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Anna Maria Campos já apontava em seus estudos sobre accountability que mesmo

após a redemocratização o Brasil manteve muitos traços retrógrados em suas


relações políticas. Entre eles podemos citar a falta de participação social,
autoritarismo, populismo e falta de credibilidade das instituições. No texto sugerido
de José Antonio Gomes de Pinho e Ana Rita Silva Sacramento, escrito 20 anos após
as reflexões de Campos sobre accountability, os autores concluem que mesmo após
tantos anos (e apesar do país ter, de fato, apresentado uma melhora nesse aspecto)
muitos desses termos ainda se fazem presentes na nossa política. O texto é de 2009
mas se mantém assustadoramente atual.
Nos anos que antecederam o ano eleitoral de 2022 observamos um crescimento
desses ideais conservadores na política brasileira e uma polarização exacerbada
dos eleitores. São ideais esses como o favoritismo, autoritarismo e também a
minimização (por parte dos eleitores) de atitudes dúbias do então presidente Jair
Bolsonaro.
Os autores explorados no texto têm concepções diversas a respeito do que é
accountability mas, de forma geral, todos os conceitos envolvem de uma forma ou
outra responsabilização, prestação de contas e alguma forma punição, a fim de
estabelecer o controle dos tutelados sobre a ação dos tutores. O’Donnel (1998,
1991) sugere a segmentação da accountability em duas dimensões, vertical e
horizontal. A dimensão vertical abrange as ações individuais ou coletivas referentes
àqueles que ocupam cargos nas instituições estatais. A dimensão horizontal
compreende as relações entre agências estatais, dotadas de poder, e as demais
instituições ou agentes estatais.
As eleições, portanto, se enquadram na primeira dimensão, vertical. A accountability
vê a votação como um momento onde a sociedade pode fazer valer através do voto
o interesse público, votando conscientemente e “penalizando” aqueles candidatos
que agiram de maneira individualista ou inapropriada durante seus mandatos. Isso
também implica uma prestação apropriada de contas, para que os eleitores possam
se informar e avaliar a atuação desses candidatos.
O que podemos observar nas eleições de 2022, entretanto, foi um distanciamento
desses valores de accountability. Vimos o crescimento de eleitores “fanáticos”, que
concedem seus votos por afinidade a determinado candidato ou partido, mas sem de
fato considerar sua atuação, o que extingue a responsabilidade desses políticos.
A Lei Nº 12.527, de 18 de Novembro de 2011, também conhecida como Lei de
Acesso à Informação é um marco importante para a transparência no Brasil,
assegurando aos cidadãos o acesso à informação. Entretanto, no mesmo
instrumento é facultado o decreto de sigilo de até 100 anos, uma prerrogativa que foi
demasiadamente explorada pelo governo Bolsonaro. Desde 2015 foram decretados
1.379 sigilos pelo governo federal, 80% destes durante o mandato do ex-presidente.
Destes, propostos por ele, 413 foram determinados indevidos ou irregulares. É
evidente que a falta de transparência proporciona uma falta também de
responsabilização.
No aspecto de denúncias e precipitação da determinação dos culpados vimos
também um aumento considerável, de ambos os lados, e a falta de continuidade
desses processos investigativos.
Considerando agora a dimensão horizontal temos, talvez, o aspecto mais marcante
dessas eleições em relação à accountability. Antes mesmo de irmos às urnas já
vinha surgindo um crescimento da convicção de que as eleições seriam fraudadas e
isso tomou proporções inimagináveis após o resultado do segundo turno. A
contestação desses resultados, especialmente por parte do então presidente
Bolsonaro, suas inúmeras tentativas de denúncia ao TSE e a disseminação de
notícias falsas são, ao meu ver, uma tentativa de usurpar a autoridade do TSE.
Essas ações tinham como objetivo deslegitimar o resultado das urnas, questionar a
competência e autenticidade do TSE e fomentar a ascensão de ideais autoritários,
anti-democráticos.
Campos já apontava a necessidade da substituição de valores tradicionais por
valores sociais emergentes e essa necessidade se torna ainda mais explícita ao
observar a promoção de ideais autoritários e antidemocráticos, que muitas vezes
surgem da própria sociedade mas trabalham contra seus interesses, perpetuando a
impunidade e corrupção.

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