Você está na página 1de 174

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

A VISITA MUSICAL COMO ESTRATÉGIA TERAPÊUTICA NO


CONTEXTO HOSPITALAR E SEUS NEXOS COM A ENFERMAGEM
FUNDAMENTAL

Leila Brito Bergold

Rio de Janeiro

2005
Leila Brito Bergold

A VISITA MUSICAL COMO ESTRATÉGIA TERAPÊUTICA NO


CONTEXTO HOSPITALAR E SEUS NEXOS COM A ENFERMAGEM
FUNDAMENTAL

Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de


Pós-graduação em Enfermagem, Escola de
Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em Enfermagem.

Orientadora: Profª Drª Neide Aparecida Titonelli Alvim

Rio de Janeiro
Novembro de 2005

Bergold, Leila Brito.


A visita musical como estratégia terapêutica no contexto hospitalar
e seus nexos com a enfermagem fundamental / Leila Brito Bergold. – Rio
de Janeiro: UFRJ / EEAN, 2005.
x, 160 f.: il
Orientadora: Neide Aparecida Titonelli Alvim
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ EEAN/ Programa de Pós-graduação
em Enfermagem, 2005
Referências Bibliográficas: f. 149-155
1. Enfermagem. 2. Música Terapêutica. 3. Humanização Hospitalar
I. Alvim, Neide Aparecida Titonelli. II. Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Escola de Enfermagem Anna Nery. III. Título
A VISITA MUSICAL COMO ESTRATÉGIA TERAPÊUTICA NO CONTEXTO
HOSPITALAR E SEUS NEXOS COM A ENFERMAGEM FUNDAMENTAL

Leila Brito Bergold

Orientadora: Profª Drª Neide Aparecida Titonelli Alvim

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em


Enfermagem da Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Enfermagem.

Aprovada por:

.................................................................................
Presidente, Profª. Drª. Neide Aparecida Titonelli Alvim

....................................................................
Prof. Dr. Enéas Rangel Teixeira
1º Examinador

.........................................................................
Profª Drª Márcia Assunção Ferreira
2ª Examinadora

........................................................................
Profª. Drª Lina Márcia Migues Berardinelli
Suplente

.......................................................................
Profª Drª Marléa Chagas Moreira
Suplente

Rio de Janeiro
Novembro, 2005

Orientadora:

Profª Drª Neide Aparecida Titonelli Alvim

“O verdadeiro compromisso é a solidariedade, e não a


solidariedade com os que negam o compromisso
solidário, mas com aqueles que, na situação concreta,
se encontram convertido em ‘coisas’ ”.

(Paulo Freire)
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à Jacy, que me apoiou e


ajudou durante toda essa jornada e à Vera, pelo
encorajamento, solidariedade e acolhimento.
AGRADECIMENTOS

À minha família, o começo de tudo.

Aos Cabos Araújo e Marinho, por toda a paciência e empenho em

desenvolver comigo as visitas musicais.

Aos participantes da pesquisa, por contribuírem com suas histórias e

partilharem seus desejos.

Às amigas enfermeiras, Letícia, Marise e Vilma, por me ajudarem tanto no

desenvolvimento do trabalho como da pesquisa e aos membros da equipe de saúde do HCE

que apoiaram essa pesquisa ou que vêm partilhando esses momentos especiais de encontro

durante as visitas musicais.

A todos os amigos que se interessaram e participaram da jornada.

Aos colegas e professores do mestrado que tanto contribuíram para o meu

crescimento pessoal e profissional.

À Lúcia, que tanto me ajudou nas pesquisas bibliográficas.

À Sônia e Jorge, que me apoiaram não só nas questões administrativas, mas

também com seu carinho e atenção.

Aos membros da Banca Examinadora e aos Suplentes, por aceitarem

participar e por terem contribuído de forma construtiva para o desenvolvimento desta

pesquisa.

Àquele que deu origem à todos os sons.


CANÇÕES E MOMENTOS

Há canções e há momentos
Eu não sei como explicar
Em que a voz é um instrumento
Que eu não posso controlar
Ela vai ao infinito
Ela amarra a todos nós
E é um só sentimento
Na platéia e na voz
Há canções e há momentos
Em que a voz vem da raiz
Eu não sei se quando triste
Ou se quando sou feliz
Eu só sei que há momentos
Que se casam com canção
De fazer tal casamento
Vive a minha profissão

(Milton Nascimento e Fernando Brant)


RESUMO

A VISITA MUSICAL COMO ESTRATÉGIA TERAPÊUTICA NO CONTEXTO


HOSPITALAR E SEUS NEXOS COM A ENFERMAGEM FUNDAMENTAL

Leila Brito Bergold

Orientadora: Profª Drª Neide Aparecida Titonelli Alvim

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em


Enfermagem da Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Ciências da Enfermagem.

O estudo discutiu as visitas musicais na ótica do cliente hospitalizado e suas


implicações como estratégia terapêutica para a enfermagem fundamental. As questões
norteadoras são: quais as concepções de clientes hospitalizados sobre as visitas musicais?
Qual a importância das visitas musicais no contexto do cuidado hospitalar? Quais as
implicações das visitas musicais para a enfermagem fundamental? Os objetivos: descrever
as concepções de clientes hospitalizados sobre as visitas musicais, compartilhadas no
diálogo grupal; analisar a importância dessas visitas como estratégia terapêutica no
contexto do cuidado hospitalar; discutir as implicações das visitas musicais para a
enfermagem fundamental. O estudo teve como base teórica a teoria humanística do
cuidado de enfermagem de Jean Watson. Pesquisa do tipo qualitativo. Metodologia
utilizada: Método Criativo e Sensível. Para a produção de dados foram realizadas três
dinâmicas “Corpo-Musical”. Os sujeitos da pesquisa foram clientes internados em na
Clínica de Ortopedia de um hospital militar da cidade do Rio de Janeiro. Os sujeitos
discutiram a influência positiva das visitas musicais na promoção do conforto, bem-estar e
da expressão de emoções que promoveram sua integridade e também o resgate de sua
autonomia pelo respeito ao seu estilo musical e estímulo à criação de recursos próprios. Os
sujeitos apontaram ainda a qualidade integradora das visitas musicais ao estimular a
comunicação e a interação entre os seus participantes e entre estes e a equipe de
enfermagem, promovendo a discussão sobre as implicações para o que é próprio e de
interesse da enfermagem fundamental.

Palavras-chave: Enfermagem. Música Terapêutica. Humanização Hospitalar.


Rio de Janeiro
Novembro, 2005

ABSTRACT

MUSICAL VISITATION AS A THERAPEUTIC STRATEGY ON HOSPITAL


CONTEXT AND ITS CONECTIONS WITH FUNDAMENTAL NURSING

Leila Brito Bergold

Orientadora: Profª Drª Neide Aparecida Titonelli Alvim

Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em


Enfermagem da Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Ciências da Enfermagem.

This study discussed the musical visitations from the optics of the hospitalized
client and its implications as therapeutic strategy for the fundamental nursing. The
questions are: What were the hospitalized client’s conceptions of musical visitations? How
important musical visitations are in the context of hospital care? What are the implications
of musical visitations for the fundamental nursing? The aims: to describe hospitalized
client’s conceptions on musical visitations shared with the group; to analyze the
importance of these visitations as a therapeutic strategy in the hospital care context; to
discuss the implication of the visitations for fundamental nursing. The theoretical basis
used on this study was Jean Watson’s humanistic theory of nursing care. It is a study of
qualitative nature. Methodology: Creative and Sensitive Method. In order to produce data
three types of “Body-Musical” dynamics were performed. The subjects were clients
admitted in an Orthopedic Medical Clinic at a military hospital in Rio de Janeiro. The
subjects discussed the positive influence of musical visitations on promote comfort, well-
being and expression of emotions that promoted their integrity and also the rescue of their
autonomy through respect for their personal musical style and stimulus for the creation of
self resources. The subjects also pointed the quality of integration of the visitations when
stimulating communication and interaction between the participants and between those and
the nursing staff enhancing the discussion on its implications for what is proper and
interesting for the fundamental nursing.

Key words: Nursing. Therapeutic Music. Hospital humanization.

Rio de Janeiro
Novembro, 2005

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 01
A problemática do estudo e a construção do objeto ......................................................... 01
A justificativa e a Importância do Estudo ........................................................................ 11
Questões Norteadoras ...................................................................................................... 15
Objetivos .......................................................................................................................... 15

CAPÍTULO I: MÚSICA E SAÚDE ............................................................................... 16


A evolução da música como terapia .................................................................................. 16
Música e enfermagem: uma integração possível .............................................................. 23

CAPÍTULO II: OS CAMINHOS METODOLÓGICOS ................................................. 35


Tipo de Pesquisa.......................................................................................................... 35
O Método de Pesquisa ................................................................................................ 36
Os sujeitos e o cenário da pesquisa ............................................................................. 38
Estratégias de Produção de dados .............................................................................. 42
Dinâmicas desenvolvidas ........................................................................................... 43
. Dinâmica ‘Corpo-Musical nº 1’.......................................................................... 43
Etapas desenvolvidas na dinâmica ............................................................ 44
. Dinâmica ‘Corpo-Musical nº 2’ .......................................................................... 47
. Dinâmica ‘Corpo-Musical nº 3’ .......................................................................... 48
Caracterização dos sujeitos participantes das dinâmicas............................................. 49
Princípios éticos da pesquisa ...................................................................................... 58
Análise de dados .......................................................................................................... 58
CAPÍTULO III: ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DAS CONCEPÇÕES
DE CLIENTES HOSPITALIZADOS SOBRE AS VISITAS MUSICAIS:
CONTRIBUIÇÕES PARA UMA RELAÇÃO INTERATIVA ENTRE OS
SUJEITOS DO CUIDADO NO ÂMBITO HOSPITALAR ............................................ 60

As visitas musicais no resgate ou manutenção da autonomia e da integridade


do cliente hospitalizado .............................................................................................. 64
. As visitas musicais como possibilidade de expressão da identidade do
sujeito .................................................................................................... 66
. Lembrar e esquecer: processos da memória estimulados pelas visitas
musicais ................................................................................................. 80
. As visitas musicais facilitam a expressão das emoções promovendo
a integridade do sujeito ......................................................................... 88

A qualidade integradora das Visitas Musicais ........................................................... 102


. O encontro lúdico promovido pelas visitas musicais ...................................... 104
. A visita musical como facilitadora do processo interativo e da comunicação
entre os clientes e entre estes e a equipe de enfermagem, face aos
conflitos inerentes à hospitalização ..................................................... 114
. A visita musical diminui o isolamento ao promover a integração grupal ....... 124

CAPÍTULO IV – AS VISITAS MUSICAIS NO CONTEXTO HOSPITALAR E


SUAS INTERFACES COM A ENFERMAGEM FUNDAMENTAL .......................... 138

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 151

ANEXOS ........................................................................................................................ 158


INTRODUÇÃO

- A Problemática do estudo e a construção do objeto

Minha trajetória profissional sempre esteve interligada a dois fatores: o cuidado

com o outro e a música. Às vezes, estes se misturavam, outras, se sobrepunham, mas

sempre me conduziram ao encontro do objetivo maior do meu interesse: o ser humano.

Iniciei minha vida profissional como professora de música logo ao término do 2º

Grau, mas, à época, não estava interessada em trabalhar na área de ensino. No final da

década de 70 do século próximo passado, ingressei na Faculdade de Enfermagem com o

desejo de trabalhar em hospitais para cuidar de pessoas. Ao término da graduação, senti-

me perplexa com a realidade das instituições de saúde com a qual deparei-me,

especialmente, as hospitalares, e, mais especialmente ainda, com a da enfermagem.

Pude constatar que o trabalho da enfermagem priorizava as funções administrativas

em detrimento, muitas vezes, do contato mais estreito e direto com os clientes. Mesmo o

cuidado junto ao cliente nem sempre priorizava outras dimensões, restringindo-se àquelas

de cunho técnico e tecnológico. Apesar de reconhecer tanto a função administrativa quanto

a função técnica como legítimas e necessárias ao saber e fazer da enfermagem, próprias

das contingências históricas (ALMEIDA; ROCHA, 1989), sentia-me insatisfeita com a

realidade que ainda hoje sustenta as ações da enfermagem no cenário hospitalar.

Neste espaço, a assistência à saúde se assenta de modo particular na terapêutica

médica medicamentosa e na atenção somente ao corpo biológico do ser humano, visão esta

que atende prontamente ao modelo biomédico, oficial na saúde, cujo alicerce é o

paradigma cartesiano. Ocorre que, o trabalho da enfermagem está subordinado

historicamente a este modelo. Na perspectiva do mesmo, ao entender a doença como mau


2

funcionamento do corpo biológico, a função do profissional de saúde passa a ser intervir

neste corpo, física ou quimicamente. Nesta forma de conceber a doença, o profissional se

concentra em partes cada vez menores do corpo físico do doente e perde a visão do ser

humano na sua totalidade (CAPRA, 1982).

Seguindo outra direção, penso que o cuidado, propriamente o da enfermagem,

objeto de meu interesse, deve valorizar justamente os aspectos que se relacionam com a

subjetividade do homem, conforme preconiza o cuidado humano, na concepção de Watson

(1997), cujos atributos incluem a valorização do aspecto psicossocial do cuidado. A autora

defende a preservação da sensibilidade, da afetividade, da criatividade e da expressividade

no cuidado, além do desempenho de tarefas ou técnicas.

Sob o ponto de vista de Watson (op. cit. 1996), o cliente é o sujeito do cuidado de

enfermagem. Como tal deve ser considerada sua capacidade de questionar, de refletir, de

reivindicar seus direitos e suas necessidades. Assim, no espaço do cuidar, existe uma

transação de cuidado pessoa a pessoa, o que implica numa interação entre quem cuida e

quem participa do cuidado, partindo da premissa de que o enfermeiro não atua ‘no’ cliente,

mas ‘com’ o cliente. Por isso, a autora defende que o cuidado é relacional e recíproco. Vale

ressaltar que, como recém-graduada, o que me causava perplexidade na realidade

assistencial à época era justamente a ausência ou a pouca visibilidade desses aspectos

subjetivos no cuidado.

No bojo dessas reflexões, iniciei a graduação em Musicoterapia, no Conservatório

Brasileiro de Música (RJ). Meu propósito era ampliar conhecimentos em uma área na qual

também tinha inclinação como profissional e que, julgava, poderia permitir um outro tipo

de aproximação e envolvimento com os clientes.

Após me formar em Musicoterapia, passei a trabalhar nesta profissão, em 1986, no

Hospital Central do Exército (HCE) durante o dia, e, como enfermeira plantonista no turno
3

da noite, no Hospital Infantil Salles Netto do município do Rio de Janeiro. De dia,

atendendo clientes como musicoterapeuta, usando a música para desenvolver suas

potencialidades e seu lado saudável; à noite, desenvolvendo meu trabalho como

supervisora da equipe de enfermagem e também prestando cuidados, sempre discutindo

sobre a evolução do estado de saúde das crianças e tentando resolver os problemas que

surgissem durante o meu turno.

Durante alguns anos mantive as duas atividades paralelamente, sem conseguir

estabelecer uma ligação entre as duas. Receava que o emprego da música junto ao cliente

no cuidado de enfermagem hospitalar pudesse ser considerado como de menor valor, tendo

em vista todo o aparato tecnológico que envolve as ações de cuidar neste cenário. Depois

de alguns anos, afastei-me das atividades como enfermeira; dentre outras razões, por julgar

que não vinha usando de forma criativa o meu potencial para cuidar.

Hoje, vejo essa dificuldade como fruto da insegurança de uma profissional jovem

que não conseguia avaliar todo o potencial que a música poderia ter para a enfermagem.

Atualmente, concordo com Santos (1998, p.11) ao afirmar que cabe ao musicoterapeuta

atuar como agente sensibilizador na utilização da música em vários ambientes, mesmo em

“situações que não comportem uma abordagem estritamente clínica”.

Ainda que distanciada do exercício da enfermagem vinha acompanhando há algum

tempo as reflexões no plano teórico da profissão com repercussões na prática da

enfermagem cujo objeto, segundo a orientação teórica que adoto neste estudo, é o cuidado.

Comecei a questionar se a música poderia ser um recurso terapêutico que pode ser

utilizado pelos profissionais de saúde. Não como musicoterapia, por tratar-se de uma

atividade profissional que necessita de uma formação específica, mas como música

terapêutica (BRUSCIA, 2000), recurso que, ao meu ver, poderia ser empregado por

enfermeiros interessados em criar um ambiente de cuidado hospitalar mais humanizado e


4

saudável, numa perspectiva transdisciplinar. A música, neste entendimento, não seria vista

como prerrogativa exclusiva do musicoterapeuta, mas de reconhecida importância para os

interessados em valorizar a construção de subjetividades inerentes ao afeto e à criatividade

(BERGOLD; SOBRAL, 2003).

Para que fique clara a diferença entre musicoterapia e música terapêutica, busquei a

definição de ambas na literatura. Segundo Ruud (1998, p.53):

Musicoterapia é a utilização da música e/ou dos elementos musicais (som,


ritmo, melodia e harmonia) pelo musicoterapeuta e pelo cliente ou grupo, em
um processo estruturado para facilitar e promover a comunicação, o
relacionamento, a aprendizagem, a mobilização, a expressão e a organização
(física, emocional, mental, social e cognitiva) para desenvolver potenciais e
desenvolver ou recuperar funções do indivíduo de forma que ele possa
alcançar melhor integração intra e interpessoal e conseqüentemente uma
melhor qualidade de vida.

Nesta perspectiva, musicoterapia é da competência do musicoterapeuta, profissional

com formação especializada que requer um conhecimento aprofundado de música,

instrumentos musicais e técnicas terapêuticas específicas para atingir uma determinada

clientela com indicação clínica precisa. O universo dessa clientela é composto

principalmente por portadores de: doença mental, deficiência física, deficiência sensorial,

déficit de memória e atenção, e outros nos quais estejam presentes basicamente distúrbios

na comunicação e interação social. No tratamento musicoterápico, o cliente passa por

avaliação, diagnóstico e processo de terapia através do engajamento em vários tipos de

experiências musicais (BRUSCIA, 2000).

Já a música terapêutica, segundo esse mesmo autor (op.cit.), é a utilização da

música para manutenção da saúde, prevenção de doenças e/ou reforço da resistência contra

ameaças à saúde física de diversos tipos. Assim, pode ser empregada com finalidades

variadas como para relaxar, reduzir o estresse e manejar a dor, em diferentes contextos,

dentre estes, a internação hospitalar.


5

Atualmente, realizo um projeto no Hospital Central do Exército que une meus

conhecimentos de musicoterapia e enfermagem e que abrange o conceito de música

terapêutica como um recurso para a humanização do ambiente hospitalar. Essa prática se

iniciou a partir da constatação de que, apesar de procurar desenvolver, como

musicoterapeuta, um atendimento integral junto ao cliente, sentia que o meu trabalho ainda

era isolado de grande parte da clientela da instituição, ou seja, daqueles que não tinham

indicação específica para este tratamento, conforme mencionei anteriormente.

Apesar de a triagem ser necessária, devido à escassez de mão de obra, esse fato me

trazia inquietação, pois acreditava que muitas pessoas poderiam ser beneficiadas pela

música, principalmente as que tinham uma internação mais prolongada. Mesmo

inconformada, não conseguia encontrar uma solução para o impasse. Nessa perspectiva,

lembro Crema (1989, pág.18) que, ao conceituar paradigma como um modelo para a

descrição, explicação e compreensão da realidade, descreve a presença de um sentimento

de mal-estar generalizado quando há um fracasso das regras consensuais existentes, que,

“por sua vez, gera uma crise cujo maior significado é assinalar ter chegado o momento da

renovação dos instrumentos, da refocalização”.

Assim, comecei a buscar outros caminhos para o meu trabalho como profissional de

saúde. Pensava no benefício que outras pessoas poderiam obter no contato com a música,

mesmo não estando vinculados a um processo terapêutico formal. Não era suficiente

atender somente clientes encaminhados para tratamento específico de musicoterapia em

sala destinada a esse fim. Busquei então uma forma mais abrangente de levar a música aos

clientes internados. Iniciei o que optei chamar de ‘visitas musicais’ a alguns clientes

restritos ao leito, com a intenção de tocar ou cantar músicas escolhidas por eles e que

pudessem diminuir os efeitos negativos da hospitalização.


6

A internação hospitalar, apesar de ter por finalidade o diagnóstico e tratamento

terapêutico e medicamentoso, em muitos casos, pode causar transtornos físicos,

emocionais e sociais ao cliente, devido ao afastamento de sua vida cotidiana e também pela

convivência com um ambiente estranho que o torna inseguro e ansioso. A rotina hospitalar

que teria por objetivo organizar as atividades da equipe de saúde de modo a aumentar a

eficácia do tratamento, trazendo conforto e segurança para o cliente, muitas vezes, mostra-

se desconfortável pela rigidez imposta neste meio.

Encontrei em Foucault (1979, p.108) a explicação para essa rigidez na própria

origem do hospital que se formou a partir do ajuste de dois processos, o deslocamento da

intervenção médica para dentro do hospital e a disciplinarização do espaço hospitalar para

organizar o “mundo confuso do doente e da doença”. Ou seja, a disciplina era um

instrumento de modificação do espaço com uma função terapêutica necessária no início da

formação do hospital, que, à época, era local de assistência aos pobres, de separação e

exclusão, “um lugar para morrer” e não para curar (op. cit. p.102).

Segundo Almeida e Rocha (1989, p.47), a institucionalização da enfermagem no

séc. XIX “surge com a finalidade principal de disciplinar a conduta do pessoal que

trabalhava nos hospitais” e assim “legitimar o poder através da hierarquia hospitalar” (op.

cit. p. 45), sistematizando as relações de poder.

Já no começo do séc. XX são elaboradas e intensificadas as técnicas de

enfermagem, procedimentos realizados com ênfase na economia de tempo e movimento do

pessoal auxiliar de enfermagem para dar conta da grande demanda destes cuidados,

resultantes do aumento do fluxo de pacientes. As tarefas de cuidados passam a ser

realizadas pelo pessoal auxiliar, baseadas na execução dessas técnicas, o que resultou em

um trabalho “do tipo produção de massa, sendo que a identidade do paciente se perde na

lista de obrigações a serem cumpridas” (op. cit. p.52).


7

No que tange aos procedimentos de enfermagem, os autores (op. cit. p. 33) relatam,

por exemplo, os horários padronizados de verificação dos sinais vitais “que não tem razão

de ser, pois cada paciente apresenta a sua individualidade” . Em muitos casos, os cuidados

são realizados por diferentes elementos da equipe de enfermagem, organizados em escalas

de medicação, banho ou sinais vitais supervisionados pela enfermeira, o que dificulta,

sobremaneira, o estabelecimento das relações interpessoais entre o cliente e a equipe. Esses

procedimentos ou tarefas acabam provocando a despersonalização do cliente que passa de

sujeito a objeto dos cuidados.

Waldow (1999, p.115) também destaca a dificuldade em se realizar o cuidado de

forma ideal devido às condições de um ambiente que não oferece recursos, suporte ou

apoio: “O cuidado, como conseqüência, torna-se desintegrado, técnico-orientado,

mecânico, ritualístico e impessoal”. A autora, ao citar Carper, refere-se a dois fatores que

provocam a ‘erosão’ do cuidado: a especialização nas profissões de saúde e a tecnologia,

que levam a divisões e subdivisões de tarefas e à conseqüente burocratização das

instituições. Segundo Waldow (op. cit) poucas pessoas vivenciam uma experiência

hospitalar sem se sentirem, em algum momento, despersonalizadas e destituídas de seus

direitos humanos básicos e de sua dignidade.

O sofrimento causado pelas relações estabelecidas entre os profissionais que

cuidam e os cuidados no espaço hospitalar foi estudado por Pitta (2003). Para a autora a

ansiedade que os clientes sentem ao se internarem é projetada na equipe de saúde que, para

se proteger, cria mecanismos passíveis de atenuar ou estimular esta ansiedade. Entre as

defesas classificadas pela autora destaco as seguintes: fragmentação da relação técnico-

paciente para reduzir o tempo de contato entre eles; despersonalização e negação da

importância do indivíduo que é pasteurizado entre os outros, não tendo registro afetivo

diferenciado. Estas defesas provocam o distanciamento e negação dos sentimentos


8

facilitando o desenvolvimento de uma couraça de proteção ao membro da equipe. Dessa

forma, esses sistemas sociais de defesa diminuem a ansiedade, culpa e incerteza do

profissional de saúde aumentando-as no cliente hospitalizado.

A ausência do diálogo é outro fator que contribui para as experiências negativas no

cenário hospitalar. Barcelos (2003, p.97), em sua dissertação de mestrado constatou que a

antidialogicidade neste ambiente reforça sentimentos de medo, solidão e insegurança dos

clientes. Para o cliente, “manter a identidade enquanto sujeito no espaço normatizado e

hierarquizado do hospital é um processo difícil” não só porque está fora do seu espaço

social, mas porque também se encontra em uma relação de dependência e perda de

autonomia.

Com o objetivo de tornar o ambiente hospitalar mais saudável, diminuindo o

impacto que essa despersonalização pode ter sobre o cliente, implementei o projeto das

visitas musicais, tendo em vista que estas visitas podem proporcionar uma série de

benefícios tais como: consolo, conforto, expressão de sentimentos, redução da ansiedade

ou stress, aumento da auto-estima e estabelecimento de contato ou comunicação com

outras pessoas (BRUSCIA, 2000). Ou seja, ela pode ser terapêutica sem ser terapia, como

foi abordado anteriormente.

Com isso em mente, criei uma equipe formada por funcionários do hospital,

músicos que tinham interesse nesse tipo de experiência, treinando-os para acompanhar-me

nessas visitas. A música é cantada e acompanhada por instrumentos musicais ou só tocada

pelos seguintes instrumentos: flauta, cavaquinho e violão.

Um dos enfoques principais desse trabalho é que o cliente pode expressar o seu

desejo: ele escolhe se quer escutar e também qual a música. Com isso nos aproximamos

do seu universo musical na tentativa de reafirmar sua identidade como sujeito social, dando

espaço à sua subjetividade e à sua voz.


9

As visitas se iniciaram em enfermarias de clínica médica e de ortopedia,

ampliando-se mais tarde para outros setores e, atualmente, cobrem diversas unidades de

internação que incluem: Clínica Médica, Cirúrgica, Unidade Renal, Reabilitação, Unidade

de Cuidados Intermediários de Clínica Médica (UCI-CM) e Unidade de Pacientes Críticos

(UPC). As reações positivas a esse trabalho me surpreenderam, não somente aquelas por

parte dos clientes e familiares, mas também pelo interesse da equipe de saúde,

especialmente, da enfermagem.

Nightingale (1989, p. 41), precursora da enfermagem moderna, organizou o que se

denominaria ‘fundamentos de enfermagem’ a partir da observação sistemática e acurada do

ambiente. Segundo a autora, este ambiente seria aquele capaz de manter o organismo em

condições para não adoecer ou para se recuperar de doenças. Além de todo o empenho que

a enfermeira tinha em mostrar a importância da organização dos cuidados, destacava

também o lado humano da assistência de enfermagem. Para ela, “a assistência criteriosa e

humana ao doente é a melhor salvaguarda contra infecção”.

Em conferência proferida em novembro de 2003 no Rio de Janeiro1, Watson amplia

o conceito de saúde, afirmando que curar não é a mesma coisa que reconstituir, pois o

cliente pode estar curado, mas não reconstituído e vice-versa. Ela reitera: o que distingue a

enfermagem dos outros profissionais é o cuidar, mas este não deve ser somente uma série

de procedimentos para apoiar a cura médica, mas um fim em si próprio.

Na mesma época, a autora destacou também que a enfermagem não faz apenas

parte do ambiente, ela é o próprio ‘ambiente’, pois tem controle sobre o mesmo. Deste

modo, reforçou que se, somos parte do ambiente temos que nos focalizar junto ao

problema, assumindo que nossa atitude pode fazer diferença e buscando assim alternativas

1
Curso “Cuidar em Enfermagem além da Pós-Modernidade” ministrado durante o Intercâmbio Internacional
Bases Teórico-Filosóficas da Prática do Cuidar em Enfermagem ocorrido no Instituto Nacional do Câncer,
promovido em parceria pela UFRJ, UERJ, UNI-RIO, em 16 de novembro de 2003.
10

para construir um ambiente mais saudável, auxiliando dessa forma a recuperação do

cliente.

Waldow (2001) comenta acerca da oportunidade de crescimento e realização que o

ato de confortar oferece tanto ao profissional que cuida quanto ao sujeito do cuidado,

oportunidade essa desenvolvida no momento da visita musical. A autora (1999, p.153)

também afirma que o processo de cuidar envolve transformação de ambos, ser cuidado e

cuidadores.

Para o ser cuidado o “conhecimento de si e de suas potencialidades trazem melhor

auto-estima, confiança em si e na situação”, além de bem estar, alívio da dor, conforto,

tranqüilidade e preservação da identidade. Para o profissional que cuida, esse crescimento

se relaciona à satisfação do dever cumprido, realização, melhora da auto-estima, prazer e

humanismo. Se ambos participam de forma consciente dessa relação, novas percepções do

ser/estar cuidador ou cuidado permitirão o seu desenvolvimento (co-evolução) em direção

a uma condição mais saudável e integrada (BERGOLD, 2000).

Ressalto que na forma pela qual Nightingale, Watson e Waldow concebem o

cuidado de enfermagem, encontrei os nexos entre este e as visitas musicais passando a

considerá-la como uma estratégia possível aliada ao cuidado de enfermagem junto ao

cliente hospitalizado, ao trazer sentimentos de familiaridade a um ambiente que o cliente

não conhece, uma vez que este ambiente pode mostrar-se ameaçador aos sentidos de

diversas formas: cheiros estranhos, ruídos desagradáveis, iluminação invasiva, pessoas

doentes, entre outros. Assim, se a música tocada durante a visita musical fizer parte de seu

universo sonoro, o cliente pode reconhecer-se nela, reconhecer seus sentimentos e

“estender esse reconhecimento ao ambiente da internação, tornando-o menos ameaçador”

(BERGOLD; SOBRAL, 2003, p.2).


11

Talento apud Watson (2000, p.54) reitera que o foco principal da enfermagem deve

ser o cuidado partindo de uma perspectiva humanista aliada a uma base de conhecimentos

científicos. Deste modo, “uma visão ampliada do mundo e habilidades de pensamento

crítico são necessárias à ciência do cuidado que tem seu foco na promoção da saúde e não

na cura da doença”. Em relação à perspectiva humanista, Neves (2002, p. 86) refere que a

enfermeira se compromete em “expressar por inteiro seu significado humanístico, nutrindo

o potencial humano”.

A autora (op. cit., p. 83) ressalta que para Watson, a arte da enfermagem, ou

estética, é particularmente importante como um “padrão integrador já que requer e se

constrói a partir das demais formas de conhecimento”. Na perspectiva estética, segundo a

autora, a concepção acerca do cuidar abrange estar presente por inteiro no momento,

apreendendo com todos os sentidos o conhecimento originado na prática e criar com

intuição e imaginação o que for necessário para a realização do ato.

- A Justificativa e a Importância do Estudo

O interesse cada vez maior de focalizar a humanização no cuidado junto ao cliente

internado fez-me refletir sobre formas ao mesmo tempo efetivas e afetivas de cuidar. As

visitas musicais podem ser uma dessas formas, visto que a nossa cultura é fortemente

musical, o que, por um lado, auxilia a aproximação com o cliente e, por outro, facilita sua

utilização pela equipe de enfermagem, criando um espaço de troca e de interação mútua

em que estão incluídas as emoções, as experiências pessoais e as expectativas de melhora

de ambos os sujeitos partícipes da relação do cuidado – clientes e equipe de enfermagem.

Tenho observado que ao realizar as visitas musicais a equipe de saúde (tanto quem

toca os instrumentos quanto quem escuta) demonstra satisfação, relatando sentir-se bem e,

ao mesmo tempo, relaxada e revigorada. Outros trabalhos de humanização do ambiente


12

hospitalar através da música vêm sendo realizados, com êxito, em diversas instituições no

Brasil, voltados tanto para os clientes quanto para os profissionais, alguns destes

apresentados na seqüência deste estudo.

Assim, torna-se importante pesquisar, divulgar e discutir novas iniciativas que

visem a humanização tendo em vista a Portaria do Ministério da Saúde nº 881 de 19 de

junho de 2001, que institui no âmbito do SUS, o Programa Nacional de Humanização da

Assistência Hospitalar (PNHAH).

A referida Portaria destaca a necessidade da criação de uma nova cultura de

atendimento aos usuários nas organizações de saúde, pautada pelo mais amplo respeito à

vida humana, pela observância dos princípios ético-morais na convivência entre

profissionais e usuários visando a conquista da qualidade no atendimento à saúde.

Considera ainda fundamental o desenvolvimento de um novo padrão de convivência entre

o profissional de saúde e o cidadão usuário, sendo necessário então avaliar as novas

práticas de humanização para fornecer diretrizes e parâmetros eficazes na consolidação

destas experiências. É importante ressaltar que essas experiências vem sendo realizadas por

diferentes profissionais, sendo que algumas destas utilizam-se de conhecimento

transdisciplinar para ampliar essas novas práticas.

Para Nicolescu (2001, p. 51), a transdisciplinaridade diz respeito “àquilo que está

ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer

disciplina”. Para o autor, o objetivo da transdisciplinaridade é a compreensão do mundo

presente através da unidade do conhecimento e para isso se alimenta da pesquisa

disciplinar que é iluminada de maneira nova pelo conhecimento transdisciplinar. Assim, há

uma complementaridade entre as pesquisas disciplinares e transdisciplinares que considero

enriquecedora para a compreensão dessas novas experiências de humanização hospitalar.


13

Devido aos problemas financeiros enfrentados pela maior parte das instituições de

saúde, a utilização da música pode ser um recurso pouco dispendioso e de grande retorno,

pois atenderia às necessidades de cuidado, não somente do cliente e sua família, mas

também da equipe de saúde. Afinal, o cuidado de si é imprescindível para o cuidado do

outro e do seu meio (SILVA, 2000).

É mister ressaltar que a melhora relacionada ao estado de saúde não está ligada

somente às condições físicas, mas também mentais, emocionais e espirituais. Afinal, a

saúde não é somente ausência de doença, mas um estado de espírito que procura a

integração criativa com seu meio. Nesse sentido, Boff (1999) aborda os conceitos de saúde

e doença não como antagônicos, mas como processos de estar vivo.

A própria visão do que é doença ou de como a pessoa se sente quando está doente

pode influenciar sua melhora. Diversas vezes, durante as visitas musicais, observo a

perplexidade das pessoas ao serem abordadas sobre o seu desejo de escutar música. Para

umas, se revela como uma oportunidade de ter prazer, diminuindo o sofrimento inerente à

doença e à internação. Para outras, o hospital é visto como um lugar de doença, onde há

sofrimento, dor e tristeza, e a música parece ‘destoar’ deste ambiente, conforme percebo na

expressão facial daqueles clientes. Assim, algumas vezes, só conseguem apreciar a música

quando percebem que outras pessoas também o estão fazendo, criando uma nova

perspectiva de sentir prazer, mesmo estando doente e internado. É a possibilidade de

encontrar um novo sentido ou uma nova visão sobre o que é estar hospitalizado e “reforçar

a dimensão-saúde para que ela cure a dimensão-doença” (BOFF, 1999, p.143).

Deste modo, acredito que reforçar a dimensão-saúde está fundamentalmente ligado

à atenção, à consideração para com o cliente, como ouvi-lo, atitude que pertence ao âmbito

do cuidado expressivo. Penso também que a prática do cuidar não envolve somente o tocar
14

com as mãos, mas também com o cheiro, com o olhar e com o som (FIGUEIREDO et al,

1998).

Nesse sentido, é importante estarmos atentos até mesmo à música utilizada durante

as visitas musicais, porque se esta não for adequada ao ambiente seja pelo ritmo, estilo,

altura, ou mesmo pela execução ininterrupta e/ou sem variações, pode se tornar mais um

fator desencadeante de estresse deixando de ser terapêutica. Schafer (1991), por exemplo,

refere-se à música de fundo como tendo sido inventada para homens sem ouvidos,

relacionando-a ao ruído. “Ruído é qualquer som que interfere. É o destruidor do que

queremos ouvir”. Assim, o que pode soar agradável para alguns, pode ser ruído para

outros. Portanto, avaliar o som que cerca o ambiente de cuidado também é uma maneira de

cuidar.

Entre as influências negativas da música, Sekeff (2002) também se refere à música

ambiente que pode causar resultados danosos se for usada de forma inadequada, pois

somos sensíveis a determinados sons mesmo que não estejamos conscientes dos mesmos.

Os sintomas observados a partir do mau uso da música vão desde a dilatação da pupila,

maior produção de hormônios pela tireóide, aumento de adrenalina, aceleração do ritmo

cardíaco e aumento da pressão arterial. É mister ressaltar também que a música pode trazer

lembranças desagradáveis ao cliente, mobilizando suas emoções e alterando seu quadro

clínico de forma a interferir em sua recuperação.

Por esses motivos, é importante respeitar a escolha musical do cliente, pois permite

a sua participação ativa na opção por aceitar ou recusar a música, ao escolher o tipo de

música que goste ou deseja ouvir, ao resolver se canta junto ou não, ou mesmo se faz

movimentos acompanhando o ritmo. Todos esses aspectos merecem consideração por parte

da enfermeira que entende o cliente como sujeito do cuidado, logo, possuidor de desejos,

necessidades e expectativas que precisam ser valorizados.


15

Frente às reflexões ora apresentadas, o objeto deste estudo é “as visitas musicais

na ótica do cliente hospitalizado e suas interfaces com a enfermagem fundamental”.

Questões norteadoras:

a) Quais as concepções de clientes hospitalizados sobre as visitas musicais?

b) Qual a importância das visitas musicais no contexto do cuidado hospitalar?

c) Quais são as interfaces existentes entre a estratégia da visita musical no cuidado ao

cliente e a enfermagem fundamental?

Objetivos:

a) Descrever as concepções de clientes hospitalizados sobre as visitas musicais,

compartilhadas no diálogo grupal.

b) Analisar a importância dessas visitas como estratégia terapêutica no contexto do

cuidado hospitalar.

c) Discutir as interfaces das visitas musicais com a enfermagem fundamental.


16

CAPÍTULO I

MÚSICA E SAÚDE

- A evolução da música como terapia

A presença da música na vida do ser humano é muito antiga. Jourdain (1998)

afirma que ela pode ser encontrada em todas as culturas, mesmo as mais primitivas, o que

indica que a música guarda uma estreita relação com o homem, perpassando diferentes

tempo, espaço e civilizações.

Segundo o autor, arqueólogos franceses exploraram cavernas pré-históricas situadas

no sudoeste da França e descobriram que os compartimentos com mais pinturas eram os

mais ressonantes, sugerindo que essas cavernas eram locais de cerimônias religiosas que

envolviam música. Alguns antropólogos acreditam que a música se desenvolveu para

fortalecer os laços da comunidade e resolver conflitos, exercitando ou aplacando emoções

para assim estabelecer relações com outros seres humanos (op. cit.).

A importância do som para o ser humano pode ser constatada a partir de sua

inclusão em várias concepções da origem do universo em diferentes culturas. Segundo

Benenzon (1985, p. 165), “o homem acreditou que o som era uma força cósmica presente

no começo do mundo”. São João (in Benenzon, op.cit.) inicia seu evangelho com estas

palavras: “No começo foi o verbo e a palavra estava com Deus e o verbo era Deus”.

Segundo o autor (op.cit., pág. 166), os egípcios acreditavam que o deus Toth criou

o mundo somente com sua voz. Para os hindus e persas, o universo foi criado por um som

que se originou das profundezas do abismo, se convertendo em luz e essa luz se

transformou em matéria, mas cada matéria continua retendo parte do som original. O autor

relata que essa idéia talvez permanecesse em algumas culturas primitivas por acreditarem

que cada ser vivo ou morto tinha seu próprio som ou canção secreta à qual devia
17

responder. Nos ritos mágicos de cura os médicos bruxos tentavam descobrir o “som ou

canção à qual responderia o homem enfermo ou o espírito que habitava nele”.

Deste modo, podemos observar, desde os primórdios, a vinculação da música com

o binômio saúde-doença, cujos conceitos sempre estiveram ligados às crenças de cada

época, sendo considerados como verdades absolutas de acordo com a visão vigente; mas o

registro histórico nos mostra uma transformação desses conceitos ao longo dos tempos.

Na Antiguidade, a concepção de doença e cura estava ligada à magia e à religião.

Os povos primitivos acreditavam que as doenças eram provocadas por espíritos ou deuses

e criavam procedimentos especiais para atrair suas bênçãos e afastar sua ira. Costa (1989)

relata que entre esses procedimentos se incluíam as danças e músicas cerimoniais, sendo

que ainda podem ser encontradas “músicas de cura” nas pajelanças dos índios brasileiros.

Segundo a autora, como a doença não era atribuída a um transtorno do organismo, e sim ao

espírito maligno, a música era usada somente como meio de comunicação e domínio desse

espírito.

A título de ilustração, Costa (op. cit.) lembra a primeira aplicação terapêutica da

música citada na Bíblia, quando o jovem Davi apaziguava Saul com o som da sua harpa,

afastando o “espírito do mal” que o impregnava.

Ainda acerca dessa função ‘mágica’, Sekeff (2002) relata que em 1500 a.C.

médicos egípcios deixaram registradas em papiro as primeiras referências sobre a

influência da música sobre as mulheres. Segundo estes, a música causava um

‘encantamento’ nas mulheres, estimulando a sua fertilidade.

Somente na Grécia antiga surge uma medicina racional relacionada com a evolução

do pensamento grego, o berço de nossa civilização. Os gregos buscavam conhecer a

essência de todas as coisas através do saber racional e reflexivo. Nessa época, há uma

separação entre as funções médicas e sacerdotais.


18

Sekeff (op.cit) se refere à “consciência científica” dos gregos que foram os

primeiros a se valerem da música sem implicações mágicas, concebendo-a como ordem,

equilíbrio e harmonia. Platão a recomendava para a saúde da mente e do corpo, a cura de

angústias e fobias, assim como o desenvolvimento do caráter e da sensibilidade.

Recomendava também um rigoroso controle desta pelo Estado, visto que os efeitos

suscitados pela música nem sempre correspondiam ao esperado.

Ainda Sekeff (op.cit.) relata que Pitágoras e seus seguidores concebiam a música

como uma redução (em freqüências) da “música das esferas”, caracterizada pelo chamado

som cósmico que possibilitava ao indivíduo sintonia com o rimo da vida e com a harmonia

do macrocosmo. Segundo Ruud (1990), para Pitágoras, a música restaurava a harmonia

por refletir os números do macrocosmo. Essa concepção influenciou Hipócrates, criador

das bases da medicina ocidental.

Para Costa (1989, p. 19), Hipócrates e seus diversos seguidores acreditavam ser a

doença uma manifestação psicossomática, resultado de uma desarmonia da natureza

humana. A música podia restabelecer o equilíbrio perdido por ser ordem e harmonia dos

sons, desempenhando “tanto a função de provocar a depuração catártica das emoções,

quanto de enriquecer a mente e dominar as emoções através de melodias que levam ao

êxtase”.

Os gregos criaram um sistema musical baseado em modos, que são seqüências de

notas com um sentido matemático específico a cada um. No uso terapêutico da música os

gregos combinavam os ritmos com os modos para produzir determinados resultados nos

doentes submetidos à audição musical. Os ritmos expressavam disposições emocionais:

austera, beligerante, festiva, voluptuosa, terna, apaixonada, entusiasmada e sobrenatural,

enquanto os modos produziam os seguintes efeitos: modéstia, combatividade, indução ao

sono, desejo de objetos celestiais e outros (COSTA, 1989).


19

Segundo Sekeff (2002, p. 95), o Império Romano assimilou essa concepção

racional da doença desenvolvida pelos gregos até próximo à sua decadência quando retorna

ao tratamento baseado em práticas mágicas e aplicação de drogas bizarras. O espírito

científico, legado grego, sobreviveu em Alexandria, passando, posteriormente, aos árabes

que já no séc. XIII “faziam uso de salas de música em seus hospitais, na busca da saúde de

seus internos”.

Durante a Idade Média o cristianismo se torna um poder ligado ao Estado que, na

tentativa de evitar superstições, sufocou não somente as práticas anteriores como também o

desenvolvimento do estudo médico. O uso terapêutico da música diminui, sendo enfatizado

o seu emprego religioso. O tratamento dos doentes passa a ser realizado em conventos,

sendo o interesse maior dos sacerdotes “a salvação da alma em detrimento dos corpos dos

enfermos” (COSTA, 1989, p.21).

Segundo a autora (op.cit.), somente no séc. XII, com o surgimento das

universidades, reinicia-se o pensamento especulativo em filosofia e teologia, de acordo

com o sentimento religioso da época; a música fazia parte do currículo por sua ligação com

a teologia. Nesse período, a Igreja determina a forma de se usar a música para evitar

influências perniciosas sobre a alma dos mortais, reconhecendo o poder desta sobre o

comportamento e as emoções. Em contrapartida, Tame (1999) cita o seu uso para fins não

religiosos, relatando que os médicos utilizavam menestréis para tocar para pacientes

convalescentes com o intuito de acelerar a recuperação destes, mas não especifica as

circunstâncias ou a forma como isso ocorria.

As referências à música como tratamento sistematizado no ocidente voltam a surgir

no séc. XIII em relação às “epidemias de dança”, atribuídas à possessão demoníaca, e que

hoje podem ser encaradas como manifestação de histeria coletiva. O tratamento consistia

em acelerar o ritmo da dança dos doentes através de flautas, oboés e tambores causando
20

um cansaço prematuro nos mesmos. Referente a essa época também foram encontrados os

escritos do monge Bartholomeus Anglicus sobre o tratamento dos melancólicos através da

música, com o objetivo de distraí-los (COSTA, op. cit.).

Sekeff (2002) acrescenta que no período do Renascimento há uma valorização do

humanismo e a cultura grega clássica ressurge influenciando as artes e ciências. A música

reaparece como um recurso de saúde e comunicação, assim como, a meloterapia

(tratamento de certas doenças com música durante os séc. XII e XIII) que fora integrada à

medicina de tendência metafísica da época, que unia filosofia, magia e astrologia. A partir

do séc. XVI os conceitos médicos começam a ser separados da magia e há os que atribuem

a loucura a causas naturais e não à bruxaria.

Nesta época, surge Paracelso, médico, músico e astrólogo que acreditava que os

loucos eram doentes e precisavam de tratamento humano, médico e espiritual e que a

música se integrava a esses tratamentos. Segundo Paracelso (in COSTA, op. cit. p. 24), “as

doenças são entidades mórbidas que penetram o ser humano, e não mudanças no próprio

organismo”. Essas idéias levaram a busca dos agentes que provocavam as doenças,

afastando os médicos da tendência metafísica e voltando-os para a observação e a

experimentação. Ambroise Paré, grande cirurgião da época, acreditava na música como

fator de bem-estar, prescrevendo a seus pacientes audição de violinos e violoncelos para

apressar a convalescença.

No séc. XVII a música passa a ser recomendada quase que exclusivamente para os

pacientes psiquiátricos, em especial, para a melancolia, a doença da época, com o intuito

de acalmar os sentimentos perturbados. Nessa época, a filosofia mecanicista de Descartes

combinada com a “teoria do afeto”, que tinha como princípio básico a idéia de que a

música reproduz emoções, estabeleceram uma teoria da musicoterapia. Esta afirmava que
21

os “intervalos da música podiam expandir ou contrair o “spiritus animale” do corpo,

influenciando, assim, o estado da mente” (RUDD, 1990, p.17).

No século XVIII, ocorrem grandes modificações nas relações humanas e sociais

devido à Revolução Industrial. O culto à produção origina novos problemas, dentre os

quais a criação de grandes sanatórios para os doentes mentais, pessoas improdutivas e

consideradas perigosas. Neste século, a música permaneceu mais relacionada aos

tratamentos psiquiátricos. Segundo Sekeff (2002), Pinel, psiquiatra francês, usava a música

em tratamentos recreativos e seu discípulo, Esquirol, um dos fundadores da psiquiatria

moderna, recomendava-a, alertando que a mesma não cura, mas distrai e assim alivia.

Costa (1989) aponta o surgimento das primeiras obras sobre musicoterapia relacionadas a

pacientes psiquiátricos: Brocklesby (1749), Tissot (1798), Brown (1729) e Buchoz (1769).

No séc. XIX, Chomet escreveu um livro discorrendo sobre tratamentos médicos

com o recurso auxiliar da música, relatando sua eficácia, mas alertando que a mesma deve

ser escolhida de acordo com o paciente, sua história, caráter, temperamento, hábitos e

desejos (Sekeff, 2002). No início deste século, Pinel inicia sua revolução quanto à doença

mental, “advogando um tratamento mais humano para os insanos” (Costa, op. cit. p. 27). A

partir desse evento, segundo a autora, o interesse pelo uso da música se difundiu entre os

psiquiatras da época que escreveram inúmeros textos sobre o modo de utilizá-la

terapeuticamente e os resultados obtidos. Discussões na época assinalavam a eficácia da

música, havendo uma cristalização entre os partidários da psicogênese e os que atribuíam

causas orgânicas à doença mental.

Segundo Ruud (1990), no séc. XIX a música perdeu muito de sua influência como

“poder terapêutico” devido ao enfraquecimento geral do conceito de estética em medicina

aliado ao crescimento da filosofia positivista na ciência. Com a mudança de paradigma,

iniciaram-se alguns experimentos fundamentados na aproximação da psiquiatria com a


22

neurologia, procurando comprovar os efeitos neurofisiológicos da música. Esses

experimentos mostraram resultados bastante contraditórios, contrariando a esperança de se

criar uma farmacopéia musical baseadas nas descrições das propriedades da música e seus

efeitos fisiológicos (Costa, 1989).

No século XX, com o desenvolvimento tecnológico, mudou a relação do homem

com a música, não sendo mais necessário que o ouvinte esteja na presença do executante.

A música faz parte do cotidiano de cada um, se tornando até em muitos casos, invasiva,

com o uso exagerado da música ambiental e do uso desta em propaganda, cinema, novela,

entre outros. Em contrapartida, esses recursos tecnológicos permitem o desenvolvimento

mais apurado de pesquisas sobre a música e sua influência sobre o homem.

O interesse da música como instrumento terapêutico renasce a partir da 1ª Guerra

Mundial nos Estados Unidos. Os hospitais de veteranos contratavam músicos profissionais

como “ajuda musical” (BENENZON, 1985). Neste período, englobando as duas grandes

guerras, com o elevado número de veteranos em recuperação nos hospitais dos Estados

Unidos, surge um espaço para o desenvolvimento da musicoterapia ao mesmo tempo em

que desponta o interesse de outros profissionais da saúde no uso terapêutico da música.

Sekeff (2002) observa que a partir de 1950 se solidifica o estabelecimento da

musicoterapia como disciplina científica e paramédica, propondo a pesquisa do complexo

som/ser humano em busca dos diagnósticos e dos efeitos terapêuticos do mesmo.

Atualmente, a musicoterapia se difundiu pelos quatro continentes, sendo que, no Brasil,

iniciou-se a partir da criação de Associações de Musicoterapia no ano de 1968 e do Curso

de Graduação em Musicoterapia na década de 70, na cidade do Rio de Janeiro.


23

- Música e Enfermagem: uma integração possível

Como tive a oportunidade de apresentar neste preâmbulo, desde a Antiguidade, a

música vem sendo utilizada como um recurso terapêutico de acordo com o conhecimento

de seus efeitos no homem, a evolução da própria música e as concepções de cada época

sobre o que é saúde, doença e cura. Deste modo, os feiticeiros ou magos eram inicialmente

os curandeiros; posteriormente, essa função passou pelos filósofos gregos, padres e

médicos. Com a explosão da ciência a partir do século XVII e a conseqüente

especialização na área da saúde no século XX, surgiram várias profissões para suprir a

demanda de conhecimento e tratamento, incluindo a musicoterapia.

Nesse ínterim, vale ressaltar que houve uma interseção nesse início da

musicoterapia como profissão e a enfermagem, uma vez que duas enfermeiras norte-

americanas foram precursoras da utilização da música nos hospitais, tornando-se pioneiras

do ensino da musicoterapia. Além destas, diversas outras enfermeiras utilizaram a música

na prática assistencial ou em pesquisas no decorrer do século passado, mostrando as

possibilidades da música como uma intervenção de enfermagem, mesmo não sendo

propriamente exclusiva dela.

Como possibilidade terapêutica, a música já é cogitada desde o início da

organização da enfermagem como profissão, em 1859, quando Nightingale (1989) se

referia aos seus efeitos benéficos. Apesar de não identificar esses efeitos, ela citava a voz e

os instrumentos de sopro e cordas como benéficos pelo seu som contínuo, enquanto o

piano teria o efeito contrário por não ter continuidade sonora. Citava também o órgão

como um instrumento que acalma sensivelmente, independente da associação que se possa

fazer com o sentido da melodia.

Essas afirmações, baseadas na capacidade de observação apurada de Nightingale,

apesar de não ter comprovação científica, já demonstravam uma percepção intuitiva das
24

possibilidades da utilização terapêutica da música à sua época. Contudo, ela concluiu que o

seu uso generalizado estaria fora de questão devido ao alto custo que isso acarretaria.

A influência da enfermagem no início da musicoterapia como profissão data do

período compreendido entre as duas guerras mundiais. Dobbro e Silva (1999) se referem a

Davis, Gfeller e Thaut, que em seu livro sobre musicoterapia citam que, àquela época, a

música era considerada um caminho para aliviar a dor dos pacientes, em sua maioria,

veteranos de guerra. Citam também o nome de Isa Maud Ilsen, que era musicista e

enfermeira e foi responsável pela criação da Associação Nacional de Música nos Hospitais,

além de pioneira no ensino de musicoterapia na Universidade de Columbia.

A enfermeira Harriet Seymour também se dedicou a estudar a terapia musical nesse

período. Utilizava-a para os soldados feridos, promovendo concertos musicais a milhares

de doentes nos hospitais de Nova York. Abriu uma escola de preparação de musicistas para

tocar para os doentes. Em 1941, criou a Fundação Nacional de Terapêutica Musical com o

objetivo de estudar e divulgar a música curativa (DOBBRO E SILVA, 1999).

Em sua pesquisa sobre a música na fibromialgia, as autoras (op. cit.) observaram

que diversos estudos têm sido realizados por enfermeiras norte-americanas nos últimos

vinte anos, com enfoque na música como método de tratamento para alívio da dor. Citam

também o Nursing Interventions Classification (NIC) no qual consta a musicoterapia como

intervenção opcional para outros diagnósticos de enfermagem como: sofrimento espiritual,

distúrbio do sono, desesperança, entre outros.

Pilar (2003), enfermeira e professora da Universidade de Murcia se refere à

“terapia musical”2 como uma intervenção de enfermagem e relaciona as principais

atividades musicais descritas na NIC. As primeiras atividades referidas são prescrições

visando através deste tratamento: determinar a mudança de conduta específica e/ou


2
O termo “terapia musical” empregado pela autora foi mantido como estava escrito em espanhol no original.
No Brasil, o termo aproximado seria o de música terapêutica.
25

fisiológica que se deseja (relaxamento, estimulação, concentração, diminuição da dor);

determinar o interesse do paciente por música e suas preferências musicais e eleger

seleções representativas das preferências do paciente, tendo em conta a mudança de

conduta desejada.

As outras atividades se relacionam com o conforto e bem-estar do cliente:

disponibilizar CDs ou fitas e equipamento de som em bom estado de funcionamento;

proporcionar fones de ouvido, se for conveniente, e assegurar-se de que o volume é

adequado; evitar deixar a música durante longos períodos para prevenindo a fadiga ou o

embotamento da percepção musical e facilitar a participação ativa do paciente (tocar um

instrumento ou cantar) se for do seu desejo e se é possível dentro da situação.

Uma última atividade se refere à precaução contra um possível procedimento

iatrogênico: evitar música estimulante depois de uma lesão aguda na cabeça. É importante

a conscientização de que a música é um recurso possível e desejável, mas como toda

intervenção de enfermagem, necessita de preparo adequado e conhecimento para, de um

lado, evitar os efeitos negativos e, de outro, potencializar os benéficos.

No Brasil, alguns trabalhos publicados sobre a utilização da música pela

enfermagem na última década mostram um interesse cada vez maior por essa prática como

recurso terapêutico. Esses estudos apresentam uma diversidade de práticas musicais

relacionadas a diferentes objetivos e clientela.

Alcione Silva (1993) aborda a música no processo de cuidar de clientes com

Síndrome Neurológica decorrente da AIDS subsidiada pelo sistema conceitual de Martha

Rogers. Esta teórica de enfermagem concebe o cliente como um ser unitário possuidor de

um campo de energia que coexiste com o campo de energia ambiental. A enfermeira é

considerada como parte desse ambiente e a interação com o cliente pode se dar através do

estímulo verbal, da música, do toque físico, do toque terapêutico e da cor.


26

Para Silva (op. cit.), o objetivo da utilização da música como intervenção

terapêutica é auxiliar na canalização interna de suas energias, despertando a consciência

para a redescoberta do eu superior, auxiliando no auto-conhecimento e na auto-

transformação. Para isso, é necessário um conhecimento sobre os “chakras”, centros de

energia que se situam na superfície do campo de energia do ser humano e que funcionam

como pontos de conexão através dos quais se dão as trocas de energia. Segundo a autora, a

música se constitui como um importante recurso para a repadronização dos ritmos dos

campos do cliente-ambiente que se encontram alterados pela doença.

Dobbro (1998), em sua dissertação de mestrado, realizou um estudo descritivo

baseado nas reações fisiológicas (freqüência cardíaca, freqüência respiratória, pressão

arterial, temperatura cutânea e relaxamento muscular) das pacientes submetidas à audição

de músicas clássicas pré-selecionadas de acordo com critérios (andamento, timbre, pouca

diferença de intensidade, etc) escolhidos em estudos pregressos, com o objetivo de

pesquisar a música como terapia complementar no cuidado de mulheres com fibromialgia.

Ao realizar busca bibliográfica para esse estudo a autora cita 20 artigos sobre

música e enfermagem entre os anos de 1979 e 1997 publicados em língua inglesa. Desses

artigos, oito se referem à utilização da música para pacientes com dor; oito relatam

procedimentos musicais para pacientes pré e pós-cirúrgicos ou na sala de cirurgia; dois

retratam os efeitos da música sobre a ansiedade e o poder da música. Os dois últimos

discutem-na como intervenção de enfermagem sem discuti-la propriamente no âmbito de

uma determinada manifestação ou problema de saúde; em um deles é denominada como

uma terapia alternativa.

A autora concluiu que apesar de a música erudita não ser o estilo musical

predominante na preferência das pacientes não constituiu como fator impeditivo para sua

influência positiva sobre estas. Mas ressalta que as pacientes que não estavam em
27

atendimento psicoterápico tiveram emoções afloradas de forma intensa e não obtiveram

alívio da dor. Também constatou que a música não deve ser inserida indiscriminadamente

na assistência sem critérios mínimos que assegurem a sua utilização.

São Mateus (1998) realizou um estudo qualitativo com clientes do ambulatório

psiquiátrico de um hospital em Jequié, no interior da Bahia. A autora se propôs a pesquisar

se a música seria facilitadora na relação enfermeiro-cliente em sofrimento psíquico.

Partindo da premissa que a comunicação pode ser um recurso terapêutico a ser utilizado

pela enfermagem e que a música facilita essa comunicação e a interação enfermeiro-

paciente, a autora realizou dois encontros individuais com cada participante da pesquisa

(10 sujeitos no total), nos quais ela fazia um relaxamento induzido com música e técnica

verbal de relaxamento.

Apesar de referir a importância da escolha da música pelo cliente, a autora escolheu

a música a ser utilizada - Concerto para Oboé de Vivaldi - baseada em um estudo que a

indicava para relaxamento físico e mental. A autora encontrou evidências de que a música

contribuiu positivamente no relacionamento entre ela e os clientes durante os encontros.

Um dos aspectos emergentes da pesquisa foi uma sensação de bem-estar

relacionada a sentimentos de prazer, alegria, leveza, liberdade, bondade, felicidade, beleza,

distração, alívio da dor corporal, calma, relaxamento, sono e sonho. Outra categoria

emergente relacionou-se a lembranças ligadas a fases da vida, fatos do cotidiano,

sofrimento psíquico, cultura religiosa e afetividade.

Nesses termos, a autora valorizou a música como um recurso terapêutico a ser

utilizado pela enfermagem, sugerindo ser estimulada sua aplicação nos cursos de formação

profissional, buscando assim melhorar a assistência ao cliente, funcionário e discente,

seguindo uma tendência evolutiva da utilização da música no relacionamento terapêutico.


28

Alves (2001) realizou um trabalho com grupos em que a música era utilizada como

prática alternativa na tentativa de efetivar a integração da equipe de enfermagem através da

abertura de um canal de comunicação que tornasse possível ao grupo melhorar o

desempenho do trabalho em equipe. A partir da apresentação dos voluntários, que também

incluíram outros profissionais da área da saúde, foi formado um coral, sendo que os

sujeitos envolvidos escolheram as peças musicais a serem trabalhadas e tinham um

encontro semanal para ensaiar e participar de aulas de teoria, percepção e apreciação

musical para que eles próprios pudessem avaliar seu desempenho. O repertório era

composto por canções folclóricas, destacando-se canções natalinas e infantis.

Para Alves (op. cit.) a música comprovou ser um elemento importante para a

integração não só da equipe de enfermagem, mas também multiprofissional. Na avaliação

realizada, ele percebeu melhoria significativa no relacionamento e comunicação no

ambiente de trabalho assim como o desenvolvimento de espírito de ajuda no grupo.

Percebeu também um aprimoramento intelectual dos envolvidos pela aquisição de novos

conhecimentos, além de reforço da capacidade de organização e ordenação. Por fim, ele

analisou que houve consolidação da integração entre as categorias da enfermagem onde

cada sujeito apreendeu o trabalho do outro e o seu próprio como um todo indivisível.

O estudo de Weber, Marchetti, Viero e Costenaro (2003) foi realizado com o

objetivo de investigar se a música poderia ser utilizada como forma de recreação para

amenizar o sofrimento das crianças internadas em uma unidade pediátrica. As autoras

pensaram no recurso musical para facilitar e promover a comunicação, a relação e a

participação, tornando a realidade mais agradável e menos ameaçadora. A pesquisa

procurou averiguar se após a recreação musical ocorreram mudanças significativas nas

emoções das crianças que participaram do encontro.


29

As autoras constataram diferenças significativas antes e após o momento musical

quando sentimentos de tristeza e ansiedade foram transformados em alegria, felicidade e

esperança. O uso dos instrumentos musicais facilitou a participação das crianças que

expressaram vivacidade, descontração e interação entre elas e a equipe de pesquisa.

Perceberam também que foi importante cantar, tocar e se divertir junto ao paciente,

estabelecendo um vínculo a partir da saúde da criança e não da sua doença.

O estudo de Backes et al (2003) teve como objetivo investigar os efeitos da música

no processo de humanização de um CTI, tanto para harmonização dos pacientes internados

como para influenciar as relações de trabalho entre a equipe multidisciplinar. Investigou,

inicialmente, formas de diminuir a ansiedade e estresse entre os profissionais de

enfermagem. Os profissionais envolvidos nesse projeto escolheram a música e o canto

como instrumentos para humanizar o setor, estendendo essa proposta, em seguida, aos

pacientes, para diminuir o estresse.

Os autores constataram que a música pode trazer relaxamento e conforto espiritual,

sendo um importante subsídio na busca de alternativas que contemplem a pessoa na sua

integridade. Consideraram que a preferência pelas músicas religiosas estava relacionada à

situação de fragilidade provocada pelo ambiente estressante e afastamento familiar,

constatando a partir do relato dos pacientes que estes se sentiram mais relaxados e

confortados sobre os seus temores, ansiedades e incertezas.

O estudo considerou que a música é um valioso instrumento não somente no

processo de humanização, mas também como uma alternativa criativa e eficaz no alívio da

dor. Em relação à equipe, os benefícios percebidos vão desde a prevenção do estresse,

tratamento de níveis de tensão e desgaste psicológico mais acentuado até o maior

comprometimento com as atividades profissionais e integração social.


30

Giannotti e Pizzoli (2004) relatam o uso da música no auxílio ao tratamento da dor

crônica. Basearam esse estudo nas diferenças de percepção musical que poderiam

influenciar a analgesia através do uso de dois estilos musicais distintos: New Age3 e Jazz4.

Cada indivíduo participava de duas sessões individuais de trinta minutos cada para a

análise comparativa das reações às músicas que eram as mesmas para todos.

As autoras constataram que o estilo New Age reduziu a dor em 100% dos

entrevistados, enquanto o estilo jazz reduziu em apenas 37,5%. Ressaltaram que este

resultado estava relacionado à frequência e intensidade baixa, além de timbre e harmonia

suave, assim como ritmo adequado (65 a 70 batimentos por minuto) na música New Age,

enquanto a música escolhida para o estilo Jazz possuía um ritmo de 120 batimentos por

minuto. Não houve questionamento por parte das autoras sobre a influência de músicas que

também utilizam freqüência e intensidade baixa em outros estilos musicais para o

relaxamento e diminuição da dor.

Ravelli (2004), em sua dissertação de mestrado estudou a utilização da música

como recurso facilitador do processo de ensino e aprendizagem no período gestacional. A

autora esperava que a música dissolvesse as tensões e facilitasse a comunicação,

ultrapassando as barreiras da racionalidade e da linguagem, e facilitando o aprendizado de

temas relacionados ao auto-cuidado durante a gravidez, de maneira clara e prazerosa.

Foram utilizadas músicas folclóricas infantis em forma de paródias, inserindo assim

conteúdo didático através do lúdico. A autora percebeu a importância da estruturação de

grupos de gestantes no pré-natal e da utilização de instrumentos facilitadores para a

aprendizagem destas. As participantes demonstraram prazer, tanto ao cantar em grupo

3
New age, segundo Gianotti e Pizzoli, tem suas raízes em rock cósmico, ‘ragas’ hindus, música folk para
meditação e jaz contemporâneo mais suave e melodioso. Baseia-se na idéia de que a música pode alterar
estados de consciência. A música, Caminhos de Santiago, pode ser usada para relaxamento e meditação.
4
Jazz segundo as autoras é uma síntese da música ocidental com o ritmo e as reflexões melódicas da áfrica.
A peça de escolha, “All that jazz” caracteriza-se, segundo estas pela irregularidade rítmica e fraseado rápido.
31

quanto em produzirem paródias para expressar seus sentimentos e o conhecimento

adquirido sobre o período de gestação.

Leão e Silva (2004) realizaram uma pesquisa com o objetivo de conhecer o

potencial evocativo de imagens mentais a partir da audição musical oferecida a indivíduos

com dor crônica músculoesquelética. Essa pesquisa, de abordagem quantitativa, foi

desenvolvida a partir de uma experiência integrando Programas Educativos em Dor

Crônica e realizada no consultório do Ambulatório do Instituto de Ortopedia e

Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São

Paulo. Nesses Programas, a música já é utilizada para diminuir os quadros álgicos, mas,

além disso, foi observado que após a audição musical, os clientes tinham experiências

imagéticas o que as fez perceber que a utilização de imagens pode favorecer um

deslocamento do foco da dor desses clientes, com resultados terapêuticos.

As autoras observaram que a audição musical levou à redução estatísticamente

significativa da dor para a maior parte dos participantes, corroborando outras pesquisas

realizadas com esse objetivo. Os mecanismos relacionados ao alívio da dor descritos pelas

autoras foram: distração, alteração do foco perceptual, liberação de endorfinas e

relaxamento, sendo que as imagens mentais permeavam todos esses mecanismos. As

músicas com estruturas formais bem definidas apresentam maior potencial para evocar

imagens, e a música formada por trechos desconexos de outras músicas, montada para a

pesquisa, apresentou menor quantidade de imagens. Encontraram relação entre a redução

dos escores da intensidade álgica e as imagens mentais decorrentes.

Em alguns estudos ora apresentados se pode observar o interesse da enfermagem na

utilização da música voltada para o conforto do paciente, ao pesquisar formas de diminuir

a dor ou a ansiedade relacionada à internação hospitalar. Relaciono esse interesse à


32

constatação de que a maioria dos profissionais de enfermagem trabalha em hospitais e se

depara com a dor e com a insegurança relacionada à internação hospitalar cotidianamente.

Mas é importante ressaltar que outras possibilidades surgem a partir da ampliação

do conceito de cuidado de enfermagem. Alguns autores também sugerem outras formas de

cuidar utilizando a música como recurso terapêutico para promover a interação enfermeira-

cliente ou da própria equipe, a auto-transformação e prevenção do estresse durante a

graduação de enfermagem ou durante a atividade profissional , assim como, pode servir

como facilitadora no processo de aprendizagem, ao estimular a criatividade e a memória,

no caso descrito, de gestantes.

Vale ressaltar que dessas pesquisas citadas, somente as de Silva (1993) e a de Leão

e Silva (2004) foram oriundas da prática de enfermagem já implementadas. Todos as

outras se basearam em estudos e pesquisas para descobrir se os efeitos da música podem

ser utilizados para atingir diferentes objetivos no cuidado ao cliente. É importante que os

efeitos da música que já foram comprovados sejam divulgados para ampliar as

possibilidades de sua utilização pela enfermagem.

Segundo Sekeff (2002), os estímulos musicais podem alterar a respiração,

circulação, digestão, oxigenação e dinamismo nervoso e humoral. Também estimulam e

enfraquecem a energia muscular, reduzem a fadiga e favorecem o tônus muscular. A

música pode estimular imagens cinestésicas, aumentar a atenção e estimular a memória;

baixar o limiar em relação à dor e à tensão pré-operatória, constituindo um importante

recurso contra o medo e a ansiedade.

A autora (op.cit.) ainda se refere a influências psicossociais da música: favorece a

expressão de emoções e sentimentos que não se consegue expressar verbalmente, facilita a

criatividade e a interação social. É uma ‘linguagem’ que fala diretamente à nossa emoção

estimulando-nos à ação, ao mesmo tempo em que favorece o equilíbrio afetivo e


33

emocional. É importante destacar que a ação psicofisiológica da música envolve reações

sensoriais, hormonais, fisiomotoras e psicológicas, sendo que o comportamento e a

bioquímica se originam um do outro, não havendo separação entre os efeitos fisiológicos e

psicológicos. Isto vem confirmar algumas das pesquisas citadas que focalizavam algum

tipo de efeito e perceberam que a influência musical era mais abrangente (DOBBRO,

1998; SÃO MATEUS, 1998; BACKES et al, 2000).

Um outro aspecto importante está relacionado ao conteúdo cultural da música.

Jourdain (1996) afirma que somos capazes de perceber somente as relações sonoras que

nossa cultura musical particular instilou. Sendo assim, a beleza permanece em grande parte

no ‘ouvido do expectador`, o que explica o seu caráter subjetivo. Mas a música não é

importante somente pelo valor estético, ligado às nossas preferências. Ruud (1998) amplia

a percepção da influência da música em nossas vidas, pois aborda não somente a relação

existente entre música e cultura, mas principalmente entre música e identidade. Para o

autor, a ‘nossa’ música não é somente um reflexo da identidade, mas uma maneira de

representar o sentido de nós mesmos, de nossa singularidade.

Santos (2002) aponta a necessidade de estudar os fenômenos culturais articulados

com a realidade social em que se inscrevem, partindo da cultura como base para estudar a

sociedade e o comportamento dos sujeitos que a integram. É necessário partir de uma

perspectiva mais ampla para compreender a relação entre a pessoa, a música e os

significados construídos nessa relação.

Como vimos, as tentativas de reduzir a música a uma ação de causa e efeito

controlada, características do pensamento cartesiano, nem sempre foram bem sucedidas,

como ocorreu no séc. XIX, quando tentaram criar uma farmacopéia musical. Platão já

alertava que os efeitos da música nem sempre são os desejados e isso está relacionado aos

seus aspectos subjetivos e à sua complexidade, pois são tantos os efeitos que ela produz
34

que não se pode reduzi-los a um aspecto somente. Atualmente, sua utilização terapêutica

deve ser vista de forma holística de modo a atender o ser humano como um todo,

respeitando o seu potencial e a sua forma de ser. Esta concepção está em consonância com

a ética do cuidado da enfermagem, quando valoriza o cliente como sujeito do cuidado.

Nos estudos apresentados, os enfermeiros recorreram a várias denominações para

referir-se à música como recurso terapêutico: sessão musical, sessão de audição musical,

vivências interativas musicais, encontro para relaxamento musical e canto coral. Essa

variedade reflete não só os diferentes objetivos buscados por esses profissionais em cada

estudo, mas também mostra que, enquanto recurso empregado na intervenção de

enfermagem, ainda se constitui como prática recente que requer estudos para sua

consolidação.

Na descrição histórica da evolução da música e sua utilização terapêutica, vimos

que ela está ligada intrinsecamente ao ser humano, às suas necessidades e à sua visão de

mundo. Sua função original de mobilizadora das emoções e facilitadora das relações

permanece, principalmente a partir do desenvolvimento tecnológico. Assim, este estudo

mostra, a partir da ótica de clientes hospitalizados, como no contexto hospitalar as visitas

musicais podem se constituir como estratégia terapêutica capaz de auxiliar na diminuição

da despersonalização, por vezes, sofrida pelos clientes neste espaço, reafirmando sua

identidade sócio-cultural, ao mesmo tempo em que podem lhe proporcionar conforto e

bem-estar; ainda mais, melhorar a interação dos clientes entre si e com a equipe de saúde.
35

CAPÍTULO II

OS CAMINHOS METODOLÓGICOS

- Tipo de Pesquisa

Com o objetivo de pesquisar “as visitas musicais na ótica do cliente hospitalizado e

suas implicações para o cuidado de enfermagem”, escolhi a abordagem qualitativa por esta

favorecer a análise de fenômenos complexos e únicos, possibilitando uma compreensão

mais profunda destes fenômenos. Esta abordagem é a que permite uma melhor avaliação

de aspectos subjetivos, favorecendo não só o aprofundamento, mas também a descoberta

de novos aspectos relacionados ao objeto do estudo. Segundo Minayo (2003, p.22), a

pesquisa qualitativa se preocupa com um nível de realidade que não pode ser quantificado,

relacionado a um “espaço mais profundo das relações, processos e fenômenos que não

podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”.

A música provoca diferentes efeitos sobre os indivíduos devido aos aspectos

ligados à subjetividade de cada um. Assim, tornou-se mais importante para mim, nesse

momento, a análise aprofundada desses aspectos já que a minha intenção era trabalhar a

ótica dos sujeitos pesquisados sobre as visitas musicais.

Optei pelo estudo exploratório e descritivo para, respectivamente, aumentar a

minha experiência sobre o tema a ser pesquisado e descrever, com a maior precisão

possível, os fatos e fenômenos observados durante a pesquisa (TRIVIÑOS, 1987). Isso se

tornou necessário porque, tanto o objeto do estudo quanto a sua relação com o problema

ainda são pouco conhecidos pela enfermagem, sendo importante a descrição detalhada de

como se processa a situação pesquisada e sua implicação com o contexto hospitalar.

O enfoque dialético tem por objetivo transformar a realidade que se estuda. Este

enfoque penetra na estrutura íntima ou latente do fenômeno, inclusive o que não é visível
36

ou observável a uma observação simples, tratando de identificar as forças decisivas

responsáveis por seu desenrolar característico. Procura explicar “sua origem, suas relações,

suas mudanças e se esforça por intuir as conseqüências que terão para a vida humana”

(TRIVIÑOS, 1987, p.129).

Nessa direção, a abordagem dialética é a que mais se aproxima de uma visão de

complexidade que compreende uma relação de oposição e complementaridade entre o

mundo natural e social, entre o pensamento e a base material. Concordo com Minayo

(2003) que o fenômeno ou processo social tem que ser entendido pelas determinações ou

transformações dadas pelos sujeitos. Assim, a validação das expectativas do sujeito por

meio do respeito pelas suas escolhas, iniciado na prática profissional, foi estendida aos

procedimentos realizados durante a pesquisa.

- O Método de Pesquisa

Optei pelo método criativo-sensível (MCS) para produzir dados de pesquisa.

Constatei que este método foi coerente com a temática tratada e com minha visão de

mundo. A valorização da criatividade e da sensibilidade em um método de pesquisa é

importante porque evita a dicotomia entre razão e emoção. Cabral (1998) afirma que o

sujeito é ao mesmo tempo um ser pessoal e social e, assim, sua subjetividade se manifesta

no coletivo, na intersubjetividade.

Para Alvim (1999) o MCS aglutina sensibilidade com o discurso teórico através de

idéias coletivas e da linguagem artística, valorizando a dimensão social e coletiva do

conhecimento. Ele combina ciência e arte ao aliar técnicas de coleta de dados já

consolidadas na pesquisa qualitativa: entrevista coletiva, discussão grupal e observação

participante, com as dinâmicas de criatividade e sensibilidade (DCS), eixo norteador do

método.
37

Essas dinâmicas têm por objetivo aguçar a expressão da subjetividade dos sujeitos

da pesquisa, além de proporcionar a interação entre o grupo e a pesquisadora. Nelas, são

utilizados materiais e atividades que permitem a criação dos sujeitos da pesquisa através da

arte. Os dados são produzidos a partir de um processo de criação coletiva.

As discussões de grupo, possibilitadas pela apresentação das produções artísticas

geradas nas DCS, são desenvolvidas em uma perspectiva dialógica-dialética,

fundamentada na pedagogia crítico-reflexiva de Paulo Freire (1980, 2003). As produções

artísticas proporcionam a preparação dos participantes da dinâmica para o diálogo,

facilitando a organização do pensamento para a enunciação do discurso e direcionamento

do processo de análise, com intervenções da pesquisadora apenas como coordenadora

(CABRAL, 1998). Ou seja, no âmbito das DCS a pesquisadora não tem a função de

direcionar ou conduzir o diálogo, mas de servir como mediadora das discussões.

Este método também permite a validação dos resultados da pesquisa no âmbito das

DCS “pois o próprio grupo vai confirmando o que é comum e particularizando o

incomum” (CABRAL, 1998, p.178). Por isso a sua vinculação à abordagem dialética, uma

vez que o sujeito, na concepção lato da palavra, entendido como histórico-social, vive a

realidade e reflete sobre ela. No espaço de as DCS é possível, através do diálogo, levar o

grupo à crítica-reflexiva, fazendo-o analisar, discutir e transformar sua própria realidade.

Assim, as DCS se constituem em espaço de construção, desconstrução e

reconstrução de posições, idéias e valores onde, através da aproximação e distanciamento,

de ruptura e complementaridade, há um entrecruzamento de pensamento dos participantes

(ALVIM, 1999). Elas estimulam as pessoas a interagirem nos grupos cujo espaço podem

partilhar um passado ou ter um projeto futuro comum. Gaskell (2003, p. 76) salienta que

“em um grupo pode existir um nível de envolvimento emocional que raramente é visto em

uma entrevista a dois”. Concordo com o autor quando diz que o grupo é mais do que a
38

soma das partes: ele se torna uma entidade em si mesma, tem o sentido de um destino

comum compartilhado.

- Os sujeitos e o cenário da pesquisa

A pesquisa foi realizada no Hospital Central do Exército (HCE) por ser o local em

que desenvolvo as visitas musicais. O HCE é um hospital de grande porte localizado no

Bairro de Benfica, cidade do Rio de Janeiro. A clientela desse hospital compõe-se de

militares e seus dependentes, assim como de servidores civis da própria instituição.

É importante ressaltar que parte dessa clientela é oriunda de diversas regiões do

país, pois o HCE é referência para alguns tratamentos especializados que não são

realizados em outros hospitais do Exército. Este fato acarreta uma internação prolongada

que, às vezes, traz como conseqüência um estado depressivo nos clientes, por ficarem

muito tempo afastados do seu convívio familiar e social. Este fator, como já mencionei

anteriormente, foi um dos motivos que originou a criação das visitas musicais, que vêm

sendo desenvolvidas com o objetivo de proporcionar bem estar e favorecer a interação do

paciente com o ambiente hospitalar além de promover seu resgate como sujeito social no

contato com sua cultura musical.

Um outro fator que diferencia o HCE de outros hospitais de grande porte é a sua

condição de hospital militar, o que lhe confere características próprias, como as

relacionadas com a hierarquia militar que implica sempre na obediência ao que está acima

na cadeia de comando. Isso se reflete numa postura de acentuada submissão por grande

parte dos clientes internados, pois se os médicos e enfermeiras estão geralmente

relacionadas à figura de poder dentro de instituições hospitalares, nos hospitais militares,

além disso, geralmente são militares de patentes superiores. Atualmente, há menos


39

funcionários civis nessas categorias profissionais trabalhando no HCE, exceção feita à

Ortopedia, cujas unidades são chefiadas por enfermeiras civis.

Outra questão se relaciona à vida profissional do cliente internado. Como são

militares da ativa em sua maioria, estão sujeitos a regras e códigos próprios e, muitas

vezes, estão internados por decisões de justiça ou motivados por questões administrativas

militares que objetivam interesses pecuniários. Como exemplo, podemos citar o fato de um

militar só poder ser desligado da corporação se ele estiver em perfeitas condições de saúde

física e mental. Para que isso se constate, muitas vezes é necessário que ele se interne para

realização de exames e, com freqüência, essa internação se prolonga principalmente se ele

reside em outra cidade ou Estado. Se, além disso, apresenta por exemplo, um ferimento ou

doença que possam deixar seqüelas permanentes, uma junta médica deve decidir sobre seu

futuro na vida militar.

Ou seja, essa clientela está cercada de muitas questões que não se limitam a seu

estado clínico, mas que envolvem aspectos também relacionados à sua vida financeira e,

conseqüentemente, social. Tudo se agrava se o cliente além de militar for soldado da ativa.

Este, pelo código do Exército, não tem direito à licença médica. Sendo assim, se não está

apto ao serviço no quartel, é obrigado a permanecer internado, mesmo que do ponto de

vista clínico não haja indicação para tal. Sem dúvida, essas são questões que prolongam

sobremaneira o tempo de permanência do cliente no ambiente hospitalar, gerando prejuízos

em seu estado emocional e conseqüências muitas vezes desastrosas no âmbito social. Esses

fatores podem ter influenciado os participantes da pesquisa na produção de seus discursos,

por fazerem parte do contexto de internação nesta instituição.

Essas descrições tornam-se importantes, pois o perfil dos participantes da pesquisa

em sua grande maioria é bastante semelhante, tendo como exceção somente uma
40

representante do sexo feminino que era dependente de militar. Os outros treze

participantes eram soldados, cabos ou sargentos.

Inicialmente, o projeto definia como cenário as enfermarias médicas ou cirúrgicas,

sem distinção. Mas, como a pesquisa foi realizada com clientes hospitalizados e o MCS

necessita de um grupo para a produção de dados, tornou-se muito difícil reunir esse grupo,

pois quando estavam em condições adequadas para participar de um grupo, podendo

comunicar-se com clareza e deslocar-se para o local determinado, eles recebiam alta

hospitalar.

Esta dificuldade diminuiu com a mudança do cenário para as Unidades de

Internação de Ortopedia que tem período de internação mais prolongado devido ao quadro

clínico e/ou às questões abordadas anteriormente. Nestas unidades, a maioria dos clientes é

lúcido, comunicativo, deambula ou se desloca com ajuda de bengalas, muletas ou cadeiras

de roda. Permaneceram somente as dificuldades relacionadas a qualquer internação: no

horário marcado alguns participantes da pesquisa, às vezes, tinham que realizar exames,

aguardar visita médica, outros recebiam alta antecipadamente ou simplesmente não se

sentiam bem o suficiente para sair do leito, ocasionando o adiamento da produção de dados

por não haver participantes suficientes para formar um grupo.

É importante ressaltar que o grupo que realiza as visitas musicais reiniciou suas

atividades na Clínica Ortopédica a pedido das enfermeiras responsáveis pelas Unidades de

Internação. Essa solicitação partia de um conhecimento próximo sobre as possibilidades

terapêuticas das visitas musicais, pois já havia ocorrido uma experiência anterior nesse

mesmo local. Elas expressaram a importância das visitas musicais nessas unidades, devido

ao longo período de internação a que alguns clientes ficavam submetidos, o que gerava

muita inatividade e insatisfação por parte dos mesmos. Uma destas enfermeiras solicitou
41

atenção especial para um dos clientes internados, que devido à longa internação

apresentava um quadro de depressão.

A Clínica Ortopédica é constituída de três unidades - duas masculinas e uma

feminina - localizadas em um prédio antigo, reformado, e são compostas por enfermarias

de dois leitos, sendo que, ocasionalmente, o segundo leito é ocupado por um

acompanhante, no caso de o cliente ser muito dependente ou proveniente de outro estado.

Nesta Clínica, a maior parte dos participantes da pesquisa internou-se devido a

acidentes, em sua grande maioria, de moto, o que explica que a faixa etária destes tenham

girado em torno de vinte anos, a minoria tendo mais de 30 ou 40 anos. Explica também

uma única participação feminina na pesquisa, pois o número de internações de mulheres é

muito menor, já que elas mulheres estão menos sujeitas ao tipo de acidente relatado com

mais freqüência: de moto, futebol e os relacionados às atividades militares. O tempo de

duração das internações femininas também é reduzido, pois sendo geralmente civis, não

estão sujeitas às situações profissionais do militar, já relatadas.

Os critérios de seleção dos participantes foram: participação em no mínimo uma

visita musical e aquiescência em colaborar com a pesquisa. Era imprescindível que eles

estivessem em condições mentais satisfatórias, incluindo a facilidade de se expressarem

verbalmente para participar das DCS; e condições físicas, uma vez que sua participação

implicava na realização de atividades, como escrever e colar, e, também, no deslocamento

dos participantes da enfermaria para um local adequado que permitisse privacidade e

conforto para o desenvolvimento das dinâmicas.

Vale ressaltar que foram desenvolvidas três dinâmicas com um total de catorze

participantes. A riqueza da produção de dados obtida a partir dessas dinâmicas foi

suficiente para sustentar o objeto de estudo e o alcance dos objetivos. Os sujeitos foram

diferentes em cada uma das dinâmicas desenvolvidas.


42

- Estratégias de Produção de dados

As dinâmicas “Corpo-Musical”, desenvolvidas a partir da dinâmica Corpo-Saber5

(ALVIM, 1999) puderam evidenciar a concepção dos sujeitos da pesquisa sobre a

influência das visitas musicais durante a internação. A questão geradora de debate

desenvolvida nestas dinâmicas foi: “Que efeitos a visita musical causou no seu corpo? O

que você sentiu durante a visita musical?”.

Este tipo de dinâmica estimulou a focalização da influência das visitas musicais em

alguma parte do corpo para auxiliar a expressão da subjetividade de cada participante

envolvido na experiência musical. A percepção de suas reações à visita musical foi

facilitada pelo enfoque no corpo físico representado pela silhueta desenhada, pois

existência e corpo são uma só realidade, segundo Almeida (2004). Não há vida

independente da corporalidade em que elas se realizam, trata-se basicamente de ‘ser’ um

corpo, ou seja, segundo Rodrigues (1999, p. 191) “é a própria realidade da pessoa”. Para o

autor, não se diferencia dualisticamente o homem de seu corpo.

Sobre a corporeidade, Almeida (op.cit, p.10) reflete que é o “corpo no tempo,

formado pelas inscrições históricas, culturais, pelas experiências vividas”. Vale ressaltar

que foram as experiências vividas dentro de um contexto histórico e cultural que busquei

durante as dinâmicas ‘Corpo-musical 1, 2 e 3’, na medida em que a visita musical

estimulou o resgate dessas experiências. Segundo Almeida (op. cit.), é necessário levar o

corpo a experimentações para que vá se constituindo, visto que ele não é somente um

organismo ou fisiologia, mas algo que se processa. Assim, a Dinâmica ‘Corpo-Musical’

promoveu o fazer, que é constituidor de novos saberes, novas percepções, novos desejos e

novas subjetividades.

5
A dinâmica Corpo-Saber foi inspirada na dinâmica “Corpo-Cidadania” descrita por E. M. Oliveira no
capítulo “Corpo-Cidadania: a conquista da mulher” do livro “Como trabalhar com Mulheres” em 1988.
43

No MCS, as dinâmicas têm por objetivo a materialização da subjetividade dos

sujeitos da pesquisa relacionada ao tema proposto. No caso da Dinâmica ‘Corpo-Musical’,

esta estimulou a discussão dos participantes sobre como se sentiram após as visitas

musicais, originando um debate que promoveu a crítica-reflexiva e fez emergir as

concepções dos sujeitos sobre estas visitas durante a hospitalização.

A construção do Corpo-Musical foi individual, a partir da silhueta de um corpo

humano desenhada em uma folha grande de papel para que os participantes pudessem

refletir sobre como se sentiram durante as visitas musicais, colando em seguida suas

impressões escritas nas diferentes partes daquele corpo.

- As dinâmicas desenvolvidas
Foram desenvolvidas três dinâmicas, descritas a seguir:

. Dinâmica ‘Corpo-Musical nº 1’
A dinâmica ‘Corpo-Musical’ nº 01 ocorreu no dia 23 de março de 2005, com início

às 13:45h e término às 15:15h. A equipe de pesquisa foi composta por mim, coordenadora

da dinâmica, uma observadora e um encarregado do apoio logístico. A observadora teve

por objetivo registrar gestos e comportamentos dos sujeitos participantes, assim como

dados relatados durante a apresentação inicial e a discussão grupal que pudessem auxiliar a

observação no tocante às características pessoais e ao papel que cada um assumiu no

espaço coletivo da dinâmica. O apoio logístico consistiu em auxiliar os participantes

durante a dinâmica e no seu deslocamento das enfermarias para o cenário de

desenvolvimento da atividade e, após o seu término, o retorno dos clientes para as

enfermarias, já que os mesmos apresentavam alguns movimentos restritos de membros

superiores ou inferiores.
44

O local escolhido para desenvolver a dinâmica foi a sala para atendimentos de

grupos no Setor de Musicoterapia, localizada em prédio anexo, o que facilitou o

deslocamento dos participantes. Essa sala se mostrou adequada por possuir condições de

conforto e privacidade necessários ao desenvolvimento da dinâmica: espaço para as

cadeiras de roda, mesa grande para escrever, cadeiras em número suficiente para os

clientes que podiam deambular, além de ar condicionado e tomadas elétricas para gravador

e aparelho de som.

Etapas desenvolvidas na Dinâmica

1) Apresentação

Inicialmente apresentei a equipe de pesquisa aos participantes explicando o papel

de cada um durante o encontro. Eu e o apoiador logístico já éramos conhecidos por

participarmos das Visitas Musicais, mas nos apresentamos novamente junto com a

observadora, que é enfermeira do hospital, mas não trabalha na Ortopedia. Solicitei em

seguida que os cinco participantes da pesquisa se apresentassem, pois quatro eram

provenientes da mesma enfermaria, mas um deles havia chegado há menos tempo, e a

quinta participante era da enfermaria feminina.

Após esse contato inicial, expliquei os objetivos da pesquisa e os procedimentos

que iríamos realizar naquele encontro. Li com eles o termo de consentimento livre e

esclarecido (TCLE), deixando claro que poderiam a qualquer momento desistir da

participação e que eu estaria sempre disponível para esclarecer qualquer dúvida que

surgisse.Todos os participantes assinaram o TCLE, alguns com ajuda devido às

dificuldades motoras. Não pediram outros esclarecimentos e passamos à segunda etapa da

dinâmica.
45

2) Enunciação da temática e relaxamento

Expliquei aos sujeitos que iria colocar uma música para que eles ficassem mais

relaxados e assim pudessem se concentrar melhor no tema a ser abordado. Cabe esclarecer

que nesse momento não foi sugerido que os participantes escolhessem a música porque o

objetivo desta era estimular o relaxamento e focalização no tema, e não realizar atividade

terapêutica. Assim que a música iniciou, solicitei que eles procurassem recordar o que

sentiram durante as visitas musicais.

A música ‘Canon de Pachelbel’ foi escolhida por ser somente instrumental, lenta e

ter duração adequada (3 minutos) ao objetivo de focalizar a atenção no tema. Durante a

execução musical as pessoas ficaram em silêncio, concentradas, demonstrando pela

expressão facial estarem relaxando.

3) Explicação sobre a produção individual

Após a audição da música, chamei a atenção para a silhueta de um corpo que havia

sido desenhada anteriormente em um papel pardo. Essa silhueta já estava pronta, para

evitar constrangimentos por parte dos sujeitos que apresentassem limitações físicas no

momento e não pudessem participar da sua confecção. A silhueta estava apoiada em uma

mesa, no centro da sala, ficando perto para os participantes que estavam sentados em

círculo ao redor da mesma.

Nesse momento, distribuímos papéis adesivos e solicitei que cada participante

escrevesse o que sentiu durante as visitas musicais, colando em alguma parte do corpo

desenhado. A questão geradora de debate foi enunciada em seguida: “Que efeitos a visita

musical causou no seu corpo? Como vocês se sentiram?”


46

4) Produção individual

Os participantes que podiam escrever sem ajuda iniciaram a atividade, escrevendo

sobre a mesa ou sobre pastas. Os outros foram auxiliados por mim e pelo apoiador

logístico respectivamente, pois não conseguiam escrever devido a limitação funcional.

Anotamos seus dizeres e os colamos nos locais indicados pelos mesmos.

Cada participante produziu somente um papel adesivo e escolheu apenas um local

no corpo para colá-lo, mesmo tendo sido esclarecido que poderiam utilizar mais de um

papel e colar em outras partes da silhueta desenhada. A produção artística das Dinâmica

“Corpo-musical” nº 1 está esquematizada na Figura 1 a seguir:

“A música, ela efetua a cabeça, porque


“Boa prá cabeça, prá parar e nela faz lembrar dos nossos passados em
pensar mais”. (Jader) matéria de amor antigo, que você já
passou”. (Renato)

“Pelo motivo de estar “Estava horrível, triste, chorei.


internado, a música alivia Depois da música, senti uma
um pouco a tensão e agonia felicidade e melhorei”. (Elisa)
de estar apenas deitado. A
saudade dos meus filhos, e
resumindo, a dor no peito de “A música em si, ela traz um
estar enfermo. Te traz mais conforto,alegria, harmonia.
alegria quando há música na Enfim, a mim ela traz
enfermaria”. tranqüilidade para o corpo
(Fernando) todo”. (Marcos)

Figura 1: Dinâmica “Corpo-Musical” nº 1 – Diagrama da produção artística

5) Apresentação da produção individual e discussão

O grupo mostrou-se amistoso desde o início da dinâmica, penso pelo fato da

maioria já conviver na mesma enfermaria. Alguns participantes estavam ansiosos para falar

e a apresentação da produção artística acabou inserida na discussão grupal.


47

. Dinâmica ‘Corpo-Musical nº 02’

A dinâmica ‘Corpo-Musical nº 02’ ocorreu no dia 05 de maio de 2005, com início

às 14:00h e término às 15:25, na sala para atendimentos de grupos do Setor de

Musicoterapia. Nesse encontro a equipe de pesquisa foi composta por mim, como

coordenadora, sendo auxiliada por dois dos músicos que realizam as visitas musicais; um

como observador e o outro como encarregado do apoio logístico, ambos com as mesmas

funções referidas na descrição da 1ª dinâmica desenvolvida.

Participaram dessa dinâmica quatro clientes do sexo masculino, provenientes de

duas das Unidades de Internação de Ortopedia. Esta dinâmica seguiu as mesmas etapas

descritas na dinâmica anterior. A produção artística está representada na Figura 2:

“Me senti lembrado, ou seja, uma


pessoa muito importante; melhorou “Alegria. O tempo passava mais
bastante a minha cabeça”.(Joaquim) rápido. Saudades. Solidão”.
(Charles)

“Alegria. Felicidade”.
(Vilmar)

“Algo que nos faz esquecer de tudo.


Como fosse lá do fundo da alma”.
(Zito)

Figura 2. Dinâmica “Corpo-Musical” nº 2 – Diagrama da produção artística


48

. Dinâmica ‘Corpo-Musical nº 3’

A terceira dinâmica ocorreu no dia 12 de maio de 2005, com início às 13:50h e

término às 15:00h, na sala para atendimentos de grupos do Setor de Musicoterapia. Nesse

encontro foi mantida a mesma equipe de pesquisa da dinâmica anterior. Esta dinâmica

teve a participação de cinco clientes do sexo masculino, também provenientes de duas

Unidades de Internação da Ortopedia, cuja produção artística é representada na Figura 3.

“Foi uma forma relaxante, em que a


mente esvazia todas as tensões
exercidas sobre ela, em que o corpo “Senti um grande alívio, como se todos os
se moderniza em pensamentos meus problemas tivessem acabado. Como se
melhores”. (Ricardo) tudo estivesse ótimo; como se existisse só eu
no local”. (Leandro)

“Esta música me fez lembrar “Uma grande emoção e alegria.


da minha vó, que faleceu no Muito gratificante”. (Geraldo)
ano passado. Minha avó não
gostava de nenhum estilo de
música, ela só gostava do “Emoção; lembrança da mãe;
estilo clássico. Me fez lembrar vontade de ficar curado do braço”.
de tudo o que ela fez por (Paulo)
mim”. (Denis)

Figura 3. Produção Artística realizada na Dinâmica “Corpo-Musical” nº 3

A identificação dos sujeitos no âmbito das três dinâmicas desenvolvidas foi

realizada inicialmente a partir de sugestões de alguns deles, como letras ou apelidos.

Outros não quiseram opinar sobre a identificação. Ao final, para padronizar a identificação

dos participantes, sem apelidos que pudessem sugerir brincadeiras e letras que pareceriam
49

muito impessoais, optei por nomes fictícios seguidos do número referente à dinâmica da

qual participou. Outro cuidado foi conduzir a caracterização dos sujeitos com a devida

cautela de não identificá-los.

- Caracterização dos sujeitos participantes das dinâmicas

. Participantes da Dinâmica ‘Corpo-Musical nº 01’: ( ver Quadro 1)

- Marcos (1) – Sexo masculino, 22 anos, estudou até a 7ª série do Ensino Fundamental

, é cabo. É casado, tem três filhas, sendo a menor de um ano. A esposa o acompanha na

internação. Relatou participar da Igreja Messiânica. Estava internado há 15 dias, à época da

dinâmica. Veio de outra região do país para realizar cirurgia na perna direita, apresentando

na ocasião aparelho fixador externo. Escreve com dificuldade, pois operou a mão direita há

aproximadamente 45 dias quando esteve internado por duas vezes em hospitais da sua

região. Participou de duas visitas musicais e tem preferência por música romântica.

Desloca-se em cadeira de rodas. Mostrou-se atento, comunicativo e solidário com os

outros participantes.

- Jader (1) – Sexo Masculino, 20 anos, estudou até a 1ª série do Ensino Médio. É

soldado. Solteiro, não tem filhos. Não relatou internações anteriores. Não especificou

pertencer a nenhuma religião. Há oito meses no hospital, já fez três cirurgias na mão direita

e aguarda a quarta. Seu estilo musical preferido é o pagode, mas durante a única visita

musical da qual participou anterior à dinâmica escolheu músicas religiosas. Não consegue

escrever e necessitou de ajuda durante a dinâmica. Menos comunicativo, seu discurso era

inicialmente entrecortado, repetindo muito algumas palavras, mas depois soltou-se,

defendendo com clareza seus pontos de vista. Mostrou-se bastante atento durante todo o

encontro.
50

- Fernando (1) – Sexo Masculino, 23 anos, cabo. É casado e tem duas filhas. Já

participou de igreja evangélica, mas no momento está afastado. Cursa o 2º Grau. Realizou

cirurgia anterior, ficando internado à época por dois meses. A internação atual já dura um

mês, durante a qual retirou os fixadores da perna, aguardando nova cirurgia. Desloca-se

com ajuda de uma bengala. Participou somente de uma visita musical, dando preferências a

músicas do grupo de rock Legião Urbana que ele mesmo executou no violão. Prolixo e

enfático, tem discurso bastante articulado e reivindicatório, mostrou-se muito ressentido

com a internação.

- Elisa (1) – Sexo Feminino, 31 anos, completou o Ensino Fundamental. É casada e

tem dois filhos. Dependente de Sargento. Não relatou ser praticante de alguma religião.

Está internada há dois dias para operar a mão direita. Não consegue escrever, foi auxiliada

durante a dinâmica. Já esteve internada anteriormente por ocasião dos partos. Participou de

uma visita musical durante a qual escolheu a música sertaneja “Estou Apaixonado” cantada

pela dupla João Paulo e Daniel. Ansiosa, chorou ao falar sobre os filhos, mas participou

com interesse, apresentando-se em alguns momentos bem humorada, fazendo brincadeiras

com o grupo. Falou pouco, mostrando discurso claro e sucinto.

- Renato (1) – Sexo Masculino, 20 anos, soldado, está cursando a 8ª série do Ensino

Fundamental. Solteiro, não tem filhos. Participou de igreja evangélica, mas no momento

está afastado. Primeira internação hospitalar. Internado há 7 dias, aguarda cirurgia na perna

esquerda. Estilo musical preferido: pagode. Consegue andar com o auxílio de uma bengala.

Participou de duas visitas musicais. Na primeira preferiu ouvir pagode e na segunda,

acompanhou a preferência musical do seu companheiro de enfermaria, e ouviu músicas

religiosas. Durante as visitas musicais havia se mostrado mais comunicativo, mas durante a

dinâmica mostrou-se retraído. Falou pouco apesar de manter constante atenção. Discurso

pouco claro.
51

Quadro 1 – Caracterização dos participantes e descrição das influências das visitas


Musicais – Dinâmica “Corpo-Musical” nº 1

Participantes Marcos Jader Fernando Elisa 6 Renato


Características 22 anos 20anos 23 anos 31anos 20 anos
7ªsér. E.F. 1ªsérie E.M. 3ª sér. E.M. Concluiu E.F. 8ª sér. E.F.
Casado, 3 fil. Solteiro Cas.,2 filhos, Casada, 2 fil. Solteiro
Cabo Soldado Cabo Depend. Soldado
Igr.messiânica Não citou Afast.Igr.Ev. Sarg., Afast.Ig.Ev.
Proveniente religião Não citou
de região religião
distante
Tempo de
Internação 15 dias 8 meses 1 mês 2 dias 15 dias

Participação em
Vis. Mus. 2 1 1 1 2
Preferência Música Pagode Rock Música Pagode
Musical Romântica Sertaneja

Escolha Mus. Românt. Musicas Rock Música Pagode e


Musical Pagode Religiosas Sertaneja Mus. Relig.

Influências da Boas Boas Tranqüilidade; Diminui Boas


Visita Musical lembranças; lembranças; Relaxamento; tristeza; lembranças
Alegra; Esquece Atividade; Diminui
Melhora auto problemas; Diversão; angústia;
-imagem; Integridade; Alívio; Diminui o
Diminui Reflexão; Esquece preocu- medo;
solidão; Expressão das pações; Felicidade;
Respeito aos emoções; Diminui a raiva; Anima;
outros Autonomia Diminui conflito Autonomia
Conforto; pela escolha; Diminui stress; pela escolha.
Harmonia; Respeito aos Vontade de
Tranqüilidade; outros; tocar violão.
Autonomia Partilhar
pela espaço.
escolha.
Recursos Participou da Trouxe o violão Gravou
Desenvolvidos Oficina de para o hospital; música
violão Participou da da Vis. Mus.
Ofic.de violão para escutar
à noite
Sugestões Aumentar o Reunir particip. Aumentar o
tempo da Aumentar tempo (V.M.);
Vis.Mus. tempo Música para
Música para equipe
equipe

6
Única participante do Sexo Feminino
52

. Participantes da Dinâmica ‘Corpo-Musical nº 02’: (ver Quadro 2)

- Zito (2) – 36 anos, cabo, casado, pai de duas filhas, com 7 e 3 anos. Interrompeu os

estudos no 3º ano do Ensino Médio. É evangélico, freqüenta a Igreja Assembléia de Deus.

Está internado há quase um mês para realizar cirurgia ortopédica na perna direita. Não

havia sido internado anteriormente. Participou de duas visitas musicais. Seu estilo musical

predileto é música sertaneja, mas relata não escutar música em casa. Durante as visitas

musicais, deu preferência a escolher músicas religiosas antigas, mostrando-se um pouco

retraído. Locomove-se com auxílio de muletas. Durante a dinâmica mostrou-se mais

retraído ainda e um pouco tenso. Emocionou-se ao relatar sua experiência. Interessou-se

pelo coral do HCE, demonstrando interesse por já ter participado de um coral em sua

igreja. Foi convidado a conhecer o coral do HCE e participou ativamente de um ensaio.

- Charles (2) – 20 anos, soldado, solteiro, cursou até o lº ano do Ensino Médio. Internou-

se há 8 meses com queixas de dor no joelho esquerdo, no momento faz fisioterapia e

aguarda avaliação cirúrgica. Não esteve internado anteriormente. Já freqüentou a igreja

evangélica, mas no momento está afastado. Seu estilo musical preferido é MPB e pagode.

Participou de 3 visitas musicais, nas quais escolheu músicas variadas da MPB e rock

mostrando-se sempre muito expansivo. A partir das visitas musicais demonstrou interesse

em aprender a tocar um instrumento musical. Deambula sem auxílio. Durante a dinâmica

mostrou-se mais expansivo e falou veementemente sobre diversos temas, gesticulando e

defendendo com firmeza seus pontos de vista, em alguns momentos demonstrando revolta

pela internação.Queria prolongar a dinâmica, sempre iniciando um assunto novo.

- Vilmar (2) – 41 anos, promovido recentemente a sargento, concluiu o Ensino Médio.

Separado, tem 3 filhos de 11, 9 e 4 anos. É católico praticante. Internou-se há 21 dias para
53

realizar cirurgia ortopédica na perna esquerda. Não havia sido internado anteriormente.

Relata gostar de todo o tipo de música, possui vários CDs, e escuta muita música em casa.

Participou de uma visita musical escolhendo samba e MPB. Nesta, surpreendeu-se com a

presença de outros companheiros de internação, e de um integrante da equipe enfermagem,

além dos músicos. Deambula com o auxílio de uma bengala. No início da dinâmica

mostrou-se um pouco desconfiado na forma de olhar para mim e para o observador, mas ao

final estava mais sorridente. Expressou com clareza seus pontos de vista.

- Joaquim (2) – 45 anos, sargento, casado, concluiu o Ensino Médio. É casado e pai de

uma filha de 21 anos. É católico. Está internado há mais de 8 meses, para se recuperar de

um acidente. Já realizou algumas cirurgias. Atualmente locomove-se em cadeira de rodas

e está fazendo fisioterapia, aguardando outra cirurgia. Seu estilo musical predileto é MPB,

possui CDs variados em seu quarto. Participou de cinco visitas musicais, sempre com

muito interesse. Em algumas delas esteve acompanhado pela esposa que também tinha

participação ativa, ambos escolheram MPB e Bossa Nova. Na apresentação da dinâmica

afirmou que fala pouco, mas durante a discussão mobilizou-se com o assunto, falando com

desenvoltura a ponto de interromper diversas vezes os outros. Gesticula muito. Tem senso

de humor, fazendo brincadeiras, principalmente com Charles. Mostrou-se emocionado ao

falar sobre suas experiências. Solidário com os outros participantes, fez diversas sugestões

sobre a visita musical.


54

Quadro 2 – Caracterização dos participantes e descrição das influências das visitas


Musicais – Dinâmica “Corpo-Musical” nº 2

Participantes Zito Charles Vilmar Joaquim


Características 36 anos 20anos 41 anos 45 anos
3º sér. E.M. 1ªsérie E.M. Concluiu E.M. Concluiu E.M.
Casado, 2 filhas Solteiro Separ., 3 filhos, Casado, 1 filha
Cabo Soldado Sargento Sargento
Evangélico Afast. Igr. Ev. Católico Católico
Tempo de
Internação 1 mês 8 meses 21 dias 8 meses

Participação em
Vis. Mus. 2 3 1 5

Preferência Música Sertaneja MPB e Pagode Qualquer estilo MPB


Musical

Escolha Mus. Religiosas MPB e Rock Samba e MPB MPB


Musical

Influências da Boas Boas Alegra; Melhora


Visita Musical lembranças; lembranças; Anima; auto-estima;
Esquece Alegra; Diminui solidão; Melhora estado
problemas; Alívio ao cantar; Melhora emocional;
Equilibra; Integra; Distrai; auto- estima; Preenche o
Alegra; Desinibe; Distrai; tempo;
Expressa as Pausa na Atividade; Integra;
emoções; depressão; Reflexão; Autonomia pela
Reflexão; Diverte; Anima; Gratifica; Escolha;
Conhece Amplia escolhas Conhece pessoas; Atividade;
pessoas; musicais; Desejo de Variedade
Diminui Atividade; partilhar alegria; musical
tristeza; Diminui Auto-
Integra. solidão; Conhecimento;
Autonomia pela
escolha
Recursos Participou do Participou de
Desenvolvidos ensaio do coral aula de música

Sugestões Criar V.M. em V.M. em grupo Criar grupo de V. M. em grupo


outros hospitais Criar grupo de música e conversa Criar grupo de
música e música e conversa
conversa
55

. Participantes da Dinâmica ‘Corpo-musical nº 3’: (ver Quadro 3)

- Leandro (3) – 20 anos, solteiro, estudou até o 2º ano do Ensino Médio. Soldado.

Evangélico. Sofreu um acidente e realizou cirurgia no pé direito. Está internado há vinte e

um dias e pela primeira vez. Durante as quatro visitas musicais das quais participou,

mostrava-se interessado e comunicativo. Refere não ter preferência musical e durante a

visita musical pediu mais músicas do Legião Urbana, entremeadas por MPB e uma música

evangélica: “Deus Forte”. Durante a dinâmica mostrou-se pensativo durante a produção e

participativo durante a discussão grupal, tentando expressar seus pontos de vista com

clareza.

- Paulo (3) – 22 anos, solteiro, cabo. Cursou até o lº ano do Ensino Médio. Católico.

Proveniente da Região dos Lagos, reside no quartel onde trabalha, indo somente aos finais

de semana para casa. Realizou cirurgia no braço direito. Internado há 10 dias, não esteve

internado anteriormente. Divide o quarto com Leandro. Sua preferência musical é pelo

pagode, mas nas duas visitas musicais das quais participou, escolheu também MPB e rock.

Durante as visitas musicais mostrou-se interessado, mas na dinâmica parecia estar

distraído, levantando-se inclusive para atender o celular. Manteve-se calado a maior parte

do tempo, falou muito baixo e somente ao ser solicitado. Necessitou de ajuda para escrever

durante a etapa de produção.

- Denis (3) - 20 anos, solteiro, terminou o Ensino Médio. Soldado. Católico. Veio ao

hospital para realizar cirurgia no joelho esquerdo. Está internado há 2 meses, não tendo

internações anteriores. Deambula sem ajuda. Tem preferência por rock brasileiro.

Participou de 4 visitas musicais, escolhendo também pagode, além de Legião Urbana.

Reservado durante as visitas musicais, revelou-se mais falante durante a dinâmica,

mostrando-se bastante mobilizado ao escutar a música tocada durante o relaxamento. Seu


56

discurso mostrou-se emocionado e envolvente. Prestou muita atenção no discurso dos

outros participantes

- Ricardo (3) – 19 anos, solteiro, terminou o Ensino Médio. Soldado. Católico.

Internado há três meses para realizar cirurgia no braço direito. Já havia sido internado no

ano anterior pelo mesmo motivo. No momento, divide o quarto com Denis. Apresenta

poucas restrições de movimento no braço direito. Participou de 3 visitas musicais. Sabe

tocar violão, mas não estava praticando por ter vendido o seu. Voltou a tocar violão

durante as visitas musicais, demonstrando preferência por samba por haver tocado em um

grupo de pagode anteriormente. Apesar do interesse, participou pouco da Oficina de

Violão, mas afirmou que irá comprar outro violão para ele. Durante as visitas musicais

mostrava-se mais expansivo, mas durante a dinâmica ficou mais reservado, apesar de

atento. Um pouco inquieto, às vezes ficava mexendo com os chinelos. Discurso claro e

conciso.

- Geraldo (3) – 38 anos, casado e pai de 3 filhos com 10, 8 e 1 ano. Terminou o Ensino

Fundamental. Católico. Proveniente de outra região do país. Soldado já reformado. Veio

ser avaliado com vistas à realizar outra cirurgia na perna direita. Está internado há dois

meses. Já esteve internado anteriormente para realizar cirurgia na mesma perna em hospital

da sua região. Relatou que seu estilo preferido é música lenta e forró, mas durante a visita

musical escolheu músicas do Padre Zezinho por ser a música que a esposa escuta em casa.

Só participou de uma visita musical porque por duas vezes esteve realizando exame ou

resolvendo problemas ligados à internação. Durante o relaxamento ficou olhando para o

chão, pensativo. Aparenta timidez, mas durante a dinâmica, ao ser solicitado sempre tentou

expor suas opiniões, utilizando o espaço inclusive para desabafar durante alguns

momentos. O seu discurso às vezes tornava-se difícil de compreender, devido à sua forma
57

de falar, não somente pelo sotaque, mas por intercalar diferentes entonações nos momentos

em que estava emocionado.

Quadro 3 – Caracterização dos participantes e descrição das influências das visitas


Musicais – Dinâmica “Corpo-Musical” nº 3
Participantes Leandro Paulo Denis Ricardo Geraldo
Características 20 anos 22 anos 20 anos 19 anos 38 anos
2ª sér. E.M. 1ªsérie E.M. Concluiu E.M. Concluiu E.M. Concluiu E.F.
Solteiro Solteiro Solteiro Solteiro Casado, 3 fil.
Soldado Cabo Soldado Soldado Soldado Ref.
Evangélico Católico Católico Católico Católico
Proveniente da Proveniente de
reg. dos Lagos região distante
Tempo de
Internação 3 semanas 10 dias 2 meses 3 meses 2 meses

Participação em
Vis. Mus. 4 2 4 3 1
Preferência Qualquer Samba e Música lenta
Musical estilo Pagode Rock Pagode e Forró

Escolha MPB,Rock Pagode, rock Rock e Samba, Músicas


Musical e e MPB Pagode Pagode e MPB religiosas
música
relig.
Influências da Alivia; Alivia; Distrai; Relaxa; Integra Expressa as
Visita Musical Distrai; Alegra; Diverte; Reflexão; emoções;
Diverte; Expressa as Variedade; Descontrai; Alegra; Alivia;
Reflexão; emoções; Relaxa; Muda rotina; Gratifica;
Estimula fé Relaxa; Cativa; Diverte; Anima;
e esperança; Esquece os Esquece Autonomia Altera
Esquece Problemas; problemas; pela escolha respiração;
problemas; Boas Desinibe; Alivia; Anima; Sentiu-se
Expressa as lembranças; Muda rotina; Esquece fortalecido;
emoções; Descontrai; Vontade de problemas; Diminui dor
Boas Sentiu-se aprender Melhora na perna;
lembranças; Fortalecido. violão; pensamentos; Diminui
Cria boa Boas Amplia angústia;
expectativa; lembranças. escolhas mus. Esquece os
Autonomia Atividade; problemas;
pela Vontade voltar Diminui a
escolha. tocar violão. solidão.
Recursos Cantar Voltou a tocar
Desenvolvidos Violão; Ofic.
de violão
Sugestões Criar V.M. Não pode Criar V.M.
nos parar V.M. nos hospitais;
hospitais Aumentar
Vis. Mus.
58

- Princípios éticos da pesquisa

O projeto de pesquisa foi submetido à Comissão de Ética do referido hospital e ao

Comitê de Ética em Pesquisa da EEAN/HESFA, da UFRJ (Anexos I e II), obtendo

aprovação de ambos. A vinculação dos participantes da pesquisa obedeceu ao disposto na

Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/MS, que regula as Normas de

pesquisa envolvendo Seres Humanos, mediante assinatura do termo de consentimento livre

e esclarecido (Anexo III). Deste modo, os sujeitos foram informados que sua identidade

permaneceria em sigilo, ou seja, apenas as informações por eles fornecidas seriam

divulgadas para fins de pesquisa e outros estudos.

A produção dos dados foi gravada em fita magnética, seguida de transcrição. Cada

dinâmica gerou um relatório que se constituiu na fonte primária de dados da pesquisa.

- Análise dos dados

A produção, análise, discussão e validação dos dados foram feitas com base no

processo de codificação e descodificação temática, segundo Freire (1980) e recodificação

de Cabral (1999). Para Freire (op.cit), a codificação é a representação de uma situação

existencial que, nesse caso, é expressa através das produções artísticas; enquanto a

descodificação é a transição dessa situação para o concreto a partir da discussão crítica

dessa situação em seu contexto real.

A partir desses conceitos, Cabral (op.cit, p.202) construiu o conceito de

recodificação que se refere à síntese grupal, ou seja, quando há a validação do que foi

discutido anteriormente.

Utilizei alguns instrumentos de análise de discurso de Orlandi (1996) a partir do

relatório de produção de dados. Essa análise foi realizada a partir da forma como o sujeito
59

da pesquisa enunciou o seu discurso, enfatizando aspectos que incluía o dito e o não dito; o

interdiscurso; os processos parafrásticos, relacionados às diferentes formulações do mesmo

dizer, e as metáforas.

Os elementos da materialidade lingüística, considerados na análise de discurso

foram:

. reticências (...): indica uma pausa no pensamento;

. reticências [...]: indica um fragmento da enunciação dialógica;

. interrogação (?): indica uma pergunta ou um questionamento;

. exclamação (!): indica surpresa ou espanto;

. vírgula (,): indica uma breve pausa na fala, posteriormente continuada;

. ponto (.): indica o término de uma enunciação dialógica;

. travessão (-): indica o início de uma enunciação dialógica.


60

CAPÍTULO III

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DAS CONCEPÇÕES DE CLIENTES


HOSPITALIZADOS SOBRE AS VISITAS MUSICAIS: CONTRIBUIÇÕES PARA
UMA RELAÇÃO INTERATIVA ENTRE OS SUJEITOS DO CUIDADO NO
ÂMBITO HOSPITALAR

Neste capítulo, apresento os elementos que constituem as principais concepções de

clientes hospitalizados acerca das visitas musicais, compartilhadas no diálogo grupal

com/entre os participantes das Dinâmicas “Corpo Musical nº 01, 02 e 03”.

A partir das produções artísticas representadas na silhueta de um corpo físico

exposto ao chão, os sujeitos da pesquisa conceberam as visitas musicais como forma de

resgatar lembranças latentes, de mudar o foco de atenção, de expressar emoções e de

produzir sensação de bem-estar aos clientes hospitalizados que delas participam.

Durante a discussão grupal, os participantes enfocaram também a influência das

visitas musicais na promoção de um ambiente de cuidado ao diminuir o sentimento de

solidão causado pelo afastamento familiar, ao estimular a atividade lúdica diminuindo a

inatividade e rompendo com a rotina imposta pelo hospital. Enfocaram ainda a influência

das visitas na redução da ansiedade causada pelos conflitos oriundos da deficiência na

comunicação, por vezes, ocorrida com a equipe de saúde, e pela convivência, nem sempre

harmoniosa ou desejada, com outros clientes, com os companheiros de enfermaria,

acompanhantes e com a equipe de enfermagem.

A dinâmica ‘Corpo-Musical nº 01’ ocorreu em um clima de grande expectativa.

Para iniciar a discussão, como o grupo estava contido, solicitei a cada participante que

fizesse leitura do que escreveu e colasse na silhueta do corpo físico a partir da temática
61

apresentada. Um dos participantes, ansioso, iniciou a discussão a partir da própria

apresentação.

A discussão grupal levantou também questões relacionadas às dificuldades

vivenciadas a partir da internação hospitalar, e, conseqüentemente, do afastamento familiar

e a possibilidade de diminuir o impacto negativo dessa experiência através das visitas

musicais. Também referiram a importância dessas visitas para o resgate da auto-estima e

da autonomia do cliente ao ser respeitada a sua escolha musical.

A dinâmica ‘Corpo-Musical nº 02’ ocorreu mediante grande participação dos

envolvidos que demonstraram desejo de se expressar e contribuir de alguma forma para o

seu desenvolvimento. Em alguns momentos até falavam juntos, de forma acalorada,

querendo expor seus pontos de vista e partilhar suas experiências.

A discussão, como da vez anterior, já partiu da apresentação da produção individual

e, além de aprofundar alguns aspectos mencionados na primeira dinâmica, introduziu a

questão da deficiência da comunicação com a equipe de saúde, resultando em insegurança

e ansiedade nos clientes internados, e de como as visitas musicais podem auxiliar a

integração entre estes. Na recodificação temática, a crítica-reflexiva grupal trouxe como

contribuição a importância de se criar um espaço de interação em grupo, no âmbito do qual

se desenvolveriam atividades de interesse para os clientes hospitalizados, tendo como

motivação a presença da música.

A dinâmica ‘Corpo-Musical nº 03’ teve uma duração menor que as outras devido às

características do grupo. Nele, os participantes tiveram uma postura mais reservada, apesar

de manterem uma aparente cordialidade já que a maioria se conhecia previamente por

partilharem o mesmo local de internação.

Durante a dinâmica não surgiu uma liderança entre os participantes, assim como

não houve uma postura reivindicativa por parte dos mesmos, relacionada à sua condição de
62

hospitalizados como nos encontros anteriores. Este fato criou a necessidade de maior

incentivo da minha parte como moderadora do grupo para que eles expressassem suas

concepções sobre o tema proposto.

Esta dinâmica não introduziu novos temas, mas ampliou determinados aspectos

abordados anteriormente relacionados ao resgate de memórias latentes através das visitas

musicais e da emoção que as mesmas despertam, assim como, os aspectos ligados ao seu

potencial agregador e lúdico.

Em síntese, a análise dos discursos produzidos pelos participantes no âmbito das

três dinâmicas desenvolvidas evidenciou que as visitas musicais resgatam ou mantêm a

autonomia do cliente, por vezes, prejudicada pelo tipo de disciplina ou controle impostos

pela instituição hospitalar. Isto porque, nestas visitas, o cliente escolhe a música que deseja

ouvir ou mesmo cantar, estimulando sua participação ativa e sua interação com outros

clientes. Além disso, os efeitos produzidos pelas visitas agem na totalidade do corpo do

cliente hospitalizado: físico, social e espiritual - que reage expressando-se sob diferentes

emoções.

Nesse sentido as visitas musicais promovem efeitos benéficos que não estão ligados

restrita ou propriamente à música em si, mas à possibilidade de encontro que estas

proporcionam, vindo ao encontro do que Watson (1996) ao destacar a relação entre a

enfermeira e o cliente definiu como ‘momento de cuidado’. Para a autora, esse momento é

um ponto focal no espaço e no tempo que envolve ação e escolha entre os sujeitos do

cuidado, criando uma conexão entre ambos.

As concepções dos sujeitos da pesquisa sobre as dimensões terapêuticas das visitas

musicais no contexto hospitalar, produzidas no âmbito das dinâmicas “Corpo-Musical” nº

1, 2 e 3 evidenciaram alguns temas organizados no Quadro 4, a seguir:


63

Quadro 4 – As dimensões terapêuticas da visita musical nas concepções dos


clientes.

Temas surgidos Dinâmica CM nº1 Dinâmica CM nº 2 Dinâmica CM nº3

Resgate ou . Integridade (conforto, . Integridade (equilíbrio, . Integridade (alívio,


manutenção da relaxamento, alívio, bem-estar, desabafo, bem-estar, descontração,
autonomia e da bem-estar, equilíbrio, expressão de emoções, animação, expressão de
integridade do tranqüilidade, expressão animação, gratificação, emoções, relaxamento,
cliente pelas de emoções, animação, diminui depressão, ligação com o espiritual,
visitas musicais sensação de força) ligação com o espiritual) sensação de força,
. Lembranças boas e . Lembranças boas e promoção da fé e
esquecimento das esquecimento das esperança)
preocupações, distração preocupações, distração . Lembranças boas e
. Reflexão e auto- . Reflexão e auto- esquecimento das
conhecimento conhecimento preocupações, distração
. Autonomia pela . Conhecimento de . Reflexão e auto-
escolha musical novas músicas conhecimento
(respeito ao gosto . Autonomia (respeito . Conhecimento de
musical, melhora da ao estilo musical, novas músicas
auto-estima, criação de melhora da auto-estima, . Autonomia (estilo
recursos próprios) criação de recursos musical,desenvolvimento
próprios) de potenciais )

Qualidade . Integração (diminui o . Integração (diminui a . Integração (diminui


integradora das isolamento) solidão) isolamento)
visitas musicais . Diversão . Diversão . Diversão
. Atividade . Atividade . Atividade
. Diversidade (muda a . Diversidade (muda a . Diversidade (muda a
rotina) rotina) rotina)
. Alegria em partilhar . Desinibe . Desinibe
. Influência positiva da . Facilita conhecer . Sugestão: realizar
V.M.sobre a equipe de outros clientes V.M. em grupo
saúde (diminui estresse) . Alegria em partilhar
. Sugestão: realizar . Facilita comunicação
V.M. em grupo . Sugestões: realizar
V.M. em grupo e criar
espaço para grupo de
música e conversa.
(inspirado pela
dinâmica)
64

Face a essas considerações, no processo de codificação, descodificação e

recodificação temática ocorrido no âmbito das dinâmicas desenvolvidas, os elementos

constitutivos das concepções dos sujeitos acerca das visitas musicais se desenharam em

torno de dois grandes temas: 1) As visitas musicais no resgate ou manutenção da autonomia

e da integridade do cliente hospitalizado e 2) A qualidade integradora das visitas musicais.

As Visitas Musicais no Resgate ou Manutenção da Autonomia e da Integridade do

Cliente Hospitalizado

A busca de recursos próprios ligados à autonomia é um dos postulados de Watson

que, segundo Talento (2000, p. 255), defende a importância do cuidado no auxílio à pessoa

a “ganhar controle, tornar-se conhecedora e promover mudanças de saúde”. No sistema de

valores humanista de Watson (op. cit.) existe uma alta consideração pela autonomia e

liberdade de escolha e ênfase sobre o auto-conhecimento.

Relaciono essa busca pela autonomia com base no auto-conhecimento com os

pressupostos básicos sobre a ciência do cuidado de Watson (op. cit., p.254). Dentre esses

pressupostos, destaco três que estão intimamente ligados com a análise feita a partir das

concepções dos participantes sobre a influência que as visitas musicais exercem no cliente

internado: 1) “O cuidado pode ser efetivamente demonstrado e praticado apenas

interpessoalmente”, o que se evidencia nos relatos que se referem à sensação de bem estar

não somente ligado à música, mas à presença de outros clientes e dos membros da equipe

musical. 2) “O cuidado efetivo promove a saúde e o crescimento individual e familiar”. 3)

“O ambiente de cuidado é aquele que oferece o desenvolvimento do potencial e permite

que a pessoa escolha a melhor ação para si mesma em um determinado momento”.


65

É importante ressaltar que não é qualquer música que provoca um sentimento de

identificação. Por isso, é mister observar as músicas que fazem parte do universo do

cliente. Um dos cuidados que se deve ter é manter uma atitude respeitosa não somente em

relação à preferência musical do cliente, mas também atentar para o fato de se ele quer ou

não participar do encontro musical proposto em determinado momento, e mesmo, de como

deseja participar dessa atividade, pois só assim ocorrerá a validação dos seus sentimentos e

a sensação de estar sendo aceito (BERGOLD; SOBRAL, 2003).

Como já tive a oportunidade de analisar anteriormente, a internação hospitalar

provoca uma série de problemas ao cliente e entre estes, a despersonalização. No processo

de hospitalização, o cliente é submetido a regras, normas e rotinas do hospital, o que

transforma a sua condição de doente em paciente. Nesse momento, ele perde a autonomia

sobre o seu corpo, passando de sujeito a objeto dos cuidados, situação que pode promover

esse processo de despersonalização.

Procurar estratégias que contribuam para resgatar ou manter o grau de autonomia

do cliente hospitalizado, elevando sua auto-estima, resgatando-o como sujeito social,

através de sua participação no cuidado configura-se como uma importante premissa do

cuidado humano na busca do bem-estar e do conforto do cliente. Dentre essas estratégias,

destacam-se as visitas musicais.

A possibilidade de escolha musical pelos clientes no âmbito dessas visitas viabiliza

a expressão da identidade musical que está ligada diretamente à auto-identidade do cliente.

Nesse sentido, dentre outras razões que serão apresentadas ao longo deste capítulo, as

visitas musicais passam a ser uma estratégia terapêutica pelo fato de estimularem o projeto

reflexivo da auto-identidade através de novos conhecimentos engendrados pelo contato

com os companheiros de enfermaria. Promove também o auto-conhecimento através das

percepções sobre seus sentimentos, sensações e reflexões surgidas no momento de


66

encontro proporcionado pelas visitas, estimulando mudanças relacionadas à autonomia e à

criação de recursos próprios. Nesse contexto, o primeiro subtema descodificado foi: “as

visitas musicais como possibilidade de expressão da identidade do sujeito social”.

. As visitas musicais como possibilidade de expressão da identidade do sujeito

social

Ruud (1998) afirma que em função de a música estar sempre presente no nosso

cotidiano ela estrutura e ancora muita das situações utilizadas como material bruto no

processo da construção da identidade do sujeito. Na atualidade estamos sempre cercados

por música e, devido ao avanço da tecnologia e da mídia, esta se insere no lazer, na

educação, no trabalho, em atividades terapêuticas, sendo rara a situação em que esta não se

encontre presente. Essas vivências criam memórias de sentimentos que têm um papel

importante porque realçam e posicionam os eventos da vida das pessoas

significativamente, criando uma trilha sonora ou biografia musical que está intimamente

ligada à nossa própria biografia.

A biografia, como narrativa da identidade na vida atual é abordada por Giddens

(2002), filósofo social inglês. Este aponta novos mecanismos da identidade constituídos

pelas instituições da modernidade. O autor defende a idéia de que a identidade, chamada

por ele de auto-identidade, não é uma entidade passiva, mas que o indivíduo ao forjá-la

também contribui para influências sociais.

O Eu é construído reflexivamente em meio a uma diversidade de opções e

possibilidades mas mantém narrativas biográficas coerentes, embora continuamente

revisadas. Essas revisões são partes importantes do que o autor denomina como alta-

modernidade, visto que a produção do conhecimento, assim como a sua atualização através

da revisão é difundida pela mídia, o que pode influenciar as escolhas de cada um.
67

Relacionando as idéias do autor à presente pesquisa, alguns sujeitos durante a

discussão grupal no âmbito das DCS citaram conhecimentos prévios sobre o efeito

terapêutico da música. Fernando (1) se referiu a um local em que trabalhou e que oferecia

aos funcionários uma sala de relaxamento na qual você podia escolher uma música e

recostar-se em uma cadeira para ouvir no período do almoço e que tinha como objetivo

diminuir o stress. Zito (2) relatou ter assistido uma entrevista em que uma pessoa utilizou a

música com vistas a diminuir a pressão arterial. Charles (2) também se referiu à leitura de

um texto no qual uma psicóloga se reportava à importância da música para tratamento

psicológico. Essas experiências ou conhecimentos prévios podem ter influenciado os

sujeitos, tanto na escolha das músicas durante as visitas musicais, quanto na sua

participação nesta pesquisa.

Para Giddens (2002), a vida social moderna é constituída em um jogo dialético

entre o local e o global e a escolha, entre tantas opções diferentes de vida, passa a ter um

valor fundamental para o planejamento da mesma. Assim, a escolha do estilo de vida é

cada vez mais importante na constituição da auto-identidade e da atividade diária. O novo

sentido de identidade está ligado ao processo de ‘encontrar a si mesmo’ que se baseia em

intervenção e transformação ativas.

Vivemos em função do “fluxo de informações sociais e psicológicas sobre

possíveis modos de vida”. A pergunta ‘como devo viver’ deve ser respondida em decisões

cotidianas relacionadas ao comportamento que inclui o que comer, o que vestir, que

música ouvir, além de outras coisas. Ouvir ou se expressar através da música passa a ser

um reflexo da nossa identidade, uma maneira de representar o sentido de nós mesmos.

A música como representação desse sentido de nós mesmos foi abordada por

Wazlawick (2004) ao desenvolver uma pesquisa sobre a relação entre o sujeito e a música. A

autora concebe o sujeito como fazendo parte de um contexto cultural e social mais amplo,
68

onde a música, como atividade artística e criadora, está inserida, é parte integrante, se

origina deste contexto cultural e ajuda a configurá-lo também. Ao se referir à identidade

sonora desse sujeito, a autora refere ser esta produto da configuração cultural da qual a

pessoa e seu grupo fazem parte e estas relações e conexões múltiplas criam uma

configuração dinâmica, complexa e integrada. A cultura é um fator chave para a formação da

identidade sonoro-musical.

A autora (op.cit, p.36) também se refere à música como sendo o reflexo do

pensamento e sentimento de uma determinada época, pois além de proporcionar prazer, ela

também informa e conscientiza. Em cada época a pessoa é compreendida de modo diferente,

pois é a visão de uma pessoa agente de sua realidade, que a constrói e constrói a si mesma

em “uma relação dialética com o mundo, constituída e constituinte do contexto”. Dessa

forma, o estilo de vida e as escolhas realizadas cotidianamente que são reflexos da auto-

identidade também são reflexo da inserção social e cultural do indivíduo. Nesse sentido, o

seu estilo musical contribui para formar e é formado por sua auto-identidade.

A importância do estilo musical foi abordada em uma pesquisa em enfermagem

realizada por São Mateus (1998). Ao categorizar sentimentos associados a este tema

percebeu que alguns clientes gostaram do estilo da música selecionado pela pesquisadora,

enquanto outros não o apreciaram, o que a levou a refletir sobre o fato de que o enfermeiro

precisa estar atento ao estilo musical do cliente.

Como a expressão da subjetividade dos clientes é facilitada por uma abordagem que

parta do seu referencial, torna-se importante ao se utilizarem visitas musicais como

estratégia de cuidado que se conheça e se respeite o gosto ou preferência musical do cliente

neste espaço. E isso foi reiterado pelos participantes da pesquisa ao conceberem as visitas

musicais como mantenedora da autonomia dos clientes, uma vez que partem de sua escolha

ou de seu gosto musical.


69

Durante as dinâmicas Corpo-Musical nº 1 e nº 2, em alguns momentos os sujeitos

mostraram-se bastante mobilizados ao discutirem a questão do respeito ao gosto musical de

cada um. Marcos (1) foi um dos participantes que defendeu com veemência a existência

desse respeito. Por ser proveniente de outra região do país, teve acesso a estilos bastante

diferentes daqueles próprios ou difundidos na região sudeste. Ele iniciou assim a

discussão: _ “Eu respeito a música que eles ouvem aqui... Posso achar ruim, mas respeito

porque eles gostam, né ?” Para Marcos, o importante não era a diferença entre o gosto

musical dele e dos outros, e sim que esse fosse considerado, apesar de diferente,

demonstrando uma conduta solidária.

Posteriormente, Marcos (1) aprofundou a discussão dizendo: _ “Não, porque às

vezes... a pessoa não tem que ser egoísta, por exemplo, se... ela só gosta daquela música,

sabe, aí coloca a minha também, coloca a dele, tal... Aí se ele for falar alguma coisa: _

Olha, colocou a sua música e eu escutei... então tem que me aceitar também! Pra defender

na hora de colocar a música”. Em seguida, fez uma provocação a Fernando (1)

defendendo o estilo pagode:

Marcos (1): _ “Queria falar sobre o pagode. Tem pagode que é bonito, como, por

exemplo, aquele do SPC, né? Que o cara ta sozinho, tal, sem companheira. Aí canta uma

coisa assim: _ “O que é que eu vou fazer com essa tal liberdade, se estou na solidão

pensando em você”7...

Fernando (1) interrompeu: _ “Eu gosto de MPB, mas não gosto de pagode...

Escutar algumas músicas de pagode, se tocar, eu até vou gostar, mas têm algumas que eu

vou ficar é calado esperando ela acabar logo, entendeu ?” (Alguns participantes riram).

Perguntei: _ “Mas para você é insuportável escutar a música?”

7
O título da música é “Tal Liberdade” , composta e interpretada pelo grupo de pagode ‘Só Para Contrariar’.
70

Fernando (1) respondeu: _ “Não, insuportável não... Apenas não vai me alegrar

mais... Não vou participar, vou esperar a próxima [...] Mas se for MPB eu gosto à beça,

rock gosto... Só não gosto é de pagode.

Jader (1), companheiro de quarto de Fernando (1) entrou no movimento dialógico:

_ “Você gosta de rock, eu não gosto de rock! Mas eu não me incomodo, vou tranqüilo, não

tem nada... Mas é legal continuar com a pessoa... Eu não vou mudar porque tá tocando

rock! Vou continuar com a pessoa, por mais que eu não goste! Tipo assim, toca a sua

música, aí você fica alegre... e eu fico alegre contigo... Depois vai pôr uma música que eu

gosto, aí você vai... muda... Aí a minha música você não vai escutar?”

Essa discussão, realizada em um tom de voz alterado denuncia o grau de

envolvimento emocional de seus participantes ligado ao seu estilo musical próprio. Se

podemos expressar quem somos através das nossas escolhas musicais, há uma conexão

entre estas e nossa identidade. Vejamos as possíveis implicações de cada um durante a

discussão relatada.

Marcos (1) no momento da dinâmica cantou um trecho de um pagode solicitado

durante a visita musical. A letra abordava solidão e possivelmente se relacionava ao fato de

sua esposa estar regressando à terra natal. Ele apresentou um gosto musical eclético, pois

além de conhecer músicas de sua região aprecia também outros estilos musicais, dando

preferência ao que ele definiu como ‘música romântica’, que por se referir a relações

amorosas, estava em sintonia com seus sentimentos naquele momento.

Já Fernando (1), que havia ressaltado inicialmente ter preferência por rock, relatou

durante a discussão gostar também de MPB, o que se relaciona com outros indicadores do

lugar social que ocupa. Uma das características presentes na fala de Fernando (1) é a

‘revolta’ ou ‘rebeldia’ indiscriminada, que encontra ressonância com o rock, estilo musical
71

surgido como “expressão livre e sem precedentes da energia sexual e da agressividade dos

jovens” (SEKEFF, 2002, p. 76).

Caracterizado por expressar agressividade, o rock passou a ser um símbolo do

sentimento de revolta entre os adolescentes no final do século passado. Entre as músicas

tocadas ao violão pelo próprio Fernando (1) durante as visitas musicais, encontra-se ‘Que

país é esse?’8, interpretada pelo grupo de rock Legião Urbana que reflete essa revolta: “Nas

favelas, no senado/ Sujeira pra todo lado/ Ninguém respeita a Constituição/ Mas todos

acreditam no futuro da nação/ Que país é este?”.

Jader (1), durante as visitas musicais, escolheu músicas religiosas, apesar de afirmar

que seu estilo preferido era o pagode, o que pode ser explicado pela situação de fragilidade

provocada pelo ambiente hospitalar estressante e pelo afastamento familiar, conforme

relatou. Mesmo assim, ele fez uma defesa veemente ao pagode e também ressaltou, como

Marcos (1), que o importante é o respeito pelo outro; ainda mais, afirmou sentir-se feliz

pela felicidade do outro ao escutar uma música do seu agrado, mesmo que ele próprio não

a aprecie. Essa noção de respeito à singularidade do outro torna-se muito importante em

espaços compartilhados, como é o caso da internação hospitalar, porque, sem esse respeito,

a convivência pode tornar-se fonte de angústia e conflito.

A MPB e o pagode, que é ligado ao samba, foram os estilos musicais mais citados

como sendo os preferidos pelos participantes da pesquisa e ambos são expressões da

identidade brasileira, sendo mesmo em diferentes épocas símbolos de resistência cultural.

Moura (2004, p.55) se refere a essa resistência ao citar Muniz Sodré que afirma: “samba é

o meio e o lugar de uma troca social, de expressão de opiniões, fantasias e frustrações, de

continuidade de uma fala (negra) que resiste à sua expropriação cultural”.

8
Música composta por Renato Russo.
72

Um dos pagodes pedidos pelos participantes das visitas musicais, ‘Coisa de Pele’9,

interpretada por Jorge Aragão, refere-se a essa identidade popular do samba: “Resiste

quem pode, à força dos nossos pagodes.../Arte popular do nosso chão/É o povo que produz

o show e assina a direção”.

A MPB, que atualmente abrange diferentes formas de expressão musical, tem sua

origem calcada na canção pós-bossa nova com influências do samba e foi bandeira de luta

do movimento estudantil na década de 60 e 70 (DOURADO, 2004).

Vianna (2004) faz uma interessante afirmação sobre o rock brasileiro dos anos 80,

afirmando que o mesmo não podia ser considerado nacionalista ou patriota, pois suas letras

refletiam ironia e desencanto com a realidade brasileira, que como já foi apontado, tem

ressonância com a maneira de ser de Fernando (1).

Já o samba tornou-se a ‘música nacional’ a partir da construção feita em conjunto

por grupos sociais diferentes que buscavam uma unidade. Tornou-se um símbolo nacional

assim como a mulata, sendo o estilo musical mais próximo da realidade brasileira ao

expressar os sentimentos e o cotidiano de grande parte de pessoas.

A preferência da maioria dos participantes por estes dois estilos musicais, MPB e

pagode revela sua importância na elaboração das narrativas biográficas dentro de um

determinado contexto. Wazlawick (2004) afirma que a música é vivida no contexto social e

histórico, localizado no tempo e espaço, na dimensão coletiva onde pode receber

significações que são partilhadas socialmente.

A escolha musical de alguns participantes das visitas musicais não se restringiu ao

seu estilo preferido, o que mostra que a singularidade de cada um é multifacetada e

complexa, sendo influenciada pelo momento, conforme relatou Charles (2): _ “[...] A

música é muito estranha... A música tem seus momentos... Tem momento que eu quero

9
Música composta por Jorge Aragão e Acyr Marques
73

ouvir forró... Tem momento que eu quero ouvir pagode, tem momento que eu quero ouvir

MPB... Não tem dia certo, entendeu? Tem momento que eu escuto música evangélica...

Não é assim: _ “Ah, eu gosto de pagode”... Não, tem dias que eu quero ouvir outra coisa...

A música é muito...”.

A partir do seu discurso, penso que seja importante enfatizar a observação atenta

do profissional de saúde sobre o momento vivido pelo cliente. Ou seja, mesmo que seja de

sua preferência, determinado estilo musical pode não ser o mais adequado em algumas

circunstâncias. Assim, não basta conhecer o seu gosto musical, é importante estimular a

expressão do seu desejo naquele momento.

A subjetividade de cada um pode ser influenciada por fatores internos e externos.

Entre os internos encontra-se a situação de fragilidade provocada pela internação

hospitalar, que pode ser responsável, por vezes, pela escolha das músicas, a exemplo

daquelas de natureza religiosa, na busca de conforto para seus temores, como ocorreu com

Jader (1), Zito (2) e Geraldo (3).

Algumas vezes a escolha pode recair sobre outro estilo musical que pode expressar

melhor os sentimentos dos clientes naquele momento, como no caso de Charles (2) que

disse não gostar de rock, mas escolheu a música ‘Será’10 interpretada pelo grupo Legião

Urbana. Em outro trecho, esta música diz: “Nos perderemos entre monstros da nossa

própria criação/ Serão noites inteiras com medo da escuridão/ Ficaremos acordados

pensando em alguma solução/ Prá que esse nosso egoísmo não destrua nossos corações/

Será só imaginação...”. É provável que essa música expressasse melhor a sua angústia,

provocada pela longa internação e por suas dúvidas em relação ao seu diagnóstico.

A influência dos fatores externos pode se dar a partir do compartilhamento da visita

musical com outros companheiros internados, como ocorreu com Renato (1), que na

10
Música composta por: Renato Russo, Marcelo Bonfá, Renato Rocha e Dado Villa Lobos.
74

primeira visita estava sozinho no quarto e escolheu pagode, estilo ao qual se referiu como

sendo o preferido. Na segunda visita, estando com um companheiro de enfermaria que

escolheu músicas religiosas, ele aderiu a esse estilo solicitando-o também.

Paulo (3) e Denis (3) também escolheram músicas diferentes do estilo que haviam

declarado inicialmente por influência dos companheiros de quarto que tinham um gosto

musical diverso. A influência externa pode estimular o desejo por músicas que não seriam

a sua escolha preferencial, mas que podem fazer parte do universo sonoro do cliente, sendo

mais adequadas à sua situação no momento da escolha, por motivos pessoais, ou somente

por desejar integrar-se ao meio.

Nesse ínterim, o que quero destacar é o fato de que as visitas musicais, além de

utilizarem a música como recurso terapêutico, reúnem também outros elementos que as

qualificam como uma estratégia eficaz e eficiente de cuidado. Isto porque, além de

promoverem a manutenção ou o resgate da autonomia do cliente ao garantir seu direito de

escolha ou opção musical, considerando seus diferentes momentos e contextos, também

potencializam a interação humana calcada na solidariedade e no respeito mútuos.

A escolha da música em determinado momento está vinculada ao significado que

foi construído pela pessoa ao longo da vida. Esse significado pode ter se constituído a

partir de uma construção pessoal ou social e possui estreita ligação com o estilo de vida de

cada um, nos diversos contextos em que convive. Para Wazlawick (2004), esses

significados atribuídos à música não são únicos nem rígidos, mas têm a possibilidade de se

modificarem acompanhando o movimento do sujeito, permitindo uma relação dialética

com o mesmo. Como a música está inserida em várias atividades que envolvem o sujeito,

múltiplos significados podem decorrer destas interações.

Assim, é importante destacar que as biografias musicais não são estáticas, mas

evoluem de acordo com as mudanças que ocorrem no cotidiano de cada um. Esse fato é
75

exemplificado por Charles (2) ao justificar sua opção nas visitas musicais: _ “[...] Eu era

funkeiro, era só funkeiro... Aí eu comecei a fazer teatro, e no teatro escuta muita MPB...

Lenine, Cássia Eller.... Aí eu comecei a gostar de Lenine, Cássia Eller e MPB [...]”.

Para Charles (2) as próprias visitas musicais podem despertar mudanças no gosto

musical pelo contato com estilos diferentes, o que pode ser observado no seguinte trecho

dialógico ocorrido no interior da dinâmica “corpo-musical nº 02”:

Charles: _ “[...] O Ricardo (3), lembra do Ricardo? Ele tem um gosto de música

completamente diferente da gente, e a gente fica zoando chamando ele de careta... Aí,

depois que você começou a tocar, eu comecei a reparar que as músicas não são tão

caretas... A letra, da música dele, que tava ouvindo... Qual foi a música?

Eu: _ Uma música do Roupa Nova. A música é ‘Anjo’11.

Charles: _ Roupa nova, que é o maior musicão, e eu fiquei rindo do cara,

entendeu? De certa forma, na Ortopedia é um quarto para duas pessoas, então às vezes a

pessoa curte tipo... Eu curto pagode, eu curto de tudo, entendeu? Mas vamos dar um

exemplo, eu curto pagode e o cara não gosta de pagode, porque ele não teve oportunidade

realmente de ouvir pagode, entendeu? [...] Aí vai, ele escuta e tem a oportunidade de

conhecer e gostar da música também [...]”.

O próprio Ricardo (3), que toca violão e já participou de um grupo de pagode, a

partir das visitas musicais também refletiu sobre a possibilidade de ampliar seu gosto

musical: _ “Curto tudo, gosto de pagode, samba, mas não tenho nada contra outro estilo,

eu escuto também... Apesar de que a gente devia ouvir tudo, né? O que eu errei foi que eu

só busquei um estilo musical, imagino que a gente tem que tocar tudo, né? Para não ficar

só naquela rotina de samba e pagode...”.

11
Música composta por Renato Correa, Dalto e Cláudio Rabelo e interpretada pelo grupo ‘Roupa Nova’.
76

Esses relatos nos apontam outra influência da modernidade alta sobre a auto-

identidade, que segundo Giddens (2002, p.25), é a reflexividade. Para ele, a reflexividade

se refere à “suscetibilidade da maioria dos aspectos da atividade social, e das relações

materiais com a natureza, à revisão intensa à luz de novo conhecimento ou informação”. O

Eu se torna um projeto reflexivo e tem que ser explorado e construído como parte de um

processo de conexão entre mudança pessoal e social. Assim, como apontam Charles (2) e

Ricardo (3), a própria visita musical proporcionou a oportunidade para descobrir o novo e

a partir daí promoveu o auto-conhecimento e até a mudança.

Identidade é um processo subjetivo que é construído a partir de um modelo pessoal

acerca de quem queremos ser e a qual meio queremos pertencer. Concordo com Ruud

(1998) quando afirma que para criar esse modelo é necessário o contato com outras

pessoas que vão “espelhar” as estruturas e significados que compõem o nosso Eu. Nossos

relacionamentos representam um importante papel na construção da nossa identidade.

Mesmo que uma parte dessa identidade seja diferenciada, é ao mesmo tempo uma

integração de contextos relacionais que moldam, conectam e criam oportunidades para a

mudança.

Giddens (op.cit, p.207) afirma que como o Eu, o corpo não pode ser mais tomado

como uma entidade fisiológica fixa, mas está profundamente envolvido na reflexividade da

modernidade. Para o autor, “penetrados pelos sistemas abstratos da modernidade, o Eu e o

corpo tornam-se os lugares de uma variedade de novas opções de estilo de vida”. Questões

importantes da vida estão centradas nos direitos da pessoa que, por sua vez, se ligam às

dimensões da auto-identidade.

Deste modo, a singularidade do sujeito está ligada diretamente à sua autonomia, às

suas escolhas. Durante a discussão grupal no âmbito da dinâmica Corpo-Musical nº 01, o

direito da escolha musical pelos clientes nas visitas musicais e a importância dessa escolha
77

para o resgate de lembranças relacionadas à sua narrativa biográfica pode ser evidenciado

nesse trecho dialógico:

Jader (1) reafirmou metaforicamente: _ “Porque, se eu escolher assim uma música

que me fez mal... eu não vou me sentir bem... Agora, se eu ouvir uma música que eu na

hora estava morando na felicidade, na alegria, assim eu gosto.

Eu: _ O que vocês acham do que ele falou?

Elisa (1): _ Eu concordo com ele! Se você já está aqui nesse lugar, é muito difícil

muita coisa, né? Aí você tá aqui e vai pedir uma música que te lembrou uma tristeza... Aí

fico... pior, né ? (riu)”.

A escolha da música pelo cliente nas visitas musicais estimula que ele expresse a

sua subjetividade, garantindo sua autonomia e sua participação ativa nessa estratégia de

cuidado. Jader (1) ampliou essa questão nesse trecho, quando afirmou: _ “No meu caso

assim, por exemplo, se vocês vão lá, eu prefiro escolher uma música de uma coisa que eu

passei de alegria, que eu me senti feliz naquela música... Eu prefiro assim uma coisa mais

produtiva”.

A palavra ‘produtiva’ utilizada por Jader (1) pode trazer um sentido que abrange as

finalidades para as quais as visitas musicais são empregadas junto ao cliente. Nesse

sentido, se a intenção é trazer-lhe conforto e bem-estar, é importante partir do seu universo

sonoro, e não do nosso, profissionais, pois somente o cliente sabe qual música naquele

momento vai lhe trazer lembranças agradáveis ou significativas, ou seja, vai ser

‘produtiva’, a partir do seu referencial de vida e de suas necessidades. Nesse momento, ele

se torna sujeito do cuidado ao ser respeitada sua singularidade através da expressão

musical. Assim, as visitas musicais tornam-se uma estratégia e a música um recurso do

cuidado humano porque resgatam no sujeito a sua condição humana.


78

Watson (1996) ressalta a importância de valores não-paternalistas relacionados ao

respeito que possibilita o crescimento e a mudança dos seres humanos, garantindo sua

autonomia e sua liberdade de escolha. Para a autora, esses valores buscam preservar a

pessoalidade e a dignidade humanas em um nível pessoal e global. A partir das discussões

realizadas durante as dinâmicas ‘corpo-musical’, ficou evidenciado que a visita musical

promove a criação de recursos próprios pelos clientes internados que buscam assim alterar

a sua realidade através do crescimento pessoal e do exercício da sua autonomia.

Na dinâmica corpo-musical nº 1, Elisa relatou que a visita musical lhe fez tão bem

que ela gravou a música escolhida ‘Estou apaixonado’12 no próprio celular e escutou à

noite, embalando-se para dormir. O refrão dessa música se refere à saudade, que era o

sentimento recorrente de Elisa durante a internação: “Estou apaixonado / este amor é tão

grande/ Estou apaixonado/ e só penso em você a todo instante”. Essa ação trouxe-lhe

conforto, diminuindo a angústia que sentia por estar sozinha em um ambiente

desconhecido.

Charles (2) também se referiu à criação de recursos próprios estimulados pelas

visitas musicais: _ “[...] E essa música, você vê o Fernando (1), já trouxe violão, aí a

gente fica tocando lá, fica parecendo até um luau, parece que a gente está na praia!

(Falou com muito prazer)[...] Então foi uma coisa que não foi só... A gente não espera só a

presença de vocês, a gente já está começando a se virar com a gente mesmo, porque é tão

pouco tempo, então a gente começa a se virar com as nossas próprias mãos.

Um movimento de transformação ocorreu com Ricardo (3) devido à sua

participação nas visitas musicais, conforme foi relatado pelo seu companheiro de

enfermaria, Denis (3): _ “É tipo assim... A primeira vez que vocês foram lá no quarto, eu e

Ricardo (companheiro de quarto) ficamos mudinhos e vocês tocando... Agora, depois de

12
Versão musical da dupla sertaneja João Paulo e Daniel interpretada por eles próprios.
79

um tempo a gente já tá falando, já tá cantando, tá desafinado, mas tá cantando, tá ligado...

O Ricardo já está tocando, dá prazer... No primeiro dia ele: _ “Pôxa, tocar não sei o quê

não sei o que lá...”. No outro dia já tava tocando...

Na primeira visita, Ricardo (3) mostrou-se bastante mobilizado, cantando junto, e

ao final ele relatou ter tocado em um grupo de pagode, porém abandonou o violão em

função do acidente que havia prejudicado seu braço. Na segunda visita, sugeri que ele

tocasse o violão, e após alguma insistência ele acompanhou o grupo tocando os pagodes

que estavam na nossa pasta de música. Na terceira visita, ele prescindiu da pasta e tocou

músicas que ele aprendera no tempo em que acompanhava o grupo de pagode, mostrando-

se entusiasmado a ponto de falar em comprar novamente um violão para voltar a tocar.

As participações nas visitas musicais melhoraram a auto-imagem de Denis (3) e

Ricardo (3) e ampliaram o seu auto-conhecimento, fazendo-os descobrir ou redescobrir o

seu potencial. Para Denis (3) foi a chance de cantar com prazer e repensar na possibilidade

de aprender a tocar violão. Para Ricardo (3), foi refletir acerca de voltar a tocar violão e

constatar o quanto esta atividade ainda lhe trazia prazer.

Na dinâmica Corpo-musical nº 1, Renato, durante a discussão grupal, se referiu à

influência da música no resgate de lembranças latentes, associando-as ao estilo de música

que prefere, o pagode. Isso ficou evidenciado a partir do diálogo iniciado por mim: _

“Quando você escutou a música lembrou de coisas que aconteceram no passado?”

Renato: _ “Não só em relação ao meu namoro perdido, mas também em relação

assim... à minha família, os problemas de casa... entendeu? Alguma coisa assim que já

aconteceu... Eu sempre gostei de pagode, uma música que sempre mexeu comigo, uma

música que me faz lembrar de coisa boa... É isso”.

A expressão ‘mexer’ utilizada por Renato revela a dimensão emocional envolvida

no resgate dessas lembranças estimuladas no contato com a música. Ruud (1998) aborda a
80

conexão entre os sentimentos e o sentido do Eu. Os sentimentos são um sistema de

informação sobre como a pessoa se sente no mundo e como o corpo se adapta à situação, é

uma parte importante da auto-consciência. A música facilita a auto-consciência, pois

desperta lembranças afetivas. Aquilo que lembramos está ligado à emoção; quando

falamos sobre a música que apreciamos, falamos sobre nossos valores, o que é importante

para nós mesmos.

Através da escolha musical o cliente tem a possibilidade de lembrar de fatos que

fazem parte de sua narrativa de vida, e ao relembrar esses fatos, sente-se fortalecido.

Lembrar de ocorrências positivas e, ao mesmo tempo, esquecer ou ressignificar as

negativas, inclusive aquelas relacionadas à sua experiência na hospitalização, foi outro

subtema trazido pelos clientes, participantes das dinâmicas: “lembrar e esquecer: processos

da memória estimulados pelas visitas musicais”.

. Lembrar e esquecer: processos da memória estimulados pela visitas musicais

Durante o processo de codificação temática, Renato (1) e Paulo (3) referiram que as

visitas musicais os levaram a lembrar, respectivamente, do término de um namoro e da

mãe preocupada. Já Leandro (3) reportou-se ao falecimento recente de sua avó, lembrança

que foi estimulada a partir da música clássica utilizada para induzir o relaxamento durante

a dinâmica, justificando assim a intensa mobilização emocional provocada por este

estímulo nesse participante, fato que será esclarecido posteriormente.

Outros participantes das dinâmicas durante a descodificação produzida na discussão

grupal, também se referiram ao resgate de memórias latentes a partir das visitas musicais. _

“Vem na lembrança... que a gente tá pensando. São coisas assim... coisas que passaram

que pôxa mexeu muito com a gente... Um lado bom, assim, na nossa convivência... Foi
81

bom o que passou, e agora que a gente passa por momentos difíceis assim... queria

voltar...” Marcos (1).

Em seguida, perguntei a Marcos (1), se lembrar lhe fazia bem. Ele respondeu: _ “É

lembrar do que passou... No caso se a gente estiver... num momento assim, se você está

passando por um momento muito difícil, aí a lembrança do que a gente passou, do que foi

bom pra gente... A gente pensa aquilo, naquele tempo era assim, eu não tinha isso...

Agora, a gente tem que esperar”.

As visitas musicais como estratégia de cuidado pode revigorar a lembrança de

situações de prazer, estimular a força em momentos de conflito e o triunfo nas

adversidades. Assim, os fatos da vida cotidiana podem ser ativados por canções que trarão

a sensação/sentimento de vitalidade, importante para a reconquista do equilíbrio e da auto-

estima em situações de doença. As lembranças evocadas pela música em situações

especiais podem ser um “objeto do Eu” (Ruud, 2003), uma construção subjetiva que nutre

a pessoa, tornando-a forte para enfrentar momentos de adversidade.

Esse sentimento de vitalidade pode ser ilustrado na escolha musical de Marcos (1)

na visita musical: ‘Azul da Cor do Mar’, composta e interpretada por Tim Maia, que diz

em um trecho: “Mas, quem sofre sempre tem que procurar/ pelo menos viajar,/ razão para

viver./ Ver na vida algum motivo pra sonhar,/ ter um sonho todo azul,/ azul da cor do

mar”.

Para Marcos (1) lembrar de momentos bons que, segundo ele, “mexeram”,

relacionados ao cotidiano ou a fatos que pontuaram sua história pessoal de forma

significativa, podem fazer diferença em um momento difícil como o da internação

hospitalar. Leandro (3) reforçou que as visitas musicais lhes trouxeram lembranças

agradáveis: _ “Esse tipo de música que o pessoal pede prá cantar, na hora que ouve assim,

me faz lembrar só momento bons, é só momento bom”.


82

Encontro ressonância desses aspectos com a pesquisa realizada por São Mateus

(1998) quando sinalizou a música como facilitadora na relação enfermeiro-cliente em

casos de sofrimento psíquico. Além da sensação de bem-estar, ela aguça lembranças

ligadas a fases da vida, a fatos do cotidiano, à cultura religiosa e à afetividade.

Durante sua produção artística no interior da dinâmica de criatividade e

sensibilidade, Paulo (3) também se referiu à lembrança de sua mãe e solicitou que sua

resposta fosse colada na região do coração: _ “Emoção; lembrança da mãe; vontade de

ficar curado do braço”.

Há uma possível ligação entre esta lembrança e um fato ocorrido anteriormente

naquele mesmo dia, que foi relatado por Leandro (3), companheiro de enfermaria de Paulo

(3): _ “No caso dele (referindo-se à Paulo) o lance dele é o pai dele, a mãe dele também

hoje andou chorando e tal... Afastado da família por um tempo por problemas também em

casa...” (refere-se ao fato de ele morar no quartel porque a família é da Região dos Lagos).

O choro da mãe de Paulo (3), aliado à sua preocupação com o braço podem te-lo

mobilizado de tal forma que parece justificar o seu retraimento durante a dinâmica e o

surgimento da lembrança da mãe durante o momento da produção.

Denis (3) ao escutar a música utilizada com o intuito de estimular o relaxamento e

trazer o foco para o tema a ser discutido na dinâmica, a relacionou à perda de sua avó,

mostrando-se bastante emocionado durante a codificação de sua produção artística: _ “Esta

música me fez lembrar da minha vó, que faleceu no ano passado. Minha avó não gostava

de nenhum estilo de música, ela só gostava do estilo clássico. Me fez lembrar de tudo o

que ela fez por mim”.

Essa lembrança revelou-se muito mobilizadora, pois a partir do estímulo da música

clássica no relaxamento, ele, ao contrário de Paulo (3), mostrou-se muito mais

comunicativo na dinâmica do que durante a sua participação nas visitas musicais. E a partir
83

disso, pôde, durante a descodificação no processo de discussão grupal, expressar a sua

perda, reafirmando a importância dessa lembrança na sua vida atual: _ “[...] eles nunca

tiveram um sofrimento na vida, como perder um parente... E a minha avó para mim, prá

mim eu conto como se ela fosse uma mãe, ela me criou, minha mãe trabalhava... E me

criava também... Mas para mim, eu sentia minha avó como se fosse a minha mãe, uma

segunda mãe, no caso... Então quando toca essas músicas, qualquer coisa que me faça

lembrar dela, me toca o coração, me dá saudade... Relembro muito dela e o que ela fazia

por mim...”

Concordo com Wazlawick (2004), quando a mesma considera que os jovens

começam a formar sua bagagem musical com suas vivências musicais no ambiente

familiar, apropriando-se delas como constitutivas de sua subjetividade. Para Denis (3), a

música clássica está ligada à lembrança de sua avó e ele pôde expressar sua subjetividade,

revivendo essa lembrança através da dinâmica Corpo-Musical..

A importância das lembranças para a recuperação da saúde também foi abordada

por Dobbro (1998) que ao pesquisar a influência da música sobre a dor observou outros

aspectos que também sofrem sua influência, sendo inclusive quantitativamente superiores à

diminuição da dor. Entre os aspectos mais citados estavam o estado de ânimo e bem estar,

relaxamento, fantasias através de visualização, lembranças e introspecção. Esta constatação

levou a autora a refletir sobre a utilização da música não somente em indivíduos com dor

crônica, mas também, em outras situações clínicas devido à possibilidade holística da

assistência e por ser um instrumento fortalecedor da relação enfermeira-paciente.

Charles (2) se referiu a lembranças boas que a visita musical evoca: _“[...] Às vezes

tem música que também que... que vocês tocaram, que eu lembrei de momentos de quando

eu estava bom, da lembrança, da saudade, da... O tempo passa mais rápido!”.


84

O dito e o não dito do discurso de Charles anuncia que a música ao proporcionar o

resgate de lembranças positivas, funciona também como ‘válvula de escape’ ou ‘linha de

fuga’, na linguagem guattariniana (1996) na medida em que, mudando o foco da atenção,

“o tempo passa mais rápido”. Nestes termos, a visita musical possibilita não somente o

resgate de lembranças ligadas à nossa história pessoal e familiar, como também

proporciona a mudança de foco da doença para a saúde (BERGOLD; SOBRAL, 2003).

Essa mudança de foco estimula o ‘esquecimento’ das situações que trazem

ansiedade, relacionadas à internação hospitalar, promovendo bem-estar. Podemos observar

também a ocorrência disso na dinâmica ‘Corpo-Musical nº 03’:

Paulo (3): _ “[...] É bom porque dá uma relaxada, a gente consegue esquecer um

pouquinho...”.

Leandro (3): _ “A sensação... Eu fico... Passa a semana e eu fico pensando assim: _

Poxa, será que eles vão vir hoje, vão vir amanhã... Porque distrai a mente, foge da

realidade de estar no hospital, viu? Está ali naquele momento, todo o mundo brincando,

rindo, nem penso que eu estou... Que aconteceu esse acidente comigo nem nada...

Geraldo (3) entra no diálogo e conta sua experiência: _ [...] “Isso aconteceu

comigo, naquele dia, eu estava sentindo dores na perna... Eu sinto muita dor, né? Naquele

dia que a senhora chegou, cantando, a minha dor sumiu! Esqueci a dor naquela hora...

Fiquei emocionado[...]. E aí nessa hora vocês chegaram cantando... Aquela dor que eu

sentia... Eu melhorei bastante, entendeu?”

Posteriormente, durante a discussão grupal, Geraldo também relatou que além da

dor, a sua angústia também diminuiu quando, durante a visita musical, ele pôde escutar

músicas religiosas que o fizeram, por um lado, recordar-se de sua casa e, por outro,

esquecer-se dos seus problemas relacionados à internação.


85

Fernando (1), durante a discussão que ocorreu na primeira dinâmica, já havia

apontado a mudança de foco a partir das visitas musicais: _ “ [...] Faz você não pensar só

naquilo, a preocupação de você querer operar, de querer ficar bom logo... A música

influencia nisso tudo”.

A relação entre o lembrar e o esquecer estimulados pela visita musical pode auxiliar

a diminuição da ansiedade e a promoção do bem-estar, como exemplificado pelos dizeres

de Zito (2): _ “É, faz esquecer os problemas, as coisas negativas, né? Mas nos faz lembrar

de coisas assim... Que nos alegra, né? Às vezes, são problemas que passa na mente... Tudo

bem, depois passa ali aquele momento (referindo-se à visita musical), é como se

neutralizasse, né? Neutralizasse... o problema [...]”.

A mudança de foco promovida pela visita musical também foi apontada numa

pesquisa realizada em um Hospital Oncológico da cidade do Rio de Janeiro que tinha por

objetivo avaliar os efeitos do Projeto Encanto (CHAGAS; GAZANEO; AGUIAR, 2004).

Esse projeto foi iniciado com o objetivo de promover a humanização hospitalar a partir da

atuação de uma equipe de músicos e musicoterapeutas junto a clientes internados. A

pesquisa foi realizada com enfermeiros e assistentes sociais que estiveram presentes

durante a audição musical, e estes constataram que, além de relaxar, a música oferece uma

possibilidade de o cliente se distrair.

Os profissionais participantes da referida pesquisa também refletiram que a música

contribui para aumentar a capacidade de enfrentamento da internação hospitalar por

estabelecer uma lógica de cuidados inserida na saúde e não na doença. Assim, ao resgatar

suas lembranças, os clientes não as situam no âmbito do hospital, mas no seu cotidiano.

A pesquisa realizada por Leão e Silva (2004), com o objetivo de conhecer o

potencial evocativo de imagens mentais a partir da audição musical para auxiliar na

diminuição da dor, aponta que o alívio também estava relacionado à distração e alteração
86

do foco perceptual dos participantes, além da liberação de endorfinas e do relaxamento. À

medida que a música desvia a atenção do que incomoda, seja dor, ansiedade, medo ou

outro problema, ela pode proporcionar alívio e relaxamento que afeta o corpo de um modo

geral.

Assim, cabe esclarecer que este estudo não tem a intenção de analisar os efeitos da

música sobre a dor, até porque, teríamos que possuir outros parâmetros de análise que não

foram previstos nos objetivos desta pesquisa. Nesse sentido, o que cabe aqui considerar é o

fato de que, segundo os sujeitos da pesquisa, as visitas musicais contribuem para a

mudança no foco de atenção, seja relacionado à dor no seu corpo físico ou emocional, ao

ambiente hospitalar, ao seu quadro clínico, ou a qualquer outra natureza.

Nesse contexto, sobre o trabalho que desenvolvo junto a clientes hospitalizados,

tenho observado que os efeitos positivos da música se potencializam nas visitas musicais,

abrindo espaço para que o cliente compartilhe seus sentimentos e reações em relação à

experiência vivenciada.

Charles (2) também se referiu a esse processo de desviar a atenção do que traz

sofrimento através da visita musical: _ “[...] Só que quando chega a música, ela dá uma

pausa... Quando ela vai embora, continua a depressão de novo”.

Mas a alteração do foco perceptual através de um estímulo musical não é somente

um mecanismo de ‘fuga’ ou uma ‘pausa’ no sofrimento, a que se referiu Charles (2). Ela

pode ser um momento de contato do cliente com sua subjetividade e/ou um momento de

reflexão sobre os acontecimentos que influenciam sua vida nesse momento, conforme

enunciado por Zito (2), durante a discussão grupal refletindo sobre o dito por Charles (2).

Para ele, esse processo reflexivo proporcionado pela visita musical perdura mesmo após o

seu término: _ “[...] Às vezes, a música assim, talvez eu não concorde muito com o

Charles: _“Acabou, vai embora!”. Não, ainda fica um tempo, fico meditando...”.
87

A possibilidade de reflexão viabilizada pela visita musical também foi ressaltada

por Jader (1) que, inicialmente salientou o efeito da visita localizando-a na região da

cabeça: _ “boa para a cabeça, prá parar e pensar mais’. Posteriormente, durante a

explicação individual, articulou essa reflexão a outro efeito - o de ajudar a esquecer os

problemas: _ “Eu acho que é boa para esquecer assim... muitas coisas, muitos problemas

[...].vai fazer a gente refletir sobre as coisas”.

Na sua produção, Ricardo (3) também se referiu à influência que a visita musical

produziu em sua forma de pensar:_ “Foi uma forma relaxante, em que a mente esvazia

todas as tensões exercidas sobre ela, em que o corpo se moderniza em pensamentos

melhores”. Nesse discurso, Ricardo cria uma metáfora relacionando o ‘esvaziamento das

tensões’ com pensamentos melhores.

A pesquisa realizada por Wazlawick (2004) constatou a partir das narrativas de

jovens em suas histórias de relação com a música, que as canções que sublinham e

destacam muitas de suas vivências estão carregadas de características subjetivas, ou seja,

de seus sentidos. Para a autora, a própria canção permite compreender as emoções

provenientes de suas vivências, dando nome e significado às mesmas, sendo possível por

meio delas experimentar informações acerca da realidade vivida e a busca na compreensão

deste vivido.

Dois participantes da dinâmica ‘Corpo-Musical nº 03’ também se referiram a esse

momento de introspecção propiciada pela visita musical, descrevendo-o como ‘pensar’ ou

‘viajar’:

_ “[...] Estranho, né? Você entra naquele ritmo ali, eu fico viajando aqui, daqui a pouco

vocês vão embora, mas eu fico pensando, fica na mente...” Leandro (3).

_ “[...] E aí vocês vão lá no quarto e eu fico viajando com vocês tocando... A música... E

você cantando... Maneiro prá caramba!” Denis (3).


88

Os discursos parafrásticos e metafóricos dos participantes das três dinâmicas

mencionadas evidenciaram que a visita musical promove a integração entre os

pensamentos e as emoções. A viagem a que se refere Denis (3), é uma viagem para dentro

de si, um movimento de busca interna que surge a partir da mobilização da emoção e que

mobiliza todo o corpo. Assim, no processo de codificação no âmbito das dinâmicas de

criatividade e sensibilidade, outro subtema é anunciado: “as visitas musicais facilitam a

expressão das emoções promovendo a integridade do sujeito”.

. As visitas musicais facilitam a expressão das emoções promovendo a integridade

do sujeito

Fernando (1) e Elisa (1), participantes da dinâmica ‘Corpo-Musical nº 01’,

escolheram a região do peito para colar os seus adesivos. Ambos se mostraram bastante

emocionados durante a discussão grupal. O primeiro, ao falar das filhas e, de maneira

enfática e algumas vezes até expressando sentimento de raiva nos momentos em que

criticava a atuação da equipe de saúde. Já Elisa chorou mais de uma vez quando se referiu

aos filhos. O peito, localizado na região do tórax, onde reside o coração, é o centro das

emoções (WEIL; TOMPAKOW, 2004). Nesse sentido, Fernando (1) e Elisa (1) ao

localizarem sua produção nessa região, evidenciaram nessa escolha a forma como foram

mais afetados pelas visitas musicais.

Fernando (1): “_ [...] a música alivia um pouco a tensão e a agonia de estar apenas

deitado. A saudade dos meus filhos, e... Resumindo, a dor no peito de estar enfermo. Te

traz mais alegria quando há música na enfermaria”. De maneira semelhante, Elisa

expressou o que sentiu durante a visita musical: “_ Estava horrível, triste, chorei. Depois

da música, senti uma felicidade e melhorei”.


89

É importante ressaltar a importância da expressão das emoções no momento das

visitas musicais. A emoção13, surgida nesse momento de encontro entre clientes e

participantes da equipe da visita musical, foi considerada agradável, segundo os discursos

dos sujeitos, facilitando o estabelecimento da comunicação e interação entre estes.

Concordo com Maturana (1998) quando aponta o componente da emoção como

fundamental no ser humano. Segundo ele, toda ação humana se dá a partir de uma emoção;

nada ocorre deslocado dela. Para o autor (2001, p.129), “as emoções são disposições

corporais dinâmicas que especificam os domínios de ações nos quais os animais, em geral,

e nós seres humanos, em particular, operamos num instante”.

No que se refere ao elo existente entre a emoção e a música, Ackerman (1996)

relata que a música comporta-se de forma tão semelhante às nossas emoções, que

freqüentemente, parece simbolizá-las. Nesse sentido, a significativa identificação de

Fernando (1) e Elisa (1) com a música pode estar ligada às suas características emotivas.

Para eles, as visitas musicais estavam relacionadas ao alívio da tensão, representada na

região do peito (local do coração), o que resultava em alegria e felicidade:

Sobre a relação entre música, emoção e corpo, Milleco Fillho, Brandão e Milleco

(2001, p.106) afirmam que:

A música, como atividade vibratória organizada, afeta o corpo de duas


maneiras: objetivamente, como efeito do som sobre as células e os órgãos;
e subjetivamente, agindo sobre as emoções, que por sua vez, influenciam
numerosos processos corporais. Temos aí um modelo de retroalimentação,
onde o organismo influi nas emoções e as emoções influem no organismo.
Estudos comprovam que a atividade muscular, a respiração, a pressão
sanguínea, a pulsação cardíaca, o humor e o metabolismo, são afetados
pela música e pelo som.

13
Segundo o vernáculo (FERREIRA, 1999) a definição (Psicol.) de emoção é: reação intensa e breve do
organismo a um lance inesperado, a qual se acompanha dum estado afetivo de conotação penosa ou
agradável.
90

Alguns participantes da dinâmica ‘Corpo-Musical nº 3’ também relacionaram a

região do peito à saudade que sentiam da família ou de algum familiar em especial,

confirmando a correlação que os participantes fizeram entre emoção e coração. Um outro

aspecto abordado durante esta dinâmica foi a possibilidade de a música resgatar

lembranças que inicialmente poderiam despertar sentimentos relacionados à perda,

separação ou situações de ansiedade, como as descritas por Denis, Paulo e Geraldo:

Denis (3): _ “A minha avó, que faleceu o ano passado... Quando eu estava

angustiado com tudo... Toda vez antes de dormir ela botava uma música, sempre a música

clássica... Sempre a música... Ópera... essas coisas que acho que tem na rádio 98, coisa

assim... E ela veio a falecer o ano passado e isso me fez lembrar dela...” (referindo-se à

música clássica utilizada para fazer o relaxamento para a dinâmica).

Paulo (3): _ “[...] Eu estou pensando na minha mãe que também fica preocupada

com a operação no meu braço [...]”.

Para Paulo, a música o fez recordar a ansiedade da mãe e, por conseqüência, a sua

própria ansiedade em sair logo do hospital, mas, em seguida, ele se referiu ao seu dito

anterior: _ “Mas assim, a gente esquece um pouquinho o problema da gente, no caso, o

meu braço [...]”.

Geraldo (3): _ “Eu felizmente, no dia em que a senhora chegou lá, com o cabo,

cantando e animando, me senti emocionado... Sempre ouvi essas músicas que a senhora

cantou lá, emocionado, longe da família [...]. Tenho muita dificuldade e a gente pensa,

né? O pessoal me diz aqui, mas tenho muita coisa no coração, muita dificuldade, né?

Minha família... Será que vai dar certo [...]”.

Em algumas ocasiões, ao relatar minha experiência com as visitas musicais,

encontrei profissionais da área da saúde preocupados com a possibilidade de a música

estimular lembranças dolorosas que pudessem trazer desconforto ou tristeza aos clientes
91

internados. Durante a dinâmica ‘Corpo-Musical nº 3’, quando questionados se as visitas

musicais ao despertarem saudades traziam algum sentimento negativo, eles responderam:

Denis (3): _ “[...] É uma saudade gostosa de sentir [...]”. É a única coisa que eu

posso sentir, depois que a minha avó faleceu”. A partir do discurso metafórico de Denis

(3), pode-se observar que, para ele, a saudade despertada pelo som da música clássica

aproximava-o da figura da avó. Poder falar sobre isso durante as visitas musicais lhe

conferia sensação de prazer.

Geraldo (3) reiterou sua fala anterior confirmando o caráter integrador das visitas,

facilitadoras da expressão das emoções: _ “Porque... Enquanto eu fico aqui no hospital,

ficava só, em tristeza, aí vocês chegaram, começaram a tocar... Aí veio a emoção, alivia o

nó que eu sentia. Esqueço tudo, entende? Foi isso que eu senti”.

Apesar de os aspectos positivos vivenciados pelos participantes em relação às

visitas musicais serem os mais enfatizados nos seus discursos, Denis (3), em um discurso

ambivalente, ao mesmo tempo em que ressaltou na discussão grupal o seu contentamento,

também expressou sentimento de frustração que surgiu a partir dessas visitas: _ “Bom,

deixa eu falar... É um tipo de frustração porque eu sempre quis muito aprender a tocar

violão... Queria aprender a tocar qualquer coisa, qualquer estilo de som... Só que eu

nunca tive oportunidade! [...] E aí vocês vão lá no quarto e eu fico viajando com vocês

tocando... A música... E você cantando... Maneiro prá caramba!”

Em seguida, Denis (3), refletindo criticamente sobre o seu dito, em um movimento

de recodificação, reconheceu que fez outras escolhas: _ “É, não que eu tenha tentado

correr atrás prá aprender violão, mas aí eu preferi fazer outras coisas do que gastar

dinheiro comprando violão e fazer o curso e aprender... É um pouco de frustração, mas é

agradável quando vocês vão lá”.


92

Apesar da frustração, Denis (3) revelou sentir prazer na sua participação nas visitas

musicais, re-significando seu sentimento anterior, tornando-o positivo.

Jourdain (1998, p. 405) afirma que a música idealiza as emoções positivas ou

negativas, aperfeiçoando momentaneamente nossas vidas emocionais e conferindo

dignidade a experiências que freqüentemente estão longe de serem dignas. Para o autor, o

significado que atribuímos à música não está nela, mas em nossas próprias reações ao

mundo. E, ao conferir prazer mesmo em emoções aparentemente negativas, a música serve

para ‘justificar’ sofrimentos, assegurando que estes não foram em vão. Assim, “a música

serve para aperfeiçoar essas reações, para torná-las belas”.

Assim, sentimentos como medo, raiva e tristeza diminuíram a partir das visitas

musicais. Acerca do medo, Elisa (1) relatou: _ “[...] Eu estava com medo... Eles chegaram,

começaram a cantar, eu fiquei outra pessoa, fiquei outra pessoa! Já estava melhor, tava

ótima, né? [...]”.

Para Fernando (1) o sentimento mais evidente durante o seu discurso foi a raiva e

neste trecho ele ressaltou a importância da música sobre esta: _“Se isso já tivesse

acontecido (referindo-se às visitas musicais), agora, tipo de manhã nos nossos quartos...

Tivesse feito uma musicoterapia conosco, entendeu ? Ficaria uma coisa melhor do que tá,

porque a gente fica naquele negócio de raiva! Já tá internado aqui, quer descontar!”

Para Charles (2), a visita musical influenciou mais sobre a tristeza que ele

denominou de depressão: _ “[...] Indo ou não indo a depressão é contínua, ela é

contínua... Só que quando chega a música, ela dá uma pausa [...]”.

No âmbito do cuidado de enfermagem, a expressão de sentimentos, positivos ou

negativos, é considerada por Watson (1996) como um fator de cuidado. Para a autora tal

expressão melhora o nível pessoal de percepção além de facilitar a compreensão do

comportamento que é gerado a partir desses sentimentos. A expressão destes e a


93

conseqüente compreensão pode facilitar a comunicação e interação entre o cliente e a

enfermagem.

As pessoas que apresentam um comportamento de caráter mais emocional são as

mais afetadas pela música. Os participantes das dinâmicas que inicialmente apontaram a

região do peito ou do coração como a mais afetada, em sua grande maioria foram os que se

expressaram de forma mais ‘emocionada’.

Em diversos momentos do seu discurso, Geraldo (3) referiu-se à emoção provocada

pela música ao reviver momentos do passado, ligados a músicas católicas que ouvia com a

esposa. E também, por esquecer as dificuldades provocadas pela internação, como o

afastamento familiar, a incerteza da melhora e a dificuldade para obter esclarecimentos que

diminuíssem a sua insegurança. Esse sentimento de insegurança foi reforçado pela demora

na avaliação cirúrgica o que provocou uma internação prolongada.

Para Geraldo (3), a emoção sentida no momento da visita musical promoveu

também alívio, que se manifestou fisicamente, de forma perceptível para ele: _ “[...] Eu

respirei, senti forte a respiração [...]”. Em seguida, relatou diminuição da dor na perna e

alívio pelo processo de esquecimento e mudança de foco da atenção. Ao descrever o alívio

trazido pela música, Geraldo não se referiu somente à dor física, conforme ficou

evidenciado nesse trecho dialógico: _ “Da angústia também... É uma emoção muito

grande...”. Logo após, no movimento próprio do diálogo, outro participante, Ricardo (3),

complementou: _ “Sente aliviado no corpo, é relaxante...”. Ao evidenciar a emoção, a

música trouxe alívio e relaxamento, tanto no âmbito físico como psíquico.

Charles (2) também destacou essa sensação de alívio que a música promove, re-

significada por ele como desabafo: _ “Eu acho que... Eu acho que a música... Ela é um

momento de desabafo! [...]”.


94

E ele aprofundou essa idéia quando posteriormente relacionou o desabafo com o

canto, ou seja, com a possibilidade de se expressar de forma viva e ativa: _ “[...] As

pessoas ficam meio com vergonha de cantar e participar; e a questão da música é boa, ela

se torna um desabafo porque você canta também, entendeu? Não pra você só ouvir...

Agora quando você só escuta, dá efeito também, mas não dá o mesmo efeito que você

cantar [...]”.

Desse modo, ao mesmo tempo em que evoca a participação dos clientes,

considerando o seu gosto e escolha musicais, inclusive dando-lhe a opção de cantar, caso

seja de sua vontade, as visitas musicais também promovem o estabelecimento de um

relacionamento de ajuda-confiança (Watson apud Talento, 2000), transformando-se em um

‘momento de desabafo’, como o dito por Charles (2).

Nesse aspecto, encontro ressonância em Wazlawick (2004) que considera a música

como um veículo para a auto-expressão emocional. A autora afirma que a música

equilibra, renova, permite o desabafo e que através deste facilita a articulação entre

emoção e pensamento, promovendo a construção de significados singulares a partir dos

fatos ou acontecimentos objetivos nos quais o indivíduo está envolvido. Esse ‘pensamento

emocionado’, prossegue a autora (op. cit.), permite compreender as ações e emoções

envolvidas nestes acontecimentos.

Durante a discussão grupal ocorrida na dinâmica ‘Corpo-Musical nº 2’, dois

participantes conceberam a visita musical como mobilizadora da alegria. Charles falou

entusiasmado: _ “Eu acho que a profissão da senhora... Eu queria ter, só para dar

alegria... Acho legal!”. Para Zito (2) é um momento de transformação: _ “Esse tipo de

trabalho, com música... É o que eu falei, é aquele negócio, às vezes, a pessoa está

chorando de tristeza, no momento em que vem a música, a pessoa passa a chorar de

alegria. Isso converte, né...”.


95

Ambos relacionaram o sentimento de alegria à visita musical. Segundo Maturana

(1998, p.98), “as emoções correspondem a disposições corporais que especificam o

domínio de ações em que se move um organismo. (...) Tudo que fazemos é feito a partir de

uma emoção”. Se a disposição corporal que leva à ação parte de uma emoção, torna-se

importante observar que emoções a visita musical desperta. A partir da análise das

concepções dos sujeitos da pesquisa, a alegria foi a que mais se destacou no âmbito das

visitas.

Dos quatorze participantes das dinâmicas, seis se referiram, durante a produção

artística, à alegria e/ou felicidade ligadas à sensação de contentamento, satisfação ou prazer

sentida durante as visitas musicais. Na dinâmica corpo-musical nº 01, além dos

sentimentos de alegria expressos por Fernando e Elisa em relação às visitas musicais, como

já mencionado, Maico também escreveu na mesma dinâmica: _ “A música, em si, ela traz

um conforto, alegria, harmonia [...]”.

Nas dinâmicas ‘Corpo-Musical nº 02 e 03’, vários participantes também se

referiram na produção artística à alegria que sentiram após participarem das visitas

musicais:

_ “Alegria. Felicidade”. Vilmar (2)

_ “Alegria. O tempo passava mais rápido. Saudades. Solidão”. Charles (2)

_ “[...] E uma música que eu ouvi... Aquela música vinha... Aí vai embora tristeza,

vai embora amargor! A música assim é... alegrar, alegrar! [...]” Zito (2)

_ “Uma grande emoção e alegria. Muito gratificante”. Geraldo (3)

Para Jourdain (1998) não existe emoção neutra, as emoções são negativas ou

positivas. Se um acontecimento não corresponde à previsão, surge um sentimento negativo

e inversamente, quando a experiência supera a previsão, surge a emoção positiva. Assim, a

música pode gerar emoção positiva a partir das previsões que cria e depois satisfaz, sendo
96

que o contrário também pode ocorrer, ou seja, a música pode criar uma emoção negativa se

a previsão não é satisfeita.

A música exige que o ouvinte participe, gerando um fluxo de antecipações musicais,

ou seja, exige uma participação ativa e não passiva da audição musical. Mas a emoção

positiva só surge à medida em que a música ouvida corresponda ao seu universo sonoro

e/ou aos seus padrões estéticos, porque apenas desse modo é possível fazer a antecipação

do movimento musical esperado, obtendo-se assim prazer com a expectativa confirmada.

Durante a dinâmica ‘Corpo-Musical nº 01’ Marcos solicitou que os seus dizeres

fossem colados no centro do corpo porque para ele, a música afeta todo o corpo. _ “A

música em si, ela traz um conforto, alegria, harmonia... Enfim, a mim ela traz

tranqüilidade para o corpo todo”. Jader (1) afirma que a música é boa para o corpo

também, de um modo geral, e não somente para a cabeça como ele havia escrito

inicialmente. Fernando (1) se refere a um efeito global durante a discussão: _“[...] então é

bom prá tudo e alivia a dor no peito, dentro da cabeça também...

Sekeff (2002, p.77) se refere à emergência de material inconsciente, a partir de um

estímulo musical, como uma saída emocional mediante a “experiência estética, musical,

experiência que integra a totalidade do sujeito, envolvendo seu corpo, mente e emoções”.

A música promove diversas reações e os seus efeitos não podem ser separados, mas devem

ser vistos de forma global e complexa (DOBBRO, 1998; SÃO MATEUS, 1998; BACKES

et al, 2000).

Nesse contexto, nos referimos a essa totalidade do sujeito como integridade ou

holismo, que “é um ideal de plenitude que pode nunca ser alcançado, mas que está sempre

presente” (BRUSCIA, 2000, p. 93). A integridade pode ser vista como o impulso

fundamental para o crescimento e compreende todas as diferentes partes que compõem a

pessoa, de qualquer forma que elas estejam definidas e diferenciadas.


97

Assim, a audição musical produz relaxamento físico e mental, pois reduz o stress, a

tensão e a ansiedade. Produz também efeito estimulante: desperta a atenção, promove

contato com a realidade ou com o ambiente, aumenta o nível de energia, estimula atividade

motora, aumenta as percepções sensoriais e eleva o humor.

Bruscia (op. cit.) afirma que tanto o relaxamento como a estimulação pode

melhorar o estado de saúde de duas formas: preventiva (ao reduzir riscos ou aumentar a

resistência contra problemas de saúde) e paliativa (ao melhorar a qualidade de vida de

quem enfrenta uma condição de doença). Assim, a música é um recurso terapêutico através

do qual se pode promover a melhora na condição de saúde do cliente tendo em vista sua

natureza holística.

Concordo com Jourdain (1998, p.410) quando se refere à música não só como uma

‘linguagem’ das emoções, mas também como uma ‘linguagem’ do movimento físico. Ele

afirma que nossas musculaturas são usadas para representar a música, modelando as

características mais importantes dos padrões musicais através de movimentos físicos.

Assim, ao usarmos nossos corpos como ressonadores para a experiência auditiva,

nos tornamos nós próprios um instrumento musical, deixando-nos tocar pela música.

Nossas representações corporais da música talvez sejam responsáveis pela elevação

máxima do nosso prazer, fazendo nossos cérebros produzirem as endorfinas. Nessa

perspectiva, ressalta Jourdain (op. cit., p. 410), “a música é capaz de causar prazer em

praticamente todos os níveis do nosso ser”.

Essa sensação de prazer que envolve corpo, emoção, mente e espírito, resultando

em bem-estar ficou bastante evidenciada nos relatos dos participantes. Apesar de somente

Marcos ter se referido diretamente à palavra conforto, os outros participantes relataram

sentir bem-estar, alívio e consolo, que considero elementos significativos do conforto.


98

Encontro assim relação entre os elementos promotores de conforto encontrados nos

discursos dos sujeitos da pesquisa com aqueles analisados por Arruda e Nunes (1998):

Vejamos: 1) ‘liberdade’ para fazer coisas que deseja; 2) ‘integração’ como estado de

harmonia entre corpo, mente e espírito; 3) ‘melhora’ percebida como a sensação de sentir-

se bem; 4) ‘segurança/proteção’ que envolve sentir-se protegido com as pessoas ao seu

redor, sentir que tem condições de sobreviver; 5) ‘cuidado’ inclui poder contar com

alguém, gostar dos profissionais de saúde, ser bem tratado; 6) ‘comodidade’ relaciona-se

com obtenção de condições ambientais favoráveis.

Relacionando esses elementos de conforto sinalizados pelas autoras (op. cit.) com a

discussão ocorrida no âmbito das DCS, fica evidenciado que as visitas musicais

proporcionam conforto aos clientes internados, pois guarda relação com um ambiente

favorável (afetuoso, caloroso e atencioso) que proporciona crescimento, alívio, segurança,

proteção e bem-estar. Em sua produção durante a dinâmica, Marcos (1) utilizou uma

palavra que fez questão de enfatizar no momento da síntese: ‘harmonia’. É muito

significativo que Marcos tenha usado essa palavra, por analogia, para definir a sensação

que a visita musical lhe trouxe, pois ela reúne ao mesmo tempo o sentido de organização,

totalidade e música, o que, segundo o mesmo, lhe trouxe alegria, conforto e tranqüilidade.

Nesse sentido, relaciono a visita musical como estratégia de cuidado que traz a

sensação de integridade e que pode ser utilizada como um fator de bem-estar para o cliente

internado. Leandro (3) se referiu durante a produção a uma grande sensação de bem-estar

após a audição musical: _ “Senti um grande alívio, como se todos os meus problemas

tivessem acabado. Como se tudo estivesse ótimo; como se existisse só eu no local”.

Por ocasião da visita musical Leandro encontrava-se muito abalado com o seu

acidente e com a decorrente reação familiar. Esse sentimento foi aliviado a partir de uma

música religiosa solicitada pelo companheiro de enfermaria na visita musical, conforme


99

seu discurso durante a descodificação. Essa música religiosa chamada ‘Deus Forte’14, tem

entre seus versos: “ [...] Jeovah Rafa, meu Senhor, que cura toda dor/ Tsekenu Yaveh,

minha justiça é / Elohim, Deus no controle está/ meu Deus tudo governa”.

Estes versos trouxeram alívio a Leandro (3), que relatou ser evangélico: _ “Eu

sinto assim um alívio total, que os meus problemas todos estão resolvendo, que vai dar

tudo certo... Devido ao meu problema, lá no meu quartel ninguém quer me ajudar, quer só

me prejudicar mesmo, já falaram... Ouvindo aquela música ali prá mim, tudo vai dar

certo... Tenho fé e vai dar".

Ao afirmar que tudo vai dar certo, possivelmente Leandro estava projetando um

desejo de um futuro melhor. Segundo Milleco e colaboradores (2001, p.102), a música

pode remeter-nos ao futuro, a algo que ainda esperamos viver. Dessa forma, “estaremos

expressando sonhos, fantasias, devaneios, que, através do conteúdo da canção, nos

informam sobre certos desejos de transformar o presente em algo mais prazeroso”.

O conhecimento sobre as crenças religiosas dos clientes pode ser um importante

instrumento para auxiliá-los a expressar seus sentimentos e expectativas. Para Watson

(1996), a enfermeira deve se esforçar para estar dentro da estrutura de referência do outro,

numa busca mútua pelo sentido e totalidade do ser. Para a autora, essa busca inclui

medidas de conforto, controle da dor, um senso de bem-estar e/ou transcendência espiritual

do sofrimento. A autora postula a importância de visões ampliadas da pessoa, o que

implica na unidade mente, corpo e espírito. O cuidado promovido através do encontro

cliente-enfermeira ocorrido em sintonia pode expandir a consciência e potencializar a cura

através de um sentimento de bem-estar, de reintegração.

O lugar social de Zito (2) como evangélico ficou implícito na palavra ‘alma’,

utilizada por ele na produção artística, termo usual em discursos religiosos: _ “Algo que

14
Música Gospel composta e interpretada por Kleber Lucas.
100

nos faz esquecer de tudo. Como fosse lá do fundo da alma”. Posteriormente, no processo

de descodificação, ele explicou o significado metafórico por ele atribuído à palavra ‘alma’

naquele contexto: _ “É tocar meu sentimento”.

Durante as visitas musicais Zito (2) deu preferência a músicas religiosas antigas,

demonstrando prazer não só em escutar, mas também em cantar junto, situação que talvez

o tenha feito lembrar, durante a discussão, de sua participação nos cantos litúrgicos e no

coral da igreja. Para Milleco Filho, Brandão e Milleco (2001, p.50), a “utilização litúrgica

da música e do canto se faz presente, enfim, em todos os povos e civilizações, sendo esta

uma forma do humano resgatar a unidade cósmica, o sentimento de pertinência com o

Todo”.

Essa afirmação encontra ressonância na pesquisa realizada por Backes et al (2003),

sobre os efeitos da música no processo de humanização de um CTI, quando constataram

que a música pode trazer relaxamento e conforto espiritual, sendo um importante subsídio

na busca de alternativas que contemplem a pessoa na sua integridade. Consideraram que a

preferência pelas músicas religiosas neste contexto estava relacionada à situação de

fragilidade provocada pelo ambiente estressante e afastamento familiar, constatando a

partir do relato dos pacientes que estes se sentiram mais relaxados e confortados sobre os

seus temores, ansiedades e incertezas.

A escolha por músicas religiosas também se fez presente na dinâmica Corpo-

Musical nº 03 quando Leandro se referiu à música ‘Deus Forte’ como renovadora de sua

confiança no futuro: _ “Tem... Tem sim, eu peço sempre para o A. (um dos músicos) tocar

“Deus é Forte”, né? [...] Marcou... a mente... Não sou nem de ouvir música assim

evangélica, não sou nem de ouvir... Mas marcou essa aí... [...] Eu sinto assim um alívio

total, que os meus problemas todos estão resolvendo, que vai dar tudo certo... Devido ao
101

meu problema, lá no meu quartel ninguém quer me ajudar, quer só me prejudicar mesmo,

já falaram... Ouvindo aquela música ali prá mim, tudo vai dar certo... Tenho fé e vai dar".

Essa expectativa de Leandro também pode ser relacionada a um dos fatores de

cuidado de Watson (1996) que se refere à promoção e à manutenção da fé-esperança. A

autora considera importante auxiliar com satisfação as necessidades humanas básicas

enquanto se preserva a dignidade e totalidade humanas.

Posteriormente, Leandro refere-se novamente a essa música: _ “No hospital... É

como se eu tivesse essa música sei lá, em outra vida, em algum momento assim... Marcou,

né?”. Essa dimensão religiosa, para Ruud (1998), inclui experiências de ‘significado’

quando a vida pode ser percebida como parte de alguma ordem maior. Segundo o autor,

essa experiência é muitas vezes descrita como um movimento para fora de nós mesmos,

estando deslocado do tempo e lugar, e, com freqüência, nessas situações, as pessoas

vivenciam fortes reações corporais como se seus corpos e mentes estivessem cheios de

energia e poder, podendo ter um efeito terapêutico em situações em que a pessoa se sente

‘fragilizada’.

Em relação a essa mesma música ‘Deus Forte’, Paulo (3) disse: _ “Inclusive essa

aí, ‘Deus é Forte’, eu nunca tinha ouvido não, e eu gostei bastante também... É bastante

alegre, né? Parece que limpa a nossa alma assim... Alivia a nossa vida aqui no hospital”.

Essa metáfora criada por ele, ‘limpar a alma’, indica uma mudança em seu estado, em que

as sensações ruins são dissolvidas e assim, de ansioso ele passou a se sentir aliviado.

O relato de Paulo nos remete à angústia que a própria situação de internação traz ao

cliente. Como discutido anteriormente, a ruptura com o seu cotidiano e a imposição de

rotinas estranhas à sua vivência acarretam a despersonalização do cliente que passa de

sujeito a objeto dos cuidados.


102

Prosseguindo, a importância da participação em grupo estimulada pelas visitas

musicais foi apontada por dois participantes da dinâmica corpo-musical nº 2 através do

seguinte trecho dialógico:

Charles (2): _ “Eu lembro que no primeiro dia foi só eu e Z, meu ex-parceiro de

quarto. Aí foi uma coisa... Nos outros dias que a gente se juntou com Ricardo (3) e Denis

(3), do outro quarto, ficou uma coisa mais...”

Joaquim (2) completa: _ “Mais animada.”

Charles confirma: _ “É, mais animada [...]”.

As visitas musicais nesse contexto revelam-se como uma possibilidade de resgatar

o sujeito social ao estimular a sua participação através da escolha musical. Contudo, como

venho defendendo neste estudo, as visitas musicais vão além da escuta sonora de uma

música; elas potencializam seus efeitos e ampliam seus objetivos, na medida em que

promovem a participação ativa de seus integrantes. O espaço das visitas é, portanto,

relacional, integrador, o que indica o segundo tema discutido a seguir: ‘a qualidade

integradora das visitas musicais’.

A Qualidade Integradora das Visitas Musicais

A crítica-reflexiva dos sujeitos da pesquisa possibilitada pelo movimento dialógico

das dinâmicas de criatividade e sensibilidade acerca de suas concepções sobre as visitas

musicais mostrou que estas resgatam a autonomia do cliente hospitalizado, respeitando o

seu gosto musical e a sua forma de participação nesses encontros. Também ficou

evidenciado que elas agem na totalidade do corpo do cliente, levando-os a expressarem

suas emoções de diferentes modos.


103

Afora esses aspectos já abordados que denotam a importância das visitas musicais

no contexto do cuidado hospitalar, um outro tema foi recorrente na discussão grupal. No

processo de recodificação, os sujeitos revelaram que essas visitas vão além das influências

positivas sobre o corpo do cliente; elas favorecem a integração entre os clientes e destes

com o ambiente do hospital.

Grande parte dos participantes das dinâmicas em algum momento do diálogo no

interior das dinâmicas se referiu ao sofrimento causado pela hospitalização, descrevendo

sua experiência de forma emocionada. Por ser um ambiente que causa ansiedade, tanto

pela ruptura do cotidiano do cliente como pela imposição das rotinas hospitalares,

estranhas a ele, a ação dos profissionais de saúde pode ser importante no sentido de

minimizar os efeitos deletérios da internação hospitalar. Talento apud Watson (2000,

p.257) refere-se à interdependência existente entre os ambientes externo e interno, “uma

vez que são as percepções da pessoa que tornam o ambiente ameaçador ou não”.

Sendo assim, é mister a ação criativa do profissional no sentido de promover um

ambiente externo agradável bem como, através de uma comunicação e interação

empáticas, diminuir essa percepção ameaçadora proveniente do ambiente interno do

cliente. Essa ação conjugada pode melhorar o estado emocional e facilitar a interação do

cliente com o meio.

Chaves e Ide (1995, p.173) também se referem à vivência da hospitalização,

mostrando que além do aspecto do sofrimento do doente decorrente da crise orgânica, dos

medos e da sensação de vulnerabilidade perante a impossibilidade de controle sobre o seu

corpo, sua vontade e seu destino, há conseqüências da hospitalização sobre o psiquismo do

doente “intensificando o sofrimento inerente ao desequilíbrio orgânico inicial”.

Em diversos momentos das dinâmicas, os sujeitos da pesquisa se referiram à

desestruturação ocasionada pela hospitalização, relacionada ao estado de inatividade do


104

cliente neste meio e à alteração de seus papéis sociais. Contudo, durante a discussão

grupal, no processo de descodificação e recodificação temática, os participantes apontaram

as visitas musicais como uma estratégia eficaz no sentido de minimizar essa inatividade,

emergindo o subtema: “o encontro lúdico promovido pelas visitas musicais”.

- O encontro lúdico promovido pelas visitas musicais

A inatividade vivida pelo cliente no âmbito hospitalar e a influência da visita

musical nesse contexto foi revelada na discussão grupal ocorrida na ‘dinâmica Corpo-

Musical nº 1’ quando Fernando diz: _ “[...] Porque, às vezes, a gente fica no quarto

deitado, a gente fica muito deitado o tempo inteiro na cama, não tem nada prá fazer aqui

dentro... A gente é uma pessoa que tem sua atividade na rua, todo mundo é ativo... E aí

então vem prá cá e a gente fica aí... praticamente nada... A gente tem que criar! [...]

Quer dizer, então a gente fica nessa, uma agonia aqui dentro, viu? Fica se levantando e aí

não tem nada prá fazer, aí vai prá lá, vai prá cá... não tem o que conversar. E com a

música a gente... relaxa, viu, relaxa, tem o que fazer, entendeu? Se diverte...”.

O discurso parafrástico e recorrente de Fernando (1) evidencia sua angústia frente à

inatividade que lhe foi imposta após o acidente e às internações hospitalares prolongadas,

fato que o leva a relatar o sofrimento psíquico que advém desta situação, relacionando

analogamente a inatividade com a ‘loucura’: _ “[...] Isso deixa a gente meio louco

também! Ficar muito tempo internado aí né, fica até meio perturbado, não sabe que dia é

hoje, não sabe de nada, não tem nada prá fazer, não faz nada! [...]”

Chaves e Ide (1995, p.174) se referem à hospitalização como um “momento

peculiar de descontinuidade no trajeto dos diferentes papéis que (o cliente) desempenha na

vida e dos projetos que estabeleceu para si”. Essa perturbação a que se refere Fernando (1)

pode estar relacionada a esse momento de descontinuidade promovendo um estado de


105

ruptura com a essência singular característica de sua identidade, que também está

relacionada aos seus papéis sociais.

Joaquim (2), da mesma forma que Fernando (1), passa por longo período de

internação e também se referiu ao sofrimento advindo da inatividade, relacionando a

internação com a sensação de aprisionamento: _ “[...] Mas a nossa vida é tudo preso, né,?

Tá ali, vai ficar ali, ocioso[...]”. Durante a discussão grupal ele reiterou essa sensação: _

“[...] É, e passa o dia, vai passando, passando, não sente! Agora imagina, você oito meses

olhando parede! Eu estive um tempão sem sair da cama...”.

Sobre isso, Vilmar (2) se referiu à desestruturação dos papéis sociais, quando de

pessoa ativa, ele passa a viver outro papel, o de uma pessoa reclusa e inativa: _ “[...] A

gente está acostumado a trabalhar, a ter nossa vida lá fora... Realmente é difícil aqui

dentro... A convivência num quarto! Assim a princípio é bem estranho, bem

complicado...”.

Em outro momento, Vilmar (2) destacou a influência da inatividade durante a

internação prolongada como um fator que pode levar o cliente a uma depressão: _ “[...] E

é isso que ele falou... (referindo-se a Joaquim). A gente fica aqui, esperando operar... Ele

já está há bastante tempo e você... (apontando para Joaquim e Charles) Eu acho que a

demora... Acho que a gente cria assim uma... cria uma depressão...”

Dentre os participantes das DCS, Vilmar (2) foi o que mais se mostrou atingido

com a inatividade, o que é perfeitamente compreensível, pois seu quadro clínico impedia a

deambulação, permanecendo todo o tempo no leito aguardando a cirurgia. Apesar de se

referir aos outros companheiros de dinâmica, o não dito do seu discurso aponta para a

problemática vivida por ele próprio. Chaves e Ides (1995) se referem à situação semelhante

quando afirmam que a sensação de vulnerabilidade e a impossibilidade de controlar o

próprio corpo podem desencadear conseqüências sobre seu psiquismo.


106

A inatividade aliada à rotina hospitalar cria um ambiente monótono, descrito por

Fernando (1): _ “[...] Porque a gente fica numa rotina, todo o dia a mesma coisa... Todo o

dia a mesma coisa [...] Não tem nada pra fazer! [...] não sabe de nada, não tem nada pra

fazer, não faz nada[...]”. Seu discurso mostra a dimensão de sua ansiedade e revolta. Uma

das músicas que ele escolheu reflete não só os seus sentimentos, mas também os de outros

participantes da visita musical, sendo uma das mais pedidas por eles: ‘Tempo Perdido’15

que diz em um trecho: “Todos os dias quando acordo/ Não tenho mais o tempo que passou/

Mas tenho muito tempo/ Temos todo o tempo do mundo...”.

Charles (2) também expressou sentimento de revolta pela inatividade usando uma

metáfora: _ “[...] Lá em cima não tem nada, e a gente reúne, se encontra, joga baralho,

então é importante todo mundo se conhecer, entendeu? Porque tá todo mundo na mesma

situação, tá todo mundo na mesma furada, né? De certa forma é uma furada no que a

gente entrou [...]”.

Após longo período de internação, Charles (2) certamente teria justificativas para a

revolta que sente com o estado de inatividade, mas o seu discurso metafórico apontou outra

direção, relacionada à sua situação profissional. Ele foi voluntário no alistamento militar,

procurando atender expectativas pessoais que, após a sua doença, não se concretizaram, o

que se revelou no seu entender como ‘uma furada’. A impossibilidade de decidir o seu

futuro, devido às implicações militares, acrescidas da ruptura radical com o seu cotidiano e

desestruturação dos seus antigos papéis sociais acarretou o que Chaves e Ide (1995)

apontam como sendo sofrimento psíquico e crise de identidade.

A monotonia do ambiente hospitalar se reflete também em atividades que se, antes

poderiam ser consideradas como ‘diversão’, passam a ser rotina, conforme relatou Joaquim

15
Música composta por Renato Russo e interpretada pelo grupo de rock ‘Legião Urbana’.
107

(2): _ “Ah, então você não está vendo a cara da Ana Maria Braga, o Sítio do Picapau

Amarelo... Eu já sei tudo de cor! O dia que eu sair daqui eu não vejo mais televisão!”.

Isso se explica pela necessidade que o ser humano possui de variar as atividades

que desempenha ou participa, dinamizando-as. Essa característica parece se intensificar no

processo de hospitalização justamente pela ociosidade que forçosamente invade suas vidas.

Nightingale (1989), no século XIX, já se preocupava com a importância de oferecer opções

variadas no ambiente da pessoa hospitalizada. Ela relacionava essas opções à mudança no

ambiente físico e à influência de objetos bonitos e variados à disposição dos pacientes e

afirmava que as cores, formas e luz não afetam somente a mente, mas têm um efeito real

sobre o organismo humano.

A autora (op.cit.) sinaliza a influência da mente sobre o corpo e vice-versa ao

afirmar que a ansiedade é intensificada nas pessoas que não podem variar de atividades.

Ela se referia à importância desse aspecto na mudança do foco do pensamento para

diminuir o sofrimento dos pacientes, o que, como vimos, pode ser alcançado através da

visita musical que auxilia o ‘esquecimento dos problemas’, segundo relato dos

participantes das dinâmicas.

Ricardo (3) relacionou as visitas musicais à oportunidade de diminuir o tempo

ocioso sugerindo que devessem ocorrer com mais freqüência para minimizar a monotonia e

a inatividade: _ “[...] Sabe, tem que ficar aqui a semana toda... Se isso fosse todo o dia

seria ótimo! De segunda à quinta, segunda à sexta... É até uma forma do pessoal passar

um pouco mais o tempo porque não tem nada prá fazer! Fica o dia inteiro sem fazer nada,

então, pôxa, essa horinha aí... tem que ter!”.

Posteriormente, na recodificação, Ricardo (3) re-significa as visitas musicais como

promotoras de mudanças na rotina hospitalar e sinaliza a influência dessa atividade como

uma diversificação sobre a mente, conforme defendia Nightingale (op. cit.). Ele disse: _
108

“Você pode mudar aquela rotina e entrar em uma coisa completamente diferente! Vocês

largam as suas preocupações, o que você tem que fazer e só foca aquilo ali... O que você

tá ouvindo, você põe pensamentos melhores. [...] A gente sai daquela rotina da vida,

aquela coisa monótona, sempre aquilo e vai para uma coisa totalmente diferente [...]”.

As mudanças que alteram nosso foco de atenção e que nos dão prazer podem estar

ligadas à superação de expectativas, já discutidas anteriormente; elas são muito

importantes para mantermos a sensação de bem-estar físico, mental ou emocional. Caccavo

e Carvalho (2003, p.252) ao comentarem sobre a necessidade de variedade a que se referia

Nightingale, citam fatores como música, cores, sons agradáveis, mudança de ambiente,

flores, e leitura de livros e afirmam que estes estão ligados a formas expressivas de cuidado

“das quais as enfermeiras podem lançar mão para desencadear o processo de restauração

da saúde”. Os autores interpretam esse conjunto de expressões como tendo ‘significados

estéticos’ no contexto das atividades variadas a serem desenvolvidas junto aos clientes.

É interessante observar que mesmo a música, um estímulo que geralmente provoca

prazer, também pode ser monótona se não houver diversidade. Joaquim (2), durante a

discussão grupal relacionada ao gosto musical dos clientes, referiu-se à necessidade de

trocar o estilo musical para não ‘cansar’, conforme se observa no trecho dialógico a seguir:

Joaquim (2) disse: _ “[...] Olha, eu não sou muito chegado, mas tem um CD lá...

Aí eu boto, da Alcione... Eu acho legal! [...] Eu acho legal, acho que canta muito, e tem

uma música ‘maneira’... Quando eu estou cansado das outras que eu gosto? Alcione!

Comentei: _ Então é bom variar... Ele concorda e Charles (2) complementou: _ É,

acho que por isso... Às vezes você não tá a fim de ouvir um tipo, quer ouvir outro,

entendeu?”. O discurso destes dois participantes aponta a necessidade de variedade

relacionada também às atividades lúdicas para que elas não se tornem também monótonas

perdendo assim o seu caráter terapêutico.


109

A variedade, segundo Nightingale (1989), também está ligada ao fazer. Ela a

relaciona a trabalhos manuais afirmando que os mesmos podem trazer alívio ao paciente ao

diminuir o impacto da inatividade. É possível refletir sobre isso a partir de um depoimento

de Denis (3) que estabeleceu relação entre o fazer, o tocar e o cantar, recodificando que

cantar é divertido, como podemos observar no seguinte trecho: _ “Eu gosto... Quando

Ricardo (3) tocou o violão lá... (referiu-se a uma visita musical em que Ricardo tocou

diversas músicas ao violão). Ele ficou tocando e a gente ficou cantando... Ele falou rindo:

_ Não posso fazer nada... Cantar todo o mundo sabe! Continuou em voz baixa: _ Pode ser

desafinado, mas fazer o quê? Ficar cantando, me divertindo”.

O divertimento ao qual se referiu Denis (3) está ligado ao momento lúdico

proporcionado pelas visitas musicais. Ferreira et al (2002) ao discutirem os cuidados que

resgatam no cliente sua condição de sujeito social, referem como possibilidades aqueles

integradores ao meio, a exemplo de conversar com o cliente, que pode promover o

encontro com outros clientes. Segundo as autoras, esses cuidados favorecem a integração

do cliente à unidade de internação, se configurando em oportunidades de lazer, sendo

assim considerados uma forma de cuidar. Isso vem ao encontro do diálogo travado entre os

participantes da pesquisa quando conceberam as visitas musicais como lúdicas e

integradoras.

Beuter (2004, p.28) se refere ao lúdico como um valor que não se adapta aos

métodos científicos quantificadores relacionando-o ao âmbito do comportamento, da

estética, da criatividade, da sensibilidade e da emoção, sendo uma alternativa à visão

apenas tecnicista do cuidado de enfermagem. A autora relaciona o lúdico não somente à

ocupação do tempo livre do cliente internado, mas também à postura da enfermeira,

quando utiliza o seu corpo para interagir com o cliente. Para ela, o lúdico no cuidado

configura-se como possibilidade restauradora da saúde do cliente, “na medida em que


110

facilita a interação, por meio do desenvolvimento intra e interpessoal, promovendo o

processo de socialização e comunicação”.

Sendo assim, o lúdico situa-se no campo da subjetividade como elemento

qualificador do cuidado de enfermagem e os resultados de sua ação conduzem à sensação

de bem-estar, conforto, alívio, alegria e tranqüilidade. Esses aspectos estéticos e

expressivos são sintetizados por Denis (3) em seu relato sobre a visita musical: _ “É

relaxante, é engraçado, é cativante. É...”. O não dito em seu discurso revela a dimensão do

que sentiu, que não cabia nas palavras.

Ricardo (3) também se referiu à importância do lúdico na hospitalização: _ “[...] O

fato é que aquela música ali é que pelo menos você descontrai um pouco a mente,

entendeu? Muita gente pensa essa oportunidade como boa. O que está tendo aqui... Nem

todos os hospitais têm isso... Então você tem um momento de estar lá no quarto, todo

mundo cantando lá, mal, mas todo mundo estava se divertindo... Eu acho que seria uma

coisa boa botarem isso nos hospitais públicos mesmo... Particulares é mais difícil, mas é

uma forma de animar mais as pessoas [...]”.

Em seu discurso, Ricardo (3) apontou que, além de sua eficácia na mudança do

foco de atenção centrado na doença ou em outros problemas dela advindos, a visita

musical proporciona relaxamento, o que também foi constatado na pesquisa realizada por

Chagas, Gazaneo e Aguiar (2004). As autoras apontam que segundo o depoimento da

equipe de enfermagem, após a audição musical os clientes conseguem ‘se desgarrar

daquele ambiente pesado’ e se distraem.

A crítica-reflexiva de Ricardo (3) apontou para a importância do papel das visitas

musicais na modificação da realidade nos hospitais. Outro participante da mesma

dinâmica, Leandro, também reiterou o encontro lúdico proporcionado pelas visitas

musicais como uma atividade importante na hospitalização:_ “[...] Está ali naquele
111

momento, todo o mundo brincando, rindo, nem penso que eu estou... Que aconteceu esse

acidente comigo nem nada... E poxa, é ótimo estar aqui e devia ter... Tomara que consiga,

né passar para todos os outros hospitais possíveis[...]”.

Há um elemento significativo, que pode ser observado nos discursos de Denis (3),

Ricardo (3) e Leandro (3), já discutido nesta pesquisa, ou seja, a importância das visitas

musicais não está centrada somente na possibilidade do contato com a música, mas na

oportunidade de interação entre os clientes que dela participam. Conforme apresentado,

Denis (3) se referiu à interação entre ele e Ricardo (3) quando o mesmo tocava e ele

cantava, enquanto Ricardo (3) e Leandro (3) se referiram ao encontro grupal durante a

visita musical, quando ‘todo mundo’ se divertia, brincando e rindo juntos.

Charles (2) também se referiu a esse encontro durante as visitas musicais: _ “[...]

As pessoas (se referindo aos músicos) quando passam no quarto 16, neguinho tá ouvindo,

neguinho tá ouvindo no quarto 18, falam: _ “Vamos lá, pro quarto 16 ouvir”... _ Que é

por pouco tempo, entendeu? Então neguinho vai lá no quarto 16 prá acompanhar o dos

outros [...]”.

É significativo que estes clientes, participantes da pesquisa, tenham se referido às

visitas musicais como um momento de encontro grupal, pois eles estavam entre os que

mais haviam participado dessas visitas. Charles (2) participara de três, enquanto Denis (3),

Leandro (3) e Ricardo (3) participaram de quatro visitas musicais. Na primeira visita

mostraram-se retraídos, mas, após a segunda, os que podiam andar passaram a acompanhar

a visita musical ao quarto dos outros companheiros de enfermaria, criando grupos

espontâneos que promoveram maior integração entre eles.

Esses encontros, promovidos pelas visitas musicais faz com que os clientes se

conheçam melhor. Vejamos o diálogo travado no interior da dinâmica corpo-musical nº 2:

Joaquim: _ “Até integrar todo o mundo...”.


112

Charles completou: _ “É, para todo o mundo se conhecer... Porque um não

conhece o outro, né?” Joaquim continua: _ “Porque de repente você tá internado aqui,

mas não conhece o outro, é complicado... [...] Porque é importante, às vezes está todo o

mundo... Lá em cima não tem nada, e a gente reune, se encontra, joga baralho, então é

importante todo o mundo se conhecer, entendeu? [...] Então a gente se unindo, aí vem um

traz DVD, vem outro traz videogame, vem outro traz baralho... No final de semana

passado eu fiquei aí, a gente... Outro dia a gente fez churrasco naquele bagulho de

esquentar pão! Então é uma distração, entendeu? Seria melhor...”.

Joaquim retomou: _ “Até integrar todo o mundo...” Charles completou: _ “É, para

todo o mundo se conhecer... Porque um não conhece o outro, né?” Joaquim continua: _

Porque de repente você tá internado aqui, mas não conhece o outro, é complicado...”.

Ao possibilitar conhecer outras pessoas que dividem o mesmo espaço e que passam

por situações semelhantes, as visitas musicais abrem espaço para acessar outros encontros

lúdicos. Penso que para os participantes da pesquisa, essas possibilidades lúdicas

mostraram-se importantes no rompimento da monotonia do ambiente hospitalar,

permitindo que houvesse prazer no convívio entre os clientes e entre eles e a equipe de

enfermagem.

Integrantes da equipe de enfermagem também já participaram de alguns momentos

das visitas musicais, ou por estarem realizando procedimentos junto aos clientes ou por se

sentirem atraídos pelas músicas ou pela alegria contagiante do ambiente. É oportuno dizer

que a maioria dos integrantes da equipe de enfermagem que atua nas unidades de

internação do Hospital Central do Exército, local em que desenvolvo as visitas musicais,

aceita bem esse trabalho, demonstrando isso através de olhares, sorrisos, do canto e de

solicitações dessa atividade para clientes ou para si próprios. Em contrapartida, uma

minoria mostra-se desinteressada, não se integrando à atividade.


113

Situação semelhante ocorreu durante a pesquisa realizada por Chagas, Gazaneo e

Aguiar (2004) em que uma enfermeira entrevistada também se referiu à música como um

‘barulho a mais’. O relato de outras enfermeiras participantes dessa mesma pesquisa

referiu que a equipe é resistente à mudança, sendo difícil alterar a rotina para incluir uma

atividade tão diferente do ‘padrão’.

Como diz Beuter (2004, p.153), o lúdico “rompe com a ordem instituída no hospital

que valoriza a rigidez e a seriedade como elementos indispensáveis à conduta

profissional”. Essa transgressão à ordem instituída, se, por um lado, pode mostrar-se útil

para os clientes internados, no sentido de humanizar o ambiente, tornando-o mais

agradável e facilitando a integração, por outro pode incomodar alguns profissionais

acostumados a essa ordem. A autora considerou que o discurso das enfermeiras

participantes de seu estudo estava influenciado pela subjetividade capitalista que

dicotomiza o lúdico e o trabalho. Nessa perspectiva, o lúdico torna-se restrito apenas aos

momentos livres impondo, de acordo com essa visão, uma postura profissional rígida que

dificulta sua expressão no trabalho.

Muitas vezes, as enfermeiras se defrontam com sentimentos ambivalentes,

divididas entre realizar sua atividade profissional dentro das normas estabelecidas pela

instituição hospitalar e atender ao desejo do cliente que, devido à sua subjetividade e

singularidade, não se enquadra em um determinado ‘padrão’.

Silva (2004, p.38), ao relatar o caso de uma cliente idosa em estado terminal que

apresentava um comportamento difícil, disse que um dia, ao ser-lhe perguntado o que

gostaria de fazer, subitamente externou o desejo de cantar. Essa situação inusitada foi

levada à discussão com a equipe que decidiu manter a cabeceira da cliente elevada em

ângulo propício para que pudesse cantar sempre que desejasse, o que ela passou a fazer por

diversas vezes até a sua morte. Talvez em outra circunstância ou ao assumir a equipe uma
114

postura mais rígida, seu desejo fosse ignorado por modificar a ordem estabelecida

privando-a de se expressar e de ter prazer e conforto.

O hospital é um espaço de convivência que gera, por vezes, situações de conflito,

advindas, dentre outras, de problemas na comunicação e na interação entre o cliente e os

profissionais de saúde. Algumas destas situações foram descritas pelos sujeitos da pesquisa

que apontaram as visitas musicais como uma estratégia eficaz para diminuir esses

conflitos, emergindo o próximo subtema: “A visita musical como facilitadora do processo

interativo e da comunicação, face aos conflitos inerentes à hospitalização”.

- A visita musical como facilitadora do processo interativo e da comunicação


entre os clientes e entres estes e a equipe de enfermagem, face aos conflitos
inerentes à hospitalização

A imobilidade, como visto anteriormente, pode ampliar a inatividade do cliente

internado. Contudo, outro problema pode surgir no ambiente de hospitalização: a

dificuldade na comunicação, conforme evidenciado por Vilmar (2): _ “É meio

complicado... E se tivesse evento, a música, alguém aparecer para conversar um

pouquinho, já... Porque ficar o dia todo sentado só com os pensamentos que vêm na

cabeça...”.

Vilmar demonstrou nesse trecho dialógico todo o seu desconforto oriundo da

imobilidade, da falta de comunicação e impossibilidade de interação social. Esse

desconforto foi destacado na pesquisa realizada por Barcelos (2003) na qual os clientes

classificaram a ausência de diálogo como experiência negativa relacionada aos cuidados de

enfermagem e, como positivas, as dimensões expressivas do cuidar que abrangem a

atenção e a presença física. Além disso, ressaltaram a importância da conversa,

caracterizada como um cuidado integrador.


115

A importância da comunicação na enfermagem é destacada por Silva (2003, p.14)

como sendo fundamental para o cuidado com o cliente, já que a base do seu trabalho é o

relacionamento humano. Para a autora, “a comunicação adequada é aquela que tenta

diminuir conflitos, mal entendidos e atingir objetivos definidos para a solução de

problemas detectados na interação com os pacientes”.

Falhas na comunicação podem trazer grande angústia aos clientes internados, como

pode ser observado a partir da fala de Vilmar (2) no processo de descodificação: _ “É, o

que eu senti quando eu entrei também foi a mesma coisa... A gente entra, fica aquela

expectativa de que ninguém passa para a gente o que vai ser feito com precisão, né? A

gente vai ficando aí... Alguém fala uma coisa, fala outra e fica aquela expectativa

realmente da operação, opera ou não opera [...]”.

Esse comentário de Vilmar indica a importância que o mesmo dava à falta de

informação ou informações imprecisas para o seu estado atual. A expectativa gerada pelas

falhas na comunicação entre a equipe de saúde e este cliente intensificava a ansiedade

proveniente da imobilidade e da inatividade, como ficou evidenciado no seguinte trecho

dialógico no âmbito da dinâmica corpo-musical nº 2:

Joaquim interrompeu a fala de Vilmar e falou com veemência: _ “Demora e falta

de informação! O cara chega de manhã e fala [...]”. Vilmar interceptou a fala de Joaquim,

retomando seu discurso anterior: _ “A falta de informação deixa a gente pensar mil coisas

e não saber o que pensar ao certo!”.

A ansiedade demonstrada ao falarem sobre esse assunto denota a intensa

mobilização que o mesmo produzia sobre Joaquim e Vilmar. Essa falta de informação

revela ausência de diálogo que, na concepção de Barcelos (2003), se traduz como prática

de ‘descuidado’. É importante destacar que, embora não seja da enfermagem a

responsabilidade na marcação de cirurgias, ela pode agir na diminuição da insegurança


116

gerada a partir deste fato, colocando-se mais disponível para estabelecer uma relação

dialógica com o cliente.

A hospitalização também gera conflitos derivados da convivência forçada entre

pessoas que não têm nenhum vínculo entre si e se vêem obrigadas a partilhar o mesmo

ambiente com outros clientes e também seus acompanhantes, como relatou Elisa (1): _ “

[...] Estava horrível, a senhora que estava ao meu lado tinha uma acompanhante que me

perturbou muito! Eu estava com medo [...]”.

Essa situação foi tão mobilizadora que Elisa (1) solicitou mudança de quarto. Ela

não especificou o que acontecera, mas demonstrou durante o relato ainda estar sob efeito

da angústia que tal lembrança lhe trazia. Este sentimento diminuiu após a visita musical,

proporcionando-lhe tamanho alívio que a motivou a gravar música para embalá-la quando

estivesse sozinha, conforme apresentado no primeiro tema discutido. Segundo Wazlawick

(2004), a música permite a vivência de uma realidade emocionada que integra a emoção

como constituinte do pensamento e da ação. Ou seja, a partir da emoção positiva

desencadeada pela música Elisa (1) pôde encontrar uma saída para lidar com a angústia

gerada no conflito com a acompanhante.

Em outros momentos, a situação de conflito pode ser deflagrada pela convivência

com pessoas da equipe ou outros pacientes. Jader (1) se referiu a isso de forma velada

nesse trecho dialógico:

Jader: _ “[...] Porque tem gente que fala: _ Faça isso... Tipo assim, coisas que a

gente nem escuta da nossa mãe, a gente escuta de pessoas que não são nada nosso... A

gente já não quer ficar aqui e fica meio perturbado”.

Eu: _ “Você está falando do quê? Pessoas ligadas à internação?”.


117

Jader: _ “A internação... Estamos aqui obrigados, né? A gente já não quer estar,

ainda passa por uma situação dessas, acaba deixando a gente meio maluco... Esse negócio

de ficar... um perturba aqui, outro perturba ali... (silêncio)”.

O dito e o não dito do discurso de Jader (1) evidenciou a necessidade de desabafar,

mas também de se proteger. Como ocorre com muitos clientes internados, Jader podia ter

receio de não ser bem tratado, caso fizesse alguma queixa contra os profissionais

responsáveis pelo seu cuidado. Joaquim (2) também se referiu a esse receio ao fazer uma

crítica ao fato de que a discussão no interior da dinâmica estava focalizando as falhas na

comunicação entre médico e paciente: _ “A pesquisa está indo para outro lado [...] A

gente não está aqui para falar do médico”.

Esse receio de ser discriminado pela equipe foi abordado durante a dinâmica

Corpo-Musical nº 2, no seguinte segmento dialógico:

Charles: _“[...] eu tive uma discussão com X (integrante da equipe de enfermagem)

que foi até questão disso, que falou: _ “Você não pára no quarto!”. Eu falei: _ “Pô, eu

não agüento mais! Nove meses dentro do quarto!”.

Joaquim interveio: _ “Mas ‘X’ é gente boa prá caramba!”

Charles discordou: _ Não é não... Depois reconsiderou: _ De uma certa forma é

[...] ‘X’ ficou meio estressado, ficou discutindo comigo [...]”.

Em outro momento do diálogo, Charles (2) foi mais explícito sobre o seu medo de

ser tratado de forma diferente: _ “[...] Eu tinha medo de ‘X’ não levar para o lado

profissional e levar para o pessoal... Porque tem que entender que um paciente internado

nove meses fica doido! Tem uma hora que enche e extrapola! [...]”.

Esse incidente ilustra os problemas relacionados à hospitalização, que podem ser

intensificados por uma internação prolongada e agravados pela necessidade de se manter a

ordem normativa. Charles (2) e o profissional de enfermagem não conseguiram perceber as


118

implicações particulares de cada um nessa situação, desencadeadoras de estresse. A

subjetividade de cada um os afetou de forma intensa, interferindo em sua comunicação.

Silva (2003) considera que não existe comunicação objetiva, pois ela se faz entre

pessoas e cada uma é um mundo à parte com suas experiências, seus valores e suas

expectativas. A percepção pessoal funciona como um filtro que só permite que

apreendamos o mundo de acordo com a mesma. A autora afirma que para desenvolver uma

boa comunicação é necessário, entre outros fatores, conhecer a si mesmo reconhecendo as

próprias necessidades, ser sensível à necessidade dos outros e reconhecer sintomas de

ansiedade em si e no outro. Na situação analisada, cada um dos envolvidos na discussão só

conseguiu se dar conta de suas próprias expectativas.

É importante que o profissional de saúde entenda a experiência vivida pelo cliente

internado e o que esta experiência afeta no seu grau de autonomia, integridade, auto-

imagem e na capacidade de se relacionar com os demais. Para Waldow (2004, p.165) a

“falta de compreensão desses aspectos pode ser mais danosa, prejudicial do que a própria

doença”.

Em uma outra perspectiva, é importante destacar também que os profissionais de

saúde confrontam-se diariamente com situações que trazem riscos emocionais. Waldow

(op.cit) afirma que quando o estresse está presente, esses profissionais tornam-se mais

sensíveis e suscetíveis, podendo tornar o cuidado uma experiência negativa para os

envolvidos.

A ambivalência que já surgira no relato de Charles (2), ficou também evidenciada

no discurso de Fernando (1), quando ele se referiu a uma situação de conflito ocorrida com

outra pessoa da equipe: _ “[...] Não vou dizer que ‘Y’ não me ajudou, me ajudou também...

Mas e aí ? Acho que de qualquer maneira me bagunçou também! [...]


119

Os clientes internados nutrem freqüentemente sentimentos ambivalentes em relação

à enfermagem. Segundo Pitta (2003, p.65), se, por um lado, eles demonstram apreço e

gratidão, por outro, se ressentem da sua dependência e “aceitam de má vontade a disciplina

imposta pelo tratamento e pela rotina hospitalar”.

A imposição de normas e rotinas como uma forma de manter a ordem está

relacionada ao processo histórico do início da formação do hospital. Na atualidade, essas

normas e rotinas muitas vezes são mantidas com base em uma visão mercantilista da saúde

que leva à burocratização das instituições. Para Waldow (1999) essa situação aliada ao

avanço da tecnologia e à conseqüente especialização dos profissionais leva a divisões nas

tarefas da enfermagem que, por vezes, dificultam o estabelecimento das relações

interpessoais entre esta e o cliente.

A evolução da tecnologia, segundo Pitta (2003, p.68) tem se revestido de

“componentes cognitivos complexos e determina muitas vezes sobrecargas mentais nos

trabalhadores”. A autora afirma ainda que os integrantes da equipe de enfermagem

desenvolvem os chamados ‘sistemas sociais de defesa’ para fugir da ansiedade, culpa e

incerteza. Entre esses sistemas destaco a fragmentação da relação técnico-paciente, a

despersonalização, a negação da importância do indivíduo e o distanciamento e negação

dos sentimentos. Esses sistemas de defesa podem diminuir a disponibilidade da

enfermagem para estar numa relação de cuidado, e, aliada às exigências institucionais,

acaba por dar mais valor à dimensão técnica, proporcionando cuidados ‘para’ e não ‘com’

o cliente.

Prosseguindo seu discurso, Fernando (1) refletiu sobre uma possibilidade de

minimizar essa tensão resultante do convívio hospitalar: _ “Se isso já tivesse acontecido

(referindo-se às visitas musicais), agora, tipo de manhã nos nossos quartos... Tivesse feito
120

uma musicoterapia conosco, entendeu? Ficaria uma coisa melhor do que tá, porque a

gente fica naquele negócio de raiva! Já tá internado aqui, quer descontar !”

Fernando (1), em outra parte do seu discurso fez uma reflexão sobre a circularidade

do conflito, pois cada um afeta o outro numa crescente insatisfação que influencia

negativamente a todos: _ “[...] Então no caso essa pessoa lá, todo o mundo se estressa

com ela, e então geralmente é por causa disso, a gente já está estressada... Lógico que

está! O cara já desmarcou três vezes! (se referindo ao cirurgião) [...]. Então é um stress

que você tem! Aí você vai falar com uma pessoa dessas e ela te trata mal... Pronto! Com

certeza isso! A não ser que você esteja com a cabeça no lugar, e que de repente não

esteja...”.

As pessoas que convivem muito tempo em um ambiente como o hospitalar, tendem

a desenvolver um processo de estresse que acaba afetando as outras ao seu redor. Mas,

assim como a irritação e/ou a ansiedade derivada do estresse podem contagiar outras

pessoas, a música também pode, como se depreende da continuação do discurso de

Fernando (1): _ “E agora, se tocar a música antes, eu vou lá relaxar um pouco, conversar,

tocar uma música... Tem uma brincadeira nisso tudo, fica mais contente! [...] pode falar a

maior ignorância que for, que você vai estar mais tranquilo! Não sei se de repente eu

estou falando, né... Deixa prá lá”.

As visitas musicais, ao promoverem o momento lúdico, a conversa, a integração,

proporcionam relaxamento e bem estar, que segundo Fernando (1), vão deixá-los menos

propensos a criar conflitos. Essa situação foi recorrente no discurso de Fernando (1)

durante o processo de síntese grupal quando ele falou sobre o efeito benéfico da visita

musical: _ “Ajudar não só a gente, todo mundo que está enrolado naquilo ali, né? Todo

mundo... porque assim, se eu estiver mal... pôxa, a senhora também vai ficar mal! A
121

senhora está cuidando de mim também, a senhora vai lá falar comigo e eu venho com

ignorância e assim por diante”.

Outra participante dessa mesma dinâmica, Elisa (1), a partir da discussão grupal

sobre o estresse que existe no ambiente hospitalar, sugeriu que a visita musical se

estendesse também à equipe de enfermagem. Essa sugestão foi reafirmada durante a sua

síntese: _ “Sim, aquela idéia de pôr a música, ou musicoterapia para o pessoal que

trabalha”.

Fernando (1) complementou seu discurso anterior relatando o relaxamento

produzido a partir da visita musical e refletindo sobre o efeito desta na equipe: _ “Eu fiquei

solto, entendeu? Leve... Eu estava com um stress assim, aquela agonia... De repente, todo

o mundo se soltou, numa boa, tá solto e pronto pra começar de novo... No caso, pronto pra

agir com os pacientes novamente! Seria bom pra eles também. (se referindo aos

profissionais)”.

A relação estabelecida por Fernando (1) e Elisa (1) entre o estresse que permeia as

relações dentro de um hospital e a possibilidade de relaxamento através da música é

constatado também por Chagas, Gazaneo e Aguiar (2004). Em pesquisa realizada com os

profissionais da área da saúde verificaram que a música para eles alivia principalmente o

estresse, sendo aguardado com alegria o dia em que eram realizadas as atividades musicais

com os clientes internados. Uma outra influência observada por esses profissionais

relaciona-se ao fato de a música promover uma maior integração entre os membros da

equipe ao diminuir o estresse, importante fator gerador de conflito.

Estudo realizado por Backes et al (2003) também obteve resultado semelhante. A

música tocada ao vivo por membros da equipe de enfermagem em um CTI trouxe uma

série de benefícios para a equipe: diminuição dos níveis de tensão e desgaste psicológico,
122

prevenindo o estresse; maior comprometimento com as atividades profissionais e maior

integração social.

Nessa perspectiva, é oportuno ressaltar que, muitas vezes, durante as visitas

musicais, percebo a satisfação com que somos recebidos pela equipe de enfermagem. Um

observador certa vez relatou-me que no momento em que começávamos a tocar em

determinada unidade, ele percebia que os semblantes dos profissionais se modificavam,

parecendo estar mais relaxados e satisfeitos. Atualmente, em algumas unidades de

internação, a equipe de enfermagem solicita as visitas musicais para si própria, no que é

atendida.

Nessa direção, é mister refletir sobre a necessidade de cuidados que o profissional

de enfermagem requer, pois somente ao exercitar o próprio cuidado ele estará apto para

cuidar. Sobre isso, Silva (2000, p.86) afirma que a dimensão humana do cuidado requer

que o mesmo seja voltado para nós cuidadoras/es e que “exercitemos em nós este cuidado,

como pré-condição para gestarmos uma atitude de cuidado para com aqueles que

compartilham conosco um mesmo destino temporal e espacial”. A autora ainda afirma que

este cuidado atentivo e cotidiano é a expressão mais genuína do nosso ser, nossa

humanidade.

É imprescindível refletir sobre as diferentes maneiras de cuidarmos de nós mesmos,

seja com estratégias musicais ou com outras atividades expressivas que promovam

relaxamento, maior percepção de si e conseqüentemente dos outros, auto-conhecimento e

bem-estar. Segundo Silva (2000, p.88), o cuidado de si é um cuidado ético, pois a partir

dele “estabeleço uma atitude de compromisso e de transformação pessoal, profissional e

social”.

Observo, também, que nas visitas musicais em que ocorre a participação de algum

membro da equipe de enfermagem com o cliente, surge uma cumplicidade entre eles, pois
123

compartilham de um momento de prazer, que se evidencia através de brincadeiras e

risadas. Nesse contexto, as visitas musicais podem promover a sintonia entre o profissional

que cuida e o ser cuidado no momento em que ocorrem, na medida em que permitem que

ambos estejam conectados pela emoção, facilitando a interação enfermagem-cliente. Elas

possuem uma série de características que as tornam úteis, eficazes e agradáveis como

estratégia terapêutica. Compartilho do pensamento de que o cuidado deve dar prazer a

quem toca e a quem é tocado, seja com gestos, palavras ou sons. Tocar para sensibilizar

suas emoções e imaginações... (FIGUEIREDO et al, 1998).

As visitas musicais, portanto, podem ser um momento de compartilhar impressões e

sentimentos entre o cliente e a enfermagem levando à produção de subjetividades, termo

utilizado por Teixeira (2004, p.362) para designar um processo contínuo de criação e

reprodução de sentidos. Para o autor, “quem cuida, compartilha os cuidados, e não

simplesmente pratica uma ação ativamente”. É importante, segundo ele, refletir sobre as

implicações psicoafetivas no processo de cuidar, pois “a sensibilidade não pode estar

dissociada da cognição e das ações técnicas e científicas”.

Nesse sentido, é interessante observar que os problemas ou conflitos surgidos

durante a internação e que fizeram parte da crítica-reflexiva dos sujeitos da pesquisa não

estavam relacionados a questões técnicas, mas sim, a distorções na comunicação entre

clientes, acompanhantes e equipe de saúde. Estas distorções ampliam o estresse inerente à

internação hospitalar, o que nos aponta para a importância de se estimular a sensibilidade

no cuidado. Uma das possibilidades está no desenvolvimento das visitas musicais,

contribuindo com a expressão do desejo e da subjetividade do cliente hospitalizado.

Uma outra situação que amplia a angústia do cliente é a ruptura do cotidiano que

decorre da internação hospitalar. Esta ruptura foi abordada freqüentemente pelos

participantes da dinâmica, relacionada principalmente ao afastamento do convívio familiar.


124

Muitos se referiram à visita musical como sendo uma estratégia para diminuir o sentimento

de solidão decorrente desse afastamento, o que nos aponta para o subtema: ‘a visita

musical diminui o isolamento ao promover a integração grupal’.

- A visita musical diminui o isolamento ao promover a integração grupal

Durante a discussão grupal, houve depoimentos emocionados dos participantes das

dinâmicas, como os de Fernando (1), já internado há um mês: _ “Porque a gente tá aqui

internado. Fica aquela agonia da gente estar aqui internado, né, porque nossos filhos

estão longe... Minha primeira vez, meus dois meses aqui, foi horrível porque morri de

saudade das minhas filhas, eu não via a hora de ir embora, e nessa época não tinha

música, né ? Porque se tivesse seria até mais tranquilo!”.

Além da saudade das filhas, Fernando (1) em seguida se referiu a outro aspecto que

lhe trazia muita angústia e ansiedade - a preocupação com o bem-estar das mesmas,

refletida na região do corpo que escolheu durante a produção artística, o peito. Como

vimos anteriormente, esta região está ligada ao coração, às emoções, e em especial, à

saudade: _ “É, bem na parte do coração também, né? Um pouquinho por causa das

minhas filhas, porque me vejo longe delas, porque eu tive que me separar delas... E a

minha filha está com problemas, estava brigando na creche, batendo nos outros, ficando

agressiva, ela não é assim [...]”.

Em seguida, ele fez uma relação de seus sentimentos com as visitas musicais,

sugerindo que elas deveriam durar mais, buscando um paliativo para o sofrimento: _ “[...]

Acho que deve ter bastante... devia ter um pouco mais... o tempo que vocês ficam lá com a

gente... Deveria ser um pouco mais, viu, porque a gente [...]”.

Nesse momento, Fernando se referiu ao término da visita musical com um recurso

metafórico: _ “[...] Daí ficou, daqui a pouco foi embora... Falei: _ Acabou a festa! [...]”.
125

Para ele, a modificação do ambiente ocasionada pela visita musical foi tão grande, que ele

a relacionou a uma situação de grande euforia, como a que acontece em um festejo.

A preocupação provocada pelo afastamento familiar é agravada não só pelo tempo

de internação, mas também pela distância, como sugeriu Marcos (1), proveniente de região

distante, ao descrever os sentimentos de sua esposa, que o acompanhava durante a

internação:

_ “[...] Eu e a minha mulher temos três filhos, todas elas são mulheres... Estão

[...] longe pra caramba, é quase na fronteira! [...] Ela sofreu prá caramba também, ela

chorava, ficou bem angustiada! Mas, graças a Deus, ela conseguiu se recuperar e agora

ela tá melhor”.

Elisa (1), única participante do sexo feminino, também se referiu à saudade dos

filhos de forma muito emocionada. Ela esclareceu que sua angústia não estava ligada ao

medo da dor relacionada à cirurgia, mas às preocupações com o que ocorria ‘lá fora’: _

“Mas não é pelo fato de doer, não é isso... É o lá fora, qualquer coisa é o lá fora... Quer

dizer, é assim, tem que estar relaxado, tem que estar tranqüilo... Mas não tem como![...]”

Ela se preocupava ainda mais por considerar que as alterações que estariam

ocorrendo em casa poderiam decorrer da sua ausência: _ “[...] Por isso, não sei vocês, mas

a minha filha ficou hoje assim no telefone: _“Por quê?”(recomeça a chorar) Saudade?

Porque ela não ta aqui, ela não tava com nada antes... Mas eu fiquei firme, não chorei e

falei: _ Filha, toma o remedinho que vai passar... É ruim, né? Meu marido vai ver eles

tudo, depois volta e chega e conta um pouquinho de coisa... É ruim! É angustiante demais,

eu acho!”.

Sua angústia pode estar relacionada não somente ao seu afastamento do convívio

familiar, mas também, como se referem Chaves e Ide (1995), à supressão dos antigos

papéis sociais e assunção de novos processos. Naquele momento, Elisa (1) não podia
126

exercer a sua função de cuidar dos filhos, e, ainda mais, dependia do marido para obter

informações sobre estes.

Geraldo (3), que se mostrava muito preocupado com sua própria situação, pois

teria vindo ao Rio de Janeiro inicialmente para fazer uma avaliação cirúrgica e acabou

hospitalizado, também abordou essa preocupação com a família. Para ele, esta era uma

situação que abalava sobremaneira o seu estado emocional, pois a sua filha caçula, de um

ano de idade, tinha diagnóstico de câncer e havia estado até recentemente internada em um

hospital em sua cidade.

Geraldo: _ “Eu coloquei no coração porque sempre... É a minha família, entendeu?

Minha família, a distância... A dificuldade de fazer a cirurgia, o tratamento também, do

jeito que está atrasada a cirurgia... Eu fico em dúvida também... Será que vai dar certo, a

dificuldade de fazer a cirurgia... Tenho muita dificuldade e a gente pensa, né? [...] O

sofrimento que eu tive, de ficar longe da minha família, a minha filha está doente [...]

Problema de câncer, é respiratório, não consegue respirar direito.”

Em um momento posterior, Geraldo justificou a inclusão de sua produção artística

no coração, relacionando toda a sua angústia referente a seu estado de saúde ao mesmo

tempo em que se preocupava com os filhos _ “Essa angústia que brota dentro do meu

coração (falou com a voz embargada pelo choro)... Tenho vontade de ir embora... Eu

tenho dificuldades por sentir dor, mas ficar longe da família, também... Eu perguntei se dá

para mim cancelar a minha cirurgia, eu pedi para o coronel e para o major também. Eu

quero fazer o certo, mas... Eu dei a sugestão... Tenho que pensar nos meus filhos... Por

isso que eu senti muita falta de casa”.

A angústia de Geraldo poderia estar intensificando os seus sintomas físicos, como a

dor que sentia na perna operada, pois, como já havia relatado anteriormente, a dor física e a

angústia desapareceram quando ele entrou em contato com a música religiosa durante a
127

visita musical. Concordo com Teixeira (2004, p.365) quando afirma que o sintoma

corporal pode expressar um estado de tensão emocional devido à hospitalização e o receio

relacionado à perda de seus entes queridos. Segundo o autor, “é no corpo psicossomático

que observamos o resultante das tensões sociais que o indivíduo transforma em saúde ou

doença”.

Vilmar (2) se referiu ao isolamento que decorria da internação hospitalar e da falta

que sentia da família e filhos: _ “[...] A gente fica assim tipo isolado dentro de um quarto,

trancado... A gente pensa em família, pensa em filho, né? De um modo geral é muito ruim!

[...]”. Posteriormente, ele relatou o prazer que sentiu ao ter sua expectativa superada

durante a visita musical: _ [...] “Naquele dia eu fiquei até surpreso, né? A música entra

assim, todo o mundo... Aí dá aquela animação, foi legal! [...]”.

Em outro momento da discussão, Vilmar (2) abordou também a percepção que teve

da solidão a partir da experiência da internação: _ “Eu acho que é assim... No mundo que a

gente vive lá fora, a gente não tem consciência e nem noção do que é a solidão... Quando

a gente cai aqui é que a gente vê o que é que as pessoas às vezes passam aí fora, sozinho

em um lugar... A gente não sabe o que é a solidão... Isso aqui ensina muita coisa”.

Os desdobramentos ocorridos a partir da internação são parte da reflexão de Chaves

e Ide (1995, p.174), quando afirmam que os mesmos permeiam as concepções e as

emoções do doente, “modificando suas relações interpessoais no interior dos diferentes

grupos sociais a que pertence, além de alterar suas relações consigo mesmo, resultando em

abalo da auto-estima e da auto-concepção de uma forma geral” .

Esse abalo da auto-estima pode ser observado a partir do depoimento de Joaquim

(2), quando descreveu o que sentira na visita musical: _ “Me senti lembrado, ou seja, uma

pessoa muito importante; melhorou bastante a minha cabeça”. Durante uma das visitas

musicais, Joaquim (2), que estava internado há oito meses, se referiu a uma ocorrência
128

comum durante um período de longa hospitalização, que é a redução da freqüência das

visitas, situação que aumenta a sensação de abandono, e, conseqüentemente, abala a auto-

estima. Esse fato pode ter se refletido na seguinte fala: _ “Das pessoas que gostam de você

realmente. Das que te abandonam...” Posteriormente, durante a recodificação, ele diz que

as visitas musicais afetaram o ‘psicológico’, reafirmando o efeito benéfico que sentiu a

partir das mesmas.

Marcos (1) também se referiu às visitas musicais como algo que o fez sentir-se

especial, como pode ser observado no seguinte trecho dialógico:

Marcos: _ “A música faz a gente se sentir especial !”

Eu: _ “Marcos falou uma coisa, a música fez você se sentir especial, você pode

explicar melhor isso ?”

Marcos: _ “É porque no momento que eu estava no quarto... Aí de repente alguém

chegou: _ “Vocês gostariam que a gente cantasse uma música para vocês”? _ Pôxa, seria

ótimo ! E começa a cantar, entende ? Especial, porque aí a gente pensa: _ Pôxa, não estou

aqui abandonado, tem gente que vem alegrar a gente, fazer se sentir feliz, cantar a música

que a gente quer, dar oportunidade... uma coisa boa pela gente! Uma coisa boa... pra

ajudar... É isso aí”.

Para Marcos (1) e Joaquim (2), sentir-se especial ou importante estava relacionado

ao momento de encontro promovido pela visita musical. Para Joaquim, diminuiu a

sensação de abandono ocasionada pela falta de visitas, e para Marcos, além de diminuir a

sensação de abandono, afastado da sua família e seu círculo social pela distância, ainda,

proporcionou-lhe a oportunidade de expressar sua singularidade através da escolha

musical.

Charles (2), que também estava internado há oito meses fez referências à solidão

provocada pelo afastamento familiar e pela alteração do seu cotidiano, que para ele,
129

tornou-se bastante evidente no período noturno, especialmente ao dormir: _ “Chega a hora

de dormir é a pior hora... A pior hora é na hora de dormir... Você está acostumado a

dormir com a tua mulher, com a tua mãe, tua irmã e teus filhos, teu pai... Você vai dormir

sozinho, entendeu? Nossa senhora! Você acorda e não vê ninguém... Tá no hospital,

entendeu?”.

Durante uma das visitas musicais Charles (2) solicitou a música ‘Sozinho’16 que diz

em um trecho: “Às vezes no silêncio da noite/ Eu fico imaginando nós dois/ E fico ali

sonhando acordado/ Juntando o antes, o agora e o depois/ Por que você me deixa tão solto?/

Porque você não cola em mim?/ To me sentindo muito sozinho...”. Esta música estava em

consonância com seus sentimentos, permitindo que ele expressasse sua angústia pela solidão

ocasionada pelo afastamento familiar devido à internação hospitalar.

Ao expressarem o sentimento de ansiedade gerado pela solidão, os participantes da

pesquisa trouxeram para o espaço das dinâmicas durante a discussão grupal, a concepção

de que as visitas musicais resultam em diminuição da solidão ao promover a integração no

ambiente de internação hospitalar.

Vilmar (2)_ “Foi isso que eu falei, nesse sentido... A partir da música, no caso, a

gente não está muito sozinho, né? Foi o que eu falei, um passa e fala, outro fala, a gente

começa a se conhecer para bater um papo e faz com que o tempo passe mais rápido e a

solidão não fique só aquilo, né? Acho que dá para disfarçar um pouco, distrair um

pouco[...]”.

As visitas musicais despertam prazer e permitem a possibilidade de interação mútua

por ser uma atividade compartilhada. Ou seja, para que elas ocorram é necessário a

participação de todos tocando, cantando ou escutando. Essa característica das visitas cria a

16
Música composta por Peninha e que se tornou sucesso ao ser interpretada por Caetano Veloso.
130

oportunidade de partilhar o momento, promovendo a intersubjetividade e facilitando a

interação entre os que dela participam.

A necessidade de interação é evidenciada no diálogo ocorrido entre Joaquim (2) e

Charles (2), no âmbito do qual o primeiro usou a analogia entre a enfermaria e uma cela

para demonstrar a intensidade do seu isolamento. Joaquim: _ “Prá gente que está meio

jogado... Porque a gente cruza um com o outro no corredor e aí bate meia hora de papo,

ou senão é (assobia e faz um gesto de movimento, de saída) para a cela, tem que voltar

para a cela”. Charles acrescentou: _ “A gente passa mais tempo com o sujeito do que com

a própria família, e, às vezes, a gente nem se fala”, se referindo metaforicamente aos

colegas de internação.

Essa necessidade de interação refletida nos diferentes discursos foi um tema

recorrente entre os participantes das três dinâmicas desenvolvidas e deve ser considerada

pela enfermagem na construção de um ambiente de cuidado. No caso de Joaquim (2), a sua

participação nas visitas musicais ocorreu a partir de uma solicitação da enfermeira. Esse

gesto proporcionou a Joaquim a oportunidade de expressar seus desejos, se sentir

confortado e lembrado, e, posteriormente, deu-lhe a chance de interagir com outros clientes

hospitalizados. Esse encontro terapêutico que ocorreu na visita musical refletiu-se na

melhora do seu estado psicológico, como ele mesmo descreveu.

Talento apud Watson (2000) cita dois aspectos das atividades de enfermagem

categorizados por: instrumental e expressivo. O primeiro relaciona-se às intervenções

objetivas como medicações, curativos, e outros aspectos técnicos, enquanto o segundo

refere-se ao aspecto psicossocial, relacionamento, sensibilidade e apoio emocional. Sendo

um dos objetivos do cuidar em enfermagem o conforto e bem-estar ao cliente, a enfermeira

ao solicitar a visita musical valorizou a dimensão expressiva deste cuidado quando


131

percebeu que a necessidade apresentada pelo cliente não estava circunscrita somente ao

aspecto físico ou biológico.

Zito (2) reforçou a discussão acerca da possibilidade de integração promovida pelas

visitas musicais: _ “[...] Eu vim conhecer Fernando (1) ali, quando eu estou ali e ouvi

aquela música evangélica... E foi assim que eu o conheci... Da outra vez eu fui lá no

quarto de Marcos (1) e assim foi acontecendo, o conheci também através da visita

musical”.

Geraldo (2) também se referiu a esse momento da visita musical como algo especial

por minimizar os efeitos da solidão: _ “Traz alegria, o lugar assim fica diferente... Eu

senti assim, na hora que você chegou cantando, eu sozinho lá, você cantando e ele tocando

violão... Senti... Parece que tinha muita gente ali naquela hora [...] eu estava sozinho sem

sair, eu não saía para canto nenhum também... Eu me senti aliviado, né?”.

Nesse trecho dialógico Geraldo revelou a importância da presença do outro durante

as visitas musicais, um outro que chega, canta e toca. Para ele, não havia somente duas

pessoas a mais, havia ‘muita gente’. Nossas vozes entraram em sintonia com ele,

amplificando a sensação de estar acompanhado, confirmando a qualidade integradora

dessas visitas.

Para os sujeitos da pesquisa, a necessidade de integração ficou bastante evidenciada

a partir de sugestões que espontaneamente surgiram no decorrer das dinâmicas. Estas

sugestões se referiam aos desejos dos participantes, estimulados na vivência das visitas

musicais e que apontavam, em sua maioria, para a importância de atividades em grupo,

mas também para o desejo de maior tempo de duração da visita musical ou de aprender

violão.

Essas reivindicações, expressas pelos sujeitos da pesquisa, apontaram não somente

para as suas necessidades psicossociais, mas também para a afirmação de suas


132

singularidades através da expressão de seu desejo relacionado tanto ao auto-

desenvolvimento quanto à mudanças da realidade externa. O desejo é o querer humano,

que, segundo Teixeira (2001, p.42) está baseado no afeto e conduz às transformações. “O

sujeito sai da passividade para atividade pela força do seu desejo, pois este é uma

imanência contínua de intensidade”, como depreendemos do seguinte fragmento dialógico

ocorrido na dinâmica Corpo-Musical nº2:

Joaquim: _ “Deixa eu dar um exemplo simples... Isso aqui prá gente já está ótimo!

Prá mim tá ótimo! (referindo-se à dinâmica) A gente passa o tempo aqui trocando as

idéias... (Todos falam ao mesmo tempo concordando) [...] Isso aqui para a gente já é uma

uva!”

Vilmar completou: _ “Garanto que se tiver todo o dia, todo o mundo vai ter prazer

de vir para cá todo o dia [...]”.

A experiência de internação vivida por Joaquim e Vilmar, como já visto, trouxe-

lhes respectivamente a sensação de abandono e isolamento, contudo, a participação nas

visitas musicais e, especialmente, na dinâmica criou a possibilidade de conversar e ‘trocar

idéias’. O entusiasmo relacionado ao prazer que sentiram durante a dinâmica é reforçado

pelo comentário de Charles (2) sobre a mesma, em momento posterior da discussão grupal:

_ “Ajuda, ajuda! Esse papo aqui que a gente está tendo, tá ajudando...”.

Uma das formas de ajuda esteve relacionada à troca de informações entre os

sujeitos e entre eles e eu, conforme aconteceu com o desejo expresso pelos participantes da

dinâmica corpo-musical nº 1 de aprender a tocar violão:

Fernando: _ “É, aprender a tocar um violão, entendeu? Porque acho que muita gente tem

vontade de aprender a tocar um violão, não é não? [...]”.


133

Jader: _ “Quando eles foram lá, eu estava só olhando assim, prestando atenção no braço

dele no violão... (se referindo ao músico) Aí, na minha mente eu pensei: _ Isso é difícil...

Mas se a gente tivesse uma aula, até poderia aprender um pouco”.

A partir desses relatos, informei aos participantes que havia no hospital um projeto

de Oficinas de Música para clientes e funcionários no qual eles poderiam se inserir para

aprender a tocar violão, ou, para aperfeiçoamento como no caso de Fernando que já sabia

tocar um pouco. Expliquei que essa participação dependeria somente do desejo pessoal e

da condição clínica de cada um e que ao final da dinâmica eu poderia inscrevê-los em uma

das oficinas.

A partir dessas informações, Fernando falou: _“[...] Mas já que o exército favorece

isso, tem condição de fazer isso, porque não? Por que não fazer de uma coisa ruim uma

coisa boa? Igual aquele ditado: tem males que vem prá bem, né ? Esses males podem ser

uma coisa prá bem”.

Sua crítica-reflexiva apontou para uma mudança possibilitada pela sua participação

na dinâmica. Até aquele momento, só se referia aos aspectos negativos da internação

hospitalar, mas a partir da dinâmica, vislumbrou outros aspectos.

Também foi possível discutir sobre a existência do coral no âmbito do HCE. Zito

(2) mostrou-se tão interessado que foi convidado a participar dos ensaios. Ele comentou

que já cantara em coral em sua igreja, mas que no momento estava afastado dessa

atividade. Após sua participação ativa em um dos ensaios do coral, revelou o seu desejo de

retornar a cantar na igreja.

No calor das discussões, os participantes da pesquisa reivindicaram também o

aumento no tempo de duração das visitas musicais. Vejamos o diálogo ocorrido na

dinâmica corpo-musical nº:

Marcos: _“[...] aumentar o tempo da música... A quantidade de música também”.


134

Elisa falou em um tom de brincadeira: _“Ficar o dia inteiro que vocês não parem!”

Posteriormente, Elisa retornou ao assunto iniciando discussão sobre o

desenvolvimento das visitas musicais como atividade grupal a ser realizada em um dos

quartos, como ficou evidenciado em outro trecho dessa mesma dinâmica.

Elisa (1) sugeriu: _ “Aumentar tempo de música para que esse efeito dure mais.”

Fernando (1) complementou: _ “É, ou até reunir o pessoal, prá não perder muito

tempo também, porque às vezes passa rápido... Pôxa, reunir todo mundo!”.

Elisa argumentou: _ “Mas tem alguns que não podem sair da cama, né ?”

Fernando lançou uma alternativa: _ “Ah, vai para o quarto dele!”

Esse assunto foi recorrente na síntese grupal ocorrida na dinâmica “corpo-musical

nº2”, apontando o interesse que este tema despertava nos participantes:

Joaquim: _ “Fazer em grupo”. Todos concordaram e ele completou: _ “Essa é

boa! Em grupo ainda vai dar mais tempo, porque é todo o mundo junto, e ainda vai dar

mais tempo à vocês... Mais tempo para vocês se dedicarem à outras pessoas...”

Charles complementou: _ “É menos cansativo também...”

Joaquim: _ “Tem um outro lado também, que não dá porque tem gente que não sai

da cama... Grupo entre aspas. [...] Podia se reunir no quarto do ‘perneta’ que não anda”.

Vilmar: _ “O que não pode andar, ir todo o mundo para lá. E também, depois que

acabasse a música acho que a gente poderia ficar mais um tempinho batendo um papo...”.

Quando ocorreu a dinâmica “Corpo-Musical nº 2”, já havia realizado um encontro

grupal em uma das enfermarias, mas alguns participantes dessa dinâmica eram de outra

enfermaria e não tiveram a oportunidade de participar. Na terceira dinâmica não ocorreram

sugestões nesse sentido porque eles já haviam passado por essa experiência grupal nos

quartos, ocorrida a partir das sugestões das dinâmicas anteriores. Porém, relataram a

influência positiva que essa experiência teve para a integração dos mesmos: _ “[...] O
135

interessante é que todo o mundo participa, né? É que nem, vai no quarto 16, e todo o

mundo vai porque quer cantar também”Ricardo (3).

Esses discursos revelaram a importância das dinâmicas para conduzirem mudanças

na rotina hospitalar, ou mesmo na organização das visitas musicais. Para Teixeira (2001,

p.43) o desejo opera em qualquer plano humano, inclusive no campo da saúde, onde aflora:

[...] ser feliz, ser respeitado, ter direito a uma saúde digna, opinar sobre sua
terapêutica e buscar novas iniciativas de cuidado, formando grupos,
participando do conselho de saúde e de novas maneiras de ver e cuidar do
corpo que se afastam da visão dominante, uniformizadora das singularidades.
Revela-se até mesmo na rebeldia contra a imposição de modelos que impedem
a expressividade do sujeito no cuidado.

As reivindicações por mudanças feitas pelos participantes da pesquisa mostraram

que as visitas musicais atingiam o objetivo de proporcionar conforto e bem estar e, nas

dinâmicas desenvolvidas, ressaltaram a necessidade de ampliar as atividades grupais, de

modo a contribuir para maior integração entre eles. A partir de então passamos a realizar as

visitas de duas formas.

Assim, mantivemos a proposta anterior, ou seja, para clientes da mesma enfermaria,

de modo a atender àqueles que preferiam uma atividade mais reservada, não impondo a

eles a obrigatoriedade de estar em grupo, respeitando a sua singularidade relacionada a seu

modo de ser, ou, ao momento particular no qual esteja passando. Além dessa, introduzimos

uma nova modalidade, sugeridas pelos clientes, reunindo quem quisesse participar da

atividade grupal no quarto daquele que tivesse impossibilitado de se locomover.

A discussão grupal no âmbito das DCS promoveu o encontro entre eles e despertou,

através da crítica-reflexiva, uma nova possibilidade de interação a partir da visita musical -

um espaço para a conversa em grupo. Joaquim (2) apontou isso através desta reflexão: _

“De repente, isso já supre alguma coisa... Uma música, um bate papo tal, e a gente

levanta o astral...”.
136

Foi interessante também constatar como a dinâmica Corpo-Musical nº 1 repercutiu

em Charles (2), que trouxe para a discussão grupal a sugestão de criar um espaço novo de

encontro, como se depreende no seguinte trecho dialógico:

Charles: _ “[...] Aí, até todo o mundo estava conversando lá que seria até melhor

que juntasse todo o mundo aqui nessa sala mesmo (se referindo à sala da musicoterapia), e

que fosse meia hora de música, entendeu? Seria melhor do que três músicas em cada

quarto, entendeu? Porque de uma certa forma está sendo assim, tudo em conjunto [...] A

minha opinião é que se tivesse um grupo, fosse grupal, seria melhor do que em cada

quarto... Tipo meia hora! Juntasse todo o mundo mesmo, ficasse uma coisa... Um coro,

entendeu? Seria uma ‘parada’ até melhor...”.

Zito (2) complementou: _ “Mais bonito, é!”

Charles repete: _ “Ficasse até mais bonito... Eu acho, é uma opinião minha,

entendeu? Porque é muito pouco tempo, pedir duas músicas, depois a pessoa pede mais

duas, é muito pouco! [...] E não precisa ser música direto, aí depois faz um debatezinho...

Não sei o quê, conversa...”.

A qualidade integradora das visitas musicais mobilizou os grupos participantes das

dinâmicas a reivindicarem a criação de um espaço que permitisse a interação entre os

clientes hospitalizados que, segundo eles, dentre outros aspectos, poderia minimizar o

impacto negativo da internação hospitalar. Vale dizer que este espaço já foi implementado

por iniciativa dos clientes, revelando-se como uma das contribuições deste estudo.

Devemos estar sempre atentos às alternativas que possam ampliar a busca por auto-

conhecimento e crescimento, tanto por parte do cliente, quanto da enfermagem, e as visitas

musicais configuraram-se neste estudo como uma dessas possibilidades.


137

Freire (2004, p.58) afirma que:

Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura,
sem ‘tratar’ sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem
musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem
esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência,
ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar,
sem idéias de formação, sem politizar, não é possível.

Como vimos, este capítulo apresentou as concepções de clientes hospitalizados

sobre as visitas musicais, revelando sua importância sob dois aspectos principais: no

resgate ou manutenção da autonomia do cliente, na sua condição de sujeito do cuidado; e a

sua qualidade integradora no cenário hospitalar. Além disso, foi possível estabelecer

alguns nexos entre o desenvolvimento dessas visitas com o cuidado de enfermagem. O

próximo capítulo traz uma síntese dos resultados da pesquisa, apresenta suas principais

contribuições, bem como suas articulações com a enfermagem fundamental.


138

CAPÍTULO IV
AS VISITAS MUSICAIS NO CONTEXTO HOSPITALAR E SUAS
INTERFACES COM A ENFERMAGEM FUNDAMENTAL

Esta dissertação investigou as visitas musicais no contexto hospitalar, partindo das

concepções de clientes adultos internados na Clínica de Ortopedia de um hospital militar

da cidade do Rio de Janeiro que já haviam participado dessa experiência.

No processo de codificação, descodificação e recodificação temática oportunizado

pela crítica-reflexiva grupal, no âmbito das dinâmicas de criatividade e sensibilidade

desenvolvidas neste estudo, os sujeitos da pesquisa revelaram a importância dessas visitas

no contexto do cuidado hospitalar, proporcionando a discussão sobre suas interfaces com o

que é próprio e de interesse da enfermagem fundamental.

No âmbito das dinâmicas, tendo em vista suas experiências como participantes das

visitas musicais, os sujeitos da pesquisa destacaram que elas afetaram a cada um de forma

particular, no entanto, todos relataram sentir mais de um efeito sobre o seu corpo, do ponto

de vista de sua totalidade. Na produção artística, os sujeitos apresentaram diferentes

influências dessas visitas, quais sejam: emocional – trouxe alegria, felicidade, alívio da

tensão e da angústia; cognitiva – reflexão e resgate de lembranças latentes; e físico –

conforto para o corpo na sua totalidade.

Vale destacar que estes efeitos foram produzidos a partir de um estímulo musical

integrante do universo sonoro de cada cliente. Como tive a oportunidade de apresentar no

decorrer deste estudo, a música provoca ações e reações na totalidade do ser humano, ainda

mais, quando aliada à possibilidade de escolha pelo cliente, como ocorre no âmbito das

visitas musicais. Esta escolha, relacionada à sua biografia musical, promove, além de bem-

estar e conforto, a expressão da identidade social do cliente internado.


139

É notório que a internação hospitalar provoca uma ruptura no cotidiano das

pessoas, lhes impondo rotinas ‘estranhas’. Afeta-as ao separá-las de suas conexões físicas,

sociais e emocionais. O estado mórbido aliado à impessoalidade do ambiente hospitalar

pode causar insegurança e angústia que desestruturam o cliente, alterando a sua auto-

imagem e percepção do Eu.

Penso que, se a identidade é construída na sintonia afetiva da intersubjetividade,

uma das formas de restaurá-la é o desenvolvimento das visitas musicais como uma

estratégia terapêutica que privilegia a interação e a comunicação entre os que delas

participam. Ao mesmo tempo, estas se revelam importantes no resgate do sujeito social, ao

estimular a participação do cliente respeitando sua singularidade, quando asseguram sua

escolha musical e resgatam suas lembranças, fazendo eles expressarem diferentes emoções,

ratificando, assim, o efeito holístico dessas visitas.

O estudo de Ferreira et al (2002) ao sinalizar os cuidados fundamentais na ótica do

cliente refere que estes se organizam em um tripé que engloba a dimensão física-biológica,

a dimensão social e a dimensão subjetiva. Com efeito, as visitas musicais, segundo os

participantes da pesquisa, abrangem essas três dimensões, com destaque para a dimensão

social que são os cuidados que mantém sua identidade social, e para a subjetiva, que

valoriza o sujeito na sua dimensão humana.

Reafirmo que as contribuições das visitas musicais não estão ligadas de forma

restrita à música em si, mas à possibilidade de encontro significativo que estas

proporcionam entre o cliente e o profissional, definido por Watson (1996), ao localizá-lo

no âmbito da enfermagem como ‘momento de cuidado’. Esse momento, segundo a autora,

envolve ação e escolha entre os sujeitos do cuidado, promovendo interação entre eles.

Em se tratando das visitas musicais, essa conexão vem, em grande parte, da

possibilidade de, por um lado, o cliente expressar seus sentimentos a partir do estímulo
140

musical, e, por outro, o profissional, ao tocar, entrar em sintonia com o cliente e juntos

produzirem um encontro ‘emocionável e emocionante’.

A visita musical torna-se, portanto, uma estratégia de cuidado baseada no respeito

aos direitos do cliente, suas necessidades, desejos e expectativas, ao estimular que expresse

o seu gosto musical e a sua participação nesses encontros. Ao serem valorizados esses

aspectos, o cliente se sente feliz, aliviado, relaxado, expressa suas emoções e eleva sua

auto-estima. Ademais, ao tempo em que o possibilita transgredir as normas instituídas no

hospital, as visitas musicais podem favorecer sua integração ao ambiente de internação,

promovendo conforto e bem-estar. Também promove a comunicação e a interação entre os

seus participantes, ressaltando sua qualidade integradora. Aí encontro interfaces entre as

visitas musicais com o que é próprio e de interesse da enfermagem fundamental.

Despertar a atenção da enfermagem para a importância da visita musical como

potencializadora da relação humana no contexto hospitalar poderá refletir positivamente no

cuidado junto ao cliente. Se entendemos que as visitas musicais facilitam a interação

enfermeiro-cliente e traz uma série de benefícios físicos, emocionais e até espirituais a

ambos, é importante que mais estudos sejam realizados sobre esse tema, buscando assim

ampliar as suas contribuições à ciência da enfermagem.

Há de se considerar, no entanto, quando se pensa a música no cuidado de

enfermagem, a ‘inclinação’ da enfermeira cuidadora pela música, já que o cuidado é

recíproco e relacional, conforme compartilho da concepção das autoras que orientaram este

estudo. Ou seja, não penso que toda a enfermeira necessariamente goste, tenha

conhecimento de instrumentos musicais, ou incorpore uma atividade musical no seu fazer,

mas considero que ela possa reconhecer a música, no caso, as visitas musicais, como fortes

aliadas no cuidado de enfermagem a partir do momento em que esta pode “abrir canais de

comunicação”, deixar fluir os sentimentos e fortalecer a auto-estima do cliente.


141

Na verdade, a intenção é que a enfermagem, reconhecendo as contribuições das

visitas musicais para o bem-estar do cliente e como potencializadora da relação humano-

humano, favoreça sua presença na reconstituição do cliente hospitalizado, e, assim,

aproveite para fazer fluir as perspectivas do cliente sobre o tratamento/cuidado. Isto

enriquecerá a coleta de dados sobre a situação do cliente, o que favorecerá o diagnóstico de

enfermagem e, conseqüentemente, a prescrição de cuidados.

Merece também consideração o fato de que o caráter holístico das visitas musicais

reforça a dimensão saudável do cliente, o que vai ao encontro das políticas públicas de

saúde voltadas para a humanização do ambiente hospitalar. Outro conceito que tem obtido

destaque entre essas políticas públicas é o de integralidade, definida como “um conjunto

articulado de ações e serviços de saúde, preventivos e curativos, individuais e coletivos, em

cada caso, nos níveis de complexidade do sistema”. Para Pinheiro e Luz (2004, p. 34) é

necessário assumir a integralidade como eixo norteador de novas formas do agir social em

saúde, permitindo o surgimento de experiências inovadoras na prática assistencial que,

colocadas a serviço da população, permitem ao cliente escolher a terapêutica a ser utilizada

evidenciando uma compreensão ampliada do direito à saúde.

Nesse sentido, o conceito de integralidade possui uma interface com o conceito de

‘reflexividade’ de Giddens (2002), pois ambos se referem ao direito de escolha entre

diversas opções possíveis que estimulam a autonomia do sujeito e o exercício de sua

cidadania, ao mesmo tempo em que este constrói sua auto-identidade.

Para atender às necessidades da população, a integralidade depende da

transdisciplinaridade que visa aprofundar a ligação entre as práticas e as disciplinas.

Teixeira (2004 p.365) se refere à importância da transdisciplinaridade pois considera que

mesmo respeitando as disciplinas “existe o entre, o através e a possibilidade de romper

muros”. O autor relaciona a importância da subjetividade como categoria epistêmica que


142

serve à produção de conhecimento na modernidade, uma vez que a sensibilidade contribui

para maior compreensão da realidade que é multifacetada e transdisciplinar.

Nesse contexto, considero que a música é transdisciplinar, por essência; ou seja, ela

atravessa as diferentes profissões de saúde. E a visita musical, conforme ratificada no

discurso dos sujeitos é uma estratégia que potencializa as contribuições da música no

cuidado, uma vez que envolve o direito de escolha pelo cliente, garantindo sua autonomia,

o que eleva sua auto-estima e abre espaço para o diálogo, possibilitando que ele expresse

suas emoções e compartilhe suas experiências. Conseqüentemente, promove interação

entre os clientes e destes com a equipe de saúde, integrando-os ao ambiente de

hospitalização.

Assim sendo, penso que a transdisciplinaridade pode embasar a conexão entre as

visitas musicais e a enfermagem, tendo em vista a integralidade e a humanização das

práticas hospitalares dentro de uma visão complexa de saúde e doença que inclui as

relações sociais, as expressões emocionais e afetivas, a biologia, as condições e razões

sócio-históricas e culturais dos indivíduos e grupos.

A enfermagem atual busca alcançar a integridade dos cuidados ao tentar cuidar do

cliente de forma holística, evitando a visão mecanicista e reducionista resultante do modelo

biomédico. Waldow (2004) ao definir o processo de cuidar, relaciona-o a ações e atitudes

voltadas para promover, manter e/ou recuperar a dignidade e totalidade humanas. A autora

defende a importância do profissional da saúde entender que a doença ou incapacidade

resulta em um dano na autonomia, integridade, auto-imagem e na capacidade de se

relacionar com os demais. Vejo nas visitas musicais uma alternativa de resgatar no sujeito

essas características essenciais, o que foi confirmado pelos participantes desta pesquisa.

Seguindo esse pensamento, as visitas musicais devem partir do referencial do

cliente para permitir que aflorem os sentimentos e sensações relacionadas aos eventos
143

importantes de sua vida. Watson (2003)17 reitera essa idéia ao afirmar que a enfermagem

deve cuidar a partir do marco de referência do outro e não do seu. Nessas circunstâncias, as

visitas musicais podem auxiliar a reconstituição dos clientes ao fortalecê-los, conectando-

os a suas experiências de vida e a seus significados. Como diz Watson (op. cit.),

reconstituir é mais do que curar. É recompor, é restaurar as relações.

Atender o desejo do cliente no momento de cuidado, se individual ou se partilhado

com um grupo, pode ser importante para o seu bem-estar e para o seu auto-

desenvolvimento. Entre os fatores de cuidado de Watson (1996), encontro respaldo para

essa atitude que pode estar voltada tanto para a participação em processos de cuidado

criativos e individualizados, quanto para o sentido de observar ambientes auxiliadores,

protetores e/ou corretivos, seja mentalmente, fisicamente ou socialmente.

Penso que o cuidado deve valorizar justamente os aspectos que se relacionam com

a subjetividade do homem, conforme preconiza o cuidado humano, na concepção de

Watson (1997), cujos atributos incluem a valorização do seu aspecto psicossocial. A autora

defende a preservação da sensibilidade, da afetividade, da criatividade e da expressividade

no cuidado, além do desempenho de tarefas ou técnicas.

No bojo dessa discussão, vale dizer que as visitas musicais, em si, podem não se

constituir em estratégia de cuidado própria da enfermagem, no entanto, a atenção às

necessidades, expectativas e desejos dos clientes, isto sim, é próprio e de interesse da

enfermagem fundamental que valoriza o cuidado na sua dimensão, sobretudo, humana.

Portanto, é importante que o profissional de saúde esteja atento à subjetividade do

cliente, adotando uma postura criativa no espaço hospitalar, de modo que a inatividade, a

monotonia, as relações conflituosas e outras situações ou características que perpassam

17
Curso “Cuidar em Enfermagem além da Pós-Modernidade” ministrado durante o Intercâmbio Internacional
Bases Teórico-Filosóficas da Prática do Cuidar em Enfermagem conforme citado na p. 9.
144

este ambiente não acarretem em conseqüências negativas para a saúde do cliente. E isto é

fundamental no cuidado de enfermagem.

Prosseguindo com a importância atribuída às visitas musicais pelos sujeitos

participantes da pesquisa, ressalto a contribuição das visitas musicais como forma de tornar

as relações entre os clientes, seus familiares e entre estes com a equipe de saúde, mais

humanizadas. Uma vez que esta atividade abre a possibilidade de participação da família e

amigos no horário da visita, eles podem sentir-se incluídos na proposta, o que os permite

viver um momento de alegria e descontração capaz de alterar o enfoque voltado à doença e

ao sofrimento, comum no ambiente hospitalar.

Em relação à equipe de saúde, os participantes da pesquisa destacaram que as

visitas musicais apresentam um grande potencial no sentido de diminuir o estresse próprio

das atividades hospitalares, das relações desgastantes entre cliente/profissional, ou, entre os

próprios profissionais. Contudo, vale considerar que o interesse do profissional também

precisa ser respeitado para que ele não se sinta invadido nas suas ações, o que poderia

resultar em efeito negativo que acabaria por prejudicar a ambos, profissional e cliente

internado.

Nesse sentido, eles precisam ser consultados quanto ao horário mais adequado para

as visitas, ou mesmo, a melhor forma de abordar o cliente e/ou sua família, levando em

conta que alguns podem não entender o objetivo das visitas musicais e sentirem-se

‘atingidos’ por considerarem que a música não é adequada às características do hospital,

concebido como local de dor e sofrimento. Assim, a equipe pode mostrar-se resistente a

mudanças, sendo difícil fugir ao ‘padrão’ instituído para incluir uma atividade pouco

convencional neste espaço. Afinal, romper com a ordem instituída é um desafio que nem

todos estão preparados para enfrentar.


145

Se, por um lado, essa transgressão à ordem posta pode mostrar-se útil para os

clientes internados, no sentido de tornar o ambiente mais agradável, facilitando sua

integração a este meio, por outro, pode incomodar alguns profissionais ‘acostumados’ ou

‘acomodados’ a essa ordem.

Muitas vezes, a enfermeira se defronta com sentimentos ambivalentes, dividida

entre realizar sua atividade profissional dentro das normas estabelecidas pela instituição

hospitalar, e, ao mesmo tempo atender o desejo do cliente que devido à sua singularidade

não se enquadra em um determinado ‘padrão’ pré-estabelecido.

Um ponto instigante é a reflexão sobre, em sendo a enfermaria um espaço coletivo,

o respeito à singularidade de cada cliente tornar-se uma questão complexa, contudo,

existem possibilidades para a saída deste impasse que foram desveladas na crítica-reflexiva

dos participantes deste estudo.

Por um lado, é importante que o profissional seja sensível aos sinais que

demonstram se o cliente está sentindo ou não prazer em escutar a música escolhida por

outro companheiro do setor ou enfermaria. Por outro lado, vale registrar que o movimento

dialógico entre os participantes no interior das dinâmicas mostrou que é possível

compartilhar o espaço terapêutico das visitas musicais, mesmo que a música escolhida não

agrade a todos ao mesmo tempo. Ou seja, há situações em que o cliente opta por priorizar a

integração viabilizada pelas visitas, respeitando o desejo do companheiro enquanto

aguarda o seu momento de escolha. Esta atitude denota paciência, generosidade e

solidariedade, atributos pessoais importantes que merecem ser valorizados em ambientes

coletivos.

Reitero que a música, devido à sua influência no desenvolvimento psicossocial e

pela possibilidade de promover a integração através das visitas musicais, deve ser

valorizada como um recurso expressivo que pode ser utilizado pela enfermagem com vistas
146

a humanizar o ambiente hospitalar. Porém, é importante refletir sobre o interesse tanto do

profissional quanto da instituição em desenvolver as visitas musicais, pois estas envolvem

tempo e preparo. Implica na escolha e ensaio de repertório musical, principalmente

considerando o desejo do cliente, o que se reflete em separar e organizar uma variedade

abrangente de músicas na tentativa de se aproximar do universo sonoro do mesmo.

Assim, o profissional envolvido nesta atividade deverá dispor de parte de seu tempo

a esse projeto, assim como a instituição deverá disponibilizar verba para a compra de

instrumentos musicais e reproduções das letras das músicas. Os resultados desta pesquisa

mostraram que o investimento de tempo e recursos pode ser muito proveitoso, dadas as

diferentes contribuições dessa iniciativa para o hospital e para o cliente.

Nesse contexto, é importante que se discutam novas possibilidades de atuação da

enfermagem para que esta seja capaz de atender, não somente às necessidades, mas

também aos desejos do cliente, o que pode favorecer o auto-conhecimento e o

desenvolvimento de suas potencialidades. É claro que isso implica em uma questão ética

do cuidado, inclusive na avaliação das diferentes situações do querer do sujeito que, por

vezes, pode implicar em interditos, quando o seu desejo for contra a sua vida ou contra a

vida do outro.

Para Teixeira (2001) o desejo também opera em qualquer plano humano, o que

pode ser evidenciado pelas sugestões feitas pelos sujeitos relacionados a mudanças na

rotina hospitalar e/ou mesmo na organização das visitas musicais. No campo da saúde, o

cliente deseja ser respeitado, opinar sobre sua terapêutica e buscar formas alternativas de

cuidado. Para o autor, o desejo revela-se até mesmo na rebeldia contra a imposição de

modelos que impedem a expressividade do sujeito no cuidado.

Esse sentimento de rebeldia frente às imposições da instituição hospitalar ficou

evidenciado no discurso de alguns participantes da pesquisa e resultou numa postura


147

reivindicatória por parte dos mesmos, relacionada à criação de um espaço que viabilizasse

a conversa e a troca de experiências entre os clientes e entre estes e a equipe de saúde.

Como já foi citado anteriormente, tais reivindicações suscitaram mudanças que foram

implementadas e se constituem como uma das contribuições da presente pesquisa.

Nesse contexto, as reinvindicações dos sujeitos da pesquisa apontaram para a

expressão de sua autonomia que se configurou a partir do processo de singularização

(TEIXEIRA, 2001) promovido pelas visitas musicais através do resgate das lembranças, da

expressão das emoções, da integridade e da expressão da sua identidade.

A possibilidade de exercerem o pensamento crítico-reflexivo na dialogicidade

promovida pela dinâmica Corpo-Musical trouxe aos sujeitos a condição de se afirmarem

como autores de sua história, extraindo de suas narrativas o fio condutor da mudança

implementada, relacionada ao espaço grupal.

Assim, mantive as visitas musicais e criei um outro espaço que conta também, além

da minha participação e dos músicos, com a colaboração de uma psicóloga do hospital.

Esses encontros grupais vêm sendo realizados na sala de musicoterapia, também por

sugestão dos clientes. Iniciam-se com uma conversa informal em que falam sobre assuntos

relacionados à internação ou outros que queiram abordar e, em seguida, todos têm a

oportunidade de escolher músicas de sua preferência. Há ainda a possibilidade de se

utilizar instrumentos de percussão existentes na sala para acompanhar as músicas

escolhidas. Ao final, os participantes têm a oportunidade de expressar o que esse encontro

significou, fazendo uma avaliação que promove o auto-conhecimento e possibilita o

partilhar de sentimentos e idéias dentro do grupo.

Essa atividade tem-se revelado produtiva tanto para os clientes internados como

para os profissionais, proporcionando a reflexão sobre novas formas de cuidar, inclusive no

âmbito do cuidado de enfermagem, pois para Watson (in Talento, 2000, p.261), a meta da
148

enfermagem é auxiliar as pessoas a obter um alto grau de harmonia para que possam

“promover o auto-conhecimento, a autocura, ou obter insight do significado dos

acontecimentos que são parte da vida”.

O convite para participar desses encontros passou a fazer parte das visitas musicais.

Marcos (1), Charles (2), Ricardo (3) e Denis (3) já tiveram a oportunidade de participar dos

mesmos. Alguns outros sujeitos da pesquisa já haviam recebido alta hospitalar quando

estes encontros se iniciaram. Outros, porém, que expressaram o desejo inicial de participar

dos encontros, ainda não tiveram essa oportunidade, pois esbarraram na rotina diária de

internação, como aguardar a visita médica, realizar curativos, fazer exames, ou, ainda, por

se sentirem desmotivados pela sensação de impotência gerada pela própria hospitalização.

Esses encontros têm-se mostrado benéficos para potencializar tanto a recuperação

individual, quanto à integração grupal. Esta constatação tem sido evidenciada não somente

pelas avaliações dos participantes ao final de cada encontro, mas também pelo retorno dos

mesmos ao grupo e pela satisfação demonstrada por eles durante os encontros.

É importante ressaltar também a importância das dinâmicas Corpo-Musical, na

tomada de consciência dos participantes da pesquisa sobre a sua condição de

hospitalizados. A discussão grupal levou-os a refletirem criticamente, expressarem seus

desejos e vivências no hospital, suas angústias e incertezas geradas pela ruptura com o

cotidiano e pelo ingresso em um mundo desconhecido, possuidor de normas e rotinas

próprias, nem sempre condizentes com as suas, o que os conduziu a reivindicarem

mudanças no contexto da hospitalização. Nas dinâmicas desenvolvidas, como espaço

coletivo de discussão, os participantes colocaram em evidência suas opiniões,

possibilitaram o desvelar de diferentes visões e se influenciaram intersubjetivamente,

criando novas concepções ou re-significando-as na síntese grupal.


149

Diz Freire (1980) que o homem, integrado em seu contexto reflete sobre ele e se

compromete, constrói a si mesmo e chega a ser sujeito, e o faz por reconhecer que há uma

realidade que é exterior e que o desafia. O desafio dos participantes foi, a partir da reflexão

crítica, no âmbito da discussão grupal, reivindicarem por mudanças possíveis dentro do

contexto do hospital, através da criação de um espaço alternativo de encontro grupal,

conforme foi apresentado.

As possibilidades terapêuticas da música há muito tempo vêm sendo objeto de

reflexões por parte da enfermagem e, mais recentemente, a música passou a constar da

Classificação das Intervenções de Enfermagem (PILAR, 2003). Desde o início, o interesse

da enfermagem em relação à música esteve voltado freqüentemente para situações

relacionadas com a hospitalização na tentativa de auxiliar os clientes a terem mais conforto

com a diminuição da dor ou ao proporcionar relaxamento no pré e pós-operatório. Com a

evolução do conceito de saúde, houve uma diversificação no interesse da enfermagem, e

atualmente, existem estudos que apontam a influência da música na sensibilização e

humanização das práticas de saúde dentro dos hospitais.

Seguindo essa tendência evolutiva da música no relacionamento terapêutico, a

visita musical pode ser vista como uma estratégia criativa à humanização do ambiente

hospitalar. A mudança paradigmática do modelo médico-tecnicista para um novo modelo

que abranja conceitos como produção de subjetividades, respeito ao desejo do cliente,

ambiente de cuidado, conforto e outros, só será possível a partir da pesquisa de novas

abordagens que possam contribuir com alternativas criativas à arte e à ciência da

enfermagem.

Cumpre ter em consideração ainda que o número de publicações que articula a

música com a enfermagem precisa ser ampliado, de modo a melhor fundamentar sua

possibilidade como terapêutica no ensino e na prática da enfermagem. Para


150

implementarmos uma prática mais humanizada no âmbito do cuidado de enfermagem

hospitalar é imprescindível sensibilizar os profissionais ainda na graduação, mostrando-

lhes que é possível unir ciência e arte, mente e coração, reforçando, dentre outras

possibilidades, o potencial terapêutico da música. Se levarmos em conta a musicalidade

inerente à nossa cultura, as visitas musicais podem ser uma importante estratégia a ser

considerada também no âmbito do cuidado de enfermagem.

Tendo em vista os nexos que unem as visitas musicais aos interesses da

enfermagem fundamental conforme procurei discutir neste capítulo, penso que esta

pesquisa contribui de forma efetiva para ampliar a discussão de conceitos que o Núcleo de

Pesquisa de Fundamentos do Cuidado de Enfermagem (Nuclearte), do Departamento de

Enfermagem Fundamental, da EEAN/UFRJ, vem realizando.


151

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACKERMAN, D. Uma história natural dos sentidos. 2ª ed. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil,
1996. 368 p.

ALMEIDA, M.C.P. ; ROCHA, J.S.Y. O saber de enfermagem e sua dimensão prática.


São Paulo. Cortez, 1989. 128p.

ALMEIDA, M.V. Corpo e Arte em Terapia Ocupacional. Rio de Janeiro. Enelivros, 2004.
184p.

ALVES, M. A música como prática alternativa na integração da Equipe de Enfermagem.


Enfermagem Atual. p.35-40, Set./Out. 2001.

ALVIM, N. Práticas e saberes sobre o uso de plantas medicinais na vida das enfermeiras:
uma construção em espiral. Rio de Janeiro, 1999. 164 p. Tese (Doutorado) - Escola de
Enfermagem Anna Nery, UFRJ.

ARRUDA, E.N.; NUNES, A.M. Conforto em enfermagem: uma análise teórico-conceitual.


Texto Contexto Enfermagem. v.7, n.2, p.93-110, mai/ago. 1998.

BACKES, D. et al. Música: terapia complementar no processo de humanização de uma


CTI. Nursing. v.66, n.6, p.35-42, novembro 2003.

BARCELOS, L. M. Do diálogo autoritário ao discurso dialógico: O cuidado de


enfermagem hospitalar na perspectiva de clientes vivendo com Aids. Rio de Janeiro, 2003.
119 p. Dissertação (Mestrado) - Escola de Enfermagem Anna Nery, UFRJ.

BENENZON, R. Manual de Musicoterapia. Rio de Janeiro. Enelivros, 1985. 182 p.

BERGOLD, L. A co-evolução do sistema terapêutico: uma abordagem sistêmico-


construtivista da Musicoterapia. Nova Perspectiva Sistêmica, n.17, ano IX, pág.47-59,
agosto 2000.
152

______; SOBRAL,V; Music for care humanization. Online Brazilian Journal of Nursing
(OBJN – ISSN 1676-4285) V.2, N.3, December 2003 [Online]. Disponível em:
www.uff.br/nepae/objn203bergoldsobral.htm

BEUTER, M. Expressões lúdicas no cuidado: elementos para pensar/fazer a arte da


enfermagem. Rio de Janeiro, 2004. 177p. Tese (Doutorado) – Escola de Enfermagem Anna
Nery, UFRJ.

BOFF, L. Saber cuidar – Ética do humano, Compaixão pela Terra. Petrópolis. Vozes,1999.
199p.

BRUSCIA, K. Definindo Musicoterapia. Rio de Janeiro. Enelivros, 2000. 312p.

CABRAL, I. O método Criativo e Sensível: alternativa de pesquisa na enfermagem. In:


GAUTHIER, J. Pesquisa em enfermagem – novas metodologias aplicadas. Rio de Janeiro.
Guanabara Koogan, 1998. p.177-203.

CACCAVO, P.V.; CARVALHO, V. Acerca de alguns dos aspectos lúdicos na arte de


ensinar e na arte de cuidar na enfermagem. Esc. Anna Nery Revista de Enferm., v. 7, n. 2,
p. 247-254, agosto 2003.

CAPRA, F. O ponto de mutação – A ciência, a sociedade e a cultura emergente. São


Paulo. Editora Cultrix, 1982. 445p.

CHAGAS, M.; GAZANEO, L.; AGUIAR, M. Projeto Encanto: avaliando uma proposta
de humanização hospitalar. In: 5º ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM
MUSICOTERAPIA. Rio de Janeiro, 2004. CD-ROM.

CHAVES, E.C.; IDE, C.A. Singularidade dos sujeitos na vivência dos papéis sociais
envolvidos na hospitalização. Rev. Esc. Enf. USP. v. 20, n. 2, p. 173-179, ago 1995.

COSTA, C. M. O despertar para o outro – Musicoterapia. São Paulo. Summus, 1989.


127p.

CREMA, R. Introdução à visão holística: Breve relato de viagem do velho ao novo


paradigma. São Paulo. Summus, 1989. 133p.
153

DOBBRO, E. A música como terapia complementar no cuidado de mulheres com


fibromialgia. São Paulo, 1998. 153p. Dissertação (Mestrado) - Escola de Enfermagem,
Universidade de São Paulo.

______ . ; SILVA, M.J. Música na Fibromialgia: a Percepção da Audição Musical


Erudita. Nursing. Pág. 14 -21, dezembro 1999.

DOURADO, H. A. Dicionário de termos e expressões da música. São Paulo. Editora 34,


2004. 384 p.

FERREIRA, M.A. et al. Cuidados fundamentais de enfermagem na ótica do cliente: uma


contribuição para a Enfermagem Fundamental (1). Esc. Anna Nery R. Enfermagem, v. 6,
n.3, p.387-396, dez.2002.

FERREIRA, A.B.H. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3ª ed.
Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 1999. 2128 p.

FIGUEIREDO, N. et al. A Dama de Branco transcendendo para a Vida/Morte através do


Toque. In: MEYER, D.; WALDOW, V.; LOPES, M. (orgs.) Marcas da diversidade:
saberes e fazeres da enfermagem contemporânea. Porto Alegre. Artmed, 1998. p137-169

FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. 2ª ed. Rio de Janeiro. Graal, 1981. 296 p.

FREIRE, P. Conscientização: teoria e prática da libertação. São Paulo. Moraes, 1980.


102p.

_______. Educação e Mudança. 27ª ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 2003. 79 p.

_______. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa. 29ª ed. São
Paulo. Paz e Terra, 2004. 148 p.

GASKELL, G. Entrevistas individuais e grupais. In: BAUER, M. ; _________ (orgs.)


Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som – Um manual prático. 2ª ed. Petrópolis, RJ.
Vozes, 2003. p. 64-89

GIANNOTTI, L. ; PIZZOLI, L. Musicoterapia na dor: diferenças entre os estilos jazz e


new age. Nursing, v.71, n.7, p.35-40. Abril 2004.
154

GIDDENS, A. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed., 2002. 233p.

GUATTARI, F. Entrevistas. Cadernos de Subjetividade. v.1, n.1, p. 1-34, 1996.

JOURDAIN, R. Música, Cérebro e Êxtase – Como a música captura nossa imaginação.


Rio de Janeiro. Objetiva, 1997. 441 p.

LEÃO, E. ; SILVA, M. Música e dor crônica músculoesquelética: o potencial evocativo


De imagens mentais. Rev Latino- Am de Enf. v. 12, n.2, p.235-241, Março-abril 2004.

MATURANA, H. Linguagem e Realidade: A origem do humano. In: Da Biologia à


Psicologia. 3ª ed. Porto Alegre. Artes Médicas, 1998. p. 95-101.

______. Cognição, ciência e vida cotidiana. Belo Horizonte. Ed. UFMG, 2001. 203 p.

MILLECO FILHO,L.; BRANDÃO, M.; MILLECO,R. É preciso cantar – Musicoterapia,


Canto e canções. Rio de Janeiro: Enelivros, 2001. 120 p.

MINAYO, M.C. Ciencia, técnica e arte: o desafio da pesquisa social. In: _______. (org.)
Pesquisa Social - Teoria, Método e Criatividade. 22ª ed. Petrópolis. Editora Vozes, 2003.
p. 9-29

MOURA, R. No princípio era a roda: um estudo sobre samba, partido-alto e outros


pagodes. Rio de janeiro. Rocco, 2004. 318 p.

NEVES, E.P. As dimensões do cuidar em enfermagem: concepções teórico-filosóficas.


Esc. Anna Nery R. Enferm. v. 6, suplem. nº 1, p.79-92, dez. 2002.

NICOLESCU, B. O manifesto da Transdisciplinaridade. 2ª ed. São Paulo. TRIOM, 2001.


165 p.

NIGHTINGALE, F. Notas sobre enfermagem: o que é e o que não é. São Paulo. Cortez,
1989. 174p.

ORLANDI, E.P. A linguagem e seu funcionamento – As formas do discurso. 4º ed.


Campinas. Pontes, 1996. 135p.
155

PILAR, A.M., La terapia musical como intervención enfermera. Enfermería Global –


Revista electrónica semestral de enfermería. nº 2, mayo 2003. Disponível em:
http://www.um.es/eglobal/2/02e04.html

PINHEIRO, R.; LUZ, M.T. Práticas eficazes X Modelos ideais: ação e pensamento na
construção da integralidade. In: ______ ; MATTOS, R.A. (orgs.) Construção da
integralidade: cotidiano, sabers e práticas em saúde. 2ª ed. Rio de Janeiro. UERJ, IMS:
ABRASCO, 2004. p. 7-34.

PITTA, A. Hospital – Dor e Morte como Ofício. 5ª ed. São Paulo. Annablume/Hucitec,
2003.

RAVELLI, A. P. Percepções de gestantes sobre a contribuição da música no processo de


compreensão da vivência gestacional. Porto Alegre, 2004. 145 p. Dissertação (Mestrado) -
Curso de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

RODRIGUES, J.C. O corpo na História. Rio de Janeiro. Editora Fiocruz, 1999. 198p.

RUUD, E. Caminhos da Musicoterapia. São Paulo. Summus, 1990. 107 p.

_____. Music Therapy: Improvisation, Communication and Culture. Barcelona. Publisher,


1998. 204p.

_____. Musicologia, Cultura e Musicoterapia – Música e Identidade. Curso ministrado


no Centro Universitário do Conservatório Brasileiro de Música. 2003, Rio de Janeiro.

SÃO MATEUS, L. A. A música facilitando a relação enfermeiro-cliente em sofrimento


psíquico. São Paulo, 1998. 149p. Dissertação (Mestrado) - Escola de Enfermagem de
Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.

SANTOS, M.A. Clínica Musicoterápica: limites e transgressões. In: FÓRUM ESTADUAL


DE MUSICOTERAPIA DA AMT-RJ, 4, 1998, Rio de Janeiro. Anais... p. 5–12.

_______. Sobre sentidos e significados da Música e Musicoterapia. Revista Brasileira de


Musicoterapia. V.5, n.6, p.52-60, Rio de Janeiro, 2002.

SCHAFER, M. O ouvido pensante. São Paulo. Editora Universidade Estadual Paulista,


1991. 399p.
156

SEKEFF, M.L. Da música, seus usos e recursos. São Paulo. Editora UNESP, 2002. 172 p.

SILVA, A. A Dimensão Humana do Cuidado em Enfermagem. In: Acta Paul Enf., v.13,
Número Especial , Parte 1, 2000.

______. A música no processo de cuidar de clientes com Síndrome Neurológica decorrente


da AIDS. R. Bras. Enferm. v. 46, n.2, p.107-116, abr./jun. 1993.

SILVA, M.J.P. Amor é o caminho: maneiras de cuidar. 2ª ed. São Paulo. Edições Loyola,
2004. 155p.

_____. Comunicação tem remédio: a comunicação nas relações interpessoais em saúde.


2ª ed. São Paulo. Edições Loyola, 2003. 133p.

TALENTO, B. Jean Watson. In: GEORGE, J.B. Teorias de Enfermagem: Os fundamentos


à prática profissional. 4 ed. Porto Alegre. Artes Médicas Sul, 2000 p.254-265

TAME, D. O poder oculto da música: A transformação do homem pela energia da música.


13ª ed. São Paulo. Cultrix, 1999. 334 p.

TEIXEIRA, E. R. A crítica e a sensibilidade no processo de cuidar na enfermagem. Esc.


Anna Nery R. Enferm. v. 8, n. 3, p. 361-369, dez. 2004

______ ; FIGUEIREDO, N. M. O desejo e a necessidade no cuidado com o corpo: uma


perspectiva estética na prática de enfermagem. Niterói. EdUFF, 2001. 181 p.

TRIVIÑOS, A. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais – A pesquisa qualitativa em


educação. São Paulo. Atlas, 1987. 175 p.

VIANNA, H. O mistério do samba. 5ª ed. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed.: Ed. UFRJ,
2004. 193 p.

WALDOW, V. R. Cuidado Humano: o resgate necessário. 2ª ed. Porto Alegre. Editora


Sagra Luzzatto, 1999. 201p.

______, O cuidar humano: reflexões sobre o processo de enfermagem versus processo de


cuidar. R. Enferm. UERJ, v.9, n.3, p.284-293, set/dez 2001.
157

______, O cuidado na saúde: as relações entre o eu, o outro e o cosmos. Petrópolis.


Ed. Vozes, 2004. 237 p.

WATSON, J. Watson’s theory of transpersonal caring. In: WALKER,P. & NEUMAN,B.


(orgs.). Blueprint for use of nursing models: education, research, practice and
administration. New York. N & N Press, 1996. p.141-184

________. The theory of human caring – retrospectiv and prospective. Nursing Science
Quarterly. v. 10, n.1, 1997. p.49-52.

WAZLAWICK, P. Quando a música entra em ressonância com as emoções: significados


e sentidos na narrativa de jovens estudantes de musicoterapia. Curitiba, 2004. 187 p.
Dissertação (Mestrado). Curso de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do
Paraná.

WEBER, D. et al. A música como instrumento de recreação na Unidade Pediátrica. Rev.


Téc-Cient.Enfermagem . pág. 364-370. 2003.

WEIL, P. ; TOMPAKOW, R. O corpo fala: a linguagem silenciosa da comunicação não-


verbal. 7ª ed. Petrópolis. Ed. Vozes, 1977. 291 p.
158

ANEXO I

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO


CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY
CURSO DE MESTRADO EM ENFERMAGEM
NÚCLEO DE PESQUISA DE FUNDAMENTOS DO CUIDADO DE ENFERMAGEM

Rio de Janeiro, de de 2004.

Carta de Autorização

Na qualidade de Professora Doutora, Adjunta do Departamento de Enfermagem


Fundamental da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ, eu, Neide Aparecida T. Alvim,
apresento a mestranda Leila Brito Bergold, que vem por meio desta, solicitar autorização
para que possa coletar os dados necessários para a realização de sua dissertação de
mestrado, intitulada “Música e Enfermagem: uma integração possível no cuidado
hospitalar”. O estudo tem como objetivos descrever as concepções de clientes
hospitalizados sobre a música no processo de hospitalização, analisar as contribuições da
música durante a hospitalização na ótica do cliente hospitalizado e discutir as implicações
da música no cuidado de enfermagem hospitalar. Os dados serão coletados nesta Entidade,
cujos sujeitos do estudo serão os clientes internados nas clínicas médicas e/ou cirúrgicas
que tenham participado da atividade musical durante a permanência na instituição.
Cabe ressaltar que os dados coletados serão utilizados somente para fins científicos
e que será garantido o anonimato dos clientes e sujeitos da pesquisa.

Cordialmente,

_______________________________________________
Profª Drª Neide Aparecida Titonelli Alvim

________________________________________________
Enf. e Mt. Mestranda Leila Brito Bergold
159

ANEXO II
160

ANEXO III
161

ANEXO IV

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO


CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY
CURSO DE MESTRADO EM ENFERMAGEM
NÚCLEO DE PESQUISA DE FUNDAMENTOS DO CUIDADO DE ENFERMAGEM

CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Venho por meio deste consultá-lo (a) a respeito da sua participação na pesquisa que
pretendo desenvolver nesta instituição. Para tanto, cabe esclarecer os seguintes pontos:

Sobre a pesquisadora: sou enfermeira e musicoterapeuta e estou cursando o


Mestrado em Enfermagem na Escola Anna Nery.

Sobre a pesquisa: trata-se de uma pesquisa cujo título é “Música e enfermagem:


uma integração possível no cuidado hospitalar”, orientada pela Profª Drª Neide Aparecida
Titonelli Alvim. Esta pesquisa resultará em uma Dissertação de Mestrado em Enfermagem.
Não haverá gastos financeiros nem remuneração para os participantes.
Os objetivos da pesquisa são: descrever os efeitos da visita musical sobre clientes
hospitalizados, de acordo com a visão dos mesmos; analisar as contribuições da visita
musical durante a hospitalização e discutir as implicações da música no cuidado de
enfermagem hospitalar.

Sobre o comportamento da Pesquisadora: não é objetivo da pesquisa avaliar o


trabalho realizado pela equipe de musicoterapia ou por outros profissionais do hospital.

Sobre os procedimentos específicos para garantir os direitos dos sujeitos: como


pesquisadora, comprometo-me a esclarecer as dúvidas dos sujeitos no momento em que
estes acharem necessário. Caso o sujeito desista da sua participação, isto será respeitado,
mesmo que ele tenha aceitado participar da pesquisa previamente. O anonimato será
162

respeitado, ou seja, não divulgaremos os nomes dos sujeitos que participarem da pesquisa.
De acordo com o nosso projeto, utilizaremos siglas de identificação. Somente os resultados
da pesquisa serão divulgados em eventos e publicações cientificas.
Muito obrigado pela atenção.

Leila Brito Bergold

Autorização do cliente: após ter tomado conhecimento do conteúdo deste termo,


aceito participar da pesquisa proposta, conforme consta neste documento.

Rio de Janeiro, de de 2005

_______________________________________
Sujeito da pesquisa

_________________________________________
Pesquisadora

Telefone para contato: (21) 3891-7280

Você também pode gostar