:~hegar à filosofia da linguagem, capítulo emergente na filosofia africana.
, ... •'."'

Kagame afirma que na religião bantu Deus não é o centro, mas não o é sequer 0 : ~;.
indivíduo: "e'est plutôt la perpétuation du genre hmnain/é, acima de tudo, a .i c) Vincent Mulago (Ser como união vital)
perpetuação do género humano" 78 . A religião bantu "confunde-se" com todos os .~ . ·· --

eventos da vida, com a medicina, a ciência, a superstição, a magia. :.;;'.i(l.'ifiifaô vital Bantu é o tema que nos interessa da obra de Vincent Mulago, que
::;:ê~~ontramos na sua tese de doutoramento em Teologia
81
Kagame conclui a sua · obra polemizando problematizando a expressão Trata-se de uma

~-'civilização cristã", definindo-a como uma expressão profundamente anticristã, /·p~squisa que envolve três grupos africanos Bantu: Bushi, Rwanda e Barundi. Do
pois .identificaria o cristianismo com uma só civilização, a europeia, e serviria ·_êshidó da fenomenologia da pnião vital bantu, Mulago "ousa" apresentar as
para justificar a supremacia e o destino histórico ele substituir todas as demais ~spiraÇões da ~lma bantu como pe&ras fundamentais para a unidade eclesi;l. Em
civilizações. A pretensão de superioridade antropológica da Europa, baseada, de ~ s,í11tese, trata-se de uma reflexão ; a partir da união vital bantu e abordagens
facto, na diferença tecnológica, foi subtilmente justificada com a pregação do . ' i~ológicas do mistério da unidaàe ~a Igreja .
.cristianismo. ·· O cristianismo foi europeizado e reduzido à religião do

' '
'" "Não há nenhuma razão previsível que impediria o culto dos antepassados de continuar a
'~ "tainbém na Filosofia teologizada , o fim último do homem foi determinado a partir das dua s suas
dificultar a cristianização genuína da nossa civilização" (TdA), Ivi, p.319
. fa~ulda~es específicas. Esta é, obviamente, a concepção indiscutível das nossas convicções" (TdA),
., "Foi presa sob uma espécie de ideologia, a ideologia do emofilosofia, que tem impedido q
.,: IVJ; p.283
apreciação de outros aspectos do seu trabalho" (TdA), AAGABO L., o.e., p.231 . .
·X"Bens ela fortuna , bens da pessoa (saúde, riqueza , honra, !Óngevidade); os bens dos descendentes " MULAGO V., ·Un Visage afrícain du christianisme - L 'union vila/e Baniu fa ce à l 'wiilé vita/e
(mor,rer deixando os descendentes na segurança ) " (TdA), Iv1, p.284
",lvi,' p. 304 ecclesiale, Présence Africaine, Paris, ! 965, 263 pp.
[ ;
'li, 'l _,f ;í,l '.[' 1: í é,. ;vi.) l 49
48.. . 1 '~, t ~~
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.. ('·_, D I'•
,_, ..•', .,_

No capítulo primeiro, Mulago apresenta a exortação de Pio XII na sua encíclica .,,: purificação e expiação. Os gémeos ~ ão considerados seres ext,raordinários, cujo
Evangehi Praecones ao respeito e à adaptação às diferentes culturas a fim de · nascimento deve-se a uma intervenção sobrenatural, devendo-se a tal a
~
83
alcançar n plena unidade, isto é, a unidade na diversidade ou n diversidade na . necessi.dade de cerimónias misteriosas que os envol vem .
unidade. Mlllago interroga toda a acção missionária católica em África com vista .···. o .matrimónio é um acto de vida. É necessário consultar os ;antepassados das
a evitar os perigos do pagnnismo primitivo e do novo paganismo moderno. ·:,;,~ famílias para que seja abençoado. Isto implica sacrificios, sob~etudo ao. "grand~
Desenvolveu o "princípio da adaptação" como encontro entre as aspirações do '<esp,írito" Lyangombe. As cerimónias do matrimónio são ch eias de símbolos1
1

povo e a ;mensagem crist~. O objectivo a alcançar "c'est que !e peuple converti . ,,;~-e,mpr~nhados da ideia de união vital, ~e participação e de comm~hão com todas as
' : coisas - visíveis e invisíveis - e c;om todos ~s ~amili35es 1irectos,_ par~ntes~ i
' 1
· pense et vive le Christ et !e christianisrne avec son âme propre et pour cela, il faut
que te missionnaire crée 9ans son champ d'apostolat un milieu vital ecclésial qui . vizinhos, e cerimónias complementares. O matnmomo n~o drz respeito apenas·,
pérn1ette aux fideles de saisir directement le Christ dans un contact immédiate et aos dois nubentes, mas a uma "profunda · aliança" entre dua~ . famílias e duas ·
parentelas. Existem "impedimentos ao matrimónio" que têiy como objectiv9 !
84
personnel. L'adaptation n'est rien d'autre que cette présentation du message
crétien par son aspect le plus en harmonie avec les aspirations du peuple à gagner • salvaguardar intacto o clã, a solidariedade familiar, a sucessã~ e a conservação;·
au Christ"82 . dos bens familiares: "le principe premier de la vie du ~untu, c' est son
, Mulago passa a tratar da Fenomenologia da união vital tocando apenas "quelques .~ prolongement, sa propre extension, ainsi que la continuité, l' épanouissement et l~ :
85
pbénomenes éloquentes" (alguns fenómenos eloquentes) da viela elos povos bantu pérennité de sa famille, de son clan, de sa tribu et de ses ancêtref ·1
dos Bushi, Rwanda e Burundi acompanhando o Muntu na sua vida familiar, da É incontestável que a farru1i~ constitui, para_ os B~ntu, a,ba_se :da unidade social ;
1
nascença à morte, da vida político-social àquela religiosa. qµe tem como princípio onentador a sua mtegndade. Ex1st1 um antepassad~
A respeito do nascimento, Mulago confirma quanto vimos em outros contextos, comum como fundador do clã a partir do qual o clã se desenvol~e. O conjunto do3i .
ou seja, que para estes povos não existe .--felicidade maior do que se tomar clãs, sucessivamente, 01igina a tribo, ligada .ao mesmo solp .e pela mesm~ 1

autoridade ou soberano. O grupo~político não se funda sobre 1uma parerúela d~


1
'progenitor. A mãe que concebe entre oito e doze filhos é feliz e tem Deus da sua
·. • - !
' parte. A poligamia tem como fim principal dar ao pai e à tribo a sensação de sangue, mas sobre. a pertença a ,utn solo. Nos dias que correm 1 esta orgamzaçaq
poder e força, prolongando e perpetuando o clã. Se todos os filhos nascem . política é substituída pela monaçqiia ..
'1
"nonnais" há motivo de grande alegria, mas se morrem logo após o parto ou
1 I
nascefi1 deficientes ocorre uma grande preocupação, e por isso se realizam ritos de 1
l
"Cfr.Ivi, p.41. ·.
' ~" é que as pessoas convertidas pensam e vivem Cristo e o cristiani.smo com a s~a própria alma e " Mulago recomenda os estudos de P.COLLE, Essai de Monographie des Bushi, pp.82-86, citado in
para .isso o missionário deve criar no seu campo de apostolado um ambiente. vital eclesial que Ivi, p.55, 43 e 44 .. . ·='~::'·: .
· ·:permita aos fiéis a se aplicarem directamente a Cristo em um contacto imediato e pessoal. " "O primeiro princípio da vida do Muntu é o .seu prolongam~~to,, a .sµa ~rópr:ia _extensão, e a
~·')'Adaptação não é senão a apresentação da mensagem cristã no seu aspecto o mais possível em continuidade, desenvolvimento e sustentabilidade da sua farru1ia, do seu.clã, qa suaJnbo ~dos seus
~-
. -':har~.i\ia: com as aspirações do povo ao ser conquistado 'para Cristo" (TdA), Ivi, p. 30.
; -.< 1 • ,_ • .' ~ • ~
antepassados" (TdA), Ivi, p. 67. t ,.

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· A vida dos Bantu, afirma Mulago, é uma comunhão com o outro 86 : Não existem ae "simpatia", no caso da magia, e representantes enviados por Deus para
· pessoas isoladàs, nem farru1ias isoladas, nem vidas isoladas. Há uma aliança entre 0
.
vaticinar, no caso dos ad'ivin
. hos 91 .
os clãs cujos chefes, com todas as suas fallli1ias, num dia previamente combinado, . Por çulto dos antepassados se entende tudo quanto serve para meter-se em relação
fazem· um "pacto de sangue", que consiste em beber simultaneamente o "sangue" com os seres invisíveis, que são considerados seres dotados ele uma força superior
92
(uma bebida a base de ·folhas cüm sabor a sangue e um pouco de leite) um do " à força da natureza e capazes de reproduzir o bem e o mal . O culto é endereçado
outro. Este gesto simboliza a amizade, a fraternidade, o amor mútuo, o dom de si; ,-aos espíritos dos antepassados (entendendo por antepassados todos os membros
·a füsãó um ao outro, a entrada e acolhida na faim1ia do · amigo, incluindo a \. ·" . qefontos da família e cio clã), ao espírito dos antepassados heróis e de Deus.
· · comunhão dos bens e dos interesses 87 . O sangue é o princípio vital de toda a Os três povos crêem na sobrevivência depois da morte e na troca de revelações
parentela e fraternidade. O pacto de sangue surge também como urri reforço ao entre os vivos e os mortos. Estes permanecem presentes entre os seus parentes,
indivíduo, à fanu1ia a ao clã88 . não só na memória, mas como uma presença real 93 . O culto quotidiano, os
Quarito à religião, esta é "uri. lien d'union entre les hommes,. ou entre les hommes sacrifícios e as ofertas têm como fim prevenir ou resolver todas as necessidades.
et les dieux" ciu "l' ensemble cultuei des idées, sentiments et rites" baseados na Em conclusão, "entre vivants e trépassés, il n'y a pas separation, mais continuité"
crença nos dois mundos (visíveis e invisíveis), o seu carácter comunitário e e isto "constitue une force sociale et spirituelle de la communauté" 94 .
hierárquico, e as interàcções entre estes 89 . Em torno da figura de Lyangombe, Mulago afirma que este era um indivíduo da
Estes povos não são nem fetichistas, nem : idól'atras, nem naturalistas, nem nossa raça, mas dotado de qualidades pouco comuns que o concederam um lugar
animistas, mas "ancestralistas'', porque ligados aos espíritos dos seus "ancestrais", especial na memória dos povos. Entre estes povos, Lyangombe "est considéré
antep·assados defuntos e antigos heróis, tais como Lyangombe. E sobre estes comme une créature dépenclant du Créateur, un intermédiaire entre le Créateur et
espíritos ·criados reconhecem um Criador: Imana entre os Banyarwanda · e les hommes, mais un esprit dépassant tous les autres, un muzimu d 'une espece à
~ .....~

füíJundi, e Nyamuzinda entre os Bashi. MulagÓ conclui que "c'est le clemie'r mot f; , part, plus puissant, plus élevé, plus universel C[lle les autres" 95 . Ele .é um "bon•
s
de la Philosophie et de la religion de nos Bantu". 90 génie" (bom génio) , um "génie húéJaire" (génio tutelar) , "il n 'est pas Dieu,.;mais
A ' magia e o vaticínio, mesmo se simbolizados e visualizados em objectos e il a eu Dieu pour lui: 11 a été spéciqlement favorisé par Dieu''. 96 .

pessoas concretas, não têin a pretensão de reproduzir os espíritos, mas são gestos -J

.., "Cfr. p. 89 .
t t· "' Cfr. p. 93.
"' Cfr. Ivi, p. 95 .
'.' Cfr. Ivi, p.76. ., " "entre vivos e mortos, não há sep~ração, mas continuidade" e isto "constitui urna força social .e
' ' Cfi': Ivi;'p.79: ~·=. espiritualdacomunidade"(TdA), lvi, p. 101. · , ,: ·_·,
·~ ,...
.,.'..,:Cfr. Tainbém as interessantes notas 33 e 34 em Ibidem. . "' "É considerado uma criatura dependente do Criador, um intermediário entre u Criador . e·:ps :'~D_;,::: ;y
; ... .',;,: ,,.:yn\víÍlcillo de União entre hciinens ou entre homens e deuses" ou "o ~onjunto cultuai de ideia, homens, mas um espfrilo sobre todos os outros, um muzimu de uma espécie a. parte) mais pot,e_:~t~;'.'.'!J;- ,':'::
; :;; sentir,nenros·e ritos" (TdA). Cfr . Ivi, pp. 82-83. mais elevada, mais universal do que as outras" (TdA), Ivi, p. 103.. . . · ./ .~ . <;1 ,~;~(' ,/ ,,~{
:·,. :'f,7•"ESta é a última palavra da Filosofia e da religião dos nossos Bantu" (TdA), Ivi, p. 87. "" "Ele não é Deus, mas tinha Deu s para ele: Ele foi especialmente favorecido por:J;leµ~''. , · · ''·
.•.::· .. . ·; .. .,, ...
' -~ .

. "
( )
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,)1 '.. lV1 U N Tu · Í S ?vl O
~ 2 1 H 1s T ó l\ i ."\ D !\ s lD E ! ~\ s ;! : ·

j:

1. )
Da relação de Lya ngombc com Deus decorrem cenmornas e ri tos próprios: fisica ou espiritual, mas de uma vida "totalmente humana". Trata-se de· toda a 'i;
. . d . 'd d d
'
1
~

evocações, ofertas, etc. , a fim que ele seja mediador junto ele Deus . Este culto vida, do ser mteuo, a mtegn a e o ser.
100
it;11 :l1,
aparentemente pobre e insignificante manifesta algo de "interior, espiritual e Os vivos · e os mortos são inseparáveis, interdependentes .. ~om a morte o !!:
1
individual",. Deus é considerado Mwami, um Senhor rico e magnífico : rico acima indivíduo apenas muda de condição. Viver é existir dentro de u~a comunidade, é i .,
!
de todas as, necessidades e imagnífico porque doa da sua plenitude, sem esvaziar- participar da vida sacra dos antepassados, é criar elos pr:ofundos com a 'I:
97
se e empobrecer-se, e não freclama a restituição de nada : "on porrait clone dire comunidade: fanulia, clã, tribo e nação, mundo visível e. invisível!101 i'
que nos peuples conçoiveht Dieu comme la source intarissable de la vie, eles Quanto ao simbolismo da união. Mulago sustenta qu.e o símbold é o instrumento 1 1

principal a disposição das pessoas par(\ entrar em contacto cqm o~ outros e tecer a ! !
. d . \,, 98
forces et es. moyens v1taux1 .
Após ter analisado na primeira parte os costumes dos três povos, na segunda união. Trata-se do esforço do espírito humano em busca de um: contacto com a
1
parte, o autor passa a 1 interpretar os comportamentos estudados como força superior, com o mundo invisíveL !1
Fenomenologia da União Vital: descobrir o conceito central, ou melhor, ainda, a No simbolismo dos Bantu encontram-se três elementos: a) algo qe sensível: seres 1' 1
intuição experiencial que' serve de substrato a estas manifestações, como vivos (pessoas); o totem como símbolo da união clânica; palayras (nomes dos i !
expressão da comunidade de vida, unidade e identidade de vida.99 antepassados, dos animais e das coisas, acções e gestos); b) o paPiel da hierofania, , f 1

Com a expressão "União Vital" ou "Unidade de vida" o autor indica uma relação a manifestação de um poder ou de uma força ; c) o papel unifica1or ,e efectivo de 111 t,I
de ser e de vida de cada urn
com os seus descendentes e com Deus, fonte primária cada símbolo expresso numa linguagem típica da comunidade. 1 ,·
1
~
de toda a vida (Nyamuzinda o Imana) , uma relação ôntica, análoga para todos, Por fim, Mulago conclui que o simbolismo permite a passagemj a circulação de l i ~
i~te~ra~dodtodos esFt~s nívf~isde
:o 1 mV~s ~.
102
com o seu património e todos os seus bens. A união vital é o laço vital que une um mundo odutro, pUlan?_s, sfm fundi-lBos. \ J
entre si, vertical e horizontalmente, os seres vivos e mortos. É o resultado de uma Mulago deien e a ex1stencia e uma i oso ia a mao ita1t entre os. antu. ·\ li
·comunhão, ele uma participação a uma realicfáde comum, num princípio de vida Definindo-se a filosofia como o conhecimento natural das coisas' nas suas causas , : !
~ '( f . ''f. }:~.' !.
comum que une entre si muitos seres. Todos os seres participam de uma mesma e profundas, na sua unidade original;~ a I!ilosofia dos Bantu é implícita, um sistema : i !' ·
i.\nica fonte. É a vida na sua simplicidade, na sua essência, que não conhece coerente e sintético de conhecirn,~htos, crenças, instituições e P;ráticas sobre as ;1· 1,.
interrupção nem mesmo com a morte. Não se trata de uma vida exclusivamente · quais se baseia toda a vida bantu. ~requentemente, este conhecin)ento se dá éomo \: i
"intuition du réel que par l'entendement abstrait et la pensée discórsive, c'est le Tl ·
• • • ! . " 103 :\·:
nome de sagesse qm lm conv1ent le rn1eux . ·• . 1 :; 1!' , .
, , ' ;,::·.:·~:-~:!:: :.l,,
Ibidem. "" Cfr.lvi, p. 118. ·i. .
.';;,,!r7/:::}~ ·
'' Cfr . ivi, p. 112. .
~ : ·. ' "' Mulago tenta uma inter-relação com a Doutrina da Igreja Católica nas pp. 1.3)- 136 . ~ ~~/·'.'·1,<;~ :;i'h:~'.)~ ·
-._ ''. "Então, pode-se dizer que o nosso povo concebe Deus como à fonte inesgotável da vida, das 1 '~. Cfr. p. 146. ·.):-.. ~~·-·~. f~·' :~J.~~~~~,~~~~ii~~~i~~ijf{l:...:.
, forças vitais e do meio vital" (TdA) , Ivi, p. 112. "''"intuição da realidade que pela compreensão abstracta e pensamento . discJrsi ~dt'~'i;é?~·? ,.,,, ·"''-'il;:r.:-:.
·" Cfr. Ivi , p. 115 . melhor lhe convém é sabedoria" (TdA), Ivi, p. 148. Interessante co nfront~ c .ai,cor.,Cl µsii\i'd,.~l
.·y,J(''~
1r-t 1s T Ó H !A DAS IDEl,~S

i
Na últiina parte -o autor p'ropõe-se estabelecer uma ligação ou descobrir "les estabelece entre aqueles que comungam do mesmo pão e do mesmo sangue
! approches" ("as aproximações") teológicas entre o princípio vital que une os desci'do do ceu
, .108
·,
·rnernbros da comunidade bantu e o que une os membros da Igreja, Corpo Místico Em conclusão, diz o autor, radicados na fé nó Verbo Encarnado , que se fez carne
de Cristo'. Este último princípio vital tem o nome de "unité ecclésiale" ("unidade ·para salvar os homens, expressão do amor do Criador pela sua criatura, chegamos
éclesial"), como resultado da participação elos membros ela Igreja no mistério da à fonte da alma bantu. Aqui descobrimos fragmentos de verdade e crenças que
ünica e mesma vida divina em,, Cristo, · através das Escrituras, Hierarquia, podem servir de base para a apresentação do Mistério da Igreja 109 . A comunidade
Sacramentos, especialme nte a Encaristia, o grande sacramento da Koinonia 104 . de vida está no centro de todas as organizações cios Bantu: é porque participam da
Entre os símbolos ela União Vital emerge o ela comunhão alimentar ou de sangue. mesma vida e dos mesmos instrumentos vitais que são solidários uns com os
Esta comunhão vai para além elo quadro racial e abre vastos horizontes para a outros e tão unidos entre si . 11 º
expansão e o alargamento da família. Ela revela as aspirações do Muntu de entrar
em comunhão com o mundo para além do sensível. A oferenda aos mortos, a · ~
comunhão com os espíritos e o pacto de sangue com Lyangombe são, segundo .
: d) Jean Marc Ela (Ser oprimido)
Mulago; o ápice da Koinonia dos Bushi, Banyarwanda e Barundi\05• E conclui:
Se por um lado, a Filosofia bantu ele Tempels é considerada, para todos os efeitos,
"parmi les 1nystéres de l'Eglise, il est un, le Symbole des symboles, le Sacrement
a obra que estimulou o início da filosofia africana contemporânea, por outro, é
des sacrements, qui rassasie pleinement et supra modum cette tendance du Muntu
consensual considerar o texto Des prêtes noir s 'interrogeant (Alguns padres
à Ia fusion àvec son prochain et le monde ·suprasensible". º6
1
negros se inte~rogam) como a obra que m~rca o início da teologia africana
Esta união, continua Mulago, é propriamente "Kotvúwía 10ü aiµawç 10ü
co~temporânea. Trata-se de um texto elaborado por estudantes africanos que
Xptcnoü" e "KotVú.wía 10frtH.Ó~Lm-Óçt0ü Xptcnoü".107
cursavam teologia em Roma, publicado em 1956. Os autores interrogavam-se a
O Muntu crê que participando do mesmo bá~quete florescem influências vitais
respeito da própria identidade •enqµan to africanos no seio da Igreja Católica
que chegam .a todos os participantes, unindo-os entre si, seja no bem assim como
R~mana e sobre a relação entre a ev~ngelização e a colonização. Porque se e~ tava
1

no mal. Embora' esta crença não seja d~monstrável racionalmente, é, pelo menos,
na .vigília das independências afr{canas, tratou-se de um discurso teológico
1uma preparação providencial para a compreensão mis.teriosa da unidade que se
emancipatório.
' i

com a de Renú Brngue, La saggezza dei mondo, Rubbettino, Catanzaro, 2005.


· "" Cfi:. Ivi, pp. 159-209. '" Cfr. P. 215. --:~

"" Cfr. Ivi, pp. 211-212. :;-<,>. :._;. :


>:• "Entre os mis.térios da Igreja, há um, o Símbolo de·símbolos, o Sacramento dos sacramentos, que
.satisfaz plenamente supra modum esta tendência do Muntu à fusão com o seu vizinho e o mundo
.iwcfr. P. 221.
"" Cfr. Ibidem. Na sua conclusão, lvlul ago oferece indicações interessantíssimas a respeito:c!e'. cQ~:};'.;'~j't'
"adaptar" a Igreja à cultura baniu, mas sobrevoamos pois vão para além do .iritentci .dá iiµps · · · · -··· :(
\r ·
supra-sensível" {TdA), lvi, p. 212. pesquisa. Toda via, a elas retornaremos, sem dúvidas, num fut uro estudo acerca , da teq\q· ·,_
''.","cô.munhiio ao sangue de Cristo " e "comunhão ao corpo de Cristo" {TdA) lvi, p. 213. africana .
'11
1

;j.

56 J }l l S T Ó !< 1 A D .' \ S lDE f 1\ S í'v1 U N TU fSM O J 57 1


··- --1

Na nossa reconstrução da história das ideias em torno da noção de pessoa na deslocação geográfica resulta uma deslocação epistemológica'. Em conclusão, • 1
filosofia africana contemporânea, toma-se obrigatório a referência às teol,ogias , .·.·. nem a teologia da encarnação, nem a teologia da inculturaçã~ , uma vez estasi ;
africanas, quer pelo fac,to de um grande número de filósofos africanos ser ;(,:/· pressuporem a existência de algo pré-constituído que deva ser encarnado ou l :
composto por teólogos, quer porque uma das ideias nucleares e mais debatidas é a F/,,> inculturado, mas simplesmente uma teologia africana. . O discurso
;. ".·.-. 1
.de Bimwen yi-· 1•
afirmação segundo a qualio Homem africano é essencialmente - ontologicamente, :r:;;< Kweshi, embora esteja apenas no começo, propõe-se a demonstrar a possibilidade!! 1
como diria Mbiti - religioso, pelo que o discurso teológico não pode ser posto de ;y).;elegitimidade de um discurso teológico africano 113 . i :
parte.
Ili I
~}'..'-~--•!Para a pesquisa da ideia do Homem na teologia africana fazem?s referência' à já 1 :

Procederemos à análise pe dois teólogos entre os mais significativos das duas


correntes. principais da teologia africana contemporânea: Jean Marc Ela, cujo
'· · : , citada obra de Jean Marc Ela, Le cri de l 'homme africain
;· . . . . 1:
114
. 1 l
.1 1, 1
1

texto Le cri de l 'homme ~fricain (O grito do homem africano) é tido como obra- A figura de Homem que emerge da obra de Ela é de um ser qprirr:lldo que deve ser .
1
prima da teologia da libertação africana e, John Mbiti, autor do famoso estudo . liberto. Para Ela, a Igreja não pode continuar indiferente ·iiefrÓntd ao contraste !
comparado das religiões, ·Africans religions and philosophy (Religiões africanas e· entre o evangelho e a realidade africana: "Tale scontro costringe a ridefinire il i
filosofia). progetto fondamentale del cristianesimo nella società africank" 1 \5. Esta nova 1
Antes destes teólogos assistimos em África à passagem, numa superação reflexão é definida por Ela como "Teologia sob a árvore", elabo~ada distante das 'I,
contínua, da teologia da salus animarum, àquela da plantatio ecclesiae, à teologia bibliotecas, em contacto com os pobres camponeses analfabetos! que procuram o 1 1
ela adaptação, para culminar com a teologia da encarnação. · sentido da palavra de Deus. Estas premissas são as mesmas, da teologia da :
liberta~ão latino-am~ricana _ que ;,~ivindica uma teol~gia .ª ptl~t~~ da praxe de !i !
116
Entre os pioneiros da teologia africana, o zairen.se Oscar Bimwenyi-Kweshi .,,
questiona, na sua obra de 1981, "Discorso teologico negro-africano", se é -~ opressao do povo latmo-amencano · . Nesta obra, Ela e mmto cntico em relação 1
possível "dizer" o cristianismo com um disê.urso africano, partindo de um "lugar ! à teologia do ocidente e à Igreja ao ponto de •colocar em questão o valor da :
novo" e não africanizan~o teologias pré-constituídas • Tal discurso é possível,
~ ' J. ·: ; , <;
112
ç, I"
-. -
~
;
1
1
'.i
.
.

\ ·
pois o discurso africano é te-andrico e, a parte "andrica" influencia a inteligência 1 .,,,, Esta posição de Bimwenyi-Kweshi contrasta com qua~to· afirmou Bento '1XYI no seu famoso · ;
da fé cristã. O uso da filosofia greco-romana indica o aspecto "andrico" que o ; discurso de Ratisbona, a 12 de Setembro~ 2006, no qual defendeu que a fi!odoti<) grega não é um , ! 1
"oplional_" p~ra a te?l~gi~ cristã. A de Bimwenyi-Kweshi poderia ser definida ,uma tentativa .de I, ·\1 1
teólogo africano deve abandonar para .recuperar a própria africanidade, a própria ~
~i des-hclemzaçao do cnstrnmsmo. i ! 1 1 1
visão da vida, a própria cultura, a própria sapiência e orig!nalidade. Desta , "' Fazemos referência à tradução italiana: ELA J.M , II grido deli 'uomo afrfca110, L 'Harmal.tan, . \ '
·i· Jtalia, Torino, 2001. 1 - .. '1 i · 1
~!
"' "Este contraste obriga a redefinir o projecto fundamental do cristianismo ná sociedade afri~a~a" !! ; ','
. , '. " Tratar-se-á de distinguir entre a teologia (Religião revelada) e teodicéia (Religião natural), como j (TdA), ELA J.M, II grido ... , o.c., p.9. ~ ·· · :i. 1
' analisaremos mais adiante. , j' '" Embora Ela reivindique uma precedência. da teologia da libertação afric'ana sobre a .. ]atino' ,,, .
. ,••. ;. ''? . BIMWENYI-KWESHI O., Discours théologique négro-africajn. Problémes des fondements, ;l\ americana . Cfr. A5SOGBA Y, Jean Marc Ela , Sociologo e Teologo afriqrno . ~'on .jl ·
\'·:i..> P,resence Afiicaine, Paris , 1981. É a mesma questão Ji;vantada pela teologia latino-americana que 1 L 'Harmattan fia/ia , Torino, 2001, p.47. . ; ,
:''.'.::(; ~~~te~óe'fazer uma teologia partindo da experiencia do povo latfn:-americano. :~ '" Pense-se, por exemplo, a G. Gutierrez e C. Boff

·~
DAS lDEI;\S N! U N i' Li f S \! CJ i 59

·· Eucaristia_, perguntando-se se ela é sinal de salvação ou de dependência para as ~étJriça; encarando-a como um ponto de ancoragem dos navios que ritmavam para
· i:grejás africanas. Critica o clericalismo ligado ao sacramento, que limita a sua ·~':);.};~~1fictias e como campo de recolha de escravos para as Américas. Foi muito mais
celebração apenas à acção cio sacerdote, que é geralmente um missionário , . ,,,:";(t~& que surgiram várias associações missionárias protestames e as grandes
·estrangeiro _e, por conseguinte·, perpetua a dependência elas Igrejas africanas ao .i' :;'.tôrtgregações católicas para a evangelização da África. No sérnlo XIX, a França
. es~·angeiro ..Est~ rnodelo ,clerical não foi repensado a partir da África. Operou-se ::" ;itóirlàu o lugar da Espanha e de Portugal. Até então conhecia-se apenas o litoral,
uma separação entre o ministro que preside a Eucaristia e o ministro que preside a · , }:por via dos· contos exóticos, fantásticos, carregados de notícias tremendas corno a
celebração ela . Palavra e se condenou a maioria das comunidades a não ser . ~·: àQ'tropofagia. Entretanto, neste período os europeus exploraram a África para
. · plenamente igreja devido à falta da Eucaristia. Ela critica igualmente a assunção :'~Y!ifividí-la entre si . Organizaram-se as · famosas viagens "triangulares" entre a
cio rito único romano imposto a todas as comunidades. Este rito é marcado por ~ i:i:r ·?E~rôpa, África e América. Difundiu-se a "imprensa missionária" que exaltou os
uma cultura estrangeira e, por via disso, a Eucaristia torna-se lugar ele alienação e :~;' >\'inissfonários como "seres excepcionais", com o fim de recolher fundos para as
dentro da Igreja. Por fim, critica o uso de produtos europeus .na celebração ( :'\ : ~dividad~s das missões, c1iando deste modo o mito africano do "pobre negro'',
·eucarística,• menosprezando os produtos locais, i e ajunta que, deste modo, "ci ·•· doente, escravo e ignorante.
· troviarno clavanti a un esempio concreto cli colonialismo che si installa di · Evangelizar é também fazer promoção humana, libertm os escravos da ignorância.
soppiatto attraverso la vita cristiana" 118 • Após ter definido o objectivo do seu livro . ·O cristianismo difundiu-se muito com as escolas e com a conversão dos jovens
como ' um "tentare un approccio critico ai problemi della fede, a partire dalle ' :' ;;,: (bs adultos são sempre mais resistentes à conversão), mostrando a irracionalidade
119
situazioni africane in cui interferiscono la cultura, l' economia e la política" , Ela ~:,:::-;;;de muitas tradições. Os missionários seguiam uma estratégia de criação de elites 'i ~
.!
' ,trata do problema ela ambiguidade da missão, especificamente no caso africano. ~.~ >;{~fu ruptura com o "paganismo africano" . Para além da igreja e da escola, cada '] .
. Defende que a p1imeirn evangelização foi um fracasso porque não foi inculturacla. .. ?~~~;~;~fuissão tinha um ambulatório (alma, mente e corpo!). Todavia, o limite foi que
A igreja etíope (de tipo oriental) sobrevivéÚ até aos nossos dias, mas esteve ' ~"&'-"_.:~~é~ta:S• actividades foram sempre _sustentadas graças às ajudas externas veicuJadas
fechada em si mesma; a igreja da África setentrional era ~ais ligada à romanidacle ,, }~'.'};t~Cis ffiissicinários estrangeiros q-~~~ iquando se iam embora, cessavam toda's as
que aos "bárbaros". A queda do império romano significou a queda da igreja j, ";2(·- ãêtividades a eles ligadas. A edm:~Ção introduziu um grande paradoxo: de um
norte"af~icaria. Observando a África negra, sustenta Ela, depois de quinze sécúÍos J '~j~~;. :lado contrastava-se as culturas locdis; por outro incentivava-se mais as línguas
·repete-se tudo novamente: a evangelizâção continua ligada 'ao colonialismo. t, ;~:,; J lócais (com traduções ela Bíblia, c~tecismos, etc.). Com estas obras educativas
No. século XVI, Pórtugal recebeu a missão de evangelizar África. Entretanto, -~· _::jh~!~,;iilissioriárias e com tais contradiçÔes laceraútes, adveio o grande impacto do
tendo já sob sua gestão o imenso Brasil e outras colónias na Ásia, descurou a :;;\/T::_ociclente sobre a África negra 1w As missões, segundo Ela, prestaram um grande

'': ':' .".nos encontramos diante de um exemplo concreto de coldnialismo que se instala paulatinamente 'i3. ~'.':\,~; "!ri 1m contesto in cui i bianchi sono / 'immagine perfeita delia specie umana, ~ssessionati dai/a
!- átthvés da vida cristã", (TdA), El.AJ :M., o.e., p.16 ' · ·. · · :' . · ':.S?Pwnia di assirizíiazione, si cerca in ogni modo di p/asmare i neri a immagine dei biànchi" ('.'N\ini '.
;:f: H'..!'tent~tiva de aproximação érítica aos problemas da fé,i a partir das situações africanas onde -,:;'.':-i:'cóntexto em que os brancos são a imagem perfeita da espécie humana, obcecados pela mafriã 'd( , .
': .''. :- in(erferem a cultura, a economia e a política" (TdA), Idem, p.18-19.
•.·.·.· ..........
.;;.·.
\ .H_ ;, assimilação, se procura em todas as maneiras de plasmar os negros a imagem dos brancos" -1'dAF;.'.'
' .\ ~
·
:~ ·~'.:·::_ ;.:. ·- - . ..
i

60 j H J S T Ó R l f', l) ,\ S i DE ! !\ S M lJ N 'i' U !. :-; M. O 1. 61


. 1

,,.,.- · P4
serviço às administrações civis porque a cristianização foi muitas vezes sinónimo / f.obdamentale della . v1ta" - e, logo depois continua·: afirm~ndo que tal
de ocidentalização. A igreja permaneceu por muito tempo uma figura estrangeira. :':,t~ligiosidade é vista por fora negativamente porque não permitirifl. mudanças de
Ela insiste dizendo que as igrejas africanas devem libertar-se do imperialismo '.' '}h~ritalidade e estruturas, deixando o africano numa dependência' alienante dos
clerical que mantém senwre as comunidades cris.tãs submissas, infantis e <.t~riómenos. A religião, que seria urp fenómeno predom[nante 1.nos , países
irresponsáveis. Como deve,;então, repensar-se a igreja em África? Eis a receita de ·;: s.J1bdesenvolvidos, justificaria a opressão como vontade di vinaJ inculcando 0 !:
1

Ela: .rompei com a teologià norte-atlântica; comunhão entre as igrejas. africanas; :;):~s~ito pela ordem preestabelecida e autorizando a exploi;ação. ABós citar a frase .1
1
superar a missão concebida:como compaixão pelo "poqre negro" 121 , novo projecto .{d.J: Feuerbach, segundo a qual é necessário . que o Homem seja eS,cravo na terra ::
de cvancrelizacão
ô 1 ,
da África 1contemporânea. A teologia deve decifrar o sentido da >pãrú111e o .céu não seja inútil, Ela afirm;i. que é desprovido de senÚdçi perguntar- _ :i
revelação no contesto histó'rico. O ponto de referimento imprescindível é o livro {,.:se;se,a religião é fonte de alienação, porq.ue isto depende da pr~ticJ na soci.edade. . '
do Êxodo, o grande ausentr no cristianismo colonial: "II Dio della predicazione .,~:::~,)'>'.Em
,.- .... -..
,África, o cristianismo foi instrumento da expansão do colonialismo? É
. . l ' .
missionaria, sembrava cosl !estraneo alla storia dei popoli colonizzati, sfruttati e , ~;! .·· iexactamente a isto que se refere a ((Xpressão "evangeliz~ç ão 1-an;tbígua". O
oppressi, da essere difficilmente identificabile con il Dio dell'Esodo, cosciente ·~ i<ii' ~objectivo, porém, era a luta contra a bruxaria e a poligamia,. .fenómenos
della situazione di oppressióne e servitü in cui si trova il suo popolo" 122 • Um Deus considerados típicos das sociedades inferiores ou pagãs. i,
imutável e insensível, longe da realidade histórica. Salvação não é somente ir ao \ É necessário analisar, argumenta Ela, se a religião constitui um; obstáculo ao
paraíso, mas, é algo de histórico: "essere salvato significa .essere liberato dalle progresso do Homem na África negra. Mesmo neste caso é evident~ um encontro
forme di alienazione che imprigionano l'uomo già nel presente" 123 • A igr~ja, .de par1'doxos: primeiramente o subdesenvolvimento era atribuído iàmentalidade
1
1
1
1
pensando apenas à alma das pessoas, consolidava o seu estado de miséria. O ·•. pré-lógica dos africanos; depois foram revalorizadas as tradições e1. por fim, hoje ,\'
1
Êxodo faz sentido para a África porque ressalta a relação entre a Revelação e a • se imputa à lógica tradicional das religiões ancestrais a causa. dp permanente 1j'

história . Moisés não pregou a libertação, maf levou Israel para fora da casa da subdesenvolvimento das populações. No princípio as religiões . africanas eram !
1

consid:ra~as um grave obstácuio' ~ara a conversão do negro à. fé cri~tã,


i· :.
escravidão. 1
1
1 .1.I •
O homem africano é um ser religioso? Ela afinna que "sono pochi gli uomini che . propedeutica a qualquer educação, in~lusa a científica; hoje sfo cpnsideradas, a
non fanno riferimento a una qualsiasi forma di sacro, che e la categoria .· .· par do cristianismo, incompatíveis, cbm uma visão científica do mundo. Além
. . f ! ' ' 1: ·'
disso, contmua o preconceito acerca da preguiça dos negros. Mas estas são 'j 1; j
i
mistificações que ocultam as verdadeiras causas da acr'ual situaç~o. dos povos i
i1 l:
1,dem, p.33 . africanos. Dizer que a causa é a religião tradicional é negar a responsabilidade do
'" Esta mentalidade subsiste ainda nos nossos dias. :1 !
"' "O Deus da pregação missionária parecia tão alheio à história dos povos colonizados, ocidente. Diante da acusação de que África está submissa aos mitos., Ela nota que
explorados e oprimido, a ser dificilmente identificável com o Deus elo Êxodo, consciente da
situação de opressã o e escravidão em que se encontrava o seu povo" (TdA), Idem, p.42.
'" "ser sa lvo significa ser liberto da s formas ele alienação que escr,avizam o homem já no presente" '" "são poucos os homens que não fazem referência a uma qualquer que seja form~ de ~acro,., ~ue
(TdA), ldem, p.43. a categoria fundamental da vida " (TclA), Idem, p.53 . · ·
Ti"'_i)i~:GijHt STÓRI 1". D .1\S ] DEiAS MUNT U i S .~1 O / 63
--- ·---- ..... . ~*
. -··-··-· ··-·· -·

a·Eurcipa é igualmente·-submissa aos mitos (automóvel, sexo, etc.), assim como o ·;· (~'.=~·:Jàm11ía há liberdade ele expressão uma vez que o vizinho poder escutar e expor '· I
~1

·marxismo foi um mito, .as ideologias, os mártires, os dogmas, as ihquisições, as ·;' t~r: tudo: A cultura e a arte são controladas. Há o triunfo da unanimidade. Repúblicas
peregrinações, etc., e conclui "credere che in ·Africa lo sviluppo dell 'uomo · ·~ ~/.:'.:>· do silêncio que se transformam em cemitérios de inteligência. Falta um debate
consista: nel passaggio dalla mentalità magico-religiosa a qtiella tecnico-scientifica :i ~:~~k- político real. Unidade frequentemente significa eliminação da oposição (os j:) '
f,1 ·
e una ilh.1sione" 125 . As causas do subdesenvolvimento não são algo de natural, (; ' "'1;'.;...:'re1atórios da Amnesty International sempre condenam a África a este respeito).
mas um efeito"das estruturas de dominação e dependência, que nãü' têm algo .a ver :;. .J:\)xistem campos de tortura tidos por "centros de reeducação cívica" 129 . Qualquer
com as religiões africanas 126 • Pelo contrário, a relígião africana foi ocasião de ·~ ~,~~: crítica é tida por subversão. Simpatizar com um partido oposto é motivo de

~e
.

· coesão dos negros para à luta, não foi ópio .dos povos, mas o campo de batalha ; ~ l'.i-C ,. tortura. E tudo isto contribui para a fuga dos cérebros. A opinião internacional é
para a libertação dos oprimidos, espaço de elaboração de uma consciência crítica. ?.· ;~;t:·:2·, indiferente diante das torturas em África, mas não com relação às torturas na
Os messianismos africanos, acredita Ela, não são algo de irracional, mas produtos :~ \~. ::. . Rússia, América Latina, etc.
;. ~

da religião: os profetas "negros" não aspiram ao retorno aos deuses dos i · Neste contexto de opressão a igreja eleve ser voz dos sem voz, uma das raras
antepassados, mas perg{1ntam-se como fazer chegar a mensagem do evangelho em ~ vozes que defendem os homens. Os bispos têm um papel fundamental. Devem
África. Não se permanece · à espera de uma solução futura, no céu, mas do ': colocar-se nos panos dos "danados da terra" pois ficar calados seria uma grande
prolongamento da vida, da felicidade nesta terra. As igrejas · têm um papel :. ' traição.
127
importante na reconstrução · pós-indepenclência . A igreja deve · libertar o } Outro problema do Homem africano é a desocupação que graça rnmbérn os
evangelho ·de um cristianismo burguês para tomá-lo força indispensável ·ao ;; intelectuais: ter título de estudo não é garantia de emprego 130 . J.M .Ela condena as
progresso dà história. A independência não mudou muita coisa, afirma Ela, para ~­ organizações em prol do desenvolvimento, qLie são dirigidas por urna pequena
quem a realidade dos países piorou porque hoje o colono é o próprio irmão . A ~
128
elite, e na maioria (80%) se trata de estrangeiros; e critica ai nela a política das
independência não ajudóu a superar o compiexo:de inferioridade racional nem a ._! , : .. .monoculturas que apenas criam dependência, porque os ganhos advenientes não
criar uma sociedade melhor. J.M. Ela é de opinião que se deve deixar de falar de ··~ ·~< são investidos in loco e provocam tjovamente fome, ao ponto de os camponeses
. 1

pobreza, porque a África tem enormes riquezas. A imprensa é controlada, O•:l constituírem a classe mais pobre ~ ,expropriada. As elites locais são coniventes
jornalista é um opósitor que deve ser controlado e submetido. Nem mesmo na .; com as grandes sociedades estrangei[as.
Como os seus "colegas" da teolo'gia da libertação latino-ameriqrna, J.M.Ela
'
"' "ai:;editar que em África ~ desenvàlvimento do homem' consista na passagem da mentalidade ~; coloca uma série de perguntas do : tipo: o que é o desenvolvimento? Será um
mágico-religiosa à técnico-científica é uma ilusão" (Te/A), Idem, p.59. ' sistema económico que cria apenas dependência? O que pode esperar o povo
''" Cfr. Ibidem. quando o poder decisivo não está da sua parte, mas com os potentes? O que pode
'" E a posição também defendida por Severino Ngoenha na sua Filosofia africana . Das · ·
•Independências às liberdades, Ed. Paulistas-Africa, Porto, 1992 :-,
".' Para muitos a independê1icia resumiu-se apenas na obrigação do bilhete de identidade ou do ':
partido ú.nico. Os governos se apoiaram nas repressões. od na difusão dos bares e das discotecas. ~ ·~ Cfr . Idem, p. 85

· Cfr. Idem, pp. 76-77. ·'""Os diplomas passados pelo sistema de ensino são moeda falsa". Idem . p.100.

I
"
r

64 j f-l ! S T Ó R l 1\ D A S l D E l AS M U N T U f S lVl O j 65

planificar o povo se não tem poder financeiro? Os ganhos do desenvolvimento <\igrej,~s , são frágeis porque não reflectiram sobre os problemas d~ fé. Mas a Igr1::ja
não têm algum impacto positivo sobre os mais indigentes. A partir destas ~:\iónia~se "Igreja local" em África se adopta os valores autêntic~s da civilização
problemáticas emerge a questão do sentido da fé na situação actual da África ~>;tl~gra. C~mo. os teól?gos lati~~-americanos, J.~. Ela critic~ o ~pn.trolo de Ro~a ;l I
, i
!\

negra. É necessário "organizzare la fede, la liturgia e la prassi evangelica a pai-tire ;/ AP!Jre as igrejas locais e auspicia certa autonoIDJa na teologia, ~~~c1phna, past9ral ·
131
da! problema attuale dei popoli africani" . Faz-se necessária uma mudança não ' ,, i;1iturgia (que não deve ser apenas a iq:trodução de ritos foklóri~tjs) . , , , ':1i
~penas de estruturas, mas de mentalidade, uma "revolução cultural". É necessário '''. .Para, a pesquisa de uma autenticidade africana é necessá1ia uma .releitura do i:
afirmar a dignidade humana num contexto de prostituição, pornografia e :, < ~vangelho. J . 1

nivelamento cultural que gera o mito do herói individualista. As personalidades :<;~ ·~: '.j.M.:Ela critica, por f~m, ~· ideia de n,egritude porque exalt~ a t~lii.ção Hom_er;i- ) /
mais fortes se atrofiam na :monotonia dos bares e discotecas; o desenvolvimento é /, .• natureza, ~rupo-emoça~, ntmo, símbolo, dança e outras ideologifs ,importadas d,a ,; ;
apenas para poucos enquanto o povo continua maioritariamente pobre. Todavia, . Europa, tais como o IDJto do bom selvagem. Estas ideias distrae:r dJbs pr~blemas \1;
Deus está da parte dos mais fracos. A missão da igreja consiste em ser hodiernos porque levam o Homem a voltar-se para o passado, d~ modo que tudo ;I:
consciência da nação, denunciar abusos criminais, a. injustiça e a corrupção da continuará imutável. Confunde-se .a identidade .africana com ia busca de ~m 1 ~
classe do poder 132 . Ela conclui sustentando que é necessário "vivere la fede nei passado mítico, mas assim se alimenta a estupidez. Definir ~ africano como 1
' 1
luoghi di tensione, nei quali si prepara l'Africa di domani, ricordandoci che il '~ "emoção" é negar-lhe as capacidades críticas necessanas para libertar-se do i'
;futuro appartiene a coloro che avranno saputo dare alle gynerazioni di oggi le neocolonialismo. Faz-se necessária uma linguagem nova, reinv~ntar tudo. e não ·i ii!
. . . . ,, 133 (
mot1vaz10m per v1vere e s_perare . apenas o folclore; promover uma reinterpretação. E toda esta all;tonomia cultural li i i~
As igrejas devem continuar em comunhão entre si. Mas que relação existe entre as talvez seja possível quando houver uma autonomia económica. j 'l i~'. 1

igr.ejas do primeiro e do tetceiro mundo? Estas últimú são igrejas "teréeiras"'. As 1 l 1 ;~


1 1 1; l:j
1
,,, "organizar a fé, a liturgia e a praxes evangélica a partir do problema actual dos povos africanos" e) John Mbiti (Ser, ontologicarriente religioso) . :. , :;:!
(TdA) Idem, p.106 . ! i ~~!
'" Aquí J.M.Ela cita as palavras do estadista Julius Nyerere: "Nei paesi poveri, la Chiesa deve . Entre os críticos de Tempels que mais importam à nossa pesquisa da ideia ·de .
pessóa na filosofia africana, encóntfarnos o pastor anglicano de origem que~íana, i ;
rnettersi costanternente e attivamente a fianco dei poveri e dei miserabili. Deve condurre gli uomini ,,;
alia santitá, ·unendosi a /oro nella /otta contra /'ingiustizia [ ...}. I suoi rnembri devono diventare
servitori dei mondo , con la volontá di conclividere le proprie conoscenze e le proprie doti con John Mbiti, autor do já citado texto African Religions and Philcisophy 134 , com o \ : , .
! l. ··
'coloro che riconoscono come fratelli e sarei/e in Cristo "(Nos países pobres, a Igreja deve colocar;
qual ·contesta Tempels pela presunção de' falar de filosofia ôantu quando na :
·s.e constanterqente e activarnente ao lado dos pobres e miseráveis. Deve cónduzir os homens à ., ;.
~a ntidacle , unindc-se a eles na luta contra a injustiça [. ..}. Os seus membros . devem tornar-se verdade tem como base a experiência de uma tribo particular. " ,..
"
servidores do mundo, com a vontade de partilhar os próprios cpnhecimentos e as próprias dotes .
..
·.· ·· ..
! ·: ·: .:·

· 'cnm aqueles que reconhecem como irmãos e irmãs em Cristo". TdA), Idem, p.l 19. '
'" "vi ver a fé nos lugares de tensões, onde se prepara a África do aman hã, lembrando-nos que o
: '":(:,fü~<;:: !;
futuro pertence àqueles saberão dar às gerações de hoje as motivações para viver e esperar" , (TdA) '" 'MBITI J., Africans Religions and Philosopliy, East African educa tion al P'ubli~her's '. Nal~bfüY:}'~g9?1bÚ·~ : :·
ldem, p, l24. Fazemos referência à tradução italiana: 'MBITI J., ôltre la magia SEI, Torin6 '199i'. <·i'X"'" <- '):i;;;-.:. :
. , ... .,r .,·· .· .. - · '{·~~~~~ .~ . ~1 : " ':• .

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DA S IDEI A S lV! U N T fl i S [VI e.~ j 67
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. Mbiti fala de religiões porque em África existem m~is de três mil povos, cada: um } ;'K/eS.traneo ignorante potrebbe immaginare che le religioni africane non siano '
· dos quai~ com o próprio sistema religioso. Ignorar as religiões africanas implica ~ ~íertte piu che magia" . Concordando com Tempels, Mbiti conclui com dureza
137 >r
··'

· não'poder compreender os comportamentos e problemas dos ' africanos, uma vez.~ :~ ;t~:~'malauguratamente, gli autori stranieri, per loro grande ignoranza, n~n sono
religião· ser a maior influência da vida e do pensamento ~estes povos. Mb1t1 :r :·iJ ~ itlriváti a comprendere questa visione profondamente religiosa dei nostri
e oncebe a filosofia africana como "la comprensione, l'atteggiamento
. mentale, la (\
.. :~pqli e l'hanno ridicolizzata o presentata scioccamente come «culto elella
Iogica e la perceiione insiti nei modo in cUi i popol'i africani pensano, agiscono o ··
135
itura>Lº 138
«animismo»" . Mbiti insiste afirmando que, não obstante o mundo
. arlano nelle varie circostanze della vita" • A religião acompanha sempre o .,;~mal exerça um papel determinante na viela africana, não foi ai.nda objecto de
· ;fricâno, pelo ·que não ex!ste diferença entre o sacro e o profano. Mbiti · ousa 1 ú~·es~udo sério.
136
afirmar que em África não existem africanos não religiosos . Na "Religião ;;. ;O:grªnde interesse que este estudo comparativo elas religiões em mais de trezentas
tradicional africana" (RTA) não existem dogmas, apenas tradições aetivamente " ~ ·{btios. africanas suscita em nós, é a abordagem da religião africana como um
transmitidas, não existem · credos por professar, nem escrituras sagradas, nem .'>J~Óómeno ontológico do qual emerge, inevitavelmente, uma determinada
·missionários, nem·fundadores. Existe a crença na Vida após a morte, embora não :~ ·~~,:~oncepção de homem e de pessoa.
constitua uma esperança no ·futuro; numa vida melhor. Não existe paraíso ou ,);~ Como chave para a compreensão da religião e filosofia africana Mbiti, uciliza a
inferno. O culto é pragmático. As RTA's ·apenas foram tomadas em séria ::." .:~ çategmia ele tempo. A palavra religião é de difícil explicação, especialmente na
consideração nos últimos tempos. Os primeiros estudiosos, muito críticos'. · ''.,tradição africana, porque se trata de um fenómeno ontológico que diz respeito à
.pesquisavam · as ·suas fontes externas. E. B. Tylor definiu as RTA com:o :questão da existência ou do ser. Segundo Mbiti, os missionários, antropólogos e
"animismo", um conjünto de erenças segundo as quais todas as coisas têm uma :··ad~nistradores não interpretaram correctamente as religiões e os povos
alma, colocando a RTA no ponto mais baixo da linha evolutiva que, partindo do {,~ricanos . Estamos diante de uma ontologia religiosa antropocêntrica .
animismo, se desenvolveria no politeísmo e atlµgiria o ápice ,da espiritualidade no
monoteísmo. Mbiti sublinha que as RTA são h1storicamente mais antigas do que o "
cristianismo e o islamismo e não podem ser reduzidas ao . "culto dos ~r, ti~·a religião é a mais do que magia e sorne~te um estrangeiro ignorante poderia imaginar que as
antepassados;' ou à superstição e magia como ilusória manipulação da realidade, X ~;:'religiões africanas não sejam nada mi is ~o que magia" (TdA), Idem, p. l l. De: seguida Mbiti
senão pelo persistir de uma grave forma de ignorância, de negação racista de ::,)p;percorre as tentativas dos vários estudiosos a partir de Tempels, pa ssando por Alexi s Kagame às
·;: suás .quatro categorias depois retomada s ;por Jahn : Muntu (Deus, espíritos , seres humanos e
compreender a profundeza espiritual: "la religione epiu grande della magia·e solo ~":.-;\a'!glimas plantas); Kintu (as força s comandadas pelo Munlu); Hantu (categoria do espaço e tempo);
.:·,{ l<untu (algums modalidades como a beleza, o riso, etc .). Todos estes termos têm em comum o sufixo
·.z; ~.tu .que é a força universal, o Ser. Em 1963 seguiu-se o .estudo de J.V.Ta ylor que <:xaha
'·" "a compreensão, a atitude mental, a lógica e a percepção ínsitos no modo em que os africanos ~/sobremaneira tudo quanto seja africano. O estudo da :filosofia e religião africanas iniciou nos anos
pensam, agem ou falam nas várias circunstâncias da vida" (TdA), Idem, p. 2. ,. ':i1p'. e .'50 na África ocidental e nos anos '60- '70 na região oriental.
'" o que nos parecia um paradoxo é anualmente confirmado pelas centenas de estudantes da nossa ; .;.~0',' '. infelizrnente, os autores estrangeiros devido à sua grande ignorância, nunca chegaram a
• ui1i versidade que, provocados pela questão, não apenas se professam "fiéis " da religião tra~icional :;.. compreender esta visão profundamente religiosa dos nossos povos e a ridiculari1aram o.u ·a
· africa~a como também afirmam não conhecer nenhum africano que não professe a mesma fe . " ? i>resentaramestupidamente como «culto da naturew» ou «animismo»" (TdA), Idem, p. 62

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· . , . . · . .. . l

Mbiti individuacinco categorias: a) Deus, b) Espíritos, c) homens, d) animais e , YMbiti recorre a dois termos de língua swahili, para definir o tempo: sasa, 0 agora;
plantas, e) fenómenos e objectos sem vida biológica. Para além destas ci~co j <-o;micro-tempo vivido; zamani, o macrotempo, o período do $to que engloba .
oategorias, existe uma força (en~~gia) que se difunde no unive:so inteiro; Deus o f ) ~ também o sasa.
• . .
·I J 1 1

controlador desta força e os espmtos podem ter acesso a ela soem parte. 1:~1.) Pep0is da morte o i~divíduo continua a viver no sasa, 1 não desapatece ;
1
Como já adiantado, o tempo é a categoria fundamental para compreender a 1
K-'Í;_r:,: : completamente porque e recordado pelos seus parentes e por ;todos quantos 0 1

filosofia africana. O tempo para os africanos é uma composição de eventos que Z~~;;;{ conheceram. Este antepassado será completamente morto quand~ passará do sasa ·
tiveram lugar ou estão por ~contecer. Existem apenas o passado e o presente. Não {~h,' ao zamani. Enquanto um indivíduo : morto for chamado pelo! nome, . não está ;l,
existe virtualmente um futuro. A atenção é concentrada mais sobre o que .já iy;;:~· completamente morto, é um "morto-yivo" e vive uma imortalidad~ pessoal)~º. :! !
aconteceu e não no futuro. Apenas o tempo vivido faz sentido: o futuro não foi ft:.·' Morrer sem parentes é a pior desgraça, porque ninguém "fará ~iver". o-·. defunto ~ ,
àinda vivido, a menos que se trate de fenómenos naturais.
i
Jti: ·após a morte. Por este motivo, é importante a farru1ia e a procriação a·fim de i ,
_gor passado se entende o' que aconteceu no máximo há duas décadas. Não :: 1· garantir a imortalidade pessoal. Quando morre a última testemunha .o morto-vivo ;I !
~existem calendário~s numéricos, apenas calendários de fenómenos. Existem povos passa a fazer parte da imortalidade cplectiva. Percebe-se aqui ~ma-ideia de .ser ,[i
~.gue regulam o dia ~m função da vida dos animais (por exemplo, a hora de dar de que t)ão desaparece com a morte, mas continua a sua "vida" clepo~s da morte. Para ! ; 1

. . 111
comer às vacas, d~" extrair .o leite, dormir, etc.), de tal forma que um ano pode alguns povos estes espíritos são intermediários entre Deus e os homens e os · , '
-'.,1ç.ontár 350 ou 390·dias, conforme a sucessão dos eventos . homens p~oc~ram _ajuda nestes espíritos. A pior coisa que pode s~ceder é q~1e um ./ i [,
~:or futuro se entel)de algo que pode acontecer em br~ve , no máximo dentro de morto seja imediatamente esquecido e "excomungado. da :imortalidade~~ e : ! ~\
''~Clois anos. Não exis te um futuro messiânico nem uma ideia de progresso, nem destinado a um estado de não existência. Esta entidade espiritual~ que sobrevive à il 1 ~\
mitos acerca do fim do mundo porque o m~n,do não tem fim. Todavia, Mbiti morte corresponde mais à ideia de pessoa do que àquela ele Itomem, como já 'i; r~; .
reconhece que esta teoria acerca do futuro, ou esta falta de futuro que ele defende, clarificado por Tempels. . 1 •. • • : i:1
é contestada por muitos 139 . De facto , parece que tempo e espaço sejam a mesma Para a compreensão da ideia "~friÇana" de pessoa é de extrema importâdcia o [.··. ~:J
coisa. Com efeito, para defini-los, usa-se a mesma palavra. O espaço é o concreto, conhecimento da noção de Deus.1 Mbiti não só afirma que ,todos os povos :J: ~.:
vivido, a própria terra. A descoberta dà dimensão temporal do futuro depende da africanos têm uma noção de Deqs, como também afirma que a-Áfiirn,· seja '! 1
i' .
educação dos missionários, do ocidente, da tecnol~gia. ; . suficientemente fértil no seu imagipário religioso e na sua sageza tj:adicional, ao ..i '.'
' ' .1
ponto de poder produzir uma percepção religiosa original. i . ij .' ji
Do p,onto de vista ontológico, na religião africana Deus é aquele lqu~ .dá origem a :: ·. ~
j.
todas as coisas e mantém a vida. Deus é simultaneamente itl'anscendente e r·
'" De facto, mesmo no contexto em que vivemos, em Moçambique, não se encontram imanente: permanece longe dos homens ao ponto de não -ser acessível, mas j:
correspondêricias desta teoria. As pessoas que conhecemos progràmam e investem num futuro não ~1

apenas imediato. Não só, o tema do futuro é um dos paradigmas principais da filosofia de Severino ~~
Ngoenha , o mais impo.rtante filósofo moçambicano, como teremos ocasião de analisar mais avante. '"'Idem, p.28.

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N! !.! N T te iS H O 1 71 r-
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· , também vizinho ao ponto de se poder afirmar que teoricamente é transcendente, ~: ,y~{é considerada bênção, mas nunca Deus. Os trovões são considerados por
mas ·praticamente imanente, embora muitos autores sublinhem mais a separação : ditbs :povos como voz de Deus. Outros elementos da natureza podem ser
'. do mundo do que a vizinhança. ,. :fililfestações de Deus, mas, nunca Deus. Alguns consideram o terramoto como
Os atributos de Deus são: omnisciente, omnipresente, omnipotente. É considerado .~ i ~Jis que caminha". Algumas cores, como o preto e o branco, e alguns números
um Espírito. Cada povo africano.reconhece Deus como Uno. > ·:.:~ ~µi s~r sacros. O culto divino apresenta profundas diversidades, de povo para
Os atributos morais de Deus são: misericordioso, clemente,. compassivo. A maior J .oYO/ ·Alguns povos passam muito tempo em actos de ·culto, e outros o fazem
parte dos povos considera Deus corno bom, justo. Não se define Deus como ;· :~~~e~te: As ocasiões e lugares de culto são inúmeros. Existem sacrifícios de
:. 141 ;
. amor, talvez porque os afncanos raramente falam de amor . ,. "·iâlaís e ofertas de comida e demais coisas a Deus, aos espíritos e aos "mortos-
·. A principal actividade divina é a criação: Deus eriou do nada; outra actividade :f: i~os",. Estes últimos são apenas intermediários porque "Dio é il destinatario
divirta é a satisfação da necessidade das suas criaturas: vida, fertilidade, chuvas, . J1tímo, indipendentemente dai fatto che i devoti se ne rendono conto o meno" 14i.
etc. A luz do sol é um sinal da providência divina. 0 sinal mais claro é b da chuva
1
:~'Existem numerosos intermediários, como os adi vinhos , magos, chefes
que é sempre uma bênção. Deus preserva, protege, defende, transporta os homens :~- '- ~-~dicionais, anciãos, mas o grupo mais vasto de intermediários é o dos "mortos-
sobre os seus ombros. Muitos povos acreditam que Deus possa mandar desgraças, .;- · vivos", ao qual cada homem deverá pertencer 143 • Animais e objectos não são
doenças (como a demênda), epidemias, guerra, ' desastres naturais (entendidos /. ,· possíveis intermediários: não existem ídolos na religião africana. Todos os povos
como punições de Deus pela maldade do povo). A maior desgraça de todas é a e- , ~~têm um sistema de reza próprio. A maior parte das preces são dirigidas a Deus,

morte (punição ou maldição). Deus é considerado por muitos como governante, ··: ~1:specialmente através do canto. Nas rezas se pede algo de prático e não de ordem
patrão, juiz. Algumas sociedades consideram os próprios chefes como ::.:;~spiritual ou prémios finais 144 . Os sacrifícios e as ofertas são feitos para
"representantes" de Deus. ''.:; Í.éS.tabelecer uma ordem ontológica perturbada 145.
Deus inter.vém na história humana através dos chefes. Intervém especialmente
com ·a chuva: tivemos ocasião de notar que o africano vive num universo
religioso, de tal forma que os fenómenos naturais são intimamente associados a 'H, Idem, p.64. Espíritos e antepassados, ' t~nto quanto nos parece, são equiparáveis aos sa ntos e
·Delis. Estando o homem africano rio centro : do universo, interpreta tudo . :?mortos na religião católica pois todos são ~penas intermediários . Há quem (por e;<ernplo, Ezequiel
Kwambe) compare a importância dos antepassados à de Jesus Cristo na religião católica. São duas
antropocentricamente. A Deus vem atribuída também uma natureza humana. cóisas totalmente diferentes. Assim corno considerar Jesus como o primeiro (o grande) antepassado
Deus é tido por pai ou mãe e os seres humanos · "filhos de Deus" ou "povo de ' é, segundo nós, um procedimento desviant~ de algumas cristologias africanas.
Deus". Poucos são os povos que atribuem um corpo a Deus. Os animais são ·, "~ Todos serão "mortos-vi vos", mas nem todos serão considerados "antepassados". Os
., ..:... ·'''' antepassados deverão ter características particulares, das quais nos ocuparemos mais ad iame.
1
usados para os sacrifícios. Deus vem associado a çibjectos ou fepómenos naturais; ·.~;é ··; .,H Contrariamente a quanto afirmava Tempels, Nlbiti defende que a ideia agostiniana da alma
o .céu é considerado a habitação de Deus. O sol nunca é considerado um Deus. A ~<:º
;,ç;;·:· -. -
', insatisfeita
.
enquanto não se encontra em Deus é desconhecida na vida religi osa afr ic ana. Cfr .
''·'''.,
-~~>:,
Idem, p 73
t Pare~e ~ue antigamente existiam também sacriffcios humanos. Jvlbiti sustenta. inquietantemente, }r
. "'Idem, p. 42. . ·que esta prática pode não ter desaparecido totalmente ainda. · ',., .r
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1

Mbiti distingue dois tipos de seres espirituais: os que foram criados tal por Deus e africana é, para Mbiti, essencialmente antropocêntrlca; "l'uomo é
os que outrora foram humanos . Pertencem a um modo ontológico de existência "-:;·iiuato al centro dell'esistenza e i popoli africani interpretano tutto, in relazione a
'. ~tiesta posizione central e dell 'uomo. Dio é la spiegazione dell origine e del [~
1
situado entre Deus e os homens. Os primeiros são como "divindades" associadas '
1
a Deus. Algumas tribos têm centenas de divindades associadas a elementos ·,,.'.s'cistentamento dell'uomo: é come se Dio esistesse solo [ nell'interesse ... .
naturais ou de carácter mitblógico, fruto de tradições imaginárias ligadas a 149
;.· deÚ.'umanità" . Doravante, toda a obra de Mbiti será dedi~ada
ao estudo da :! '. fÊi
factores locais. As próprias fontes a respeito , etnológicas ou antropológicas, são ' . .'percepção africana do homem, do homem criado, do homem na ~ociedade e do :' l~i
muito confusas. Os espíritos são inúmeros e de difícil definição: "possiarno ( hômem que muda.
' . .. 1
1
: 111
: '
a~~111
affermare che gli spiriti sono quegli esseri spirituali «comuni» al di sotto dello ·Quanto à origem do homem, muitas histórias da criação sustentam que o paraíso , 11 [~1
status di divinità e al di sopr~ dello status di uomini" . Para muitos povos são o ~:~ni . um momento de felicidade. Em algumas histórias narra ..se L proibição de ~i
146

que resta dos seres humanos 4pós a morte física, pelo que todos os seres humanos . . comer certo tipo de fruta, mas uma hiena rompeu a ordem que separa a fa1TI11ia de ·(l'I !h
tomar-se-ão espíritos 147 . Mbiti propõe a substituição dos nomes "espíritos .Deus (progenitores) e os homens (filhos). Outros povos afirmam ·q}1e .a separação li ~
ancestrais" e "antepassados" por "espíritos" e "mortos-vivos" . . deveu-se ao barulho ou aos fogos que os homens provocavam. De~ta ·separação o ;j , :~;
( ,. L
Os espíritos não são, em si, nem bons nem maus , mas convém que se mantenha homem saiu prejudicado, mas não se apresentam soluções para e,sta perda, não ,i • ::'
distância deles. Uma pessoa possuída pelo espírito se torna medium. Mesmo dos existe alguma "gloriosa esperança". Para Mbiti esta é a fraqueza da religião ,1: :~11
li i ~l\ l
!_

"mortos-vivos " convém que se mantenha distância após receber deles aquilo de african.a e as religiões universais poderão conquistar as religiõesi africanas não
que prec.isamos. com a força, mas levando os homens africanos a esta nova experiên~ia . '' ·i 'íf
11 ~;
Por vezes os homens podem ver os espíritos e há várias descrições de visões de . Depois da criação surgiram tantas raças em África (boscimanoide~, caucasóides, !1 r.,,<
espíritos da parte de várias testemunhas, que_devemos avaliar com os seus ' rnongolóides, negróides, pigmóides, etc.) e tantas tribos ISO (cercµ: de três mil) :i ~r
GÍ!'
exageros, bizarrices ou má fé . Um caso típicÓ é o das mulheres que afirmam 1 :i : ··~·"
encontrarem-se grávidas por obra do espírito do marido. Embora Mbiti convide à . " ' .. ' . :. " ."! i"· ~l
parte destas, especialmente daquelas contadas por quem viveu directamente o que descreve" (TdA), f Ítlf
máxima cautela critica na análise destas fontes, na descrição destas . experiências o1 Idem, p.92. Nestes anos, nós também escutaij1os várias descrições similares e é surpreendente ver \ I ~~. ·
autor conclui, em tom rendido, que: "esistono altre storie analoghe a queste e non como todos crêem :firmemente nestas descr:iç9es, até mesmo docentes universitários (,Professores de :1.: i~.;
c'é ragione di dubitare della veridicità della maggior parte di esse, soprattutto da Filosofia!). Vale a pena mencionar, em contrapartida, as posições notoriament,e laicas e ateias, i"·"''
148
como as· de Kwasi Wiredu ou Kwame Antony Appiah, enquanto Valentin Yvcs Mudimbe se declara 1 ' ·fN
que LI e narrate dà chi ha vissuto direttamente cio che descrive" . . um agnóstico cristão e Alexis Kagame 'rei~indica para as religiões tradiciona(s. uma qualidade ;' , ~;
eminentemente metafisica: V. Y. Mudimbe: Les corps glorieux des mots et des êtres. Esquisse d'un ': ' ~ .
. . jardin africain à la bénédictine, Montreal Paris 1994, p. I, A. Kagame, La philosophie bãntu . 1 \~ :
·~" podemos afirmar que os espíritos são aqueles seres espirituais <<comuns>> debaixo do status ·· .comparée, Paris. 1~76, pp. 269-270. . • . . . j· . •· ,._'.'. / ';l ;~
de divindade e acima do status de homens" (TdA), Idem, p. 84. · ."' "o homem esta situado no centro da eXJstencia e os povos africanos rnterpretan;i tudo em relaça·ct ·X: .,,+ !.
'" Mbiti também confirma a existência de um ser que continua a viver depois da morte. Uma ideia ;::. · a _esta posição central do homem é como se Deus existisse somente no interess~ da huma.nid,a.dé'.5},: 0 :~+f 1
de homem e pessoa que sobrevive ao decompor-se do corpo. · · (TdA), Idem, p. 97.
•• "existem outras histórias análogas a estas e não há razão para duvidar da veracidade da maior ·-,.·.,: ""' Mbiti prefere o termo "povos." porque "tribo " assume cada vez mais uma , ciJnoff,lçãa,::s( ,..

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JV[ L' N TU Í S :\! D 1 75

i;:l> ~ diierentes e cada uma com .a própria língua: cerca de duzentas línguas agrupáveis numa sociedade como esta, que lugar ocupa o indivíduo? Em África o
'i!i:' em · grupos : linguísticos como bantu; . camitico-semitico, khoisan, malese- · \ fridivíduo não pode existir sozinho, apenas no seio da comunidade, sendo parte de
~ :': ..
( ,· polinesiano, negrítico, sudânico, etc. para além do inglês, francês, português, tumtodo. Não basta nascer, é necessário ser integrado na sociedade através de
f'I espanh'ol; afrikaans e árabe. Há tentativas de promoção das línguas locais 151 , pese ,; ;i;'ritos de iniciação. Tudo quanto diz respeito ao. indivíduo diz respeito ao grupo
{:! embora os jovens prefiram . as línguas europeias. ·cada povo circunscreve~se, ·\: '· inteiro. Para clarificar a natureza deste sentimento fundamental de pertença, Mbiti
[,:, '' geralmente num contexto geográfico particular., não obstante a conferência· de . ·ip.troduz um princípio, depois convertido num dos axiomas mais famosos e
L1: - Berlimde 1885, traçando novas fronteiras, tenha ferido e separado muitos povos.
·i:.I; · citados da filosofia africana: "eu sou porque nós somos e, porque somos, então
'k, Cada povo tem a sua cultura e os seus mitos sobre a origem, com: os próprios : 'sou" sustentando que "questo e un punto cardinale per comprendere il concetto
;:. ~fricano di uomo" .
153
i:J .heróis "fundadores". Cada povo tema sua organização social é política distinta, o
y :idía o argumento desta tese, este é um ponto crucial, dada a enorme importância
''.' jI próprio sistema religioso, embora Mbiti se tenha esforçado por demonstrar que
t.'.I neste estudo comparado . existem mais semelhanças do que diferenças, e os ,'. : : deste princípio que todos os autores recqnhecem ter sido aprofundado
-~ :. particularmente por Mbiti. Importa então descer mais a fundo, retomando de
conceitos fundamentais 'constantes são, como dito, crença em Deus, existência dos ·
espíritos, continuação da vida após ,a morte, magia e bruxaria, etc., e os termos seguida a análise do texto de Mbiti.
para indicar estas realidades são similares em muitos povos 152 . _ A aplicação historicamente mais importante deste princípio deu-se com a política
Uma ·das principais .forças na vida tradicional africana é o profundo sentido de \. . , da reconciliação que visava superar os erros do apartheid na África do Sul
~i~- 1".,.ifistituindo a Truth and Reconciliation Commission (TRC), «Comissão para ~
0

. _: parentela, determinada através de elos de sangue ou àlianças. A rede de parentela


1 1
na tribo é de tal modo complexa que cada membro é parente de todos ao ponto de · it·,: _,;"'verdade .e reconciliação». A comissão f~i inspirada na doutrina do ubuntu, na
ter centenas de "pais", "mães", "tios'\ "irmãos" ~ "filhos'', etc. Cada tribo ~:;_;,. };fraternidade intrínseca à identidade africana, fundada sobre o princípio enunciado
.{ .-·.- ..... ,.'< • •

subdivide-se em "clãs" por seu turno subdividídos em sub-clãs, "gate", ou seja, ti:· o. por Mb1t1. Tal Comissão teve a tarefa de processar os criminosos do regime do
grupos cujos membros têm um ,antepassado c9muip até seis ou sete gerações !1~:::j[h1partheid, não para puni-los, mas'para que com a plena confissão dos seus delitos
precedentes. Existem, por fim; as failll1ias alargadas, que compreendem os .. ~f;·-·:,.,e com o perdão da parte dos ofendi~os, podessem ser reinseridos na comunidade,
parentes próx_imos incluindo Osr"mortbs-vivos" e os que estão por nascer; e as ~ Wf·>i em nome do primado da Pessoa. , Q /aut~r de referimento é sobretud.o Desmond ·
famflias núcleares ou "noctumas~' (progenitores e filhos). A~ casas (g~ralmente · '· Tutu, um dos grandes protagonistas do fim do apartheid: «Gli africani hanno
cabanas circulares) e os vilarejos são muitos similares em toda 'a África.· questa cosa chiamata ubuntu .. . l'.essenza dell'essere umano . E parte del dono che
,·1 .
..:.~. gli africani danno al mondo. Abbraccia l'ospitalità, il prendersi cura degli altri, la

negativa. Cfr. Idem, p.106 ~


'.~}t "este é o ponto cardeal para compreender o conceito africano de homem" (TdA), Idem, p.1'14 ,
'.;, No . caso moça:rhbicano, nos últimos anos o Governo publicou um dispositivo que prevê a
>,~::Umuntu ngumuntu ngabantu, diz um aforisma zulu, atestado em váris áreas bantu «Uma pessoa. é .
introdução das línguas locais no ensino público: Por outro lado, porém, as Jíncruas rião são usadas
/ .... · em ambientes oficiais, salvo nas celébrações religiosas. " . ;t"uma pessoa através de uma outra » (A Shutte, Philosophy for Africa, Rondebosch-South Afric;i.;,
·,- (;1 993, p. 46). . .· t
· '" Cfr. Idem; p.108-109. ~; '
-76 1 H1s T ó .R í .•\ L) A s I uE l ,\ s ivJUNJUÍSMO J77

·•:',
·:~

vogl ia di affrontare mille miglia per amore degli altri. <I:rediamo che una persona)0 :},\/ mulher grávida .deve respeitar vários tabus e após dar •à luz o: filho ocoITem
e una persona attraverso un 'altra persona . Che la mia umanità e allacciata, i ~$árias celebrações rituais e festivas cujas semelhanças são grandes em quase
affenata
. inestricabilmente nella tua. Se ti disumanizzo inesorabilmente, i1. : ibdos , os povos mesmo se distantes milhares de quilómetros ' entre si. Nas
disumanizzo me stesso. L'individuo solitario e una contraddi zione in terrnini e, J~ _:::,::::sociedades tradicionais era grande a mortalidade infantil (cerca ela -metade elas
q'uindi, tu cerchi di lavorar~ per il bene comune perché la tua umanità partecipa :'.~ ,,/crianças morria nos primeiros dez anos de idade), -probl~ma reduzido
..._,. ... 1
della sua stessa comunità, le:appartiene». 154
1
• ,.-~sensível.mente com a chegada dos missionários cristãos. 1

ô "Sou porque somos" de Mbiti retoma um noto aforisma zulu, atestado nas mais ~L / <todos. os nomes dados aos bebés têm um significado .e podeul existir vários
,,
diversas áreas bantu , que melhor exemplifica o primado da pessoa na filosofia (; :}_:·nomes para a mesma pessoa. Em todos os povos existem ritos de iniciação que .
1 ) •
::~: simbolizam a morte (com a separação física dos candidatos) e f res~urreição (com
tradicional africana, fondan;ientado no espírito do ubuntu, para a reconciliação: < areinserção na tribo como nova criatura). Com os ritos de iniciaçãb o jovem está .
Umuntu ngumuntu nga bant~, «Uma pessoa e, tal atraves , de uma outra pessoa» 155 .
·· pronto para a vida sexual, o matrimónio, a procriação e as responsabilidades .
Tornaremos de seguida a este ponto nodal. .familiares . Vários povos1'têm ritos particulares e diferentes que vadam de práticas
1
físicas até à incisão dos órgãos sexuai~ e a circuncisão. Geralmente, quem não
De volta ao nosso texto, Mbiti continua apresentando a religiosidade do Homem 1
( ,r--':· participou destes ritos (seja homem que mulher) não pode.casar-se.!
i. 1 ; africano em todas as suas fases da vida.
~·-'.
( /t,, ~.
Mbiti acrescenta que esta prática das iniciações é difícil de morre}, não obstante
O nascimento de uma cria:nça é um processo que inicia muito antes da sua ;'
( ./:LI '~
~ --··\~
os ataques lançados pelos missionários cristãos contra ela 157 . 1
chegada e envolve toda a parentela. Alguns povos consideram o matrimónio _ 1
r~ ::c O fulcro da existência do homem africano é o matrimónio no qual .convergem
completo apenas depois do nascimento de um filho: A maior tragédia para uma ;~
( ~::~:. todos os membros da comunidade (incluindo os mortos). O rrÍatrimóni~ .e a
mulher é a esterilidade 156 . Após a sua morte se!-~ imediatamente esquecida porque
'I:o;i procriação são um único conceito, pois sem a procriação o !matrimónio é
( 1\11 ---·· não existirá alguém do seu sangue que possa recordá-la.
'~ incompleto: "una persona che non h~ discendenti in realtà spegnel il fuoco della
( f;1 ~
vita e diventa morta per sempre, pqiché la sua linea di continuazione fisica si

( li~: ~ - :~·i~:~!i~~noo:~ê:u~~~-c~~~~u~h:~:s~~ t~~~:~:: e~:::c~~:~~:o~,u::~~;!:~:ee~~:~t~r~~i~~


·t:r
blocca se non si sposa e non gener,a fig li. Questi sono concetti e o~bli_ghi che non
· devono essere né disprezzati né offesi" 158• Todos os africanos devem qsar-se e ter
- ~l:ll' i caminho por amor dos outros. Acreditamos que uma pessoa é pessoa através de uma outra pessoa~
( ' "' Q'ue a minha humanidade está ligada, amarrada inextrincavelmente à-- tua. Se te desumanizo,
( ,~}mL inexoravelmente desumanizo a mim mesmo. Um indivíduo solitário; é uma pura contradição, e por esterilidade, para a qual o indivíduo deve "continuar " a sua existência através :da descendência.
_ ]~~:!"[ isso, tu procuras trabalhar para o bem comum, porque a tua huma'nidade participa .da sua mesma Essa necessidade é fundamental para os povos que não conhecem a ideia de ressurreição.
1
( I[ · cqmLmidade, pertence a ela ". (TdA), D. Tutu , No Future Without Fo ~ giveness , New York 1999. "" No contexto em que vivemos (Moçambique) estes ritos praticamente desapare:ceram (e não _tão
il:lJ!H{ . · T:A Shutte, Philosophy for Africa, Rondebosch-South Africa 1993, p. 46. lentamente) e, segundo -nos parece, tal não se deveu a ataques externos, mas a urrui 1;involuçào-".
~ .,.i;f::'/ . ~'" "Uma esposa estéril traz consigo uma cicatriz que jamais poderá ser apagada, e sofrerá, assim
1

( '" ~ uma pessoa que não tem descendentes na realidade apaga o fogo da vida e se _torna-morta para
( '. ,W.· \';:' ..,: • eo11:10 os seus parentes. Será uma humilhação i_rreparável para a qual não existe fonte de conforto sempre, :pois a sua linha de continüação física s~ bloqueia se não casar e não gerar filhos . Estes
:rnf~)i·; •. ,',,: na ·vida tradicional africana ", idem, p.1 16. E clara a ánalogia com a concepção hebraica da são conceitos e obrigações que não devem ser desprezados nem ofendidos" (TdA),.Idem, p.141.
( ·i '',:" ''".

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D .' \S l D E! A\ f'/[ l.J N T U Í S 'vJ O 1 79

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filhos: é .a maior expectativa e esperança de um indivíduo e o que a comunidade ~ :· '.respeito do sexo, Mbiti sustenta que não tenha apenas finalidades biológicas,
e;pera de.nós . A preparação ao matrimónio dá~se por via de ritos de iniciação que, ~ :;ª Üs ·'fambém religiosas e sociais. Em alguns casos é usado como expressão de
.segundo Mbiti, . desenvolvem esta tarefa melhor do que as universictades. Em .t .li,~spitalidade ou, como dito acima, para gerar filhos no lugar do marido ausente
. ',_ ' 1 ' ' '
alguns povos. a escolha do cônjuge cabe aos progenitores, em co11senso com o }: ~~iestéril 162 • O adultério é punido severamente.
filho, enquanto noutros povos são os próprios filhos que escolhem e depois ,'.~ ~ ~'antO . à doença e morte, quando algliém está gravemente doente deve-se
i'nformi)m aos progenitores, .os quais iniciam as negociações do namoro eT fpêtirar pelo culpado por tal doença e se tomam medi.da.s preventivas contra as
' " ' 159
matrimónio. Geralmen~e ·não ·existemritos para o ·namoro · · , mas para as nupc1a:s''.í, , . "
~&sas. :Cada ·morte deve ter uma causa imediata: geralmente é a magia, bruxfilia
, ,J;
existem ,tantas cerimónias ·quanto os povos da Africa. O "lobolo" (dote) toma ~: .õtr Sórtilégio. Outras causas de morte podem ser atribuídas aos mortos-vivos, aos
legal o contrato do matrimónio·(além disso é·valorização da própria mulher): esta } {'. êspíritos ou mesmo a Deus quando, por exemplo, trata-se de raios, morte por
prática foi interpretada en-oneamente como pagamento., Para alguns povos o J ·,:,:.vêihice; etc .
matrimónio completa-se com o nascimento dos filhos, pam outros quando se paga z: .~~>-Apenas o corpo morre. O espírito passa a viver junto de outros espí1itos.
o.lobolo, para outros ainda quando se casa o primeiro filho . Algumas sociedades ~: :~; ô cadáver é retira.do da casa passando por um buraco nas paredes e não da porta
exigem ou · respeitam altamente . a virgindade · antes do matrimónio; outros ;i~ ;~~~<!'.;•; principal, para significar que o defunto não saiu da casa, encontra-se ainda Já. Na
permitem relações sexuais do casal antes mesmo do matrimónio. ' t~} ,:, . cqva são sepultados objectos pertencentes ao defunto, para que este, afirma Mbit~,
Particularmente difundidá (mas não mais de 20% da população) é o uso :;:, ;, ;«~: não se ache indigente no além. Todos devem apresentar-se .ao funeral, sob pena de
. po'ligamia (ou melhor, a poliginia) segundo Mbiti esta ajuda a prevenir ou reduzir :; :: · ~serem suspeitos de ter causado a morte do defunto ou ele sofrerem a vingança do
a infidelidade e a prostituição, sobretudo da ' parte do marido. Igualmente •:, .'i:t;morto que considera uma falta de respeito o .facto de não se fazer presente ao
.difundida é a prática do levirato. .;1'•"füneral.
.·.

Frequentemente o divórcio ocorre depois de d1sos de esterilidade ou infidelidade ; ) Geralmente o corpo é sepultado, em outros casos deitado num rio ou num bosque
(sobretudo da parte da esp0sa) 160 • Outras causas da separação são a crueldade do ! :;~% onde é devorado por animais se'lvagens.
marido, a prática.ou suspeita de magia e bruxaria, abandono, etc. -' Na realidade, o além é geograficamente um "aquém" (um lugar próximo),
Geralmente os filhos são confiados à mãe •
161
,···
\ simplesmente é i~visível aos ·oltjos humanos. Apenas o corpo desaparece,
1

:, :enquanto o espírito continua a vi.ver como antes (com as mes r~as distinções
::::.<. sociais, de género, características· "físicas" e sociais, até quando entrará no
~;,;~mani, a imortalidade colectiva. Outros povos acreditam que a alma vá para
· Mbiti faz a mesma exortação de Terilpels, de não julgar apressaclamerite, mas procurar entender e ·\:
... deixar que o discurso termine antes ele julgar. . t 'p~rto de Deus ou para o céu. A maioria dos povos não espera nenhum juízo ou
''' No ..'c.aso moçambicano ·existem negociações entre fanu1ias, nas quais trata-se do valor
,'.'lobo/o :', isto é,'da quantidade dos bens que o pretendente deve oferecer àfainília da esposa. ' .
t' Sé~ 'marido for estéril; a esposa pode sér fecundada pelo irmão do marido. Cfr . idem, p.153 . : ;~ ·Nlbiti
nota, porém, que não sabe dizer como nem se .estas moemas são posta s em prática . Cfr .
· ~·Em. Moçambiqúe geralmente os filhos são confiados ao pai. ) dem, p.154-155 .

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( .1 recompensa no além , nem participação à .divindade de Deus .. Muitas sociedades : .~díVinbos, cuja tarefa é ligar os ser~s humanos aos mortos.-vi vos é aos espúitos . \l,
" ' 1.l' I
( ) acreditam na "reincarnação parcial", ou seJa, algumas caractenst1cas dos defuntos f)s adiyinhos interpretam as declarações dos médiuns (geralmente mulher~s) e ~l

í 1 se representam em algum descendente. Não existe ressurreição nem para o j~11to . aos
. .
homens-medicina descobrem as "causas" da,s doenças . Existe .
uma }!~1
· d. ·auo nem ,para a inteira humanidade:
.tn IV1 1
a morte é "l 'inizio di una
.
partenza 'if ?rinação e adestramento dos que são chamados ou oferecido~ pela farru1ja a ta) .. 11 f!!(
:·P_rofissão. Mesmo nestes casos não faltam charlatães mas, Mb~ti conclui: "é 11' i!J:
1 -·"

ontologica permanente dell'individuo dall'urnanità allo stato di spirito [ ... ] é la


fine dell 'uorno reale e comp1eto
,, 163
. _:; pifficile conoscere esattamente di che cosa si tratti : capacità -extra~ensoriali degli ,1 ; tlti
( Mbiti passa em·.resenha a figura dos "especialistas" na cultura tradicional africana, :) ndovini, agenti spirituali, telepatia, percezione umana ipersehsibile ·o una 11' li'
(' ; ~·. começando pelos "homens-medicina" 164 que convém não tratá-los erroneamente ·t ·" ~ombinazione di tutti questi fattori potre~bero entrare in gioco;'. Gornupque
1
sia, la 1 ; U •1 'I '
( ;- por "médicos-bruxos". Geralmente é uma profissão que se transmite de pai para f.:)~ivinaz~one e un alt~o elemento che vi~ne ad aggiung_ersi al)a .cpmple.ssiçà ,: çlei . , , '.\
( : - filho ou reservada a eleitos por uma "vocação" especial. Recebem uma formação ~:-:: concett1 e delle espenenze dell'universo in Africa" 168 . 1 , . , . . : ~-

,1 .,,--.. que vai de meses a alguns anos, acerca do conhecill}ento das ervas, raízes, :,;:ú· Êntre os especialistas, Mbiti aponta ta~bém os "magos da chuva!', .çuja missão . : ~.!
animais , curas , prevenções, etc . e sobre o combate à magia e à bruxaria. Unem-se pão é meramente "fazer cho.ver", IT\ªS também "parar a chuv.a" quando . ~;
1 ~J
169
em associações ou corporações 165 . As suas tarefas são: cl!-rar (descobrir as causa~ . excessiva . Quem não desempenha con:ectamente a sua missão pode colocar em
( 1.r ' 11 '1'
da doença, porque tudo tem uma causa, e Mbiti afirma que "finché la gente '. perigo a própria vida. j :j :~:.
( ; -.~ Entre os especialistas, os reis, as rainhas e os governantes em g~ral são chefes ;1 • l;r
interpreterà la malattia e la sventura come esperienze «religiose», l 'uomo- ,_,
í 1·-.·•<!; 166
medicina tradizionale continuerà a vívere e a prosperare") ; prevenir; fazer místicos e religiosos, símbolos. de saúde e bem-estar dos seus povos. Os reis ,j ' ;i;J
( -: -- prosperar ou eliminar o que faz mal. Existem igualmente charlatães, mas não sé ponsen'am os mesmos privilégios também no além. O poder co~onial
tendia a ij 1 ~~!
r i-- ' deve condenar toda a categoria por causa destes e Mbiti acrescenta que "gl/ englobar_o~ c~e:es tradicionais ,n~ pr~pria estrutura política, mas fsto contribuiu ; : ~~/
1

('11-- uomini-medicina sono gli amici, i pastori spirifú'ali, gli psichiatri e i dottori dei para a dmunmçao do ,seu pr~st1g~o. d:ant~ do seu povo. Alguns refs tornara~-se .; ij ! ~!j
r b- I·" , 167
villaggi e delle comunità tradizionali dell 'Africa" . Seguem-se os médiuns e chefes .de Estado apos as mdepen9encias. Actu~lmente tende-sr à super~ção .;·, ~~
:j' i ~
11
· definiti;va do papal dos monarcas trqcif cionais africapos. '
r f'·.:. ·~"início de uma partid a ontológica permanente do indivíduo da humanidade ao estado de espírito l ! ~t.

( t'; - [. .. } é o fim do homem real e completo" (TdA), Jdem, p. 174. 1,. f


ij · u·~t
'.I
, d ;·
Í L> ·~ Em Moçambique são chamados "curandeiros". . i f.1
i
;:!;!--~ ' it
1
"' Em Moçambique a associação denomina-se AME1RAMO: Associação dos Médico!; Tradicionais "' "é diffcil conhecer exactamente de que se trata : capacidades extra-sensoriais dos adivinhos ,
( :l Moçambicanos. . .• . .. agentes espirituais, telepatia , percepção humana hipersensível ou uma combinaç'ão de todos estes ., ' ~
( 'j,,'.'.· c ,.."até quando as pessoas interpretarão a doença e a desgraça como expenencias <<rehg1osas>> , · factores .poderia entrar em jogo. Em todo caso, a divinação é um outro elemento que vem a : · \.
il:!IL o homem-medicina tradicional continuará a viver e a prosperar" (TdA) . Mesmo no caso evidente de .· acrescentar-se à complexidade dos conceitos e elas experiências do uni verso e\n África '. ' (fdA), .1: ·
( 1;:i,, , uma morte por malária causada pela picada do mosquito Anopheles,, é necessário descobrir quem ·.· Idem, p. 188. . ; . . _ _. '~ , ..\ ,
1:líl•11.:;_ enviou aquele mosquito para que picasse aquela determinada pessoa. Idem, p.178-179. ''" A sua função é de intermediários, porque sabem que apenas Deus pode fa :zer tal·coisá. Em muitãs:·. , . .
( ~1!\ . ..,· . "" "os homens-medicina são os amigos, os pastores espirituais, os psiquiatras e os doutores das SOCiedadf!S a chuva é considerada Uffi fenómeno . sacro e vinda do céu une O Jlomenl aó 'divin:~:~~:l"f\l i
~iji:+·,::··
r i/ ·"'· vilas e elas comunidades tradicionais da África" (TdA), Idem, p. 180. J.
Deus é tido por "Aquele que dá a chuva "..Cfr. Idem, p.19 ' ' ·.···'· ·, . ::-,,,.
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iVJ IJ .!'< T li Í S iVi i) J 83

OAntetrhediário principal entre Deus e os homens é sempre o sacerdote que ;'. que servem de mediadores deste poder. Os homens-medicina usam a "boa
de~~mpenha tarefas religiosas e sociais. É necessário um longo adestramento e em ~/magia", ·à semelhança dos adivinhos e magos ela chuva.
·.algumas sociedades faz-se necessáiio um período probatório de pelo menos sete ~::'p,/ \'má lnagia" é usada pelos bruxos para causar males,' desventuras, doenças.
anos: r Antigamente quem operava estas magias era punido, chicoteado, lapidado, pagava
Não existe a figura elo profeta, provavelmente porque, argumenta Mbiti, · co!n multas ou com a própria vida. Ainda hoje, diz Mhiti, existem pessoas
conceito africano . de tempo não alude ao futu~o. Não existem igualmente , :.~facadas e mortas porque acusadas ele práticas mágicas malévolas m Muitas são
"fundadores das religiões", . apenas :fundadores das ·nações que estão na origem :· :;,~$:vítimas (incluído pessoas instruídas e prelados) dos chamados "duplicadores de
173
mitológica da constituição dos povos. Não exitem, sequer, "riformatori; }. · dinheiro" .
missionarí religiosi o propagatori ufficiali delle religioni e della filosofia "} · ty!as de onde vem o mal? Não de Deus, porque não o criou. Para quase todas as
deli' Africa." 170 '" ,;: sociedades africanas o mal advém de seres espirituais diferentes de Deus (aqueles
Existem muitos estudos sobre a magia e· bruxaria; Mbiti afirma, porém que estes qi.ie se separaram da imortalidade pessoal) ou de magos e feitice:iros. O rhal nunca
temas · são abordados com muita ignorância, preconceitos e · falsificações, . pode provir de um ser superior. Deus nunca fará mal algum. Por isso não é
especialmente por parte dos ~ssionários e administradores coloniais europeus e . necessário oferecer-lhe sacrifícios.
american.os. Mbiti passa a apresentar uma série de narrações ou "testemunhos" de . As maldições funcionam apenas quando a pessoa acusada é culpada.
factos místicos óu mágicos, dizendo a propósito que ,"ogni africano çhe vive in un Em conclusão, Mbiti sustenta que "I concetti africani di moralità, etica e giustizia,
171
vitlaggio puà raccontare una serie innumerevole e infinita di queste storie" . E, .~;;,:c:r . non sono ancora stati studiati appieno e molti libri neppure li menzionano oppure
não obstante reconheça a existência de truques e superstições, Mbiti defende a f;;'.;\> lo fanno solo superficialmente. Non ci sono 'peccati segreti' ma uno e buono o
existência de fenómenos que não têm explicação ·científica e conclui ·que não t:<.' .:;>
f ., ..1;:\:·····
cattivo in base a quello chefa e nona quello che e" 174 .

i~t
óu
existe sociedade africana,que não acredite num ll0Utro tipo de poder místico . ~;;j~ .<: Segue-se uma longa série de n.ormas éticas a seguir que constituem a "§tica
' Ri•! A magia . divide-se em "boa magia" e "má rnagia". A boa é a cura, · o ~0l::;~'\:dinârríica" africana, que define o qt~e\1ma pessoa faz e não o que ela é.

l
· 11.:
distanciamento das desgraças, usa talismãs, amuletos, plumas, encaritamentos e
objectos vários aos quais se atribuem poderes ocultos. O poder da magia (e dos
objectos mágicos) provém ~irectamente de Deus ou dos espíritos e mortos-vivos
~t,;~! .1 ;

l '·\ ·. •NAinda em 2010 várias pessoas são cond:nfidas e mortas porque acusadas de "fe1/i~aria"
l 1·~1
i. :-rJ
~~;>: ..- ""Encontramos estes casos também em Moçámbique, tendo por vítimas os ·eclesiásticbs.
~-~:;,_ ,. '" "os conceitos africanos de moralidade', ética e justiça ,· não estão ainda bem estudados e muitos
' 1f' I -;>·.' ~. livros não fazem menção ou somente superficialmente. Não há ~ pecados segredos' más uma pessoa
il~·: '"' "reformadores, missionários religiosos ou propagadores oficiais das religiões e da filosofia da {.~. :, é boa ou má em base naquilo que faz e não naquilo que ela é" (TdA), Mbiti detende, num modo que
,I~~:; .Áfricà'"(TdA), Idem, p. 202. · · í~;:~:::· nos deixa muito perplexos, que um aclo é mau quando descoberto, por exemplo, o·adtiltério não é
<.I~*,· · ;"' · '.'cada africano que vive numa aldeia pode contar urna ·série inumerável e infinità ·destas ~\:"t~~(tim mal a menos que seja descoberto pela sociedade que o proíbe. Defende vezes sem conta que
'l:lf 1, hist?rias" (TdA), C~. Idem, p. 206. Nós também podemos a~resentar muitas históri.as similares.
·)~~l i:: · ouV1das ao longo de anos. Geralmente trata-se de factos sucedidos a outros e tr.ansrruudos de boca
1
.'.~·r! •' ' ' •.(: ·,,

\,,.(:.,.:.e.xpressão de arrúzade e hospitalidade é perrrútir que o hóspede passe a noite com a esposa ou filha
-~c:c. >':"
·~;;·.;> do dono da casa. Quanto a nós, nunca tivemos conhecirnénto de factos sirrúlares na cultura na qual
:Í~~i~.é' · em bocà de modo similar à difusão das chamadas "lendas urbanas". ' ?.t:;~},~j yivemos. Cfr. Idem, p. 223. · ··
: ~~~~~ ~ ;:· ' -
' l'lit'" ·~ i~~~r · ·~;-.
l~tJiiJ.
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1

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( ; 84 i H 1S T Ó R ! A D :\ S [ D E 1 ;-\ S JJU N T t: JS M O j 85 l
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Existe depois o mal natural, doenças, calamidades, incidentes, etc., causado por':i ;[Qirnnto ao cristianismo em África, Mbiti afirma que é de tal modo antigo ao ponto"·
algum agente humano ou espiritual. .'i ·::.~~· ·poder ser co~siderado uma religião indígena, tradicional e africana, presente i
Mbiti trata das mudanças do Homem africano no quadro das transformações) f ':;,.firmemente em Africa bem antes da chegada do Islão. Foi a partir do século XV : 1
mundiais, causadas pela ciência, tecnologia, mass-media, escolas , universidades/~ '''. 'ue ;a Igreja católica estabeleceu a sua obra missionária ao longo do litoral da '
etc . tudo isto foi veiculado 'pela chegada do cristianismo e dos missionários que .:~ ~frica , Austral e no século XIX iniciam sistemaücamentJ as actividades.1! 1
implantando escolas criaram os viveiros da mudança 175 . Assim chegaram;~f :'.hii~sionárias . Mui.tos ~ssion~os eram pessoas simples (não era~ teólogos) 179 • 1;,
medicamentos , práticas higiénico-sanitárias e influências culturais que :J~ :. ~u'.°a~ente se d1fund!íam m~lt~s seitas: e~ 1948 estimavam . -se ~~üs de sete ffil
. ·1ij 1
transformaram a África sen:ipre mais à imagem da Europa. O controlo europeu e i~: ::m~JaS rndependentes, a maiona das quais tendo-se desmeJ brado dai igreja) \
americano é sobretudo económico, eclesiástico e mass-mediático. Isto gerou uma /t )íílglicana,
....
luterana e protestante. Mbiti conclui que '. 'lo .scandalo1
della divisione
":1 ;;delle Chiese missionarie protestanti ha offerto un cattivo .esempio ai .fedeli •1
"destribalização", promovendo novas identidades.
180
As maiores mudanças dão-se na failll1ia, onde os progenitores são geralmente ;1: . -·• âfricani" • O principal esforço dos missionários foi arrancar ds 'convertidos dàl/ J

{ J analfabetos e os filhos frequentam a universidade :e são colocados fora das '~ . vida tradicional a favor daquela que pensavam ser a opinião jl1sta, civilizada elj! i
, I•
l l tradições , tornando-se deste modo "desemaizados". As mudanças acontecem o/, cristã da nova fé. A cultura local não foi integrada na nova fé, pqr este motivo, na1l 1
(" ;:ti:- velozmente, no campo político, económico, urbano, religioso (fenómeno do '{,: opinião de muitos o cristianismo é superficialporque não respo~de eficazmente e1;1
ateísmo) , cultural (superficialidade) e temporal. Não obstante estas mudanças, f não , influe~cia ~os· prob~emas reai~ d~s ~~ssoas . Isto sig~ific~ que o substrato 1
'"l·

Mbiti é de opinião que "o subconsciente da vida tribal está apenas adormecido e ::i , cultural nao f01 convertido. Os ffilss1onanos · foram os p10ne1ros da educação !11i
não morto" 176 , embora lamente que a "ênfase se está deslocando do «nós» da vida ·k.
1 ~
:. formal em África (a maioria dos governantes e chefes estudou nas escolas da ·i i
colectiva ao «em> do individualismo modem9" 177 . Isto é visível nas faID11ias, & igreja católica). As perspectivas futuras para o cristianismo, 1 nota Mbiti, são 1 1
sempre mais nucleares e não "alargadas"; jo..;ens que se distanciam da casa por ~[ ::_ optmustas. . l ,1
: .

causa dos estudos ; contratos matrimoniais tornam-se sempre mais assuntos ;it 't O Islão também pode ser definido. i4dígena, tradicional e african~. Cem ano;tapós .: i" - '.
11.!

pessoais e não comunitários (o "lobolo" é sempre mais caro porque o~ estudos da (f :· a morte de Muhammad, o ISlão difpndiu-se rapidamente no. no~e de África. e no !/;
filha foram muito custosos); maridos que voltam à casa uma ou duas vezes pod'.. · , r 1

ano porque trabalham longe. Mbiti repete a suas ideias segundo a. qual as escolas lf·b:
hodiernas ensinam a história colonial e a analisar mais do que a criar uma'famHia:fü:
feliz . A educação é a necessidade mais premente para a África 178 • ·•

"' Cfr . Idem, p. 228 .


'.''. Idem, p. 234.
"' Idem, pp.236-237 .
1
'." As publicações a respeito multiplicaram-se. Cfr. em partiqular os estudos mais recentes

------ - -- ---- -
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~)i~;: Jf;. -~ ..-~· ·· ·-· -· ~~ . . . .. .- ·- ..


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JSTO r> [ A D AS DE l A S i\'[ u :' i 'l u í ::; ;\\ o 1 87

füornl oriental. À semelhança do cristianismo, o Islão não conseguia conquistar a


i!:'. •i·;,•.'.:.:.•. ·:,\ . j a,cismo, corrupção, etc. As religiões em África devem encontrar novos modelos,
alma "animista" dos africanos. As comunidades islâmicas são mais difundidas nas ' \ egras· morais e éticas adequadas à sociedade em transformação, e desempenham <i
::

'1
l grandes cidades, pouco nas zonas rurais. Entre o Islão e a religião africana há , ; um papel importante na reconciliação, harmonia, paz, segurança, etc. '. '.: (
concordância quanto à ideia da unicidade de Deus, dos mortos-vivos (santos . fylbiti . conclui a sua obra com estas palavras: "ln questa situazione, il
1

muçulmanos), boa magia, sortilégios e "feitiçaria". O Islão introduziu , a <ctistianesimo che e anche «indigeno», «tradizionale» e «africano », come rutti ooJi
.::e
1
' .. ~ :,.
)
IÍ'" infibulação em alguns países africanos (Somália, Sudão, Etiópia). O grande .·· : áltri sistemi principali che abbiamo considerato, presenta !e pmenzialità
'.(1
i: :r ' ' problema do Islão é o da m@demidade, devido também, acredita Mbiti, à poüca (fftbggiori di rispondere ai dilemrni e alie sjlde deli 'Africa moderna e di
:•.j1
1;, instrução dos seus líderes: "ironicamente, sono piü numerosi gli studiosi cristiani ,~:. raggiungere la piena integrazione e maturità degli individui e delle comunità.
1:.·•:·

['.
!'i''
i::

d'islamismo nell'Africa tropicale che .quelli mussulmani, anche se il numero di .,.
181
questi ultimi sta progressivamente crescendo" .
Mbiti ,termina a sua obra com um capítulo dedicado à pesquisa de novos valores,
identidade e seguranças, após o enfraquecimento dos valores tradicionais. Quanto
ao ·corirnnismo na África Austral Mbiti afirma que "non vedo la possibilità di
~~E= =~
:;'., ?Dubito molto che, anche nel !oro meglio, questi altri sistemi religiosi e ideologie
1·'

.. :
'.attualmente presenti in Africa stiano affermanclo qualcosa di nuovo o diverso da
,~«~'!;'? .ció che e già profondamente radicato nel cristianesimo. [ .. .] La jórza de!
·~~~;~ cristianesimo e in Gesú Cristo. [ .. .] Considero le religioni tradizionali, l'Jslam e
'.~~;<: gli altri sistemi religiosi come terreno preparatorio e anche essenziale nella
-h--
l
J
:! r
nessuna rivoluzione comunista a breve termine in Africa,, anche se · principi ~: · ri cerca clel non plus ultra, ma solo il cristianesimo ha la terribile responsa bilità 1
J

I! socialisti, •· accompagnati da una valanga di promesse · verbali, vengono


1 d'indicare la via verso l'Jdentità, !e Fondamenta e la Fonte dell'essere ultimi" 183 •
li( sperimentati in alcuni paesi· come la Tanzania, il Mozambico, l 'Etiopia e
j1;} l 'Angola" 182 .
i~:; A ·África deve procurar novos valores, novas identidades e uma nova . f) Menkiti Ifeany A./ Kwame Gyekye (Ser comunitário e Ser pessoal)
l:j autoconsciência. Diante dos desafios da sociedáde moderna, o cristianismo tenta
j"•'•:;
i' ii;~ responder assumindo papéis ·sociais e com bons resultados. Menores resultados,
~~j. ao contrário, conseguiu a nível individual quanto à moral sexual, alcoolismo,
i

l,i '"
JJi
"ico•icom'Olo''º ""'' """"'°'P' °'"'"dia.o. oá"'°' do i•l•mi'"" "' ·Áfri" tropi"l do qoe
...,,. , "Nesta situação, o cns t1anismo qub é ta mbém << indígena> >, <<tradicional>> e
1· ."<<africano>>, como ' todos os outros ~is1erna principais que consideramos; àpresenta as

f· ~e
os muçulmanos, embora o número destes últimos esteja progressivamente a aumentar" (TdA), Idem, ;}'.'potencialidades maiores para responder aoi dilemas e desafios da África· moderna e para alcançar
~j:l~ p. 266:' . ;>.:a·plena integração e maturidade dos indivíduos e das cofl)unidades. Duvido muito que, mesmo nas
fi\:1 "' "rião vejo a possibilidade de algumà revolução comunista em breve tempo na África, mesmo que suas partes melhores, estes outros sistemas religiosos e ideologias actualmente presentes em África
•,il.;1•:',i ·.,:~"~:.,~' ·:,".· ·.'.·':.
1
.. > estejam afirmando algo de novo ou diferente daquilo que já está profündarnente enraizado no i ........
prindpios socialistas, 'acompanhados por uma avalancha de promessas verbais, estão sendo 1
í
.. :.. ·

·experimentados nalguns países como a Tanzânia, o Moçambique, a Etiópia e a 'Angola" (TdA), ''..f,,Ú.istianismo. [. ..} A força do cristianismo está em Jesus Cristo. [. ..} Considero as religiDes
Idein, p. 278. Em Moçambique, a ideologia marxista leninista, que conduziu a revolução para a '..{~- c;adiciona is, o Islão e os outros sistemas religiosos corno terreno preparatório e mesmo essencial
·!· : independência e os primeiros governos, capitulou ante a ideologia liberal capitalista actualmente "\·na busca do 'non plus ultra' , mas somente o cristianismo tem a terrível responsabilidade de indicar .
Ma
·-,.
via rumo a Identidade, as Fundamentas e a Fonte do ser últimos" (TdA), Idem, p. 290 ..
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( , 88 j H 1 S T Ó H. 1 A D A S 1D E l /\ S .l'V1 U N T U l S !'vi O 89 , , ', i;jl
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\• ' ' Importante para a nossa pesquisa que diz respeito à ideia de pessoa é a reflexão de )~ ;2~iological organism, wíth whatever rudimentary psychological c~aracteristics are m
A. Menkiti, que trata especificamente deste tema no artigo "Person an,d "' :'i een as attachíng to it. We must also conceive of this orgartism as going through a H!
Community in Africa Traditional Thought" ("Pessoa e Comunidade np ·,1Óng process of social and ritual transformation until it attains the full corriple,ment 11 ~!~
( ,
pensamento tradicional africano") 184 de 1984, retomado quase na íntegra no artigo <bt-excellencies seen as truly definitive of man. And during this '. long process of . \[~
..
"On the Normative Concepti:on of a Person" 185 publicado em Companion .. . ·de 1j
1
:~s
::; ~_uain:~~;· the community plays a vital role as catalyst and fs -pi:escriber of I i ~;
~··

\ ; ;- ... 2004.
! _norrn:s . ' ,. ~'
( , '
·""" O objecti vo de Menkiti é articular uma concepção de pessoa no pensamento ;~~nkiti introduz a idei: de "progress~o ontológ'.cª'.' reco~ece9~0,, p01:é~, que I (,ll
tradicional africano, faz~ndo :emergir o contraste com a concepção ocidental d9 ;:carece de uma elaboraçao melhor. Seg~ndo
esta ideia a cnapça 4esprov1da d"e -l f. i ~;
me~mo tema., De facto, o ocidente define o homem abstracto com as· suas ,} 4ma , personalidade própria, pois esta adquire-se progr~ssivam~f!te com .a , 1 ~~i
car'acterísticas individuais, enquanto na visão africana não existe indivíduo · :matUiidade e velhice, e perdura mesmo depois da morte, na fa~e dos "mortos- i rf
solitário, apenas o homem na famosa concepção de Mbiti "I am because we viventes" 188 • Apenas quando não são mais recordados pela icomunidade os 1 ~l
( ;
are .. ." (Eu sou porque nós somos ... "): "lt is in rootedness in an ongoing human mortos-viv~s perdem a s~a identidade ~essoal e passa~ da "imortalid~~e pessoal" \'j ;]:
community that the individual comes to see himself as man, and it is by first à "imortalidade colect1va". Menkit1 contesta a ideia de .Mb1t1 sobre a ; ;'.
t ) 11
knowing this community as a stubborn perduring fact of the psychophysical world "imortalidade colectiva", preferindo definir esta fase como a dos "mortos sem 'l I :r
\ ) ~ 1
.. that the individual also comes to know himself as a durable, more or less nome": "At the stage of total dis-incorporation marked by the ter;m, the mere it 's ·! 1 ·· 1
( ;,.--·. pe~anent, fact of this world"1• 186 · that the dead have now become cannot forma collectivity of any ;kind; and, sínce !j
se~se {~t
1

( ·~'~ A primeira diferença com o pensamento ocidental é que, segundo Menkiti, é a .·.· · by definition no one now remembers. tp.em, there is not much in saying of 1:
( 1 comunidade que define a pe~ soa como pessoa e não as qualidades estáticas e ' them that they are immortal either. They no longer have an a~equate sense of .: 1 I~~
1 f~J
isoladas como a racionalidade vontade ou memõiia. A segunda diferença é que as
1
, . self; and having lost theír names, lose also the means by which they could be ' ; rn·
t~íl
(" 1' 1

( ,~·L- pessoas tornam-se tal apenas após um longo processo de incorporação. Tornar-se immortalized. Hence, ít is better to fefer to them by the term the; nameless 4ead,
pessoa é um objectivo por atingir: "Thus, it is not enmfgh to have before us the rathe'r than. Designate their stage; of existence by such a term as 'colleCtive (f,•
t.~~ '~ 11 f.~
( ,:,..•·--
i!•I 1 1 ~
1 •. ~~1
(
·. r1;1 '·' ' MENKITI LA , Person and Cornmunity in Africa Traditional. Thought em R.Wright, African
! !',' ' 11

1, l•;.·~_-. Philosophy: an lntroduction, Lanham, Md: University Press of America , 1984, pp. 171-181. 111
..., "Assim, não é o suficiente ter diante de nós o organismo biológico, com qu~lquer rudimentares · ·~ ·
11
( . ..--, "" MENKITI I. A , On the Norma tive Conception of a Person, ln Wi.redu : A Companion of African
caractc:rísticas psicológicas vistas como inerentes a ele. Temos também de conc~ber. este organisroo ' : .i .,.
1
)(1 Phi!'osophy, Blackwell Publishing, 2004 n.24, pp.324-332 '
:·,.~ ~-,·~.:
'. . _·..: · · . . "" "É no enraizamento numa comunidade humana permanente que o indivíduo passa a ver a si como meio de um longo processo de transformação social e ritual, até que, atinge o coiljllnto ,. ,
· compl~to de excelências vistas como realmente definitivas do homem. E durante este lqrtg9 ·; '. .
( . ' - mesmo como homem, e é em primeiro lugar no conhecer esta comunidade corno 'uma obstinada
,.~ ... · realidade perene do mundo psicoffsico que o indivíduo também passa a conhecer .a si, mesmo como processo de realização, a comunidade desempenha um papel vital como ~atalisador · e ~?.[IX) ".,::{;:' . :,
(. ~'::::!. uma: rea!.idade durável, mais ou menos permanente, deste mundo" (TdA), em MENKITI LA, Person prescritor das normas" (TdA), Ivi, p. 172 · ..e\,<;;,;..:''::_,..
( . i,!.,s."Qc. a ~d Commumty ... , o.e., pp. 171 -172
- A><fu<êod• é ' Mbiti, ""º '"""· ":';~t%~

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l D E 1 AS 0. :] ! ; " T (i f. ( · i\·J 1··,
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immoi:tality ~. thereby opening itp the possibility of de'scribing them as 'collective ··'. na aquisição da personalidade completa, enquanto para o existencialismo o
:.\.
~

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immortals !' which certainly they are not ".
189
>' :indivíduo toma-se pessoa mesmo se isolado: "Above ali, whereas in the African
·' O que faz do indivídi.lo pessoa é a observância da moral, daí que a criança (mas . ._, · ·~nderstancling human community pla ys a crucial role in the individual 's
também o jovem) não é ainda pessoa porque não tem uma personalidade moral: ~- <acquisition of full personhood, in the Sartrean exis tentialist view, the individual
H
"Jt is"the .ccitrying out of these obligations that transforms one from the it-status : ~~lone defines the self, or person, he is to becoine. Such collecti vist insistences as
of early childhood, marked by an absence of moral :function, into the persorr- '. .. 'we :find in the African world-view are utterly lacking rn the Ex.istentialist
{1
status of la ter years, marked by a widened matur.ity"of ethical sense--an ethical
•.. - d. . " 192
: : Ir.d 1tzon . ~.! '/
190
maturity Without which persorihood is conceived' as eluding one " . Menkiti cita " ·;rvrenkiti passa a clarificar a noção de Comunidade na v1sao africana, que é J1c
i+
;;..;
1
a teoria ela justiça de Rawls pani ·a qual "The sufficient condition for equal justice diferente daquela ocidental , para a qual a comunidade é um mero agrupamento :J rr
,,~J
'•:::
[is} the capacity for moral personality " 191 . Em síntese, um indivíduo toma-se humano com o fim de defender, não os serviços comunitários, mas os direitos dos
pessoa apenas através da pdsse de uma moralidade. Menkiti mostra a sua indivíduos: "whereas the African view assert:s· an ontologica l independence to :}] .
perplàidade a respeito da rei vindicação dos direitos dos animais, porque os human society, and moves from society to individuals, the Western view moves r·
direitos estão ligados à capacidade no · sentido m\)ral, que se concretiza no instead from individuals to society. ln looking at the distinction jusr noted, it
l(
cumprimento elos deveres de justiça para com os outros. Neste sentido, coloca-se becomes quite clear why African societies tend to be organized around the
igualinente a crítica do autor ao existencialismo de Sartre, muito em voga na requirements of duty while Western societies tend to be organized around the
época: se, por um lado, o existencialismo, como o pensamento africano, postulation of individual rights . ln the African understanding, prioriry is given to
reconhece que à personalidade é algo por ádquirir, o pressuposto metafísico de ', the duties which individuais owe to the collectivity, and their rights, whatever
base é diferente. Na filosofia africana, a comunid_ade joga um papel fundamental these may be, are,. seen as secondary to their exercise of their duties . ln the West,
on the other hand, we find a construa] of things in which certain specified rights
'" "Nà fase ele total desinco1pnraçt10 marcada pelo termo, é evidente que os que já se tornaram of individuals are seen as ante~ede'nt to the organization of society ; with, the
mortos não pode formar uma colectividade de qualquer tipo; e uma vez que, por definição, já
ninguém se lembra deles, não há muico sentido dizer que eles são imortais também. Eles já não têm function of government viewed, cons~quently, a's being the protection and defonse
um senso adequado de si; e tendo perdido seus nomes, perdem também o meio pelo qual eles ofthese individual rights". 193 1
poderiam ser imortàlizados. Por isso, é melhor referir-se a eles pelo termo 'os mortos sem nome',
do que doutra maneira. Designar seu estágio de existência por um termo como "imortalidade
colectiva", abrindo assim a possibilidade de descrevê-los como 'imortais colectivos', que certamente •w "Acima de tudo, enquanto, no entendimento africanei, a comunidade humana desempenha um
eles não são" (TdA), Ivi, p. 175 papel crucial na aquisição da personalidade integral do indivíduo, na visão existencialista de
'"' "É a realização _dessas obrigações que transforma alguém cio status de primeira iníância, · ·:,... .. Sartre, o indivíduo sozinho define a si mesmo, ou a pessoa que ele se tornará. Tais insistências
marcada, por uma aüsência de furição moral, no status de pessoa dos últimos anos, marcado por :"-:'.~:: ·::. colectivistas como encontramos na visão de mundo african á, são totalmente carentes na tradição
uma maturidade alargada de ·sentido ético - urna maturidade ética, sem que a personalidade seja ;!0~';:-:\"existencialista" (TdA), Ivi, p. 179 ·
concebida como uma ilusão" (TclA)'. !vi, p. 176 · ':;~:~ .: ... "" "Considerando que o ponto de vista africano defende uma independência oncologica para. a:
"" "A condição suficiente para a justiça igual [é] a capacidade de. persdnalidade moral" (TdA), - 5~}::,:- sociedadé humana, e move-se da sociedade aos indivíduos, a visão ocidental move-se .em vez..,dos
Ibidem. ... ' ' · ;'.~:;;.~. indivíduos à sociedade. Ao olhar para a distinção apena s observada, coma-se bastan~e claro:pór '.
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( ,
.t
( ; No .artigo publicado no Companion .. . em 2004, Menkiti retoma particularmente
' ' 1
( ! '',- as mesmas ideias , ditas de outro modo. Introduz a palavra-chave "Group (_bu~!º estudioso importante e original da ideia de pessoa é Kwaqie Gyekye, que
( ; Solidari.ety" ("Grupo de Solidariedade") como melhor definição da sociedade >'.''revoluciona a ideia comum em África sobre a·pessoa. Para além dos seus estLÍdos '
195
Í) africana, e insiste na ideia d~ personalidade adquirida através de um processo, ;1;>Il{uito famosos encontra-se um imp9rtante artigo "Person and Comrm.inityin '
r· junto da comunidade e com '.um exercício de moralidade, usando um exemplo i }Jrican Thought"("Pessoa - e Comunidade no Pensamento Afri~ano") .no qual 1.·1.i
eficaz: podemos ter um "génio matemático" aos 1.8 anos, sem experiência, r<ciitica o pensamento comum africano que enfatiza o papel da ~oqiunidade .em
( ./:-, ..
enquanto nunca teremos um "génio moral" na mesma idade". t 94 196
\ , / __ . ,~;s~~-~tagem da i~~ividualidade . ~ritica de modo espe~ial, pas~o por passo, as !/ 1
; pos1çoes de Menk.itl; apresentadas acima. jI
e que·as sociedades africanas tendem ,a ser org_anizadas em torno das exig~ncias do dever, e_n~uanw
J ': ··

,.'' fuicia com urna sentença lapidária: "Th~te has been a gr.eat d~al o{ misconception ,, ·
( J as sociedades ocidentais tendem a ser orgarnzada em torno da postulaçao de direitos md1v1dua1s.
~,

No , entendimento Africano, a prioridade é dada aos deveres que os indivíduos devem à


~:. ~bout both the metaphysical anel social status of the person in Afridan thought". 1 ~7
~l ~-,
colectividade, e os seus direitos, quaisquer que elas sejam, são vistos como secundários para o .:~ ·. Óyekye critica expressamente as ideias de Menk.iti a respeito da suposta J i
\ ) .-..,.(;' exercício das su(\s funções. No Ocidente, por outro lado, encontramos uma interpretação das coisas
em que certos direitos específicos dos indivíduos são vistos como antecedentes à organização da .
' ·superioridade da comunidade sobre o indivíduo, a ideia segutjdo , a qual é a li!
1

( l sociedade; a fun ção do governo é vista , por conseguinte, como sendo a protecção e defesa desses comunidade que define a pessoa como pessoa e a noção de p~ssoa como um :1 ;
direitos individuais" (TclA), Ivi , p. l~O , status por adquirir. Observa que estas ideias são consequência das filosofias i:
r
; ~,

"'' "Considere-se agora, por um momento, que embora nós não teríamos uma grande dificuldade em
S?Cialístas africanas que pretendiam justificar a introdução do l ornunismo em
falar sobre um gigante de matemática de 18 anos, teríamos uma grande dificuldade em falar sobre ;;, J·
um gigante moral de 18 anos . A razão para isto é que a moralidade e o amadurecimento da pessoa ;~: África como uma realid~de já presente na ~u~tura tradicional. . J ! : ~~:
humana são tão intimamente ligados a um exemplar de pessoa ainda em evolução, na falta de um --»~~ , Gyekye tenta reconstruir o estatuto ontolog1co da pessoa aludrndp aos ditados e [ : :;];li
registo completo na área da experiência .vivida , poderia ser duramente pressionado para o:\
apresentar o tipo de história pessoal necessária para _µma elevação do status de uma moral t ; ·provérbios africanos cujo conteúdo e relevância são comparáveis aos primeiros :Jt

~·,l
exemplar. Matemática é outra coisa: enquanto o jovem homem ou mulher pode manobrar as :~r.
equações de melhor e mais rápido do que seu professor de idade, o caminho para a 'santidade' :,;! fragmentos gregos sobre os quais .sei construiu a primeira filosofia grega. 0 1seu· ;'',, ;J;'
.) l
matemática é clara para ele ou ela. Na verdade, muitas vezes é, dito que os matemáticos tendem a
fazer o seu melhor trabalho durante os seus primeiros anos. E um campo em que a experiência foco de interesse especial é a cul. tL~r~ Akan, à quàl pertence. Reqorde-se qu~ os / !~!
:

vivida não é necessária para alcançar a grandeza. No caminhq indicado do indivíduo para t ( 1 h
personalidade, seja notado por conseguinte, que a comunidade desempenha um papel vital tanto '. í : 1 ·fü
.. .

como catalisador que como prescritor das normas. A ideia é que, a fim de transformar o que foi .
iniCiatmente biologicamente dado em plena personalidade, a comunidade, por necessidade, tem de
·~· ~mu, K and GYEKYE K. (eds.), Perfon .and Community: Ghanaian Phdoso:phical Studies, 1 ~
intervir , pois o indivíduo, a si mesmo, não pode realizar a transformação sem ajuda . Mas então
Washm;gton, 1992; GYEKYE, K, An Essay on African PhilosophiCal Thouàht:
Conceptual Scheme, Temple University Press, Philadelphia , 1995. :
0
The Akan
• · · '' J. w
\J..
quais são as implicações dessa ideia de um organismo biologicartjente dado que primeiro há de ,.. GYEKYE K., Person and Community in African Thought, in KIMMERLE H (ect1.), L we, and ·l:>~y: . Í • ,)[• '·.:·
passar por um processo de transformação social e ritual, de modo a atingir o conjunto completo ele First Joint Symposium of l'hilosophers .from Africa and from the Netherlands, at Rotterdam :.on · .: '
excelências visto como definitivo da pessoa? Uma conclusão parece inevitável, e é no sentido de )v.larch 10, 1989, B.R.Gruner, Amsterdam, 1989, pp.47-64 . Este ar\igo é retomadp quase na)il!~g;,~ ·;'.~·; _ ·· ··
qu ~ a personalidade é o tipo de coisa que tem de ser alcançado, o tipo de coisa em que os
indivíduos poderia m falhar" (TdA), em MENKITI I.A, On the Norma tive. Conception of a Person,
o.e., pp . 325-326.
~; .~~~::~;ª uc~~~~~:u~:~:::cno es~~;;~n!~-;~;s c:~:~~~:ot: ~~~~:~e;~e. pessqa no. P~~~ª~~t9rf~·j-f.~~-·
, Africano" (TdA), Ivi, p.47
~ -----··----.!... . 1~·-- --~-- -

~1)?5J0.:; -{ '
~Wt? ;. <9·4tf fl r s ~T ó R I .A D-.\ S [ D E 1 A S i\'j U N T U i S M U j 95

l~;e. ;;;: :ã~ : n:~;a~0ct~ :d: :,:~: ~: ~ : nad~:~: ,~: :0;1:d: : ~: : ,~:'~
f't
1;]
198
"All persons are children of God; no one is a child of the ~arth" . Esta ,i
·~a ideia de que a criança não tenha atingido o status de pessoa e a ideia da não

':'ritualização da dor pela morte das crianças, diferentemente da morte dos anciãos.
· :pe .facto, um ancião é "chorado" pelo que fez de bom na sua vida, assim como
;i_
concepção teomórfica de pessoa mostra o· valor intrínseco da pessoa enquanto .~~ '>~tros anciões mais modestos são sepultados de modo simples. E insiste: "A
~ buman person is a person whatever his/her age or social s tatus".~<JO
1 -

"filha de Deus". Ela possui uma alma (okra) que tem uma existência pré- '.J
, .• ' l ':':).

mundana em Deus: "ln Akan conceptions each person is unique, beca use each ;T .' ~uanto à natureza da comunidade Gyekye afirma que é um erro grave considenu·
soul is unique. Ontologically, then, the individual person must be selkomplete in ;~ -~que a personalidade seja um factor processual, algo por adquirir e realizar,
tenns ofhis/her essence, for it requires nothing but itself in order to exist (except . : ·~onferido pela comunidade, tal como é errado negar a autonomia da pessoa: "My
' '
for the fact the he/she was.heid as created by God) If this i~ so, it cal\not be the ·:.~
0


.. reading of the indigenous sources suggests the conviction that in his/her nature a
case that the. reality of the person is derivative and posterior to that of the , person iS a complete individual and that this omological completeness does not
community. It would not therefore be correct to maintain that the notion of suffer diminution in consequence of his/her entry into , or rnembership of, the
personhood is conferred by the corrununity; neither, would it be correct to asser! · community. It is this fact that does not seem to have been duly recognized by some
199
that the definition of personhood is a function of the community" . Gyekye .scholars _who are given to har ping on the communa l or collective na ture of
critic.a o, recurso 'de Menkiti ao pronome da língua inglesa para sustentar a sua African societies, ignoring the status of the individuat". 2º1
/ \
. teori~ que se coloca em desacordo com a concepção autêntica africana de p~ssoa.' .{
•, - - - - - - - - - - - - -'' , "
Se .tivesse recorrido às línguas africanas te1ia sido desmentido. Refuta igualmente j; :'} '""' "A pessoa humana é urna pessoa qualque:~ que seja seu/sua idade ou condição social" (TdA), Ivi,
'..:;; p. 51 . Considerar que as crianças e jovehsinão ·são ainda "pessoas completas" é arriscado, 1, 111 a
:_-:· vez poder colocar em perigo os seus direito{: "A person, inasmuch as he/she is a child of God : mus·t
'. .. also be thought of as of intrinsic worth and ought to be accorded dignity, respect and importance.
Todas as pessoás são filhos de Deus, ning~ém é filho da terra" (Te/A), "Nnipa nyinaa ye Onyame ·.}
''." '
1
·,,.~, From this it can be inferred that a person :has moral rig hls which are anterior to the corrununity,
inmá;. obiaia nnya ásase ba ", lvi, p'.49 · . . ·~­ \''. nghts that are therefore not conferred by society, but are concomitant to the notion of personhood.
'"""Nas concepções Akan cada pessoa é única, porque cada alma é única ., Ontologicamente, então, J. \ Children have rights because, like adults, they are persons ·· ("Uma pessoa, na medida em que
a· pessoa individual eleve secautoccompleta. em termos de seu/sua essênci à, pois nãó ,reqlier nada .;.~ ·. éle/éla é um :filho de Deus, também deve ser pensado como algo de valor intrínseco e lhe deve. ser
.. além & si iries"mo pa1'a existir (e)\cepto pelo facto"de que ele/ela· foi mantida como criado por Deus)". · -~ \; reconhecida dignidade, respeito e importância. A partir disso, pode-se inferir que uma pessoa tem
.f. Se é assini,' rlãô'pode - ' '
a
ser ci caso que realidade da pessoa é delivada e posterior .à. da comunidad~ ..\ ,.
·1·
... ~ireitos : morais que são anterior à comunidade, direitos que são, portanto, não reconhecidos pel~·
;: ·: ' . ,Não pode~ia ser pqrtanto correcti:l afirmar que a noção de ppssoa é conferido pela comunidade'. > ·xsoc1edade, mas são concomitante à noção ele personalidade. As crianças têm direiros, porque, como ·.
;, :· ,herri 'seria êõrrecto afiririar que á definição de personalidade é' uma função da comunidade" (TdA), ; ::,os adultos, eles são pessoa s" TdA), Ivi , p.52 . , ,. ,.... ., .
'~.) ,.'.: Ivi-, p.?ó ·;- · -,~ t~'. ''A rrúnha leitura das fontes indígena s sugere a convicção de que em seu/sua natureza· nina pess~a;·f>':~·
.' .· ' ; . ~:· -- -.
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(° 't/ .. A pessoa é um ser "criado" que "desce" do céu numa comunidade humana à qual~! é compatível com a noção de autonomia pessoal. !, .q,
( • .~, vem destinado como ser relacional. Com efeito, o indiv~duo não é autosuficiente:~'.~:
.t
, ~:· ~íiêeitualmente "communality cannot be opposed to individuaFty" 204
porque o ,; 1 t1J
( 1 ,___ "Qespite his/her ontological completeness , the individual person's capacities{~t. ~µtesso do indivíduo vai em benefício da comunidade. 1. • .. ' 1f ·
(° ) ~ ..
ta1ents and dispositions arl not sufficient to meet hls/her basic needs andf {~in conclusão, para os Akan, o indivíduo é. único, com interes~es particulares, ij j !il:''
~óntade e desejos, capacidade de pensar e agir em modo antónotn~ ' "ln its being, ri ~
(" ;.,~
requirements. The reason is formulated in the fragment, A person is not a pal~i::
tree that he/she should be se~f-sufficient' (onipa nnye abe na_ne ho ahyia ne ho);J:: .Jberefore, the community is secondary to the being of the perso*s. The being or il ,;:]:
Beca use th~ human individu41 is not self-suf:ficient, he would necessarily require,~ F'teality of the individual person takes pr~cedence oyer that of the cbmmuniti'.205, '.: Xj

( /
/ __ . the assistance, goodwill and the relationships of others in order to satisfy his'.~~;
1 ' Z1~
;rA cultura Akan busca integrar os d~s~jos individuais e os ideais ~oci;iis, manter o !j 1 ~i
basic needs". º Existe uma <;>rganic relation (relação organica) entre o indivíduo ;~'.
2 2
; · eqmhbno entre a particulandade cnat1va mdlVldual e a part1c1paç~o social. i i ·;~I
( ;- :;._
e o grupo : "This orgarnc relation has g1ven nse to several questions, ·I ! :;I
l -··- "
impressions, invalid
1
inferen~es, and outright condemnation of the Poucos anos depois, Gyekye publica um estudo acerca da concep~ão da pessoa na
1
1l 1 ,:~
!~
system o.f social ainngement".2 º3 cultura Akan, do q~:~interessa-nos,. em mo~~ part.icular, .º c~pítulo 6: "The :1: ;:ij
concept of a person ,- no qual, partmdo do Jª analisado dito ';Ali persons are :i i 'fi:i
\ ' 11 I ·\~! ~
( }~ ·-. children of God, no one is a child of the earth" sustenta a existência do que nos : -":
~; ,:; ;

~ff
. outros sistemas metafísicos é dyn,Qminado alma (em língua Akáh: okra). l)rece d 1 ~ ·; ·;

.
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.•· que para Wiredu a-tradução alma, ~ão é correcta porque postula 1que a okrâ não :1; .~.i!_·.=_/
( j'i'" · é um ind.ivíduo completo e que esta completude ontológica não sofre diminuição em consequência :i;,
Fj_ de seu/sua entrada, ou filiação, à comunídade. É este facto que parece não ter sido devidamente ;f: Séja algo de imaterial como a ~l~a e, seria melhor traduzível rm. "that whose ;j·; ;J;
J. reconhecido por alguns estudiosos que insistem sobre a natureza comum ou colectiva das :1~'.
( fi!.· socieclacles africanas , ignorando o status do indivíduo" (TdA), Ivi, pp.52-53 :~ presence in the body means life an4 whose absence means death"!20 ; OkTa é, para · i :~ ·
: 1 )
!,}'· "' '. 'Apesar de seu/sua integridade ontológica, as capacidades da. pessoa individual, talentos e ·: f.
. .l' 'i
( l:. . disposições não são suficientes para atender suas necessidades e os requisitos básicos. A razãq _é ;" S::
;1: l; ,
• . 1' 11

d',. formulado no fragmento, 'Uma pessoa não é uma palmeira que ele/ela poderia ser -au to-suficiente' > · """Comunalidade não pode ser oposta à individualidade" (TdA), Ivi, p. 56 : :
( t_.·:,l~·.:
_:. .: (onipa nnye abe na ne ho ho ahyia ne ho). Porque o indivíduo humano não é auto-suficiente, elé)~ o:
. · •· "'" ~'Em seu ser, portanto, a comunidade é secundária para o ser das pessoas. ser ou a ·rea.lidade •;!
( J\ . requer necessariamente assistência , boa vontade, e as relações com os outros, a fim de satisfazer •i?. ~.>Pª pess.oa individual prevalece sobre o da comunidade" (TdA), Ivi, p. 59· / . <) ; ,•: .'.:', ';.{I ~; ..
~,f,: . suas necessidades básica s" (TdA), lvi , p.54 '"· '. · ""("O conceito de uma pessoa") GYEKYE, K, An Essay on African Philosopbical· Thought: -Th~•,:.-: ~
{ -~·: . ·"'' "Essa relação orgânica tem dado origem a várias perguntas, impressões falsas, inferências j ;. · Akan Conceptual Scheme, Temple University Press, Philadelphia , 1995 . ; .. ; . -~O:X);) · '"''! .. ; ·
( _
t,,,~:;: ~. inválidas, e conclenaçã o pura e simples cio sistema comunal de arranjo social" (TdA), Ibidem ; . ~"Aquilo .cuja presença no corpo significa vida e cuja ausência significa morte" '. (TdA), ·1vi;·,p :· ~~
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,·. \Yi:fodu, algo de "quase físico". Gyekye continua introduzindo um outro termo, the two cannot be identified. Ho wever, althÓugh they are logically
··:, idêntico a okra, que é respiro (honhom): "the departure of the soul from the body .:;~ they are not ontologically distinct. That is to say, they are not
·'· . . !.;.
'"
· · me~ns the de~th of the person, and so does the cessatibn of!he breath''.
208
Noutras j )1dependent existents held together in an actidental way by an externa] bond.
· línguas, .o termo respiro é substituível pelo termo sunsum, isto é, espírito, usado ;n 'ey are a unity in duality, a duality in unity. The distinction is not a relation
parà traduzi( em Akan o termo grego pneuma (respiro, espírito). :tiihveen two separate entities. The sunsum · may, more accurately, be
; ..;- • . ? ( ')
Sunsum é precisamente o segundo elemento constitutivo da pessoa. Gyekye · charactenzed
'·. --·.
as a part - the act1Ve part - of the okra (soul)".- -
esclareté que "spirit (sunsum) is not identical with soul (okra), as they do not Entre okra e honarn existe uma unidade espiritual. Gyekye torna a citar o dito
refer to the sarne thing". 209
Este sunsum "derive directly from the Supreme Being, < ~'kan "when a man dies he is not (really) dead" 2 u Disto resulta que há no ser
and not fromthe father".2 10 ; 'humano algo de eterno, indestrutível, que continua a existir no mundo dos
Para além dos dois eleme.ntos imateriais, okra e sunsum, existe um terceiro espíritos. Isto significa que a alma do homem é imortal. Entre alma e corpo existe I'
.- '
elemento constitutivo que é o Horiam, corpo. Enquanto os primeiros têm origem uma interacção psicofísica e algumas doenças não podem ser curadas com uma
divina, ocorpo t~m uma origemhumana.211 terapia física : "unless the sou] is healed, the body will not respond to physical
Se, não obstante as semelhanças, não se pode fazer curresponder okra a honhom,
nem honhom a sunsum, qual é, então, a relação entre okra e honhom? É este "a Após um aceno sobre a rel ação entre a psicologia Akan e Freud , Gyekye conclui
çlifficult: knot to untie "("Um nó difícil de desat~") para Gyekye. Há coisas que o seu capítulo sobre a noção de pesspa.
podem ser atribuídas apenas à okra, inas não ao sunsum, e viceversa. E. conclui:
{
"on this $hbwing, insofar as things asserted of the okra are not assertable of the-
f
"'' '" "Nesta apresentação , na medida em que as coisas rei vindicada s do okr a não são afirmá vei s do
t·' sunsum, os dois não podem ser identificados. No entanto, embora eles são logicamente distincos,
, êles não são ontologicamente distintos . Isto quer di zer, eles não são existentes independ ences
:, . "J:. partida da alma do corpo sig~ifica a rrÍorte da pessoa , e assim faz a cessação da respiração" mantidos juntos em forma acidental por uma ligação externa . Eles sãci uma unidade na dualidade,
·' (TdA), I Vi, p. 88 uma dualidade na unidade. A distincao não é uma relacão entre du as entidades sepa rad as. O
''~ ''.· ~~ pírito (sunsum) não é idêntico com a alma (okra); pois eles não se referem à mesma coisa" sunsum pode, mais precisamente, se; car acterizado com~ uma parte - a par te ac tiva - .cio okr a
.. -(T4AJ., ·Ibidem. o autor clarifica. que traduzir sunsum por espírito não é propriamente exa~tó , ..- ' (alma)" (TdA), Ivi, p. 98 ' " . .'
'.-: embbta não seja uma. tradução inapr opriada. · · . '" "Quando um homem morre, ele não é (realmente) morto" (Td A), I vi, p. 100
: ,;,,; "D~riva m directamente do Ser Supremo, e não do pai" (TdA), lvi, p. 91 ' ;~ "'"Amenos que a alma está curada, o corpo não responde ao cratarnerico fís ico" (TdA), Jvi, p. 101 .
. Cfr)vi,·p.
·. . ..·. .
94. 1 ;;r> Para estes probleinas existem os famosos curandeiros .
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M TJ N ·1; U i S M O j 101

r) :. -. . ~-~~
) d!
g) Fabien Eboussi Boulaga (Ser em crise) "'d_esejo e impede a sua realização . Ao delinear esta problemática, o;autor apresenta !li
;;;i,~'
() ,r-._
:~·': três posições: 1) a abstração do tempo, do lugar, das relações , em filosofia ; : ~-:~
C: -
( ) Fablen Eboussi Boulaga é, c~m certeza, um dos mais cultos e interessantes
'~ '. 'rnisconosce cio che il desiderio di filosofia nasconde e insiem,e ri vela" 219 ; 2)
~; , consequentemente, este desconhecimento t.orna insignificantes tais discu,.r-sos, ern
l~
;_·:.i..

filósofos africanos contemporâneos. A sua obra mais importante, fondamental .i vista do alcance do projeto do Muntu; 3) por fim, a abstração tom&a filosofia uma 1: i
\ ) para a nossa pesquisa da ideia .de pessoa na filosofia africana contemporânea, foi .
1" - ·' ideologia submissa ao poder, ao serviço' da força. . . . -j 1 ,i ! l;
c) --- publicada em ·1977 sob o tít~lo La crise du Muntu. Authenticité215 africaine et ;Porque reivindicar o direito à filosofia? Frequentemente se respor:ide deste mo.do : l'j i ii
( , philosophie (A: crise do Muntu!. Autenticidade africana e filosofia) . Quando o _'.Porque fi~osofar. perten~e ~o home~, 1isso não se pode ignOra_r , ele medo . que ! , {!
1

(,· texto foi publicado, Eboussi Boulaga já era um protagonista, ·tendo-se estreado '.' filosofar e exercitar a propna humamdape e pretender. que esta seJ ~ reconhee1da; .a . 'g
jovem com importantes contributos ao debate das novas teologias africanas, na · filosofia é universal como a razão e a vontade de fazer filosof~a é vontade · ele 1:~
(' )'> 1 '.:··\

época nascente. "Che cosa rivela e insieme nasconde la pretesa africana di atingir o universal; a filosofia é indispensável, por isso, segundo, o ensinamento .;j i f;:
( j --.
possedere dell~ filosofie?" 216. A esta pergunta inicial Eboussi Boulaga responde canônico, é necessário entrar no corpus dos autores, limitar-se a pitar os gra ndes ;j 1 (~.!

) ,,-.
discotTendo sobre o fio condutor de todo o seu texto : "II desiderio di affennare mestres, evitando a originalidade, que não se faz necessária e pof e conduzir, em Ii J
un'umanità negata o in pericolo e di esistere grazie a se stessi e per se stessi, nella contrapartida, a conceitos irracionais. Eboussi Boulaga continuaicr.iticamente: a !1 i i!
( 1 connessione dell' avere e dei fare, secando un ordine che escluda la violenza e filosofia é algo de típico do homem ou é um fenómeno histórico?:Se a filosofia é ·I :.i
( j --~· l'arbitrio" . Com o tenno "Muntu" Eboussi Boulaga designa o Homem
217
própria do homem, por que não se encontra onde quer que estej ~m os homens e !I i Y
( 1·'---".. africano , ou mais precisamente "e l'uomo nella condizione africana, che deve ~ualquer
em época? Se é. algo ~róprioda ~at~reza
humana, j por que inicia I[ i l'~I
affermarsi sconfiggenclo quanto contesta la sua umanità :e la mette in pericolo. precisamente negando o rruto, abolmdo os proverb10s e todas as fpntes de sagt>;za 'i ~ 1~·
( )!>-·
,.
r t -- Dipende da Jui valutare la sua situazione, su cos<(possa o no contare per aprirsi que não sejam confolTiles ao seu estilo, embora ,estes façam parte .da natureza , : i 1
'

r
.f>-.
i
uno spazio, il suo posto nel mondo, nel dialogo dei '1uoghi in cui consiste
concretamente"218 . Uma filosofia misturada com ingenuidade transmuta este i ~:ª::'..análise crítica, sem per~~!de vista o projeto do Muniu: i existir gra: as a
si e P?r si próprio, na comunhão,.;d9 saber e do fazer, segundo ~m~ ordem que , ! ..\!'.
t ·~
r /;,
:ir-. "' Referimo-nos à tradução italiana de Lídia Procesi: EBOUSSI BOULAGAF., Autenticità africana exclua a violência e o arbítrio". ' : ; . 'lV ir
J.
'
1
e filosofia. La crisi dcl Muntu : intelligenza , responsabilità, libera zione, Marinotti Edizioni, Milano,
r }-" 2007. O título original, La crise du Muntu . Authencité africaine et philosophie foi adaptado pela A filosofia europeia criou uma. dic6tornia entre o dominador e p dominado. ·o ·j [
r ~Y~~- curadora, em acordo com o editor e com o autor , de modo a tornar ·o conteúdo imediatamente
intuiti vo, mesmo para uma plateia de leitores não especialistas.
primeiro é aquele que é porque tem: tem arte, indústria e ciência, religião .é ·t .:
( ;'.}-.
(
li·-·
;!----..
'" "O que revela e no mesmo tempo esconde a pretensão africana de possuir filosofias? " (fdA),
EBOUSSJ BOUlAGA F, o.e, p.49 .
. . . . ~H J '.
humanidade e a coloca em perigo. Depende dele avaliar a sua situação, sobre 9 que possa :C pnt~r:.:_;:i:;,' t:~. ; ci
) ~: . , "" "O desejo de afirm ar uma humanidade negada ou em perigo de existir graças a si mesmos, na OU não para abrir-se um espaço, o seu lugar no mundo, no diálogo dos lugares em que çons \~U{) r,'.' •

( ·!,,; ~•.~ •.: . conexão do ter e do.fazer, segundo uma ordem que exclua a violência e o.arbítrio" (fdA), Ibidem . ,
1
concretamente" (fdA), Idem, n.22 p.12. , 1 _ . .. . ., .·, -~:·· ·-· .. ,.;·«~·
-~ "" "é o homem na condição africana, que deve afirmar-se derrubando quanto contesta a sua '" "desconhece o que o desejo de filosofia esconde e revela no mesmo tempo " (TdA), lde,m,, P.) . ·
( 1 ~· \'.·:

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fiiosofia:s; o segundo não é porque não tem: possui apenas magia, superstição, :; :africanus de sua pura invenção, para exaltá-lo com um exercício de retórica a fim
, mitologias e cosmogoniàs grosseiras. Para o Muntu, consequentemente, assumir a i :ae-"demonstrar a humanidade" e a educabilidade.221 . '

" ·filosofia é transformar o dominador no "centro da humanidade" e.o seu desejo de ·:i- ·Quem aceita fazer etnofilosofia aceita sem rebelião a dúvida sobre a própria
l _ ; filosofia é apenas a ânsia de aceder à humanidade do patrão. Daqui parte a obra de {" ~ dignidade de homem e a descrença total na própria tradição, para mendigar do
; i : "civilização'' dos · vencidos, que ambicionam esta assimilação. O . "evoluído" .;; ;;Vencedor a definição do próprio ser. O Muntu é assim educado, civilizado e
. torna-se um "burguês" quando tem a permissão de •ocupar o· lugar do patrão, i '~identificado- em esquemas predefinidos como, por exemplo, a ideia de pluralismo,
demonstrando poder agir a bom direito em sua vez, porque sabe imitá-lo em tudo. :~ Bh1.e b insere numa "concórdia universal", definida pela filosofia dos padrões, fora
De facto; continuará sempre inferior: "il piú meschino dei Bianchi, ignorante, :;i. '.i4a qual existe apenas "o grau zero do ser". O ~untu aceita esta sua negação, não
perverso e incapace gli e superiore"220 . Identificando-se com o patrão, o Muntu ~· :Lapenas sem contestar, mas, encaixando as filosofias af1icanas na arquitetura
nega-se no seu ser originário· e aprende a mentir para si próprio, porque será o .<~ ~~ daquela filosofia . Neste ponto é autorizado a divertir-se, especulando sobre o ser,
primeiro a· negar a · sua identidade e a dignidade do s~u mundo, aceitando as ·! ·:,;,enquanto esta discussão não belisca minimamente o poder do vencedor. Graças à
definições do seu dominador racista. · :~ ,_. ·,\ <leia do ser, pode-se remontar a uma natureza originária, que nivele com as
O autor passa a expor na primeira parte o sistema das etnofilosofias, corno _,_{ ,palavras todos os homens . Todavia, tal nova idéntidade e dignidade filosófica do
resposta . ao desejo de "fazer filósofia~'; trata-se de retórica, de filosofias :.·: · Muntu morre por si só, porque pressupõe algo de irreal, ou seja, uma igualdade
apologéticas, exortativas, persuasivas, que apregoam os "valores sacros de -~ ....entre todos os homens, numa realidade que impõe apenas relações baseadas na
África"', aceites, é subentendido, pelo colonialismo europeu, como aqueles .<! ,, r.força e violência. É inútil esperar das etnofilosofias uma verdade que o seu

apregoados pela negritu~ê. Xmscurso retórico, baseado sobre um consenso falso porque forçado, jamais poderá
Como se constrói uma etnofilosofia? Aonde bus·ca a sua matéria? Os primeiros i~dar.
~--.'

' meios são a experiência e o testemunho. A presenÇa no campo não se demonstra, ':~ ·,· O autor passa a tratar o tema, examindando "la concatenazione dei concetti e delle
"i mas se limita a afirmá-la ou testemunhá-la. Partindo da etnografia e das suas ·~ '. figure fondamentali a partire da ~ui il Muntu costruisce il mondo della vita;l2n
monografias, este "entrevistador" - o autor questiona-se se podemos chamá-lo ~:~ : Passa em revista criticamente as várias etnofilosofias através de um "inventário
·"filósofo" - passa: à pesquisa pessoal de alguma etnia perdida, individua algumas . :,,. '.\ pensado" de conceitos e figuras das ~nias africanas, das quais produzir discursos
constantes e deduz urna civilização unitária africana, uma "filosofia negro- ,l ·,e~nofilosóficos verossímeis. Eboussi 'Boulaga deixa que o "sistema" :se exponha
africana", um sistema de val.ores. A etnofilosofia "hipostasia" então um homo ~-- ~: Bor si, remandando ao ser originário da cada coisa .
.· ' ~
'}\pós passàr em resenha os conceitos e imagens, pergunta-se em que medida este
·· i:~discurso é autêntico e não mítico ou religioso, senão urna interpretação arbitrária.
J:·L~·.
,.. ·
,k:i'''' ..
~ /~)1~·:r _'.'q · m.~iS. niesqttinho dos brancos._.ignorante. pervertido e incapaz lhe és superior" {TdA), Idem, ...
, ,,,; Cfr. Idem, p.71 .
·;~~;., ."conexão dos conceitos e das figuras fundamentai s a partir da s quai s o Muntu constrói o mu~do.
,iI'-·;;:{p./?O. . " , . _ : ·"';·1.,- da
.
vida" (Te/A). Idem, p.80. · ·"

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( ) Critica especialmente a categoria de etnia que aprisiona o Muntu dentro .de um:~ ·~r~s, dentre os quais a racionalidade de que se vangloria, e a rbrutalidade das il
esquema que nivela todas as diferenças entre os vários povos. ~fncanos, .i'; ii,d . conquistas imperiais. Deste modo, abre-se, porém, m~a controvérsia ! ~
( ,
reduzindo-os à sua geografia, como se fossem espécies. animais, mortificando ª~'~ J~rrninável, na qual o Muntu apenas perde tempo precioso para colmatar a :;;:
( )':.... erepça tecnológica que o penaliza. ' I\
histórias e culturas e, conseqventemente, as individualidades. . ".
r, As reivindicações de "filosofias próprias", segundo o projeto do Muntu;,~r,;. '.ri.do impraticável a via da superioridade moral, tenta-se a da anterioridade . 1 \t
( ) ~ .
encontram-se/confrontam-se icom o distinto de si mesmo, o "ocidente", que coloca'z! ~tqriéa. o_primeiro h~mo sapiens desenvolveu-se em. África, Iº demonstra .a :~I
. '_.~!,
em questão a relação entre "tradicional" e "racional". A filosofia ocidental colocá~t .~eonto~ogia, pelo q~e e cert~ que os antepas~a~os já_havi~m de~co~~rto aquilo :\' i'\:
( ''' estas filosofias "éticas" nos 1seus esquemas, como a inculturação .ou o encontro\ 9~(~ ocidente conquistou mais tarde. fylas a Afnca nao de1x,ou Yiest1g1os de tais i ·l j~:

( entre as culturas, descuidando da sua história e ridicularizando-as considerando-as ~~ ~scopertas. A Europa deriva da África? Como ·demonstrá.~lo?\ A África é .a- ' 1 \~ i
arcaicas . Este confronto produzirá hierarquias de superioridade e inferioridade;'.~r i'~I
li! ~
(l
confonne à afirmação de si e à negação total do outro, imposta pelos dominantes ~~;: ~quilo
t.mente e a Europa o broto. O broto é mais importante do ' que' a iSernente, ou
que segue é apenas a imitação e o degrado daquilo! que precede?
Argumentos fúteis, conclui Eboussi Boulaga: "rovesciando sefnplicemente il i i
li :~1
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e, reciprocamente, à negação total de si para afirmar a supremacia do outro, \fr
( ;:,_:."-:
passivamente aceite pelos vencidos . O Muntu passa a processar a sua cultura, Nr : ,. : .i}unto di vista dell 'avversario, non lo si supera, si resta sullo stess~ piano, quello i; 1
!!
(' ) descobre a sua fragilidade, a sua "colonizabilidade". Segue uma série de :\'~ :'.;gella svalutazione reciproca, del giudizio 'moral e' fondato sulla valutazione degli :! , ··i!
( )' ., perguntas: por que o ocidente é mais forte? Responde-se: porque tem armas. o,r; f>averi ereditati, ossia arbitrari, sull' arbitrio e sulla 'fortuna' o sulla . 1·
~redestinazione" 223 .
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Muntu pergunta-se então, se também bastar-lhe-ia ter armas para vencer, e corno, ~,
:::\

fazê-lo . É necessário dinheiro. O dinheiro é a verdadeira potência do agressor,, o{ f.: '.'culturalismo" tenta outra explicação: as diferenças entre as ~ivilizações
são !( 1 \.:i\

seu mistério mais "sacro" . Qualquer ·outra ~xplicação da sua superioridade toma,<~ · vidas às escolhas feitas num tempo remoto por urna cultura, qu~ determinaram ·I 1 • M'
se mitológica. Certo, o ocidente excele em ciênêia e tecpologia, mas estas tarnbérri~~ · ~eguida a força ou fraqueza. A vitória ou o colapso seriam fa~tos acidentais. 1: \::i
'* ,., J ' ~· •: • {"Jl
são subordinadas ao dinheiro. Corno consegui-lo? Por via do comércio 1deii, esmo neste esquema, ao Muntu nãp resta senão . a resignação: as .culturas que ; · fJI
:unfam não são necessariamente as. ~elhores, mas a sua cultura p~rdeu.
1 ! - ~

matérias-primas preciosas, do petróleo aos minerais mais prestigiosos, de que a'.l iÁ'
África é riquíssima. Se o dinheiro é condição do sacro, nota Eboussi Boulaga, º'.( ;",
,:i· que fazer agora? Não seria mel~orreconhecer a superiorid~de
,do e outr~ :, f
· aptar-se aos seus valores? Reconh.ecer o próprio "atraso históri;co'l e procurar ,: ;;:
Muntu está definitivamente perdido. ,,.,
Tenta-se, então, um resgate moral, sustentando um novo tipo de supremacia sobre,~. )máJo progressivamente~ mesmo qtie isso mortifique o amor próprio? Entregar- .Jr
f,!··
o ocidente: a África, com os seus valores ancestrais é,a alma e a Europa, com Ü,f
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seu .materialismo
. financeiro e consumista, o corpo. Trata-se, todavia, de um( G\ ~!

conciliação fictícia ou ideológica, porque esta alma não está, de facto, dirigindo ~~~ >':'.virando simplesmente o ponto de vista do adversário, não o se supera, mas se fica no mesmo ·~
v~l . da . desvalorização recíproca, do juízo "moral" fundado sobre a avaliação d.os bens herdados;,
seu corpo. Tenta-se, então, um ataque directo. A Europa não pode ser superio!$, ": ,;~eja ,arbitrários, sobre o arbítrio, e sobre a fortuna, ou sobre a predestinação" (TdA 1. Idem
~uo. 1 · ·h , . •
porque cometeu muitos crimes, como demonstra a abismal distância entre os seu5:?: •.: 1 .' ·~," .: .
·'"".":-·

·.lÕ6j HrsTc"iRfA Di\S JD 'E J AS MU N T U 1S \! U j 107

. se assim à inevitável ocidentalização do mundo e reconhecer que os factores : . contar ap~nas com a supremacia da razão. Mesmo no racional ocidente, quem
· tradicionais são obstáculo ao progresso? ·: vence desacreditará o perdedor, tratando-o por animal, e impô-lo-á os próprios
. valores particulares, afirmando a sua universalidade com a violência. Que éoisa é,
' Na segunda parte do livro o autor "si interroga su che cosa diventa la 'filosofia' então, a filosofia? Não se sabe ao certo ainda, sabe-se, porém, depois destes
..nella nuova configuràzione, éhe sancisce il dato di fatto che la ragione del piu ~- , discürsos, que coisa não deveria ser. A crítica deve criar um método, não obstante 1-n
forte e la migliore, perché e ragione efficace in atto" 224 . Analisa a _' · o estado das coisas obrigue a considerar prematura tal realização e convide à ' '--
. institucionalização da filosofia e a sua legitimaçãó: a filosofia está sempre ligada ·. : prudênCia; ~a tentativa de concretizar um dispo si ti vo conceptual rigoroso, capaz
ao poder, o legitima, e é sen1pte autoritária, segundo a autoridade do mais forte, a · de consegmr resultados válidos . Este é o problema da terceira parte. i(
partir da sua matriz grega, que exclui os "bárbaros". Os herdeiros dos gregos são" . J('
· depositários de um saber e de uma razão da qual não existem traços em outro Discorrendo sobre a "Lógica da pertença", Eboussi Boulaga coloca a questão: r
1 lugar ou existem apenas . esboços. O tradicional apresenta-~e como o "não pode-se ensinar e transmitir filosofia? Segundo.o pensamento vencedor, filosofar
, filosófico" ou irracional, de modo que a ideia de homem da civilização dominante é helenizar. De facto, para Sócrates a filosofia pode ser ensinada mesmo ao
é a única possível. escravo bárbaro, exercitando a maiêutica. Sócrates e a Grécia - o ocidente - são
.: O Muntu aceita, imita e comenta esta filosofia indiscutível, dogmática, que lhe necessários ao Muntu que queira aceder à filosofia. Eboussi Boulaga rebate: este
· impõe com força a sua racionalidade. Deverá apenas repetir, 'imitar, renunciar raciocínio é válido apenas sob duas condições, "falar grego" e viver em ';Atenas". '• /

: totalmente a si próprio e às linhas de pensamento tradicionais, porque aquela Sócrates sabe bem que longe do génio do lugar, a sua acüvidade filosófica não { '
. filosofia é o segredo do deserí.volvimeilto: não se pode resistir à filosofia, porque teria mais sentido. Por isso, é um falso mestre para o Muntu, como quem quer que
· não se pode resistir ao ocidente. Convém abandonar o sonho da própria exerça uma mediação "alienante". O primeiro embaraço, · ou melhor, 0 grave
: autoafirmação, ·sob pena de cair nas trevas, na ifi'.acionalidade. Passa-se da pré- problema de todos os filósofos africanos é dever . apresentar as próprias teorias
história ao mundo da técnica com uma ajuda contínua, a custo de piorar a própria através de línguas e categorias to~adas em emp.réstimo. Em conclusão, ensi~;ável ··. ·(
' escravidão. Todavia, os tempos premem e - se subentende: com a segunda guerra ou não, a filosofia é símbolo do , Ócidente, é a s1ia "teoria" e a sua história
mundial '--" o Muntu assiste à luta entre os seus venced0res que tentam arrancar-$~ fundadora, é a expressão e a int~ligência das relações que ele 1 impõe aos '1·-·...
reciprocamente o poder. Descobre então que para os colonos vale a regra segundo e
~.~·. . . indivíduos, é a justificação que os re'gula. Esta visão vem inculcada transmitida l
.!.. "(
! a qual na luta pelo domínio, cada um dos contendores lança-se contra o outro :~C.i' através da educação e quem proc1irar relativizá-la é anormal. Aderir a ·ela é !>-'
· invocando valores simbólicos como a religião ou a raça, e defend~,.tenazmente o i~:~ obrigatório se se quer sobreviver e se espera tomar parte dos bens do vencedor. A
. próprio mundo tradicional, muito para além dos interesses materiais, ao invés de l :'-.é' relidade é tragicamente diferente : "l'integrazione e l'assi milazione sono false e
··"',, -'."··
>t" .•I

~W:;~·
, '·'' "se interroga sobre 'o que se torna a 'filosofia' na nova configuração, que decreta o dato de facto
que a razão do mais forte é a melhor, porque é razão eficaz em acto " (fdA), Idem, p.115.

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tvl l_i :N T l r::; M o 1 109
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Í ,i contraddittorie. Sono un processo di marginalizzazione e di snaturamento,


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reconhece umaJíngua, só dialectos, pobres e incapazes de "abstração". A lín~~
( 1 diciamo di riduzione all'accattonaggio culturale" 225 .
;.·.... do vencedor contradistingue o início .da civilização e da história: 0 resto é prél
Por fim, a filosofia apresenta-se como um modelo único, atemporal, total.
( ) história e ·etnografia. Considerar as cul~1ras africanas co~o "civilização . ~
Desencoraja e destrói outros modelos acusados de irracionalidade. Responder a
Í I literatura orais" é um acto de caridade tardia e suspeita. Enquarlto.se afirma que a~
es tas afirmações com outqls igualmente controversas significa continuar no
l l ;,...·...... "línguas" africanas têm uma sua criatividade, que as aproxjma à riqueza dd~
te1Teno do adversário. Há qpem defenda a racionalida,de do Muntu, porque ele
( 1 línguas .ocidentais, colocam-se num estágio iliterato, que defipe' um divaricaçã~
possui uma ideia de um Deu$ único, de um mundo com9 cosmo e não como caos;
insu?eravel com as línguas "cultas" do ocidente. Ignora-se, por fim, 0 patrimóni~'.
r .-·-, enquanto as suas crenças e os seus costumes obedecem a uma lógica simbólica
escnto, nega-se que possam produz!r mais do que modestas fmifações e ·bànai~l
( perfeitamente coerente. Há quem julgue o pensamento ocidental mutilado e
repetições das literaturas ocidentais,' quando se cimentam! co~ a ·esdritura. T:rê~ , '
( 1 mutilante, como uma ideologia do homem-mecanizado e reificado, que devasta as
teses alimentam estes juízos depreciativos: cada língua · é \ ípicà · de úmà'. ·
(" : relações humanas , provocando horrores como a comercialização do sexo, os '•·
-· ,,, genocídios. Há, por fim, quem busque uma conciliação entre a originalidade e o comunidade; há um paralelismo entre gramática e pensamento; 'eritre· as vária111
( l ,, lógicas ou filosofias há uma heterogeneidade e não comunichção, porque càd~ 1
( )
-~ arcaísmo das civilizações africanas e o génio científico-tecnológico do ocidente, pensamento reflete a organização das categorias de cada !língua. Uma ve~ !
: sonhado uma complementaridade entre os valores da vida e os da organização.
l ) · Póde-se recorrer igualmente a outros géneros retóricos de confirmação,
assimilada, a hierarquia do domínio, compreende-se como a Jonclusão de cadÁJ
uma de~tas teses não pos~a ser s.enão a co~firmaçã~ da i~feri~ridade do Muntu. 11
1

( ,, introduzindo novos códigos na filosofia "clássica". Se a filosofia é conjuntamente


( ; Ebouss1 Boulaga conclm: nas hnguas afncanas nao se mclm denhuma "filosofi~ 1
·- ". pergunta e resposta a interrogativos que retornam no tempo, irresolvíveis, é
africana", nem as línguas africanas, por si só; garantiriam o sentido da existênci~J ! ·
( 1 necessário descobrir e "inventar" sempre novos critérios. Eboussi Boulaga sugere,
corno defendido por muitos etnofilósofos - subentende-se J alusão a Alexi~ !
ironicamente, o exercício de um pensar metafórico, para ampliar o domínio da
Kagame. Nenhum~ lí~gua impep~, todavia, o Muntu de "dizer-se" na suà ver,dade; '. .
(" 1
( 1 :.-· expressividade, dando maior espaço à esfera dos sentimentos. Deste modo, se
1 enquanto em relaçao a verdade as hnguas são apenas instrumentos neutrais / Uma
restituirá um novo esplendor às habituais questões de raça e do poder. Se pode
) - teoria eficaz pressupõe, porém,; uma "rupttira instauradora"; ruptura d~ 1
Í I
igualmente aguçar a arte da metonímia, exaltando no Muntu a.parte do que o todo,
para remarcar a insuficiência da filosofia, convidando-a com hábeis jogos de
continuidade que instaure a irredutibilidade com a relação precedente. Enfim utna1 I·
política linguística é necessária, m,as apenas como momento d~mal política' mais 1 · ':
( '• - palavra a abrir-se à totalidade do real.
ampla de libertação da África da doença, fome, ignorância, submissão dl!
( ; Mais complexa ainda é a questão linguística. A língua é o centro. do domínio 226
reificação • ii 1 "
(") colonial: permite distinguir o civilizado do não civilizado, ao qual não se
() - ~::~ ;\J _~:·. :>~i
~ Segu~do no~ parece, Eboussi Boulaga avizinha-se sempre mais aos ternas d~ filosofia/teologia ·dlfül)'%:
··: 1 ..

( , '~" "a integração e a assimi.lação são falsas e contraditórias. São um processo de marginalização e hbertaçao africana. Por este motivo, como veremos na sistematização, o colocamos em •"' :. •cO}{;\'~-.'.·
de desnaturalização, ou seja reduzir-se à mendigação cultural" (TdA), Idem, p.146. transversal entre as duas correntes da filosofia africana, entre a corrente cultural/filosófi / '.
( histórico/social. r . . ,,.•. , .. .

Ci
( . .- ,

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J;tOjHI ST él RJA D.\S ] DEIAS fVl l.J '.~ 'f L !' S Ivi O j 111

A autenticidade africana reside nas tradições, sempre subvalorizadas, reduzidas a SQ1;1anto ao passado, a tradição demonstra o seu carácter e relação ética com quem
patético folclore. No . período colonial, a única unidade real da tradição foi a . ?·ros precedeu, com os antepassados; para o presente, de empenho ético no ;i:J
provocada pelo sofrimento, pela ,derrota, pela paixão. Pior isso, o Muntu retorna . :; cpnfronto do destino dos filhos que virão depois de nós; para o futuro, de fonte ele ;:::· C'
atrás no tempo, à busca de uma Tradição original que, com a sua "africanidade", · : esperança no seu sucesso, que em parte dependerá dos nossos actos no presente,
lhe restitua dignidade e valor. Como estar certo de uma originalidade tão longe no . _que constituirão uma antecipação. Fidelidade à tradição é repetição livre de
tempo? A rnitificação dó orig.~nal corre o risco de desacreditar as tradições ·.perceber, nos ditos, .a palavra original anterior à ruptura e concretizá-la. A
. existentes. Tradição não é abstração, mas empenho na assunção· -
autênticas .ainda it
.'
·~ ~adição, enfim, porque oral, permanece somente se vem continuamente
ele responsabilidades, demonstrado com seriedade na acções do presente, para: · ~; :> ~espeitada no agir quotidiano e histórico, numa contínua prática de fidelidade,
. ~

transmitir o valor no futuro . : caso contrário, decai. Porque fundada sobre a palavra, a sua força é a da palavra
A tradição deve ser uma utopia crítica: memória vigilante sobre. o presente,-para ,·, dada, do empenho sacro que ninguém pode violar sem trair a comunidade e, por
que não .se po.ssa repetir a história de humilhação e destruição - sé aconteceu uma , consequência, a si próprio. Por isso, comporta sempre uma constante assunção de
vez, pode accrntecer ainda; iden,tificação crítica do passado, corrio eliminação das . •s responsabilidade pelo bem comum, pelo presente e pelo futuro. O homem

barreiras impostas pelos outros, retorno a nós mesmos e fonte de criação cultural, iniciado à tradição aprendeu a renunciar ao seu próprio egoísmo e aos seus medos,
religiosa e técnica. "Neste sentido, a tradição sirnboliza o momento da para dedicar-se ao bem da comunidade, no qual apenas encontra o seu sucesso, o
autenticidade africana", evitandq a ilusão essencialista, que busca.encontrá-la nas seu significado e a sua satisfação.
227
origens perdidas . Por fim, tr.adição como modelo utópico, como projecto de Pensar na tradição segundo o estereótipo do folclore é entregar-se ao mesmo
construção do futuro, que harmonize os dois modelos precedentes, ou seja, a destino de humilhação que os etnólogos das expedições coloniais tinham
crítica e a reafirmação. Projectada na idea de um horizonte existencial à medida · delineado para o Muntu, reduzido a bailarino, actor de teatro sobre um palco que
cio Muntu, a tradição será .utopia crítica, empenhó/iiara, uma nova racionalidade, não construiu, ridicularizado quando tenta comunicar os seus conceitos e entregue
que respeite o modelo tradicional, operando a transformação numa sociedade de . ·~ a um imaginário alienante. Agora 'o Muntu, cansado de sufocar a sua origem, ,Dão
'1 'esti.lo" afticano. Isto implica o fim da etnologia, não só porque não existem mais se submete mais a tal mascarada. Esfa libertação ocorre através do "jogo": para
aquelas "tribos" objecto de estudo, mas porque é um saber e uma práxis ligada à . fazer da filosofia uma praxis liberató*a é necessário "brincar" com ela, criar com
hegemonia colonialista. Para o Muntu . não existem dualismos ironia o distanciamento, dominá-la se'm acreditar nela, perceber a insegurança das
civilizac;lo/pr{rnitivo, racional/irracional, investigador/informante -, apenas a 'suas problemáticas e a sua inealidade, quando julga o que é substancial na nossa
•Comunidade dos homens, um espaço total onde se busca em conjunt;? a verdade, · vida e na nossa relação com o mundo. A filosófia não será mais abstracta, ma:s
;:\.'. na plena consciência de quanto tal pesquisa seja sempre ligada a um contexto. emancipadora, quando substituirá uma presumível ausência, um presumível
-(; "espírito individual" por um "espírito concreto", histórico, reduzinclo.-se .à.
realidade do fazer.
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112 J H l <; T (J H 1 i\ O A S .! D E J A S M 'u N ~r u ) s M o 1 113 1!

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( -.. Deste modo a filosofia poderá ser recuperada - "reus.o da filosofia" . - paraf·J; r résgate de si: "la ragione storica e la libertà ragionevole · si conquistano per aver 1: !
( , .-., projectar uma autenticidade a conquistar com a emancipação. Para reler a filosofia ~ : -,~Úsuto l'anti-ragione e l'arbitrio"228 . Este discurso "para si mesmo" tem, todavia, ,J '.
sem .fugir da própria condição alienada, para livrar-se, é necessário projectá-la no,.'.f . ~ 'uma valência universal. O projecto de emancipação do Muntu nãb pode prescindir ·1:
horizonte ético. Pensar o homem diferentemente de como .o interpreta a razão dos' _;l~ : .: das suas experiências trágicas, não pode -reduzir-se à substituiçã0 dos antigos ~ ,. .
( J • d

dominadores , que o vê como um ser abstraído da comunidade e da história, um :'.W; ·. chefes por novos nem se iludir de poder resolver tudo -se ~oncentrando· no !11
~ .. ~;t
(.
ser ego1sta, produto de uma ontologia assassina, niilista, totalitária, a mesma que if: : ·objectivo do crescimento económico. O Muntu não pode ignbrar a alienação 1 1 .f1f,
(
1
_ impôs ao Muntu as suas definições, abatendo todas as resistências . Fortalecido .~ ' sofrida, sem reencontrar-se escravo 'do poder ·· que a seu · tentpo o subjugou, 111 :: '.:

~xercitando t~r _i·. :·j·:!~,I .·


11
l
--. pela crítica, o Muntu reutilizará a filosofia para desmistificar esta ontologia do 1f5 '· · "a arte de vencer sem razão", suprimindq a teaÜdade ·viva ' e . 1 ·
donúnio e tomar a ser livre. É i;iecessário recuperar a ontologia meditando sobre a ;~ relegando-o a uma funçao de executor das suas ordens. A!luc~de:l da ·narração ·.
1
_ crise do ser, do vazio do ser que ela mesma provocou, como uma usura <; restituirá ao Muntu, com a consciência do seu destino, a forçai da smf "razão"; 1·; · 'ili::
planetária. Este novo exercício ontológico ensinar~ ao Muntu a não refugiar-se ,;~ necessária à afirmação da racionalidade global, ecuménica; nutria plenitude de ! 1 rjl
~ .-, mais na fantasia de uma essênçia mendigada, mas a tornar a agredir a.realidade :;t· humanidade. 1 ·J 1 · • 1 ! · :·:'"

• quot~diana: trabalho, sentimentos, necessidades, desejos ... .que são os âmbitos nos
1
( :;, O discurso para si deve ser também um discurso para o outro,Jdeve mostrar~se : 1
( l quais se compreende o ser. É neste horizonte que se pode responder às antigas inteligível e acessível a todos, porque o Muntu não vive numa ilh~, mas é ·parte de 1 :1
( ' ~ exigências transcendentais da ontologia. O agir deve confrontar-se com a teoria um todo229 • Trata-se de uma universalidade. concreta, que não é ~ma ideia, mas é i ;:1
( ..... que b lê num contexto mais amplo, social, para restituí~lo a si, para além dos · .·· o mundo, é plural, é um processo; praxis universalizante ~ não qualidade i ·! :· J~:
atribuível às noções e aos seres. A ciência, a economia, que, to~avia partem do I, 'f : f11\J:
·~

( 1 limites da acção individual, que o condena a repetir ~nconscienternente uma


( -~ essêricia falsa. particular, seriam irracionais se não tivessem uma abrangência 1mundial, se não :1 i 'fülL
l'l!i 1

1
( __ O di~curso que o Muntu deverá elaborar, deve ser-coerente com o seu desejo de correspondessem a objectivos . que interessam · a todos e a 1 cada um.~ Esta . ·; · :;i:· 1
1

n~o realid~d~~dada n~ Munt~ f~t~ar, mas .~ :-.;',~


1
.autenticidade. Antes de mais, retornar o discurso do em si, que postula a universalidade é uma qual. o deve um i ;,:· ·· . [':ji;! :l_, : •..••:•

( ' ,..... identidade de todos os negros no fundo das culturas, e ·revela um pensamento processo oferec1do a todos na ·sµa part1culandade. E neces1sar10 superar o . . _
( 1 - ' .. l
1 1

"patético" dilema entre tradição 1e ~resente: o Muntu não deve s'onhar para além 1 ·
1
ongrna , peculiar. Este em si, esta essência, deve dirigir-se ao para si e ao para os
1
· - - outros. A sua linguagem, sendo abstracta e imaginária, sentimental, sujeita à da sua época: "gli basta abitare la sua diversità e quella del 9onqlo, con enel 'i :' iJr!
progetto di essere per se st~~s~ e in vi~ ~i se st~sso, ·~on la meditzi_o~~ dell'aver: :1! '.Jl::,
1
( --. ilusão dos estereótipos (o negro é isto ou aquilo), deve recorrer a um discurso,·
( ' ·- para si, racional. A forma deste discurso é o conto, como "forma de colocar e deHare. [ ... ] Sono quesh I lmeamentt d1 una dialettica dell'autenticita, connessa :, 1 · 'fii!
a una storia particolare della libertà rag,ionevole e aperta ad un un,versale concr~J9: ~) .. :~I :
1
( ) r. ordem no caos". Este discurso narrador pode ser inicialmente "inconsciente", mas.
( ) .~ de seg~ida suscita a tomada de consciência que torna possível rebelar-se contni !}:;· _-<1:~:'tt\,.;L~/}~;:~ .1·
:..·; · ) •

uma àhenação que não é mais sofrida como uma fatalidade mas é reconhecida "'"a r.azão histórica e a liberdade racional se conquistam por ter vivido a 'anticrazão' e·o:arbítl'io.'':;·;f;J•·,:;
)_.--~- ' ' 1
(TdA) Idem, p 235 1 •· ,, ,, "• i~~:f..;;.)~.~~:i,!i.f.c 'ii'.:i
como autoalienação. O conto é reconstrução da própda perda e também dd ""O t~ma da c~mu~icabilidade, que será retomado nos anos '90 por Filomeriokopes'' ~~?~i.-,~i~ . ......... .
( 1 . . 1 '\·. ~ .

( \ /'" .-···

( \>'".
r: Y;:'.
D A S lDE iA S !'vf 1.' ~: T L f3 M O j 115

:~ / e
. ·da fare, un'autenticità che non e altro per il Muntu che costru.ire il tempo e· lo .· paradoxalmente, exactamente na crise o Muntu reconhece a força das suas J-
· spazip del suo impegno, il campo dell 'esperienza che gli e possibile in un mondo .
1
tradições, ' que se manifestam em toda a sua 'universalidade. O pensar~1ento da ·1

1!
che lo circonpa e.che einsierne al suo intemo"23 º. finitúde repercorre um itinerário similar ao dos iniciados, de ond~ o Muntu saiu e "C
No último capítulo; intitulado "A . suspensão", Eboussi Boulaga traça a sua
precariedade, f1 da sua obra e do Muntu: se,. por um làdo não se deve negar ao
1
: :ºsai deixando atrás de si a sua infância. Eboussi Boulaga perfeiçoa ao máximo o

: . fom da sua ironia filosófica. Que coisa ensina, de facto, a iniciação tradici~nal?
,,e
Mun\u a possibilidade de exprimir-se, de definir a ordem da autenticidade; de · Nada! "Comunica ai novizio che il sapere supremo e cbe non c' e niente da
232
.'
realiia+;se,
.
por outro, a realizaç.ão não sacia, o fazer não produz n'ada que não sei-á .
.
conoscere" . As vozes misteriosas não são mais do que rumores externos, a
. -

efémero, .as obras não o salvam do mundo e não salvam o mundo: ·. a sua garganta do monstro é uma caverna e os antepassados não retornam do reino dos ,.C
''. transcendência" ele. Muntu, clono .de si próprio, não abole a sua temporalidade e a mortos, mas .são apenas habitantes do vilarejo mascarados. Tudo era apenas ·i· c
·Jsua ~va~escência, porque mesmo o Muntu é apenas um segmento empírico do
1
, símbolo, jogo de sinais. A sacraliclade da iniciação não emana, de facto, daqueles il c
mundo. A palavra é sempre e apenas mundana, não ·brota da eternidade, mesmo se . fenômenos sensíveis, mas elo pacto tácito entre os Homens, que funda a e
.pronunciada em nome de Deus, do Antepassado, da Natureza, da Pátria, etc. É sociedade, na comum aceitação da lei suprema da finitucle, a lei da morte, e no (
.este o pepsamento da crise, crise radical do pensamento. O discurso tomar-se-á respeito do silêncio escrupuloso que a deve acompanhar. Fortalecido por esta
tácito, os sistemas mudarão e cairão, os desafios e as paixões desaparecerão. Tudo consciência essencial para o homem, o iniciado é aquele que sabe transformar as
é vão) Nada pode libertar o Homem da sua finitude, mortalidade, mas a verdade coisas em símbolos e sabe retomar dos símbolos às coisas: "meglio queste
· palpita mesmo neste contexto fugaz dos sentimentos, das cores afectivas .da · maschere provvisorie che la morte e il caos"233 . O iniciado, o Muntu autêntico,
quotidianidade. não confunde as máscaras com os rostos, corno as crianças, não mistura sacro e
O .pesamento da. crise ."intende proporzionare il sapere all' esperienza, il discorso profano, vida e morte, como os irresponsáveis, por isso sabe recriar, interpretar e
.alfa pratica, ·La c1isi e la sptoporzione tra la teóna e la prassi, tra cio che e concretizar as tradições, de que é depositário, com serenidade e seriedade .
~ I' .. ....!.:

çoclificatO' e ,cio che e vissuto, · tra quanto e concepito e quanto e sentito" 231 . O Pensamento da crise é a aceitação sincera dos · limites e da mortalidade,
:· Í"

·acesso à verdade passa pela verdadeira crise diante da própria finitude. Por isso, · começando e terminando por si próprio, na coragem de uma razão sóbria e
. • 1 .
determmada. Revela-se deste modo :'º último segredo da filosofia, para restituí-la
1

. ao Muntu. Parà além da maravilh a e do pathos platônico, a filqsofia nasce,


habitar na stia diver'sidade e naquela do mundo, com e no pr;jecto de ser p~ra si
1
· }"' ' basta-lhe
:' friesmo é erri virtude de :s'i me'!mw, com'' a mediação do haver e do jàzer. [ .. .}São estas·as linhas de . sobretudo, do donúnio máximo de si, que a 'razão é desafiada a exercitar na
. .limµ dialética ela autenticidade, cori~ctacl~ a uma .história particular da liberdade racional e aberta
a.Um universal concreto a· fazer, uma autenticidade que não é outra coisa para ~ 'Muntu dp que
o
experiência da traição. Nenhuma finitucle trai homem e o Muntu quanto o fim
COÚStrt)lf O tempo e O, espaço dÓ seu empenho, O campo da expeDiência' que Íhe é pOSSÍVel num
da alma, a sua morte, determinada por quem sabe usar a "arte de vencer sem ter
· mundo:que o circunda e que está no mesmo tempo no seu interior" (TdA), Idem, p.241.
.~" :''.:entende proporcionar ~ · saber à experiência, o discurso à prática. A crise é a despropo~ção
· . entre a teoria e a praxe, entre aquilo que é codificado e aquilo que é vivido, entre aquilo que é ·"" "eomunica ao noviço que o saber supremo é que não há nada a conhecer" (TdA), ldérn,
co.ncebido 1e aquilo que é sentido" (TdA), Idem, p.245. · '""melhor estas máscaras provisórias do que a morte e o caos" (TdA) , Idem, pp.246-247.
( 1
_.. : .:.: _, ·.
·j
: j 1 !
D AS lDEii\S M ~INi. tiSMO 1117 1

;,1
~1
razão".. Se o Sócrates pedagogo não é um verdadeiro m~stre para .o Muntu, o ·" Ofjlomeno Lopes é um filósofo da Guiné Bissau, que puj:llicou vários livros na 1J ' ::il
::·1
~·:·'. · .·.Itália. Entre os seus textos mais originais • focalizamos a atencão
Sócrates moribundo, traído pelas leis humanas e divinas, é, contrariamente, o seu , em
·li iÍI
f:.1
verdadeiro irmão filosófico , em demonstração de que quando o homem é traído
pelo 'homem e traí a si próprio, :a sua razão universal se reacende à filosofia para
,restituir-lhe a sua dignidade, coi!n fé na lealdade do espírito. ·
f · Jerzomondialitá. Riflessioni sulla comunicazione 1 ioterperiferica
'.~: , {Terceiromundialismo. Reflexões sobre a comunicação . inte~erif~rica) . 235 O
•:;: ~~tudo deste texto torna-se lmportante para o nosso tema po1s;.como diz Robert A.
r
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1l.·1·i
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'.k.

.· • 1 1
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i
Reconhecendo em Sócrates de Fédon um modelo extremo de humildade. . White na introduç~o, "The question of how we can arrive ~ t some public 1! 1
!1 1
·:.1
'
filosófica, o nqsso autor desp~de-se, num acto de reconciliação final com a consensus is. inevitably pusher .back to the criteria of truth based on some ·j''' Í;i
1 •·· . . 1 ' 1 ·i·:
melhor herançal filosófica e cultural do ·ocidente, d.eixan~o os seus leitores na episte~ology -and eventually back to a conception of the ~rson and the :11 ..·U[/
'j

Suspensão e co~vidando-os à s{rn iniciação, enquanto lança o convite e o desafio conception of existence".236 J 1
1
i .I'i~
Lopes abre o seu livro com a proposta de superar a etnofilosofi~, focalizando a
,-.', . ?]4 '
da lucidez- .
i '!i
i1;

·reflexão africana no fenômeno da comunicação. ' . 11


1.1

O muntu - literalmente traduzid~ pelo autor como "pessoa h~mana", ou "il il '. 1'
h) Filomeno Lopes (Ser de comunicação) 1' .d.
soggetto de/l 'africanità pro/onda, alia ricerca della sua storicltà e della sua ii
237
liberazione" - encontra-se diante de dois problemas: por um lado, fazer .: 1
Na n.ossa pesquisa sobre a ideia de pessoa na filosofia africana contemporânea 1 •'
quis~rnos dedicar atenção particular à área linguística lusófona, geralmente pouco
sobreviver a tradição e, por outro, o conflito contra a modemidad~ ocidental que ,,i,I ! ..·
···!;
1

e i. presente no debate continental, no qual os colossos são os filósofos da área


invade a África e a vida do muntu. 238 A modernioade alterou os jsistemas éticos '
' li.
r - anglófona e francófona. o meu interesse por estes autores deve-se não apenas ao .
em vários campos (familiar, sexual, poHtico, comunicativo~ etc.), a1tal ponto que o :, ! !ji
· muntu, . "sradicato dai ritmi de/la vita tradizionale [ .. .} ha necessariamente 'I : ;::
e ,·', facto,de viver e trabalhar num país lusófono há a~9s, ó que me permite conhecer
bisqgno di reinventare i propri costumi, per rigua,dagnare la gioiil di vivere e di :1,
:1;
J1
bem tal problemática, mas move-me, sobretudo, o desejo de fazer justiça aos seus
sperare, nel pieno rispetto dei valôr! inalienabili della vita e quindi anche. ~ella . tj i' -(t1
r r. pensamentos interessantíssimos:e originais, muitas vezes pouco explorados. Se a
possibilità di morire poveri dignitp~amente. Cià richiede una nu\lva prospetti va ' }/
r -~
filosofia africana em si sofre uma grande discriminação a 'nível internacional, os
1

r filósofos da área lusófona a sofrem duplamente, não apenas por serem africanos, " } 1· i.· :!·: ;I
r1 J
nias também por pertencerem a um grupo linguístico minoritário.
~d. !;· ~.
1
(' '" LOPES F., Terwrmndialità. Riflessioni! sulla comunicazione interpernericl , Harmattan .
( Italia , Torino, 1997. i 1 '. [; 'li
'""A questão de como podemos chegar a algum consenso público é, inevitavelmente voltar para os " !:
e .~- ....
critérios de verdade baseados em alguma episte~logia e, eventualmente, voltai; a urna concepç~o · . ~ ·
e.la p.essoa e a concepção da existência " (TdA), I vi, p. 11 1
. .. ,,. "' ;, ; ·i

(' ,, .'''Para esta interpretação do texto eboussiano, cfr. L. Procesi , Introduzione, in F. Eboussi. Boulaga, "'."º sujeito da africanidade profunda, na busca da sua histori~idade e da sua Úberta ção ;·.(rd,A),<?: \ :1
~ utentiéità africana é fi losofia , cit., em particular o parágrafo: II coraggio dell'umi/tà filosojica ,
~~1~:~; ~·~
5
:• d·i~;)Ji:;i~\:;~Í .·
( 1. :,..:. __ .
.. - pp,4;2~ 48 . . . ,,. ( ;
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1
39
·filosofica, orientata sulla comunicazione a livello continentale".2 O projeto de linea, sensibile ai problemi deli a quotidianitá e capace di proporre un 'alternativa rr
.. Lopes· se materializa numa filosofia africana centrada na comunicação, em busca concreta attraverso il suo modo di pensare, di scrivere, di parlare". 143 o filósofo , :J

dM condições de , possibilidade para uma era da terceiramundialidade, de escreve Lopes, deverá levar a cabo esta tarefa interdisc.iplinannente, tarnb ~rn em ,r
iedescoberta do Outro e da indentidade e libertação da Periferia do jugo do colaboração com as religiões e com a teologia. Cabe à filosofia africana repropor ·('
Centro. ·Portanto, o problema fundamental é o da comunicação interperiférica~ -um discurso filosófic o sobre a comunicação inrerperiférica, sobre a identidady
Uma tarefa da qual a África, "berço da humanidade", não pode eximir-se, pois histórica da libertação, sobre a necess idade de uma cultura ela
tem · ·na comunicação .um elemento fundamental. A África deve apresentar~se terceiramundialidade como um espaço de encontro entre as periferias e o Centro.
diante da "totalidade~'. como um partner de igual dignidade, superando a lógica da Lopes questiona-se sobre a possibilidade de uma comunicação autêntica entre as
prevaricação com a lógica cornunicativa. 240 Trata-se precisamente da questão periferias paralizadas por problemas económicos e sócio-políticos. A vista uma 1
241
ética. O !espeito da alteridacle insere a África num pós-modernismo mais aberto possível solução referindo-se à ética da comunicação cristã, para a qual comunicar 'I
.1
' '
~o rosto cio outro. Lopes lamenta o facto de as periferi'as do mundo se abrirem ;não é apenas a transmissão de informações, mas libertar o outro, sem ·ir
i
tÍnidirecionalmente ao ocidente, sem relação entre si. 242 Faz-se necessária uma discriminação, favorecendo uma comunhão que "ed uca alla capacitá di sguardi ~
pedagogia da libertação a nível da base, que possa favorecer UI~a comunicação incrociati, dalla quede nasce finalmente ! 'amare /onero âi una veritá che ci rende
interperiférica mais autêntica. Nem o socialismo (coletivismo), nem o capitalismo liberi e di una libertà capace di verità , quindi credibile" .244 Deve tratar-se de urna , :,....
. ; \._
(individualismo) favorece a comunicação, apenas uma "democracia social, liberdade passível de materialização, concreta. Para Lopes, o cristianismo possui
espiritual e cósmica" e uma humanidade que inclua a beleza e o fêminino. Não este concretismo porque crê em Deus que se fez carne: o bem não deve ser
uma civilisation universelle, mas uma Civilisation de l 'Universel (Senghor). ínventado ou programado, apenas concretizado, porque já se encontra escrito no
Precisamente ;"spetta al filosofo della Periferia dei mondo ricercare Ie basi per evangelho. Dos olhares cruzados deve-se passar à vivência encruzilhada: o rosto Jc
una comunicazione interperiferica, condizione per ~êostruire la terzomondialitá. do outr~o me interpela, a sua vicia ou morte me interpela. Para o comunicador
• . '.!
';i'C'
.Qgli deve perà essere un intellettuale organico, un militante impegnato in prima cristão, o outro não é objecto da infdrmação, mas alguém que espera urna palavra CJ l
de vida. !· J
"", "desenraizados dos ritmos da vida tradicional [ ... ] precisa necessariamente reinventar os f'' C'
próprios costumes, para ganhar de novo a alegria de viver e de esperar , no pleno respeito dos
valores inalienáveis da vida e inclusive a possibilidade de morre~ pobres dignitosamente. Isso
;!~
>1' •
-
implica uma nova perspectiva filosófica, orientada sobre a comunicação a nível continentai" (TdA), ..
lvi, pp. 24-25
.,,, "cabe ao filósofo da Periferia do mundo procurar as bases por uma comun icação interperiférica, f
'~ lvi, p.27
condição para construir a terceiro -mundialidade. Ele porém deve ser um incelectual orgânico, urn
militante empenhado de primeira linha , sensível aos problemas da quotidianidade e capaz de
rii'·

C'

"' Lopes 'retàma as ideia de "a/teridade" e "identidade" de Dussel. . propor uma alternativa concreta com o seu modo de pensar, de escrever, de falar'' (Te/A), Iv.i, p1{ '. ~· '-"
"' Segundo Lopes, a União Africana é algo iínpontente; a união do;s teólogos do t~-r~eiro mundo 32-33 · . . ·.·~;;:;\:c< :._Ç
(EA"f!\V) é algo de vago e intelectual. Subsiste ainda a desconfiança dos países africanos uns '" "educa à capacidade de encruzilhar os olhares, da qual nasce finalmente o amor ~orrgdor 'O~ ~é·j;:~)' ; ('
contra os outros, quando, por exemplo, nos aeroportos africanos o controlo é mais severo no uma verdade que nos torna hvres e de uma Liberdade capaz de verdade, por isso crechveh, (TdA),''..':?"'' ' · ~·
confronto dos africanos e não dos estrangeiros de outros continentes. I vi, p. 36 : : ~0/::::'~=G:;
.
~
,_,..,,..... .. ·.,,·_ .:. . ..·- - ,~

1 i
D r\ S [DEI AS M 'u N ;r L' ( s M o 1 121 1 '.

(
· Lope.s cons.idera fundamental o estudo das religiões em África. Propõe uma :.'?relazionalità, che possa attingere all' oceano chiaro e irrlffienso: .del concetto di 1!
r ., . rekitura da história da igreja, · na qual a igreja da Africa não pode mais ser
, •, ..,
·'.: muntu .
,, 248
1 ;i i
C-- -. ericarada corrio um simples apêndice colonial. Esta igreja pobre encontra-se num
1
,. o muntu é sempre relação: um muntu solitário é urri louco ou bruxo, e erri todo o 1 !
lugar privilegiado (Bem aventurados os pobres ... ) e junto a outras religiões (que \' easo é um perigo. A solidão .é a-graça i(falta de graça). Em Áfric~ a hospitalidade ·
no passaçlo contribuíram para ~ divisão do mundo e da periferia) dev"e procurar -. é algo de s,acro,, é abertura ao outro, algo que _cria harmonia e pazf 9 , , ·\ i
( , _ uma ilova "espiritualidade comhnicativa" (nova relação com Deus) que coloque . " O muntu e autonomo mas sempre em 1 relaçao com o outro, com.Deus, etc., em : 1

( ....... todos . os horne~s em comunicrção entre si. É necessário, antes de mais, um . . . comunicação, porque sem comuniqção não há vida hurüanJ. · No .centro da 11; .
( esvaziamento, para tomarem-se vasos capazes de receber sem discriminação. · · palavJ~ muntu reside exactamente a r~lação- e a comunicação . ..Por isso, ·em !a1' li.:
" ·~ Lopes retoma a ideia africana ide muntu, introduzida na filosofia africana por · · palavra se deve procurar o fundament9' de um discurso sobre a ~oniunicação e a ,. .
C-~ -. Tempels. O Muntu é "l 'essere ' della personalità africana nel suo rapporto con 25
relação. ~ O valor da relação, o nps-juntos, mantém a reciprocidade, . sem
( - Dia e il mondo e soprattutto nell 'interazione delle forze vitali" .245 Com Eboussi- dissolução de um no outro, mantendo a própria autonomia. É re~onhecer o outro \l 1
r 1
Boulaga o termo muntu deixa 0 contexto linguístico-etnológico e torna-se um igual a mim, é respeito pelo outro. Uma pequena falt\l e!~ respeito pode 1 :
( . ~ protagonista histórico em busca da sua dimensão e libertação, "diventa un comprome.ter toda u~a série de relações. Rec~be.r o outro como[pe~soa h~mana ·lj i
(' > soggetto storico alia ricerca di uno sviluppo equilibrato ed arrnonioso, attraverso igu~l a_ rmm -aco!h1da- doar ao outro -h?s~1tahd.ade-. A l~ospftahd.ade e uma :11
r .· il dialogo tra l 'eredità tradizionale e la modernità coloniale e post-coloniale". 246 obngaçao, e se nao s.e cumpre podem existir pengos de vmgahça da parte da , ,
(' _ :~ O mu?tu. deve ser co~textualizado na sociedade onde part~cipa na construção de , farm1ia, da região ou etnia. . j 1
[11
1

r ·-;~ um nOS-JUílt?S (a SOCleda?e tradicio~al) que se espelha no agir comunicativo do , . O primeiro espaço de comunicação do rnuntu é a fanu1ia, µo seio '. da qual aprende l ·1
muntu no se10 da modermdade. Partmdo do rnuntu se busca a definição do outro, a amar e comunicar, a reconhecer a vida dos outros e a ser recon~eciçlo. "II tu che ;I i
-- ·na encruzilhada do "cara a cara" do "nós-juntos" histórico. 247 Sem comunicação scopr,e I'amore e i1 rispetto e il luogo ctove i· in~sé, la trasc:enctFnza e i1 valore .: 1
(' --" não e;xiste vicia vivida: é o único modo, defende Lopes, que ternos para dell'essere sono originariamente''per,~epiti. L'io sono si scopre ne~la, sua den1,ità a :\ ·' ··
C --. realizarmo-nos como seres humanos. Percebendo provavelmente o carácter partire dal tu sei, non tanto .a partiçe; da te che io amo.e rispetto, quanto da te che !i :
(' -- . retórico do seu discurso, Lopes conclui ·que "bisogna passare alla ri cerca delle · mi ami e rispetti". 251 Eu, tu, forrmi,m~s o nós-juntos que é o lugar ~a , p:lanifesfação 11 ! .
(', condizioni per la fondazione di un discorso sulla comunicatività e sulla . '; i' J! ''!

('1 -- ~~~~~~~~~~~~
"'Ivi, p. 45 . , . · i .· .. d1
'" Como é que isto se concilia com as guerras tribais que ensanguentam a Ãfrica? As guerras '!
(' ' , ... '. " "o s:r da personalidade africana na sua relação com Deus e com o ,mundo e especialmente na devem-se, no parecer de Lopes, à perda dos valores tradicionais. ! . i: :·1

{ -, ::t~~açao ~ntre as forças vila~ ' " (I'dA), Ivi, p. 43. , "ºLopes critica Tempels por ter reduzido a relação do muntu com "força vital" 1 apenas ao aspecto
s: t,01 n.a um s1.ye1to h1stonco na busca de um desenvolvimento equilibrado e harmonioso, activo . ,
· '" "O tu que descobre o amor e o respeito é olugar onde o em si, a transcendência e o valor do. ~~r,
'
1

( ,..._ atraves o diálogo entre a herança tradicional e a modernidade colonial e pós-colonial" (TdA), Ivi,
p . 44. são originariamente percebidos. O eu sou se descobre na sua densidade a partir do tU és, não s(J a ..
( -- "' Cfr . Ibidem.
partir de ti que eu amo e respeito, mas de ti que me ama e respeita" (TdA), Ivi, P; 50
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· . -~ 'da verdade libertadora. Por isso apenas na comunicação temos o único modo de ;;::insiste Lopes, pretender institucionalizá-la agora, pois "fa parte di quei costumi '!

' r6a1izaÇão hümana autêntica. '.· ' che l' Africa deve àvere il coraggio dí seppellire". 255
.,
.:f
!
}, ,O lobolo · (dote) deve ser algo por redescobrir a manter, como "unidade ·r-
O tema do feminino é centràl: a integração da Perifoiia na era do . sacramenta]". O comércio actual das mulheres "loboladas" não tem algum
· terceiromundismo passa necessariamente pela integração do feminino na história, fundamento histórico e sociológico na tradição africana. Perante a hodierna
··até então construída sobre o machismo. Quem pretende ganhar, emergfr (seja . "despersonnalisation" da mulher africana (E. M veng) urge uma
homem ·ou mulher) deve fazê-lo desenvolvendo sempre característícas · ."repersonnalisation" do muntu . Uma reeducação do muntu para redescobrir a sua
masculinas, ser forte, calculista; "monstro". se· a mulher pretende impor-se deve · dimensão de feminilidade será de grande aj~da na aceleração do processo de
abandonar a sua feminilidade . A força vital foi erroneamente idetificada com a Jibertação da mulher.Jnsistir na paridade é ainda uma consequência do machismo: :ir
maSf:Ulinidade. Na -verdade, reconhecer os próprios 'limites, a capacidade de .é necessário educar o homem como sujeito de masculinidade e feminilidade. A 'Jr
ternura, etc., não são sinais de ·fraqueza, mas de grande' força vital. Lopes propõe filosofia africana deve ajudar a mulher a viver a sua feminilidade. :ir
o modelo dos · "monges-guerrilheiros", uma fusão entre masculinidade e Lopes passa a tratar o tema ela "filosofia da recepção" que parte da maravilha lc
feminilidade .252 perante o mundo e não de pressupostos racionalistas como o cogito ergo sum da Ir-
Segundo Lopes, a tradição africana pode dizer algo acerca do feminino. A África '
"filosofia da adquisição". No diálogo com a filosofia europeia, Lopes privilegia a
foi criticada e agitada por feministas ocidentais que pretendem .exportar o seu filosofia de Kierkegaard, que se inspira na maravilha socrática, na qual a
modelo de virilidade no mundo, em nome da emancipação e da liberdade. Lopes "liberdade-libertação" apenas pode ser provada, mas não conhecida. A Áfiica
continua afirmando que "la liberazione della donna e la liberazione dell 'uomo deve libertar-se do "monstro" ocidental, diante cio qual se vende a si mesma para
stesso come persona". 253 O homem sem a mulher reduz~se a nada e vice-versa. parecer um pais ' " ok" .256 A A,.·f nca
. deve s1mp
. 1esmente ser ela . mesma, sem
A África - berço 'da hümanidade - eleve oferecer~à terceiromundialidade a sua depender de ninguém e sem procurar continuamente a aprovação da partç do
vocação para a feminilidade, abolindo os costumes tradicionais contrários a esta Centro. Quando a África é ei'a ihesma impõe-se mundialmente, tal como
vocação. Quanto à poligamia~ topes afirma que nunca foi institucionalizada254 , aconteceu com a música, arte, etc.
trata-se de um acordo entre o marido e a sua primeira esposa. De facto, a única
ce1imónia de matrimónio é com a primeira esposa, com as demais apenas Na segunda parte do seu livro, Lopes trada do Sínodo Africano partindo ela
consuma-se um pequeno rito do qual torna parte um pequeno gmpo de pessoas. A reflexão filosófica africana. Lamenta que o Sínodo não tenha tratado de teologia
pohgamia sürge na África num período de decadência, e não faz sentido algum, e africana e, pior ainda, de filosofia africana. O tema da comunicação foi reduzido à
questão dos meios de comunicação social. Ainda assim, o Sínodo resultou num~
! · .· ;." 1:'.opes propõe como modelo a figura de Jesus Cristo e critica a Igreja porque muitas vezes na
édücação obrigou a eliminar o terninino que existe em cada pessoa. Cfr. lvi, p.57
,;,,lvi,f59. ·.. ' · .. , . . ...
'"' "faz parte dos costumr:s que a África deve ter a coragem de sepultar " (TdA), l vi, p. 63.
"" Salvo o caso dos reis muçulmanos. "" Cfr. p. 72.

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( 1 .. -. experiência ele comunicabi tidade eclesial. Lopes exorta a igreja a operar a pensamento africano autónomo e de todo o pensamento filosóficoicontemporâneo. 1 i
(, passagem ela Babel à Pentecostes, através do ecumenismo e do diálogo inter- A análise sociológico-cultural delineada já na primeira parte do século XX por 1 i
religioso. O Sínodo foi um exemplo ele comunicação para a terceiromundialidade. Cheikh Anta Diop no seu estudo sobre·a história africana; justific'a a novidade e a .1 i
Todavia, a igreja deve favorecer os encontros com as outras periferias do mundo. constância hodierna, seja de Lopes : ou de todos quanto ·buscam; rtão s'em ! .{
~. Lopes propõe um Sínodo dos bispos de todas as Periferias. No epílogo fala dificuldade, reivindicar a plena participação do pensamento filosófico africano no 1 l
( · ·. igualmente ele uma filosofia da libertação que saia da América Latina e envolva desenvolvimento da filosofia. A obra de Lopes é uma análise c~rrada do actual '11 ::~i
toda a Periferia. O primeiro tem'a a tratar será o da comunicação interperiférica. contexto cultural africano das três áreas linguísticas principaid, cohi O' objeetivb de il 1 , . ·
( , ,.- Os interlocutores deste diálogo elevem ser filósofos africanos e não norte- formülar um juízo explícito e claro acerca da natureza da co~sictJra~ãb' da Àfrica .. 1 l ·
1 1 ; ' i ·1
( '" americanos ou e1,1ropeus . Os filósofos ainda trabalham isoladamente, enquanto os por parte do pensamento Norte-ociden~al dominante. Lopes fonrtUlél 'um juízo de ! .l!
( -, teólogos já formaram a Associação Ecuménica dos Teólogos do Terceiro Mundo. valor histórico, político, moral e econorruco que ele própri~ descreveu na ;'I :jj i·
( : ~- Do mesmo modo, faz-se necessária uma Associação dos Filósofos da Periferia conclusão do estudo efectuado: "l 'Africa e l'umanitá adie ma attrdversano una 1 ! :
1
_, que trabalhe pela Autonomia cultural dos respectivos povos e educar à crisi di comunicazione profonda che deve essere sanata pena Z'Jnnullamento di 1! i
. . consciência de ser verdadeiros sujeitos históricos. O filósofo deve ser um noi stessi come africani, come comunitá mondiale e come uomini"\259 111
l J r: militante, ajudar o povo no seu processo de libertação. É precisamente nesta linha, Utilizando as reflexões dos mais conhecidos intérpretes da ·culiura africana de J! '
( ' · conclui Lopes, que deve orientar-se o discurso da filosofia da comunicação em Cheikh Anta Diop, passando pela análise das questões metodológicas de Jean- 1!I
1 · ~· África, partindo da tradição.
257
( Marc Ela à nova e inovativa reflexão do filósofo moçambicano Sehrino Ngoenha i: ·i\
( acerca do "ser" africano, Lopes apresenta muitas vezes uma forte e indiscutível :1 i :!\
r -, Lopes escreveu numerosos outros textos nos _guais se confronta com o denúncia acerca do direito jamais vivido a ainda hoje não adquirido de ser, 1! :]i
pe·nsainento dos vários filósofos africanos. Em vista do nosso objectivo, parece- .
onto1og1camente f a1ando, do Hq~e~ negro, isto ·é, de ser livre de decidir ,.e de l 1
1 .. .. ,.'
'!

( 1-
nos mais útil uma alusão a um livro de título muito curioso: E se l'Africa autodeterminar a própria vida. Lope~ hipotiza uma eventual separ'ação da África, 1 1
1
scomparisse dal ma ppamondo? Una riflessione filosofica 258 melhor, dos africanos, como s<;>lup ão radical para a consciência dos p~íses 1, i
É o último esforço literário de Lopes, · sempre . empenhado em colocar o desenvolvidos, que têm fechado b <fontinente Negro num abismo sem saída, em 1' ,~
pensamento filosófico africano a pleno direito no actual panorama cultural a nível nome do desenvolvimento econórpico em sentido único. Lares ! denuncia a · :i :~ ;
mundial. A tese que se propõe ilustrar neste texto é o proce'sso de renovamento e ,· decisão unilateral destes países de declarar a África incapaz de exprimir-se aos 1 ''ii
r 1
. renascimento da áfrica como condição indispensável para o desenvolvimento do níveis por eles considerados indispensáveis para o desenvolviment<;> até mesmo da 111 i
(°) .- - - - - - - - - - - . própria cultura. Todo o mundo Norte-ocidental, segundo Lop~s. é >esponsável por 'li
'" Cfr. !vi. p. 104 É a mesma conclusão de J. P. Castiano e de Eboussi Boulaga (intersubjectividade
e repartir da tradição). '·~ "a África e a humanidade hodierna atravessam uma crise de comunicação profunda que deve·ser j~·
(" ' ... "' LOPES F!LOMcNO, E se / 'A(rica scomparisse dai mappamondo? Una riflessione filosofica. superada para não ficar anulados como africanos, como comunidade mundial e como homens" iri
( Armando Editore, Roma, 2009. (TdA), Ivi, p. 421 ~:'
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, _i uma .leitura de sentido único {[e que é humano, desenvol'v'.ido e; por isso, os conflitos entre os seres humanos sempre i·oram alimentados por
i
1
_'. c~ltural~ente -aceitávt1l por todos e em todos os países.· Lopes denuncia · a nteresses de uns contra a maioria dos outros homens. 262
• ;arro_gâocia político-económica: e cultural ciaqueles, os ibrancos, que munidos _de '}orgente relançar a comunicação, o diálogo e a compreensão intra-hlimana, para e
,pàlayras, pensaram poder unilateralmente decidir quem e que coisa fosse o Ser adquirir um sentido de pertença ao género humano que habita a mesma terra, e
enquanto pessoa. Os vencedores decidiram a posterior quem · fosse, enquanto compreender a razão das dificuldades de certos Homens enfrentam, tecer novos
pessoa, sujeito de direitos e de deveres e quais fossem as sociedades que podiam Únünhos consesuais para a humanidade do foturo. 263
:'••Oa~zar. do\ .. direito de dizer-se
.
desenvolvidos. De tal análise, a Áfricà e os africanos 'fj'pensamento de Lopes ganha corpo da consciência do que é a filosofia err:i todos
· .-foram e;x:cluídos do diáloao . cultural mundial assim como do direito de '. ôs tempos e-para todos os Homens, de como· ela seja a melhor condição para
- -- o
· autodeterminação segundo a economia e a cultuara da si.la gente.
260
_· ~firmar o triunfo da vida sobre a morte, o principal objectivo do trabalho 'IC
: Acompanhado pela nova reflexão etico~antropológicá e pelo debate filosófico filosófico: scientia rei per ultimas rationes. 264 :1r-
•actual em África, -Lopes retoma o tema - já antecipado no seu livro sobre ·a !-é
-terceiromundialidade - da necessidade de uma . nova capacidade relacional e · -
i) Severino Elias Ngoenha (Essere soggetto della storia)
C'
; comunicativa entre 'o Norte .e o Sul, entre a África e o:resto do Mundo Ocidental
, que seja capaz de fazer justiça ao valor do Ser humano. como tal, antes mesmo da
. sua localização. _Isto significa que a Pessoa (muntu) é um sujeito de direitos e -_ mais significativos da área lusófona, emerge sem dúvida o
deveres. que. todos elevem respeitar e defendér, independentemente do lugar no },,:filósofo moçambicano Severino Elias Ngoenha. 265 As suas obras que mais i('
' güal a pessoa nasce e se desenvolve. O perigo que se encontra quando se perde tal · i
_consciência é O: enfraquecimento da dignidade da pessoa humana em todos os "'Cfr. Ivi, 227.
- - ?6J ---- ,;., Cfr. Pp.151-152. _
países da Terra e em todos os povos e culturas.-
-..: "o conhecimento das razões últimas" (TctÁ}, Cfr. Ivi, p.240.
Lopes nota que as dift1renças 'Clllturais e económicas não podem ser usadas para
_:,. "" .Severino Elias Ngoenha estudou filosofia 'na Pontificia Università Urb::iniana e-doutorou-se em
, dividir e julgar alguns seres humanos inferiores aos outros, mas tais diferenças ·:.·-''filosofia na Pontificia Università GregoriaAa; ensinou durante anos na Universidade ele Losanna e
: deviam. ajudar todos a compreender que o Homem, como ser vivo, é constituído ; -éome- visiting professor em várias uni\ier~idad~s. Act'~alrnente é Prüfessor na • Universidad~
. Pedagógiea de Moçambique e Urnversidade Eduardo Mondlane em Maputo As suas obras
' em relação com outros seres vivos iguais entre si, sujeitos da própria vida. Apenas ·principais são: Duas Interpretações Filosóficas ela H1stóna elo século XVIT Vico e Voha11 e
: o diálogo e a partilha podem resolver os conflitos que nascem entre Homens , , Edições Salesianas, Porto, 1992; Por lima dimensão Moçambicana d~ Consciência Histórica'.
1
diferentes entre si em termos ele esp~ços e culturas, mas não ele ser. Recorda ainda ::: Edições Salesianas, Porto, 1992; Das Independências às Liberdades, Edições Paulistas, Maputo,
. ,,)993; O Retorno do Bom Selvagem, Edições Salesianas, Porto, 1994; Mukhatchauadas, Ed.
·;;Escritor, Lisboa, 1995; Identidade Moçambicana• já e ainda não, em Id~ncidade MoÇambicaoidade
1. ... _ ~FM.oçambizanização, Livraria Universitária Eduardo Mondlane, JVIilputÔ" J998; Estat:Ut;i Axiológico
!: '; ~----------- ·::-,9a Educação, Livraria Universitária Eduardo Mondlane, Maputo, 2000; Os tenipos -da filosofiri.
: ~: :<; ~~ '!~ Cfr Ivi, pp 118-119. ·:· Filosofia e democracia moçambicana. Maputo: Imprensa Universitária, 2004; Ngoenha S. e
1 -
._. 7,_ Cfr. [vi, p.107. ,; Bussotti L, La Guinea-Bissau contemporanea, -L 'Harnwitan ltalia. Torino, 2008; Ngoen.ha S.,

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r~conhecido
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() __ interessam o nosso fim são: Filosofia Africana . Das . independências às etnocídio. O mesmo destino foi reseryado ao negro que não foi como 1 1 '.!
liberdades , ele 1993 e Estatuto e axiologia da educação, de 2000. outro, mas como "maldito" e por isso "escravizável" Em ~ecruida com o ·11

imperialismo 'europeu, os antropólogos foram ao campo. para tjie~hor ~studar a 1 : JJ


1
A preocupação de Ngoenha é em relação ao futuro do país e ao papel que o
) -, filósofo deve desenvolver na sua construção. Anteriormente, este papel era realidade. Ngoenha pergunta-se: a fim de colonizar e escravizar rrielhor? i: · ·'
e'.,.;
- desempenhado por outros, pelos colonizadores. Mesmo com a revelação o povo Após dois séculos de separação entre história e etnologia, como conciliar o "eu" e · _;
( ; --.não foi envolvido na programação do próprio futuro: participou apenas o "outro"? Bastará simplesmente eliminar a etnologia e _incluir t~dos os povos na .; ;_
' - ~passivamente. O fio condutor daffilosofia de Ngoenha será exactamente este, ~ hist~ria? ,Mas em qual histó~~? De~erto não na europeia, 1nde o _africano. \1 i
( J • __ construção do futuro, embora a reflexão africana pareça ser mais orientada ao c?nt,i~uara sempre su~altemo: -Para 11os fazermos reconheger cpmo sujeitos; da 1!.
( .-- passado, na defesa ou combate à etnofilosofia. Toda a reflexão que se pretenda histona, devemos aceitar e valorizar a nossa diferença de pbsiç~o , ~m relação. à
históiia". 268
1
( , _universal deve partir do particul ar. A história (tempo) e a etnografia (espaço) 1 ·

( ~ 'permaneceram unida,: até ao século XIX,: _com Darw~n o mundo "ci~ilizado" foi Do funcionalismo de Malinowsky emerge urna revolução do p~ssado africano, .:1 : . :
·separado do mundo selvagem" e a h1stona diferencia-se da etnologia, a qual se pois s~ favorece um relativismo cultural e a irreduzibilidade .da's culturas a um '_' ; !
denommador comum com o respeito para as diferenças, a tolerân~ia e a aceitação -, j j
266
( J -- foma s'inónimo de história dos "bárbaros" ou dos "sem história". A etnologia
. .d d 269 e . d . , , ,
( ) ···tornou-se uma disciplina da antropologia cultural que estuda as sociedades da d1vers1 a e. onsegue-se o nascimento o mov1men~o de protesto !li1 -
( ' - "exóticas", mostrando assim as reticências do ocidente em aceitar a plena e total denominado "negritude" (Senghor e qsaire). Se.nghor define a 'tnegritude" com 11;
( J ·. humanidade do outro. Ironicamente, Ngoenha afirma que . para os africanos o as palavras de Césaire: "simples reconhecimento do facto ~e ser negro, a
.
:
1
~

C: . ,estudo :da antropologia é um meio para compreender a cultura ocidental e não a aceitação deste facto, do nosso destino de negros, da nossa his(ória e da nossa 1! ; :,;
O seu papel é assumir os valores do mundo neg[o, atualizá-los, : i~j·
270
C ___ africana : "As imagens que o ocidente fabrica da a.lteridade, por um efeito de cultura".
r 1 .- . retorno, reenviam-nos às imagens que o ocidente fáz dele mesmo em relação às fecundá-los com contributos estrangeiros a fim de trazer o próppo contributo à ·
1

- ' outras culturas". 267 Esta diferenciação encontra-se igualmente no cristianismo, o civilização _universal: "A negritude~ é, portanto (Interior à chega~a dos br~µco~, ':·; · j
1
( .-- qual em si tem uma vocação universal ele acolhida dos povos, mas de facto, . ao 1
pois ela constitui o espírito da ci\:'iÜzação negro-africana". 271 O movimento teve
(
1
'longo ela sua história excluiu os não cristãos. De igual modo, na descoberta do as suas raízes na América negra,1çofri Edward William BurghardtiD~1 Bois. O seu !'. ) .
\ / novo mundo não houve um reconhecimento do outro, mas um genocídio e projecto de integração do negro no contexto americano contribuiu criar o mito * !:. .I!
S:-) · 1 :. t
1 11 , (
( 1 .--. Castiano .l .P.: Berthoud G.. A longa marcha duma "educação para todos" em Moçambique,

iotel~""'l
Imprensa Universitária , Maputo, 2005 ; fVJachel. Ícone da J' República?, 'Ndjira, Mapulo , 200; con 1
( ---r.P.Castiano, Pensamento Engajado. Ensaio sobre Filosofia Africana, Educação e Cultura Política, 1_ : ;'.:;,f;;ºD,fafo'" '°""""' o P'"ºº"''º •ob« ' iofu<io<id•d< do• "'"º' ;j
( ... Editora Educar/Cemec UP, Maputo, 20!0. afirmando exactamente o contrário; George Hardy exaltava a profunda espiritualidade religiosa da -~
/ ":" Cfr. NGOENHA. S.E., Das Independências às Liberdades, Edições Paulistas, Maputo, 1993, p. alma negra ; Leo Froberúus exaltava a civilização egípcia, etc.
( . ·· J,7 . "' Idem, p. 65
. ~·Jdern, p. 20 '" Idem, p.66
( 1:
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M U N T ui::Mo /131

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dá África ancestral- primogénita da civilização. Outra figura carismática
e.xista ?u não uma filosofia af1icana, mas re~etir acerca da possibilidade de pensar
afroameiicana foi a de Marcus Garvey; o qual preconizava o retorno de todos os f1losof1camente a nossa realidade africana. 27 J
neorns à terra mãe África, porque na América nunca teriam alcançado a igualdade
Os vários movimentos africanos (pan-africanismo, negritude, socialismo africano,
co~ os brancos. Tanto Du Bois quanto Garvey pensavam numa África ideal e não corrente hermenêutica) têm como objectivo a libertação do Homem africano come '.
(

real. "
condição da sua historicidade, de modo que o negro não seja objecto, mas sujeito
Edward Wilmot Blyden, pai do pensamento político africano, na segunda:metade
da sua história. A filosofia africana é de carácter existencial, mirando à
de 1800 encarava a personalidade african~ como antítese da civilização europeia. emancipação sem a qual .o africano jamais será um sujeito da sua história. Não se
o seu discípulo ganês, Josef Case1y-Hayford, foi o primeiro teórico da unidade deverá mirar tanto aos mitos do passado, mas aos problemas da África de hoje, ,il
africana cuja civilização levaria a uma regeneração espiritual da humanidade. formar uma consciência civil, procurar o sentido da vida, o destino do Homem e a f
Na África seguiram-se numerosos intelectuais que valorizavam a cultura, mas sua possibilidade de realizá-lo. A atenção desloca-se decididamente para 0 tema k~
sem cai( nós mi tos e mostravam que o africano é um ser racional, através de uma ·
do futuro e, precisamente, sobre os temas da teologia negrà, partindo da black /('
filosofia autenticamente africana . Um dos fundamentos da filosofia africàna foi a · theology ofliberation (teologia negra da libertação) de James Cone, passando pela
reivindicação da soberania política continental. . , south african black theology (teologia negra sul-africana) de Desmond Tutu e
Ngoenha repercorre as etapas do nascimento da produção filosófica em Africa, pelos teólogos camaroneses Jean Marc Ela e Engelbert Mveng para chegar à
partindo da Filosofia Bantu de Tempels e de Alexis Kagame, criticando ambos etnologia, temas que tiveram um impacto decididamente prático do que teórico no
por terem ·aplicadó a filosofia à etnologia como simples observadores, sem percurso da reconciliação nos respectivos países: "A Igreja não pode limitar-se
construir 'um ·pensámento origina:l. Será a mesma crítica do filósofo costa-
simplesmente à tarefa, embora árdua, de reconciliar os homens, as etnias, as
marfinense · Paulin Hountondji; um dos fundadores da filosofia africana na
tribos; mas deve participar na educação no sentido da tolerância, da indulgência,
segundá metade· de 1900: "o primeiro caminho qú.e a filosofia africana deve
da solid~iedade que são pr~.rr.?~ativas indispensáveis para a edificaç~o da ;
percorrer, é um itinerário crítico, metódico e dia1éctico erri direcção a conquista de democracia e dum futuro diferente';'. 274 . ,
'
.nos mesmo "272
.
O futuro em filosofia traduz-se conJ o termo utopia, mas não no sentido de Platão
A· crítica é dirigida não apenas à etnofilosofia, mas também ao etnocentrismo
ou Thomas More, que conserváva~ um absolutismo latente. Os homens devem
o:cidental: trata-se · de uma crítica da crítica para todos quanto criticando
ser livres e iguais como pressup9sto da democracia e organização social: ''O
justamente a etnofilosofia recorrem aós esquemas filosóficos europeus. para problema real consiste em dar ao povo a possibilidade real de escolher os próprios
fonnular o seu pensamento. O problema principal para Ngoenha não é saber se ideais, os próprios fins, não por intermédio de, um partido , de um presidente, mas ·
directamente. Do que os povos têm necessidade, é antes de mais, de .
~;..

"' Cfr . Idem, p.110


~" Ídem, p.99 "' Idem, pp.146-14 7
1··.','.
,·.

r. , .

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( ; ~- 11
1 1
1:
(1 Ü} i H 1S T Ó R 1 A D AS 1D E J A S '
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( .~
( \ r·" próprio destino, e de assumir e guiar a própria história". 275 Isto é possível Educar é antes de mais transmitir valores . A educação' · tem duas bases: uma
( 1 r"rtindo das pequenas comunidades para passar aos distritos, províncias, nações, filosófica (teórica) e outra científica (prática). Não é possível educat ou fazer uma
) pJ!ra chegar à União africana. Ngoenha defende que "se o poder estivesse nas teoria da educação sem uma ideia de homem, sociedade, históri.a, cultura, vida: A
( , íl~~os dos povos , nunca teriam lutado entre nós, nunca teriam sacrificado o que ~a1~r. preocupação não deve ser a respeito do aspecto formal (metodológica;
( ~ [_,,n de m.ais sagrado, as nossas vid<1s e as vidas dos nossos filhos , em nome do d1dacti~:a, etc .), ~as ~ateria! e, isto é, os conteúdos axiológicos qu~ se pretendem
' ~~ .nunismo ou do anticomunismo". O homem africano, conclui Ngoenha, não
276
transrruttr, os ob1ect1vos por atingir. Frequentemente, a pedagooi~ confunde os
' t -n necessidade de novos mitos, ma~ de certezas, de uma sociedade talvez menos métodos com os objectivos.279 - , _
0
i
r) ( "ieita, mas muito mais livre. Todas as políticas de desenvolvimento do o debat~ ~ctual no campo da educação (e não apenas) diz respeito !à relaçãO que 1
.
(' ' r-· ntinente faliram porque desconheciam os pressupostos sociológicos do deve ex.1stu entre a identidade étnica e a modernidade. Na análise do ~statúto do
( rlnsenvolvimenlo. Parece que a únici via do desenvolvimento seja o mercado que saber e do sistema educativo moçambicano, Ngoenha nota como r br anos 0 país
(: irripõe uma transformação social e cultural à imagem dos "patrões" do mercado. se tenha negado qualquer forma de filosofia na formação e educação, deixando de
( i Uaj. a urgência para a :filosofia africana de reflectir, diz Ngoenha, sobre o que nós fazer da "moçambicanidade" o valor basilar da educação nacional! deixando os
(
1
soJPOS e, :sobretudo, sobre ,º que dev~m?s ser._ Tr.ata-se ~e uma esc~lha que nós conteúdos axiológicos ao arbítrio de cada instituto escolar. . i
u_.;vemos fazer e não a tecmca. C1encia e tecmca serao apenas, rnstrume~t~s Mas quais são os valores constitutivos da "moçambicanidade"? Na ~poca colonial
i1
(
1 li 1 ':
1.. ..,ados para a nossa escolha. O futuro depende de nós e esta sera uma dec1sao o fim da educação era a "aportuguesa:ção" dos_indígenas e os planos ·de estudo
1 : •

ti ;J·):'.
( ) . Mórica,, os nossos projectos deverão ser históricos e pessoais porque cada um de .!
r-
eram produzidos pela escola portuguesa. O encontro com o ocidente é definido .
Il 1::
i
;./'1j
- ;; é responsável - e não os factos - da própria vida e da própria história.
por Ngoenha uma "~ventura ambígua", .um hibrido ou Hbastardoi' . cultural. A
1
1 ·i:/'l:i
;-"' educação é um factor fundamental para a realizaçã_o do projecto do Homem educação missionária-colonial também teve uma história controversa. Em 1800
( · ~"ri cano na sua história. Sobre este tema, Ngoenha ~publica em 2000 Estatuto : ,i:1;i
Portugal expulsou os jesuítas (M~rquês de Pombal) e fechou as ~ongregaçõe~
. 1 1+~;r
1
277
( 1 ;i_·<iológico da educação. A questão fundamental diz respeito à possibilidade do religiosas (Joaquim António de Ag4iar, 1834). Este foi um dano enormi ! à . ,.1ri;1+
( l s:tber de tomar-se instrumento de libertação para o homem africano que se educação, não apenas dos indígenas,, ~as também dos portugueses, pois 0 Estado
en.contra ainda num estado de escravidão. Seguem~se , outras questões 'l. ::l:hi
IÍl\l(l ·
nem cobria a escolarização de todo~ os portugueses. Uma solução 1adveio 'cta . 1; jwl·~, ~I
) ·1 ~lacionadas: a educação tem um valor soteriológico? De que tipo de educação ~onferência de Berlim (a~. 6 dell ', "Acto Geral") quando a It~lia propôs a •\1.f ~;
() ;~ecisamos? Educar para que sociedade? Sobre' quais valores e pressupostos? 278 liberdade religiosa para a Africa, causando um enorme e imediata repercussão
\ \ 280
·l1
:'h.1
,,, - ...
política. O governo português que era ·maçónico e anticlerical foi obrigado a . ·' fh,• .
';
idem, p.l 58 ; ! j
e) --ldem, p. 164 correspondiam às necessidades do país. ,. lj' 1.. ·
( .'.'.'. NGOENHA S.E., Estatuto Axiológico da Educação, Livraria Universitária Eduardo Mondlane, "' Isto nós ~ota~s. frequentelll!nte nos encontros formativos ou de programação com· os · ·.. :~ . '
. ,aputo, 2000 professores umvers1tanos. · .. "', ,; .;..,.: j_'. .~i:
( k "" :1'/goenha sublinha que em Moçambique foram traçadas políticas peçjagógicas que não . '"" Cfr. NGOENHA S. , Estatuto e axiologia da educação, Livraria Universitária ,UEM;. M;p,uéBh~~fj' 1i
\hl~<'"!~~;;,!.~~1i"'ri!"!1:...\. . ~....... :. -
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I' . ..- ..:;.,.·.. ·. .... ··-· ·· - .•...•. ... . -··-····· ·-··-· .. ·-· --- .. .

'!.
:apoiar as missões católicas geridas principalmente por missionários portugueses o novo sentido de pertença à nação moçambicana, combatendo desta feita o
-para evitar o perigo· cie outros mi~sionários. não portugueses poderem rou[Jar "as · tribalismo; educar para afrontar os problemas reais do novo Moçambique. Mas se
suas terras''.: ",o _dilema porh1guês era simples: ou continuava a sua guerra anti a qualidade da educação portuguesa era já fràca, última na Europa, piorou com a
•',
~.~lesiástic~ .Y perdia as colónias ou então, para poder continuar a sua aventura nacionalização e a consequente guerra civil.
colonizadora, fazia um matrimónio de razão com a Igreja e suscitava missões Ngoenha sublinha o papel desempenhado pela "Missão SUíça" em Moçambique.
1
portuguesas" .2~ _ Estes missionários iniciaram a sua actividade . colocan_do-se como alunos dos
Portugal saiu da Conferência de Berlim bastante redimensionado. Provavelmente, indígenas para aprender a sua língua de modo a evangelizar e traduzir a bíblia nas
se :Pqrtugal não tivesse extinguido as missões religiosas, a repartição feita em línguas locais, Aprenderam uma língua que era apenas oral, recriando-a como
Berlim teria siqo diferente. Em 1887, surgiu a "Junta Geral das 'Missões" e o nova língua escrita, transformando e manipulando a cultura local. .Inventaram o
governo começou a. conceder subsídios a . algumas missões , Às demais .nome da etnia tsonga, que significa "pequenos servos", nome ·que os indígenas
i, congregaçq~s. estrangeiras (ou de jesuítas) que não eram "maleáveis'', o governo· viram-se obrigados a aceitar, voluntariamente ou não. Henri Junód, 0 mais
exigja a entrega dos seus ·estatutos para controlar se trabalhavam ·ou não para a importante missionário desta Congregação, era contrário à assimilação dos
"aportu~uesação" do país. O Vaticano ordenou aos ·religiosos para que não Tsonga aos brancos, porque considerava os primeiros "inocentes e puros" e os
apresentassem os estatutos e tal contribui para aumentar o anticlericalismo. A outros ateus e viciosos. Junod queria "fochar" os Tsonga dentro da sua terra,
partir de 192~ , <J.S missões religiosas, e católicas em particUlar, foram equiparadas como num gueto; falando apenas a sua língua· ronga, e não enviá-los a estudar
,. t
àslaicas. À i.greja foi confiada a escolarização dos indígenas. A língua portuguesa f ora do pais, emen do que se per
. d
essem. 28 ~- Mas
, ,
isto era contra os interesses de
tornou-se obrigatória nas escolas enquanto as -línguas locais podiam set usadas Portugal que não conseguia "assimilar" e "aportuguesar" estes nativos. A África
apenas .:na igreja. Nivela-se o~ ensino em todo o império para facilitar as do Sul apoiava o projecto da Missão Suíça ~ porque repisava a sua ideia de
deslocações dos portugueses de um país ao outro/ mas este ensino não tinha educação, baseada na separação dos indígenas dos brancos (apartheid). Para os
relação alguma com os problemas de Moçambique. Fotam construídas escolas · · bóeres da África do Sul, os negros ·eram ontologicamente inferiores; para Jun~d 0
técnico-profissionais e em 1_962 abriu-se a primeira universidade em eram por motivos históricos e cultut~is . Mas, conclui Ngoenha com uma ponta de
Moçambique. . ironia, a Missão Suíça não conseg~iu os seus .intentos porque muitos dos seus
' ' '

Em 1975, com a independência, ·O estado nacionalizou todas as escolas, erribora educandos abraçaram o marxismo-leninismo (ateísmo) e tornaram-se defensores
·so~1Qesse nã.o ser c(lpaz de gerir .toda a educação do País. Foi uma escolha do nacionalismo, contra o tribalismo: adoptando·a língua portuguesa.
neces?ária
(,,
para atingir ;os novos ' fins da educação do estado ' nª~cente
, ,
que por fim, qual é a política educativa e quais são os pressupostos da educação em .
consistiam em: estender a rede escolar a um número maior de estudanteSi veicular Moçambique? Ngoenha propõe uma educação baseada nas línguas materpas, 2 ~ 3

2.0QO; p.62 . "' Cfr. Idem, p.186


'"J,dem, p.63
[ ) -
( J I·
(1 136 1 H l S T Ó 1' J ,\ D 1\ S J D E l ,\ S ivl U N T li Í S M O ) 13 7 , ,
( ;
(
( 1 educar para a responsabilidade, maior empenho para o desenvolvimento da nação. receber ajuda militar do bloco comunista e· desencadear a revolução. Mas cedo ·,
- As universidades deverão 1·ogar um papel fundamental tomando-se centros de esta "cola" se revelou não .aderente porque não foi fruto de uma escolha colectiva ,
( \-
pesquisa especializados. mas apenas de .uma pequena elite "crioulizada", desenraizada' e em busca ·de' . ;
1

86
J - Severino Ngoenha interveio de rriodo prest1g1oso no debate nacional sobre a identidade.2 Paradoxalmente, com a adopção forçada da ·ideologia · marxista , l
( - identidade do homem mocambicano. 1
Consideramos importante uma alusão a
>
passou-se de uma exogenia à outra.287 1 ! , . ir 1
j 1'
algumas ideias-chave deste deba~e. Os intelectuais moçambicanos se interrogam sobre a natureza ;da ·identidade: é 11 ~
Ngoenha defende que a questão 'da identidade é crucial para Moçambique porque algo .de biológi~~-n~turalista, como pensavam o~ colonos'. ou ~ .algo de social, j ·i
1
se fez o Moçambique sem os moçambicanos. Afirma que os moçambicanos não cultuai e espmtual, como pensayam os rntelectuais do 1 Moçambique !i l
( .-- foram sujeitos da própria histó1i.'a. Eduardo Mondlane, um dos pais carismáticos independente? Para uns a identidade é uma essência p~rdidk que deve ser
284
( , da revolução, defendia que Moçambique é uma invenção portuguesa. Ngoenha recuperada, como se se tratasse de algo estático. O sociólogo ' Elisio Macamo ·,
( ) . ajunta; que: "Por mais chocante ~ue possa aparecer, Moçambique é uma ,ideia de firma que: "O 'especificamente moçambicano' não deve ser ~isto como uma il J
outros e não nossa . Foram esses outros que entenderam mal o nome arabe de essência, mas sim como uma perspectiva que nos permite vislumbrar, nem que :. ;
( _i -~'í- M~ssa-El-Biqu~. que deu o nome de Moçambique que conservamos seja por alguns momentos furtivos, uma identidade naciohal. em estado ·11
'!>' orgulhosament~· ; foram esses outros que delimitaram as fronteiras; foram esse.s Este sociólogo moçambic~no indica três ij i
1 288
( permanente de transformação".
r ·-: ·
z~
oú'tros que fizei-~1~ de nós uma economia de trânsito e um reservatório humano de
· ~-- ,, 2ss ap~ctos . que _contrib~en:1 para a :on~titui~ão, ~e uma ~d~ntidade :social: antes de 11 i
\) .....
,-- mão-de-obra barata . . mrus, a 1d;~t1dade nao e ~ma essencia a-h1sto~ca, a pnon, .mas al~o ·em constante . i
( :;;:~· Antes da indep~-ndência as várias etnias encontravam-se todas unidas pela "cola" 8
mudança, se deve. partir dos processos h1stoncos; por fim, se icteve considerar ! 1
1_

.:=
portuguesa. Com a independência os novos governantes viram-se na urgência de que África e Moçambique são conceitos modernos : a colonizdção causou, ou 1·
( ,) -
encontrar uma nova "cola" que não podia ser uma língua local porque tal escolha melhor, acelerou os processos ligados à condição modema.290 ! .,
( 1 .-.
suscitaria uma reacção dos demais grupos linguísticos; não podia sequer ser a Macamo sublinha ainda a influên'~\a da Missão Suíça na regiã9 meridional de
religião, quer porque existiam 'muitas religiões quer porque a mais difusa, a Moçambique, embora se tenha tr1tado de uma religião que ;favoreceu uma I '
( j católica, esteve bastante ligada ao colonialismo e, por isso ,devia ser superada. A t ·11
-r Í r'
) .- · nova "cola" foi a escolha da ideologia marxista-leninista: era o preço a pagar para . 1 ; !
'" Cfr. MACAMO, E., A influência ..., o.e., p. 136, no qual se repor la o parecer de Miche! Cahen. 11
( l -·~ - - - - - - - - - - - - - - ' - - - - - - - - - - - - "' Moç~ mbique se havia livrado de uma dependência estrangeira para tornar-se ~ependente de uma ' . 1

( . algumas escolas primárias, com vista a facilitar a aprendizagem das cria.nças


,.
ideologia_t~mbém estrangeira, o marxismo. Cfr. NGOENHA E.S., Identidade moçambicana:-já e .! \~
'" MONDLANE, E., Lutar por Moçambique, Centro de estudos africanos, Maputo, 1995; Citado da amda não, m SERRA, C., Identidade .. ., o.e., p.25 . . I ·1
\ MACAMO , E., A influência da religião na formação de identidades sociais no sul de Moçambique, "" MAOAMO, E., in SERRA, C., Identidade ..., o.c., p. 39 ., ..
in SERRA, C. , (dir.), Identidade, Moçambicanidade, Moçambicanização, Livraria Universitária "' Consideramos a. ideia apresentada por António Sopa , segundo a qual uma ~rdadeira cultura,,:,·_;
) UEM, Maputo, 1998, p. 36. . tradicional se renova contimiamente, bastante criativa , pois uma cultura estátiba se repete··como ;).:!;'.·:
1

( - :- ·,.,:NGOENH1\ E.S., Por uma dimensão moçambicana da consciência histórica, Edições Salesianas, folclore, sem vitalidade. Cfr. SOPA, A, Notas sobre a identidade, in SERRA, C., o.e., p:73 . ·
-~·~ Porto , 1992.11.145 . "" Cfr. Idem, pp.40-41 , . . ·' ;.;,,.,,,,,_-,,_,,.,,,.,,.,,.
)\" :

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M u N T u ] .) i\! o 1 139
. >1:38 J'B [.s T· ó R l '.~~l~ -~ s_ J D : : '.\ s__ .
··~-::.-~· - .... ---·--. - - - ----···- - -

coragem para assumirmos a nossa própria dimensão histórica, será 0 fim da nossa
promoção :mais humana do que espiritual e formou mais homens polític~s do
291
história como objectos, e início como sujeitos".294
que religiosos.2 92 Ngoenha também reconhece o papel fundamental da lgreJ_ª na
Fazemos ~m breve ac~no a um artigo recente, Concepções africanas do ser
construção; da. identidade · e . espera que as igrejas moçambicanas sarbam 29
humano, no qual, apos repercorrer as várias ideias de ser humano de muitos
·dese:mpenhar. o mesmo papel das sul-africanas no processo de reconciliação do
filósofos africanos, denuncia o perigo de uma "supressão do indivíduo ou então a
país, e acrescenta: "A profecia evangélica não pode limitar ª.sua taref~ ~ di.ficil
sua redução a um ser sem identidade" 296 perante a ênfase do "comunitarismo".
inissão de reconciliação. :Mas tem ainda a proposta da um'dade espmtual 293
na
Cita Daniel Etounga Manguelle que fala de totalitarisme villagois (totalitarismo
'.- região, que servirá de substrato comum para a criação de uma:identidade". Os
dos moradores da vila) e di totalitarisrne lign~gier (totalitarismo da linhagem), e
: intelectuais e políticos têm igualmente uma grande missão: os primeiros devem
Njoh Mouelle que nota a mediocridade do homem africano incapaz de distanciar-
· . mant.er viva a reflexão acerca da "moçambicanidade". Tal reflexão já é filosofia
se do seu ambiente social com consequente gregarismo, falta de originalidade,
noçambicana; os segundos devem àcautelar-se continuamente para que não
1 r?tina, confortnismo, repetição e conservadorismo que impediram o progresso da
existam disparidades gritantes na distribuição dos parcos recursos de que o país
Africa. 297 Ngoenha conclui que é necessário olhar mais longe e referir-se à base
dispõe. metafisica sobre a qual se funda a experiência africana: ''A sociedade do africano
Nooenha ·conclui o seu texto sobre a dimensão moçambicana da consciência
o - é ao mesmo tempo única e transcendental. Isto está ligado ao seu vitalismo que
histórica retomando o tema condutor de toda a sua reflexão filosófica, ou seja, a
implica o vivo e o morto, natureza e Deus, um vitalism~ centrado sobre 0 clã.
necessidade de . o homem africano (e moçambicano em particular) passar da
Toda a existência, toda a vida, toda possível fonte de vida são vistas nas suas
"objectivação" à "subjectivação": "Se nos contentannos em ser simples objectos
relações com o clã. As relações internas do vitalismo africano são relações
da história, a história terá acabado mesmo antes de começar. Se tivermos bastante
verdadeiramente de existência". 298 Fecha o f!ftigo colocando três questões: o
pensamento tradicional é construído a partir da relação com o mundo ocidental? A
antropologia não estará idealiz~~d~ o "comunitarismo". africano pensado' em
-alternativa ao individualismo ocideptal carregado de conotações negativas? Os
,.. Como se se tratasse de coisas' diferentes! discursos dos intelectuais africanos ~ão serão discursos ocidentais assimilados e
. "'' Cfr. Idem, pp.55-56 .
~.. NGOENHA. S.E., Por uma dirrensão moçambicana da consc,iência ~istórica, o.e., pp.,1~9-150. ·
Ngoenha conclui esta obra sobre a historicidade ~pelando para ~ue ~ Africa po~s~ ~.~.oderar-se ~o
"segredo •1 do ocidente, ou seja, a dimensão profetica do Evangelho, que substztuz a cancepçao .,
cíclica e fatalista · da história, com uma dimensão linear e escatológica, sem a qual nenhum .. ·. ""Idem, p.152
progresso técnico e sientífico pode-se conceber ou realizar". [...] O se~redo _d~ ocidente, que Tow.~ _, ~- ; ·'" ' NGOENHA S.E., e CAS'flANO J.P., Pensamento Engajado. Ensaios sobre Filosofia Africana
quer que assimilemos; está na fecundação das culturas pel~ dim_ensao profetwa do :vange/ho , , "". ,_· Educação e Cultura Política, Editora Educar, Maputo, 2010, pp.183-196. '
Idem, ' pp. 151~'i52. · Apresenta-se aqui uma interessante axiologia, co~ quanto ~erru Bra~ue ;; ·. "" Ivi, p. 193 .
sustenta q propósito'-dfJ "sageza ' europeia" . que se fiinda na sua capacidade de ass1mtlar o '. "'' Cfr. Ivi, p.194
hebraísmo e o helenismo. Cfr. BRAGUE R., 11 futuro del/'occidente. Nel mode/lo romano la .· ""Ivi, p. 194-195
·! salvezza deli 'Europa, Bompiani, Mi/ano, 2008.
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( ; 140 J Hl <; T (l H l 1\ DAS J D J~ i ;\ S t\:l lJ N. T LJ l ,<; lv1 O J 141 l
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e\ reproduzidos, a partir das suas origens imaginárias, por africanos radicalmente Desde a escravidão o homem africano sempre foi objectivado. :Mesmo nas lutas,. 1
( 1 oci'd ental"iza dos 7299
. 1
abolicionistas, protagonizadas pelos . brancos, os . negros eram ':usados" como ,;
O lugar epistemológico da africanidade é um problema propriamente filosófico e objectos que confirmavam as teses propostas através dos test.emunhos dos males..i.
( ) r-

( ._ Ngoenha vê a figura cio homem africano na relaç~o com a alteridade; sofridos. Os tímidos esforços de estimular . nos negros . unia afirmação -:de,. , •
' ' 1tur alid ade. 300
prop1iamente no campo ela mter~u subjectividade enquadravam-se nos espaços a que lhes eram ~oncedidos pelos ;!
1

( ' ,-·
abolicionistas brancos._ Entretanto, lentamente os negros to~a+ ·e pnsciê. ncia .de !'11
( · 1·· ·
que devem ser eles e nao outros a falar ao )llundo do seu sofn;mento. Desta feita; i
( ; ,-- j) José Paulino Cftstiano (Ser dê Intersubjectivação)
entn; os anos 1829 e 1860 ~ascem na fvnérica as primeiras ~arr~tiv.as, es,critas por1i ·!
(
Ainda no panorama intelectual da África lusófona, encontramos outro filó5ofo ex-escravos. Passou"se. assim de umaJobjectivação a µma subj~ctiyação .-, Será a i_;
(" i -- moçambicano bastante interessante, fosé Paulino Castiano.301 Com relação ao
subjectivização o fim do percurso? i .
C l - nosso tema consideramos impo~tante a referência à sua recente obra Referenciais ?ª
Ante.s d~ re~po~der a es~a- questão, Càs'tiano re~er~orr:e _as etapas ·º.bjectiv.ação e !I
da ~.ubject1vaçao, partmdo da obra do IDiss10nano da M1ssão Suíça em !
1

( ) . - ,_ da Filosofia Africana. Em busca da Intersubjectivação.302 O título é programático


( 1 ,-- "- e revela a ideia de homem africano (e de filósofo africano em particular) que M.oç.ambique, Henri Juno~. Este_missionário catalogou muitas esf écies de plantas !i ,
( , __ - partindo ela sua objectivação ' passa através da subjecúvação para atingir o e J~sectos e escreveu mmtas c01sas em torno da cultura bantu, rpas das centenas · i
( ; __ . ~ objeyti vo da intersubjectivação. de mformadores e colaboradores não parece nome algum, come se tivesse feito j
tudo .sozinho: "as referências a estes homens e mulheres são se~pre breves, sem +.
( f:
nome. Sabe-se apenas que são 'informantes' do grande mestr'e"1~ 03 Assim, as -1 \ :
"" Cfr . Ivi, p. 195-196 •..·"
centenas de fiéis e alunos foram objectivados por Junod: 'fO saber destes :1 : :
l ) .-. "" Cfr.. Ibidem. infor;mant~s está, de certe~a, ~?~. ~ espalh~do ou como n~tas ~e rodapé. ,.,Esses IJ :. _ !
. '" P~o(essor de filosofia na "Universidade Pedagógica de Maçam.bique", onde é igualmente · .
( · .--. Diredtor dos cursos de doutoramento: É Licenciado em filosofia pela Universidade de Greifswald ·
velhos e Jovens foram obJectivaâqs, ou seja, tomados obJecto~ embora na sua 11
l ; .--- (Alemanha) e doutorado em sociologia pela Universidade de Hamburgo. A sua bibliografia cond~ção de sujeitos do conhecimeqto".304 j . 1! l ·
principal: - Das Bildungssystem in Mosambik: Entwicklungen, Probleme .und .Konsequenzen, ,., i ' '1
( 1 ,~ Hamburg, l 998 ;. - A longa marcha para uma Educação para Todos em Moçambique, Imprensa 1 1 •I! !'
i}
11'

( •, .-· Universitária , Maputo , 2005 ; - Educar para que?, Maputo, 2006; - Às Ciências Sociais na Luta
contra a Pobreza , Maputo, 2006; - Referenciais da Filosofia Africana. Em busca da .
:~Idem, p.34 . .. . . 1 ! ' 1
Idem, p.35. Este lema havia1a sido levantado por Bertolt Brecht na sua poesia "Domande di un :
intersubject.i vação, Ndjira, Maputo, 2010; con S.E.Ngoenha, Pensamento Engajado. Ensaio sobre
( 1·· '
leitor~ ºf!era~o" (P:rguntas de um trabalhad~r: operário),. escrevendo: "Tebe delle Sette porte, chi 111
Filosofia Africana, Educação e Cultura Política, Editora Educar/Ceniec UP, Maputo, 2010. Para
e ,~.. além,destes livros, publicou vários artigos em revistas nacionais e internacionais. la costru1? CJ sono 1 nomi det re, dentro 1 hbn. Sono sta tt 1 re a strascicarli, quei blocchi di pietra? . ·
[...] Il giovane Alessahdfo conquisíó l'lndia: Da fo/o ? Cesare sconfisse i Galli. Non aveva ~o~ sé -i l
e-· "" CASTIANO J.P., Referenciais da Filosofia Africana. Em busca da intersubjectivação, Ndjira, nemmeno un cuoco? Filippo di Spagna pianse, quando la flotta gli fü affogata . Nessun altro pianse? ~.·. ;
(

~li'""'"" '' '", , ;,


,,- - •.''...,,~·,·.i Maputo, 201 O. O texto é precedido por um interessante prefácio de Rogério J ofrsé Uthui, no qual
1,_,...: ·para · além da apresentaçã o do pensamento do autor, colocam-se em con onto as. teonas

globo O do d,,,,,,1,;m_,to paco 6 Co,lio''" ,AfriwM


... " ("Tebe das Sete portas, quem a construiu? Há norJtes dos reis, nos livr;s. -Foram ;OS· reis :accii
carregar aqueles blocos de pedra? [. ..] O jovem Alexandre conquistou a Índia. Sózinho? . Ce,z.lrt -c!;/"
venceu os Galos. Não estava com ele nem um cozinheiro? Felipe de Espanha 1chorou, qua.ndp,·os;·; t/J.
··,_. ~:. :;'::.~·:;~:~~·~:/(~:·:
'·\:·-_. ';~;11}~~~: ~·~~;

' ··. · ' . · .~:· · ·

r --~~~:-:,·-~~:. ;~_ ~~,';;~:1:<·,~~[~~~.~%~HJ~t~~*~.:~i~~: ·


.d4l i'}i l S T Ó R i. 1\ D 1\ S J [i E .i A S ]VI U N T l' i S M O j 143 r

Castiano enxerga uma tentativa de subjectivação na geração de jovens africanos · _:, .. africanos" são estudos feitos por estrangeiros sobre a África e não produzidos por
que o econoillista africano .Ayittey considerou cheetah· generation (geração ·:: . africanos. Os .sujeitos destes conhecimentos geralmente pennanecern anónimos,
·. · ' guepardo). Jovens projetados para um futuro, aos quais não importá tanto o ·-:. como sucede nas etnociências e nas etnofilosofias. O movimento das etnociências
-passado tk escravidão ou ele colonização, que não acreditam · em conspirações ~ =: .continua muito ligado à evolução da antropologia e a uma posição eurocêntrica e (
é~ntra a África e não esperam algo do ocidente nem da política, mas lutam dia e :' preconceituosa, típica das correntes de natureza positivista de início do último
noite (trabalhando e estudando) para sobreviver. Castiano defende que "estes são '.:· século. Castiano cita o exemplo da etnomatemática de Gerdes e a pesquisa de
º
. os sujeitos do seu próprio destino" 3 5 e lamenta que os filósofos africanos não ·· Bàloi. O último revela que 99% dos estudantes de física acreditam ou são levados
prestem atenção a estes protagonistas da subjectivação, 'ffias apenas ao passado ou · a crer nas interpretações tradicionais dos fenómenos físico-naturais. 307 Porem, 0
ao ocidente. · Castiano . pretende narrar a filosofia profissional africana na . próprio Baloi, denuncia Castiano, cai no erro de não subjectivar os conhecimentos
perspectiva dos esforços de subjectivação, seguindo três pdhtos cruciais da e as interpretações. As etnociências atribuem competências: os métodos usados
história africana: escravatura, colonização e globalização. "O centro epistérriico é para ating~~las tonam-se irrelevantes. Todavia, as etnociências são marginalizadas
. ocupado sucessivamente pehsenhor dos escravos; pelo colonizador e finalmente pelos. académicos africanos como produtos - exóticos, folcloristicos, ciências
· , pelo globalizador. Este sujeito apropria-se de todas as referências simbólicas e populares: Tal deve7se ao facto de as etnociências serem consideradas ciências
: tecnocientíficas, incluindo as que encontrara nas colónias, reelaborando-as e sem cientistas, ou como diria Hountondji, ciências que não se preocupam com a
' disseminando-as de acordo com o lugar e o estatuto que reserva ao 'outro' questão da verdade. Castiano lamenta que também em Moçambique não exista
. africano, como escravo, colonizado e globalizad0". 306 Como · esforço de uma apropriação do saber das etnociências.
· subjectivação colocam-se os mó-vimentos do afrocentrismo e do ubuntuismo, - aos Um ramo particular das etnociências é a etnofilosofia. Castiano reconstrói a
qUais fizemos referência a propósito cle .Mbiti, - te~tativas de reconstrução de um história da filosofia africana em três fases : a primeira, dos anos '70, de crítica da
discurso 'autenticamente' africano. Castiano c·onêebe a filosofia como "diálogo etnofilosofia; a segunda, dos anos '80, de resgate das culturas locais · a terceira
. argumentativo" entre sujeitos (geralmente outros académicos' ou os próprios dos anos '90, da política do corilieJimento, no esforço de responder ~ teoritar ~
'1 estudantes) percorrendo três passos metodológicos: compreensão do pensamento ·crise dos estados pós-coloniais. , .~ · .
dos outros .filósofos; esclarecimento do próprio pensamento e; por fim, a tomada .Castiano defende a continuidade da ~rática da etnofilosofia, mas na fmma critica,
1
:
'
de responsabilidade social. na ''.posição epistémica de um dialogador, num esforç:O, para a
i' in tersubj ecti vação". 308
!,. . , : No capítulo da subjectivação defende que frequentemente os africanos foram
Em seguida passa a analisar os "etnofilósofos" Tempels, Griaule, Kagame e
I; - , óbjecto de estudo," de forma que .para Hountondji os considerados - "estudos Mbiti, dos quais ocupamo-nos em parte acima. Mbiti é duramente criticado pela
: 1:"--::: ·::.. 1 ,, .. ~·· : ' • 1 • • •

; [~. : . n~vios afundaram. Mais ninguém ch~rou?" ...) (TdA), in Poesie e Canwni, To~ino, Einaudi, ·19i1.
, !','"' · "'!-ldem, p.37. · . · ~'Por exemplo, os tons e outros fenómenos parecidos ... Cfr. Idem. p.55
i t; ..·· ;: "!,Idem, p'.40 .. Idem, p.65 .
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\ \ sua concepção de tempo ligada apenas ao presente e ao passado, e não orientado : Severino Ngoenha: "O que importa doravante, não e procur:ar uma filosofia .
ao futuro rumo às soluções dos problemas hodiernos do cqntinente. africana, mas antes uma reflexão sobre a possibilidade de pensaqfilosoficamente a 1 1
\ 1',-
Entre os críticos da etnofilosofia, encontramos Crahay M., que acusa Tempels de nossa reali.dade africana". 313 il 1
t ) '. _
ter feito confusão entre filosofia e Weltanschauung de tal forma que a sua obra Passa então a introduzir em modo mais detalhado a "crítiba ngoen.hiana à ;'
{ ,r não pode ser considerada filosofia. Segue Hountondji com a sua · "crítica etnofilosofia" referindo-se à obra Filosofia Africana : das !~dependências às 'j i '.j
( unanimista'', isto é, contra o intento de reduzir o pensamento bantu a alguns Liberdades, já analisada acima. Para Ngoenha não apenas a etnofilosofia é 1; d
( \ ::·. co~ceitos e constantes em todos os países Bantu. A-sua obra African Philosophy decididamente orientada ao passado, mas o .são também os pr~prios críticos da 1l 1 j.
etnofilosofia, Towa, Hountondji e Eboussi Boulaga: por i~so Jrg~ uma "critica ·l 1 J;
309
( '.-. é considerada a "bíblia dos anti-etnofilósofos". Hountondji indica a sua
(' , definição de filosofia africarta: ser escrita por africano e ter o objectivo de radicale all'etnofilosofia". A etnofilosofia se apresenta con10 u!ma '~dilatação" e 1

, - 1 ,j;
nã? como, ·:su~eraçãfio' ' do conceito de filosofia, não se oper?u uma "ruptura 'j i :_.
1
l ~ .
produzir filosofia africana. Com esta definição pretendia livrar a filosofia africana j' r.;··'..
1
dos laços da tradição oral, do itradicionalismo; uma filosofia anti-filosófica. Após ep1stemo1og1ca : a 1osofia africana incluiu muitos elementos~ (provérbios, ! 1 1 ,

mitos ... ) que não são filosóficos e devem ser analisados em ~odo crítico para .1 : ,j
1

ter sido acusado de "elitismo", numa segunda fase Hountondji passa a incluir os
.~.

"textos orais" na filosofia africana. Contesta-se a Hountondji a redução da livrar-se do passado. Recorre à grande tese de Eboussi Boulaga, !segundo a qual a '11 : !
( ) ~·
filosofia Africana a "espaço geográfico". 310 Não é sequer suficiente a intenção de etnofilosofia representa a "crise do muntu". .J ·1 1
( · fazer filosofia. 311 E, por fim, não se pode excluir preconceituosamente a literatura A etnofilosofia deve ser superada por uma "crítica da crítica": .cbtica Hountondji '
) - oral. Hountondji reconhece que "I would probably not use the sarne words today" porque na sua crítica parte de µma definição eurocêntrica de filÓsofia, reduzida à H
(Probabilmente não usaria as mesmas palavras hoje) .m Mas para Castiano as epistemologia, e por isso nega a existência de uma filosofia ~fricana. Por isso iJ'\
desculpas vêm muito tarde, depois de ter provocado sérios danos à filosofia quando todas as outras filosofias estudam as suas culturas tomam-se 1! 1 \[i
( · i.--
aftiicana que se fixou em "que coisa" devia ser a filosofia africana ao invés de ~tnofilosofias. Ngoenha ~pela à' ~-orrente hermenêutica africada nestes tei::n~s: 'i i , J!:(
produzir filosofia. Uma filos~fia orientada para o próprio umbigo mais do que para os hermeneutas africanos, to1a a filosofia .que se pretenCla como · tal,:nao 1] : 1:·
de~e começar por_outro canto se~ãp pel: interpretação das tradiç;õ_es africanas'~} 11 ! !r
14
ocupada em reflectir e resolver problemas sociais; uma filosofia que aumentou
( J> ainda mais o abismo entre a filosofia académica e a dos .filósofos sábios, com a E isto deve ser feito filosoficamente!e nao como fez a etnofilosofia que, de facto, ', : '.!lf
r d~ consequência de que muitos , abandonaram a pesquisa filosófica para que não foi uma antropologia que acorrentou a "filosofia africana" ~o passado com. :; '. ·i, }1
( , ·.. - fossem considerados etnofilósofos ou unanimistas. Castiano conclui citando , nenhuma projeção sobre o futuro.. ' ,. ~ : :};f
'·. j

Castiano vai mais fundo ainda na crítica acusando os críticos da etnofilosofia -de 111 · :i .·
._< '); i µ;:

( '•.·--. '" Idem, p.97 fazer uso de uma ideia de razão "colonizada" que não contem~'ª a possibili.qá,d.r ·'. l .. ~
e,,. "' Um africano que escreve sobre Kant, estará fazendo filosofia africana? É necessário defender a
causa dos africanos e não apenas pertencer ao "território " .africano.
:_:·~:.!l~_;t~-4~~~\~;, ·:~ ·.":.~ ·-;:
""Idem, p.105 . Cesaire também critica Tempels por ter dirigido as atençêies dbs bantu rumo: ~ u~{FP J
1 •

.
( .-. "' Acusa de subjectivismo. Um texto deve ser submetido aos demais colegas filósofos. direcção metafisica , desligando-os dos próprios problemas. · · ; · ,:_r·f:; 1 ,
;:; "' Idem, p. 105 ..,. Id.em, p. 115 ,-,' \'!A·~,J
ói'.-,l ·
J ~:,..-· t~i:i!;\_ I' ,.,.
.,. -./·., . ~

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( ' . .. :.~.
~.[ U N T \J iS \ 1O / 14 7

:dé uma razão alargada às comunidades locais, e por isso ~'tomam-se presos em inteligência americana através do movimento da Afrocentricidade que se
procurar: fundamenta~ uma filosofia africana na base de cânones da racionalidade inspirava em Cheikh Anta Diop e Martin Bernal, os quai s indicavam o Egipto
,e não das racionalidades . E una obsessão racionalista de apresentar a filosofia povoado pelos negros, e não a Grécia, como mãe da civilização mundial. No seu
'com;o. uma reflexão sistemática e,crítica".315 Em segundo lugar, Castiano acusa bs livro Black Athena Berna! defende que o "modelo antigo" na interpretação da
críticos da etnofilosofia de envergonharem-se dos : seus conteúdos e ·de história da antiguidade grega, modelo que sublinhava a influência africana e
pretenderem negar qualquer valor filosófico à oralidade e ironicamente diz que asiática, foi substiniído pelo modelo ari'ano, racista, que defende uma
estes críticos dialogam com as filosofias da cultma dominante, n1as, não com as originalidade e autonomia da Grécia romântica e, sobretudo branca .31 9
dominádas : "filosofam pela vertical e não pela horizontal".316 E concluí: "A Castiano mostra o esforço de Asante na desconstrução dos "mitos eurocentristas"
emergência :de uma filosofia africana baseada e .inspirada nas , culturas ficou dos quais é necessário livrar-se, através de uma "crítica radical;, à tradição
adiada .devido à emergência de 'libertar' a filosofia. da sua colonização. Auto- eurocêntrica da prática científica que se esconde sob a máscai'a da "ideologia" 'JC
;colonizqu-se!".317 , únivei-salista, da objectividade e das tradições clássicas. Nesta crítica entra o
positivismo, que se recusa a ir para além dos dados empíricos e de toda a posição (
Dos referenciais d<.t objectivação iorna-se necessário passar aos da subjectivação, teológica ou metafisica, e consequentemente não reconhece o discurso do "outro".
que Ca'.stiano identifica nos movimentos da Afrocentricidade e do Ubuntuismo. Asante critica os "ritos da iniciação científica" aos quais se submetem os
:O primei,ro nasce nos EUA, do esforço dos afro-americanos para afirmar a própria .
·cientistas da "retórica científica eurocêntrica;': A crítica radical deve ser contra
.
identidade. A filosofia afro-americana devia ·lutar particularmente contra duas . esta estr~tura, e não tanto contra os indivíduos sujeitos ã esta estrutura. Asante
discriminaçõ'es: a . racial e a filosófica, pois quando se falava de filosofià distingue o africanista, que discursa sobre a África partindo da visão eurocêntrica
'americana o refetimento era apenas à filosofia dos brancos. A Black ou Afro- e o a:frocentrista, que o faz partindo do seu "espaço cultural africano''.. Asante
ameriqm Philosophy se impõe apenas a partir dos anos '70.318 . Mas os próprios descortina uma "unidade" espi:itual e cultural da África contemporânea 1,, que
· l:ilósGfos afro-ame1icanos desenvolvem a sua filosofia sem envolver os filósofos .deriva da fonte inicial do Anti.gÓ !fgipto e se estende a todos os · negro,s da
afüca~os. Sará Molefi Asante a centrar' a África e o seu debate epistemológico na diáspora.
Por que Asante quer ressuscita~ estes "fantasmas" do passado? Para a
·~ ,, Idem, .p.Í 1.7. De seguida Castiano parece "reivindicar" para a filos.afia africa_na um espaço
('para além .das)'ronteiras da racionalidade". Tanto qúanto nos parece, não se trata de espaços confirmation (confirmação) da ideia de unidade do pensamento afric~no, e por um
L1lteriores, mas do mesmo âmbito da racionalidade no qual também as tradições podem ser · motivo de deslinking (desligação ou 'descolagem) do centro, ou mell1o~, do que crê
~studadas .ç.r·itiqmente. Para além da ,racionalipade existe apenas a irracionalidade. Retomaremos
·este
.·! .
tema ',·,,
ria parte
.
conclusiva.
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· ., ' .
. , 1
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7 Idem, p.118. Filomeno Lopes afirma também que os filósofos africanos dialogam mais com os '"Segundo Bernal, este modelo foi uma reacção dos cristãos contra a imposição de um.a religião ou
.europeus do que entre eles. sageza egípcia: "These Christian attacks chaflenged Qreek statements about the importance of
,"'Ibidem.·· Egypt, and boosted the independent creativity of Greece in arder 10 diminish.that o/Egypt '.' "Estes
'!'; . A Americai1 Philosophical Association reconhecerá uma disciplina denominada African ataques cristãos desafiou declarações gregas sobre a importância do Egito, e impulsionou a
, Philosophy apenas em J 987. criatividade independente da Grécia, a fim de diminuir a cio Egito" (TdA), Idem, n.14 ele p.129 .
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\ 1 -·-... ser 0 centro, que é o ocidente. Confirmation e deslink:ing são as condições para subjectivação, ou melhor, para · o movimento -da subjectivaç~o" . 322 Lamenta, .•
\ l recuperar a dignidade dos africanos, para operar a própria auto-inscrição na porém uma falta de textos fundamentais do ubuntuismo. t ;i i
( ) história da humanidade. O ponto de partida obrigatório é o estudo do Egipto O ubuntuismo teve origem na África do Sul, precisamente ria luta contra~ o !i i .1
( ; -- Antigo. Neste ponto, Castiano ~iscorda dizendo que Asante confunde língua e
11
apartheid. Sua inspiração foi o movimento Black Consciousness de Steve Biko 1 jJ
( ·· lingu,agem, pois, para filosofar ou fazer ciência a língua é indiferente. Emerge famoso mártir do apartheid, e alguns contactos tidos Com a diáspqra, em particul~ '. i 1 ! i
claratnente a divergência de bpinião entre Castiano e os demais filósofos com a Black Thelogy e a "Pedagogia do oprimido" de Paulo Freir6. Segundo o seu : l ;.
( \
africanos , acerc~ da questão lingbística. fundador, Steve Biko, a missão da Black Consciousness d-a l~vari os necrros a ,
tomar consciência da sua condição de :vítimas da opressão d~s b~ancios e a;quirir
(' ,
l'1l
( , Depois da primeira parte, Asante expõe a essência da Afrocentralidade, que o orgulho de ser negros, combatendo o complexo de inferibridáde ·dissemiilado !:
li
1

(' \ _, Jitera,[mente si~ifica: "colocar ideais africanos no centro de qualquer análise que também pelos missionários no seu intento de "civilizar e educar" ~egros! .·
hs \j ·
'
envolve a cu1tura e o comportamento af ncanos ,, :320 um conceito
. part1cu
. 1armente
l ' Um texto particularmente interessante é African Philosophy thrqugh Ubuntu, da !I 'i!
( l fundamental é o de place, contexto no qual se situa o discurso, contexto da autoria de Mogobe Ramose, publicado em 1999, em Harare (Zimbawe), no qual o 1j ·!

l ) .~ identidade a priori que deve emergir no uso consciente e sistemático da autor pretende demonstrar que ubuntu .é a base da filosofia africaha. Ubu 'evoca a 1!

~ simbologia africana ao fazer ciência. Isto marca a diferença entre o africanista e a ideia de Ser em si, antes da sua manifestação, mas sempre tend~ a manifestar-se
e, ,;
afrocentrista . A noção de place é aplicada também à axiologia e à questão da no ntu. Ontologicamente, não existe separação entre o · ser i (ubu) e a sua r 1

r> .-~~; verdade que deve ser "submetida" ao local e não universal, porque o que é bom é manifestação (ntu). O dualismo cartesiano não encontra espaço na ontologia 1 ':
r: verdadeiro, e não o contrário! Uma aforisma "não pergunta prim~iramente se é ubuntu-africana. Não basta a existência para ser um ser huma~o, é necessário
1
1i i
e. verdadeiro, pergunta-se sim, se é bom ou belo. Localizar significa isto mesmo: comportar-se constantemente de modo a demonstrar que possui o µbuntu . . 1i 1
e dar primazia ao axiológico em relação ao saber em" si" .321 Em conclusão, o Segundo uma perspicaz interprete, Ivy Goduca, este comportame~to baseia-se em ji

l ' objectivo da afroncentriciclade é fundar uma ciência baseada nos valores cinco princípios: a responsabilidade individual, comecando dom .uma ;uto-
l J _,.,,-..... africanos, recorrendo a um quadro conceptual também genuinamente africano. purificação: meditação, repouso, .ab.ktinência do álcool ~ droga~ ....; antenção à i1
Outro referencial de subjectivação é o movimento do Ubuntuismo. Castiano . ' mãe-terra, que não nos pertence, 'm~s nós pertencemos a ela; a relação entr~ os íi
l i
afirma que esta "filosofia ubuntu-africana aparece com um horizonte teórico que homens, entre as criaturas vivas e "não-vivas", pois nada eX:istei isolado; as ,j !:
(' '
dá urna certa consistência na justificação ontológica, episterp.ológica e ética para a identidades individuais e familiares ·:estão sempre estreitamente ligad,as entre si e :·
l l 1

ao contexto sociocultural e espiritual; a natureza, as criaturas viv~s e "não-vivas'~ 1 i


r são o fundamento da realidade espiritual, pois o espírito está no s~io da existência ·· 1

; de toda as coisas.
( ",
'" Idem, pp.143-144.
~· Idem, p.146 '"Idem, p.147
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324
Em conclusão, Castiano reconhece esta proposta interessante para uma colonial past". O problema começa com a língua estrangeira imposta e utilizada
epistemologia que tenha como base os saberes locais; embora tal proposta peque ainda hoje para fazer ciência, que operou urna "de-africanização" a favor de uma
.pelo tíadicionali;;mo, fixando-se na exigência de preservar a tradição, . e de "ocidentalização" a respeito da articulação dos temas filosóficos. Descolonização
rnducionismo, pois quer circunscrever o "saber espiritual" nas mãos dos anciãos. conceptual não sign ifica abandono de todas as disciplinas ocidentais, mas a sua
Broodryk J. identifica os valores fundamentais do Ubuntuismo no humanismo, aplicação, sobretudo da lógica, dentro dos sistemas de pe·nsamento africano.
afecto, altruísmo, respeito, compaixão e noutros valores associados a estes. Desde Segundo Wiredu, é de grande importância a questão da verdade e da sua validade.
a·infância as crianças são educadas a dar o pouco que têm, a amar o próximo, Faz-se necessária uma abertura para incorporar conceitos de outras culturas que :1
saber perd,aar ("quem não sabe perdoar não é humano"). Em síntese: Umuntu possam permitir referências de intersubjectivação. 315 É .necessário explorar as o
ngubuntu nbantu, e urna frase em xizulu que significa uma pessoa é tal apenas crenças comuns para descobrir a racionalidade subjacente, partindo do particular :i<
,,
com as.o'Utras. 323 É necessário "romantizar" os valores tradicionais africanos para . para chegar a demonstrar a universalidade de cada cultura:.3 26 São todos lemas que :1

que o jovem seja educado nesta "filosofia moral africana'', fugindo do Castiano aprecia, embora di stanciando-se deles .
"
individualismo exacerbado das sociedades capitalistas modernas. Castiano chega à parte mais importante dó seu livro, que diz respeito aos 1
q
Castiano .retoma as. críticas de Crahay no debate inicial sobre a filosofia africana, referenciais de intersubjectivação. Começa com o apelo ele Hountondji: "o
com as cinco condições para a existência da filosofia africana: 1.Um corpo de problema real rião é falar sobre África, mas falar entre africanos''. 327 Esta
filósofos e intelectuais africanos que vivem e trabalham num amb.iente cultural necessidade da comunicação é também amplamente defendida por Ngoenha.
africano mas aberto ao mundo; 2.Usar bem e criticamente as reflexões da filosofia. Castiano define a intersubjectivação como processo no qual os sujeitos do
académica ocidental; 3. Fazer um inventário dos valores africanos; 4. Operar uma conhecimento entram em diálogo, em debate. Isto pressupõe o reconhecimento do
ruptura radical entre a consciência reflexiva e a consciência dos mitos que outro como um interlocutor válido, digno e sapiente. Para Castiano a filosofia
permitiria introduzir a dicotomia necessária para a -"descolagem concephial" (o
------------ ~ ,·
que a etnofilosofia não conseguiu fazer); 5.Clara opção, pelos sistemas filosóficos !

"" "Com descolonização, quero di zer desinve~timento do pensamento filosófico Africano de tod~s as
adequados . à solµção dos problemas africanos (como foi o marxismo na luta
~:
influências indevidas provenientes de nosso ;]Jassado colonial" (TdA), Idem, p. 176. Cfr . K Wiredu,
,.. armada). Cultural· Universais and Particulars:-, a/i African Perspective, Indiana Unjversity I'ress,
Bloomington 1996. ! :
Para , que uma verdadeira filosofia africana possa impor-se no panorama
l[i "'·' Wiredu cita, por exemplo, vários termos que embora não pertençam à cultura afri bana , passara m
l;j
intelectual é necessária uma "descolonização" da forma·de filosofar. Castiano está a fazer parte do sistema de pensamento africano, são os casos de internet, website, etc . Wiredu fa la
~! de acordo com o intento de Kwasi Wiredu: "By decolonization, I mean divesting de urna 'filosofia comunal". Cji-. Idem, p.181.
"" Cfr. Idem, pp.183-184. Castiano cita, a propósito, Sanya Osha, para quem a "désco/onizaçào
f':i-: African ·philosophical thinkíng .of all undue influerices ernanating froin our conceptual" de Wiredu é na ~·erdade uma "recontexllwlizaçâo conceptual" e acusa Wiredu de cair
!'[: :· ._·____________ numa espécie de "hesitação epistemológica" em vários pontos da sua análise, onde se limita à
comparação do Inglês com a sua língua local (Akan), sem chegar a "nenhuma real significação
i)::•:(· oi ''.; Çfr. Idem, p. 168. Quando os africanos se encontram entre eles, exportam esta "irmandade" para universal" como pretendia fazer.
ll!:· ·. ·\ o est.rangeiro. "" Idem, p.190. Cfr. Também a comunicação interperifé rica de Lopes analisada precedentemente.
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( 1 . ntra-se ainda muito orientada ao eu, quando invés deve descentrar-se Podemos, todavia mover algumas objeções contra ·Castiano. O autor defende que ! 1 :'.:j
o encontro com o Outro-árabe foi de respeito ·e integração. Não s~ terá esquecido 1\ I !iJ
- , afncana enco · . . _
' , · ·t ara concentrar-se no Outro que argumenta partmdo de uma pos1çao
' do su3e1 o P
( ) culturalmente diferente. - .
que foi este quem introduziu a escravatura dos negros? Seria ~ste um acto de '!l :~i I
· ·· amente a filosofia africana deve libertar-se do seu passado, o que não respeito? Outrossim, Castiano apresenta-se muito crítico no ·confronto ., da Igreja, ·1 iii
(,i Pnrne1r , .
significa deitar fora as tradições, mas viver em liberda~e co~ as pr.ópri~s esquecendo-se que a própria Igreja foi "submetida" •pelo regidie c;olonial e o li !)'j
\ . d. oe-s· 0 paradigma libertário deve então fazer o que ainda nao fez, isto ·e, Vaticano não tinha poder de intervenção na nomeação dos bispbs :e da· política ·1 1 : i·)I
( tra 1ç · . . . . ,, J2s -
1 "pensar os mecanismos de libertar a propna filosofia do pa,ssado ._ Nao apenas eclesial. Se a presença da igreja foi apenas negativa, como é que n~ofoi eliminada 1 11 (;
( ; libertação histórica, mas conceptual: uma abertura conceptµ~l e nao apenas uma pela revolução, mas paradoxalmente se desenvolveu muito •nb período . pós- . . j,:j
(" , descolacrem ou descolonização corno pretendiam Crahay e Wiredu. independência? i, :. · :J
I ';

(' .-.. Depois "'de ter abordado os doiis referenciais da. o~ject~vação (etnofi~o.sofias e Todavia, o ponto central da sua análise· - ao qual redirecionamos ainossa atenção ~ l i-\
'\ ' · ~ c·1as) e , os dois referenciais da subject1vaçao (afroncetnc1dade e é frisar que o negro tinha a permissão de tornar-se "assimilado'i sob "condições i i n:
/· etnoc1en
( _:, ubuntuismo), Castiano conclui: com dois referenciais de intersubjectivação que se seguem: abandonar os usos e. costumes negros ; falar, Jiei e escrever ·! \ :!:
( )
1

,. (liberdade e interculturalidade)
português, ser monogâmico e autossustentar-se. Na prática, aos ne'gros era negado· I \ '; I
.- _ Liber,dade é reconhecer o Outro como ser humano, livre como eu . O Outro ser africano. A libertação necessária não é apenas a independêncd e 'a autonomia, \ 1 ; 'i
( .--:;; colectivo (raça, género, religião, etc ... ) não deve sufocar o Outro individual. O mas liberdade epistémica, ou seja, "a liberdade do sujeito africand de falar por si, 11 i Hl
(_ 'i -~ outro individual pode ter uma identidade híbrida, sem q~e tal conduza a um de construir o seU próprio discurso sobre a sua condição •· de :existência. ·E a ·1\ :J,i I
\ 1 - - choque (de civilizações?). Não se deve catalogar raças ou etnias ou grupos
liberdade de ser livre em negociar a sua entrada na modernida~e. Trata~se da -111 hi
( - religiosos como se todos fossem da mesma forma: cada _um pode conviver com os liberdade de ter o direito de ser sujeito da sua história e do · pens~mento sobre si ,i l i:Jj
me~mo, que, quanto a nós, é o ,primeiro passo para ·o . referencial · da :! l )'i\
1

\ 1 outros mantendo identidades diferentes .


-- ·· . . . - "329 \ ,, ) . . .. . ;'.i\
\ Na África 0 eu-africano encontrou-se primeiro com o Outrocárabe e mais tarde mtersubJectivaçao . f· • ... l . : · · ·:. . . ·111 i: i 1
com .o Outro-europeu. Com o primeiro a integração foi fácil porque se deu um Na análise dos pressupostos da auto'-Íibertação da filosofia africaha; Castiano vê -.11; i \ i
( ) --
encohtro comercial, mas tal encontro de intersubjecti vação foi interrompido pela em Hountondji e Ngoenha um ponto/de partida para justificá-fal fun"dá-la como 1· H'
\ ' irrupção do Outro-Europeu. No segundo caso não se tratou1mais de um encontro empenho intelectual na luta pela liberdade. Libertar-se do p~so ,d~ passado . ·i m
( ,,,._ comercial, mas de um violentíssimo confronto político, não . de diálogo, mas de imposto pela etnofilosofia, que trancou a filosofia africana num g~eto fechado ao : ' ;\
:,.a
( > ·"""· monólogo. O africano foi "civilizado" e "evangeliza,do" pelo Outro-europeu e foi futuro. O "projecto libertário" de · Hountondji prevê . ciii~o~·,. dimensões: i •~'
alienado na sua consciência, convencendo-se de serinferior .. desmistificar a ideia da África e dos africanos como algó ·de "rnétafisic9" para "· 1 f;1:
toma-lo algo de concreto, geográfico;· libertação do conceitci -deffilosofüi como · 1 j~.
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"' Idem, p.200 , ·I l ~.:.· .

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MU N T U 1 .~ .\'! O 1 155

algo · dt1 dogmático,_.tornando-o histórico; pensar a partir de si próprios e não para não crer nos espíritos e convida os colegas africanos a não responder à
refugiar~se no pensamento dos antepassados; defender o pluralismo contra o · questão.
unanimismo; libertar o filósofo . africano da África, procurando interesses Quanto ao problema linguístico, Castiano assume uma posição muito original : se
c:ognitivos e .não regionais, étnicos, religiosos ou linguísticos ..Este processo de para os outros filósofos é uina questão crncial, para Castiano é um problema
libertação , luta contra os defensores da etnofilos·ofia e da ideologia -da secundário; pois se pode fazer filosofia em qualquer língua e não se deve perder
superioridade europeia .. energia nesta questão. O que conta é a linguagem e não a língua.
Ngoenha segue o mesmo "paradigma libertário''. que se baseia na ideia marxista Finalmente, o último referencial ela interculturalidade consiste nas predisposições
de filosofia transformadora da realidade. Na sua obra Os Tempos da Filosofia necessárias para o envolvimento mútuo de dois ou mais sujeitos que trocam as
;identifica a essência da filosofia africana na "busca da liberdacle". 330 · suas experiências. Esta troca deve partir de sujeitos do mesmo hemisfério para
Castia!lo pergunta~se se para ser africana a filosofia deva continuar acorrentada à dialogar depois com o outro hemisfério. A filosofia africana profissional deve dar
razão (Mbiti), _aos mitos. e costumes· locais, à língua (Kagame) e aos sábios espaço aos sábios locais, sem excluí-los da "racionaldade" ou julgá-los "falsos",
(Oruka). Para ser filosofia -qrítica africana deve libertar-se do ;ünanimismo e da segundo o critério da contraposição entre macro e micro-narrativas. O problema
. '~ 33 i
re 1igiao . .• será entã_o: "como abrir a filosofia africana pa~a a sua própria riqueza conceptual a
Um bom exemplo é a Sage Philosophy de Oruka. A filosofia oral é considerada partir dos imaginários culturais e dos saberes tradicionais?". 332 Perante saberes
uma da? fontes principais para filosofia africana e Oruka defende que esta não é locais, a filosofia africana encontra três níveis de interpretação: interpretando os
menos filosófica,; menos racional e menos profunda do que a filosofia: clássica factos e os processos para inferir uma Weltanshauung, como a etnociência ou a
europeia que os filósofos africanos aprenderam na Europa. ·Mas por que os etnofilosofia; operando um encontro através de entrevistas com os sábios para
próprios· filósofos · africanos não dão valor à filosofia oral? Porque não foram avaliar o que pode ser "filosófico", como nas correntes da afrocentricidàde e o
fo1maclos para .este tipo ele filosofia e por temerem' se definidos etnofilósofos. ubuntuismo ou a nível crítico, onde se colocam em col1fronto ideias e autores
Perante uma questão (se acreditam nos espíritos) dirigida aos filósofos africanos diversos, segundo os modelos da"i~t~rsubjectividade. É necessário, portanto, ábrir
Castiano responde com as palavras de Oruka, que gostava de conhecer as razões espaços à criação de um relaciona~ento intersubjectivo e abrir-se a um diálogo
·.·.. intercultural filosófico , com um ·mptuo enriquecimento conceptual. O filósofo
re-
' "" Idem, ·p:205. Ngoenha ressalta que não se trata de uma liberdade metafísica ou moral, mas
deve ·tomar responsabilidade e empenho sérios diante das "comunidades
epistémicas locais" das quais "deduzir" os referimentos teóricos que subjazem aos i1·e
:poiítica .., Cfr. Idem,: pp.206-207 . .ea.rece-nos interessante desenvolver a ideia da verdade da seus saberes, sem cair no romanticismo diante dos valores tradicionais. Estes
· 1iberdact.e, que pode levar à descoberta da autenticidade africana. _Um tema que r_etomaremos na 1
•. pai·i'e conclusiva.
i • ' • • saberes deverão ser legitimados e encontrar o propno espaço de
· ."' ' Casti~1fo •''acusa Mbiti de fazer confusão entre religião e filosofia. Na verdade, segundo nós; intersubjectivação nas Universidades, convidam os que antes eram apenas 1

· p astiano ·COfunde a religião natural, a africana, por isso metafisica (teodiceia), com a religião 1
;·~ç~elad a., que é dogmática (teologia) . A última deve necessariamente ser sepa'r'ada da :filosofia, mas !C
·i riã P,:ii. ·pd~ieira . Retomaremos este tema mais adiante. ,,,. Idem, p.233 ~.· .
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CAPÍTULO II 1
l 1

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considerados "informantes" e não produtores de saber. E esta, acrescenta PALABRE COM "SÁBIOS" AFRICANOS 'i
!
Ca~ tiano , é a novidade. Inserir nos currículos modelos e mestres africanos, ! :;
metendo em primeiro plano os seus conhecimentos, co~o invenções e ideias l
·I .
( )h. africanas, restituindo-lhes a subjectividade e começando um cerrado confronto A ideia: de pessoa na cultura dos Vatonga, Vathswá e jVacopi. ~r !
( l'.... com outros "produtores de saberes". E .depois de toda esta emancipação da i\ .i
<.: . filosofia africana, o que restatá? Conclui Castiano, como síntese _de todo o seu 1. Palabre com três "sábios" influentes, dos povos Vatonga; Va~shwa e Vacopi:
r ·1

( ) ;,-,
( ;·; __
livio: "You are left with African Philosophers" .
333 Amaral Bernardo Amaral; Francisco Lehna Martinez; Adriano La'nga.
' i

No presente capítulo tentaremos analisar a ·ideia de pessJ>a n~s ' três c.ulturas ,(!
1\
1

•• 1
l
( ) ··-· principais presentes no território de Maxixe ~Inhambane, cmi: referência às !' 1
( ;, __ . populações Vatonga, Mathswa e Vacopi, falantes das línguas Gu~tonga, Xitswa e 1'
1 i
Chape, respectivamente. 1.
( ' --- ·'
( 1 -.:' "
Iniciaremos apresentando uma breve nota introdutiva em tomo dàs línguas bantu 1\
de modo a contextualizar as três línguas de que nos ocuparemos. \ 111
( ) ,..
De seguida aprofundaremos as três culturas com três "sábios" ~ estudiosos de ! 1
( ~---· ! 1

cada povo, quer por meio de .diálogos (Palabre) mantidos com \eles, 1
quer pelo ! 1;
(" j.--
~- estudo de algumas das suas publicações. .i
Por fim, faremos uma síntese das entrevistas realiza~as com cefca de duzentos
( ) ,-· ./ "sábios'', ou seja, pessoas significantes ·e influentes. no seio de vári~s comunidades
com vista a individuar a ideia d'e"'p~ssoa presente nas três cultu~as em que~tão. · ', · H i
\ ~!\" Como veremos com detalhes na cbrtÇlusão, esta última parte é.concebida segtindo ·11·1 i:.·

v·- um método de pesquisa e um . ·A~t110


interpretativo que selig~ i~ealmen'tê à !\ \ ijl
corrente da Sage Philosophy, fundada por Oruka, autor do qual noS, o~uparemos . 11 1,

1 'i ' ~ 1
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1.
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( -1:•f: ~
iL ''' ("Restarão os filósofos africanos") Idem, p.248
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e: O ~·! i\l U ~< T U 1 S !vi O 159


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" S A B l O S ,. A F R l C A N O S j

-.. -;---- ·--- ·------- -·-·-


. ·~ ..

a) As línguas bantu. pesquisa, mas a hipótese mais aceite vê a origem dos povos falantes desta língua
ancestral entre a zona sul da Nigéria e os Montes dos Camarões. Deste ponto, os
o
termo bantu significa gente ou pessoa e designa o conjunto das populações da povos difundiram-se em parte a sul da floresta tropical e rurrio à região lacu stre da
parte sul do continente africano 334 . Estes povos falam línguas ~om . grandes África oriental e em parte na bacia do Congo e rumo aos planaltos orientais. Outra r
S!fmelhanças morfológicas entre si 335 . Num estudo sobre a difusão dos povos hipótese considera a origem na região das terras altas de Shaba, a sul da
bantu, Ngunga336 refere que actualmente o termo bantu é usado nos estudos da República democrática do Congo, porque as línguas faladas nesta região (Luba,
linguística moderna para designar um grupo de 60? línguas faladas por cerca de Bemba, Kasa) apresentam uma elevada percentual de bantu-cornum, isto é, de
. 220 milhões de pessoas numa vasta região da Africa contemporânea que se formas morfológicas mais comuns e representativas para todo o conjunto das
estende a sul da linha que vai · dos montes dos Camarões (a sul da Nigéria) línguas bantu . Deste planalto emigraram duas populações, uma a ocidente e outra
... incluindo os seguintes países: Angola, Botswana, Burnndi, Camarões, Comores, a oriente .
Congo, Gabão, ·Guiné Equatorial, Lesotho, Madagáscar, Malawi, Moçambique, Existem dois critérios para determinar a pertença de uma lfngua ao grupo das
, ..l Namfbia, Kenia, República · democrática do Congo, Ruanda, Swazilândia, lfnguas bantu. Todavia, não nos delongaremos neste particular, pois o nosso não é
·~'
Tanzânia; Uganda e Zâmbia. um estudo sobre as línguas, mas sobre as ideias .
Todas as línguas bantu provêm de uma língua chamada proto-bantu; uma espécie À semelhança da maioria dos países africanos, Moçambique é um país

•.• !
de lf ngua mãe. O centro de difusão destas línguas continua ainda objecto de multilingue, multicultural e sociolinguisticamente complexo, pois conta cerca de
vinte línguas do grupo bantu 337 . O português é primeira língua apenas para 6% da
e
·'
~.:.x_\ '·'' Para esta breve introdução acerca das línguas bantu baseamo-nos essencialmente nas pesquisas população. Todavia, depois da independência foi eleito como língua oficial 338 .
inédítas de Carlos Massango, e precisamente: MASSANGO C., Breves notas sobre o uso do terroo Esta escolha causou grandes insucessos na educação escolar, sobretudo nos
i:1~ bantu para designar as línguas africana~. pro-manuscriptum,_J'4axixe, 2010~ Id.: _ReJatóno sobre
contextos rurais onde a língua portuguesa não era falada 339
' \::"; Estágio Pedagógico na disciplina de Línguas Banto e Metodologia .de Educaçao B1lmgue. Trabalho ~ .. ·
j·'.,l apresentado para obtenção de grau de licenciatura, pro-mirnuscnptum,_ UE,M, Maputo, _200~; Id.,
:;{ . Extensões Verbais em Copi. Comunicação apresentada nas ]Ornadas c1ent1ficas da Umvers1dade
1
,.,, Pedagógica Sagrada Farrúlia , pro-manuscriptum, .Maxixe, 2010. • • • •• •
- - - - - - - - - - - - - '~ "il
jf:l~.:l
1

'"'Basta comparar o rríesmo termo bantu nas línguas moçambicanas: Gmtonga: ba- -thu; Chop1: ,1

'" Cfr. SITOE, B. e NGUNGA A, Rela tório db II Seminário Sobre a Padronização da Ortografia de
f'' va- -thu; Changana: va- -nhu; Swahili; wa- -tu; Yao: ua- -tu; Makonde: ua- -nu; Makhuwa: a- :thu;
Línguas Moçambicanas. Mapu to: NELUvl0 , .~000
Nyanja: a- -nthu; Shona: va- -nhu ; Nyungwe: wa- -nthu. Estes exeml pio~ mos.t~am clarfi.ame_nteda
i, , ';;'·, i
ii.ll . . grande semelhança entre as línguas banto: ·um prefixo nominal gera mente vanave em mçao a 1 ''" Os moçambicanos, porém, são geralmente bilingues ou trilingues. Exi stem também minorias que
• ,.., JínaLia bantu e um tema nominal. A variação alomórfica de ba-, m va-, wa-, ua-, a-, tem a sua
falam línguas asiáticas. O inglês e o francês sã o ensinados corno disciplina s escol.ares.
mo~ivação no carácter mutável das línguas que evolui incessa ntemente através ~e '.e~justes i~ternos
,rf.:.·.,1.i.':'.i. ·.·
'"" "Apesar de, com a introduçiio do SNE em 1983, se Ler prornrado aiender á realidade linguística
, ~:... .e não por mutações bruscas. Diferenças que podem explicar-se em termos h1stoncos. A hsta da da criança que chega à escola com 7 anos sem saber fa lar PortugL1ês , a verdade é que os índices de
"';1:. unic}ade lexical pessoa/gente poderia ser mais longa e sempre se verificaria que as duas·partes do aproveitamento pedagógicos continuam baixos, have ndo muitas reprovações .e abrtndonos nas
. ~3fi! · vocábulo são constantes em todas as línguas: um prefixo nominal "ba" (wa-, va-, a-) e um tema primeiras classes. Sabe-se que urna das causas está no facto de o ensino ser feito numa tínoua
. i~i , ·· ~ominal "nthu " (-ndu, -nthu, -thu, ~tu)'. . · segunda; desconhecida pela criança. " Cfr. JNÍJE 1997. Por este.motivo. nos últimos anos se pas~ou
, ~;:,', '', _- _Çfr. NGUNGA A, foood,ção à liog,fali" b>0ru, !mp"°'ª "'"'"""" UEM, Map'1o, 2004 a introduzir as línguas moçambicanas no ensino primário. ·

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í 1;L__ 160 j P i\ [, A B R i.: COM

Í 1 :~<
(
, · presen
· tes ein Mocambique povo, onde se concentra todo· o património histórico e c':Jltural} as; traâições, .o ;J,l
• focalizamo-
1

( Entre as vinte hnouas e as tantas etnias , .


· º , · "i· vem no território de Maxixe- modo de pensar, de julgar e de comunic<U' os valores mais s~gnificativos do · ' ' 'j ~
nos em três culturas da nossa provmcia, que con v
e Inhambane: Yatonga, Mathswa (ou Vathswa) e Vacopi.

humanismo de um povo. O desaparecimento de uma língua comporta uma,pérda · ·:
universal irreparável. Amaral é membro ·fundador do grup4 ADETONGA' \11 :t.
( ) ;__ (Associação para o desenvolvimento da língua gitonga). · , · 1 · . · · !\ 1 .1'

(' >. b) A cultura dos ~ atonga: Amaral Bernardo Amaral. A língua gitonga é falada por cerca .de duzentas e cinquenta rhll ·pessoas que ;I ! 'J'
( );: ' vivem ao longo do litoral da Baia d~ Inhambane, no oceano Í~dicb; - na região i\ j tl'
Um grande sábio da nossa tena de Maxixe, bastante famoso ~ respeitado ~or Meri_dional de Moçambique, precisamfnte nas cidad_es e_ clistfitos\_ delln_ha~ban~, ::·~ ~1

1
r )·<- todos, é Amaral Bernardo An\aral, um frade franciscano nascido . em Max1x~, Maxixe, Jangamo e Morrumbene, com fortes ram1f1caçoes em cidades vmnha:s : · -.l1
( p· autor de diversas publicações e,m língua gitonga, entre as quai_s .º ~~sal, ~bíblia como.Massinga, Homoíne e Inhat'rime. . ·· ' 11: .:
l \ sagrada, catecismos, livros de provérbios, gramáticas e cl1c10nanos g1tonga. Os Vatcinga constituem um grupo étnico e linguístico no seio da' grande família i\: _ ,
( _)- ·
Escreveu igualmente · , · e ensaios
histonas · acerca da cultt11·ae dos Vatonga em lín°ua
~ dos povos Bantu. Do século VII emigraram do planalto central ela África em
( 1·· ,, portuguesa. Dos vanos encontros que ma11ti' ven1os , recolhemos • mm
, · .
tas direcção às terras do sul. Presentes nesta região antes do XVº sécr lo, os Vatonga :1\ '1
· - acerca
rnformaçoes · da etrna· vatonga e ela l'mgua ºoi'tonga , assim como ela ideia de eram famosos pela sua hospitalidade, impressionando os primeiros navegadores
(

l{
,
\

J"'"
'
--. pessoa nesta cultnra340 Sublinhe-se que, como linguística e cultor aguçado da
' f: . ,,341
língua gitonga, Amaral tratou 0 tema "Conceito de pessoa_na cultura a ncana_ ,,
numa conferência havida na' "Universidade Pedagógica Sagrada Farm11a ,
portugueses que, chegados nestas terras e descoberta estai característica,
baptizaram a região com o nome que subsiste ainda hoje, "Tma d~ boa gente". i!
,1

Amaral afirma que os Bantu que se instalaram em Moçambique ria' região entre os· if' ,1·"J 1
.i ~
il

r :j

!.
dedicada ao personalismo. É, pois, um autor particularmente ligado ao nosso rios Save e Limpopo tinham uma acentuada unidade linguíst~ca ; -religiosa é '!,. .d 1

(' estudo. Analisaremos, então, detalhadamente, a sua reflexão. cultural, embora com compreensíveis diferenças devidas à vastidão do territórjo, à 1f.! il
;,~'. \
( í·i'
oi· dificuldade de comunicação e à " A~t~ral evolução da língua e d~s suas cultÚras 1. ,I! '
<1 Amaral considera que um povo sem cultura é um povo sem história, sem passado orais, que deu origem a diferentes. variantes de dialectos com tal raiz 'corrium342·• o
r' nem memória. É como uma árvore sem raízes, um corpo sem alma, condenado a povo Tonga, como muitos outros· r:ibvos bantu, é desprovido dé urria literatura
/ ,

morrer e desaparecer sem deixar contributo algum à humanidade. Considera que a escrita, bibliotecas e arquivos, sendo que os primeiros textos nest'a l~ngua: foram
língua seja a maior reserva da cultura e hereditariedade antropológica. de um publicados apenas nos últimos decénios . Por isso, a oralidade assuri1e uma enonne
importância, e a palavra "constirui o único meio de conservar e de transmitir o
"'" .l ntormaçoes
r - ·
importantes acerca da h'is ton
' ·a e cu ltura dos Vatonga. encontramos em: ·AMARAL património comum herdado dos antepassados, e,stabelecendo, . 41!Slfi . forma, a
B.A , Dzitekatekane nya Yatonga, Edizione Biblioteca Francescana, Milano, 2009 . . _ y.
"'AMARAL B. A, Conceito de pessoa na cultura tradicional afn«ana . e a sua._ contr1bu1çao
específica na formação da nova cultura globalizada, pro-manuscriptum, UmSaF, MaXIxe, 2009. ~s
"' Já po século XVI o povo Vatonga era bem distinto.- Cfr. DOS SANTOS J.,.. Etiópia oriental ,
temas tratados por Amaral na Lect10 Mag1strahs encontram-se igualmente no artigo. AMARAL .
Lisboa., 1891, pp. 199-200 citado em AMARAL B.A; Dzitekatekane ... , o.e., p. 34' · ~· ·" · ~·
·A, Matriz estruturante da Cultura Africana , em ltlnerarium, LlV (2008); N" 191, Braga, pp.359-408

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- _:.,....J -·

M l! N T U f S MO 1 163 r

.,....
Amaral pretende desmentir os preconceitos ocidentais a respeito da exclusão das
~:'
•,r;'
mulheres das decisões da vida social africana. 346
Não se pode casar com pessoas do mesmo Clã. O matrimónio celebra-se na casa
paterna da esposa e o casal deverá viver na aldeia paterna do maiido e assumir as
:1- ~.:· '
.7 . ,
tradições do seu clã. O matrimónio é autenbcado pelo lowolo, um dote qüe a
família do esposo dá à farru1ia da esposa ~m agradecimento e como selo da
aliança estabelecida entre as duas farm1ias . :qste dote será apresentado diante da
árvore sagrada das duas familias, para garantir a sacralidade da aliança. Os filhos
são a maior bênção. "Guambala mavala, guvelega wufumu" 347 . Embora se Ir
''
pratique a poligamia, na origem, a tradição mais antiga era monogâmica 348 . i·
1 .'

Amaral apresenta uma lista dos clãs mais conhecidos entre o povo Vatonoa '('
º'
incluindo as sagas ela origem de cada família.
; ..
Amaral dedica grande importância aos provérbios (Dzitekatekane) dos Vatonga,
que "são os resumos dos princípios da sabedoria elos antigos em forma de
provérbios, ou adágios, constando ele duas partes : a proposição e a resposta. As
,/: duas partes relacionam-se entre si em forma de paraielismo dinâmico. A primeira

i~r
;·~~;.
parte é provocativa e a segunda parte é a resposta a essa provocação e contém
uma mensagem, ou uma instrução" 349 . Estes .provérbios têm como fim educar as
l'•F pessoas no que diz respeito aos comportamei1tos a assumir na viela soe.ia! e
privada e, foram transmitidos p~r' s~culos ele geração em geração. O intento de
!\!
l~iJ· Amaral é salvar este património oral que cone o risco de perder-se com a n~orte
lf~i~ dos anciãos e dos últimos info1ma~ores. Alguns missionários tinhé,lm já escrito
I.·"'
l!(~:j
!::i:: '~ Cfr . Ivi, pp. 51-52
~;:~!;
j .1r.
"" "As vestes são um ornamento, os filhos são um tesouro inestimá vel (literalmen1e , dar ii luz é
h1fi '" lvi, p. 44 . : ~· nobreza/majestade) ", !vi, p. 53
~ ,~t
li,•;
r~ i
·;" Aprerid(p'es.soa. iffiente a não fazer proinessas vagas
.... a uma pessoa dos vatonga, porque a palavra '" Amaral confirma esta ideia na prática do sacriffcio durante o qual o chefe de famtlia se deve .
; ii;J1
~i~!I
vale como, u.m ct'ocumento escrito e timbrado: "Q1.1em promete deve" e não há comof1.1gir 01.1 retirar apresentar apenas com a sua esposa legítima. As demais não são reconhecidas. Cfr. !vi, pp.:S'.3:54: ·
'1' .
i i • • ' . ••. •

1 a palavra. ., .· A tese segundo a qual a cultura tradicional africana é originariamente monooâmica · é iuua l mêni~ ·
;~~i: · · '.~ En.tr.\l cis~ vatoríga, diz Amaral, 80% são cristãos, 2% são muçulmanos e 18% praticantes da defendida por Filomeno Lopes, como vimos acima.
0 0
·

.' ii·!~.
1~l~ . .R.el1gi~.·.º. d.i. çional.'.A.fncana .
ria,. : . . "" I vi, p.7)
'íl!'.: ".
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!Vl U N :1' U i S M O j 165\: ']
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aquela que era apenas urna língua oral, traduzindo partes da Bfblia, cantos sig\lifica arabizar, pregadores e evangelizadores obterão ~penas "tontos", ·l,
litÓrgicos , catecismos, rituais dos sacramentos, provérbios e por fim, dicionários e maúipulando a razão e a fé para uma nova colonização cultur~l, pior do que a
350
gramáticas voltadas a "padronizar" a língua gitonga . primeira. Depois de ter condenado a influência nefasta dos programas televisivos '1 l
Na recolha dos provérbios, .Amaral descreve a metodologia que · o norteou: estrangeiros (sobretudo as telenovelas brasileiras) sobre a educaç~o das crianças e · 1 :i
primeiramente escreveu aqui)o que se lembrava dos ensinamentos aprendidos 1ovens, Amaral exorta todos os Vatonga não só a reapropriar-se da própria língua, I'. :i
qu~ndo criança. Num segundp momento ordenou os provérbios recolhidos por mas a desenvolver as dimensões culturais e antropológicas Jontidas no rico : i
estudantes de uma escola, citando os nomes de todos os 153 estudantes que conceito global de "Gitonga " concebido como "o modo Tonga dé ser, de estar, de i ·1
,,•..-·
\•,
contribuíram na pesquisa. Por fim deu-se o trabalho qe entrevista e palabre viver, de pensar'. de fazer e de se relaci?nar".353 · \ j :' • . :\! J i
" trocadas com diversas pessoas e grupos . Após ter elencado 260 provérbios dos Amaral denuncia os preconceitos ocidentais sobre a cultura afncana e apela ;l ·
\ ' ' '.~
r ·':r_ . Vatonga, Amaral conclui que um dos seus objectivos era desmentir a ideia "agora que falamos de diálogo intercultural há que · aprenderi a escutar com i
(_ ; ..
defendida pelo etnocentrismo europeu, segundo a qual os africanos não têm um respeito a experiê,ncia do outro. O Ocidente, o Cristianismo oci~ental, se quiser il: ~I
passado, nem uma história ou cultura que valha a pena recordar. Este preconceito, dialogar com a Africa, deverá renunciar ao seu complexo de \superioridade e lj i !·!
\ ; -.•.. sustentado como verdade científica, inculcou nas popula_ções um sentimento de deixar que o africano lhe fale de si próprio, lhe explique a sua exp,eriência cultural il 1
\ ) .- inferimidade que perdura até hoje e que induz muitos a envergonharem-se da sua e lhe revele os seus valores" 354 • E cita uma bela frase de R. Altuna: "Não se deve · '
r ,-· cultura tradicional. A exortação é que "não é possível um crescimento autêntico a aproximar da África negra aquele que a não deseja conhecer. CoÍno poderá amá- ! i 1

{; - partir da ignorância e/ou, da negação de si mesmo"351 • Por isso Amaral propõe la, se desconhece o seu rosto? Como a ajudará a libertar-se se desconhece a sua 1\ i
... 355
alma?" Por outro lado, o africano, se quiser dialogar com os outros, deverá 1!1 :l\
( ,···., que se busquem iluminações e inspirações nas experiências do passado, para
( .;,-
meihor responder aos novos desafios do presente e do futuro. Convida as várias superar o seu complexo de inferioridade e assumir serenamente a sua identidade e ·! i :1
os seus valores. Não são as culturas que dialogam, mas as pessoas: o diálogo dá- .·11 ~l
1
' religiões a valorizar e promover os valores autênticos de cada cultura, sobre os
quais se constroem quer a evangelização, quer as demais pregações. Sem esta ~e qi~ando pessoas de diferentes 2ult~ras interagem e não existe n9m superior-,nem ;.1 i!
observância, seria como semear ao vento: "no máximo, poderá fazer fanáticos e mfenor. ·· i } ''
escravos da religião, mas nunca seguidores livres, adultos, conscientes e Amaral questiona, enfim, se exist~ luma cultura africana unitári~ ou se deve-se :; '. '.~
responsáveis do próprio empenho religioso". 352 E continua a sua observação 1 falar de tradições e culturas no plu~J. Baseando-se na sua vasta qpetjência como 'i :1, ~
afirmando que se ainda hoje evangelizar significa ocidentalizar e islamizar Conselheiro Geral da ordem d.os franciscanos, responsável da região africana, •: ! .!!
após ter visitado inúmeras vezes os países africanos, conclui que existe em toda a :1 i J•
···Para não deixar "anónimos" estes linguistas, elencamos os sues nomes: Frei Alberto de Moura África negra uma fundamental unidade cultural, e cita Leo Frobenius, cujo livro id: J·

~~:.~;~ :',;,;,:;:;:i ~:~"· "'"'" /·:;·,~ ~i~;


(1910-1990) ; Reverendo P. Person ; Frei Frederico Samuel Nyanala (1943-1984); Frei Amaral 1
Bernardo Amaral; Dra . Sara Antonio Jona Laisse; Dr. Eugénio Filipe .\'fuacota. Cfr. lvi., pp.79-81
'" Ivi, p. J50
'"!vi, p. 154 : 1985, pp.41-42
~'I
:·'!
- ··----N•- .L. J "'

166 J p A L :\ H R E . e oM " s A 8 ro s " f\ F R i e ,\ N o ::; M u ~TU i -~ c.I o 1 167

·. "As origens das Civilizações Africanas e História . da Civilização Africana " uma fase da viela à outra; de 'menos ser para mais ser', até atingir o pleno estatuto
356
defende sem sombra de .dúvidas que "Trata-se de uma cultura única e una" . de muthu (tradução na língua gitonga da palavra Muntu) , isto é, de pessoa madura,
· " Est_a ideia unitária, que pode ser condenada como unanimismo por parte dos consciente, autónoma, responsável, solidária e comunicadora da vida. Na visão
autores que já citamos, é igualmente defendida por muitos pensadores, de modo bantu das coisas, a pessoa não nasce já feita, mas vai se fazendo gradualmente ~o ·r
que . Amaral. conclui: "Esta unidade de base permite-nos falar de Cultura processo iniciático através de instruções, ritos, símbolos e cerimónias. O método
Tradicional Africana e delinear alguns dos seus traços característicos mais iniciático africano imprime sempre urna mudança radical.na pessoa que é iniciada.
salientes, respeitando a pluralidade das expressões específicas e particulares. É· A pessoa deve passar por uma renovação interior profunda que lhe modifica, não
sobre estes valores fundamentais que se pode lançar a ponte de um diálogo somente os comportamentos, as atitudes, a mentalidade, a vida, mas também o
' . e ennquece
autentico . dor com outras cu1turas " .357 próp1io ser~ Raul Altuna diz tratar-se de uma verdadeira transformação
Eis os traços característico,s da cultura tradicional africana: a oralidade e o poder ontológica" .º 58
da palavra; o ,poder dos ritos e .dos símbolos; a autoridade dos anciãos ·na Os principais momentos da iniciação são três: a separação, onde ocon-e um corte
transmissão fiel da tradição; a centralidade da família como ponto da transmissão neto com a infância através de uma separação física , pelo que a criança é
da vida
. e da cultura. Coloca-se o problema: esta cultura' apresenta valores próprios mandada a viver na floresta por alguns dias; O isolamento, que é o momento mais
e originais capazes de responder às questões fundamentais elas pessoas? Amaral importante da iniciação porque "é neste período de reclusão total que se faz a
individua os seguintes valores antropológicos típicos: 'o princípio da relação e ela revelação dos mistérios e segredos ela tribo; que se dá o ensinamento dos ideais e
participação. comunitária na força vital universal; a profunda religiosidade e princípios fundamentais da sabedoria tradicional, através de provérbios e contos;
abertura ao transcendente; a crença na imortalidade; a prevalência cio bem comum que se narram as páginas mais gloriosas da história da tribo, corri a apresentação
sobre os interesses individuais; o forte sentido de famr1ia alargada; o valor da dos heróis e modelos a imitar; que se ensinam os princípios religiosos, éticos e
solidariedade, da hospitalidade e da partilha; o amot' à vida e à fecundidade; o morais e as normas que regulam a vida e a convivência na comunidade. Na
respeito e a veneração pelos mais velhos e crianças; o sentido da paciência· e da floresta-os iniciados recebem noÇões práticas ele vida do dia-a-dia, sobre ~dmo
esperança na vida. resolver problemas concretos, com~; enfrentar com serenidade as dificuldades;
Grande .importância assume a educação tradicional, que marca o indivíduo mais como governar sabiamente o lar etç.'j; 359 a reintegração, na qual o iniciado, mono
que todas as outras educações que ele recebe na sociedade. Uma educação como criança e renascido como Homem adulto, vem apresentado à FOmunidade
caracterizada pelo método iniciático: "A iniciação tradicional é baseada na na qual entra a tomar parte a pleno Útulo, recebe uma acolhida festiva, um nome
concepção da vida como uma longa viagem de crescimento em que o indivíduo, novo e uma veste nova.
guiado pela mão elos mais velhos, vai passando, gradual e progressivamente de

'" Cfr. AMARAL B.A., Matriz .. , o.e., pp. 362-364 "" fvi , pp. 373-374
"')vi, p. 364 "' Ivi, pp. 374-375

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168 1 P A L A B R F ;:_ O \-1 " $ /.. E i_ '. ' '.) A. F ;::_ i C 1\ "i O S :

( ;'
( -1~(
O elemento estruturante basilar da cultura africana é a religião tradicional. A, Amaral especifica que "o culto tradicional aos espíritos' dos defuntos não é urril l
( : -~-­ religiosidade cobre todas as esferas da existência e influencia os comportamentos culto de adoração. Não é uma idolatria. Na verdade, nos nomes com que sei1
( '1'.
indi viduais e colecti vos, começa antes do nascimento do indivíduo e se prolonga designa Deus nas línguas africanas, não se notam resquícios c~e idolatria, ou deJ !
,.
J> para além da sua morte físicà. Amaral sentencia: "não poderá conhecer politeísmo. Os nomes de Deus não têm nenhuma ligação corh nomes ele seres;J 1
(_, verdadeiramente o Africano, nem compr_eender os seus problemas e criados ou fenómenos atmosférico;;, etc. [... ] Os africanos : não reconhecem i i
( ,,:~ co mportamentos, quem ignorar as suas crenças, as atitudes e as práticas divi~dades inferiores. Ne~ _mesmq os antepassados funda~ores do clã sãoi 1
considerados de_uses. A propna magia bantu que tem poder para manipular todos,(!
r -';'~- tradicionais. A Religião é o elemento mais forte e dominante da Cultura
Tr~dicional Africana".360 E clarifica, antes de mais, que coisa não é a RTA: não é os.poderes e coisas criadas , inclusive os espíritos, nunca jmagino!u·manipular ai!
animismo, como erroneamente muitos estrangeiros a definiram; nem vitalismo, Deus".363 1 ..
( ,
porque, embora a crença nos espíritos e o valor da vida sej am fundamentais, não Na RTA existe a crença na imortaliçlade da alma e na vida depois da morte: '. 'a' 1
C· .-- . se pode reduzir toda a riqueza da RT A apenas a estes dois valores. Que coisa é, pessoa não mo rre, ela parte para a grande viagem, ou v.ai j~mtar-se aos seusi\1
( ; ~-­ então, a RTA? É essencialmente uma experiência comunitária do Clã e o
1
antepassados": 64 i 1 , · · !\ 1
( ) .'... reconhecimento de um Deus único e transcendente. ó
3 1 Por fim, Amaral indica sete categorias existenciais da cultura tr~dicional africana.: :
1
1

( 1- Amaral defende frequentemente nos seus escritos a antiguidade do monoteísmo Repisa que não obstante as influências externas havidas ao longo dos séculos, a 11
\ :>- da RTA. 362 l
herança comum primitiva não foi destruída,. mas como um rio subterrâneo, 111
1

( j·:..-. Imediatamente depois de Deus existem os espíritos que têm acesso directo a Deus continua a alimentar, inspirar e influenciar as novas aquisições\culturais: :'Nisto , \
~1
e uma grande influência na vida dos homens. reside a razão fundamental que explica a incrível semelhança ~e • concepção do j, .
( ,·--
;·1 Existem igualmente os espíritos malignos manipulados pelos feiticeiros, mas que universo, de sistema religioso, educativo, social e económico, a alta ·percentagem )!
( >
podem ser neutralizados com vários ritos da RTA que interpelam os antepassados. de vocábulos comuns nas diferentes línguas, mesmo as[ mais · disJantes i.
,, 365 ' ,_,. J 1 - ,, _ 1
( _
Em compensáção, os antepassados querem ser recordados pelos vivos e receb~
... ' -
geograficamente . - ~ • . . • ,. , )'.' _._, ... - .· il ·
;'.] ;.
\ )' '~,
-, oferendas e sacrifícios. As sete categorias existenciais s~o;:' 1) a escuta; fundamental -para ,uma cültura :1
( ,~J-. _ baseada sobre a oralidade: "Send9 ~- oralidade um traço estrutura~te irp.portante da l \
r iY- -~ 1vi. p. 376 _ RT A, essencialmente fundada sobre a,palavra, é óbvio que a.cap~ci~ade de escuta ·i:. ·
'" Amaral critica o antropólogo Henry Junod que tinha confundido os espíritos (Chikwembu) com
1 seja a virtude mais apreciada na sotiedade tradicional africana, Umél: car~cterística 11
\
< I,,.r· -,
1;~: ~~ ~ei:e~s;í~~::t·~:.:~:.~ss;:a~~ q~;:~~e~rr;~p~:n~~~~~ e~~:;~~,e:sq::º:ae:se~~ ~~. ~;: u;
'.r
fund~ental desta cultura é a exigência de fidelidade ao .conteú~o dá mensagem j :
antepassados não são deuses; o são para os ruiu o ndaus. Cfr . lvi, p. 381-382. _ (trad1çao) herdada dos antepassados e que deve passar de geração :em geração, .
(~ ri--. ,., c'fr. O seu texto : Religião Tradicional Bantu, Jangamo, 1988, pp.3.4, onde cita as palavras de P.
r ~it . Gonçalo da Silveira, um dos primeiros missionários que entraram em contacto com o povo Tonga 1
--,, 'I
. J_. _:_;;L \:. o qual em 1560 afirmava : " ... Ninguém tem nenhuma espécie de ídolo:no culto que pareça idolatria. ~'
'~
lvi, p. 384
lvi, p. 385
' -

( ._ Têm um Deus ao que chamam Umbee ". O missionário encontrou o monoteísmo já presente, antes
'íj~i-:.,:· _ - de qualquer
- contacto com o cristianismo. '" Ivi, p. 388

\ ~J~-~~-~~~~-
(
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.1jt; /~·.f1::·t" ·.:·
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( .~·..,_ ,, _ , · ··~ - :.. .. .. .
J l -

,170 1 p A L .'\ B R E e uM " s A J3 l o s " A F ({ í e i\ 1'-i os


ivf U N T U i S !VI O 1 171

366
através de séculos, sem perder a sua força unificadora e iluminadora do clã" ; 2) viveu por longo tempo também na Itália, pergunta-se porque não encontra 0
o encontro, toda·a viela é um encontro, desde o momento do nascimento até ao mesmo sorriso e alegria de viver nos rostos das pessoas; 7) a esperança e 0
encontro com a morte, com os antepassados; 3) a acolhida e a hospitalidade: futuro: os povos africanos vivem na esperança de um futuro de libertação, embora
"Ndranga nya yadi khiyo nya vapfhumba" 367 . De modo especial esta é a todos os países tenham já alcançado a independência .. Libertação do
característica dos Vatonga, cuja terra, como dito, foi baptizada pelos navegadores subdesenvolvimento, da fome, do analfabetismo, a conupção, as guerras
portugueses como "Terra da boa gente"; 4) a relação, com Deus, os antepassados, fratricidas. Depois de ter vivido na América ~atina, Amaral interroga-se por que
a farrúlia e o clã. Amaral sublinha a relação mãe-filho com estas palavras as populações indígenas sul-americanas foram aniquiladas, enquanto os negros
tocantes: "É muito significativa a relação de intimidade que une o filho à mãe não 'r(
71 africanos resistiram ao impacto com a omnipotência dos invasores europeus.
somente durante a gestação e o aleitamento mas durante toda a vida. A criança Provavelmente, isto é devido à força da RTA que, mesmo na diáspora, sempre :rt-
africana passa a maior parte .das horas do dia às costas da mãe. A mãe trabalha, ~limentou a esperança de algum dia retornar à própria terra de origem. Mesmo na :rr
transpira com a sua criança às costas. Este contacto directo corpo a corpo permite Africa, a RTA é o remédio para lutar contra dramas do continente, e evitar o
uma profunda e intensa osmose térmica, hídrica e emocional, muito importante desespero que levaria o povo inteiro a um suicídio colectivo.
para a segurança e o equilíbrio psíquico e emocional da criança. Também, a mãe é Destas considerações de Amaral podem-se deduzir indicações claríssimas acerca
na África a principal educadora dos filhos . É ela que imprime na c.onsciência, no da ideia de pessoa na cultura africana .
coração e no carácter elos filhos, as normas morais, sociais e religiosas Na conferência sobre o personalismo realizada na Universidade Pedagógica da
tradicionais da comunidade. O filho é ligado à sua mãe por fortes laços de Maxixe (UniSaF), Amaral interveio com um importante contributo, citado acima.
afectividade, de respeito e de fidelidade" 368 . Por fim, 'o africano tem uma relação No capíh1lo central "O Conceito ele 'Muthu' ou pessoa humana no pensamento
profunda com a sua tena, e se forçado a emigrar para longe, viverá sempre com tradicional africano" Amaral apresenta cinco definições de "pessoa" africana: 1)
uma profunda nostalgia do seu mundo que deixará;' 'S) a simpatia/empatia: por pessoa como centro consciente ~o ·universo: todas as principais cateaorias .... dos
l~:
h!
simpatia, Amaral entende a grande capacidade de compaixão, de comunicar com
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1· '

seres que povoam o universo ont9lógico africano (Deus, espíritos, homens,


o

f~!~ as alegrias . e os sofrimentos dos outros; 6) a alegria e a festa, que sempre natureza, seres visíveis e invisíveis) ;'são .vistos em função ela sua relação com a
;it ' impressionaram os estrangeiros que visitam a terra africana. Não obstante· os • 1 .
., '1· ~ ; pessoa humana; Amaral afirma q·ue;o pensamento africano é caracterizado por
. ' iÍ~~ . problemas e o sofrimento, a África "é caracterizada pela sua alegria contagiante, a
W1
uma "cosmologia antropocêntrica": "A «pessoa-consciência» vivifica e anima o
11~ sua alma vibrante, o seu canro, dança e ritmo envolvente, o seu carácter escaldado mundo de tal modo que a alma, o espírito ou a mente da «pessoa-consciência» é
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e festivo" 369 .· ·o sorriso no rosto dos africanos é sempre tocante. Amaral, que também a alma do mundo. A ordem do mundo e a ordem da «pessoa-consciência»
ilL
' !}~· · .. são idênticas. O que acontece no mundo acontece também na «pessoà~ .
I~ ! .... Ivi, p. 389
consciência». A desordem da «pessoa-consciência» afecta e desorganiza tod~ · o · .
I~ ·:~ ::, '" '.'Boa casa é a que acolhe hóspedes". Ivi, p. 393
"·' ?". }vi, pp. 400-401 universo. Portanto, no conceito africano é a «pessoa-consciência» que dá ordên{;. '.: .
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'i'/ f' ·lvi, p. 403 ··r:.

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sigrn ficado e unidade ao universo". 2) Pessoa como centro do eqm"líb


370 . l
1 no e as sua reflexão sustentando que a superação da "pobreza ahtropológica" consiste! 1 373

.
forcas .cósmicas. A pessoa humana como manifestação da consciência, constitui o no reencontro com o próprio passado histórico e cultural, para vivefcom oaixão i di i
hoje e abrir-se com esperança no futuro, porque não é possíve:l uln cre~cimentó:L\
.

centro e o ponto de equilíbrio desta harmonia universal, cuja fonte e controlador


último é Deus . Tudo quanto acontece na pessoa humana toca directamente o autêntico a partir da ignorância ou negação de si próprio. E conçlui: "acredito qLiêi;-.1
universo. 3) Pessoa como processo gradual ele crescimento: "N a visão bantu das a Cultura Tradicional Africana pode contribuir para a.formaçã~ da nova cultura'.\;
c~isas·, a pessoa não nasce já:feita, mas vai se fazendo gradualmente no processo globalizada co~ algu~s. dos valores: mais nobres do seu ~Jatrilnóiiio cultura!: ali\
iniciático através de instruç.ões, ritos, símbolos e cerimónias significativas e abertur_a sent1~0-rehg10so e t~anscendente, o sentido de rela~ão ·e·partkipação1\ 1
,ª?
eficazes. É 'um longo processo que começa antes do nascimento físico do comumtana, a v1sao gioba1 e mtegral da pessoa humana . pl\1ridimernional, 0 1
indivíduo e se prolonga par~ além da sua morte física" 371 . Ao longo da vida, a sentido de esperança, para evitar que a nova cultura globalizada seja cons'truída'
pessoa passa do "menos ser" ao "mais ser", do "menos pessoa" ao "mais pessoa", sobre uma visão redutiva, secularizada, individualista e egciística da pessoa:11
até atingir o pleno estatuto Ôe "muthu", isto é, de pessoa plenamente madura, humana". 374 J · 1-1

1 ! i 'I
consciente, autónoma, responsável, solidária e comunicadora de vida. 4) Pessoa l l
r /'.-- como ser de relação e participação comunitária. Para o africano, a vida ~
1 :l
.i 1
\ > ,_ fu'ndamentalmente radicada no ptincípio de participaç~o comunitária, a vida é 1 i\!
\ .•!>- essencialmente relação: "O Africano não consegue concé(ber a sua existência sem e) A cultura dos Vathswa (ou Mathswa): Francisco.Lernjla Martinez.
'i
( )> ~· a comunidade, sem a família. Para ele, ser pessoa humana é pertencer a uma dada A segunda etnia presente na nossa província é a dos .· Mathsf a, cujos traços :1
r ,:.- f;;· comunidade e, pertencer a uma comunidade significa:, participar nas crenças,
fund~mentais são expostos no estuqo de outro grande "sá,bio'', francisco Lerma 1 !
( /]:~ cerimónias, rituais, nas angústias e nas esperanças dessa comunidade" 372 . Pobre
Martmez com a sua obra El pueblo Tshwa de ~ozambique: el 'ciclo vital y los ! :
valores culturales. (1980-2002)~ 7;~ ·: francisco Ler~a é um missi~nário espanp9l e ; .f' ·
:!: não é quem não tem dinheiro, mas quem não terr(uma farm1ia. 5) Pessoa comb
r 'i>- sujeito integrado e pluridimensional. Cada relação (vertical ou horizontal) envolve
\ /~~'l-- sempre a totalidade da pessoa humana e o africano tem uma visão unitária e antropólogo que trabalhou por ~a!s de trinta a~os em Moçambique, publicou !; 1

( ;\::... vários livro~ de an~ropologiait ~~- professor . universit~o '\e rece~teme.ntY._ il,1
integrada da realidade (pessoa, sociedade, mundo) na qual arte, religiãd,
( ~~;:~- mitologia, pensamento especulativo e afectividade interagem. Amaral termina a . consagrado bispo da d10cese de Gurue, no norte de Moçamb1que.\Pof mmtos a~o~. ·\ r;-
-~:.

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. . ' l ', ':1 , 1 '•

"' E clara a referência à ideia do teólogo da libertação africano, Engelbert Mvepg. Cfr. MVEN() K,· : !
Pauperizz.azione e liberazione, em GIBELLINI R., Percorsi di teologia africana, Queriniana, .
·"' AMARAL B.A, Conceito de pessoa na cultura tradicional africana e a sua contribuição Brescia, 1994. :
específica na formação da nova cultura globaliz.ada, pro-manuscriptum, UniSaF, Maxixe, 2009, p. m Ivi, p. 12 ; ... ~··~ .<.,'1 ; ·
8. "'LERMA F., El pueblo Tshwa de Moz.ambique: el ciclo vital y los valores cultúrales (1980~20b2)'1. •,q ; .
'" Tvi , p. 9 Laborum, Murcia, 2005, 334 pp. Existem outros estudos acerca da cultura Tshwa:; de Aiip)'C{ '. r.-',:.:;:: ·
'" lvi, p.10 Siquisse e José Martins Mapera. · · · :;·:;·.('é~;ifüif,
. ';. · . : . ,:.:-t·;;-
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e oM ·' s .A. B r o s ,, AF R Je ANos i'vJ0NTUÍSMO Jl75

'' t~abitlhou . com o povo Mathswa no distrito da Massinga. Na sua obra, Lerma A evangelização sistemática começou apenas no fim de 1800 graças aos jesuítas,
· apresenta .o contexto geográfico e humano, o ciclo vital e a dimensão religiosa do primeiramente, e aos franciscanos, mais tarde, que pmtindo de Mongue (fracção
povo .Tshwa (Mat?swa ou Vaths>va). O povo Tshwa é o mais numeroso na de Maxixe) espalharam-se pelo sul de Moçambique. A partir dos anos '40 os
Pr~<'.·íncia de Inhambane, representando mais da metade da população, ocupando a missionários da Consolata evangelizaram o norte ela Província de Inhambane. O
parte centro setentrional da província. Dos cerca de um milhão e duzentos mil colonialismo desprezava a língua e a cultura local, intervinha na nomeação dos
Mathswa, mais da metade .vive na nossa província, sendo que os demais se " chefes locais, controlava a produção e a migração, e descrirninava os indígenas
:e
1

encontra~ espalhados pelas Províncias de Maputo, Sofala, nordeste da África do . entre assimilados e não assimilados. Para insurgir-se contra o colonialismo, em
Sul e sudeste do Zimbabwe.376 1962 Eduardo Mondlane funda a Frente de Libertação de Moçambique
A líno-ua
0 1
dos Mathswa
..
é o Xithswa, a língua mais falada na província. É muito · (FRELIMO) e a 25 de Setembro de 1964 começa a luta armada pela
aparentada com outras línguas do sul de Moçambique, como o Ci-chopi, Xi- independência que será proclamada a 25 de Junho de l 975. Seguiu-se a contra-
changane; ·Xi-ronga e Zulü da África do Sul. Lerma afirma que durante a revolução por parte elas forças armadas ela oposição (RENAMO) que culminou
revolução socialista, depois da independência, o primeiro presidente encarava as com a guerra civil entre 1976 e 1992. Muitos Vathswa viram-se obrigados a
línguas locais corno desintegradoras da unidade nacional. As igrejas Metodista e abandoriar a sua terra. A cidade de Massinga passou em breve de 5.000 a 70.000
. ri·
Católica desempenharam um papel importante na conservação e promoção da habitantes. Milhares de pessoas sequestradas e massacradas . A 4 de Outubro d
' !
língua Xithswa por via da produção de gramáticas, dícionários e textos vários na 1992 foram firmados os acordos de paz em Roma entre a FRELIMO e a
língua local. 377 RENAMO; seguiram-se, finalmente, as eleições democráticas ganhas por três
Quanto ao panoráma religioso, a ReligÍão tradicional é praticada por l6% da vezes consecutivas pelo partido FRELIM0. 379
população; a Igreja Católica; depois de cerca de 50 anos de evangelização, conta Quanto à organização sociopolítica dos Vathswa, Lerma afirma que não existe
co~ 24% dá população; a .Igreja Metodista 18%;_,ás Igrejas autónomas (Zione, uma "autoridade" para todo o povo, não obstante a vida pública seja ba§tante
Velhos Apóstolos e Igreja Luz) cerca de 34%; o Islão 2%.3 78 orgànizada. O povo é formado. pela sociedade em pequena escala, reinos
O povo Tshwa, 'como demonstr.am escavações arqueológicas, pinturas rupestres e compostos por pequenas sedes · ppr seu turno subdivididas em linhagens e
utensílios descobertos, fixou-se na região muitos sécl.ilos antes da presença árabe famflias . Os provérbios populares /(titekatekane) contêm ensinamentos sobre a
e portuguesa. Com a chegada' dos portugueses criou-se um entreposto comercial au toridàde. 380 '

em Inhambane. As imposições feitas pelos portugueses criaram sempre tensões Quanto à organização familiar: a unidade conjugal é formada pelo Dadani (pai),
com a população indígena. Mamani (mãe) e Vanana (filhos) que vivem na Muti (casa). Várias Muti (Mimuti)

"" C:fr. Ivi, pp. 57-78


·'·"'Por exemplo: "A tikuzi timbiri ta tivu a ti tsame utsamu ginwe ", traduzido, "Dois hipopótamos
machos não vivem no mesmo lugar", equivalente a dizer que dois chefes não podem coexistir
contemporaneamente no mesmo espaço.

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176lf' •\LAIJR1:~ COM '·S,\B i OS'' ,~F!ZJCANO · s l li M U N TU i S MO j 177 ·I .
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em rel ação entre elas por via de laços de parentela_ constituem uma área, •·função do seu papel de. c_oesão social como guardiãs dos valores ida comunidade: .1 1
matrimonial guiada pelo mais velho dos chefes das Muti, denominado Hosi ya' •· Assumiram o nome de autoridade comunitária .. Lerrna observaijustamente que i\,
tinganakana . Vários Hosi ya tinganakana formam um grupo cujo chefe é o Hosi "Sin duda no es fácil combinar la autoridad tradicional con la estructura de um . ' .
ya Tala . Vários Hosi ya Tala formam um reino cujo ch~fe supremo é o Hosi ya .esta.do moderno. Hay que buscar fórmulas para que la co~binación de lo .,' 1

Ngoma , o rei soberano 38 1. O rei é o gigante da terra que administra em nome da · .tradicional con lo moderno sea equilibrada, eficaz y eficiente par'.a :e] bien córnun il
( ~~:p._ comunidade, e a distribui entre as farm1ias . Os emigrantes que têm necessidade de de todos. Todo esto implica que se reconozca el papel simbólico tjue la autoridad !
r ;:fL urna terra para construir a sua casa dependem do rei. Para além da função .. tradicional encierra como guardián de _la ti erra y garante dei d,rden social "384 . · \
' ij~<-~ ..
f,~:r--,_
ad)lÚnistrativa, o rei exerce a função judicial, velando pelo respeito das leis. É o ·· Estes_ chefes manti v~ram unido o p~yp Thswa ao longo d~ sé9~l6~ ~ atravésc da ..1
juiz supremo ique julga os dsos mais graves . As sentenças vão da expulsão do relaçao entre os vivos, com a mae terra e com o mundo! espiritual ,dos ' .
( 1t'"
{
: ~7
..,..... . território, multas, às ameaças de maldições, etc.382 . Exerce também uma função antepassados. ; 11
\
económica que consiste em gárantir a subsistência económica dos seus súbditos; e Na segunda parte da sua obra, Lerma passa a· tratar do ciclo :vital com estas 11
1
a função religiosa como responsável do culto dos (Muphahlo) e outros ritos, como pa1avras, que tem no amago a defim1çao
A A • - de pessoa: "La persona (N;Iunhu) se siente ··· I'\
guia espiritual da comunidade: "En el Hosi Ya Ngoma el pueblo se siente unido profondamente insertada en la madre tierra a través de los a~tepasados; por i1 ;
-· por la sangre, por los valores culturales , por el idioma y por la tierra, medio de ellos la persona se siente unida al origen de la vida (Wqtorni). Según el 11
- experimentando concretamente su identidad".383 , mito primordial de la creación, el ser supremo (Nungungulu), qu~ los VATSHWA ~ i
. j
:. Existe ci Conselho ele Governo, presidido pelo Hosi ya Ngoma e formado pelos reconecem como creador, ha puesto en la madre .tierra el princ~piq de Ja ,vida, . 1 ; !
385
.,:- chefes das sedes menores, chefes dos grupos ou linhagens, anciões ou pues de ella surge la humanidad". Esta vida transmite-se ae . geração. em . ! I · '!i
conselheiros (Maciota) e emissários ou mensageiros do :rei. O rei é eleito pelos geração por via dos antepassados, e este evento primordial é recordado em cada ,
membros do Conselho entre os parentes do rei precedente' (patrilinear), que gozem rito com a aspersão por terra de uma bebida que evidencia a comunhão entre eles. .:1 :1
de boa saúde e de boa fama entre a população (conduta moral e qualidade de. O ciclo vital compreende esse'hê:ià,lmente 5 etapas: nascimen,to, . pubercthcte, 11' ' ·, )

governo). Esta organização política dos Vathswa conviveu paralelamente com a matrimónio, enfermidade, morte. .· , ·; .j.: · . · i:
colonial. Houve uma pequena integração, com base na qual o rei servia de porta-. . Com.o nascimçnto de um filho se,gfrante o poder e a linhagem, ps ,ritos que se j
voz da Administração colonial, cobrava os impostos e controlava a população. cumprem à nascença não são unívocos, pois se devem às várias; influências 1 i., :.1

Durante os anos ela revolução (1975-1992) as auto~idades tradicionais foram (políticas e culturais, como independência, guerra civil, interc~mbio cpm ·.as i .. :
1
.excluídas da vida social e política, foram perseguidas e passaram a agir em culturas lirrútrofes: Ndau a norte, Vatonga a centro e Chope/cha:ngane a sul) e 1 1
,.
clandestinidade. Como o acordo de paz (1992) foram reavaliadas e integradas em podem variar de zona a zona. Ultimamente, os postos sanitários lpcais assistem a
.. '

'" Cfr. Ivi, pp.97-104


"' Cfr. lvi, pp .105-106 "' Ivi, p. 116
"' Ivi , p. !07 "' lvi, p. 125
- ,.\
. '

M l i NTU i S?v!O J179

cada vez mais partos. Todavia, muitos partos acontecem ainda em casa. Antes de vida. Mais adiante, as meninas deverão submeter-se a outros ricos que marcam a
dar à luz, a parturiente deve revelar às "anciãs" que a assistem, o nome do pai do pass~gem à idade adulta.
riascitm:o. Se algo não dá certo durante o parto se coloca em dúvida a paternidade Lerina adverte que não se pode reduzir o rito de iniciação à simples ci rcuncisão
.da criança e se deverá resolver o problema mais adiante. À nascença ocorrem ou iniciação sexual. A iniciação é algo de mais complexo: processo psicológico
gritos de júbilo (Nkulungwane): se se trata de um rapaz os gritos serão mais fortes de evolução da personalidade que marca a passagem da adolescência à idade
porque com o seu nascimento se reforça a linhagem paterna. Se se trata de uma adulta; processo social de inserção do jovem na sociedade; processo de introdução
menina, os gritos serão menos fortes porque algum dia ela deixará a casa paterna à visão do mundo da própria comunidade; processo pedagógico de exercício cios
1.r
para casar-se. Seguem~se vários ritos de integração; entre os quais a apresentação :1c
valores da próp1ia cultura; processo religioso de contacto com a realidade
à terra, ao fogo, à água, aos ventos e à lua. Nas cu lturas orais assume grande espiritual e rituais do próprio povo e; enfim, processo de iniciação e inserção J('
importância a imposição do nome, ou melhor, dos nomes que indicam a global na vida da sociedade.
cOmplexidade da pessoa·. O nome une a pessoa ao mundo dos antepassados e Quanto ao matrimónio, não se trata apenas de um contrato entre um homem e 1 .
t
. d'ica a sua·nussao
m . - na v1'da.386
. uma mulher, mas entre duas farru1ias. É um matrimónio exógamo e patrilocal.
Entre os vários ritos de .iniciação, fundamentais são os da passagem de uma idade Normalmente monogâmico, embora seja admitida a poligamia. A residência é
e condição à Olitra. A iniciação masculina comportava muitos rituais, mas nos dias junto da casa paterna. Os progenitores não podem impor as suas decisões sobre o
que, conem . reduz·se apenas à . circuncisão, feita · nos centros sanitários. matrimónio dos seus filhos, pois são os tios paternos (de ambos os esposos) quem
· Antigamente celebravam-se os ritos de iniciação Com a separação de um grupo de tem voz a respeito. De facto , foram eles que cuidaram da, sua educação desde a ' ! ~

rapazes dos dez aos catorze anos num"bosque, no qual deviam ser ·observados infância. Na base do processo de contratação está o Lowoio (dote) que regula os '
preceitos, proibições, provas e instruções sob a guia dos seus mestres. Após urna princípios, normas e ritos da nova farru1ia 388 . O matrimónio é celebrado com um ... _,
,·,

semana, ou dois meses, no máximo, retornavam à éÔmunidade para uma festa na banquete e uma festa que pode durar até três dias. . !.
~ •• J ~ ... . _.
qual lhes era comunicado o nome novo. Após a festa cada farrúlia levava o Em caso de esterilidade pode-se reco-Çrer à poligamia. As outras esposas deveião
, . filh
propno 1 o para casa
387
. ser submissas à primeira esposa. Em'yasos de adultério, conflitos ou esterilidape, :j
As meninas participam aos ritos de iniciação quando aparecem as primeiras recorre-se ao divórcio, que se toma efectivo com a restitµição do Lowolo. Existe
menstruações: Os ritos são· organizados pelas tias paternas que submetem as também uma lei sobre o levirato.
meninas a provas·cte força e de carácter e· as instruem sobre a própria cultura e a Lerma recorda que nas últimas décadas estas instituições sofreram ataques
dramáticos, devido às grandes transformações sociais e à guerra. A família sofreu
bastante, muitos se refugiaram em outras cidades, principalmente Maxixe,
· "" os· filhos nascidos mudos são -considerados filhos de incesto e de união proibida; os filhos
n'astidos de um adultério são legitimados ·cumprindo determinadas prescrições. Caso contrário, . "' Lerma apresenta aqui o debate acerca da necessidade de manter ou abolir o Lowolo. Em
· ·.·• .-_/pútencem aos avós maternos e são considerados filhos de pai "incógnito ". Cfr. lvi, pp. 138-139 particular apresenta as teses a favor do Lowolo de Adriano LANGA, O Lobo!o e o seu significado
<~!; . ~' Cfr. Ivi, 143-158 na Tradição e Hoje, Acta da 5' Semana Teológica, Matrimónio, Beira, 2000, pp.131-170. ·

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MUN T U iS M O
180 1 P 1\ L A B R E C O H "S A B lo s ''
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lnhambane e Maputo. Como os acordos de paz muitos retomaram às suas ten-as e . plenitude, da memória, da transmissão elo património cultural,, dos conhecimentos
reconstruíram as suas casas. Os e1os f arru·1·iares começaram a recompor-se 389 . . e da experiência. Quando um indivíduo morre em idade avançada, corri mu·i~a
Uma .etapa fundamental do ciclo vital diz respeito à doença e às curas. As descendência, na sua casa, circundado pela família, com urna boa reputação
gerações passadas tinham as c~ras tradicionais como único remédio contra as ·econ.ómica e social, a morte é considerada boa. Quando estas condicões ~ão k~ :
doenças. Lerma afinna que para a sociedade Tshwa a doença tem sempre uma verificam, a morte é considerada uma desventura. Se o ancião\mbrre
,
i~feliz , as~~
'I,
caúsa que deve ser descoberta. Actualmente recorre-se sempre mais à medicina . !norte é causa de males sem fim, tornando-se necessáriÓ um sacrifício de
1

moderna, nos vários centros sanitários, onde existem, todavia, pouquíssimos · expiação. ·\ \ \

médicos e muitos funcionários administrativos . A famflia inteira deve participar \do funeral. A comuijica~ão frequentem~nÍd. .
Os Vathswa classificam as doenças em: naturais; provenientes dos antepassados; a~ontece com o toque de tambores. 10 corpo é sepultado j ~mtarhente co~ objectos
. . 1 ' ' . 1\1
causadas pelo comportamento cio próprio doente; causadas pelos outros (inveja, do def unto e na f ossa são Jogados perfumes e pó ele ,talé0, depois todos 01>
' 1 . q·'
ódio, etc.). Quem deverá ctescobrir a causa da doença é o Nyatihlolo, uma pessoa presentes colaboram para deitar a terra na fossa até cobri-la. Por fim procede-se ia
·dotada de qualidades psicológicas, morais e rrústicas. Indica as causas da morte, um pequeno elogio fúnebre. Depois todos se dirigem à casa dJ defL;nto; lavarn-;k,
os ri tos de r~conciliação com os mortos e as penas ou indemnizações requeridas as mãos num recipiente de água que contém algumas poções elfinalmente, sei·v~~ .
7 ,
.- o .\ 1
aos cu1paclof . se uma re f e1çao. s parentes observam um período de luto de \Um ano. Oito dias
após a morte celebra-se a cerim~nia de dep?sição ~das flor~s sobre o túmulo \ \
1
O especialisJ'a ela cura é. o Ny(\nga (curandeiro), que faz as suas cerimónias com 1

muita ênfas~, para criar um int~nso clima rrústico. · Outras cenmomas ocorrem depois de 30 dias, tres ou seis: meses, um ano') .
Outro espe~lista dos ritos Illágicos é o Noyi (mago ou feiticeiro), que causa conforme os costumes locais. l ' '\:
doenças e o~\~as adversidades e é muito temido pela comunidade. Por fim, na terceira parte, Lerma trata da dimensão religiosa. Adverte cJe início ai 1
, r1

Normalment~, os ritos ele cura acontecem de noi~~, perto do fogo, com o doente sua intenção de marginalizar a terminologia humilhante frequentemente usada nah
descrição da religião tradicion~l'~?ticana. As definições de anitlusmo, feiti~ismo, \.\
1
circundado por parentes e diante do curandeiro. Dançarinas e tocadores de · .

tambores criam um clima espiritual muito intenso enquanto se invocam os totemi~m,~, ances,tralismo e. ~~gi'1 baseiam-se .em dados .~al\ co~hidos. Lerma·\ ; [
antepassados. Com a cauda de um animal na mão direita, o curandeiro opera os afirma. El fenomeno rehg10so 1 como es v!Vldo trad1z10nall'llente por los ,\!\ 1
VATHSWA es la religion natural .Y tradicional, que fue co~servada y trasmiticta'. . \
1
seus 1itos de cura. No fim agradece-se ao curandeiro com dons e dinheiro e
cortam-se os cabelos de quem foi curado, reintegrando-o na sociedade.
390
,oralmente por generaciones sucesivas hasta nuestros días"' 91 . A âefinicão
,
mais \1 1 • ' I
A última etapa do ciclo vital é a morte. Os Vatshwa têm grande consideração pela partilhada é Religião Tradicional Africana (RT A), que contém· as seguintes :i' \
. '9? ' l
velhice e consideram-na uma meta almejada por todos porque é tempo da verclades: crença num Ser Supremo, cnador e senhor) -; nos antepassados, seus . '

"''Cfr. Ivi , pp. 175-195 '" Ivi, p. 744


""Cfr . lvi , pp . 197-223 '" Lerma , na sua obra Religiões africanas hoje. Introdução ao estudo das religioes
----·-----·-··~ -1.._ I _ . ·- --· .._ - - -

;'. :~::\82 - j · P!\LABRE COtvl "SABIOS ' . ./\FR ! Ci\NOS ]VJ U N T lJ .! .': ~,J O J 183
;:: ·-.-:-·;-·- ·~ ·-.l·---·- · ·· - -·-----··-·------ ---····--- -·
f -~

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1·urt
'''r
1
intermediários; em outros seres espirituais. Prevê _igualmente normas de Tinguluve (espititos dos antepassados) e qualquer Moya, Muhefemulo (espírito
.. compórtamento ético e proibições. Lerma afirma que na base da religião vital, alma). Deus criou os animais, depois o homem e a mulher, sobre os quais
. ·1 . . tradicional TSHWA encontra-se uma visão vitalista, segundo qual o universo é infundiu o Moya (espírito vital), tiveram filhos e multiplicaram-se. O primeiro
pl~no de forças vitais que mantêm a sua consistência e dinamisrno . A religião
393
homem foi aquele que, diferentemente dos animas, construiu a própria casa. Por 1

TSHw A.àbraça todos os aspectos da vida e não prevê separaçao entre sacro e um desacordo entre o homem e a mulher 395 ambos perderam os seus poderes e ç
profano. O espaço ela prática religiosa é a farm1ia e todos os parentes têm a começaram a ter necessidade de intermediários para relacionarem-se com Deus.
obrigação de pmiicipar. Muitos fenómenos naturais são considerados teofani as, . sem cair no animismo,
Os antepassados são a pedra a_ngular da religiosidade TSHWA, por via dos quais porque a nenhum destes fenómenos se atribui uma divindade. A Deus deve-se
os Vatshwa entram directamente em contacto com Deus. É necessário, antes de obediência, respeito, fé, temor e amor.
· mais, consultar o adivinho (Nyatihlolo) para conhecer as modalidades do O nome exclusivo de Deus é Nungungulo, embora existam outros nomes tai s
' sacrifíCio e proceder todos os, preparativos, que podem requer até muitos dias e como Xikwembu (espírito supremo), Amatilo (que habita os céus), MuV&ngi
dinheíro. São sacrificados animais cuja carne é dada em parte aos antepassados, (ciiador), Hosi (rei , chefe e senhor), Nwinyi (pa trão, dono) entre outros3%
·. cabendo a outrà parte ao celebrante do rito e aos participantes da cerimónia. Existem regras morais que regulam o comportamento, a vida púbbca ou política e
. Tocam~se. tambores..
e outros instrumentos, começam as danças e a festa prolonga- a vida sexual. Lerma indica a linha vital que prevê: Deus, antepassados, outros
se pela noite dentro até à manhã do dia seguinte. O sacrifício tradicional dá-se na defuntos, outros espíiitos, todas as pessoas vivas, a natmeza.
· passagem dos ciclos vitais, por motivos de viagem, para a colheita ou quando os Para que um defunto se torne antepassado é necessário tomar em consideração
394
. antepassados requerem-no por via de uma comunicação nústica . três factores : linha biológica ou parental; linha ética e de comportamento; posição
A concepção religiosa dos Vathswa responde aos interrogativos fundamentais e social ocupada antes da morte.
universais acerca da ,origem, sentido e fim da vida·e ·sobreviveu a todas as provas Na visão global da religião dos Vathswa, a pessoa~ um ser em relação horizontal
.. da história, desde ·o tráfico dos negros; o domínio colonial, as condenações da e vertical. Desta relação nasce o '·sentido comunitário da vida. Nada existe senão
te
1, ~-
,·;
· parte do Islão e do cristianismo, às perseguições da parte da revolução marxista- em relação vital com os outros, a, yida não se desenvolve sem esta relaçã~. a
leninista e da actual globalização. · geração passada e presente formqmi uma só comunidade. E Lenna, cita Mercy
· A criação pertence apenas a Nungungulu (Deus), o único ser tido por Muvangi Amba Oduye "Sólo nos conocemo~ verdaderamente a nostro mismos siendo
, (c1iador). Ele .é igualmente pai (Dadani) e omnipotente (Wa Ntamu Wontlhe); é o '
fieles a nuestra comunidad passada y presente. Los éxitos y los fracassos
Xikwembu (espírito) superior a todos os Swikembu (espíritos bons ou maus), · personales tienen poca importancia". 397
Em conclusão, a religião dos TSHWA é um fundamento da cultura dos Yathswa.
: Jv1oçan:ibique, Paulinas, Maputo, 2009, nas pp. 121-130 mostra como em todas as etnias de .
. M~çambique existe uma fé monoteísta . "' Devido às mortes do seu cão e do seu gato.
, "'' Cfr. Ivi,p. 245 ~- Vide a lista em Ivi , p.269 .
. ,., Çfr,. lvi, pp. 247-258 1
Ivi, pp . 277-278.
"
1 ,
' i
181 I P A L .'\ fl 1' F C ü ,\l " S ;\ B l U S '' A.Fi\!CA\O .$ li i 1
. M U i'FT ij .i S M O 1 185

·. ,.

( -)'.
d) Acultura dos Vacopi (Changana!Chope): Adriano Langa famDia). Langa é muito crítico no confronto de JLJnod, pois o ultimo faz passar ·~
C>)I por factos o que são simplesmente hipóteses levantadas por um etnólogo. :1
400

r- ' . - Fazemos agora alusão à terceira etnia presente na nossa p~ovíncia, a dos Vacopi. A categoria mais importante na RT · é a dos tinguluve - de ~odo que muitos 1; 1

Í ; 1 1tl
Para este estudo baseamo-nos na obra de outro grande "sábio": Adriano Langa: chamaram a RT "culto dos antepassados" - que Langa define com estas palavras: '. :
( .1 Questões cristãs à religião tradicional africana - Moçambique,398 e .ein vários "Os tinguluve são ascendentes familiares, clânicos ou tribais, qule desempenham, :!. i .1
r< encontros mantidos com o autor, quer por motivos académicos (por via de
1
entre outras, a função protectora dos seus descendentes vi vos. :. e esperam dos li!
• 'j
';
Í /; __ _ conferências havidas na Universidade Pedagógica Sagrada Família - Maxixe) seus descendentes a lembrança, através da oferta ele sac1ifíciosl ein sua ·honra é li'. i j
(,.--' ·.--. quer por motivos pastorais, pois Adriano Langa é também o bispo da diocese de memória. Dos vivos esperam taml;Jém receber o suste\1to: \ ahmento, · casa,
1
'. · .; ·
Inhambane , · etc_,, .401 Todos os mortos sao
vesituano, . luve.? p ara Junoc,
_, tmgu ':1 a resposta
· e., s1111
. .402 1 ··1
A obra da qual nos ocuparemos é um estudo acerca da cultura changana/chópe, Entretanto, as criancas não o são na verdade porque não podem exigir culto para : : \\
( ;' • , .. , 1 11 1 ., ,
uma etnia que se encontra a sul da província de Inhambane e se estende até ao rio s1 propnas. i , · 1 ' .. .

( \,~
Limpopo. Outro elemento importante da RT é o Noyi/Inloyi ("feiticeiro" o~ bruxo), alguém ! ' i 11
Í1 .~ . Laríga faz um estudo da Religião Tradicional (RT) com o intento de favorecer um que desde a nascença (algo de ontológico) pode realizar acções \maiéficas. É um ·\ i i
(.1 - cliálÜgo com a religião cristã, seguindo a clássica metodologia das três mediações: poder transmitido por via da mãe. O seu objectivo é prejudica\· outrem, pois é 11:
r . -- sócio-analítica, hermenêutica e prática. movido pelo ódio e pela inveja. Pode matar outras pessoas e e~cravizar as suas ;! : \
( 1 r- almas, passando a ser chamadas xigono/tchigono. Estes espíritos, executam todos !, 1
Ini;ia com a descrição do fenómeno da RT no contexto changana/chope;,partindo os planos dos Noyi. Quando um xigono é capturado pelo exotcista (Mufembi) ·I :\
( 1
da ideia de Deus, os sinais da sua presença, os seus nomes (indica sete, embora denuncia subitamente o nome do seu mandante. Para contrastk a intervenção 1i 1
.. :
í (-
í ,-.
não • todos adequados, como por exemplo, Hosi); -ós Espíritos, comparando o (f~ita a distância)
do, Noyi é ne,~~~~~i~ uma inte~venção levad~ a cabo P~[ um l~ -:f J
conceito ocidental dualista àquele africano. Lamenta a falta de uma filosofia sobre n auga/nyanga, atr~ve_s de uma cen ~oma de exorcismo. ·1 _ ,! , {j
( \ -~
o homem africano, sendo por isso difícil definir o espírito na RT. Existem apenas 1 . , .\
Entre os cultos mais IIDportantes cbnta~se o l'vfüamba (sacnf1c19): 'os cultos nao ti I ','.i
( , ,-
filosofias acerca dos negros africanos, mas não feitas pelos negros !399 Os são nacionais, mas clânicos, exist~do até farru1ias que não pf;atiçam. Atravé·s li! :;(:;1
í ) -. espíritos dividem-se em xikwembu (espírito), nguluve (antepassado que se 1 i :\ \ · 1
::

man'ifesta dentro da farru1ia) e xigono (antepassado que se manifesta fora da i !. i1 1 t,,,,


•• Cf~ . Ivi, p. 53. Por exemplo; quanto às possessões de jovens iniciados, Junod misturou as suas 1· -~:
r {.- . observações com as interpretações relativas a outras realidades africanas. , 1 1 1~ .
'"' Cfr. Ivi, pp.56-57. O autor tenta uma explicação da realização entre os dois significados de . 1· ~[
nguluve: antepassado e porco . Tal como o porco é um animal de fácil domesticação, pouco e,xigente . j;
e porque ·vive em áreas abertas, exposto às intempéries, o antepassado é igua [mente pouco exigente, "'.:.;•. '_!.

-,
( :. "'" LANGA A, Questões cristãs à religião tradicional africana - Moçambique, Editorial
J'
permanece preso numa árvore e exposto às intempéries. Outros nomes que figuram são: vakhal~ . ·
Francisca na . Braga, l 992.
(mestre de sapiência) e vakokwani (avós). ..: . :.·.··. -.t.·.•.:,:.. .

... Cfr. 11~ , p. 21 .,, Cfr. Ivi pp. 58-59 ..


· ::-:.':; .'. Rt
1

_:_::~:/:~_:>. r .
! ·· • - · - ., -- ~ -

M 1; N T t i S M O 1 187

dest'~ rito, os descendentes exprimem o seu amor e memória filiais. O sacrifício


403
Comun~dades Eclesiais de Base que tiveram muita prosperidade na América
~:.':,. {presidido pelo chefe clânico ou pelo nyanga/nianga . Latina.
-o.~itro ·ri.to igualmente importante é o Swikwembu ou Tingoma (por vezes Para a explicação e compreensão da RT, Langa reccme às ciências humanas e
confu11dido com o rito dos tinguluve). Junod denomina ·este rito como "toque dos particularmente à Parapsicologia, porque em sua opinião, "até o presente, só ela
tambores": com um "barulho infernal" obriga-se a revelação do espírito qué ve_m foi capaz de descer assim tão fundo para auscultar o mundo que as ciências
clássicas não só não foram capazes de explorar suficientemente, como também
expulso do possuído.
· l Outra figura importante é.a do adivinho (Muihalhuvi). tentaram e tentam ainda justificar o seu 'snobismo' negando a sua existência".4º6
rc
Em conclusão, Langa apresenta a RT como um sistema coerente de referência que Langa recorre à Parapsicologia porque se presta a explicar entre os factores
· corresponde a uma determinada cosmovisão do Homem changana/chopi: uma basilares da RT: 1) a possibilidade de comunicar entre os vivos e os mortos,
unidade cósmica e um sistema dinâmico. justificando a possibilidade de uma comunicação misteriosa entre duas pessoas
, Qual será o futuro da RT? Langa responde que se trata de um problema que diz (sugestão telepática) . Para Langa continuam justificados os possessos, aqueles
1 .: , resp~ito a todas as religiões e,,não apenas à africana: ''O futuro ·perspectiva uma · que entram em transe, transfigurações, aparições, etc., 2) a existência ou não de
solução inevitável. Isso não .deve significar um fatalismo, mas sim um poderes ocultos: a parapsicologia admite a "telargia", ou seja, a transformação da
, engajamento de todos numa busca de síntese entre aquílo que é cultural e somos energia física, temporal, como a telecinese e a fantasma-cinese; 3) o adivinho: a
tradicionalmente, e aquilo que desejamos ser numa cultura técnico-científica".404 parapsicologia admite a percepção das sensações (hiperestesia) e as percepções
extra-sensoriais, como a clarividência e a telepatia. Admite a existência cios
1 ·· ' 1 Na segunda mediação (hermenêutica) Langa tenta uma leitur-a da RT através do médiuns, pessoas dotadas de percepções particulares que as tornam medi adoras
: evangelho e das ciências humanas. A religião cristã apresenta quatro objecções à entre duas pessoas. E Langa conclui afirmando que "entretanto, em todas estas
RT: a , figura de Deus é d~ficitária, não vem caracterizada claramente; . os dimensões a RT tem muito a dizer e ensinar · ao cristianismo sobretudo na
vivência, no concreto"; e, fi1;~írrfente, a p~apsicologia clemon~trn que 1~ii RT
407
' intermediários (tinguluve) tomam-se seres quase divinos, tomando o lugar da
'. divindade que devem mediar. 405 Mas Langa fa~ notar justamente que este desvio existe algo de verdadeiro e isto abreiespaço para a pesquisa. '. ('
!
1 sucede também em .outras religiões; quanto à pessoa humana na RT não existem
1
: i ,IC
pessimismos nem dualismos: continua aberta a questão da liberdade do Homem Na terceira mediação, a prática, Langa tenta esboçru· uma teologia da!inculmração.
africano diante da RT; por fim, acusa-se a RT de ser apenas comunitária, em O ponto de partida é que todas as culturas humanas são portadoras de uma k
('
, detrimento do indivíduo, mas Langa compara o culto comunitário da RT às · mensagem divina e tal é inegável. 408 O problema central diz respeito à relação
(
entre a cultura e a mensagem cristã, por isso é necessário fazer urna
:(
. "'' Cfr. Ivi p. 78 ·~ Jvi, p.147
•• Ivi, p. 135 •" Ivi,p .1 80 ,(
." ' lvi, p. 149 •• Cfr . lvi, p. 243 (
·":::
l)
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1
1

l !. " . .:1B8 1p /1 L A B R E COM ·' S Á H l O S ,. /\ F R J C /\ N O S : ,1


ML\ NTCÍS!\! O 1189.

' -:~

c-1: ... · · · - . Todavia , Lancra


d1scnrrunaçao b
critica tal prática pelo
. .
modo
.
em que foi operada seu tempo o ?Cidente. Langa lamenta que "não temos orgulho em,podermos falar ,,
;~ ..:.....,.
. amcana
de uma teo 1agia J::.
em Moçamb.1que,,411 . 1 , o_;:

( : por parte de muitos missionários, pois ger.ou, na ma1ona . dos casos, ~e~ultados . 1
1
.~
1 q1
l ) ·. desastroso,.S No Pass ado ' a Santa Sé interve10 frequentemente para corngir certas E conclui que "a pedra de toque" para analisar a cultura changana/chope é a
pessoa humana plenamente realizada. E o evangelho liberta a p~ssoa humana e : 1 L
412
descricões
, . muito pessimistas feitas pelos missionários . . Langa exorta certos
( >; .. · · , · 0 s a mudarem de profissão ao invés de permanecerem . nas suas a faz crescer mais .41 3 i1
rumoom
í :1 -, · - ' 'i
perdendo tempo e saúde. Quanto à "conversão" dos afncanos ao 1
russoes, . . r!
1
í i: cristianismo esta deverá ocorrer sem renunciar à própria personalidade mais 11

!.'.i; ,
profunda ";nde repousa o seu próprio ser que não .Pº~~ ser alienado". ~ A
4 e) A metodologia da Sage Phisophy. i!1
:i::
,, 1 i
conversão deve ser "consciente"' dito diversamente, o mdlVlduo deve saber dizer 1 1
No trabalho de entrevista aos "sábios~\ recorremos à metodologia da filosofia · ..r.-
l,1 conscientemente adeus aos próprios "ídolos" para não ter remorsos no futuro . . _ !
A evangelização deve conhecer a RT de modo que possa expor a mensagem cnsta
africana proposta por Henry Odera Oruka na sua famosa obra.Sage Philosophy. 11.: ...
ci com toda a clareza, e dei xar que se realize o diálogo entre a pessoa e o evangelho.
Indigenous Thinkers and Modem Debate on African Philosophy (Filosofia da . 1
1 '
'. i;
.1-'
i .:,_
( , Sageza. Pensadores Indígenas e Debate Moderno sobre a Filosofia Africana). 414 1
!
Tudo eleve ocorrer num contexto comunitário. ,1'•!
e· ,..-, A i~c ulturação autêntica deve ser feita em profundidade e não limitar-se à solu?ão Neste livro Oruka propõe-se legitimar um método da filosofia africana que não
r. do~.:problemas quotidianos. Os passos a seguir são: p~meiram~~te, ~edescobnr a
siga os cânones da filosofia clássica europeia, mas parta da vicia e ao pensamento
dos "sábios", depositários da sapiência e, por conseguinte, da fil~sofia africana. 11
C1 cultura tradicional , porque para inculturar o evangelho e necessar10 que esta exista 1
1
...
Limitamo-nos a expor esta metodologia: e aplicá-la na pesquisa que levamos a
C1 e tenha consciência de si própria; e quem deve redescobrir a cultura moçambicana
'i ! }
~
4 10
(' , ... são os próprios moçambicanos. Esta reconstrução não deve significar um
cabo com cerca de duzentos "sábios" entrevistados, que vivem rio tenitório da
Maxixe, Província de Inhambane, sem entrar, pelo menos por ora, no debate a
1 1

: , 1
i:j;J.
·:: i
r ·) _.. "regresso" ao passado, "ressuscitar os mortos", "purismo", mas reencontrar o respeíto do fundamento e legitimidª~e ldeste procedi~ento. i
' ii" ~

ver~ladeiro sentido e a história de muitos gestos e fazer uma síntese entre passado
-1·

e e presente. Será o próprio povo a levar a cabo esta operação, aju~ado por
Simultaneamente, cientes das crítica~i dos filósofos africanos aos. etnofilósofos,
1

e.·· . "especialistas". Por fim; Langa recorda que a teologia é a fé que_ se i~terroga procuraremos evitar os erros do "unáriimismo" e do "anti-oralismo". O primeiro,
, 1 '
Í · .-·. dentro de uma cultura, e não a tradução em língua local de reflexoes feitas por
,r 1
1

i ·i
( ' ._ outros. Existirá uma teologia africana quando se utilizará a simbologia, imagens e "' lvi, p. 231 1

í , .. conceitos religiosos africanos para pensar a fé em Jesus Cristo, assim como fez a "' Cfr. lvi, p. 242 . ,.
"'' Uma observação crítica que podemos fazer ao texto de Langa é que para I, legitimar alguns
e aspectos da tradição africana o autor tenha recorrido a uma pseudociência, cpmo é o caso da
"" lvj,p.2 l3 _,, . .. 1 parapsicologia. A tr.~dição africana nã~ deve .eximir-se da crítica racional. SÇ uma tradição é
"' Depois da independência in iciou no país uma "reconstniçao .cultural. Todavia, a este proposlt~, verdadeira, a razão não fará mais do que reconhécer o seu valor. '
( 1 Severino Ngoenha afirma que "A independência não nos reconci/1ou com as culturas trad1cwnais , "' ORUKA H.O., Sage Philosophy. lndigenous Thinkers and Modem Debate on African Philosophy,
em Das Tndipendências às liberdades, Ed.Paulistas, Maputo, l 993, p.l 12 E.J .Brill, Leiden, 1990, pp.278
l .'
- ~-. -- _.,!_ , _ _ _

~r~:j~~1~tti~ttü ~.·

i~~{iJéJ~''.A_,:_:~_R_E eº': :::_À_'_'_º,_..~' R1e ANos . . ....... \'! U N TU i 8 M () i 191

. ·. amplamente · demonstrado por Hountondji na sua crítica aos etnofilósofos, metodológico: embora a filosofia ocidental seja essencialmente escrita, este não é
. ·consiste em generalizar as infonnações recolhidas como se todos os membros de um factor fundamental para fazer filosofia. Por fim, a escola histórica, cuja
úma determinada etnia pensass'em do mesmo modo, sem nenhuma divergência ou preocupação é clarificar o que não é filosofia africana.
parti'cularidade. Procuraremos evitar afinnações do tipo: "Os ·Vatonga pensam Oruka distingue quatro trencls da filosofia africana: 1) Professional philosophical
qüe .. :", ou, "Na cultura Mathswa o conceito de pessoa é.. .", etc. Outro erro, tex_ts; 2) nationalist-ideological theofies; 3) ethnographical studíes; 4) Sage-
s11blinhado por Castiano, consiste em considerar os sábios que produziram o Phrlosophy. Esta última "consists of the expressed thoughts of wise men and
nosso conhecimento sobre · determinados temas como simples "Informantes women in any given cornmunity and is a way of thinking and explaining the
anónimos", sem identificá-los e caracterizá-los na sua particularidade. Para evitar world that fluctuates between popular wisdom and didactic .wisdom, and
o último perigo, todos os sábios com os quais entramos em contacto foram expounded wísdom and a rational thought of some given individuais within a !('
identifi~ados pelo nome completo, tendo igualmente apresentado 1em apêndice os community". 415 ·

nomes de todos os estudantes universitários que nos ajudaram na recolha dos Oruka indica a metodologia de distinção entre wisdom anel non-wisdom
dadós. O terceiro mo, que definimos "antí-oralismo'', é o de considerar filosófico (sabedoria e non-sabedoria), porque "certain 'statements are wise sayings while
apenas o texto escrito, semdar valor algum à oralidade ou aos "textos orais". Este !(
others are comrnon-place assertions". 416 Distingue três tipos de state.ments: i) wise 1··
· é um preconceito particularmente combatido por Oruka. statements; ii) commonplace statements; iii) foolish statements (i. declarações
Antes de.entrar no .pensamento africano, adverte Oruka, é necessário operar uma sábias; ii. declarações comuns; iii. declarações tolas). É inútil acrescentar que nos
desconstrução, porque o modo africano de filosofar não corresponde ao grego ou interessam apenas as asserções do primeiro tipo, visto as demais serem non-
eürope11. Não é um pensamento nascido sobre a mesa ~e trabalho, mas procede da wisdom
eiperiência concreta do Homem com a realidade; não é apenas um pensamento É importante considerar o contexto. Uma afirmação é sábia quando quem a
racionalista, mas algo ligado à sageza e à pesquisa da .verdade; não um propõe é capaz de dar as razões da sua afirmação: distingue-se deste modo The
pensamento impregnado de lógica, . mas de intuição; não um pensamento ~hilosophic-Sage da Folk-Sage (Sab~doria filosófica, Sabedoria folclórica) . ··,
agnóstico, mas vinculado à religião. Oruka apresenta três correntes ou escolas de E importante fazer muitas entrevistas/ se para a antropologia isto é necessário para
pensamento na filosofia africana. A escola etnológica: a diferença cultural entre o chegar a uma concepção comLm\ 9u
a um consenso, para a sage-philosophy
ocidente e a África é inegável, enquanto o primeiro segue parâmetros científicos e permite ver as diferentes concepções e suscitar o diálogo dentro da comunidade.
i- ·
a segunda contempla interacções de forças, espíritos, etc. O pensamento não é
algo lígado apenas a um grupo social, mas é ligado a toda .uma sociedade, à
. '

1
!
e
sageza: dos antigos. A abstracção, a crítica, são formas de pensar estranhas ao "' "1! Textos filosóficos profissionais, 2) teorias nacionalista -ideológica s, 3) estudos etnográticos, :1
4) Filosofia da Sageza . " Esta última "consiste nos pensamentos expressos de homens e mulheres
pensamento africano, ónde a mente é uma extensão da totalidade do corpo, onde sábios e_m qualquer comunidade e é uma maneira de pe11sar e explicar o mundo que oscila entre a
não ~xiste distinção entre cogito e sum. A escola racionalista, que se recusa a ~ab_e~ona popular e sabedoria didáctica, e sa bedori a exposta e pensa mento racional de alguns
rnd1V1duos dentro de urna comunidade ".(TdA), Ivi, p. 28 .
aceitar que na filosofia africanà haja coerência de pensa;nento científico e "' "Certas declarações são sábias, enquanto outras são afirmações comuns" (TdA), Jvi, p. '29
'1
11
ti
!1 1
rv\ u N T (J J s M n 1 193;, : .
1

Muitos sábios . são capazes de expor as suas crenças e práticas internas à Seleccionamos duzentas pessoas ·consideradas "sábias" da parte dos membros ·de ti !
co~unidade dando uma interPretação crítica. O objecti vo ,da pesquisa é encontrar várias comunidades, ou pelo menos consideradas .pessoas significativas e que '!'.
as '. Soluções dos problemas ou revelar .as explicações encontradas pelo sábio ou desenvolvem um papel relevante no seio da comunidade. Muitas delas são 1[ l
pelo grupo . A metodologia da sage-philosophy deverá s~r capaz de oferecer-nos professores em escolas primárias ou secundárias. Maioritariamehte, as entrevistas i[' i
l )ij:,,-, uma visão totalizante da estrutura de uma crença da comuiüdade. , 1 . N i .
deram~se nas lrn~uas t
oca1s . a nossa cidade ·e· território circ~nstarite fala:m ~se t ; .!
( /" ~;
O investigador tem um papel fundamental e, como um maiêuta, deve provocar o duas hnguas locais (para além do português, língua oficial), p;ois 'para além da i'I i j
1
( ; ',;l sábio informante: "The interviewer is to help the sage gi~e birth to his full views etnia dos Vatonga, falante da língua Guitonga, durante a guerrnlcivil·assistiu-se a! ! '
r . un der cons1'derat1on
on the sub_1ect . . "417
. ' . '
u~a gra~de imigração de membro_s 9~ etnia Mathswa, fala~tes da língua Xitswa. '~ ·
! 1

r Po'.r fim , Ornka convida a escblher preferivelmente sábios "analfabetos'', por não. Existe amda uma minoria.de pessoas da etnia Vacopi; falante :dallíngua Chopi (ou: :
( terem sido "influenciados" pela educação colonial. Em todo o caso, afirma que Co~i). O afluxo do.s Mathswa verificou-se, sobretudo na ~ona m:bana, enquanto a ;I !
"Wisdorn is not a property of the illiterate societies. Is a human quality found in etma Vatonga contmua prevalentemente nas zonas rnrais. 4- 0 j , :1:
. " 418 :
any form of soc1ety . 1
1 i
( ,
OJ ivro de Ofoka continua apresentando várias entrevistas realizadas com vários 2. Compêndio das entrevistas co~ duzentos sábios dos pdvos Vatonga,
' i
( ) sábios sobre diversos temas. '1

Vathswa e Vacopi. :1 !
( ; :-- Cpnforme adiantamos, limitamo-nos a aplicar a metodologia proposta por Oruka 1
, · l : .i ·H
( ! (a'ssim como a ele Alexis Kagame, em Filosofia bantu comparada) sem colocar No prosseguimento da noss~ pesquisa sobre. a ideia .de ipes~oa , nas culturas 11\
cA1"-- em questão a sua lcgitimidade. 419 Vat:onga e Mathswa e Vacop1, .apresentamos de seguida, comei já adiantado, a 1 1

r 1i!'l~
,\
metodologia sugerida e utilizad~ P,,º r Alexis Kagame, Odera Ornb e tambéip por ri;, .

~ \:,
Amaral.Bernardo Amaral. :' } 1 { .1 , :
;,, "O entrevistador ajuda o sábio a dar à luz os seus pontos de vista completos sobre o assunto em Como indica Oruka, os "sábios" .,s~9 homens e mulheres signific~tivas no seio da 1 :
:~·: !,.
caJsa" (TdA), lv\, p. 31 coámnidade, muito respeitadas, <;Uj~s nomes são apresentados qbai{(,O, como fez il i
'" '.' A sabedoria não é uma propriedade das sociedades sem escrita,. É uma qualidade humana
encontrada em qualquer forma de sociedade "(TdA),lvi, p. 32. Oruka reconhece que existem sábios
Kagarne e segµndo indicam Oruka e Castiano. As profissões ~u~ estes sábios ,j:
que receberam uma educação moderna , como Julius Nyerere, ou Mahatma Gandhi, na lndia. A ex~r~em são __dive~sifica~:s: professo~es; lídere~ religio~os ;e comunitá'.i9s; :i; .,
maior parte dos sábios entrevistados recebeu uma educação "moderna". Ademais, nos dias ele hoje mechcos trad1c1ona1s; anciaos conselheiros; artesaos; etc. Todis as entrevistas ;j:
sãd as pessoas mais influentes no seio das comunidades. As autoridad.es "analfabetas" são cada
vei mais reduzidas e prevalenternente presentes nas wnas rurais, ioride ·o nível de instrução é 1

relàtivamente baixo. . . ,, . .....,. . . . . ' 1 . . :. ·:


"'. Para aprofundar o debate acerca deste tema Cfr. HAUEN B., A Short History of African '"'No que toca às nossas celebrações eucarísticas: na cidade, para além do ?Qrtuguês;.as leituras ':!!
Philosophy, Bloomington, 2002, pp. SO-SS; KALUMBA KM., Sage Philosophy: lts Methodology, são feitas também em gitonga e. em .Xitswa, enquanto nas comunidades periféricas 'celebramos .a
Results, Significance and Future, in WIREDU K., A Companion ..., o.e., Pip .274-281). eucaristia exclusivamente em língua gitonga. · ,, , ·
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r._;·_~I_:· · ~I~~·~~~f~~~~~:~:~~:;,~~:E;~~~:;:ê:º:eM::::::,:. j~:~:e:ted::m d:


Um indivíduo não é pessoa (oyu khandri muthu) quando não age segundo a
424
razão. Embora a opinião comum encare o ser pessoa ligado às próprias acções e
. 425
ao reconhecimento da comunidade , há qüem considere qne para ser-se pessoa
· · nascimentó, etnia, referência• dos estudos realizados e da educação recebida, basta ter nascido e pertencer à espécie humana e entre as qualidades requeridas
situação familiar (estado civil, número de filhos ou de esposas ou maridos, etc.), basta respirar e ter vida, independentemente das acções e comportamento em
profissão·· ou papel que desenvolve no seio da comunidade e a religião qué relação aos outros, de modo que um louco que ignora as' leis sociais é i aualmente
e
426 . . b '
(
professa. Cada entrevista consiste num diálogo (palabre) na língua local, sobre pessoa. Podemos contudo considerar que . esta opinião, embora interessante,
, quatro temas particulares e em relação entre eles: as ideias de pessoa, resta isolada enquanto, como veremos, a comunidade tem um papel fundamental
· comunidade, Deus e educação. Ao longo da nossa exposição, prestaremos atenção na definição de uma pessoa como tal.
particular à ideia de pessoa. · Outro aspecto importante na definição da pessoa é a liberdade e vontade. À
pergunta "a pessoa é um ser livre ou determinado por algo/alguém?" responde-se
É surpreendente notar a semelhança da palavra pessoa nas várias línguas bantu: o em modo divergente. Há quem considere "que a pessoa é livre, não é determinada
munthu, precedentemente descrito, é denominando ·muthu na língua gitonga, por ninguém e por nada. Ela é um ser vivente existente na tena, tal vez a única
munhu na língua Xithswa e im 'ntu ou in 'thii na terceira língua da Província de coisa que a pode detenninar seja a divindade, mas mesmo assim a divindade não
Inhambane, a língua chope, falada pelo povo Vacopi. Muitos Vacopi encontram- tem dev_er de cobrá-la nada porque a vida é dessa pessoa".m Liberdade absoluta,
se na cidade da Maxixe por motivos de estudo e de trabalho e representam a determinada por ninguém, nem mesmo Deus. Há, entretanto quem afirme o
terceira etnia mais numerosa, depois dos Vatonga e Mathswa. contrário, ou seja, "que a pessoa não é livre, é dependente porque não pode fazer
Das entrevistas resulta que o requisito comum para 'ser-se pessoa é a posse de apenas o que quer, mas depende de outras pessoas, de um grupo de indivíduos
qualidades e valores aceites pela sociedàde. Caso~éontrário, tem-se apenas um que traça norinas morais de convivência e que devem ser consideradas, caso ('
indivíduo e não uma pessoa. 421 O que torna uma pessoa tal não é uma qualidade contrário o indivíduo não é consi~erado pessoa, mas é guitandra valayi; não e
428
· em si, mas um conjunto de qualidades reconhecidas,: ligadas à comunidade. De educável". Em síntese, uma; ' :'pessoa dentro de uma sociedade não é
. 1
l'ivre, mas o e'' , dpntro
facto; a condição primordial para que se considere pessoa é a convivência confos comp1etamente de certos limites. Trata-se, então, de
semelhantes e o respeito das normas de convivência social ...Um ser é pessoa
graças às suas acções: se forem acções boas diz-se que "este é verdadeiramente "' Cfr. Augusto Chelene, nº 34
uma pessoa".422 Uma pessoa é tal se tem plena consciência dos próprios actos: 423 "' Cfr. Agostinho Jossua, nº 8
"' Podemos sintetizar a op.inião mais difundida nas palavras concisas de João Constantino< .. ,,
"Pessoa é um conjunto de qualidades e valores aceitáveis na sociedade e o contrário disso seria -/'.:: . ,
"' Cfr. Intervistado Pitorane :tvlatavela, nº 163 da lista dos entrevistados. Doravante os apenas indivíduo ". . \;:~;e~;~j;:;f?;
·entrevistados serão citados apenas pelo nome eni'itálico e pelo nº torresponde~te mi lista. · ''" Cfr. Teixeira Carlos nº 191
1
>. .;~'"*··
:.:,.l_;,,::.:\'·'
~ i[.. ;::·.;·~, .. ~ . .
',-,

'." As qualidàdes mais recorrentes entre os entrevistados são: respeito, honestidade, simpatia, sa_ber "' Cfr. José João Maguirimussa, nº 109 ., ·
s·audar e relacionar-se bem com os outros. ' . "' Cfr. Lourenço da Silva , nº 11 8
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, 1~6 1 P :'\ L A B R E C O M. " S ,\ B l O S " AFRJCAN05 ' M U N'r lJ i S MO 1 197.

r ,
(
429
( liberdade dentro de parâmetros preestabelecidos. Uma liberdade conduzida por independentemente de o ser no -qual se crê ser ou não chamaçlo Deus. 435 Com ,
( unia força inteligente, porque é a inteligência que guia o caminho da vida da efeito, antes de uma escolha "confessional'' existem outros 1 parâmetros que ·,
. '1)0
pessoa. determinam o ser pessoa, nomeadamente a comunidade a cultura ·a tradicão. O· '
( ' 1 ' 11, .> •

Emerge claramente que a liberdade pessoal é "condicionada" por regras sociais africano é um ser essencialmente religioso, independentement~ da religião que , :
( J ,_>_
que determinam as condições de possibilidade da liberdade. . professa. Mas, mesmo sem professar alguma religíão, nos momentos mais difíceis 1'
( A definição ghe se pode traçar destas entrevistas é de pessoa como um ser social. sempre recorre a Deus. Pelo facto de ser racional, a pessoa sabe tjue,existe alguém jj 1

( ,. - Uma pessoa é, por natureza, um ser social e não seria pessoa sem a existência do que a criou. Existe também a falta de fé e este facto é consjder~do . um problem.a jl'
436
' I'
.,
,,
1'

( ' outro . O outro torna o indivíduo pessoa: "um indivíduo não é pessoa sozinho para muitas famílias . Para uns, é possível ser pessoa. rpesrno :,sem fé, mas ;1 '
i. ,:
.,.....:..... porque este {parte integrante da comunidade e sendo um ser social deve saber reconhece-se que seria melhor ter fé em Deus. De facto, sehl ·a !condução divina 1 :1' '
··\
.~

( ~,;, . conviver com os outros''. 431 Uma pessoa é tal na medida em que sabe envolver-se não é possível discernir o bem do mal e por consequênc_ia, será fllalS fácil cometer , , :1

eni actividades sociais impor'tantes para a comunidade, .como são os casos de ma1es.437 , ·1
1! ' '
1 !\
(
Na falta de um guia divino pode-se orientar igualmente comi ba~e numa boa ! !
432
pa_~ticipar aos'funerais, às reuniões da comunidade e aos ritos religiosos. Viver
( -- em sociedade é essencial para ser pessoa: quem vive sozinho é mal visto ou educação familiar, respeito pelas tradições e pelos .outros. _A lfi divina é vista li.
( co,_~siderado um doente, porque até os loucos buscam companhia. Todos têm
433
como ocasião para purificar os ensinamentos da tradição: jquando o bom :
necessidade dos outros. Até o morto, para ser sepultado, precisa dos outros. A coniportamento se conjuga com a fé, a pessoa adquire muita: credibilidade e 1!:
( ; s~sialização começa na farru1ia: para a tradição africana, quem não tem familia respeito .no seio da comunidade. · i .1 ·, i.
( 1 nãó é alguém, ·não pode ser auto-suficiente, porque ninguém nasce por si próprio e Pessoa e Hornem sao a mesma .cmsa . termo que rn ica orpem e o .mesmo ·1 ,
- . ? O . d' H l , , ·I

i-
( J :-'--- ninguém tem o direito de isolar-se dos outros. (muthu/munhu), no sentido de ser humano. Se. se quer indicar io ~ornem como
(
Os: nossos entrevistados foram interrogados também sobre a relação entre ser género masculino, o termo em gitonga é mwama e emXithswa é!wanunai; para a li· )1
pessoa e a fé em Deus. Há quem argumente que antes de se crer em Deus é fêmea diz-se, respectivamente, nh~'fitayi e wansati. 1 . ""1 ;; :{
(
1.
J•L.
necessário crer nos próprios progenitores porque são os encarregados de Deus Homem e mulher são ditos vath'u, ')'gitonga). Por -homem enten~e-se, não quem .i 1 >;
r
\
"!'. pata dar-nos a vida, sem a qual não existiria a pessoa e sem esta última não tem muitas esposas, como se perrsa tpopularmente, mas quem sa?e conviver com : 1
( ' "- 434
existiria fé em Deus . A fé em algo de sobrenatural é essencial para ser pessoa, os outros racionalmente.
438
. . ·. l 1 .\ • ;
\li~,
( Ser pessoa vai para além de ser Homem porque é algo 'ligado ao bom ·Í I
comportamento, à moralidade e à boa convivência. . 1;
"' Cfr . .Jeremias Julião Macuacua , nº 92 1

·~ Cfr. José Dinganhane Chambela, nº 107


'" Cfr. Hilário Guibunda, nº 79 "' Cfr. Maria Luísa Mercedes, nº 133
· "' Cfr . Natália Jamal, nº 151 .,. Cfr. Ernesto Marringue, nº 57
"' Cfr. Sirnião Alfredo Muendane, nº 188 "' Cfr. Januário Maela, nº 90
n• Cfr. Gueze Tsemane, nº 76 •., "Vule agunani mapimo nya yadi". Cfr. Albertina Mário Rombe, nº 10
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A L A-Jl R . l~ C OM " S r\ B I OS ,. .C\ FR ! C!\~40S
M l: N T 1: l S M O / i99

·E· os mortos, são pessoas? Os 'mortos são definidos ndinguluvi (gitonga)' e Deus é _denominado Nungungulo em ambas as língnas, que deveria significar
tin~uluvi (xithswa), seres que têm por missão proteger a farru1ia. Para a maioria Nongo Ngulo, ou seja, grande parente, grande amigo_ 442 Ele tem poderes
: -do; entrevistados;.·os mortos, porque espíritos, não são pessoas, pois após ·a morte particulares (como ser invisível, imortal, etc.) opera milagres para melhorar a
- -. têm outra denominação, a de antepassados (em gitbnga vafis ou valifuto e em - convivência entre os homens sobre a terra. D~us deve pr~ver a chuva necessária, a
443
. xitswa tinguluvi),' que -vivem pelas suas -almas (maphuvo/mimoya). Os paz e a vida às pessoas. A tarefa de Deus é proteger o Homem. Deus se revela
antepassados são pessoas que perderam o corpo, mas que sobrevivem nas suas através da bondade dos homens. 444
almas, à espera da ressnrrei~·ão . 43 9 Os nomes dos antepassados são continuament_e Educação: nos dias que correm, têm mais influência na educação dos jovens a
evocados e comunica-se com estes através do iito do ku palha (rito africano no televisão, a escola, a i~eja .. . porque é neste_s espaços que estes passam a maior
44
qual se usam bebidas_tradicionais e farinha de milho). Quando alguém morre e parte do seu tempo. ) Os sábios lamentam o desinteresse dos jovens pela
deixa de existir como pessoa, dá-se o sen -nome aos recém-nascidos para que sejà educação tradicional porque a consideram plena de tabus e pouco clara. A
recordado.4-<W Isto serve quer para homenagear o defunto, quer para transmitir a educação tradicional é confiada aos tios, porque os pais não se sentem em grau de ('
"sorte". do defunto ao novo membro da família.
Estas afirmaçõ·es sobre a ideia de pessoà confirmam em parte quanto reportado
falar dos tabus aos seus filhos, especialmente no que toca à sexualidade. e
Concluindo, Educação é a transmissão de valores dos mais velhos aos mais
pt·ecedentemente ao longo da análise dos vários filósofos africanos.
e
Parece-nos oportuno lançar um olhar em tomo dé outros temas directamente
jovens a fim de prepará-los para a vida. Em gitonga Sihebulo, Milayo e em xitswa
Zuigónio, Milayo. Concebe-se igualmente como um processo de desenvolvimento
e
ligados à ideia de pessoa, como são os casos de comunidade, Deus, educação. (gondziselo; ku kula crescer, em xithswa) das capacidades físicas , intelectuais e e
o termo comunidade é traduzido em várias formas e não há consenso 'sobre a ("
morais da pessoa, visando a sua melhor integração na sociedade ou comunidade.
definição ofidal que vaiià entre libandla ou tsa wai :em gitonga e tla wa e bandla Em síntese, os nossos entrevistados insistem, não tanto na instrução, mas na e
em xithswa. -Por libandlaÍbândla -entende-se mais ,precisamente a' comunidàde educação moral e em como viver bem em sociedade. A educação deve preparar 0 ! ('
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'l .\ . l . . ...,. . ·' . ~-
religiosa, o lugar no qual as pessoas se encontram para tratar de temas religiosos, JOVem para enfrentar a vida futur~, (espe1tar Deus e o próximo, gostar do trabalho ('
rezar', etc. Enquanto tlà wa indicá a comunidade como união de pessoas que têm e respeitar os costumes do próprio povo. 446 ·
- 1
os rhesinos traços culturais:441 Embora de-forma indirecta, os mortos fazem -parte .' {
da comunidade e querem sempre ser recordados.
Uin' membro da comunidade jamais poderá ser expulso dela, mas deverá ser
recuperado, aconselhado e reintegrado.
"' Cfr . Luís Gonzaga Auze, nº 120
"' Cfr. Miguel Menengene, nº 145
'" Cfr . Hilário Guib~ndana, nº 76. Aqui é evidente a influência da evangeli:ação. "' Cfr. Januário Mae!a, nº 91
-. · "' Cfr. Simião Alfredo Muendane, nº 188 ~· Cfr. Josefa Manuel Matandalasse, nº 113
_ "'Cfr. Augusto Chelene, nº 34 ·~ Cfr . Jertrude Filipe, nº 93
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CAPÍTULO III
r ·-
~ :. Em Apêndice , apresentamos, em cumprimento do nosso dever, a identificação de REVISÃO SISTEMÁTICA E PERSPECTIVAS
( todos os entrevistados, na nossa ideal Palabre, segundo a Sage PhJlosophy e na
r , :;~
, .. · a dos, .Agradecimentos citamos todos os estudantes do
pagm . curso de Filosofia de
(
Educação da nossa Universidade (a.a.2010), que nos a3udaram na recolha das "Muntuismo" : um "novo" modelo teórico de Pes~oa? 1\ \ ·i
entrevistas.
Após ter reconstruído, na primeira parte, a história das ideias 1!concernentes à i,! \\ ::·''
noção de pessoa nas obras dos mais significativ?s filó'sofos afri;can,os, e após a i! 1 :i
!/ ..

pesquisa de campo por via de estudos e palabres corri muitds "s~bios" do nosso :,;
território, interrogados indiscriminadamente sobre o mesmo tema, chegamos à · ,.,, '"
( part~ final, a da revisão sistemática e da reflexão propositiva à luz da conclusão. \\ ''
( .t;~.· A principal dificuldade q.ue e~frentam~s nesta parte foi a de. perfianecer o mais i\: ..i
possível ligados ao objecto material da nossa pesquisa, que é a id~ia de pessoa na il ~
C1~
filosofia contemporânea africana, sem nos deixar envolver po~ muitas outras :f i
( 1'<
re~exões e perspectivas que nos surgiam ~o longo do percurso, d?
tal forma ·que, \\:
( mais do que chegar a uma conclusão, o dIScurso alargava-se .a nu,m"f"SOS outros 1 •. tl ~
ternas relacionados. 1 ! 1\ 1.,\
Tentamos oferecer uma representação crítica de cada autor, d~ modo a fazer • 1 , :1:;l 1

emergir o pensamento de cada um deles a respeito desta ideia, luma ideia que 'I, \:.j
e~ucleamos também nos autores Q\:l~ ~não tratar~m d~rectamente d? tem~, te~d? o !\ !' M
feito, em modo transversal. A nossa. preocupaçao nao era de caracter lmgmstico 1\ f I
nem ,simpl:sment~ :enomeno~ógi~F'·. frias. reconst~ir uma, históri~. das ideias, na 1' \ ~j
qual ta~bem os fllosofos mais s1gmflc;ativos. da area lusofona.pudes,sem ter .um 1 \,,;;!\~
espaço importante. · '!~ ; 1 il~ '\
. " 1 1 !1,·
Dividimos a terceira parte em dois capítulos: no primeiro retomam9s de rnO~O :11· r:.
sistemático a ideia de pessoa ~ue e_~erg~ de todos os contri~utos i~terv.en!~nte.s é; . ,i\_.J . i~'. ·
no segundo, certamente mais ongmal 7, tentamos focalizar o 'nó teonco ~? <. ;.:;ili
..·;., . :···::~·:';;l./ •'
. ,• '~ :<> .1: ·i;\ :fal~t;..;f)
~· Para além dos dois capítulos originais que foram o maior espaço dedic;i.do 'O:'.:(f:
~<J,S .~!9J.,<Jfp;~
lusófonos e o trabalho de campo desenvolvido nas duzentas entrevistas, ' ·: .. --.., ··' ':.'}"e0·<0"(!~•''
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discurso e instruir um processo de elaboração conecta de um novo mo~elo, que a) Corrente cultural/filosófica.
possa delinear a realidade e a verdade do ser pessoa, válido para todas as pessoas .
Neste modelo serão integradas as ideias de pessoa que surgiram das . duas O nosso ponto de partida foi a análise de um texto muito controverso e
primeiras partes da pesquisa: o nosso contributo será, então, apenas a nível contestado, da autoria de Tempels, o qual identificava no terrno Muntu a ideia de
formal, po.i·s o objecto material foi proposto pelos filósofos africanos. pessoa como aquele que vive radicado na sua ontologi a e teodicéia. Es ta
oritologia e teodicéia intrínseca à tradição africana teria "feito viver" por milénios
inteiras gerações Bantu até aos nossos dias . A questão subjacente e retomada
1) Retomada sistemática continuamente também por outros autores .foi a da verdade desta tradição, que
atesta a presença de um pensamento filosófico de fundo e não de mero folclore.
Passamos ao-ora
b
a delinear uma síntese da ideia de pessoa, . .
retomando
" Sublinhamos, preliminarmente, que para realizar o seu projecto, Tempels recorre
sinteticamente os temas já tratados em modo analítico nas páginas anteriores . Será à conceitualização ocidental, enquanto Kagame e Oruka mostram outro tipo de
inevitável certa repetição e sobreposição de discursos, onde se interceptam as abordagem, o primeiro recorrendo à análise linguística das línguas locais e o
ideias encontradas e reelaboradas numa síntese que ·por vezes vai para além dá segundo, à "sageza" filosófica dos "sábios" africanos.
intenção dos ·próprios autores . Desta retomada sistemática, ou balanço· crítico, Para Tempels, Pessoa (Muntu) é o homem que tem corno valor essencial a vida; a
·; poderemos passar para o nosso ·contributo na elaboração do rnoçlelo apenas sua sageza consiste no conhecimento da sua ontologia, que se baseia na noção
! .,
1 . -·
descrito acima, que' possa dizer a verdade e não apenas a realidade da pessoa
.j· africana. A retomada sistemática será necessariamente sintética, pois ~amos por
fundamental do conceito de ser como força vital. Esta intuição filosófica funda- se
:r suficientemente clara a análise feita na primeira parte.
na evidência externa e interna. Os bantu têm uma clara consciência moral e sabem
reconhecer o bem e o mal conforme as leis naturais: é bom tudo quanto promove
1 ..
1 !-: Por uma questão de ordem, ·agrupamos os filósofos .analisados em duas correntes a força vital e mau tudo quanto a deprime. Concluímos a análise desta conce_eção
que peidemos classificar nos seguintes termos : uma corrente cuja preocupação de pessoa em Tempels introduzindo ~s categorias de imanência e economia dÔ1ser
central é mais cultural/filosófica' (Tempels, Kagame, Mulago, Mbiti, Menkiti, - o que para os ocidentais é ser i.m<inente (ideia abstracta), para os Bantu é ser

.. !

Gyekye Junod, Amaral, Lerma, Langa e os "sábios" entrevistados) e outra, mais económico (força vital) . ·;, l
histórica/política (Ela, Eboussi Boulaga, · Lopes, Ngoenha, Castiano). O ganho mais importante que poderdos obter da obra de Tempels é a:hipótese de
Reconhecemos .que .toda a classificação é arbitrária e limitada, porque existem um "primado" cultural dos "negros" sobre os "brancos", porque os negros teriam
autores que se colocam eni modo .transversal entre as duas correntes, como são os chegado primeiro à intuição da ideia de um Deus único. Consideramos esta
casos de Eboussi Boulaga e Castiano. antecedência dos negros em relação à concepção de Deus único não irrelevante,
porque da "verdaçle" sobre Deus, como analisaremos de seguida, deriva a verdade
sobre o homem. Por fim , com Tempels começa-se a sublinhar , quant? ~1
superioridade de uma culnira sobre outra não diga respeito necessariamente a~ :
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(( campo económico, segundo as ideologias ocidentais, mas concerne, sobretudo a9 . "sageza" dos Bantu. No cristianismo, esta união vital é expressa pela "Koínonia":i i
<( da sageza/sapiência. O conceito do primado da vida, por fim, contestado e que permite a comunhão com o mundo para além do sensível. .
1 ,i
criticado largamente, retorna continuamente na obra de muitos filósofos ·
((',
_africanos. 448
. . 1

(( •e:
O hoínem africano, como emerge da reflexão de Mbiti, é um ser ontologicamente : '
A primeira reacção foi a de Kagame, que acusa Tempels de ter definido filosofia
religioso: a pessoa africana insere~se numa ontologia religiosa ahtropocêntrica. A i i
1
<( bantu aquela que na realidade era a visão do mundo de apenas uma tribo, e de não _
(( . -- ter documentado as suas teses. Da análise linguística, Kagame chega à definição morte atinge apenas ao. corpo e não ao espírito da inteligência, q~e éa essência dJ /
(( de pessoa (muntu) como "ser de inteligência'', cujas faculdades incluem a do homem. A ideia de Deus é de u~j s;; transcendente,
tJd-~'}:a ·é ·,també~'.!i
qtk
((' "coração", que para o ocidente é a vontade, onde reside a liberdade e também a . . . . . . .~.
' ' 1 1 - ' .

concupis~ncia. Inteligên ~ ia/coração corresponde --ª conhecer/amar: se para a


imanente, pois como cnador~td~das suas cnaturas:.Bão-fxiste i9olatri.a. O mal !l l
(( frL' • 1 . . •' . - . 1

filosofia clássica a finalidade do homem era conhecer e amar a.Deus para gozar não provém de Deus, por isso não se lhe oferecem sacrifícios,!m~s pode provir : [
((i ~: ' 1

((1 ·'
da vida eterna, R@ra
... os bantu a finalidade é ditada pela função progenitora do dos espíritos aos quais se oferecem sacrifícios. i ;I :
homem e da mii'1her, do primado :>·antropológico da procriação, que garante o
0 perpetuar-se da forç a vital na descendência. A morte não destrói o muntu, mas
A ética dinâmica africana define uma pessqa com base naqui)o que faz -e não .! i
Í(" separa do corpo if!aterial o espírito vital da inteligência: a pessoa continua, não naquilo que é. Um homem é bom ou mau não com base no que demonstra ser 'i 1
• !

((1 concretamente, por via das suas acções, e não com base em defi~ições abstractas. 11
1
~

mais como um se;pvivo, mas como um existente.


1 1 1
(( ::.~:
Por isso Mbiti lamenta o deslocamento do "nós" ao "eu" na ~eflexão -africana, ,1 ,
0.:-:...

(( Mulago afirma que todos os seres participam da uni~o vital, uma comunh~o
contínua com todas as coisas e pessoas, visíveis e ifívisíyeis. O primeiro princípio . como um reflexo negativo da influência do individualismo ocidehtal. · 11 i1
(( ~<
Devemos a Mbiti o axioma mais~ taihoso na filos~fia africana: am becaus·~ we 11 ' • j
"t 1
'.) ; vital é o prolongamento da vida do Muntu. As farru1ias são ligadas por um pacto
(( ...;

l!·· de sangue. A religião é o laço vital que une entre si, vertical e horizontalmente, are; and since we are, therefore 1._air)." Não menos importante é!o aforismo zulu: '11 i
(( 1
todos_ o~ _ seres, vivos e mortos . Existe vida depois da morte e relações entre vivos Umuntu ngumuntu ngabantu: "Unia pessoa é pessoa através de . outra". ' Em li'
(0 e•mortos. Mulago defende uma filosofia da união vital entre os Bantu, concebida conclusão, na ética compartilhada ~elos mais importantes aut6r~s ~da' fil~~ofia 1! 1 ·;
((·· como conhecimento natural das coisas nas suas causas profundas e últimas . É a africana, é essencial a centralidade' do conceito s~gundo o qui1 cada horrie.iri é :! i
<]" ~!j dotado da máxima ·dignidade de pessoa, conquanto seja plenarrlente'ins~rido ~~
11

(( Y:w corimnidade e se reconheça parte de uin todo. i · :1


•• Cfr. L 'idea di union vital di MULA GO V, Un Visage africain du christianisme .- L 'union vila/e
u~: . .i, '\ :1.
'! :·.
(( Baniu face à /'unité vitale ecclesiale, Présence Africaine, Paris, 1965; a ideia .de vitalogia di
NKEMNKIA M.N., Il pensare africano come vitalogia, Cittá nuova , Roma, 1995; e muitos outros
((, p\;_ vislôs âéiniâ qu'e coloca m o valor da vida como o ou um dos prin,cip~is valores da cultura africana..
((· iu ..
(( ; 11.L :L
((; ~;'f':>·
(( ~;r. ,

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M U 'i TU r S \J O 1 215 ' ~ _;

~;/I''_.: Embora os caminhos sejarp diversos, a teologia ·'revelada" reencontra a teologia . A filosofia africaria pretende, como exorta Eboussi Boulaga, tirar as máscaras
~~L ' " ~·n~tural'~ ~1~. "filos9fja da religião" quando passa da dogmática (Oll sistemática) à para ver os -rostos, sem confundir uns pelos outros. Não nos esqueçamos de que
tl"";fjl~[: ;. .-. . .. ·. .. , 1453
~; !},. . ·~eolog~~ Jünd~m~nt.a . enquanto os gregos e os romanos estavam ainda vivendo urna religiosidade falsa,
:~~· ::: · ConfÓ~·e fizemos menção, a ver.dade da pessoa não se encontra. na própria· enquanto o politeísmo é a negação da verdade sobre Deus, da qual deriva a
~\; ( '
" l;i • pessofl porque finita, nem pelo mesmo motivo nas · outras pessoas, mas num · negação da verdade sobre o homem, os africanos haviam já alcançado a verdade

i,·'1._:~·-,.•;,~_ - ·~ci~~ro~~~:a:~~e~~a:e:~:;.te
•••·•.•,._·• ,f.·..._..'..• •·· n.ão pode. ser finito, condição sem a qual não poderia
..

Homem .e~ si poder'ia viver uma vida "vivida',' mesmo prescindindo do ·


do monoteísmo e, por consequência, a verdade sobre o próprio homem.
Uma antropologia fechada nos limites da fi.~·ütude, fecha-se à possibilidade de
(t'
acesso à verdade do homem: na finitude não existe alguma verdade, .antes pelo
' di~curso da verdade, mas neste caso, uma vida vi vida jamais seria uma vida (C'
,j '
contráiio, no seu fechamento a finitude é a negação da verdade. De igual modo,
'. [1;1 . "verdac\eira". A filosofia pós-moderna já colocou radicalmente em discussão a uma abertura aos outros finitos não e capaz de dizer a verdade do homem . A (C'

,!! 1

::s;~~~t:1s~a;~'.<~:de, substituindo o critério da verdade por outtos critérios verdade do homem ou é infinita ou não é verdade, porque se dissolveria no breve
espaço temporal em que vem a ser pronunciada: seiia aquilo a que definimos vida
0:
(C
"vivida'', mas não verdadeira. Dito diversamente, ·uma pessoa é pessoa quando (\
;(. .,.;., Pontualmente, Eertu1etti escreve: "Se si vuole · evitare una prozezlone in Dio· delle· stesse
condizioni di appropriazione della sua parola, la ragione dei carattere simbolico dei linguaggio
reconhece o seu fundamento, a sua verdade, fora de si, num Outro infinito.
A verdade do Homem que, como repisamos, é tal na condição de ser infinita, é o
ct
. della f~de non puà essere.vista unicamente ·nel carattere di evento della rivelazione, ma questo deve 02
essere a sua volta correlato alie' condizioni· antropologiche, per le quali la rivelazione di Dio non fim que dá sentido ao presente. Verdade que por sua natureza (infinita) não pode
(t'
puà esibire la sua evidenza se non , come compimen/o dei/a liberlà" ("Se se quer evitar uma ser deduzida, mas apenas "acolhida" no presente da intencionalidade do sujeito,
projecção em Deus das mesmas c.o~dições de apropriação da s~a palavra, a razão do carácter
para anteCipa.r a ocorrência da verdade que tor'.na a vida verdadeira e que poderá (t
sin1bólico da linguagem da fé não pode ser vista unicamente n.9- carácter de evento da revelação,
mas este deve ser por sua venelacioilado às condições antropológicas, pelas quais a revelação de ser confirmada apenas no fim. i (t'
1

Dei;s não pode exibir a sua evidência se não como completamenlo da liberdade :' TdA), em "ln questa ambivalenza consiste . ljessenza dei finito . L 'anticipazione e riello ! (C'
BERTULEITJ A .. li concet.to di Persona e il sapere teologico, em AA. VV, L 'idea di persona, Vila e
Pensiero,.Milano, 1996; n.23 pp.10-11. · stesso tempo una effettiva realÍzzazione anticipata del futuro e solo .· ((
~" A este propósito é muito interessante o debate entre Pascal Engel e Richard Rorty sobre a un 'antic_ipazione ancora aperta. Pq1iché il futuro anticipato non dipende dai/a
verdade: diante das notas posições de Rorty e da filosofia pós-moderna em .geral quanto à 1-'c
o
desnecessidade da ve rdade que deixa· lugar a outios critérios como o da uti!Ídade, Engel
e
responde "Supponiamo ·eh e si dica, come fa per lo piú Rorty, che 1'utilità w1 criterio ·soveilte piu
importante della verità. per stabilire il valore di una concezione . .Ma come si puà dire che una
concezione e utile se non si sa se e vera? L.o struzzo puà trovare utile affondare la testa nella
coscienza, solo il suo realizzarsi potrá decidere dei/a veritâ dell 'a(llicipazione,
benché questa sia già una presenza anticipata dei futüro. La storia e costimita da r-
·i
1 .
! . \_
sàbbia. 1Wa sáfebbe iitile in the ldng h m? [ .. .] Quale sigriificato possono avere gli sforzi, spesso
:meritori .e degni di lode, che Rorty dispiega nel suo dialogo con i cont.emporanei dei campo
O avestruz pode achar que é litil para ele enterrar a cabeça na areia. No entanto, seria útil no
longo prazo? [...] Que significado pode cer os seus esforços, muitas vezes rnerüóri~s e dignos .de
I ,1,;~~
1

c111~/fiico, se neppure il vera cori laminuscola ha senso?" ("Suponhamos que se dig~. como faz ci louvo{, que Rorty implanta no seu diálogo com os . contemporâneos do campo analítico, se nem ,I C
Rorly, q'ue o útilitário é um critério muitas vezes mais importante da verdade para estabelecer o mesmo o que o verdadeiro com o minúsculo tem sentido? " TdA), em ENGEL P. e RORTY R , A
. ~~l or_ qe um corlceito. Mas como se pode dizer que um conceito é útil se não se sabe se é .verdade? cosa serve la verilà? Il Mulino, Bologna, 2007. ·1 ·0::

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;1.,.'l UNTUiS M O 1217
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( ':0"~ ques·ta.· .mediazione :fra la coscienza anticipante
. e la realtà del futuro
. che essa
. ' precariedade de si. e da sua obra, onde a palavra é apenas e ~empre mundana
("" i~;c anticipa e che si anticipa in essa. Cio vale m generale per la cosc1enza stonca (mesmo se pronunciada em nome -de Deus, dos A:ntepassados, da Pátria, etc.). É 111
): ' ta l e " .455
come esta a conclusão de Eboussi Boulaga, quando fala de "crise do Muntu" 1 1
Naturalmente, para a revelação cristã esta antecipação da .verdade final realiza-se pensamento da crise, ou crise radical do pensamento. Mas é e.xabtamente atravé; 1 1
em Jesus Cristo, enquanto para a religião africana é apenas prefigurada na relação da crise que se abre o acesso à verdade. Enquanto para 0 ~omein moderno 1 1
com os antepassados. (ocidental) não existe saída da crise defronte à finitude, visto nãoLreconhecer uma ! i
A ,ideia de pessoa na cultura africana poderia ser reformulada no seguinte . verdade fora de Si mesmo, para o Muhtu a saída ·encoritra-s~ nó~esgate .das suas .: 1
horizonte: Pessoa é aquele qu~ antecipa no presente a sua verdade, na abertura aos tradições mais autênticas, operando um discernimento entre ' a~ máscaras··· e · os ~· l
outros e ao Outro, sob mediação dos antepassados. Sem esta abertura/antecipação rostos. O Muntu não deverá limitar-sd,às respostas imediat~s tentadas diante do ' 1 i
não existe pessoa "verdadeira", apenas um indivíduo (homem) que vive (vida drama da finitude (fantasmas, vozes misteriosas, v1soes obschras, etc.); mas l ;
"vivida", mas não autêntica) s~m verdade. . recriar e reinterpretar a resposta fundamental já intrínsec~ à ·Jrad,ição, que se : !
Pe~so que o famoso axioma de Mbiti: "I Am because We are; arid since We are, concretiza quando se abre ao espírito infinito (mediado pelos antepassados). l1
ther~fore I Am" ("Eu sou porque nós somos e como somos, logo existo") , assim · Para o Muntu da religião tradicional, este espírito infinito não s~ identifica com· 1j '
como o aforismo zulu "Umuntu ngumuntu ngabantu" (Uma pessoa é uma pessoa , Jesus Cristo, mas se identifica com um "quid" que permita d~finir e falar de '!:
atr~;és ele uma outra) não exprimem integralmente a ideia de pessoa africana, verdade, sentido, fundamento, etc., e logo de verdade do horriem, abrindo os 11 •

pois- se limitam à dimensão horizontal de abertura aos outros, preterindo a 1 espaços do infinito, o qual somente ele constitui a identidade ela p~ssoa. · ;1.
dim; nsão vertical que pertence ontologicamente à pessoa africana. Gostaríamos . Desta nova "iniciação", o Muntu encontra o motivo e o sentido d~ sua vida, numa :, !
de propor um aforismo mais completo: "I Am becau~e I ~elieve and I love" ("Eu verdade vislumbrada ou, como dissemos acima, prefigurada e que encontrará a · i :
sou porque acredito e amo"). Apenas estas duas aberturas (vertical e horizontal)
sua confirmação apenas no fim. I?9f.cto, a verdade da pessoa nã~ é deduzíve~ do . ,
podem dizer a verdade do homem e superar a finitude. seu fundamento porque deve ser, um acto de liberdade, que se concretiza na !1 .i

Se para o cristianismo a superação da finitude se resolve em Jesus Cristo como


~istória.: "libertà non e origin~ria~e~ie .1: de.cisione per questo;o quell ~ oggetto, ma il :
1
:/
garantia da antecipação da própria verdade futura no presente, para o Muntu não hbertà rn rapporto a se stess1, poss1~1hta d1 autodeterminazione. L'oggetto della 1 1 ·/
existem garantias reveladas, apenas um estado de "suspensão" defronte · à libertà e il soggetto stesso nella sua unità. Nella scelta l'~omb dispone 1 ·
· liberament.e di sé; decide della qualità del suo essere".456 '
.... "Nesta ambivalência consiste a essência do finito . A antecipação é, ao mesmo tempo, uma
efe,ctiva realização antecipada do futuro e uma antecipação aind~ aberta . Pel~ facto _de que o
futuro antecipado não depende da consciência, somente o seu realizar-se podera dectdtr sobre a
verdade da antecipação, embora esta seja já uma presença antecipada do futuro. A história é
constituída por esta mediação entre a consciência antecipadora e a realidade do futuro que ela,
... "liberdade não é originariamente a' decisão para este ou aquele objecto, \nas liberdade im
relação a ~i mesmo, possibilidade de autodeterminação. O objecto da liberdade ·é 0 mesmó sujeito
antecipa e que se antecipa nela. Isto vale em geral pela consciência histórica como tal". (IdA) ;
na sua u?1dade, Na escolha o homem dispõe liberalmente de si, decide da qualidade. do ·s~u se('.'
BERTIJLEIB A, II concetto di persona .. ., o.e., p 12. (TdA), I VJ , p. 17 · ·: ·., , - ,. ,./ .
·\
M li N TU i S ~ I O 1 219

~
'
..:,.... , . É impossível justificar o fundamento último que é escolhido como antecipação Tentamos agora elaborar uma teoria da pessoa africana, partindo das reflexões de
através, do· acto de liberdade do homem; porque é irreduzível · à experiência Castiano, retomadas em forma critica e sustentadas também pelas reflexões de
. pessoal. P<tssa-s.e então da razão especulativa à razão prática: na acção concreta _ Lévinas. 460
jüstifiça-se a "v~rdade" da própria escolha e autodeterrnina-se a pessoa como tal: . ·•· Castiano e Lévinas, embora partindo de realidades e contextos totalmente
''l'etiéo si radica nella costituzione ontologica del sé, poiché l'agire media in ·:~ diferentes, partilham a ideia de superação da ideia de razão da filosofia ocidental;
modo originario l'accesso alia sua identità".
457 definida por Castiano como razão "colonizada" que não contempla a possibilidade
A ideia de pessoa é fundamental para falar-se de verdade e vice-versa. A de úma razão alargada às comunidades locais. Castiano reivindica uma fundação
impossibilidade da fundação metafísica, consequente à crise dos fondamentos, .· da filosofia africana não com base nos cânones da racionalidade mas das
'
vem substituída pela instância da . subjectividade e da história. A verdade é racionalidades, ao ponto de afirmar que é uma obsessão racionalista apresentar a !
acessível enquanto . se dá ~a histmicidade e esta sua antecipação na história filosofia como uma reflexão sistemática e crítica. Na nossa nota crítica a esta ideia \ '

c~ncorre para determiná-la. -Segundo Bertuletti, o nó teórico do conceito ' de de Castiano, defendemos que é desviante · pensar noutra coisa para além da
pessoa . é: "eh~ -la questione della verità si decida nell 'uriità singolare di racionalidade, porque fora da racionalidade existe apenas irracionalidade: mesmo !C
458
' assolutezza e storicità dell'autoattestazione della coscienza". É precisamente para "combater" a racionalidade devemos recorrem un discurso racional e l~go , - -~ '(1
neste ~~to de f~ que se "costituisce la verità dell'esperienza storica come tale, la continuamos sempre no espaço da racionalidade. Castiano fala de racionalidade ' l

459
quaÚtà origina;ia dell'autoattestazione della coscienzá" : No conceito· de pessoa no plural e afirma que na tentativa de libertar-se da colonização a filosofia
reúnem-se as duas-pretensões da singularidade e da universalidade, porque a africana 'auto-colonizou-se e, por isso, faz um apelo a uma "crítica radical" contra
incondicionalidade da verdade (universal) . actua-se inseparavelmente na sua a máscara da "ideologia" universalista, da objectividade e das tradições clássicas
con~retização histórica. A verdade continua indedutível porque não pertence à da prática científica da tradição eurocêntrica.461 Trata-se da mesma tentativa de
ordeJ.!l do necessário, mas à ~do mais que necessárió,' é um dom que se antecipa e Lévinas de superar a tradição filos,ó.fi~a ocidenfal, sempre em busca de uma teoria
geral do ser, marcada pelo princípio de totalidade, que sufoca toda a alteridad~ e
actualiza na escolha do sujeito.
lif Do p~i;ito de vista epistemológico, é possível uma teoria da pessoa africana? transcendência e gera egoísmo, he~emonia, violência. À ideia de totalidade, ;\
H ~; { i('
!11 '" "o ético se enraíza na constituição ontológica- do si, pois o agir media em modo originário o I'
1
!)! aces~ó à sua identidade" (TdA), !vi, p. 22. O problema, c?mo de~onstrará Ber~uletti, será articular •" Giovanni Ferretti, na obra de co-cwtoria já citada AA. VV . L 'idea di persona. Vita e Pensiero.
'i
1-
Mi la no, 1996, intervém com um artigo interessame , sob o título: Variaz.ioni dei conceclo di persona
~-: .' ,: · os dois níveis (ético e ontológico) sem resolver o primeiro no segundo, como fezdHeiddegger, ne~ o
segundo no primeiro, como fez Lévinas, que absolutizando a alteridade de -uz esta a au o- in Emmanuel Levinas, pp. 457-516. Fazemos referência especial às conclusões da nossa tese de :1

!l
l'.!: ,·
BW' ,'
identidade do sujeito. Uma correcta articulação do ético e do ontológico é fundamental para a
determinação do saber ontológico.
' "' "que a questão .da .verdade se decide na unidade singular de incondicionalidade. (assolutezza) e
Licenciatura em filosofia Ética ou retórica sobre o outro? As aporias da écica como :tilosofia
primeira de Emmanuel Lévina s. Nas obras "Totalité e !nfini " e "AL1treme11t qu 'être ". pro-
manuscr'iptum, UP, Maputo, 2004.
·•" Ver ai:irna , É interessante confrontar as posições de Remi Brague sobre o eurocentrisroo :
l_
1·-' .-

~L . ·' .
historicidade da auto.-atestacão da consciência" (TdA), lvi, p, 25 ·
·~ ;,constitui a verdade da e~periência histórica como tal, a qual\dade originárià da auto~atestação BRAGUE R., li futuro del/'occidente. Nel model/o rom~no la salvezw deli 'Europc1, Bompiani,
Milano, 2008.
j
P':· ::( · da consciência" (TdA), Ibidem. '1
1.
:

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r Lévina,s contrapõe a ideia de infinito462 (alteridade), que não pode ser delirrútado
é possív.el encontrar uma racionalidade subjacente, partindo db particular para : '.
( )'l. chegar a .demonstrar a universalidade de todas as culturas.465 1! Insere-se. ' ·mais \: '"
pe{a razão, porque a razão sempre tende a id~ntific.~, do~~ar, negar a~ .
. • . . '··I ...

\ ' ;)f prec1~~rnente, a ideia de mtersubjectiyidade de Castiano: safda do eu para entrar ·1


.f as de modo que da violência da ontologia a mvel teonco passa-se a
e- ,:~ d1 e.rençc , . , . " . . ,, 463 em dialogo com os outros sujeitos reconhecidos corno inter-locutores válidos 1
violência a nível prático, com a violencia contra os diferentes .
1
dignos e sapientes. : ' \1:
( ':.::_
r-.
É necessário romper esta ontologia da totalidade, que leva ao totalitarismo: uma
ruptura que não pode ser conduzida pela razão, que deste modo rnante~a o seu
Mas, d~ no.sso.ponto de vista, o ponto crucial é exactamente esle: a abertura ao :\'. 1
·!
( .;>-':\
outr~ nao diz ainda a verdade sobre mim mesmo, a verdade da pessoa. . . . . .' 1 ~- i
( ·'--- primado e donúnio, mas pela experiência prática existencial, ~ue se roam.festa no
encontro concreto com o qutro. Este princípio da autondade manifesta-se
Castiano traz~ discurso sobre a liberdade: não basta uma descolageni.(Crahay) ou ..:1:\ !·J
( - uma descolonrz:-~ão (Wir~du), nem mesmo uma libertação bistÓ,rica (Ngoenha); 'Í ! ''\
originariamente apenas na relação ética, onde a alteridade do outro é radicalmente
( ; .-... toi:u~-se n~cessana uma libertação conceitua!, epistérnica, isto é). a liberdade do \ 1 ·\
reconhecida e respeitada. Esta relação antecipa e fund~ o uso da razão e da
( ! - sujeito afncano de falar de si, construir o próprio discurso e pens1amento sobre si \ ;
linguagem. O outro manifes'ta-se a mim no rosto: um rosto que é infinito,
( · - mesmo, sujeito da própria ,história. Castiano continua sustentando a hbeitacão da 1 1
. , . 464
lrnguagem , etica. . etnofilosofia,_ da filosofia africana, da religião. A este propósito, :Castiano, acusa i1:
( 1-'· Por ..seu turno , Castiano vê a superação da ideia de totalidade retomando a ideia de
Mbiti de confundir a filosofia e a religião. Quanto a nós, é :castiano quem i
( " ., des~olagem e descolonização conceitual de Crahay e Wiredu, que ocorre
confunde o que é a religião: de facto, a religião africana é uma ~eligião natural i ·
opét ando uma ruptura radical entre a consciência reflexiva e a consci~nc.ia .dos ' '\
( 1 por isso. metafísica, não se pode falar da cultura ou filosofia africa~a prescindindo li ,
:,

da reFgião africana; uma religião revelada, ao invés, não é fil~sofi~, mas teologia, 1
l '- rnitõs. Esta descolonização não comporta o abandono de todas as d1sciplmas
(
oci~entais , mas a sua aplicação dentro dos sistemas do pensamento africano.: o ponto de partida da sua reflexão é a verdade revelada, dogmátiéa. No primeiro
Neste ponto, insere-se a questão da verdade das cre~ças comuns, em cujo interior,
r --- caso trata-se de teodicéia (filosofia da religião, ou ontologia racional), no secrundo :: !
( J:·'. _ de teologia (sistemática e fundame~t~l , · I :.
b .i . 1\, :.!
••• ~·Questo libra si presenta aliara come una difesa dei/a soggettività, ma no~ la. coglierà ai livello No caso de uma fundação teorética ,dá ideia de pessoa africana, considerando as '\ \ \~,
( '1.'> della sua protesta puramente egoistica controla totalità, né nella sua angoscia d1 ~?nte a\la n_iorte, exigências de descolagem e descolo~zação e o recurso a outras ~acionalidades ', 1 1,
l ·'.)
conforme o diktat de Castiano, é necessário chegar a uma fundação recorrendo ~
ma come Jandaia ne/l 'idea di infinito. [. .. } Questo libra presenterà la soggettlV!ta come cio che
accoolie Altri come ospitalità. ln essa si consuma / 'idea deli 'infinito." ("Este livro se apresenta ' \·:
(i >·.
entã; como ~ma defesa da subjectividade, mas não a compreenderá ao nível do seu protesto uma nova linguagem para a filosofia africana. · . ·. J · !\:
( 1;:1.
1·,,
puramente egoísta contra a totalidade, nem na sua angústia defronte à morte, mas como fundada na
ideia de infinito. [. ..}Este livro apresentará a subjectividade c~mo aquilo que acolhe Outros, como
Também Lé.vinas, na sua crítica à totalidade, pretendia abandonar laó'ntol~gia
da . :, :,,:
( ;-~
hospitalidade. Nela se consome a ideia de infinito" (TdA) , LEVINA5 E., Totahtà e Iofimto, Jaca filosofia ocidental, mas na verdade, Derrida acusa Lévinas ·de ~derir' ainda à ".'\

~.~ Book. Milano. 2000. linguagem ontológica (ao ÀÓ)'oç dos gregos): as suas críücas à fen9menologi~d~ ;I
~ Uvinas afirma que a este perigo não escaparam os filósofos do ser, os quais não reconheciam '. 1
,;:"i
outra realidade ou verdade fora de si mesmos. Entre eles, Lévinas cita Sócrates, Hegel, Heidegger.
( ~) ~~.,

~· Este texto, incluindo as devidas citações da obra Totalità e Infinito encontram-se no meu
texto, já ''"Ver acima. ::1
~f.~ citado, É.tica ou retórica sobre o outro? ... o.e., pp.13-36. ;; i
:'• !
)'til' • 1
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( , 1 -~. ' 1
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...--.-- - - - ··- .. ~ ···-~- -l - -

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!v1 U N l U [S MO j 223 'rc
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Husserl' ,, e à- , ontologia . de Heidegger 1 foram feitas fenorilenologica _e O recurso à· noção de traço marca urna àproximação de DeITida às ideias
ontoloaicamente. De fronte à crítica de "finitudismo" dirigida por Lévinas .contra levinasiai:rns, mantendo, porém a diferençá: pai·a Dei-rida é inevitável uma
. ·de:aer devido à historicidade do ser, Detrida acus'a Lévinas de "infinitismoP, contaminação entre a alteridade e o ser (ontologia), enquanto para Lévinas não
. He1 b" ,
. . ois •parece querer substituiF o. pensamento grego-ocidental pelo hebraísmo/ e existe nenhuma contaminação graças ao recu iso à ética .
. ~enuncia uma cumplicidade equívoca entre filosofia e teologia. Lévinasresponde Mestno para a filosofia africana a pessoa define-se em base à intencionalidade do
. · qlle,- arelação:com a alteridade não é algo de teológico, mas de h~manó (fon_t~ de i sujeito: a sua abertura aos outros e uma necéssidade que funda a própria ideia de
sentido). 466 Será com base nestas crítícas que trinta anos depms de Totahte et ·. pessoa (J'm because we are ... ). O di'scurso metodológico torna-se ainda mais
(
infini (l 961), Lévinas escreverá Autrement qu 'être (197 4). pontual, porque ·para a filosofia africana trata-se de aceder a um novo método.
Procurar uma. nova linguagem, que não deve ser confundida com uma língua, é O novo método de Lévinas mira superar a fenomenologia de Husserl, que
também o : desafio da filosofia ,africana.
467
Lévinas passa a . interpretar a reconduzia tudo ao eu, pois recorre a uma racionalidade superior usando uma
subjectividade usando uma- nova linguagem feita de termos "originais" como linguagem metàfórica no limite da razão, e visa também superar a ontologia ele
paciência; passividàde, um pelo outro, exposição, expiação, responsabilidade, Heidegger, pois o senso originário encontra-se não apenas para além da esfera dos
substitUição; etc: O seu objectivo é :colocar em questão a referência da entes, mas também do ser, com o limite de usar termos que se pretendia
subjectividade à . essência e ·encontrar para o homem uma ·relação (parental) superados. Os novos métodos que Lévinas utilizará são o da análise
diferente . da que . o liga ao 'ser. Como em Totalité et infini, Lévinas critica o fenomenológico-intencional, que consiste no partir dos traços, do Dito para
pri ~ado dó ser·e procura um sentido' para·a transcendência para além da orttolog~a retornar ao Dizer, e o método transcendental, que consiste em_ partir dos
(autrement qu ',être), desta vez recorrendo a uma linguagem não mais ontológiéa, significados objectivados para retornar às suas condições de possibilidade. A nova
mas "metafísica". Lévinas pretende libertar a subject~vidade do sujeito a partir da linguagem baseia-se em dizer e "desdizdi, ênfase, exàgero, hipérbole, que
reflexão sobre a verdade, a relação do sujeito corrí'o outro, com o infinito, que transforma os termos ontológ}~,os em éticos, mais adequados a diz_er a
468 transcendência. Mas o método ;de~ Lévinas não é sistematizado: ele próprio
deixa o seu traço no rosto do outro.
con_si~era uma perda de tempo ocóp~r-se de qüestões metodológicas . .
Sena interessante apresentar as êrítfcas de Dussel ao pensamento do Lévinas, e 1,r-
como chega à elaboração de um método da filosofia da libertação pata a América [r-,
- É este o' ~roblema c~ucial: é p~~sível uma linguagem que diga ' a re,lação do homem com o ~utro,
Latina, 111as tal distanciar-nos-ia demais do nosso tema. Basta fazer menção ao :1
com 0 infinito, que não seja teológico-religiosa, mas filosófica? Sobre o debate entre Demda e
Lévinas Cfr. FERRETII, La Filosofia di Lévinas, Rosenberg & Sellier, Torino, 1999, pp.311-31? facto de que o intento de Dusse1, como o dos filósofos africanos para o homem I,
africano, é ~ncontrar o lugar cio índio na história universal, de modo que se torne
, ~
· .,, Como recorda Castiano. O problema linguístico - diz o autor, diferentemente de outros filósofos
africanos" - na~ é uma questão crucial. o importante é comunicar (intersubjectivaçã~),
:1- .
sujeito da história: DusseJ elabora uma teoria do diálogo na q~ial os pov~s l~tino­ V
. independente!nente 'da língua q·ue se usa. · · ' · .· -.J ;::_

~" Para mais aprofundamentos acerca dos temas de_ Aulrement qu 'être, veja-se o meu texto, citado americanos, junto com as outras peiiferias do mundo, tornam-se interlocutores de i
1
acima: Ética ou retórica sobre o outro? ... o.e., pp.39-49. - igual dignidade com os outros povos. 1
í /~( ,z.24 1 R E V r s ,i.. o s l s T E M i\ T 1 e ,, E P ERSPECTIVA S M U N T l.i Í ,<; M O i 225
(,;j'~

í
( 1':. 469
Também a "teologia da libertação" é devedora da filosofia levinasiana. da verdade, e ~ositivarnente a possibilidade de dizer a verdade: através de uma
\ 1;~, Segundo nos parece, a filosofia africana poderá obter importantes ideias desta palavra que diga a intenção de um acto. Isto evita-nos o arbíttjo de pensar por
cr_ reflexão. Lévinas reivindica uma "outra" linguagem que possa dizer a verdade do '
. f"101to.
' 470
metáforas e permite-nos uma redefinição da verdade da pessoa humana num
( ' sujeito aberto ao m modo arru,mentado. A mesma razão exclui a possibilidade de deduzir o sentido
\ .,~
Mas que tipo de linguagem? Quando temos a diferença (ou diff-ª.rance para ontológicd da diferença, porque o acesso à verdade ·do ser não éi.conceitual, mas il
471
( '•
Derricla, não identidade) a linguagem pode apenas ser parodística? apenas intencional: a absoluta transcendência da verdade; pode ser acessível d•
A linguagem que melhor especifica a abertura do sujeito ao outro ou ao Outro, é a ~penas atravé~ da escolha livre do sujeito que deste modo' a antedipa:no presente. ) 1

e· simbólica, gue negativamente ,indica a impossibilidade de uma conceitualização E esta a ~erd_ade da libe~dade. (Cfr. Bertuletti, o.e.).. . l /· · i 1_
:1
( ). Numa pnmeua conclusao, poderemos dizer que a ideia de pessoa~ afncana; gue se ,j
..,
e) __ · funda na abertura aos outros (I'm because we are ... ) e ao Outro ("ser :1 ·i
~· Cfr. REJÓN F.M. , La morale fondamenta\e della teologia della liberazione, in ELLACURIA L,
( ·- SOBRINO J. (a cura) : Mysterium ' Liberationis. I concetti fondamentali della teologia della ontologicamente religioso") realiza o ideal de pessoa muito mais que a ideia de il
( ·· Jiberazione, Ed . Borla/Ciuadella , Romã, 1992, p.251. n.17 . pessoa ocidental que se funda no indivíduo (cogito ergo sum}le é fechada ao J
"" Pa'ra quanto concerne a uma possível releitura de Lévinas por parte da f!Josofia africana, cfr.
transcendente (ateísmo e agnosticismo). O axioma africano "l am ~ecause we are· '/
Por ê'xemplo o livro ele Elias Kifon Bongmba, African Witchcraft anel Otherness. A Philosophica\
and since we are, therefore 1 am", que é a quintessência da tradiçãb africana, leva~ :1
1 -··
and Thcological Critique of lntersubjective Relations, 2001. Trata-se de um trabalho de filosofia e
(> -
leologia africana , publicado nos EUA, que se serve do pensamento de Lévinas - em particular modo nos ao conhecimento de um Deus "comunitário" através da ~eiigião natural :1:
(" \··· da idéia do Outro - para analisar o conceito de tfu (bruxaria) junto do povo Wimbum, dos
Cam~rões, e p.ropõe uma crítica radical às interpretações comuns de bruxaria, a partir da ideia de (metafísica africana): não se trata de uma religião revelada, 1 onde Deus se · '.I'
( ,'
intersubjectividade, com urna hermenêutica levinasiana. Apresentamos a respeito o juízo de Robert manifesta e revela a sua verdade acerca de Si mesmo (trinitário) e a verdade 1
r {· Bernasconi, filósofo norte-americano, autor de estudos sobre Lévinas muito citados pelos filósofos
acerca do homem (feito à imagem de Deus), mas pelo contrário, Jma religião que ·! ,)
africanos, que actua !mente, como estudioso do racismo, está empenhado com sucesso na filosofia .
(1.' africana: "For ali those who believe that the future of philosophy is pluralistic and cross-cultura\, parte do homem (comunitário\ .9 qual, graças · ao conhecimento da própria : ·1
natureza (pessoa) descobre como ~ ~"feito" o seu criador. Deu5i pode dizet do 1j:;
1
Ifüas Kifon Bongmba's African Witchcraft and Otherness offers a ,unique view of that future. :j
Bo~gmba uses Levinas to critique tfu--the result being a rich anel controversial study of the
application of Western philosophy to African society. The book is a wonderful mixture of personal mesmo modo ""1 Am because W~ a~~; , and since We are, therefor~ I Am" porque . ~,
anecdote and philosophical analysis that lea ves far behind the pseudo-problerns that too often é um Deus que é comunidade, cótnJ defende também a teologia /tri~itária cristã. ;l 1 ~-
preoccupy philosophers" . ("Para todos aqueles que acreditam que o futuro da :fi.losofia é pluralista
Não esqueçamos que uma das maiores obras escritas acerca do imistério da J '.· ~ ·
e multi-cullural, a 'Feitiçaria Africana e Alteridade' de Elias Kifon Bongmba oferece uma vista
única sobre esse futuro . Bongmba usa Levinas para criticar tfu -a bruxaria - sendo o resultado um
estudo rico e controverso da aplicação da :fi.losofia ocidental à sociedade Africana. O livro é uma ,
Trindade, e log'o acerca da pessoa, é da autoria de um africano, s ant~ Agostinho 1 i
de H"1pona. 472
1 1
J

. .. · 1 , ~·
mistura maravilhosa de anedota pessoal e aná Iise filosófica , que deixa para trás os pseudo- ,'/.("---: '

problemas que muitas vezes preocupam os filósofos") . Na contracapa do livro citado. Para a sua ~~~~~~~~~~~~ i
' . l . ·.·:.' "-~/. Ç._.~.. ~, •
leitura de Levinas cfr.: R Bernasconi, S. Critchley, Re-Reading Levinas, 1991, R Bernasconi, S. "'Borden Parcher Browne, já no início de 1900, na América afirmava que o fundamento rnéhi:fi'siéQ' '.; 1 ·
Critchley, The Cambridge Companion to Levinas, 2002. da identidade pessoal do homem deve ser uma mente infinita e dotada de persorialidade:··'Deiis.( 1·,; : .

"' Para Lévinas, a gramatologia de Derrida não é um discurso sobre o ser mas sobre os simulacros como Pessoa. Cfr. MELCHIORRE .V, Essere Persona. Natura e Struttura, Fondaz!one.·Boro.li ";:~~;·;
:.*"~~~i~l
(os traços) do ser.
No»rn, 2007, p.27 · I;
f'',~é:2HR
: ~~--"-: :.·.
E v I s ÃO S l S T E M Á T l C
-'· ··-·--- -··
<
--------·----------- ·-
E P U R S l' EC TIV_A_ S __ _ J\11 U N TU 1::i M O j 227

: -~;, ' - _' h) Por um personalismo _africano ("Bela nyumbani") Vivi 12 anos em Inhambane, uma terra estupenda e estendida ao lonao de uma
' ' o
baia ao largo do oceano Indico, em contacto com os membros das etnias Vatonga,
Vathswa e Vacopi.
~ .t~r
. N~sta última parte pretendemos tentar um contributo para o esboço de um

'l
Nos primeiros tempos mergulhei -me literalmente na escola dos sábios indígenas,
pe~S()~alismo africano. Ousamos fazer este passo confortados não apenas pelo frequentando um curso de inculturação, que me introduziu à cultura e tradição
estudo teórico sobre. a pessoa .africana realizado nestes anos, mas também por locais. Segui um curso de língua Guitonga com professores que a têm com língua

l 1 : :.~
; ~f~: ~r.>
ano~, qe .convivência com estas pessoas africanas e com a sua cultura. A vida
prática vivida com estes africanos penp.itiu-me conhecer muito·mais sobre quem é ·
a pessoa ~ricana.
Os filósofos e teólogos da libertação latinp-americanos sustentam que ninguém ·
materna. Nos primeiros anos trabalhei na pastoral da formação da juventude, em
contacto com milhares de jovens pertencente-.S às três etnias, com os quais tive
numerosos intercâmbios culturais que me dotaram de um conhecimento profundo
das suas tradições . Cinco anos depois da minha chegada à África, graduei-me em
j'··
!
! ;.:: pode fazer seriamente Filosofia ou Teologia da libertação sem viver na América filosofia numa universidade estatal (Universidade Pedagógica de Maçam.bique), '-
I '· ·· Latina e sem assumir a c;ausa dos pobres. De facto, experimentei a enorme
t ~ ,. estudando em particular a filosofia africana, com os professores Severino Elias
~'
diferença entre a Teologia da Libertação qu~ estudei na Facoltà Teologica Ngoenha e José Paulino Castiano. Nos anos seguintes fui docente na
dell'Italia Settentrionale em Milano e a Teologia da Libertação que conheci e vivi Universidade Pedagógica Sagrada Farru1ia ,(uma delegação da Universidade
nos anos transcorridos na América Latina, no encontro com os vários teólogos e Pedagógica) em Maxixe, ocupando-me de Filosofia e Teologia Africana e de
militantes e sobretudo em contacto com os pobres. Filosofia e Teologia contemporânea. O debate:com os estudantes durante as aulas
Não sei se os filós9fos· africanos defendem o.mesmo diktat dos. colegas latino- ajudou-me a conhecer e aprofundar sempre mais os usos e costumes dos Vatonga,
am~ricanos, mas seguramente; .os anos passados em África permitiram-me Vathswa e Vacopi.
compreender mais a fundo a filosofia e a cultura ·ãfricana, abrindocme a visões Nos últimos três anos, em vista do dout~ramento ; aprofundei especificamente 0
~~'
~:-;,;
maravilhosas e inesperadas . . tema da ideia de pessoa na filosofiâ ~fricana, cujos resultados apresentam-se ~'este
Também. acedi ao convite "Bela nymbani" ("entre em casa")473 e entrei na casa texto. ;
.r1lhi'1 l ;

·í: '':
destes indígenas africanos que me acolheram como um irmão. o objectivo principal da minha•, p~squisa era demonstrar a originalidade do
:'t\j·i pensamento africano a respeito da ideia de pessoa. A filosofia africaf!.a, por si ~ó,
1
t{ "'Os velhos da terra de Sewe (lnhambane, Moçambique), contam que a 10de1aneiro de 1498, o
·,r,.·:;:,•:.~•
1
, famoso navegador português, Vasco da Gama, a caminhos das índias, chegou com as suas
1.
"/nhambane ", "Terra da boa gente". Esta história real, embora revestida de lenda, resume
, embarcações na .l:J.aía de Inhambane. Era um dia muito chuvoso. Avizinhando-se dos ·indígenas, perfeitamente a natureza da pessoa africana : hospitaleira, aberta aos outros e generosa. Esta
' [~; . , perguntou-lhes qual era o nome da localidade. Vendo a forte chuva, estes dirigira.m-lhe a palavra
1
figura é um emblema não só da gente desta terra (de Inhambane e de Moçambique), mas da África
·B( •
com um•sorriso nos lábios: "Bela nyumbani" ("entre em casa") e o ofereceram-lhes hospitalidade inteirn. Se q~is_éssemos perguntar idealmente aos africanos qual é a sua ideia de pessoa, com um
: ~.'~.~ !. . e.produtos locais.)mpressionado por tanta hospitalidade, Vasco da Gama escreveu que naqÜele dia sornso nos lab10s, responderiam-nos ainda hoje com estas duas palavras, que valem muito ma.is do
,,:/í havia- entrado na bf!/a terra de "Jnhanrbane '·', terra de boa gente. De facto, havia inte1pretado as que inteiros trntadosfilosóficos sobre a pessoa: "Bela 11yl1mbani !"
' ~ ,· ,., '". palavras dos. indígenas como resposta à sua questão. Ainda hoje, a terra de Sewe é chamada

l:<
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; ;\~ . ,. .
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,rJ; -·. :7ts:1R E y j s A o s 1 s TE tvl /1 T l e 1\ E P E i< S l' E C T t 1'v' A S JVI U ,\ T U i S i\11 O i 22 9 ·j'j

( ,.'. · . :~ 1
.~ ' .1
( , .· !
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·!
\ { é uma surpresa para muitos europeus, que a ignoram comp~etamente . Nos últimos traos f ormar o mundo mais do que em preocupar-se com a; verdaqe absoluta. Uma 1·, . ;
"' anos , todos quanto me pediam informações sobre o meu tema de pesquisa, filosofia que marginaliza ou exclui a ideia de Deus não pode \ser considerada :j ·i, 1

ouvindo-me responder que se debruçava sobre a filosofia africana, perguntavam- personalista. Os filósofos ocidentais, pelo menos os da área: norte-anântica, J , . ,

se invariavelmente: "Mas, existe uma filosofia africana?". ,A maior surpresa será, sofrem de urna "ignorância" teológica que barra, preconceituOSé\mente, o acesso
não apenas descobrir que existe uma filosofia africana, mas também que existe às razões da fé. Pensamos que assim como nenhum teólogo jpode ignorar a 1
igualmente um modelo teórico de pessoa africana muito mais autêntico em filosofia - de facto, todos os teólogos .a estudam ampla e aprofundadamente - os '!; ! ·
rela,ção a outros modelos conhecidos . filó!ofos não po.dem ig~orar a teolo.gja. Um grande .n.úmerQ de ~!Ósofos latinoJ j j '.

O modelo que delineamos é o do "Mun_tuismo", definido como modelo teórico do


1 .
amencanos e afnc~nos e feito porteologos, facto que os abre ,oacfsso ao discurso , i :~:·!
(°";, --- "Personalismo africano". da verdade do sentido do homem e dó mundo. ! 1
( ; . . Os princípios fundamentais do personalismo são: Deus, Pessoa, Comunidade. Ao Quanto à dimensão da Pessoa. Com o preconceituoso fechamento da filosofia ·,[' '1
( · .- longo do estud.o procuramos fazer emergir estes princfpios do personalismo ocidental às razões da fé, fecha-se igualmente o acesso à verQ.ade da Pessoa. 'I i ,,
1
presentes na filosofia e cultura africana, mais do que na ocidental, a tal ponto de Como dito, afirmar o ser da pessoa não diz nada acerca da verdaçle d.o seu ser. A :'
( 1· ....
podermos concluir que a filosofia africana é essencialmente personalista. Dito ideia de pessoa no ocidente e de um ser individual que busca o seu sentido em si
( )-
,1·.1

diver~~amente, podemos afirmar que o personalismo ocidental é apenas teórico, mesmo, prescindindo de Deus e dos outros. !
( )~ não corresponde à vida do homem ocidental, enquanto o africano é prático, vivido No que toca à dimensão çla Comunidade, o ocidente concebe a coriiunidade como
("" 1- na ~id~ concreta dos africanos. :1 ! :
espaço de reivindicação dos direitos individuais (no sentido da filosofia marxista
!li .i
( ~ - Partamos da dimensão transcendental. A filosofia ocidental contemporânea, a ou filosofias da praxis), mais do que como uma realidade comunal na qual a ;11 ''
partir de Nietzsche, perdeu a sua dimensão transcendental. 474 À "morte de Deus"
' 1
C- •--- pes_so~ encontra o seu sentido. . . . I . . ,1;
( .y·· seguiu-se a morte da filosofi~, a crise dos fundaméntos .. O critério da verdade A ideia de pessoa na filosofia afncana contemporânea contém em si os · .três 1j.
;
coriio princípio fundamental para a filosofia foi substituído por outros critérios prindpios fundamentais do pers·qnajismo: Deus-Pessoa-Comuni&ade. A pêssoa 1!'
( ·'/ •

mais "utilitaristas". 475 As próprias filosofias da praxis mostram interesse em africana é um ser ontologicamente ~eJigioso: a sua fé em Deus, furÍda a verdad~ da 1! 1 \:
l ;::-- 1

( {!·-
pessoa. A comunidade é um elemçnfo fundamental (Tam becaus~ we are ... ) sem il i .J
"' .É· verdade que já com a época moderna e com o iluminismo introduziu-se a contestação da ideia
o qual o indivíduo seria desenrai~a~o. O ponto fraco para a fortnuiação de um . 1 ·1
i., :,i· I
( ,,./i.. -
f.\'
ele Deus e da religião, mas manteve-se ainda a pesquisa da verdade e a metafisica. "personalismp africano" parece ser precisamente a ideia 4e ,pessoa que Il1:, 1· :
!
( ~r-- "' Basta citar os filósofos pós-modernos, entre os quais Rorty, Lyotard, Vattimo, para aperceber-se
corno o critério da utilidade substituiu o da verdade. Para Rorty, a ~Josofia terminou porque foi
desapareceria perante a supremacia da comunidade. De facto, o indivíduo parece 1
: -,:
~:~!

desmembrada em várias disciplinas autónomas e mais pertinentes, de modo que as novas ciências desaparecer diante da comunidade. Vimos, porém a posição de Kwame Gyekye :f•
1
faze.m melhor o que antes fazia a filosofia . Para Lyotard a filosofia· terminou porque o mundo
<1ntigo, dominado da ideia tipicamente filosótica da totalidade, foi substituído pela fragmentação e
·.,.1 '' . o• 1 :·:i
i' 1
~:

parÜcularidade cio saber prático. Para Vattimo o fim da filosofia é marcado pela substituição do sobre opiniões co~partilhadas. Cfr. Ome~ Curso de Filosofia Contémporâne~. A Filosofia Pós- l;·l
pensamento }arte ·· pelo pensamento "fraco ", o qual não se baseia mais na verdade absoluta mas_ moderna, pro-manuscriptum, UniSaF , Maxixe , 2008. ·. · · 1 •. · i
! •' ~;:
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L I ---~-~- - --

,;~~~~1c;;~:~:_s ' o s T'~MA ri: lS A_ E p E R s !'E eT l V As i\I lJ N TU f S :vt O / 231

~;~ ;(.
~{;'. .. f~:"'

~~;~- : : qúer'réivindica ;uffi.a identid.ade, ele pessoa como ser livre, ca~az de escolhas Burrow continua afirmando que "Personalism maintains that the God of Afrikan
tfl;: . autórib'tnas e com valores mtrmsecos. Redesenhamos o seu discurso fazendo traditional religion, of che eighth century prophecs and Jesus Christ, is the
:. ~~:;1·'r . alusfoà
~, i,.. . .
história política do Gahna pós-independência: Originator and Sustainer of ali per sons . Personalists focus primaril y on the
~~· · CoTI1o Gyekye, pensamos que o "comunitarismo" africano, ao longo dos anos se centrality of persons-in-community". 477
r~;{::: ' ·. teTihà tomado um "lugar-comum'', que frequentemente é contraditei pela Segundo nos parece, a "pessoa africana" mantém o seu valor único graças à

l_ .,·:~.'-1 ~~~id:1d:~::~~:~it~s i:;~r~:n~:.n::~n~:oe~e~:~~n~~::a::s, v~~~c~:e:~~~t~~


abertura ao transcendente e à comunidade.
: .·,
Nos debates sobre a África, geralmente os . afro-pessimistas atribuem o
ti Conhecemos mulheres que se recusaram a submeter-se ao ritual da purificação subdesenvolvimento da África à sua cultura, às suas crenças e ao seu
imposto pela farru1ia; jovens que tomaram decisões sobre a sua' vida em contraste comunitarismo que contrasta com a lógica da acumulação de capital, impedindo
com as decisões da ·família; numerosas pessoas que se destacaram em muitos assim o desenvolvimento. Não obstante o atraso da África em relação ao ocidente
campos, éomo o académico, artístico, político; etc. mostrando forte personalidade. quanto ao aspecto económico, à luz de quanto analisado,- cer1amente podemos
Por todos estes .factos podemos concluir que a cultura africana é essencialmente afirmar que tal atraso não afecta de maneira alguma o mais amplo contexto
personalista: Não só, como também há uma precedência do personalismo africano humano, espiritual, moral, etc. A África é depositária de grandes valores,
sobre o europeu. intrínsecos à sua cultura.
Os filósofos e intelectuais africanos, a partir dos ensinamentos do Cheikh Anta Trata-se, então, de conciliar o desenvolvimento com os valores africanos : por
· Diop, reivindicam o primado da antiga sapiência africana sobre a cultura grega exemplo, como conciliar uma economia (a capitalista) que se baseia na ,_,.

através da civilização do "Egipto negro'', · e também o ·primado da filosofia e acumulação' de bens e o dever de dividir os bens com todos os membros ela
teologia da libertação africana sobre a latino-americana. Podemos, com justiça, faffil1ia aiargada? Valores tradicionais e globalização?
reivindicar igualmente o primado do personalismo. Esta tese é também defendida A via proposta por Eboussi Boulaga parece-nos justa: (re)partir da tradição liberta ir-.
do folclore e do essencialismo; 478 :\ saber distinguir os rostos das másc~ras ;
i ..
por Rufus Burrow Jr. no seu artigo Personalism and African Traditional Thought:
"Afrikan theology and philosophy are essentially personalistic. Because Afrikan construir o discurso para si e · p~ra o outro com vista a construir uma
theology and philosophy are older, and it is known that some ancient Western universalidade concreta que nfü;i, ~ já dada, mas em construção, para cuj a
! .
thinkers whose ideas influenced personalism actually 'learned these in Egypt, Ú is construção ,o Muntu pode e deve contribuir. A conclusão de Eboussi Boulaga é
not farjetched io say that Afrikan traditional thought spawned personalism ,;.476 particularmente iluminante: o Muntu não deve sonhar para além da sua época "Gli

"A teologia e filosofia africanas são essencialmente personalistas. Porque a teologia . ~ filosofia
476 477
"O personalismo sustenta que o Deus da religião tradicional africana, dos profeta s do século
· afr,icanas são mais antigas, e é conhecido que alguns pensadores acidenta.is antigos cujas ideias oitavo e Jesus Cristo, é o Criador e Sustentador de toda s as pessoas: O personalisroo centrar-se
· inflúenciaram o personalismo actual, aprenderam estas no Eg.ipto, não é exagero dizer que o essencialmente na centralidade das pessoas-em-comunidade" (TdA) , Ivi , p. 324 ·
478
·pensamento tradicional africano gerou o personalismo" (TdA), em BURROW R. Jr., Personalism Para Eboussi Boulaga , essencialismo é procurar a autenticidade africana nas origens perdidas.
. a_nd African Traditional Thought, in Encounter 61 .3, 2000, p.323 Veja acima .
,._,
1
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;,, r,.\ n·-·· Sj '., T E M ,\ T ! C: •\ i': P E I! S P E C T l V ,'\ S i '!
M U N, T lJ Í S M O ! 233 ~
.... . ' 1

,,
hasta abitare la sua diversità e quella dei mondo, cone nel progetto di essere per até aos nossos dias, superando os dramas da escravidão ' do colonialismo e do. ·~ t 1

;
se stesso e in virtu di se stesso, con la mediazione dell'avere e delfare. [. ..]Sono genocídio. ! 'I '
questi i /ineamenti di una dialettica dell 'auten ticità, connessa a una storia Definimos esta verdade da pessoa africana com o neologism~: Muntuismo. oil
i
particolare della libertà ragionevole e aperta ad un universale concreto da fare, Muntuismo diferencia-se. do Bantuisrno e do Ubuntuismo, vistb que os últimos ., ~
w1 'autenticità che non ealtro per il Muntu che costruire il tempo e lo spazio de! indicam um conjun_to de valores típicos da cultura africana _ q_ u ~ abraça diversos
1

\ ;

suo impegno, il campo dell 'esperienza che gli e possibile in un mondo che lo . campos. Por Muntu1smo entendemos .o modelo de Pess9a afncaµa que encontra a ~' :
circonda e che einsieme al suo interno". 479 sua verdade e abertura transcendental e horizontal, que definirn~s no aforisma: "I '.\ -1
Não se trata nem da exaltação do homem africano como portador de valores e Am beca use 1 Believe and I Love". , -\
pr'odutos exóticos, nem da sua subvalorização por causa do atraso económico, Num mundo co~fuso q~anto o nosso, a sageza afridna poderá ,. ajudID- a·1;1
mas simplesmente do reconhecimento do valor da pessoa africana, assim como reencontrar o sentido perdido de ser pessoa. Com a sua desatma~te simplicidade e 1 i
de cada pessoa em qualquer parte do mundo . A pessoa africana é portadora de um com o seu sorriso, a pessoa africana lança-nos mais uma vez o §eu lconvite: Bela i :
vâlor acrescido·, não indiferente: a abertura ao transcendente e aos outros a torna Nyumbani! 1 i · ·· lj
1 ' !l 1
mais autêntict'lfem relação às ideias de pessoa fechadas nos dolorosos espaços do
1 111
individualis~Õ'°'. e do agnosticismÕ: !"'

Penso que esTã seja a mensagem mais importante que a África pode dar ao ;I:
mundo: o val61 da pessoa humarih , que encontra a sua verdade em Deus e no dom 1 !
·.11
''
.•.;;q, ;.,,7.
de si aos outrôs·~ :· ·
'.$ " ·-·

Esta ideia de pessoa africana é necessari~mente indeduzível e apenas pode ser dita
li
!I
metaforicamente, dando o justo valor e reconheciménto ao carácter ulterior da sua :1 !1
11 'I
verdade. A sua verdade não é conceitualmente demonstrada, apenas confirmada I! . :
historicamente no facto de ter guiado e sustentado por milénios inteiras gerações ·1 :1
-Ili :i
479
"Basta~lhe habitar a sua diversidade e a do mundo, com e no projecto de ser para si mesmo e em 1\l ~
virtude de si mesmo, com a mediação do ter e do fazer. [. ..}São estas as linhas de uma dialéctica 1
da autenticidade, conectada a uma história particular da liberdade racional e aberta a um
universal concreto a fazer. uma autenticidade que não é outra coisa para .o Muntu de que construir
1
1
:1:
!'
il
o t.empo e o espaço do seu empenho, o ca mpo da experiência que lhe é possível num mundo que o
·circunda e que está ao mesmo tempo no seu interior" (TdA), em EBOUSSI BOULAGA F., La crise
1 ·:
'l
du Muntu . Authenticité africaine et philosophie, Essai, Présence .Africaine, Paris, 1977 , tr.it.:
,-
'I
.l
Autentic itá Africana e filosofia . La crisi dei Muntu. Intelligenza, responsabilità , liberazione, ed. ·I

Mariotri';"MJano, 2007, p. 241. ;i


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A G lZ A D 1:: C l ME N T OS 1 235

.Agrndecimentos:

Um agiadecimento especial a:
Aos meus familiares, especialmente Vanna, Riccardo e Nicole, parentes e amigos.
Prof.' Francesca Bonicalzi, da Università degli Snidi di Bergamo, minha Supervisora
Aos. doutmes Arsénio Chelengo; Julião Mouzinho Zan<lamela, Gabriel Alfiado, Francisco Fernando
Stelw Paulmo Mufaniquisso, Carlos Massango, Shaun Bissec. · '
Prof'. Lidia Procesi,
'
dá Università degli Studi Roma Tre
Aos .doe.entes da UnisaF, especialmente à Directora Adjunta, Dra. Crisal ita Djeco, aos estudantes e
Prof. Severino Elias Ngoe~ha, da Universidade Pedagógica Moçambique.
func1onanos e todos quanto directa ou indirectamente me ajudaram nestes três anos de escudo.
Gostava também de agradecer: · •·

Ao III.mo Prof. Giuseppe Bertagna e a todos os Professores do Departamento de Scienze della


.Persona da UniBg.

Aos. esh1dantes .. de Filosofia da Educação .dos ahos académicos 2008, 2009 da "Universidade
Pedagógica Sagrada Família" e especialmente aos estudantes do a.a. 201 O aqui citados, por nos
terem ajudado na pesquisa de campo:
,,.;... Adelaide da C.Taimo; Alberto da Cruz Bilério; Alberto Niquice Ofice; Almeida da C.Nhabomba;
Amélia Manuel A. Lucas; Atanásio da C.Belarmino; Augusto Andela Junior; Baldovino Quehà;
Benedita Arlindo Matias; Benildo Francisco Nhabomba; Bento Alfredo Ombe; Benvinda da Vera
Bonifácio; Calton Armindo Mahoche; Cândido E.W.Chissengue; Carlos Maurício Macaringue;
'{ Clara Felisberto Muhacha; Clarêncio Simão Muane; Constantino Filipe Z. Muba; Cristina Teresa
{.
'1: Leonardo; Cubilas Alberto Siniquinha; Daniel Rongo Pascoal; Diamantino Destino Malaia;
. ~t Dionísio Fernando Salomão; Eduarda Maria Zacarias; Emílio Augusto Nhacundela; Eugénio
tl!,
~;-i
Alberto Siniquinha; Eunice da A. E.Machava; Felizarda Berane; Filipe Caetano Chaúque; Florencia
Luísa M.Canhore; Francisco Sebastião Novele; Graça / -Alexandre Marengule; Guivith
[~
tt ~ R.Mamuquele; Isabel Zero Fernando; João Constantino Cofe; Jorge Jaime Chinangua; Jossua da \ "

~~;
Esperança Jossua; Juca Mário Bata; Julião Teonildo A. Muhacha; Leonor Felisberto, Lionel Nildo
' Castigo; Lorindo João Felix; Lurdes Sebastião Macuácua, Mário João Dombole, Ondino João
~} i Chaimite; Palrice E.Mucocosolane; Reginaldo Alexandre; Ricardino Eusébio Pascoal; Ricardo
~·!~ 1
Faustino; Ricardo Manuel Tafula; Ricardo Noa Nhamuave; Samuel Joaquim Inhalungo; Sandra
: ~Ji, A.C.Abdurahamane; Sandra Benedito Mazivile; Sílvia Joana Bule; Sofia Senete Muchisse; Sónia
Candida Daniel Simone; Sónia César A.Muzazaila; Sónia Suzana Jacinto; Telávio José Churrana;
]i Victor Alberto Macuacua; Vitorino Bambo Chilamba; Xavier Bernardo Tauzene.
l
1
~-~·. ; ':!,.:..
À minha Congregação da S. Fanu1ia, ao Superior Geral P. Michelangelo Moioli, ao Superior 1
'·r i ~·
; · Regional P. Gianmarco Paris, e à minha comunidade religiosa da Maxixe: Irmã Lica Veloso, P. .• 1
1
;~ic. ,. Failsto Ghirardelli, Irmã Valdina Luiza Gonzaga, Ir. Luís Pazian, Irmã Creuza Maria Anastàsio, P. -1I,r--
~.~.·!.'·· · .Pie.íantonio Ubbiali, Irmã Isidora Veloso. O agradecimento é também extensivo aos P. Casimiro
Facco e P. Domingos Mazive, P. Angelo Fratus.
BIBLIOGRAFIA
1

Dividimos a nossa bibliografia em três classificações. ' .: '


1
·Na Literatura Principal constam os textos dos autores exàminaqos que formam o 111 i
objecto material principal da nossa pesquisa. . : ! 1

Na Literatura complementar figuram outros textos dos mesmos' filósofos ele que 1'
fizemos menção acima ou de outros filósofos significativos que completam o l
object? material.. , . . j . 11 ·

Por fim, na Literatura Secundana apresentamos · todos os demais textos Jl I


analisados,
.• .
que nos ajudaram a aprofundar a pesquisa, mas quJ não 1-
constituem
'
:1
directamente o objecto material do nosso estudo. j ,
1
· '
J; ' 1

,
' !
1. Literatura Principal

1
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97-105. Nome completo
Abiatar Totiwa Vilanculo
Data de Nasc.
10/02/1978
Prolissão
Pastor (de uma igreja)
Líne. materna
Xitswa
.1
J

1
l)~?--- Adelina Reginaldo 25/06/1972 Pastora (de uma igreja) Guiionga
; r.,;~J.
Adolfo Lucas Simoniane 24/0711964 Professor e catequista Guitonga

r~~,·.:·: Afonso Albano Siquice


Afonso Ruben Maciel
15/06/1977
26.05 .1940
Professor
Professor
Xitswa
Xits'wa
.1 •
:1 :

r;~~
Afonso Sinalo Bata 18.04.1939 Secretário. de bairro Guiionua .
' "
Agostinho A. Vilanculos 20/0811983 Comerciante e conselheiro Xitswa
:.~ ·
Agostinho Jossua 1943 Animadora de comunidade Guilonga
Ago1ainho Paulo Mata vela 04/01/1940 Professor Guilonga
Albertina Mário Rombe 1953 Conselheiro de comunidade Xitswa il:
l 1

Alberto Charnbisse 1950 Professor Xits:-"'a I•

Alberto Laitela 27/02/ J947 Secretário de bairro Xitswa li;


Alberto Macitela Chapo 27.06.1966 Chefe do quarteirão Xitswa
Alberto Pequenino 1953 Catequista Gui\onga ''
11

Alberto Rafael Siniquinha 21.01.1952 Ancião Guitonga


i
Alexandre dos Anjos Gabriel 27/0211963 Professor Guitonga
Alexandre N.·Vilanculos 25/06/1961 Àgente de Serviço Xitswa
Alfredo Changuelane 1949 Mineiro Xitswa
Alfredo Francisco 06.I 1.1961 Professor Guitonga
Alfredo Mazango Zango 06/11/32 Curandeiro Xits~a
Amélia Muando ------------- Conselheiro Xits~a ·
Amina A Mossa "Laca 14/0211932 Cozinheira Guitonga
. ·-
Ana Pedro Pimba 25/04/1943 . ' Pastora Xitswa
Ânge.la Maria Muendane --------------- Presidente de um~ igreja Xits~a
Aníbal Naene 22105/1961. ' ' i Funcionário do nlin. da saúde Guitonga
António Boavida M. Langa 15/03/1947'- 1 Instrutor Chape 1 1

António Gomes Matola 23/08/1970 !lrofessor universitário Xitswa i ...


1

António Jorge Consule 13.04.1967 Gestor Guitonga'


e António Lourenço Tualu fo 15/03/1961 Agente de segurança Xitswa
( António Manuel 13/07/1959 Professor Xitswa
António Pedro Gomes 12104/1965 Professor Xitsyta
Armando Namburete 0510211940 Alfaiate Guitonga
Artur Manuel 01.0l.l957 Técnico Pedagógico Xitswa
Augusto Cbelene 07.04 .1945 Curandeiro Xits\l'a
Augusto Ngui!a 20/06/40 Padeiro Guitonga
\
·, 7---.
--·~-- 1 -

:t-.1l UNTU Í SMO 1 251


;\l
l
Gildo Pedro Malawene 23.05.1977 Comerciante Guitonga
Gloria C. F. S. Chongola 30.0 l.1966 Secretária de Bairro Guitonga
i('
Gueze Jennane 03.07.1945 Curandeiro Xitswa )(~
02.08.1962 Camponesa e conselheira Guitonga Helana Lassita Chambele 08.08.1962 Doméstica Xitswa \··'
Baptista Samuel Lichucha i
04/04/1944 Resp. da igreja metodista Chope Henrinque Zacarias 05/08/1951 Catequista católico Xitswa
Beatriz Elias
23/06/1963 Membro da igreja católica Xitswa Hilário Guibundana ------------ Secretário cie Bairro Guitonga
Beatriz M. L. Vilanculos
09.09.1959 Dactilógrafo Xitswa Hilário João Bata 23/0l/1945 Carpinteiro Guitonga
Belannino Samussone
15.03.1958 Agente de Serviço Xitswa Hilário Mudumela · 1961 Professor Guitonga
Bernardo A. Maculule ·
07.08,1957 Professor Guitonga Horácio Jaime Ofice 06.05.1959 Professor Guitonga
Bernardo C. Gu"irungo
23.07.1961 Professora Xi1Swa Hortêncio Júlio Marcos 07/01/1968 Conselheira de comunidade. Guitonga
Caferina P. Macuacua
20.03.1949 Enfermeira e conselheira Xitswa Jdalia H. M. Macauze 14.01.1962 Pastora Xitswa
Carmina da .C. Novele
26.11.1961 Professora Xitswa Irene Jeremias Chilungo 1952 Doméstica Xitswa
Catarina Joaquim
07/06/1968 Professora Guitonga Isabel Armando Cuamba Ol/1 l/1963 Evangelista Xitswa i .·
Catarina Jossias
Catarina Taims Macuacua 22.08. 1962 Professora Xitswa Isabel Josias Macu lu ve 1960 Doméstica Xitswa 'l
Camponesa Guitonga Isabel Maralela 1961 Cu randeira Guitouga
Cecília J. Augusto Bambamba 15.01.1 947
13/06/1951 Evangelista Xitswa Isabel Seneta Malanzela 23/11/1963 Professora Guitonga
Celeste Pende
23.05.1947 Professora Guitonga Jaime Jaimine Joao 27.07.1943 Carpinteiro Guitonga
Cristomo Nhambire
08/0111956 Funcionário do Ap. do Estado Xitswa Januário Maela Alfaiate Guitonga
David Johane
06/06/1966 · Funcionário do Ap. do Estado Xitswa Jeremias Julião Macuacua 03.11.1964 Secretário de Bairro Xitswa
Delfina Filipe Ujembe
Guitónga Guitonga
··- (
1949 Professor Jertrudes Filipe 1966 Tesoureiro de comunidade
Diamantino D. Malaia
Domingas José Franca 15.08.1935 Técnico Guitonga Joana Djombosse Pacule 01/01/1950 Lavadeira Xitswa ("'
03/11/1945 Pastor Xitswa Joana Lopes Bulha 26/01/1954 Enfermeira Guitonga
Ernesto J. M. Guiamba
28.04.1 959 Professor Guitónga Joana Pencela Neves 09/05/1984 Camponesa Xitswa
Ernesto Joaquim Surjao
Ernesto Julai Zunguze 05 .03.1954 Ancião João Cuamba Guinengane 07.09.1963 Professor Guitonga (
1967 Professor universitário Xitswa João Feliciano Matsinhe 30/1011975 Pastor Xitswa
Ernesto Marringue
Professor Guitonga João Fernando 24/06/1972 Professor Guitonga
Ernesto T. Ricardo Foliche ·07.09.1964
13/03/1959 Professora . / Xitswa João Filipe Guirengane 16/01/1937 Pedreiro e secretário de Bairro Guitonga
Etelvina Raul Mazivila
Evelina Jaime 1965 Professora . Gu itonga · João Rungo 15/08/1955 \
Técnico de construções Guitonga
24/04/1975 Professora Guitonga Joaq uim A. Chinangua 26/06/ 1960 ~rofessor e Educador Sena
Felizarda M. Nhantumbo
20/0811954 Técnico Guitonga Joaqui m Fortunato 14.11.1 939 /écnico de construções Guitonga
Fernando E. Cumbane
Xitswa 22/09/1922 Xitswa
Fernando Jorge Novele · 14.08.1961 Técnico·de comunicações Joaquim Jossias ' Ancião '
1945_ Conselheiro de casais Guitonga Joaquina U. Vilanculos 13/0711968 Pastora Xitswa
Filipe Amone
18/ll/1950 Funcionária Guitonga Jorge J. Zacarias Matsinhe 25/09/1966 Catequista Xitswa
Filomena Victorino
' l l/1011953 Director de escola Xitswa José D. Chambela Ol/Ol/1954 Curandeiro Xi1swa
Firmino Júlio
12.03.1951 Agente de serviço Xitswa José Feniosse 14/0811969 Professor Guitonga
Floria.na Marcelino
16/03/1958 Agrónomo Xitswa José João Maguirimussa 02/10/1935 Comerciante Guitonga
Francisco A. S. Novela
13/02152 Líder comunitário Guitonga José Nafta! Matoimbe 1004.1950 Religioso Xi ts wa
Francisco Elija
Animados de comunidade Guitónga José Raimundo Guebnza 13/0511954 Professor Guilonga
Francisco Jeremias 1938
20/06/1940 Régulo Xitswa José Zaqueu 16/09/1946 Professor Guitonga
Francisco Mathe Muhoro
Professor e jornalista Xitswa Josefa M. Matandalane 15.10.1 944 Anciã Guitonga
Gil Raimundo 22107/1985 ---
. 20.12.1960 Professo Guitonga
Gildo João Agostinho
252 A PÉNDECE
M U NT U Í S lvl O j 253.; .:
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Natividade Ilda Francisco 07/03/1968 Chefe de quarteirão Xit~wa
Nunes Jeanias Mulambo 0108.1968 Pastor Xitswa
Júlia Faela Ol/Ol/t962 Curandeira Guitonga Oliveira Nafta! OJ.Ol.1947 Pastor Xitswa
Juliana Nicolau 05/12/1938 Professora Xitswa Orlando Cuamba 26.04.1961 , Professora Guitonga
Laura Acácio ------------- Professora Xitswa Orlando E. Vilanculos 10/12/1973 ,Professor e líder reLlgioso Guitonga
Linda I. Simbada 18.05.1955 Professora Xitswa Paciência F. Guibunda 16.0 l.l 964 Professora Chppe
Lourenço da Silva 07/01/1945 Motorista e conselheiro Guitonga Pascoal Jetuane 25/11/1977 Professor · Guitonaa
Luís Francisco 19/09/1949 Pedreiro Guitoilga Paulo Baptista Bata 22.02.1949 Mecânico ' "
Gu!tonga
Luís Gonzaga Auze Professor aposentado Guitonga i Paulo Filipe Guambe 28.02.1928 Professor Ch9pe
Luís Manuel OJ/Ol/t96l Ferreiro Guitonga Paulo Inacio 2~/04/1960 Bibliotecário d1
Guitonga
Luísa Manuel ------------- Secretária de bairro Guitonga Paulo Palege 10/05/1962 Secretário de bairro 1
1 X i~1wa
Manuel Alberto Florêncio 01.02.1964 Director de escola Guitonga Pitorane T. Matavela 1943 Guarda Xit~ wa 1
Manuel A. José Bambo 17 02.1964 Deputado no parlamento Xitswa Prezelina A. Mahumane 09/02/1963 Secretário de bairro Guítonga
Manuel Carlos Fonseca 12/ l l/1953 Professor aposentado Xitswa Rafael Baptista 30/04/1961 Professor Gu\tonga ~ 1 •

Manuel Filipe Gota 15.01.1955 -- Au)(iliar Guitonga Rafael Jaime Chissico 15/11/1952 Educador Xitswa
Manuel José Matrena 04.01.1970 Líder Comunitário Xitswa Rafael Tenossi 1957 Conselheiro Gui'tonga
Marciana Zefanias 16/06/1949 Madrinha Chape Rafael Xavier Chilaule ------------ Ancião Xitswa
Marcos Tai Nhantumbo 27.02. l935 Professor Xitswa Raimundo Rafael Mabota 30.04.1946 Enfermeiro Chope
Maria Bambo 07/1l/t960 Líder religioso Guitonga Rebeca W. Macuacua 21/06/1977 Professora Xitswa
Maria de Lurdes S. Chale 24/06/1952 Professora Chape Ricardo Menete 10.11.1957 Técnico electrónico Xitswa
Maria Joana Luis Lampião 28112/1954 Professora Guitonga Roberto Carlos Cumbe 10/04/1942 Líder comunitário Xit~ wa
Maria Luísa Mercedes 06.12.1932 Animadora Xitswa Romão Inácio Neves ------------- Técnico agrário Xitswa
Maria Rezia Laisse 22 08.1949 Contabilista Guitonga RosaNguila 1958 Conselheira na igreja católica Xit~wa
Maria Rungo 24/03/1942 Camponesa Guitonga Rosalina Manuel Mazive 20/05/1950 Conselheira de comunidade
Maria safo 1951 Curandeira Guitonga Rosalina V. Monteiro 16/09/1935 En ferrneira
Xits'wa
Guito:nga
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Maria Xavier Zaqueu 30.l 1.1950 Dactilógi'a(;i.e conselheira Xitswa Rungo Faustino Guilamba 12.11.1957 Carpinteiro Guiionga .l 1
Mariana de F. R. Fortunato 0610211959 Professora Xitswa Salvador Ricardo 02.02.1953 Técnico Pedagógico Xitswa 11:
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Mário Manuel 0410611950 Técnico de AP Guitonga Samuel Foquiço Chachai 03112/1953' " i Agente de medicina Xitswa
Marta Macolote 23.06.1965 Director de escola Guitonga Samuel Tualufo Sevene 06/09/1974 ~ Professor Xits.wa
Maurício Flores 0210911955 Autiliar administrativo Guitonga Sara Zacarias 07.05.1958 : Modista Xitswa
Mequ.i li na Chitofo 1935 Camponesa Xitswa Sarafina Silva Namburete 16.07.1966 •, · Doméstica Xitswa
Micas Raiane Gungulo 22.031962 Curandeira Xitswa Sarti.na Simone 1958 Doméstica Xitswa
Miguel dos Santos 08.011972 Sacerdote Macua Sebastião Ucela Vilanculo 0410211949 Pastor Xitswa
Miguel Menengene Régulo Guitonga Simão Alberto Zimora 01/01/1962 Carpinteiro Guitbnga
Mónica Mequel Uamsse 10/07/1960 Professora Guitonga Simão Belanhane Manhenje 13/11/1943 Mecânico . Guitpnga
Muando Bemando 24.02.1942 Ancião Guitonga Simão Welemo Íllll/J94J Professor 11 I
Xitswa .1 1
Muhammado Seja 1950 Professor Xitswa Simião Alfred Muendane 15.07.1958 Régulo Xit*a ;! 1
Mussagy S. Aly Dauto 26.l J.1949 Sheick da mesquita Guitonga Suiana Tauzene 11/03/1960 Professora Xitswa
( 1 Nafitissa Jeque Manhissc Camponesa Xitswa . Teresa Rungo 2511011939 Rep. da igreja Congregacional Xitswa
(" ) Natália Jamal 25.12.1944 Doméstica Guitonga Te)(eira Carlos 04/04/1970 Custódio e líder religioso Guit~nga

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. Publicações de EDITORA EDUCAR


Ventura P. Zamburene Ol.Ol.1951 Religioso Guitonga
'\lidória Navésse Tanque 29.05.1943 . Enfermeira Xitswa Series Maxixenses
Victorino P. Nhambomba 1940 Camponês Gui tonga
Zaq\leu F. Malambane Ol.10.1945 Ancião Chope
zeferino B. Manhice Xitswa
QUAESTlO:
1923 Alfaiate

1. GREGÓRIO VILANCULO:
Do Senso Comum Pedagógico à Pedagogia Científica de
Gaston Bachelard ·

DISSERTATIO

1. EZIO LORENZO BONO


Muntuísmo, a Ideia de Pessoa na Filosofia Africana
Contemporânea

2. XAVIER ORLANDO CA VILANE


Teaching Through elf: local Janguages resisting the
cha11enge of Global English

3. ANTONIO MABOTA
As críticas de Alasdair Maclntyre e Charles Taylor à
concepção comunidade e de Justiça do liberalismo
Rawlisiano

IBCTIO , :
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1. VENÂNCIO CHAUQUE
•.. Léxico Pedagógico
ÍNDICE ONOMÁSTICO . ';:
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De Hipona, 226 150, 151 , 152, 153'., 154, 155, 156,


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Amaral, 15, 157, 160, 161, 162, 157, 190, 194, 202, 210, 211 ,2 13,
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Boff, 58 Du Bois, 130·
Bongmba, 224 Dussel, 119, 224 1

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102; 104, 105, 106, 108, 109, 110,
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215, 217, 232 . 1 '
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Bussotti, 128 Engel, 215
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Ferretti, 222, 243
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Castiano, 15, 125, 128, 141, 142, Freire, 150
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143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, Freud, 100
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ÍNDJCE ÜNO .M ÁSTlCO iVJ U N TU Í S !Vi O 1 259

Mulago, 15, 48, 49, 50, 51 , 52, Rejón, 224


53,54,55,56,202,204 Rorty, 215 )29
Kalumba, 193, 244 .Nlveng, 124, 132, 173,245 Sartre, 91, 92 0
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Kant, 145 Ngana yogo, 24, 242 Senghor, 119, 130
Kirnmerle, 94, 244 Ngoenha, 15, 63, 69, 126, 128, Serra, 137, 138, 248
Laisse, 164, 241, 252 129, 131, 133, 134, 136, 137, 139, Shutte a, 248
Langa, 180, 184,240,244 140, 141, 146, 147, 153, 155, 156, Siquisse, 17 4
Leghissa, 20 . 189,202,210,213,221,228,234 Si toe, 159, 248
Lerrna, 15, 157, 174, 176, in;; , Ngunga, 158, 159, 247, 248 Smet, 35 , 239 , 240
· Gnmer, 94, 2.44 179, 180, 182, 184,202,207 Nhacota, 164, 241 Sobrino, 224, 243 . :t
Gutierrez, 58 Lévinas, 14, 20, 218, 219, 220;~, Nkernnkia, 204, 247, 248 Sócrates, 108, 116, 117 , 220
Gyekye, 93, 94, 98, 237, .239 222. 223. 224. 225, 241. 243 .. ·. :r\ Nkrumah, 206 Sopa, 138
Hallen, 193, 243 Lopes, 15, 114, 117, 118; 119, ,:~. Nuzzo, 32 Tatiana, 20
Hardy, 130 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126,. ·, Nyanala, 164 Tempels, 15, 19, 20, 21, 22, 23 ,
Hegel, 220 · 127, 128, 147, 153,202,209,251 Nyerere, 65, 193, 207 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, '·~ ;

Heidegger, 218,)20, 222, 223 Lyotard, 229 Oduye, 184 33, 34, 35, 40, 56, 66, 67 , 70, 72,
Hountondji, · 1~: 131, 144'. 145, Macamo, 138, 139 Oruka, 156, 157, 190, 191, 192, 78, 121, 122, 131, 145, 146, 202,
146, 153, 155, 190 Malinowsky, 130 193, 194,203 203, 204,243,244
Jacob,20,243 Manguelle, 140 Osha, 153 Towa, 139, 146
Ela, 15, 22, 56, 57, 58, 85, 132, Mapera, 174 Person, 10, 88, 89, 93, 94, 164, Tutu, 76, 77, 132
241 Marinotti, 19, 34, 101, 247 238,239 ' .. Uthui, 141
Mbiti, 15, 20, 57, 66 De Pombal, 134 Procesi, 19, 23, 34, 101, 117, 234, ' Vattimo, 34, 229
Jungel, 34 · Massango, 158, 235 248 White, 118
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Ju~od, 42, ·43,136, 142, 168, 185,
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Melchiorre, 212, 226, 245 Rahner, 34 Wiredu, 23 , 73 , 89, 94, 98, l 52,
l.86,202 Menkiti, 15, 88, 89, 90, 91, 92, Ramose, 150 153, 154, 221, 240
Justino, 32 93,94,95,202,206 Altuna, 167 Wright, 238
· ,Kagabo, 35, 47, 244 Miguel, 245, 246 Rawls, 91
~· . '
. Kagame, 15, 20, 34, 35,)6, 37, Mondlane, 128, 133, 137, 175
' ;.<. 3'8, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 47, Mouelle, 140
,. :l' '67, 73, 110, 131, 145, 156, 193, Moura, 164
;~;) j 9{ 202~ 203, 204, 244,248 Mudimbe, 73

(
\ 1

l
1. 'i
Ezio LoFenzo Bono,;
1
Professor de Filosofia contemporânea e'I
africana, e de Filosofia da Educação na : 1

Universidade Ped ~gógica-Maxixe !:


(UniSaF) onde é tkmbém Director;.[:
1
Professor nos cursqs de Mestrado e.:
Doutoramento na Universidade
Pedagógica - Moçarribiq ue. ·,
Fez os seus estu pos filosóficos,
teológicos e pedag\)gicos em Itália, .
Brasil e Moçambique, concluindo com ·
o doutoramento nai Uni_versitá degli ' ·
Studi di Bergamo (1 tália). t
"'!-1 'i- ,, ..

Entre í!S suas publicações:


' '
- La possibilüá di parlare di Dio i71. "Dio
'
' mistero dei mondo n di Eberhard Jungel . ,.
(Bergamo, 1987); 1 '.'

- Ética ou retórica ;sobre d outro? As


aporias da ética comoftlosofiapn'meira de .. ,
·. ,.
Emmanuel Lévinas. Nas obras "Totalzté e
lnfinin e :4.utrement iqu'êtren, (Maputo,
2004); '
-L 'idea dipersona nel(a Filosofia africana ·
contemporânea (Bergamo, 2011 ).
e
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