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Ademir Alves da Dilséa Adeodata Bonetti Elaine Rossetti Behring, Maria Lticia Carvalho da Silva Maria Lticia Silva Barroco Dados Internacionais de Catalogacéo na Publicacao (CIP) | (Camara Brasileira do Livro, SP, Potyar A. Peri, — \ DD-351.2509 Yo eles Valen, indices para catélogo sistematico: Potyara A. P. Pereira Politica Social temas&questies 3* edic&o 1* reimpressio Sco; Mena Sena SLECKO MesTRADO Servigo Socal PUC Rio am SER Bello Principal Capitulo IV Paro maior compreensdo da politica socal concep(Ges bdsicas de Estado versus Sociedade 1. Breve visita aos primeiros autores politicos Neste capitulo so apresentados contetidos adicionais sobre Estado sociedade, com vista & compreensio mais acurada da politica social como resultante da relagao entre essas duas instncias que, no dizer de Ianni (1986), é de reciprocidade e antagonismo ao mesmo tempo. A referéncia a esse tipo de relacao indica, desde logo, que se esta tratando de um processo histérico complexo e irredutivel a generaliza- ‘Bes e padronizacées. Indica ademais que ambas as entidades tém par- ticularidades e interesses préprios, embora interdependentes e, portan- to, sem autonomia absoluta, Em outras palavras, isso quer dizer que nao é possivel falar de Estado sem relacioné-lo a sociedade, e vice-versa, pois, onde quer que ambos comparegam, um tem implicages no outro e se influenciam mutuamente. Entretanto, apesar desta constatagao, cabe adiantar que o Estado nem sempre existiu e que ele é criatura da sociedade (Ianni). O Estado 86 se tornou uma instituigao verdadeiramente politica, com ascendéncia sobre as demais instituigdes, no século XVII, quando adquiriu persona propria, separada da persona do governante e de influéncias relivinsas . POTYARA PEREIRA gracas a ascensao da organizacao burocritica e de seu relativo distan- amento do controle da sociedade civil (Creveld, 2004). Com efeito, foi com 0 fortalecimento e a extensao da burocracia te houve a demarcacio de fronteiras territoriais, no interior das quais tormou mais facil recolher informagées de todos 0s tipos, cobrar tribu- 5 € exercer a regulacao institucional. Além disso, e como conseqiién- 1, a combinagao de uma estrutura técnico-administrativa mais forte m recursos garantidos por impostos, possibilitou a criagao e manu- gio de forcas armadas como a encarnagio do aparelho repressivo do tado — que passou a set o tinico dotado, legalmente, de poder coerciti- de iltima instancia. Trata-se, esse poder (que hoje, mais do nunca, m sendo colocado em xeque), do que Weber (1973) chamou de mono- lio legal da violéncia, como um atributo caracteristico das autoridades xitimas, impeditivo da multiplicagio de iniciativas privadas de auto- fesa armada ou da instauragio de regimes de excecio, Mas trata-se nbém do que Gramsci identificou como Estado restrito, ou sociedade ‘itica, indicando com essa categorizagio, que, para além do uso da ergo, ha outras agdes do Estado que nao requerem forca, nem mes- > como ameaca. Por isso, tal designag&o sugere que existe um lado © restritivo da acao estatal, que ndo pode ser confundida com o arbi- 0 dos governantes e nem encarado como um absorvedouro dos pode- 4, também legitimos, dos cidadios. Esta é a diferenga da visio que, m base em Weber, percebe o Estado como uma instancia contratual- ante rigida, racional e auto-suficiente na sua fungéo monopolizadora coersio, que, no fundo, subestima as resisténcias organizadas da so- dade. Ou como bem traduz a compreensio de politica publica de David ston (1968) — um lidimo representante contemporaneo da concepcio *beriana de Estado: politica piiblica € uma alocacéo autoritéria de va- s para toda a sociedade. Vé-se, assim, partindo dessas duas vis6es discordantes, apresenta- S como indicacéo preliminar da variedade de concepcdes de Estado, ~t-vis a sociedade, que este é um tema controverso. Para explicé-lo, mornene eefnennn dn nlaharanin tadrian fnume . é Poutica SOCAL Ww dos tempos, seja na esteira da teologia (jé que a maioria dos governan- tes da Antigilidade e da Idade Média atribuia o seu cargo a Deus), seja como doutrina, que até discorria sobre relagdes de poder, mas sem asso- cié-las aos atos humanos. Era assim que teélogos do porte de Santo Agostinho e de seu discipulo Sao Tomés de Aquino, dentre outros, agiam, jA que para eles 0 governo nao constitula um fato hist6rico, construido pelos homens." Outros intentos de elaboragao teérica constituiram espécies de manuais preparados para orientar governantes. Segundo Creveld, mui- tos nao passavam de exercicios literérios que se referiam a personagens abstratas. Em compensago, outros foram elaborados por interesse, em tzoca de favores. A obra Cyropaedia, do ateniense Xenofonte, composta por volta de 364 a.C., é um exemplo de idealizacao da figura do gover- nante (que se confundia com 0 préprio governo) especialmente produ- zida para Ciro, o Mogo, pretendente do trono da Pérsia. O exemplo de Xenofonte foi seguido por uma legiao de escritores politicos que sacramentaram como qualidades essenciais de um governante a boa li- nhagem e a sdlida educacao moral, além da piedade, sabedoria, tempe- ranga e cleméncia — sem falar, como jé indicado, que o governo era um assunto pessoal. Este era 0 perfil fabricado do governante perfeito que deveria ser venerado pelo povo, em nome da ordem e da sua manuten- 0 no poder. No rol dessa legidio, ressalta como umas das diltimas e mais comen- tadas produgies intelectuais do género a obra de Erasmo — A educagio do principe cristéo — escrita em 1517, especialmente dedicada a Carlos V. Nela, igualmente, o principe € tide como indicado por Deus ao qual deverd prestar contas de seus atos, que serdo ensinados desde a mais tenra infancia. Dada essa responsabilidade, nada mais natural que o governante assumisse 0 poder como assunto privado, visto que sé ele tinha recebido preparo refinado para discernir entre 0 certo e o errado. |. Tal procedimento, porém, entzava em discordancia com 0 do filesofo grago Aristteles que 138 POTYARA PERERA Isso explica a inexisténcia, até essa data, da distingao entre ptiblico e privado e porque Carlos V sempre se referia como “meu” a tudo 0 que estava sob o seu dominio: “provincias, dinheito, exércitos, ministros, princesas” (Creveld, p. 245). Revelando a mesma incapacidade de distinguir entre governo governante, situa-se o italiano Maquiavel (1469-1527), cujo conhecido livro O Principe (1969), dedicado a Lorenzo Médici, o Moso, teferia-se a um “novo principe”, que, entao, deveria contar com o seu proprio esfor- 0 para conquistar 0 poder e nele se manter. Nisso, a obra de Maquiavel difere da dos autores precedentes, visto que ele no considerava 0 go- vernante um enviado de Deus e nem que aquele deveria prestar contas @ este. Da mesma forma, qualidades como piedade, temperanca e cle- méncia, ndo eram, para Maquiavel, virtudes governamentais. A sabe- doria sim, desde que mesclada 4 malicia e combinada a fora, 0 que tevela 0 seu rompimento com a moral cristé e a religiio. Mas tal com- Preensdo nio significa que o referido autor tenha feito incursio ao cam- po dodireito. Na verdade, como mais tarde observariam Hegel e Gramsci, a grande contribuigéio de Maquiavel foi a de fundar uma nova moral Prépria do homem mundano e nao divino (Gruppi, 1987). Afinal, ndo se pode esquecer a realidade da Itélia daqueles tempos que, predominan- temente, era governada por tiranos, os quais, além de no invocarem a Deus, usavam da forga para se fazer obedecer. Dai a justeza desta famo- sa frase de Maquiavel: Os homens tém menos escrtipulo de ofender quem se faz amar do que quem se faz temer, posto que a amizade ¢ mantida por um vinculo de obrigaso que, por serem os homens maus, é quebrado em cada oportu- nidade que a eles convenha; mas o temor € mantido por um medo de ‘castigo que jamais se abandona (1969: 102). Entretanto, em que pese a sua preocupagao com 0 Estado, ndo se pode dizer que ele elaborou uma teoria a respeito dessa instituigao e nem que tenha resolvido a dificuldade te6rica e politica de demarcar a5 fronteiras entre o puiblico eo privado. O seu interesse, como diz Gruppi, nica SoctaL 19 no era, de fato, criar uma teoria do Estado, mas de entender como 0 Estado se forma, Ademais, 0 seu esforgo em tracar o perfil de um gover- nante bem-sucedido o impediu de separar o individual do institucional, podendo, a sua obra, ser inclufda na lista dos manuais que ficaram co- nhecidos como “Espelhos para Principes” (Creveld, p. 246). Foi somente com Hobbes (1588-1679) e o seu Leviatd, no século XVIL, que o Estado passou a ser verdadeiramente encarado como uma entida- nao natural) ¢, por conseguinte, separada tanto da pessoa do governante quanto da fungao de governo. Mas, antes, Hobbes teve 0 seu caminho pavimentado por Bodin (1530-1596), que rompeu com a tradicao das explicacdes teolégicas e com os “Espelhos para Principes”, ensaiando uma teoria do Estado unitario, referenciado no caso francés De fato, foi a partir desse momento que comecou a ser estabel daa diferenca entre um governo privado (do chefe de familia sobre os seus dependenies e do senhor sobre os seus escravos) e um governo politico, com persona juridica. Isso foi de suma importancia para 0 re- conhecimento de um campo intermedirio que passou a surgir entre a “propriedade privada do governante ¢ as suas responsabilidades pui- blicas” (Creveled, op. cit., p. 252) —a ponto de os reis passarem a reco- nhecer que, tanto eles quanto seus stiditos deviam obediéncia a um ente superior terreno, que viria a ser o Estado. Associadas as responsabilida- des piblicas dos governantes, Bodin também percebeu a existéncia de algo que, na falta de melhor denominacao, chamou de res publica, inspi- rado em Cicero, para designar a comunidade de pessoas sob o império da lei. ‘Tem-se, assim, uma primeira teorizacéo da autonomia e da sobera- nia do Estado, que finalmente via-se livre da identificagéo com a pessoa do soberano, com os designios de Deus e com virtudes (ou anti-virtudes maquiavelianas) embleméticas. Mas, nem tudo em Bodin era favoravel A constituigdo da cidadania, apesar de ele falar em direito e em res publi- cx. Sua concepgao de Estado e de politica, contida em seus seis tomos sobre a xepiiblica (Six loves de In république), exa autoritéria. Para ele, 0 ae POTYARA PERERA, elemento definidor do Estado era o poder (e ndo 0 territ6rio 0 povo), 0 qual deveria ser exercido com severidade. E, na falta da presenca de Deus, Bodin parece ter transferido os poderes divinos para 0 soberano, © qual, apesar de se referenciar na lei, poderia concentrar em suas maos as prerrogativas de comando sobre tudo. Além disso, sua teorizagdo nao enfrentou a importante questio da manutengio do governante no po- der, no curso do tempo, fato que, nos fins da Idade Média, jé tinha sido solucionado com a doutrina dos dois corpos, a saber: & semelhanca de Deus, que tem trés pessoas numa 56 (Pai Tano teria dois corpos — um fisico (perecivel) e, outro, mistico (corpus ‘mysticum), eterno e transmitido por sucesso. Os direitos e deveres des- se soberano eram vinculados ao corpo mistico e, por isso, se mantinham intactos quando o corpo fisico morria e eles tinham que ser exercidos Por um sucessor. Dessa feita, tais direitos e deveres néo precisavam ser Tenovados e nem sofrerem solugéo de continuidade jé que, por néo mudarem, seriam automaticamente incorporados por wm outro copo fisico que lhes dava prosseguimento. Foi esse proceso que ficou sinteti- zado na seguinte formula criada em 1512, por ocasido da morte do rei Luts XII: le roi et mort, vive le roi (0 rei morreu, viva o rei) (Kantorowicz, apud Creveld). Contudo, a partir das investidas te6ricas de Bodin, outros autores politicos tomaram 0 Estado como objeto de interesse privilegiado. Um deles, como jé assinalado, foi Thomas Hobbes, cujo maior mérito foi 0 de perceber essa instancia como algo artificial, construfdo pelos homens, © separado tanto do governante como das governados. Com base nessa separacdo, ¢ em conformidade com a perspectiva cartesiana que pauta- Va suas anilises — ao contrério de Bodin, que era mais aristotélico — foi-lhe possivel vislumbrar a existéncia de duas categorias também arti- ficiais: uma privada (composta livremente por individuos) e outra pti- blica (relacionada ao Estado). Isso marcou 0 inicio do reconhecimento liberal da separagao entre as esferas publica e privada que, até entao, encontravam-se indiferenciadas na mistura entre as pessoas fisica e jurf- dica dos governantes. Entretanto, como ele testemunhou uma guerra civil (a revolugdo democratica inglesa, de 1648) e vivenciou o processo POLITICA SOCAL q altamente competitivo de ascensio da classe burguesa, sua visio da natureza humana era extremamente pessimista. Assim, coincidindo com Bodin, Hobbes requeria que o Estado e o governante fossem dotados de poderes absolutos, para que pudessem fazer frente aos instintos destru- tivos dos individuos (leia-se burguesia ascendente) e protegé-los de si mesmos. Nao foi toa que ele legou a hist6ria a célebre frase homo homini lupus (0 homem é 0 lobo do homem) (Gruppi), querendo com isso dizer que, devido ao desejo natural de poder, riqueza e proprieda- de, os homens se voltariam constantemente uns contra os outros e se destruiriam, a nao ser que estabelecessem entre si um contrato para criar o Estado. Atingido — nesta breve visita aos primeiros autores politicos — 0 panto no qual o Estado foi teoricamente demarcado, fora dos contornos da religiao e dos manuais de aconselhamento aos principes, fica mais f4cil encetar, como se fard a seguir, a andlise de conceitos e de formas de organizagio do Estado e da sociedade, sem abdicar, é claro, de contri- buigdes tedricas adicionais. Por certo que diante de tantas e diferentes interpretagdes, nao se pode deixar de eleger, como paradigmética, a que expressa a natureza complexa e dialeticamente contradit6ria, néo s6 do Estado e da socieda- de, em sua logica interna, mas também da relagdo que os mantém em constante e nem sempre pacifica interagao. E mais: a que percebe o Esta~ do para além do seu recorte restrito, de pura coersao, e considera seus aspectos mais alargados e verdadeiramente politicos de negociagao organizagio do consentimento ou da legitimagio. Para tanto, cabe comecar com a seguinte indagacio: por que os seres Iuumanos se organizaram em sociedade e construéram Estados para os regular politicamente? A matéria contida nesta indagacao é bastante complexa, mas indica preocupacées, interesses e procedimentos peculiares que s6 podem ser desvendados a partir da compreensio da dimensio concei- tual do Estado — jé que, modernamente, os individuos e as sociedades em geral vivem sob a égide desta instituigao, A seguir, serao tratados os contetidos que fazem parte da matéria contida na indagacao. FOTYARA wee todo f o«anctito de Estado é amplo e complexo, exi f of geotaca obre a sua caracterizacio, i if gis diem que nfo hé concepgées divergentes ow ri- ifigit Is? gcontarafirmam que definir Estado 6 tarefa quase can ekg constituido de varios aspectos e, dependendo rgsileedes,a definico varia jem quehi concordancia na definigdo do Estado ressal- % ee de quatro elementos que 0 constituem: ito de instituicdes e prerrogativas, dentre as quais 0 fitting 56,0 Estado possui por delegagao da propria fi a iof,um espaco geograficamente delimitado onde 7 ysitatd éexercido. Muitos denominam esse territério de presen a sua inescapivel relagio com o Estado, {genic relacbes com outras sociedades, para além cn git e ‘i jpoieitabuerdtia capaz de administrar as instituigbes e a] is Boremamentais;arrecadar e geri recursos; zea pela ic inema e externa; imprimir e assegurar o desen- (pao cninico; realizar estudos, pesquisas e construir pests (no por acaso a palavra estatistica provém 98) &da ez mais precisos sobre eficiéncia e eficécia das iad gsitlo decondutas © comportamentos gerais e previstveis (got Pela miquina burocrética do Estado dentro de seu 0 Sue uda a criar e manter uma cultura politica co- iltdos os que fazem parte da comunidade nacional ou fosdtamam de naga, a Pouca sociaL ‘A presenga desses elementos, contudo, tem caréter mais ideal do que real. Na prética, os Bstados tém grande dificuldade de exercer 0 seu poder, regular a sociedade, aplicar regras e controlar a entrada de ele- mentos externos indesejéveis no seu territ6rio. Portanto, mesmo haven- do concordancia quanto a sua definicdo, torna-se evidente que a exis- téncia do Estado nao € tranqiiila, assim como nio sdo as ligagdes que ele mantém com seus elementos constitutivos. Com a sociedade, com a qual estabelece constante e simultanea relagio de antagonismo e de recipro- cidade, os seus liames sao tensos. Por outro lado, os que dizem ser dificil definir 0 Estado apresentam argumentos como estes: Hi diferentes entendimentos a respeito de certas nogies de Es- tado. Ex.:i) Estado de Direito significa o qué? Que hé uma orga- nizagio politica ideal ou uma pratica de governo nao tot tia? ii) O que vem a ser Estado Liberal? Trata-se de um Estado progressista ou conservador? iii) E o que quer dizer Estado So- cial ou de Bem-Estar? Que ele produz efetivamente bem-estar a todos 0s cidadaos que vivern sob a sua jurisdigéo? b) 0 Estado pode assumir forma politica ¢ historicamente defini- da. Nao ha um padrao estatal imutavel e absoluto. Seu apare- cimento est associado a certas épocas e circunstancias, que sio situadas e datadas. Por isso, 0 seu desaparecimento, ou substituigdo, ocorrera quando essas circunstancias desaparecerem. Isso indica que é necessério di de Estado a que historicamente se faz referéncia: feudal, bur- ta. gués, soci ©) A definigao de Estado o associa aos seus 6rgaos ou elementos constitutivos e, as vezes, os confunde. Para uns, Estado e gover- no séo a mesma coisa, Para outros, o Estado se identifica com a burocracia ou com a justiga. Hd os que perguntam: Que relagdes esses 6rgaos especializados mantém entre si? Ou, que relagoes © Estado mantém com a sociedade? E, ainda: O Estado € apenas um aparelho repressivo ou também pode ter fungdes protetoras? “ POTYARA PERERA isso tudo se conclui que, tendo em vista a complexidade do con- evido a ser considerado na conceituacao do Estado, torna-se absoluta- linear mente e de forma parcial (ou com 'stereétipos) como quando se afirma: que ele esta sempre voltado para ) bem comum; que existe para servir a uma tinica classe (a burguesia, vor exemplo); ou ainda que ele & 0 mais frio de todos os monstros, como lizia Nietzsche. Percebe-se, além disso, que o Estado néo existe em abstrato (desen- aizado da realidade e da historia) e nem em sentido absoluto (assumin- lo sempre e em todo lugar uma tinica forma), Viu-se que os primeiros ‘scritores politicos que se recusaram a idealizé-lo, ou a associ-lo a0 obrenatural, encarando-o como ente construido pelos homens, come- aram a produzir pensamentos teéricos que, como toda teoria que se vreze, retratavam um ato real, tipico de uma época. Por isso, quando se nesmo pais pode, em determinado momento, viver sob o dominio de im Estado totalité lo democratico. © Brasil é um exemplo dessa situacao. Isso indica que 0 Estado, além de ser um conceito complexo, 6 um endmeno histérico e relacional. Hist6rico, porque como jé salientado, ele nao existe de forma abso- uta ¢ inalterdvel, ou sujeito a uma ordem cujos valores e fins estejam rreviamente definidos — como pensava-se dos governos monarquicos, egidos por leis divinas. O Estado de que aqui se trata é aquela organi- agao do poder nao mais fundada na fé, mas na politica como atividade umana e, como tal, uma construgéo mundana (e nao divina) — previs- + primeiramente por Hobbes — com vista & preservacdo da vida em ociedade, Trata-se, portanto, de algo em movimento e em constante ‘utacio ¢, por isso, um fenémeno que tem que ser pensado e tratado omo um processo, a despeito de ainda persistirem varias ideologias que Percebem como sistema acabado. Como processo histérico, o Estado contém em si uma dinamica que rticula passado, presente e futuro. O passado nunca é completamente Pouca SOCIAL us superado, porque se infiltra no presente e se projeta no futuro. A esse respeito, diz Nogueira (2001), o filésofo alemao Walter Benjamim, da Escola de Frankfurt, se pronunciava: a histéria “é um anjo cujo rosto esté voltado para o pasado” (p. 41). E Marx, ainda segundo Nogueira, afirmava, no seu livro Dezoito Brumério, que “a tradigao de todas as ge- ragées mortas oprime como pesadelo o cérebro dos vivos” (p. 41). Por isso, nao hé como livrar-se do passado ou negé-lo como histéria, mes- mo porque a meta do pretérito, ao se realizar como critica do presente, é jogar luz sobre o futuro. Isso mostra que 0 Estado contemporaneo contém muitos elemen- tos do passado que se mantiveram durante anos, ou até sécuilos, ¢ con- vivem com novos elementos recém incorporados. Porém, o Estado também tem indole relacional porque nao é um fenémeno isolado, fechado, ou circunsctito em si mesmo, mas em cons- tante relagio. Também nao é um fim, mas um meio que interage com ‘outros meios para atingir objetivos que os ultrapassam. Por isso, ele no € auto-suficiente ou auténomo, embora, conforme Creveld (p. 260), te- nha se tornado “o mais poderoso consiructo politico de todos os tem- pos”, que iniciou a sua “carreira espetacular apés quatro séculos e meio de evolucao, a partir dos anos 1300”. Sua dinamica e impulso nao sé decorrem de forcas e pressGes que lhes so externas, mas de uma dina- mica interna que pde em confronto interesses contrérios. Com isso, no se quer dizer que o Estado nao possua certa autonomia — a famosa autonomia relation de que falam autores marxistas. Mas, esta ser maior quanto menos democratico for o Estado. Tal assergao fica mais clara quando se traz a luz as andlises de Marx e Engels a respeito dos regimes ditatoriais, como 0 bonapartismo® que se instalou na Franca apés 0 gol- pe de Estado de Napoledo III, em 1851. A esse respeito, Marx assim se 2. Termo utilizado para indicer s forma de govemo instituda na Prange apés 0 golpe de Esta- POTYARA PEREIRA expressa: “a luta parece resolver-se de tal maneira que todas as classes, igualmente impotentes ¢ igualmente mudas, caem de joelhos diante da culatra dos fuzis” (1977: 113). Entretanto, a relacdo vivenciada pelo Estado nao se assemelha a um movimento mecénico, linear, ou a uma justaposigéo de pecas que se agregam sem se influenciarem mutuamente, Por ser um processo hist6- rico que contempla passado, presente e futuro, alm da coexisténcia de antigos e novos fatores e determinacGes, a relagéo exercitada pelo Esta- do tem cardter dialético —no sentido de que propicia um incessante jogo de oposigées e influéncias reciprocas entre sujeitos com interesses e obje~ tivos opostos. Ou, em outros termos, a relagao dialética realizada pelo Estado comporta simultaneamente antagonismos e reciprocidades e, por isso, permite que forcas desiguais e contraditérias se confrontem e interajam de tal forma que uma deixa sua marca na outra e ambas con- tribuem para um resultado final. E por isso que se diz que nesse tipo de telagio hé superagio de aspectos particulares, mas no a recusa desses aspectos (Nogueira). Disso decorre que s6 podemos entender o Estado pelas suas inter- dependéncias, dentre as quais a que ele mantém com a sociedade, jé que, como diz Ianni (1986), esta é o seu principal oposto, mas também 0 seu principal termo de complementacio. f por meio da relacio dialética com a sociedade que o Estado abrange todas as dimensdes da vida so- ial, todos os individuos e classes e assume diferentes responsabilida- des, inclusive as de atender demandas ¢ reivindicagdes discordantes. Por isso, apesar de ele ser dotado de poder coercitivo e estar predomi- nantementea servigo das classes dominantes, pode também realizar agdes, Protetoras, visando as classes subalternas, desde que pressionado para tanto, € no interesse de sua legitimacio. Sendo assim, conforme Ianni, o Estado nao é * Uma entidade desgarrada (ou eqiiidistante) da sociedade; * A Gnica forca organizada e auto-suficiente no contexto da vida social; * Um instrumento exclusivo da classe dominante, POUCA SOCIAL ur Em verdade ele é uma instituigdo constituida e dividida por inte- resses diversos, tendo como principal tarefa administrar esses interes- ses, mas sem neutralidade. f por isso que Poulantzas (1980) o define como uma condensagiio de relagdes de forgas, isto é, uma condensagéo de forcas identificada como um bloco no poder ou como um pacto de domi- nagio que exerce 0 seu dominio por meio de um aparato institucional (burocrattico, juridico, policial, ideoldgico) sobre a sociedade, embora seja influenciado por esta. Assim, 0 poder do Estado representa a forca concentrada e organizada da sociedade, com vista a regulé-la em seu conjunto. Sendo assim, 0 Estado, apesar de possuir autonomia relativa, em relagio A sociedade e & classe social com a qual mantém maior compro- isso e identificagao, tem que se relacionar com todas as classes sociais para se legitimar e fortalecer a sua base material de sustentagio. Além disso, ndo se pode esquecer que ele é criatura da sociedade, pois é esta que o engendra e o mantém, e ndo 0 contrario, Daf porque, como diz Jani, o Estado pode ser considerado o jugar de encontro e a expressio de todas as classes porque, embora ele zele pelos interesses das classes dominantes ¢ tenha, ele mesmo, um caréter de classe, esse zelo se dé de forma contraditéria. Ou seja, para manter as classes dominadas exclufdas do bloco no poder, ele tem de incorporar interesses dessas classes e acatar a interferéncia de todos nos assuntos estatais para poder se legitimar e preservar o préprio bloco no poder. £ relacionando-se com todas as classes que o Estado assume caréter de poder publico e exerce 0 controle politico e ide: Mas esse caréter ptiblico ou universal pode ser comprometido, ou perdido, quando o Estado exacerba o seu poder, tornando-se ditatorial, ou se exime de suas responsabilidades para com 0 conjunto da socieda- de. Quando isso acontece, ele se torna estranho e dispensavel e, conse- qiientemente, fica sujeito a perder 0 apoio e a confianca de que necesita para se perpetuar. A partir dai, podem surgir varias situagbes contradi- tGrias. Uma delas ¢ a exacerbacéo do impeto organizativo da sociedade com autonomizacio (independéncia) de seus movimentos. Esse fato ro POTYARA PERERA possibilita, de um lado, mudancas que podem pér em risco a prépria manutengao do bloco no poder; e, de outro, propicia a formacao de po- deres paralelos, & margem da lei. Em suma, quando o Estado perde 0 seu cardter publico ¢ universal, virando as costas para a sociedade, ou para parte desta, ele deixa espago para que grupos privados mais fortes dominem os grupos mais fracos e imponham a sua vontade, formando governos paralelos. Isso expe uma outra contradi¢ao que permeia o Estado, qual seja: a mesma exacerbacao do poder estatal, que debilita e fragmenta a socie- dade, propicia também o aparecimento de contra poderes no seio desta (anni), Fica claro, assim, que estudar o Estado é desnudar uma arene tensa € contraditéria, na qual interesses e objetivos diversos se confrontam permanentemente. No contexto capitalista, fazem parte dessa arena tanto interesses dos representantes do capital, com vista a reproduzir e am- ar a rentabilidade econémica privada, quanto dos trabalhadores, com vista a compartilhar da riqueza acumulada e influir no bloco no poder. Nesse sentido, o Estado representa mais do que um conjunto de instituiges com autoridade para tomar decisdes e exercer poder coerci- ‘tivo, pois se revela também uma relagio de dominagio, Da mesma forma, ele € muito mais do que Governo, pois se, por um lado, seus sistemas administrativos, legais e coercitivos (policiais) 0 diferenciam da sociedade e estabelecem formas particulares de relagdes entre a autoridade estatal e a sociedade civil, por outro lado esses mes- ni mas penetram na sociedade e influenciam a formagéio de rela- es no interior desta. E por isso que se diz que o Estado 6 a0 mesmo tempo uma relagiio de dominagio, ou a expressio politica da dominagio do bloco no poder, em uma sociedade territorialmente definida, e um conjunto de institui- #0es mediadoras e reguladoras dessa dominagao, com atribuig&es que também extrapolam a coergo. Nesse contexto, o governo ganha persona Prépria, juridica, separada tanto da persona ffsica do governante quanto da instituicdo estatal. E, a0 mesmo tempo em que a pessoa que governa FOUTICA soctaL " perde privilégios particulares e deixa de falar em seu prdprio nome para falar em nome do Estado, ela ndo se confunde com o governo, o qual significa um conjunto de pessoas juridicas e érgaos que exercem 0 po- der politico, ou a dominagio, numa determinada sociedade. Séo gover- nantes, pois, o conjunto de pessoas juridicas que governa em nome do Estado; e governados sao aqueles que esto sujeitos ao poder do gover- no como parte da esfera estatal ou, melhor dizendo, como um aspecto do Estado. Conchui-se, assim, que a conceituacéo de Estado remete inapelavel- mente a de sociedade, apesar de nem sempre essas duas insténcias se- rem consideradas diferentes por alguns dos autores e correntes de pen- samento aqui analisados. E isso se reproduz na tematizacdo te6rica so- bre a sociedade, que seré feita a seguir, visto que nao tem como se falar de uma insténcia sem se referir a outta. 3, Conceituacdo de sociedade Trata-se, também, a sociedade, de um conceito complexo. Deixando de lado varios significados que a identificam ora com a totalidade dos seres humanos num determinado territ6rio, ora com 0 oposto de individuo ou de comunidade — tendo esta uma conotagao mais positiva, porque menos ampla — enfocar-se-é a sociedade na sua relagdo de reciprocidade e de antagonismo com o Estado, tal como se procedeu, de forma inversa, com este. O ponto alto desta apcao é que ela nao endossa ou aceita o pensa- mento que proga a separacao entre individuo e sociedade, como se esta fosse o somatério de pessoas particulares ou uma entidade supra-indi- vidual — pois parte do prinefpio de que a sociedade 6 muito mais do que a soma de individuos e que qualquer atividade humana, mesmo individual, é social. Da mesma forma, esta opcio nao considera a socie- dade divorciada da natureza, pois as pessoas fazem parte do mundo natural, que, por sua vez, esta na base de todas as atividades humanas. 150 POTYARA PERERA Assim, tanto 0 trabalho como a procriacéo, por exemplo, constituem processos e relagdes que, ao produzirem e reproduzirem a vida material so, 20 mesmo tempo, naturais e sociais. No entanto, ao se eleger como objeto de andlise a relacio entre Es- tado e sociedade para compreender o significado desta iltima, convém trabalhar mais especificamente com o conceito de sociedade c entendido por Gramsci (1891-1937), um dos maiores pensadores sociais, de filiagdo marxista, sobre esta matéria. Porém, é importante assinalar que, no curso do pensamento politi- co dos iiltimos séculos, 0 uso do termo sociedade civil jé era empregado com varios significados. Foram os liberais, dentre os quais Hobbes, se- guido de Locke, entre outros, que o incorporaram, a partir do século XVII, na teoria politica moderna. Entretanto, o que se entende hoje por essa designacio, com base em Gramsci, difere frontalmente do que era entendido na sua acep¢ao original e liberal. Como diz. Acanda (2006), durante grande parte do século XX (até o final da década de 1970, quan- do 0 termo comecou a ser recuperado) Gramsci foi o tinico pensador politico que néo apenas utilizou o conceito de sociedade civil, mas que, além disso, converteu-o em elemento central de sua teoria. Interpretou- ©, porém, de uma forma diferente da tradicionalmente usada pelo pensa- mento liberal, reconstruindo seu contesido eo significado de sua utiliza~ 0 nos limites de uma reflexto critica de sociedade (p. 160). Mas o mérito de Gramsci, no trato do tema, ganha maior relevan- cia quando, como marxista, rompeu nao apenas com os liberais (como era previsivel), mas com a resisténcia de um marxismo positivista — ou cientifico, na expressio de Gouldner (1983) — que se negava a estudar a sociedade civil por julgé-la um conceito incémodo; isto é, por julgé-lo um produto teoricamente impreciso, importado do ideério burgués, que 86 tinha despertado o interesse de Marx na sua juventude, quando ain- da era influenciado por Hegel (Acanda). Adepto de um marxismo criti- Co, no entanto, Gramsci seguitt orientagao oposta: nao $6 permitiu. que se desmentisse 0 exclusive envolvimento juvenil de Marx com 0 tema, POLITICA SOCIAL 1 ‘como o acolheu reinterpretando-o com base na filosofia social marxiana, retornando as raizes desta. E, ao assim proceder, inaugurou uma linha de pensamento politico que introduziu a nogdo de sociedade civil “no campo de problematizagio de um marxismo revolucionario e critico (Acanda, p. 31). Mas até se chegar a esse ponto a compreensio de sociedade civil percorreu uma trajetéria que seré sintetizada a seguir, iniciando-se com 08 jusnaturalistas e terminando, evidentemente, com Gramsci Os jusnaturalistas’ modemos concebiam a sociedade civil (organi- zada, institucionalizada) por oposigo & sociedade natural (espontanea, primitiva, anérquica) e, or isso, conferiam a primeira um sentido id@n- tico ao de sociedade politica, de Estado, j& que este estava inclufdo na sociedade civil. Esta associagao decorria do fato de que a palavra civil era derivada das palavras gregas ci que correspondiam a politica e, conseqiientemente, ao Estado. Assim, a concep¢ao de Estado- civil, que mais tarde, nos séculos XVII e XVIII, viria a ser trabalhada com variagées, por Hobbes e Locke,‘ tem precedéncia jusnaturalista, indicando que o Estado-civil para esses pensadores classicos difere substancialmente do Estado de natureza, que Hobbes renegava. Para Hobbes, 0 pior governo era preferivel ao estado de natureza, no que nao foi endossado por Locke, que procurou examinar a efetividade dessa hipétese. Em seus escritos, Locke, que sempre teve Hobbes como referéncia, embora sem explicitar, descartou a idéia antiga, datada da época de San- to Agostinho, de que o homem era mau por natureza e que, por isso, precisava ser regulado por um Estado coercitivo. Tanto ele como Hobbes, Jembra Creveld, partiam do principio de que a maior qualidade huma- na era a racionalidade, Mas, enquanto para Hobbes essa qualidade fazia 23. Adeptos da doutrina que acrecita na existencia de um diteito nat ‘criade pelos homens eregulado pelo Estado, Essa doutrina infiuenciou pensadores poli ‘como Hobbes e Locke (0 © economista inglés, tendo se destacado como tebrico do 182 POTYARA PEREIRA do homem um ser egoista e em permanente estado de guerra, para Locke ela “se traduzia num interesse pessoal esclarecido que, na maior parte das vezes, permitia a convivéncia pacifica, mesmo em estado de nature- za" (Creveld, p. 257). Em vista disso, Locke nao admitia a existéncia de um Estado absoluto, nos moldes hobbesianos, mas de um Estado que fosse capaz de garantir os direitos fundamentais dos individuos que constituiam as bases da teoria politica do liberalismo (da qual Locke foi Precursor), a saber: vida, liberdade e propriedade privada. Foi em defesa desses direitos que, segundo ele, os individuos, nascidos livres e iguais, formaram a sociedade por espontaneo consentimento (contrato) e se submeteram a regulagio do Estado (também criado por contrato) com a finalidade de preserva-los. Com 0 mesmo sentido de sociedade politica ou de Estado, tedlogos © escritores eclesidsticos, seguidores da doutrina cristé, usavam o termo sociedade civil para identificé-la com uma esfera temporal, sobre a qual se estende 0 poder politico, distinta, portanto, da esfera espiritual, em que prevalece o poder religioso. Isso era to claro na linguagem crista que 03 problemas existentes nas relagdes entre Estado e Igreja eram iden- tificados como problemas entre a Sociedade civil (do poder politico, ter- Teno) e a Sociedade religiosa (do poder religioso, sobrenatural). Contudo, a despeito de as concep¢Ges jusnaturalistas e cristas usa- rem 0 termo Sociedade civil como sinénimo de Sociedade politica, ha entre elas uma diferenca bésica. Para os jusnaturalistas, o critério de distingao € 0 estagio superior de organizagio politica do Estado-civil (mais politizado) em relagéo ao Estado de natureza (no qual a organiza- ‘S80 do poder e de governo é fraca ou inexistente). Por outro lado, para a concepcao crista, o que importa nao sao os estégios (superiores ou infe- tiores) de organizagao politica ou de poder, mas os diferentes tipos de poder que distinguem a Sociedade civil da Sociedade religiosa. Na primeira concepgao, porém, hd que se destacar uma variagéo — Sutil ou explicita — do uso do adjetivo civil que acompanha o substai vo Sociedade. Nem sempre tal adjetivo expressa a significagao de ci mas sim de ci ido. Foi & luz, deste tiltimo sig- Pouiica Soctat 153 nificado que pensadores, como Hobbes, consideraram a vida humana sob 0 Estado-civil como racional, inteligente, decente, requintada, sox vel e sem violéncia, ao tempo em que identificavam o Estado de nature- za como 0 oposto de tudo isso. Sociedade civil passou, assim, a signifi- car tanto sociedade politica como sociedade civilizada Mas, mesmo este significado foi posteriormente contestado. Para Rousseau,* Sociedade civil é sindnimo de Sociedade civilizada e nao de Sociedade politica. $6 que, no seu entendimento, ado” tem cono- tagdonegativa. Ao contrario de Hobbes, que considerava o “homem como lobo do homem”, se deixados em estado primitivo, Rousseau conside- rava que a civilizacao é que propiciaria essa possibilidade, pois, nesta sim, haveria um estado de “guerra permanente”. Assim, enquanto para Hobbes, e também para Locke, a Sociedade civil é a sociedade da, porque é pol cheia de defeitos, usurpagies, banditismos, exploragées) porque ainda nao € politica. Esta s6 surgird quando houver um contrato social que recupere 0 Estado de natureza — este, sim, sem violéncias, usurpagies, exploragées e, portanto, civilizado. a, para Rousseau a Sociedade civil é Tem-se, assim, uma sintese do pensamento dos principais autores politicos, conhecidos como contratualistas, isto é, que concebem tanto 0 Estado (Hobbes, Locke) quanto a sociedade (Locke, Rousseau), como 0 resultado de um contrato social imprescindivel ao convivio humano ci- lizado; porém, com a grande diferenca de que, para Rousseau — con- siderado o pai da democracia formal e defensor do principio da igualda- de (a0 contrério de Hobbes e Locke, que defendiam o prinefpio da liber- dade) — 6 a vida em estdgio natural que é civilizada e cujos valores devem ser recuperados na construcao da Sociedade politica. Sendo as- sim, apenas a sociedade é fundada por contrato. © Estado resulta dessa formago coniratual para servir ao povo, que é quem detém a verdad ra cidadania e ¢ a fonte da vontade geral. 5. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Pensador suigo, precursor das doultinas democritices do século XIX. POTYARA PERERA A distingao entre Sociedade civil e Estado (Sociedade politica) foi ganhando contornos mais claros a partir de Hegel,‘ no século XIX, 0 qual, embora néo veja coincidéncia entre um e outro, reconhece na So- Giedade civil um dos momentos preliminares do Estado. Isso porque a Sociedade civil coloca-se como mediaco entre a forma primitiva de so- cal lade humane (a familia) — onde imperam relagdes econdmicas antagnicas movidas pelas necessidades de existéncia — e a forma su- perior do espirito objetivo, colocado acima das necessidades e identifi- cado com a liberdiade. A liberdade dos individuos, para ele, era o primei- ro e mais importante direito inaliendvel. Mas, nem por isso pensava coma os liberais contratualistas (Hobbes e Locke), visto que, apesar de ser chamado de idealista, nao concebia a politica separada da hi “Diante disso, Hegel entendeu que a estabilidade do Estado s6 podia ser alcangada se 0s siiditos compartilhassem valores éticos comuns” (Acanda, p. 123) Sendo assim, para Hegel, a sociedade civil representa o momento em que a unidade familiar se dissolve nas classes sociais antag6nicas, ainda guiadas pelas necessidades, mas cujas lutas propiciam a instaura- 0 da lei como primeira forma externa de regulacao de conilitos sociais. Foi essa exterioridade da regulacdo da lei, materializada na aplicagao ena administragdo da justica por corporasées profissionais, como a policia, que levou Hegel a compreender que a sociedade civil continha elemen- tos do Estado, embora nao fosse ainda Estado por Ihe faltar organicida- de. Porém, isso nao impediu que ele a chamasse de “Estado externo”. A transformagao da sociedade civil em Estado acontece, segundo ele, quando aquela adquire a organicidade produzida pela unificagao de todas as partes da sociedade que surgiram com a dissolucéo da fami- lia. E, como neste conjunto orgdnico unificado, denominado Estado, 6 Georg wi de do século XIX. Rest Importante lésole alemio da primeira mets do esociedade efetuads patos pensadores do \damento da sociedad civil eda fami, enfoo cant indo de Rousseau, para ele € 0 Estado que detém a soberania, nfo o povo, , porianto€ POLITICA SOCIAL 155 todos se sentem contemplados e representados, Hegel o considera um ente universal, guardiao de cada individuo. Assim, embora para Hegel a so inicialmente, um momento do Estado e, posteriormente, se transforme em Estado, hé, entre ambos (Sociedade civil e Estado), distingdes e nao identificagies diretas tal como pensavam os jusnaturalistas, Hobbes e Locke. ade civil se} E importante salientar que, em algumas passagens de sua reflexio sobre a relagéo entre Estado e sociedade civil, Hegel se referia ao termo civil como sindnimo de burgués, especialmente quando tinha em mente 0 sistema de necessidades produtor de relacdes econdmicas antagénicas entre a burguesia em ascensio e os trabalhadores. A primeira vista, pode parecer que Marx’ tenha partido da acepcao hegeliana de sociedade burguesa para se referir & sociedade civil, indi- cando, assim, confusdo e ambigitidade conceitual e orientagéio economi- cista em suas andlises. Contudo, um estudo mais acurado de sua obra indica 0 contrério, além de desmentir o fato, jd mencionado, de que so- mente na juventude Marx tenha se interessado pelo tema da sociedade civil. A bem da verdade, o seguinte trecho do Prefécio da segunda edi- cdo de sua obra da maturidade O capital, nao deixa duividas: Minha investigagao desembocou no seguinte resultado: relagées juridi- cas, tais como formas de Estado, nao podem ser compreendidas nem a partir de si mesmas, nem a partir do assim chamado desenvolvimento geral do espfrito humano, mas, pelo contrari relagdes materiais de vida, cuja totalidade foi resumida por Hegel sob © nome de “sociedade civil” (biirgerliche Gesellschaft) seguindo os in- gleses € franceses do século XVII; mas que a anatomia da sociedade burguesa (biirgerliche Gesellschaft) deve ser procurada na Economia Po- litica (1982: 25) elas se enraizam nas 7. Karl Heinrich Marx (1818-1883) € considerado © pai da visio critica do Estado burgués Para. 6 Estado que organiza a sociedade, mas ¢a saciedade, entendida como 9 conjunto dae relagdes econémicas, que explica o surgimento do Estado, de sua natureza iter ede recur 136 FOTYARA PERERA E, se nesse trecho ele da destaque & estrutura econémica, ao fazer referéncia & anatomia da sociedade burguesa como o fator explicativo da existéncia do Estado, e no 0 contrério, em outras obras como A ques- tio judaica e a Ideologia alemi, ele faz. correlagdes entre economia, Estado, formas politicas, direitos, cultura, além de indicar 0 método de desco- berta dessas correlagdes (Gruppi). Alids, nem seria preciso ix longe para chegar a essa constatagao. Num outro trecho do mesmo Prefécio de O capital, Marx j& a demonstra, quando diz que “o conjunto dessas rela- gbes de producéo constitui a estratura econdmica da sociedade, isto é, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura juridica e politica & qual correspondem formas de consciéncia social”. certo que hé aproveitamentos de contribuigdes tebricas de Hegel na obra de Marx, como a que 0 ajudou a criticar 0 individualismo jusna- turalista presente no pensamento politico liberal como fundamento da ordem politica (Acanda), ou como a que considera a sociedade ci espaco das necessidades e do trabalho, bern como das relagdes econdmi- cas (sociedade burguesa). Entretanto, diferente de Hegel, Marx criticava 0 Estado nao o legitimava, e nem o considerava a materializagio da razao. Pelo contrario, ressaltava o caréter alienante do Estado, nao sé em sua configuracao burguesa, mas também geral. Além disso, no seu con- ceito de sociedade civil burguesa, que, de fato, “designa o modo de di sao e organizaco do trabalho em condigdes de predominio do capital” {Acanda, p. 137), ele também designa um campo mais amplo, sociopolitico e cultural, em que essa divisdo e organizacdo se inscrevem. ‘Assim, com Marx, 0 conceito de sociedade civil acabou por confi- gurar © oposto daquele considerado no inicio do pensamento politico dos tiltimos séculos e também por Hegel. Mas vai sofrer tratamento ico mais atualizado, dentro do marxismo, por Gramsci. Com efeito, da mesma forma como aconteceu com o tema do Esta- do de Bem-Estar, toda a tematica da politica s6 passou a merecer aten- go maior dos marxistas contemporaneos no século XX. Os textos classi- cos, diz Hobsbawm (apud Acanda) “salvo quando se referiam as ori- gens histiricas do Estado, reduziam-se quase sempre a meras alusSes 2 ouiTica SOCIAL 7 politica, ao desenvolveram outras questdes” (p. 172). Daf a acusagao (infundada) de economicismo nas anélises marxistas (tributarias de Marx) do Estado e da politica Foi com Gramsci, portanto, que se pode perceber um esforgo te6ri- co mais consistente de enfrentar a complexidade da politica nas socieda- des capitalistas, a partir de um conjunto de mudangas verificadas no processo de dominacio burguesa diante de fatos como estes: surgimen- to da classe operdria, a partir das revolugées de 1848, como um novo ator de peso na arena politica; reposicionamento da relagao entre econo- mia e polttica com o advento do capitalismo monopolista ou imperialis- ‘mo; maior presenga do Estado na economia e na vida civil, com regula- ‘cdo dos espagos associativos surgidos em oposicao aos interesses da burguesia (partidos politicos socialistas, sindicatos, cooperativas popu- lares, organizagies de defesa de direitos das classes subalternas); emer- géncia dos direitos politicos e sociais, no rastro do processo de expansio da cidadania; desvinculacao do conceito de sociedade civil (com quebra da concepedo liberal original) do conceito de sociedade burguesa; ins- tauracdo do poder soviético. ‘Tudo isso levou Gramsci a perceber uma nova realidade, na qual a burguesia se metamorfoseava. Seus mecai sofisticavam e requeriam estratégias verdadeiramente politicas e ideo- légicas, para além da mera coercio. O conceito de sociedade ci decorreu dessa percepgéo resultou mais rico e complexo e exigiu um novo mergulho na realidade para apreendé-la na sua reconfiguracéo, constituindo uma nova base para a idéia de politica. Isso explica porque Gramsci passou a trabalhar com categorias analiticas que nao mais se reportavam ao uso do poder puro e simples, mas correspondiam ao con- senso, & lideranga intelectual e moral, A dirego, ou melhor, & hegemo- nia, que deveria seguramente enfrentar uma contra-hegemonia. E expli- ca também porque Gramsci retrabalhou a relagéo entre estrutura e su perestrutura prevista na teoria marxiana. Efetivamente, para Gramsci, assim como para Marx, reportando- se a Hegel, existe distingao entre sociedade civil e Estado. Mas Gramsci 150 POTARA nao compartitha do pensamento marxiano de que a sociedade civil esta no émbito estrutural. Ao contrério, para ele, ela esté na superestrutura; ou melhor, num dos dois eixos superestruturais, isto é, naquele consti- tuido por um conjunto de organismos e instituigdes de carter privado que corresponde a fungao de hegemonias No outro eixo esta a sociedade politica, identificada com o Estado, a qual corresponde a funcao de puro dominio ou coerga. Esses dois eixos nao devem ser separados, pois a andlise da hege- monia é que propicia o aprofundamento da teoria marxista do Estado, alargando-a e fazendo-a superar a interpretagio centrada na coersio. Além disso, propicia elementos para a construgéo da doutrina da revo- lugdo permanente, levada a efeito pela formacao sistemética de uma contraposigao & hegemonia burguesa, ou de uma contra-hegemonia. Trata-se, portanto, a sociedade civil, em Gramsci, de um momento da superestrutura, da hegemonia, diferente do momento do puro domi nio. Nela nao prevalece a forca, mas a direcio espiritual e cultural, vol tada para todo 0 complexo das relagdes ideolégico-culturais — escolas, religido, comunicagao — por meio do qual as classes exercem a sua he- gemonia de forma consensual. Em contrapartida, a sociedade politica constitui o momento da coergao ¢ da forga, usada por um Estado restri- to, dominador. E 0 conjunto formado pela sociedade civil e pela socieda- de politica constitui o que Gramsci denomina de Estado ampliado. Tal concepcdo ndo sugere que Gramsci desconsidere a prioridade da estrutura econémica em relagdo & superestrutura politica e juridica, mas sim que ele encara a superestrutura como uma dimensao também complexa. E, ao assim proceder, Gramsci mudou o significado marxista do conceito de sociedade civil, na medida em que empreendeu uma espécie de retorno a idéia tradicional de que a sociedade civil pertence ao Estado, embora ampliado. Ou, si 8. pala teem para designat designa o dominio pe yemonin vern do greg & inquista de consenso fora, POUCA soCAL 159 ‘© A originalidade do pensamento de Gramsci est na ampliacéo marxista do conceito de Estado (Estado ampliado), no qual in- clui a sociedade. Isso difere da concepcao restrita de Estado, de Marx, para quem o Estado é um instrumento de dominagio da classe dominante e a Sociedade civil faz parte do terreno estru- tural ou da “base material”. © Gramsci faz diferenga entre Sociedade cit Para ele, Sociedade civil Sociedade politica. 0 conjunto das instituigdes responséveis pela representacdo dos interes- ses de diferentes grupos sociais, bem como pela elaboragio e/ou difusio de valores simbélicos, de ideologias, compreendendo 0 sistema escolar, 60s partidos politicos, as igrejas, as orgenizacées profissionais, os sindica- tos, os meios de comunicagao, as instituigdes de cardter cientifico e artis- tico (Coutinho, 1996: 54). Neste ambito, a classe dominante busca exercer a sua hegemonia, isto 6, busca ganhar aliados para os seus projetos por meio da direpio e do consenso, terdo como base material os aparelhos privados de hegemo- nia, Jé a sociedade politica 6. conjunto de aparelhos por meio dos quais a classe dominante detém legal ou de fato da violéncia; trata-se, portanto, dos aparelhos coercitives do Estado, encarnados nos grupos burocr co-executivos ligados as forcas armadas e policiais e & aplicagao das leis (Coutinho, 1996: 53) ‘Tem-se af o Estado restrito da concepcao de Marx, por meio da qual é exercida a ditadura, ou a dominagito, fundada na coergiio, tendo como base material os aparelhos coercitivos ¢ burocraticos, + Masa jungdo da sociedade politica (Estado restrito) com a Socie- dade civil forma o Estado ampliado que pertence & esfera da su- perestrutura e exerce a0 mesmo tempo a hegemontia (atributo da sociedade civil) ¢ a coergao (atributo da sociedade politica). A 160 POTYARA PERERA Sociedade politica e a Sociedade civil distinguem-se pela fungio que exercem na organizacéo da vida social e, mais especifica- mente, na articulagao e reproducao das relagies de poder. f isso que torna 0 Estado uma instituiggo contraditéria, pois ao mes- mo tempo em que ele exerce a dominacio pura e simples em casos especificos, ele também usa de mecanismos de consenso para se legitimar perante 0 conjunto da sociedade, tendo, por- tanto, de atender demandas e necessidades das classes subal- temas. £ a concepcao gramsciana de Estado e sociedade — que em ne- nhum momento sugere serem ambas as insténcias internamente inte- gradas e isentas de contradigdes — que servird de pano de fundo & dis- cussio conceitual de politica social a ser tratada no proximo capitul com um significativo reforgo tebrico, que é a concepgio de Poulantzas (1981) de Estado —a qual, concordando com Gramsci, agrega mais uma reflexdo a respeito da ampliagdo da ingeréncia estatal na sociedade: a forte presenca do Estado na economia e a existéncia de contradicées secundérias no seio do proprio Estado, nas quais os interesses da socie~ dade se fazem presentes Mas, antes de se adentrar no préximo capitulo e para que se poss melhor reter as principais diferencas de concep¢ao sobre Estado ¢ Socie- dade civil, apresenta-se o esquema a seguir. Potinca sociat Quadro 1 Diferentes concepgdes de Estado x Sociedade civil 1. Jus naturalistas modernos/liberais ssicos Sociedade civil + Sociedade natural (estado de guerra) Sociedade civil = Sociedade politica = Estado [A sociedade civil equivale sociedade civilizada em oposicio & sociedade primitiva percebica como em permanente estado de guerra, A sociedade civil (civilizada) é quem vive em estado de guerra e a ‘sua superacdo (recuperagdo do estado de natureza) se dé com a sociedade politica surgida mediante contrato social 5. Hegel (Momento pre Determinado Dissolugdo da familia em classes sociais com o surgimento de re- lagGes socais antagénicas (ss rma das necessidades); instaura- «fo da lei e das primeiras regu- lamentagdes como mediagio de conflitos (mundo da individua- Unificagao, num conjunto ergé- nico, das partes da sociedade que resultam da dissolugéo da fami- lia, Resume-se em si e supera as formas precedentes (represen- tante dos interesses universais) lidade}, t RELACAO. Unidade racional entre universalidade ¢ individualidade ry 4. Marx Sociedade civil = Sociedade burguesa Sociedade civil (determinante) POTYARA PEREIRA Sociedade feudal + Socieciade burguesa + Sociedade socialista Estado (determinado) Componente estrutural ou da base ‘material sobre a qual se eleva uma superestrutura Juridica e politica 5. Gramsci Sociedade civil + ESTADO AMPLIADO ee Componente da superestrutura; es- fera das relagdes politicas que ga- rantem a reprodugio da sociedade Dburguesa, Sociedade politica Conjunto dos organismos vulgar- mente chamados de privados: ins- titigdes que garantem a hegemonia das classes dominantes; complexo des relagdes ideol6gicas e culturais, Fangées: ~ hegemonia = consenso, ~ direst Portadores materiais; = aparethos privados de hegemonia, 6, Poulantzas Sociedade civil Coneepgio equivalente & de Gramsci, Aparelho coativo encarregado do dominio direto e do comando, Fungées: ~ Ditadura = Coercéo ~ Dominagio Portadores materiais: ~ Aparelhos coercitivos ¢ repressivos. Estado Arena de lutas contendo contradi- gbes de classe e atravessada pelo movimento da sociedade. Legitima- se nao £6 por meio dos aparelhos coercitives, mas pela sua forte pre- Senga na economia, SBA 6 Capitulo V Concepcées @ propostas de poltica social: tendéndas @ perspectivas 1, Significado da politica social e conceitos correlatos Nunca se falou tanto de politica social como nos tiltimos tempos. ‘Nas sociedades contempordneas, a mengao a esse tipo de politica, asso- ciada aos conceitos de politicas piiblicas, necessidades sociais e direitos de cidadania, tornou-se uma recorrente tendéncia intelectual e politica No entanto, 0 que chama a atengio nessa tendéncia é que o destaque dado 20 social e a dimensao publica da politica esté ocorrendo numa épo- ca regida pela ideologia neoliberal em que a politica como indicagao de governo socialmente ativo e responsivo tornou-se um anacronismo. Portanto, no deixa de ser curioso que se fale tanto de politica so- cial num contexto que Ihe 6 ideolégico e politicamente adverso, ou que se recorra tanto a essa politica quando mais a sua fungdo de concretizar direitos sociais pareca insustentével. Das varias explicagées para esse fato, uma, que interessa a discussao desenvolvida neste capitulo, 6 a imprecisio conceitual da politica social Efetivamente, nem sempre se tem claro 0 que o termo significa e nem quais so suas caract laridades A tandancia &

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