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10 DE JANEIRO ALei Anticorrupgao no Rio de Janeiro Fragoso A lei anticorrupgao (Lei 12.846/2015) ainda nao foi regulamentada no Estado do Rio de Janeiro! e nos seus Municipios, mas jé tem produzido efeitos no meio empresarial fluminense. Diversos semindrios tém sido realizados sobre este tema, que é objeto tam- bém de grupos de estudo, no ambito de associagGes comerciais, sindicatos de empresas e entidades setoriais, destinados a examinar o seu contetido e a estabelecer as diretrizes a serem observadas, pelas empresas, para se adequarem a nova lei. Segundo maior polo industrial do Pais, 0 Rio de Janeiro conta com refinarias de petréleo, petroquimicas, indistrias da construcao naval, metalirgicas, gés-quimicas, téxteis, graficas, industrias de bebidas, cimenteiras, moveleiras, farmacéuticas, etc. To- das as empresas que interagem com o Poder Puiblico, cujo nimero tende a aumentar, no Rio de Janeiro, onde ocorrerao os Jogos Olimpicos de 2016, estdo atentas As inovagdes ¢ exigéncias advindas da lei anticorrupgao. Uma das novas exigéncias legais consiste na implementacao de programas inter- nos de compliance, que tém a finalidade de disseminar as melhores praticas empresa~ riais a partir do cumprimento das normas incidentes sobre cada atividade. Inspirada na norte-americana Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), a lei brasileira criou um dever juridico para o empresdrio de treinar seus funciondrios de modo a prevenir atos lesivos 4 Administragao Publica. Na pratica, quem tiver programa de compliance poder ter a punigao atenuada. 1. Tramita,atualmente,na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, 0 Projeto de Lei 2.730/2014, de autoria do Deputado Luz Pato, que pretende disciptinar a aplicagao, no Ambito da Administracao Paiblica Estadual, de dispositivos da Lei 12.846/2013. 127 128 Outras inovacées a merecer a atengao das sociedades de advogados sao a respon- sabilidade objetiva das empresas e sua duvidosa constitucionalidade; os acordos de le- niéncia, moldados sob a exigéncia do sacrificio do direito de nao produzir prova contra si mesmo, sem a garantia do recebimento dos prémios pelas empresas colaboradoras; € a inadequacao da Controladoria Geral da Unido, bem como das Controladorias dos Esta~ dos e Municipios, para investigacao de atos de corrup¢ao. Na lei anticorrupgao, a responsabilidade da pessoa juridica é de natureza objetiva, independentemente de culpa do administrador ou do funcionirio. Isto é, a empresa se punida se houver conduta ilicita, dano e nexo causal, néo sendo necessario 0 elemento culpa. E duvidosa a constitucionalidade desse dispositivo legal, pois: (i) a Constituigao Federal prevé, apenas, duas excegdes ao principio da culpabilidade, segundo o qual nin- guém sera responsabilizado senao por dolo ou culpa, quais sejam: a responsabilidade civil objetiva por danos nucleares* e a responsabilidade civil objetiva por danos que agentes do Estado causem a terceiros®; e (ii) a Constituigao limita, expressamente, as hi- péteses de responsabilidade penal da pessoa juridica aos atos contra a ordem econémica ¢ financeira e contra a economia popular‘ ou contra o meio ambiente*. No tocante a este tiltimo ponto, embora a lei se apresente como norma meramente administrativa, é inegdvel que os comportamentos ali descritos tem substancia penal. Basta notar que quase todos os atos ilicitos tém correspondentes na area penal e a prd- pria descrigao das infragdes repete, com uma ou outra distingao, o modelo de redacao dos tipos penais incriminadores. Sendo os atos substancialmente penais, a lei anticor- rupgao tera instituido, por via indireta, a responsabilidade penal da pessoa juridica por 2 CF,artigo 21, inciso XXII atinea c, 3 CF,artigo 37, pardgrafo 6°. 4 CFartigo 173, paragrafo 5° 5 CF,artigo 225, pardgrafo 3°. ato de corrupcao. Além da questao da responsabilidade objetiva, o filtro de constitucionalidade ha vera de alcangar também o acordo de leniéncia. Inspirada na Lei 8.884/94 (Lei Anti- truste), a lei anticorrupgao prevé no artigo 16 que a autoridade ptiblica podera celebrar acordo de leniéncia com as pessoas juridicas que colaborem efetivamente com as inves- tigagdes e o proceso administrativo, sendo que dessa colaboragao resulte a identifica- cao dos demais envolvidos na infragao e a obtengao célere de informacées e documentos. que comprovem o ilicito. Segundo a lei, 0 acordo sera celebrado, somente, se a pessoa juridica for a pri- meira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuracao do ato ilicito. Além disso, a empresa deve admitir sua participagao no ilicito, cesar completamente seu envolvimento na infracao investigada e cooperar plena e permanentemente com as investigacées e o processo administrativo. ‘Além desse oceano de exigéncias, e mesmo que a empresa ja tenha fornecido as informagdes necessérias, hé ainda o risco de rejeigdo do acordo, Isto é, a empresa nao tem a garantia de que se beneficiaré do acordo de leniéncia porque este depende da discricionariedade da autoridade publica. Sendo assim, como evitar que a empresa caia “numa cilada"? Obviamente, essa norma deverd ser interpretada a luz do direito de néo ser obrigado a depor contra si mesmo, nem a confessar-se culpado.« Outro risco em torno dos acordos de leniéncia é o de que eles se tornem um negd- cio lucrativo, Nos EUA, por exemplo, acordos dessa natureza tém resultado no pagamen to de cifras miliondrias aos érgaos de controle. Em 2012, o Departamento de Justica ar- recadou fortunas por infragées, reais ou supostas, a lei anticorrupgao norte-americana, sendo o caso das seguintes empresas: Tyco ($26MM), Smith & Nephew ($16MM), Pfizer (S60MM), Allianz ($12MM) e Eli Lilly (29MM). Quanto maior o risco de dano reputacio- nal, maior o valor do deal. £ um business que emprega dezenas de advogados especialis- tas no Department of Justice (DOJ) e na Securities and Exchange Commission (SEC). No Brasil, existe uma acentuada tendéncia de negociagao de acordos no ambito 6 Decreto n° 678/192 (Pacto de Sao José da Costa Rica), artigo 8°, 2,alinea g 129 130 penal, Uma das legislagoes pioneiras foi a Lei 9.09/95, estabelecendo a possibilidade de negociagio de pena antecipada entre a Defesa e 0 Ministério Piblico (Transagao Penal) ea Suspensio Condicional da Agao Penal (com efeito de extingao da punibilidade). Em seguida, a Delacao Premiada passou a ser admitida com a Lei 9.807/99 (incrementada, hoje, pela Lei 12.850/13), dispondo sobre medidas de protecao a vitimas, pessoas inves- tigadas ou testemunhas de crimes que estejam coagidas ou expostas a grave ameaga em razo de colaborarem com a investigacao ou processo criminal. Entretanto, sao intime- ras as criticas da doutrina processual penal a delagao premiada. A principal é a de que a palavra do delator nao pode ser reputada como meio valido de prova porque nao hé o ambiente de desinteresse que é essencial sua produgao." Por fim, a lei anticorrupcao é também criticavel quanto a escolha do érgdo compe tente. No ambito federal, a competéncia para investigagao, processo e julgamento dos atos lesivos & Administragao Publica ¢ da Controladoria Geral da Unido (CGU).* Sucede, porém, que a Controladoria € érgao encarregado do controle contabil, fi- nanceiro, orgamentario e patrimonial das entidades da Administragao Direta e Indireta no Ambito da Unio. A CGU nao esta habituada a lidar com investigagdes de fatos po- tencialmente criminais. Nao dispde de poderes investigatérios préprios de Autoridade Judicidria, nao tem estrutura adequada nem recursos humanos qualificados para tal ati- vidade. Quem fard e de que modo sera conduzida a negociacao com possiveis delatores? Qual o seu valor probatério e em que medida essa prova seré emprestada para outros processos? Faltam-Ihe também os instrumentos de ordem coercitiva necessirios 4 cole~ ta das informacoes para a completa apuragao dos fatos. Em conclusao, a lei anticorrupgao ja tem provocado intensos debates nos foruns empresariais, mesmo antes de sua regulamentacao no Rio de Janeiro. Esperemos que as leis regulamentadoras a serem editadas pelo Estado e pelos Municipios obedecam 7 PRADO, Geraldo, *Elementos para uma analise critica da transagao penal’ (Limen Jr's, 2003). P.120 8B Atendéncia é que, nos Estados e Municipios, 0 inquérito e 0 processo administrative também fiquem a cargo das respectivas Controladorias. impostos pelo texto constitucional. 86 assim a lei anticorrupgao estar em condigdes legitimas de fornecer os meios necessdrios para erradicar a corrupgao no Pais, esse audacioso e tao almejado objetivo que lhe serviu de inspiragao, 134,

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