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Luzeni Ferraz de Oliveira Carvalho

Maria Jucilene Lima Ferreira


(0rgs.)

Práticas Educativas
nas Escolas do Campo e em
outros Espaços Educativos
dos Territórios Rurais
Revisão Geral:
Ana Cristina de Araujo

Equipe de Revisão:
Ana Cristina de Araujo
Karina Lima Sales
Luzeni Ferraz de Oliveira Carvalho
Maria Jucilene Lima Ferreira
Maria Mavanier Assis Siquara

Capa:
Quadro de Sementes da artista plástica e educadora popular
Maritania Andretta Risso
Tamanho: 2,20 x 1,84 m
Aproximadamente 38 espécies de sementes

Fotografia da capa
Ítalo Rodrigues

Projeto gráfico e diagramação


Bárbara Almeida

Impressão
JM Gráfica e Editora

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Práticas educativas nas escolas do campo e em


outros espaços educativos dos territórios
rurais / organização Luzeni Ferraz de Oliveira
Carvalho, Maria Jucilene Lima Ferreira. -- 1. ed.

Salvador : JM Gráfica e Editora Ltda., 2020.

Vários colaboradores.
ISBN 978-65-86639-13-1

1. Educação 2. Educação - Finalidades e objetivos


3. Educação no campo 4. Educação rural 5. Prática
pedagógica 6. Professores - Formação I. Carvalho,
Luzeni Ferraz de Oliveira. II. Ferreira, Maria
Jucilene Lima.

20-40701 CDD-370.91734
Índices para catálogo sistemático:
1. Educação do campo 370.91734
Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964
Luzeni Ferraz de Oliveira Carvalho
Maria Jucilene Lima Ferreira
(orgs.)

Práticas Educativas
nas Escolas do Campo e em
outros Espaços Educativos
dos Territórios Rurais

Salvador - Bahia
2020
“No vamos a resignarnos con esta sociedad en que vivimos,
no vamos a caer en el conformismo,
no vamos a quedarnos simplemente desesperados.
Vamos a construir nuestra capacidad de ‘esperanzar’,
como decía Paulo Freire,
y esa capacidad está en la medida en que tenemos capacidad de mirar más lejos,
más profundo y más colectivamente”.
(Oscar Jara, sociólogo, educador popular y presidente del
Consejo de Educación Popular de América Latina y el Caribe – CEAAL)
PREFÁCIO

Kátia Augusta Curado Pinheiro Cordeiro da Silva

A escrita de um prefácio sobre uma obra que aborda práticas educativas do


campo tornou-se um desafio, pois me colocou frente a questões que nos remetem à
intelectualidade de quem compreende e luta por uma Educação do Campo, mas também
frente a afetos, à sensibilidade e outras várias emoções e reflexões que o trabalho nos
evoca.
Ao longo das páginas deste livro, nos encontramos frente a um compromisso
ético, estético, político, social e cultural acerca das práticas educativas na escola do
campo e, também, em outras possibilidades educativas do território rural. Uma das
características mais notáveis no trabalho desenvolvido pelos autores é a fina sensibilidade
aos valores e às necessidades da Educação do Campo, bem como uma aguda percepção
da rudeza e dos limites da nossa ciência tradicional, pouco capaz de apreender, por
exemplo, a coerência entre a visão de mundo e suas práticas sociais, dentre as quais,
aquelas ligadas à educação escolar.
Assim sendo, no decorrer da leitura é possível apreciarmos o incessante esforço
dos autores em nos apresentar diferentes experiências e discussões sobre a diversidade
cultural das práticas educativas e sociais da Educação do Campo. Desse modo, a fim de
nos proporem a discussão e a análise das potencialidades desses saberes e fazeres, os
autores nos orientam para a constituição de uma práxis educativa coerente com uma
proposta que tenha como centro o homem do campo e seu fazer.
Os capítulos apresentam independência teórica, metodológica e de conteúdo,
entretanto, proporcionam uma notável articulação ao reunirem em sua centralidade
as práticas educativas, superando a vacuidade de uma descrição descontextualizada
baseada no pragmatismo. Ao contrário, as articulações nos proporcionam uma
interessante viagem pelo educar no e pelo campo, a qual nos leva a uma reflexão sobre
a práxis como premissa da compreensão da realidade, sinalizando quão interessantes e
enriquecedoras são as produções apresentadas.
É prazerosa e surpreendente a constatação das descobertas que se descortinam
ao longo do fio de Ariadne representado pela temática das práticas educativas.
Os textos que compõem o livro conseguem nos deliciar, não apenas pela
variedade e complexidade de facetas que envolvem as práticas educativas do campo,
entre elas, as narrativas que abordam o cotidiano e a organização oriundos de movimentos
sociais, mas também pelas implicações das informações ali contidas. Também, por meio
da organização das práticas educativas, os textos nos apresentam a diferentes visões de
mundo circunstanciadas numa totalidade de realidade que possibilita a elaboração de
resistências e lutas em prol da emancipação humana.
Ao apresentarem a totalidade da Educação do Campo estabelecida na relação
homem-natureza, incluindo suas diferentes especificidades, os autores nos mostram
quão inadequada pode ser a relação ensino-aprendizado quando são tomadas como
referências práticas educativas formalizadas para o homem urbano. Sabemos disso
em abstrato, mas a posição dos autores, nessa obra, nos coloca diante de uma grande
lente de aumento ao possibilitar que sejam examinadas as minúcias de várias formas
educativas contidas no campo, apresentando essa obra como referência necessária para
a constituição de uma educação coletiva pautada na práxis revolucionária.
Até essas linhas, busquei apresentar o conteúdo e o aspecto político do livro,
enfatizando sua importância para a práxis educativa do campo, entretanto, juntamente
com esses aspectos, gostaria de enfatizar que a leitura da obra nos apresenta também
ao belo; à beleza que está nas contradições e fraturas da formação humana. Admiramos
as pessoas que passam a vida ensinando, mas é provável que tenhamos ainda mais o
que admirar aquelas que nos ensinam enquanto fazem perguntas; ou aquelas que nos
colocam diante das perguntas. O livro organizado por Luzeni Ferraz de Oliveira Carvalho
e Maria Jucilene Lima Ferreira é uma destas obras que nos instigam ao pensamento
acerca das práticas educativas: como fazemos? Por que fazemos? Para que fazemos?
Quais são as nossas expectativas? O que entendemos por educação? Como educar para
emancipar?
Nesse sentido, como toda boa produção intelectual, as informações aqui
contidas nos levam a pensar sobre outras realidades que conhecemos ou não; a nos
perguntar como o problema se expressa em diferentes espaços da educação, aqui,
especificamente da educação do campo. E, em última análise, a nos interrogar sobre
nossa própria situação da prática educativa na constituição da vontade coletiva de nos
educar na consciência de classe.
Se a utopia nos faz caminhar, com essa obra saímos absolutamente tomados
pela urgência de adentrarmos em novas práticas educativas que nos desafiem à
composição de outra realidade. Assim, convido-os a se deleitarem com a leitura desse
belo e instigante trabalho, fruto de um cotidiano de luta e resistência que nos ensina
a nos humanizarmos na e pela educação emancipadora. Encorajemo-nos na leitura da
obra!
INTRODUÇÃO
Educação do Campo e Práticas Educativas em espaços escolares
e não escolares: perspectivas de trabalho,
contra-hegemonia e emancipação humana
Luzeni Ferraz de Oliveira Carvalho
Maria Jucilene Lima Ferreira

[...] Todo o mundo factual dos assuntos humanos depende, para sua
realidade e existência contínua, em primeiro lugar da presença de outros
que tenham visto e ouvido e que se lembram; e, em segundo lugar, da
transformação do intangível na tangibilidade das coisas [...] (ARENDT, 2018,
p. 117).

Nessa epígrafe, Hanna Arendt nos aponta dois elementos fundantes na


construção social da realidade e existência contínua dos seres humanos – a presença do
outro e a “[...]transformação do intangível na tangibilidade das coisas”. Nesse sentido, as
práticas educativas em Educação do Campo, reivindicadas na luta dos/as trabalhadores/
as organizados/as, representam possibilidades humanas de materializar resistência,
enfretamento, conhecimento e emancipação de crianças, jovens e adultos que participam
desses processos formativos, sobretudo, porque estão ancoradas na intencionalidade da
transformação da realidade social dos povos, nos distintos territórios rurais: do campo,
ribeirinhos, quilombolas, indígenas, geraizeiros, da floresta, de terreiro, das águas e das
marés, de fundo fecho e de pasto, entre outros.
A materialidade dessas práticas tem buscado respaldar-se no princípio de
coletividade – pela intenção de um coletivo organizado de pessoas – pela presença
e participação do outro na definição de objetivos comuns ao coletivo. Essas práticas
visam o acesso ao conhecimento, todavia, não se trata de qualquer conhecimento, mas
aquele que se propõe “desinteressado” no modo do pensamento gramsciano, ou seja,
na contramão dos interesses do capital, a serviço da luta dos trabalhadores, da elevação
da cultura e da consciência de classe.
Desde essa prerrogativa, por práticas educativas em Educação do Campo
entendemos que são atividades teórico-práticas, realizadas em espaços escolares
e não escolares, intencionalmente determinadas, com vistas à apropriação do
conhecimento produzido historicamente pela humanidade e à organização da classe
trabalhadora e/ou ao fortalecimento dos processos organizativos da classe para a
transformação social da realidade. Assim, são práticas educativas contra-hegemônicas,
na perspectiva da práxis e da emancipação humana, […]aquelas cujas orientações
não apenas não conseguiram se tornar dominantes, mas procuram proposital e
sistematicamente colocar a educação a serviço das forças que lutam para transformar
a ordem vigente, tendendo a instaurar uma nova forma de sociedade. Essas práticas se
encontram embasadas em princípios das pedagogias socialista, comunista, libertadora
e histórico-crítica (CARVALHO, 2018).
Conforme estudos de Vásquez (2011, p. 239), “a práxis se apresenta como
uma atividade material, transformadora e adequada a fins”. Trata-se de práticas, de
ação sobre coisas, situações de ações com/sobre o mundo. Para isso, essas práticas não
podem estar dissociadas da teoria ou do campo teórico que subsidiarão a realização
das atividades – tanto a teoria, quanto a prática, embora contenham, cada uma, suas
particularidades, dissociadas se limitam ao que podemos denominar teoricismo e/ou
praticismo pedagógico.
Daí a condição elementar da indissociabilidade – teoria-prática – nas práticas
educativas, na Educação do Campo. Na medida em que o coletivo escolar ou o coletivo
dos processos educativos não escolares avançam sobre a consciência do movimento
dialético entre teoria e prática – práxis – o trabalho educativo se ancora no estudo teórico-
prático para a interpretação da realidade social em que está inserido e, ao mesmo tempo,
planeja e realiza atividades contextualizadas nas condições materiais de produção da vida,
pelo movimento da reflexão – ação transformadora; em outras palavras, são atividades
que partem da realidade concreta existente e das relações sociais estabelecidas com
a intenção de transformá-las. Nessa perspectiva, o trabalho pedagógico relatado e
analisado apresenta elementos do trabalho como princípio educativo, constituindo-se
em práticas educativas que consideramos contra-hegemônicas, pois buscam, de certa
forma, romper com a lógica da forma escolar burguesa em vigência no país, bem como
as intencionalidades explícitas e implícitas de formação dos estudantes, nos documentos
e diretrizes oficiais para os sistemas de ensino (CARVALHO, 2018).
Com efeito, faz-se necessário pontuarmos que, a intencionalidade organizativa,
a qual nos referimos anteriormente, é uma definição elementar para orientar as práticas
educativas, pois é a intenção/objetivo/fins que no exercício da práxis, contribui mais
efetivamente com a elevação da consciência das pessoas envolvidas no processo
formativo. A condição especificamente humana de antever, pelo pensamento, a
ação que se pretende realizar é especialmente formativa, na medida em que é nesse
momento que se define os propósitos da ação e os fins da ação transformadora que se
pretende efetivar e se insere no momento seguinte que é a realização e catarse daquilo
que foi planejado.
Todavia, assim como a práxis se caracteriza pela indissociabilidade entre teoria
e prática, também a intencionalidade organizativa se fortalece quando se constitui
em um coletivo, coletivo de classe, de um grupo social, de um Movimento Social ou
Sindical, de um grupo escolar ou de uma comunidade. Ou seja, atenta para o princípio de
aprendizagem em comunhão, defendido por Freire (2004), em Pedagogia do Oprimido.
Dessa maneira, as práticas educativas em Educação do Campo se caracterizam
como perspectiva formativa contra-hegemônica, pois se realizam na contramão do
que está posto para a educação, na base social do sistema capitalista. De acordo com
Frigotto (2003, p. 182), “[...]a perspectiva teórica e política nos indica que, tanto no plano
econômico-social, quanto educacional, o avanço democrático no Brasil engendra, ao
mesmo tempo, a necessidade de superação do plano de resistência e a possibilidade
de construção de uma alternativa ao projeto neoliberal.”. Assim, é forçoso afirmar que,
desde a ascensão da classe burguesa, a escola foi disputada por essa classe social.
Ainda hoje, a disputa da escola que se dá entre as políticas neoliberais, o projeto
ultraconservador, a serviço do capital, e a classe trabalhadora camponesa organizada
em Movimentos Sociais e Sindicais do Campo, encontra-se explicitamente demarcada.
Por um lado, avança no Congresso Nacional a defesa do Projeto Escola Sem Partido1, o
Ministério da Educação, por sua vez apresenta à nação brasileira o Projeto de Reforma
do Ensino Superior: Future-se2 e o Programa Nacional de Escolas-Militares3, os quais
denotam uma regulação arbitrária sobre a gestão didático-pedagógica e administrativa
da educação básica e um amplo processo de privatização da educação em geral, no país.
Por outro lado, a classe trabalhadora do campo, no final dos anos 60 do século
XX, conquista a primeira Escola Família Agrícola do país, no Estado do Espírito Santo. Os
anos 80 são marcados pela fundação e crescimento do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra – MST, deflagrando a disputa pela Educação do Campo no I Encontro

1  Acesso ao Projeto de Lei: disponível em < https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?


codteor=1707037&filename=PL+246/2. Acesso em: 12/11/19.
2  Maiores informações estão disponíveis em < http://portal.mec.gov.br/busca-geral/12-noticias/acoes-
programas-e-projetos-637152388/78351-perguntas-e-respostas-do-future-se-programa-de-autonomia-
financeira-do-ensino-superior> Acesso em: 12/11/19.
3  Maiores informações estão disponíveis em < http://escolacivicomilitar.mec.gov.br/> Acesso em: 12/11/2019.
Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (ENERA), Luziânia-DF, em
julho de 19974 as/os trabalhadoras/es do Campo organizados têm pautado um projeto
articulado de Campo, Educação e de País.
Nessa correlação de forças, os trabalhadores do campo organizados,
defendem um projeto histórico de país que no dizer de João Pedro Stédile (1999),
intelectual orgânico do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST): “A
nossa luta é para derrubar três cercas: a do latifúndio, a da ignorância e a do capital”
(STÉDILE, 1999, p.45).
Observamos nessa intencionalidade uma perspectiva de luta em prol da
totalidade de um projeto não só de trabalho, mas também de vida em todas as suas
dimensões: econômica, política, social educativa e cultural. O que significa dizer que
a vida no campo requer o atendimento a todas as necessidades humanas para um
processo qualificado e crescente de emancipação dos sujeitos do campo.
Assim, recorremos a Freire (2004) para reafirmar que, “se a educação sozinha
não muda a sociedade, tampouco a sociedade muda sem a educação”. A educação
não é a redenção da sociedade, mas dialeticamente é mola propulsora de mudanças
e transformações necessárias à construção da história, à posição que o homem pode
assumir no mundo, às escolhas e ações que venham a realizar. Daí, o sentido e a
pertinência da luta dos trabalhadores/as do campo, também por educação.
A escola, por sua vez, considerada aqui como instituição social de socialização
de conhecimentos, culturas e desenvolvimento humano, também é reivindicada não
só como espaço físico, mas como um coletivo de sujeitos em contínuo processo de
formação, propondo, intervindo e avaliando um projeto de educação de perspectiva
contra-hegemônica. Dessa maneira, consideramos que:
A Escola do Campo tem o papel elementar de contribuir com a materialidade
de processos formativos em que os conhecimentos objetivem a formação
e emancipação dos sujeitos do campo, e estes possam, a partir de tais
processos, fazer leituras críticas da realidade social em que se encontram,
fazer escolhas, tomar decisões de âmbito coletivo, bem como fortalecer
as lutas e disputas políticas para a melhoria da vida e para a superação de
injustiças e desigualdades sociais (FERREIRA, 2015, p. 99).

4  Manifesto ao povo brasileiro - I ENERA pode ser lido na íntegra: Disponível em < https://www1.folha.uol.com.
br/fsp/1997/8/01/brasil/29.html> acesso em 12/11/19.
Isso significa dizer que, a escola se constitui a partir de duas frentes de trabalho,
independentes entre si, mas inseridas dialeticamente no processo de organização do
trabalho pedagógico – a) estudo da realidade social e b) estudo do conhecimento
científico-escolar. Nesse caso, não há ênfase de uma das frentes de trabalho em
detrimento da outra, mas uma articulação entre estas, delineando um currículo concreto,
significativo e politicamente organizado, tendo em vista processos de emancipação
humana.
Nesse sentido, a organização do trabalho pedagógico, a qual entendemos
como trabalho pedagógico no âmbito da sala de aula e também aquele mais amplo
relacionado ao trabalho pedagógico escolar – ao projeto político-pedagógico da escola
compõe a centralidade de todas as atividades escolares como âncora, orientação e
princípio teórico-metodológico que norteia os pares dialéticos objetivo/avaliação e
conteúdo/forma. Assim, coadunamos com o pensamento de Freitas quando afirma que:
Didática é um termo que deve ser subsumido ao de Organização do Trabalho
Pedagógico entendendo-se este último, em dois níveis: a) como trabalho
pedagógico que no presente momento histórico, costuma desenvolver-
se predominantemente em sala de aula; e b) como organização global do
trabalho pedagógico da escola, como projeto político-pedagógico da escola
(FREITAS, 2008, p.94).

Conforme essa assertiva, a organização do trabalho pedagógico está relacionada


à totalidade das ações e práticas educativas da escola e outros espaços educativos fora
dela, desde que tenham como finalidades a formação dos sujeitos. A OTP é uma prática
social, exige dialeticamente teoria e prática para se constituir como projeto político-
pedagógico de uma dada formação e nesse processo histórico pode assumir-se como
determinada pela lógica socioeconômica a que está inserida ou determinante para a
transformação dessa mesma lógica.
Mas podemos perguntar: De qual formação estamos falando? Formação
de sujeitos campesinos, discentes e docentes em espaços escolares e não escolares.
Todavia, salientamos que há uma intencionalidade peculiar ao Projeto de Educação do
Campo protagonizado pelos/as trabalhadores/as do campo organizados, em qualquer
que seja o espaço formativo, a temática ou o conhecimento a ser estudado, apropriado
que é a primazia de articulação entre trabalho, contra-hegemonia e emancipação
humana. Isto posto, podemos afirmar que a formação que subjaz às práticas educativas
se coloca crítica e de perspectiva emancipatória, sobretudo, porque busca romper,
superar, transformar a lógica dos processos educativos sob os ditos do capital e a lógica
dos meios de produção da vida no campo.
Para tanto, e sob a perspectiva da práxis educativa e social, a OTP requer
atenção de alguns pressupostos fundamentais no seu desdobramento: diálogo entre os
sujeitos da escola; reflexividade crítica acerca do processo de ensino e de aprendizagem;
estudo continuado sobre a própria organização do trabalho pedagógico da escola,
articulação com a comunidade em que está inserida e com a realidade sociocultural dos
estudantes, formação continuada dos educadores, valorização do magistério, dentre
outras que ainda podemos destacar e/ou construir (FERREIRA, 2015).
A Escola do Campo, portanto, não prescinde o processo continuado de
proposição, realização e avaliação do trabalho pedagógico, mas realiza seu trabalho
observando as contradições e necessidades que o cotidiano escolar apresenta, para
intervir de modo que o “extraordinário se torne cotidiano e se faça a revolução” (Che
Guevara).
Cabe aqui ressaltarmos, que não só a escola cumpre um papel importante nos
processos formativos dos povos campesinos, mas outras práticas formativas, realizadas
em espaços não escolares vêm sendo construídas pelos sujeitos pertencentes aos
territórios rurais – algumas delas descritas e analisadas no decorrer desse livro. Essas
práticas se dão a partir de pessoas em coletividade que dialogam, interagem, trocam
experiências e buscam transformar situações, coisas, projetos em favor da dignidade
humana e, por conseguinte, da luta social dos povos camponeses, tradicionais e de
terreiros.
Se a Escola do Campo é espaço de resistência e de práticas educativas e
pedagógicas de perspectiva contra-hegemônica, as práticas educativas não escolares
relacionadas à Educação do Campo são atividades também de resistência, contra-
hegemonia e com maior liberdade curricular, na definição de objetivos, conteúdos e
proposições metodológicas porque não estão literalmente submetidas à regulação
e tutela do Estado – tal como as práticas educativas e pedagógicas no âmbito escolar.
Desde o nosso entendimento, isso significa dizer que:
[...] as práticas educativas configuram uma ampla e complexa constelação de
práticas inscritas fora do espaço escolar e que se estabelecem ao longo de
toda a vida dos sujeitos. Sem negar o potencial e a especificidade da escola,
as práticas educativas não escolares adquirem relevância no contexto de um
projeto de sociedade em que a aprendizagem e o conhecimento ocupam
lugares centrais (SEVERO, 2015, p. 564).

Conforme afirma o autor não se trata de processos de negação da escola,


mas de construção de alternativas de formação que podem ser contínuas ou pontuais,
voltadas aos interesses de um grupo particular ou de um coletivo que venha a pautar a
produção de um dado conhecimento ou a formação político-pedagógica, no nosso caso,
na contramão da lógica do capital e fora do âmbito escolar.
Por exemplo, o texto que abre a discussão de práticas educativas em espaços
não escolares, neste livro, intitulado: “PRÁTICAS EDUCATIVAS DA TEIA DOS POVOS: “O
que nos une é maior do que aquilo que nos separa”, de autoria de Solange Brito Santos,
busca evidenciar as várias atividades em espaços realizados pelos Elos e Núcleos de Base
da Teia dos Povos, consideradas como práticas educativas em espaços não escolares.
Aborda temáticas como diversidade cultural, as potencialidades desses saberes e fazeres
para o enfrentamento das problemáticas socioambientais e suas potencialidades.
Nesse cenário, a prática educativa evidenciada, anuncia um espaço, tempo
e conteúdo destinados a processos de formação político-humana de um coletivo em
prol da luta, resistência e reconhecimento dos direitos sociais dos povos tradicionais,
de terreiro, das águas, das florestas dentre outros povos que se fortalecem no coletivo
– Teia dos Povos.
Nesse sentido, as práticas educativas em espaços não escolares se caracterizam
também pela intencionalidade do trabalho educativo que realizam. Mesmo ocupando
o espaço não escolar, realizam processos educativos fecundos, com horizontes na
organização política dos povos que habitam territórios rurais.
Conforme o educador Carlos Rodrigues Brandão (1989), não há uma forma
única nem um modelo de educação, não é somente na escola que ela acontece, o
ensino escolar não é exclusivo e nem o professor profissional seu único representante. A
educação existe no imaginário das pessoas e na ideologia dos grupos sociais e o que se
espera é a transformação de sujeitos e mundos em alguma coisa melhor.
Nessa perspectiva, a educação está presente onde não há a escola e por toda
parte pode haver transferências de saber de uma geração a outra, onde ainda não
foi sequer criado um modelo de ensino formal e centralizado. Na espécie humana a
educação não continua apenas o trabalho da vida. Ela se instala dentro de um domínio
de trocas de símbolos, intenções, padrões de cultura e de relações de poder.
Desde esse entendimento, podemos caracterizá-las como práxis criadora ou
revolucionária, na medida em que tratam de problemáticas cruciais e em consonância
com as necessidades do coletivo, visando munir os sujeitos em formação de
conhecimentos, vivências, experiências que podem mobilizar mudanças profundas no
próprio sujeito, nas relações sociais que estabelecem com o outro, com a natureza e
com sua comunidade - um resultado que não se pode prever, mas que, nem por isso,
perde seu vínculo com a natureza do trabalho teórico-prático, realizado no processo de
formação.
Nessa direção, segundo Vásquez,
A perda inevitável do fim original em todo o processo prático
verdadeiramente criador não significa a eliminação do papel determinante
que o fim tem em tal processo e, na medida em que ‘determina, como uma
lei, o modo e a maneira de sua atuação’ – Como diz Marx referindo-se ao
trabalho do operário – o que acontece é que o fim que começou presidindo
os primeiros atos práticos foi-se modificando no curso do processo para
converter-se ao final deste em lei que rege a totalidade de tal processo. [...]
(VÁSQUEZ, 2011, p. 271).

Entendemos por isso mesmo a característica processual da formação na


perspectiva da práxis – teoria e prática dialeticamente articuladas tendo em vista
subsidiar o exercício de novas práticas – práxis. Ora, se o fim de todo processo prático
não significa, necessariamente, aquilo que foi pensado previamente, mas é resultado da
totalidade das práticas exercidas, no âmbito da formação humana o trabalho teórico-
prático não apresenta imediatamente o resultado que se previu, ao contrário se insere
num processo contínuo de ampliação da consciência do ser no mundo e da consciência
de classe.
Dessa premissa, destacamos a pertinência e elementariedade das práticas
educativas não escolares na Educação do Campo, pois concordamos com Freitas (2018)
acerca da urgência de ações de resistência propositiva, no interior da escola, mas não
só. E, para isso, consideramos que os espaços não escolares são propícios, sobretudo,
porque emergem da intenção livre de uma coletividade, mediatizados pela importância
e necessidade de organização política e estratégica para o enfrentamento do avanço das
políticas neoliberais e do conservadorismo.
Com base nesse ponto de vista, a ENE [educação não escolar] consiste na
designação de espaços, contextos ou âmbitos sociais e institucionais distintos da escola
em que práticas educativas estejam sendo desenvolvidas considerando os modelos
formais e informais, nos diversos níveis de inter-relações que se supõe existires entre
esses modelos (SEVERO, 2015, p. 565).
A partir dessa definição, inferimos que as práticas educativas em espaços
não escolares se referem às possibilidades do inusitado, do diferente, da autonomia
reivindicada para desenvolver o trabalho formativo “desinteressado” como nos
referimos anteriormente, mas intencionalmente planejado, organizado e propositivo
para o enfrentamento da força do capital sobre os direitos sociais, a natureza, o
trabalho. Por isso, as atividades propostas enfatizam a formação de valores humanos,
de cuidado amoroso com a natureza, a terra e produção da vida no campo – nos
territórios rurais.
Em síntese, as práticas educativas escolares e não escolares, na Educação do
Campo, buscam contribuir com a formação dos sujeitos campesinos, pertencentes aos
territórios rurais, pelo trabalho como princípio educativo – partindo da realidade social
– tendo em vista a emancipação humana.

Referências
ARENDT, H. A condição humana. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2018.
FERREIRA, Maria Jucilene Lima. Docência na Escola do Campo e Formação de
Educadores: Qual o lugar do trabalho coletivo? Tese de Doutorado. Brasília: Programa
de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.
2015, 235 p.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação. 19.ed. São Paulo: Brasiliense, 1989.
CARVALHO, L.F.O. O trabalho como princípio educativo na organização pedagógica
de uma escola de educação profissional do campo: aproximações e desafios. Tese
(Doutorado em Educação). Faculdade de Educação; Universidade de Brasília, Brasília-
DF, 2018.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 38. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.
FREITAS, Luís Carlos. Escolas aprisionadas em uma democracia aprisionada: Anotações
para uma resistência propositiva. In: Revista HISTEDBR Online, v.18, n. 4 [78], p. 906 –
926, out/dez. 2018.
FREITAS, Luís Carlos. Crítica da organização do trabalho pedagógico e da didática. 9. ed.
Campinas: SP: Papirus, 2008.
FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. 5. ed. São Paulo: Cortez.
2003.
SEVER0, José Leonardo Rolim de Lima. Educação não escolar como campo de práticas
pedagógicas. In: Rev. bras. Estud. pedagog. (online), Brasília, v. 96, n. 244, p. 561-576,
set./dez. 2015. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbeped/v96n244/2176-6681-
rbeped-96-244-00561.pdf Acesso em: 27/01/2020.
STÉDILE, João Pedro. Educação. In: STÉDILE, João Pedro; FERNANDES, Bernardo
Mançano. Brava Gente: A trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. São Paulo:
Fundação Perseu Abramo, 1999.
VÁZQUEZ, S. Filosofia da Práxis. 2. ed. Tradução: Maria Encarnacion Moya. São Paulo,
SP: Expressão Popular, 2011.
Práticas educativas da teia dos povos:
“O que nos une é maior que aquilo que nos separa”
Solange Brito Santos

Resumo
O presente artigo visa evidenciar as várias atividades em espaços realizados
pelos Elos e Núcleos de Base da Teia dos Povos considerados como práticas educativas
em espaços não escolares. Traz discussões sobre a diversidade cultural e suas influências
nas práticas educativa e social, a fim de discutir as potencialidades de esses saberes e
fazeres para o enfrentamento das problemáticas socioambientais e suas potencialidades,
quando não bem vistos e aceitos pelos parâmetros curriculares das Instituições escolares.
Os saberes e fazeres ativos nas comunidades, ainda que não estejam formalizados no
currículo escolar, circulam por todos os espaços, principalmente nas Instituições, levados
pelos históricos de vida dos educandos. Refletir sobre os conhecimentos de um povo
que sempre manteve sua história viva, pode ser um meio de reconhecer os espaços
pedagógicos externos à escola. Entendemos que nem só dentro dos muros escolares
existem conhecimentos, mas também fora deles.
Palavras-chave: Teia dos Povos. Saberes. Fazeres. Comunidade Tradicional. Espaços
Pedagógicos não escolares.

Introdução
O presente trabalho visa evidenciar as várias atividades em espaços realizados
pelos Elos e Núcleos de Base da Teia dos Povos consideradas como práticas educativas
em espaços não escolares, com olhar na dimensão do campo, no fortalecimento da
autonomia dos povos e do bem viver. O referido tema apresenta a identificação da Teia
dos Povos através da sustentabilidade das Práticas de Transição Agroecológica, formação
dos sujeitos e autonomia dos povos em seus territórios. Seja tanto na formação,
execução como na avaliação dos resultados de implantação das Práticas de Transição
Agroecológica. Isso mutuamente contribui para avançarmos nas nossas experiências e
aprendermos com as diversas Inovações da Sabedoria Agroecológica do povo do campo.

O que é a teia dos povos?


A Teia dos Povos  é uma aliança estratégica entre comunidades indígenas,
quilombolas, sem-terra, pequenos agricultores e instituições que lutam para uma
sociedade justa.  A Teia  surge dos debates contínuos e articulações de povos e
comunidades a partir da I Jornada de Agroecologia da Bahia, em 2012, com o papel de
traçar a agenda de ações anuais que auxiliam no desenvolvimento, empoderamento e
emancipação dos Núcleos de Base e Elos integradores. 
A Teia dos Povos  destina-se a incentivar e contribuir para a produção
do conhecimento científico e popular no campo da Agroecologia, a construção e
fortalecimento de escolas do/no campo que atende o direito a educação de qualidade
em todos os níveis de ensino, a multiplicação e o fornecimento de sementes crioulas
em prol da soberania alimentar, a auto-organização e empoderamento das mulheres e
jovens, e a coordenação das ações necessárias para permanência e sobrevivência dos
nossos povos na atual conjuntura, em nosso território e em nível nacional.
Dentre as ações da articulação, destacam-se as anuais Jornadas de
Agroecologia da Bahia; ações denominadas “Trechos Agroecológicos Solidários” que
promovem a união dos povos e saberes através da tecnologia social dos mutirões; a
Rede de Sementes da Teia dos Povos que articula a volta para as sementes crioulas;
ações internas, como as formações políticas e ações externas e outras atividades de
cunho social e/ou agroecológico em que a Teia é convidada a participar e cooperar.

O Assentamento Terra Vista como referência para a teia dos povos


Para falar da Teia dos Povos, é preciso falar do Assentamento Terra Vista. A
Teia dos Povos foi criada a partir das rodas de conversas na I Jornada de Agroecologia
da Bahia, realizada em 2012, no Assentamento Terra Vista, em Arataca, Bahia. A partir
das experiências vividas no assentamento, foi possível envolver outras comunidades:
Indígenas, quilombolas, assentamentos de reforma agrária, moradores de bairros,
estudantes e pesquisadores na Teia dos Povos. Foi a partir das vivências e experiências
relacionadas à agroecologia que a Teia expandiu para outros territórios.
O Assentamento Terra Vista realizou várias pesquisas e debates com a
participação de Ernest Guest, o Instituto Fasama, o Instituto de Gestão das Águas e
Clima (INGÁ), Instituto Preserva, Instituto de Permacultura da Bahia, Instituto Biofábrica,
mutirões solidários e com o Instituto Cabruca. Esse primeiro desafio começou com
a produção de cacau orgânico e a recuperação das nascentes e da mata ciliar, os
assentados passaram a utilizar práticas de conservação do solo a partir das experiências
e dos estudos da engenheira agrônoma Ana Maria Primavesi, responsável pelos avanços
no campo de estudo no assentamento.
O estudo permitiu que as famílias assentadas entendessem a necessidade da
nutrição das plantas e do solo. Foi a partir daí que começaram a utilizar práticas orgânicas
e a selecionar plantas mais produtivas adaptadas ao solo. E com isso foi possível
realizar uma transição agroecológica no assentamento. Mais tarde, o assentamento
sentiu a necessidade de envolver estudantes e pesquisadores das Universidades que
simpatizavam com as causas sociais, em defesa da terra e do território: UNEB, UFBA,
UESC.
Nesse intercambio, foi possível realizar várias atividades em parceria com essas
Instituições, dentre elas: Formação, pesquisas participativas, vivencias na comunidade.
Nessa perspectiva, a participação dos estudantes do Núcleo de Estudos e Pesquisas
em Alimentação (NEPA) da UFBA, orientado pela professora Celi Taffarel e, logo em
seguida, o Grupo de Estudantes de Ação Interdisciplinar em Agroecologia (GAIA), esses
dois grupos vieram somar com o ATV que iniciou as primeiras discussões e reflexões da
necessidade de se construir uma articulação que envolvesse os povos dando ênfase à
Agroecologia.

Agroecologia e o bem viver


A Teia dos Povos compreende que não há possibilidade de avançar sem que
haja uma conexão com a terra, com a vida, com a natureza. Ao conectar com a terra
é preciso incorporar as questões sociais, políticas, culturais, ambientais, energéticas e
éticas. É preciso fortalecer o campo entendendo que a mulher, o homem e a natureza
estão interligados e necessitam sobreviver. A agroecologia vem desempenhando esse
papel, ela garante uma forma de conhecimento que pretende superar os danos causados
à biodiversidade e à sociedade, garante uma vida saudável e digna para ambos os lados
(o homem e a natureza).
A Teia dos Povos entende que a Agroecologia é o único meio de permanência
dos povos no campo, o que possibilita construir coletivamente novas formas de vida no
campo, como soma de práticas de resistência contra a modernidade capitalista.
Ana Primavesi, uma das pioneiras da Agroecologia afirma que:
A maioria das pessoas, hoje em dia, vivem na cidade e praticamente não
convivem com o campo. Mas a vida na cidade depende da vida no campo.
Geralmente, o habitante urbano nem sabe mais que o alimento vem do
campo. Muitos acham que nasce nas prateleiras dos supermercados, já
ensacados, ou que a água brota nas torneiras. Podem negar ou ignorar o
campo, mas é de lá que ele vem de qualquer jeito (PRIMAVESI, 2017, p.432).
A Teia dos Povos entende que a Agroecologia tem que ser uma ciência
contra-hegemônica ao capital, uma vez que, não haverá democracia real no Brasil
sem a justiça na distribuição de terras e na demarcação dos territórios, sem o
respeito à autonomia das comunidades tradicionais e sem a construção de uma
nova matriz econômica, alicerçada na soberania alimentar e na Agroecologia. Se a
colonização se consolida em nossas cabeças, a descolonização real começa pelos
pés, pisando nos territórios, demarcando-os com nossos passos e cultivando-os com
a prática de nosso Bem Viver.
Nessa perspectiva, a Teia propõe que os povos lutem pela terra e território
respeitando os ensinamentos dos ancestrais em sua diversidade e pluralidade,
consolidando uma aliança entre os povos, conquistando e garantindo nossos territórios,
bem como recuperando os biomas devastados pelo latifúndio agroexportador,
produzindo autonomia e soberania alimentar através das sementes crioulas e
construindo uma economia para além do capital e descolonizar definitivamente o ensino
em nossas comunidades.
[...] O Bem Viver apresenta-se como uma oportunidade para construir
coletivamente novas formas de vida. Não se trata simplesmente de um
receituário materializado em alguns artigos constitucionais...]. Tampouco é
a simples soma de algumas práticas isoladas e, menos ainda, de alguns bons
desejos de quem trata de interpretar o Bem Viver à sua maneira. O Bem
Viver deve ser considerado parte de uma longa busca de alternativas de vida
forjadas no calor das lutas populares […] (ACOSTA, 2016, p. 69).

A Teia dos Povos parte da premissa da unificação dos Povos. Não no sentido
de desarticular a organização que cada povo faz parte. Nem tão pouco criar outro
movimento. É necessário frisar que a Teia dos Povos é uma “Articulação” e não um
movimento. A Teia defende um novo jeito de lutar contra o principal inimigo dos
Povos “o capitalismo”, através da construção dos Núcleos de Base e Elos. Esse é o
ponto fundamental da Teia. São os Núcleos de base que estarão em movimento
e pertencerá às classes que precisam se unir: Os núcleos de quilombolas, núcleos
de pescadoras e pescadores, o núcleo das agricultoras e agricultores que estão
diretamente ligados ao projeto de agroecologia, indo de encontro a agricultura da
normalidade. É preciso fortalecer os territórios que os povos estão lutando pela
soberania alimentar e pela autoemancipação e determinação dos Povos. Os Elos,
estão especificamente ligados aos Povos que estão nas universidades (Estudantes,
professores, pesquisadores), nas periferias das cidades, nos Institutos, que direta
ou indiretamente defendem a terra e o território, na perspectiva de forjar a aliança
popular. A Teia, não se dá por satisfeita só no meio rural. Defendemos que as áreas
que estão no meio rural tenham que ser uma referência para quem mora na cidade
e quer voltar para o campo na perspectiva do bem viver, ou permanecer na cidade
numa nova concepção de vida.
Através dos Núcleos de Base e Elos, será possível fortalecer a educação do
campo e popular, a soberania alimentar; a preservação da natureza; as Feiras Livres, a
Economia popular e solidária; as sementes crioulas.
Quem são os núcleos de base? São os grupos protagonistas das distintas
ações. São eles: Indígenas, quilombolas; terreiros de matriz africana; assentamentos e
acampamentos de área de reforma agrária; agricultores (as); pescadoras (es); moradores
dos centros urbanos e periferia.
Quem são os Elos? São grupos/instituições, sujeitos que apoiam as ações da
Teia dos Povos: Professoras (es); estudantes, pesquisadores (as); coletivos da agricultura
urbana; Instituições etc.

Educação como princípio fundante


A educação popular do campo sempre foi inferiorizada e desprezada
historicamente pelos governos e por uma sociedade elitista e excludente, que
disseminavam a ideia de atraso e inferioridade do campo através da expressão que:
“gente da roça não carece de estudos. De acordo com Arroyo, (2007), há uma idealização
de que a cidade é um espaço civilizatório e o campo um lugar de atraso, e esta visão
por muito tempo conduziu a elaboração de políticas públicas voltadas à educação e
inspirando as diretrizes e bases legais do ensino.
A ideia de que o espaço urbano é mais “avançado”, não interferiu apenas nas
políticas públicas para educação, mas também em todas as outras áreas, dentre elas, o
nosso bioma mata atlântico, um fator que tem implicado no meio rural e urbano, mas
poucas vezes esses dilemas são discutidos e levados para a sociedade seja nos espaços
formais ou não formais. Por outro lado, a história da região tem contribuído nesse
sentido.
Ao lembrarmos da história da região Sul e Baixo Sul vem-nos ao pensamento
as grandes lavouras cacaueiras, os coronéis nos livros de Jorge Amado e a mata atlântica.
Identificamos que a região se tornou um espaço de utilização econômica e de exploração
das riquezas naturais, outrora o cacau, atualmente a mata atlântica e as extensões
de terras sendo transformadas em cultivos de monocultura e a pecuária extensiva,
contribuindo com a não preservação dos recursos naturais, ignorando a agricultura de
subsistência, suas práticas e organização baseada no trabalho familiar, desvalorizando
os sujeitos que vivem no campo e do campo, levando-os a acreditar em seu imaginário
que a vida na cidade é a única saída para superar a pobreza e proporcionar a família uma
vida melhor.
Ao campo no Brasil sempre foi negado e excluído das políticas públicas,
sobretudo as relacionadas à educação, constata-se que o modelo político social da
educação colonial permanece a determinar a educação brasileira, principalmente a do
campo, apesar dos avanços, as iniciativas não atenderam as reais demandas dos povos
do campo.
Para obter uma educação contextualizada com a realidade das comunidades,
que promova a emancipação dos sujeitos do campo e a mudança da realidade posta
requer o desenvolvimento de ações estratégicas de enfrentamento junto aos movimentos
sociais, os povos, os educadores/as, pesquisadores/as e todos/as diretamente envolvidas
na construção e predominância do bem viver, em contraposição ao projeto dominante
imposto pelo capital financeiro, industrial e agrário.
A Educação do Campo e popular deve ser construída a partir da diversidade dos
sujeitos; o povo tem direito a uma escola do campo e popular, política e pedagogicamente
vinculada a história, à cultura e as causas sociais e humanas.
Neste contexto, surge o desafio de fortalecer uma educação que atenda e
contextualize a realidade dos povos. A Teia entende que é necessário fortalecer quatro
grandes escolas com as seguintes propostas:
• A Escola da Floresta do Cacau e Chocolate, que tem o objetivo de construir
uma cultura do bioma Mata Atlântica para a sua preservação e uma economia
ligada à floresta e ao cacau, assim como dar continuidade ao Sistema Cabruca;
• A Escola do Terreiro e do Tambor que reflete os saberes ancestrais, a
religiosidade afro-brasileira e todas as culturas da Terra-Mãe África;
• A Escola das Águas e das Marés que dialoga e conceitua a importância das
águas e possibilita a auto-organização dos povos tradicionais da terra e das
águas;
• A Escola do Arco, da Flecha e do Maracá que garante a transmissão dos
conhecimentos e culturas dos povos originários e a continuação das tradições
de seus ancestrais. A centralidade é o fortalecimento da ancestralidade
indígena e fortalecimento das lutas em favor da demarcação e retomada de
territórios indígenas.

A Pedagogia dos povos


A Teia dos Povos tem um longo caminho a percorrer por assumir uma pedagogia
diferenciada das escolas que o sistema dominante impõe à classe trabalhadora do campo
e da cidade. Por ser uma articulação ligada aos Povos Indígenas, Quilombolas, Povos de
Santo, Assentados de Áreas de Reforma Agrária, Pescadores e Marisqueiras, moradores
de periferia, a Teia tem a tarefa de ajudar a construir uma unidade dos povos, ligada à
floresta, às águas, à agricultura orgânica e a biodiversidade, na defesa do patrimônio dos
povos, rumo ao bem viver. Nesse sentido, entende-se que ao fortalecer a educação dos
povos, a modernidade capitalista tende a enfraquecer, impedindo-se, desse modo, o
desenraizamento da cultura dos povos tradicionais.
Através da Escola do Campo e popular, podemos recuperar o objetivo real
da nossa educação, a qual deverá ter uma base econômica, social, cultural e política
e, ao mesmo tempo, construir caminhos de unidade entre os povos. A escola tem o
dever de estar enraizadas nas comunidades, envolver-se com a construção e valorização
das culturas ancestrais e construir um conhecimento científico e tecnológico que
possa desenvolver, por meio do trabalho, uma consciência que leve à percepção da
necessidade de uma transformação local e regional que resulte em uma economia
centrada na cooperação entre os povos. Este caminho para a superação do capital não
pode ser utópico nem idealista, tem que ser construído a partir da necessidade desses
povos. Deve-se fincar raízes na realidade cotidiana, na nossa terra e no nosso território,
construindo, assim, uma identidade, uma necessidade.

Os espaços pedagógicos da teia dos povos


Os espaços construídos pela Teia dos Povos são considerados espaços políticos
e pedagógicos: A jornada de Agroecologia da Bahia, as Pré-Jornadas, os mutirões
solidários, a Rede de sementes crioulas, são espaços que concentram um grupo de
Segmentos com culturas e saberes diferentes, onde dialogam e agregam experiências
e aprendizados ancestrais e atuais, de forma individual e coletiva, criando uma rede
solidificada de união e militância sociopolítica e cultural pelo direito a terra, o território
e às sementes crioulas, através da Agroecologia e outras frentes de lutas. Discutem
as potencialidades dos saberes e fazeres para o enfrentamento das problemáticas
socioambientais. Isso permite combinar com luta de classe, pela terra, pelo direito à
educação, ao trabalho, à cultura, à soberania alimentar e ao território. Portanto, a Teia
dos Povos favorece uma articulação de intercâmbio para o fortalecimento dos povos
através de interação de saberes, propondo e apresentando estratégias para superar os
desafios, incentivando a união de povos do campo, da cidade, das matas e das águas,
territorialmente e nacionalmente em prol de suas lutas, necessidades específicas
e comuns, guiados pela transição agroecológica na produção e nas relações para a
transformação social.

As jornadas de agroecologia da Bahia


A Jornada é um importante espaço de divulgação, debates, e reflexões sobre a
agroecologia no Estado da Bahia, onde ocorre trocas de experiências, saberes tradicionais
e científicos que dialogam entre si, um espaço de articulação e celebração entre os
povos. Durante a Jornada de Agroecologia da Bahia são organizadas várias atividades
pertinentes ao tema proposto, envolvendo sororidade entre as mulheres, debates sobre
educação, plenárias, shows culturais, danças, rituais, toré, oficinas, cirandas, trocas de
sementes crioulas, cortejos, feiras de economia solidária e práticas agroecológicas. A
imagem abaixo registra:
Foto 1- V Jornada de Agroecologia da Bahia em Porto Seguro/BA – 2017

Fonte: Arquivo da Teia dos Povos


As Pré-Jornadas de Agroecologia
como espaço de Autonomia e Organicidade
As Pré-Jornadas de Agroecologia visam dar autonomia para a organicidade dos
Núcleos de Base e Elos da Teia, no intuito de fomentar discussões, reflexões e fortalecer
o trabalho de base a partir das especificidades de cada território, apontando temáticas a
serem trabalhadas na Jornada de Agroecologia da Bahia.
Foto 2 - I Pré Jornada de Agroecologia da Bahia – Amargosa, BA – 2017

Fonte: Arquivo da Teia dos Povos

Mutirões Solidários
A Teia dos Povos, durante os anos de existência, vem realizando mutirões
solidários com diversos povos e comunidades, que buscam fortalecer o território da
mata atlântica, na luta pela soberania alimentar, preservação das sementes crioulas,
contra a hegemonia, pelo reconhecimento étnico cultural dos povos e autonomia.
Esta ação faz parte do Programa de Desenvolvimento Socioeconômico da Mata
Atlântica (Prodesema) que visa proteger o Bioma Mata Atlântica no Estado da Bahia
conservando as espécies nativas de plantas e fauna, construindo um bem viver para
os povos da floresta, os extrativistas, assentados da reforma agrária, pequenos e
médios agricultores familiares e todos aqueles que acreditam no potencial da Mata
Atlântica.
Foto 3 - Mutirão solidário na Comunidade Quilombola e Pesqueira de Graciosa,
Taperoá-BA-2017

Fonte: Arquivo da Teia dos Povos

A Rede de Sementes Crioulas


Na busca pela segurança e soberania alimentar de nossos povos tradicionais, a
Teia entende que é preciso voltar ao início: as Sementes. Mais que a gênese das nossas
práticas agrícolas, partimos pelo resgate dos conhecimentos ancestrais que asseguram
a permanência e resistência de nossos irmãos e irmãs Indígenas, Quilombolas e
Camponeses, Assentados e Acampados de Reforma Agrária em seus territórios, para
reger ‘novas’ práticas técnicas e culturais a fim de promover as mudanças necessárias
para garantir a perpetuação e fortalecimento da existência dos povos tradicionais no
atual sistema instaurado em nossa sociedade.
Foto 4 - Troca de sementes na V jornada de Agroecologia da Bahia
– Porto Seguro/BA-2017

Fonte: Arquivo da Teia dos Povos


Encontro de mulheres
O Encontro de Mulheres da Teia tem caráter formativo para diferentes grupos
de mulheres: indígenas, quilombolas, pescadoras, marisqueiras, quebradeiras de coco,
terreiros de candomblé, áreas de assentamentos de reforma agrária, educadoras,
estudantes e urbanas. Constitui um importante espaço que proporciona um momento
de sororidade das mulheres: diálogos, troca de saberes, práticas e experiências, onde as
participantes têm a oportunidade de conhecer, socializar e discutir as diversas formas de
lutas e de resistência das mulheres. Através do evento busca-se ampliar a troca de saberes
entre as comunidades e elos da Teia dos Povos em caráter de formação continuada, na
perspectiva de debater questões inerentes à mulher, objetivando empoderar e valorizar
a luta das mulheres na defesa da terra, do território e da identidade cultural através da
Agroecologia.
Foto 5 - Encontro de Mulheres da Teia dos Povos – 2018

Fonte: Arquivo da Teia dos Povos

Considerações finais
No desenvolvimento deste trabalho ocorreram alterações, questionamentos
ocorreram alterações, questionamentos e inquietações até que chegasse a seu término.
No entanto, graças a uma vasta documentação disponível, foi possível nortear a temática
com olhar enquanto pesquisadora e atuante na articulação da Teia dos Povos. Ao
iniciar este trabalho, foi possível notar uma riqueza imensa de fontes disponíveis, com
possibilidades de avançar ainda mais em outros momentos. Este trabalho possibilitou a
oportunidade que outrora vinha desejando em dedicar-me à sistematização dos espaços
de vivência e convivência na Teia dos Povos.
Ao identificar as formas de luta e organização da Teia dos Povos desde o
ano de 2012, certifica-se do quão está sendo importante os espaços que a Teia vem
proporcionando aos Elos e Núcleos de Base. No decorrer do processo, que caminha para
uma década, observa-se o quanto a Teia tem contribuído na formação e conscientização
política agroecológica. Por mais que enfrentemos uma série de obstáculos, existe a
convicção de que se faz necessário manter firme os ideais: Lutar por terra, território e
bem viver. Concluímos com a palavra de ordem da Teia: “DIGA AO POVO QUE AVANCE!
AVANÇAREMOS!”

Referências
KNABBEN, Virginia Mendonça (Org.) Ana Primavesi: História de Vida e Agroecologia.
2.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2017
ACOSTA, Alberto (org.) O Bem Viver: Uma oportunidade para imaginar outros mundos.
São Paulo: Autonomia Literária, Elefante,2016.
JORNADA DE AGROECOLOGIA DA BAHIA. Conheça o Assentamento Terra Vista. 2014.
Acesso em 11/10/2016. Disponível em: http://jornadadeagroecologiadabahia.blogspot.
com.br/search/label/Assentamento%20Terra%20Vista
Relato de uma experiência de Formação de Educadores do Campo
no Assentamento Terra Vista a partir da perspectiva do trabalho
como princípio educativo
Luzeni Ferraz de Oliveira Carvalho
Maria Nalva Rodrigues de Araújo Bogo

Resumo
Este texto, fruto de densos, intensos e profícuos debates no Projeto de
Formação de Educadores do Campo realizado no Assentamento Terra, Arataca, região
sul do estado da Bahia, de agosto de 2015 a março de 2019, tem por objetivo principal
relatar, de forma analítica, a experiência vivenciada, apontando o trabalho como
princípio educativo e elemento fundamental na formação de professores do campo. Nos
desdobramentos intentamos discutir o conceito de trabalho como princípio educativo e
problematizar brevemente a formação de professores na perspectiva da racionalidade
técnica e da epistemologia da prática. Trata-se de um relato de experiência cujos
fundamentos teóricos são: Marx (2003), Freitas (2007), Saviani (1991), Frigotto et al
(2015), entre outros. A formação proposta cumpriu seus objetivos, conforme externado
pelos participantes no processo avaliativo final e pela coordenação do Assentamento
que a propusera.
Palavras-chave: Formação de educadores do campo. Assentamento Terra Vista.
Trabalho como princípio educativo. Universidade do Estado da Bahia/Campus X. Relato
de experiência.

Introdução
Este texto, fruto de densos, intensos e profícuos debates no Projeto de
Formação de Educadores do Campo realizado no Assentamento Terra, de agosto de
2015 a março de 2019, tem por objetivo principal discutir o trabalho como princípio
educativo na formação de professores do campo.
O referido curso foi realizado no Assentamento Terra Vista, município de
Arataca, região sul do Estado da Bahia, mediante a Universidade do Estado da Bahia
(UNEB)/ Departamento de Educação Campus X5, sob a coordenação das docentes
autoras deste trabalho.

5  Essa unidade de ensino funciona desde 1981 como Núcleo de Ensino Superior – extensão do Centro de
Educação Técnica da Bahia (CETEBA). A partir de 1998, o Centro de Educação Superior de Teixeira de Freitas
(CESTEF) recebeu a denominação de Departamento de Educação – Campus X/ UNEB-DEDC-X
Ao desenvolver a proposta de formação, nossa defesa é a superação de um
arquétipo de formação pautado na racionalidade técnica e na epistemologia da prática.
Apontamos que, muito se tem avançado no tocante à formação de professores do campo,
mais no que toca ao número cada vez maior de vagas ofertadas nas universidades e
institutos de educação, embora ainda haja muito a se fazer, em particular nas discussões
acerca dos pressupostos teórico-metodológicos embasadores dessa formação. Nossa
defesa é da formação com conteúdos e conhecimentos do e para o campo, pautados no
cotidiano e na identidade cultural dos sujeitos em territórios camponeses, tendo como
base o trabalho como princípio educativo.
Para implementar uma nova escola do campo, coerente com as demandas e os
princípios dos movimentos sociais, estes últimos expressos nas Diretrizes Operacionais
para as Escolas do Campo – DOEC (BRASIL, 2002), e que dê conta de um novo trato
no conhecimento e na organização do trabalho pedagógico, necessário se faz investir
nos processos de formação de profissionais qualificados, capazes tanto de entender
as demandas apresentadas quanto de lhes proporcionar os meios necessários à
implementação.
A necessidade social de formação de profissionais da educação voltados
para essa temática, preparados para contribuir na construção de políticas públicas
e de uma Pedagogia vinculada às demandas das populações camponesas,
demandaram à UNEB/DEDC-X a realização de um curso de extensão, uma vez que
parte dos educadores e das educadoras que atuam como professores das áreas de
assentamentos, bem como nas zonas rurais dos municípios brasileiros, não tiveram
formação específica para atuar nas adversidades das escolas situadas no campo.
Frente a esse contexto a Universidade buscou responder à demanda apresentada
pelos professores e por lideranças/coordenação do Assentamento Terra Vista
para organizar o referido curso, visando contribuir na formação continuada dos
educadores do citado Assentamento.
O Parecer do Conselho Nacional de Educação/Comissão da Educação Básica
– CNE/CEB 36/2001 e a Resolução CNE/CEB 1/2002, que instituem as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, constituem uma conquista
dos sujeitos sociais que habitam o campo brasileiro e querem continuar no campo,
considerando-o como um lugar bom de viver. Nos artigos 12º e 13º, a formação dos
profissionais da educação do campo preveem que os sistemas de ensinos ofertem a
formação inicial e continuada em todos os níveis e modalidades, com aperfeiçoamento
permanente dos docentes, indicando aos centros formativos os seguintes componentes
para formação: o respeito à diversidade cultural e aos processos de interação e
transformação existentes no campo brasileiro; o efetivo protagonismo das crianças,
dos jovens e dos adultos do campo na construção da qualidade social de vida individual
e coletiva, bem como seu acesso ao conhecimento científico e tecnológico, tendo
por referência os princípios éticos e a democracia. Isso supõe, entre outras coisas,
a superação da cultura da reprovação, da retenção e da seletividade, centrando-se a
atenção nos níveis de desenvolvimento cognitivo, afetivo, social, moral, ético, cultural,
profissional (BRASIL, 2002; 2008).
Sabe-se que, as legislações educacionais, por si só, são insuficientes para que
efetivamente alguma alteração ocorra na realidade. Desse modo, é primordialmente
necessário que elas mesmas sejam conhecidas por todos/as que eduquem os filhos
e as filhas dos povos do campo, para que, de posse dos conhecimentos, eles possam
agir. Foi com esse intuito que se realizou o curso de extensão demandado pelo coletivo
do Assentamento Terra Vista e pelas gestões das duas escolas: “Desafios da Escola do
Campo: debates atuais, políticas públicas e prática pedagógica”. Tal atividade constituiu
um espaço formativo de educadores/as que atuam nas escolas do assentamento e seu
entorno e que, por vezes, se deparam com as problemáticas das crianças e dos jovens
camponeses em sala de aula. Eles não tinham conhecimento das conquistas legais
acerca da Educação do Campo, desenvolvendo muitas vezes seu trabalho sem se dar
conta de refletir uma educação coerente com os pressupostos assegurados na legislação
acerca da educação do campo. Desse modo, surgiu a necessidade de formação desses
educadores para que atendam ao que demanda a legislação atual acerca das Diretrizes
para as escolas do campo.

Referencial teórico embasador da experiência e da análise


O campo a que ora nos referimos é mais que uma demarcação não urbana,
é um campo de possibilidades que dinamizam a ligação dos seres humanos com a
própria produção das condições de existência social e com as realizações da sociedade
humana (SOARES, 2002, p. 5). Há aproximadamente duas décadas, vem se construindo
outro paradigma denominado educação do campo, o qual se contrapõe ao paradigma
dominante, cujo fundamento é a lógica do agronegócio, da monocultura, da produção
da vida para a exploração humana, da concentração de riquezas e, consequentemente,
do aumento da miséria e da injustiça social; isto é, um campo esvaziado de gente,
fadado ao desaparecimento.
Esse novo paradigma, analisado a partir do conceito de território, compreendido
como “espaço político por excelência, campo de ação e de poder, onde se realizam
determinadas ações sociais [...]” (FERNANDES; MOLINA, 2004, p. 53), traz em sua
essência a luta de classes, a defesa de um território vinculado às lutas sociais, à cultura, à
Reforma Agrária, ao uso múltiplo dos recursos naturais, à democratização das riquezas.
Esse paradigma é fruto do esforço, das lutas e de enfrentamentos dos movimentos
sociais do campo (com suas tensões e contradições), encampado, como bandeira, por
um número significativo de intelectuais de distintas universidades brasileiras ao longo
desta década e meia de existência desse movimento articulado nacionalmente (em
busca de unidade), cujo cerne é a Educação do Campo.

O trabalho como princípio educativo


Ao pensarmos no trabalho como princípio educativo, a questão primeira com
a qual nos deparamos está interligada à condição e à percepção do que seja trabalho.
O trabalho, em Marx (2004), é concebido como positividade e negatividade. Como
positividade, constitui criação e reprodução humana. Como negatividade, sob a égide
do capitalismo, torna-se sofrimento, tortura, exploração. Assim, o trabalho como
princípio educativo vincula-se à própria forma de ser dos seres humanos. Somos parte
da natureza e dependemos dela para reproduzir a nossa vida. É pela ação vital do
trabalho que os seres humanos transformam a natureza em meios de vida. Se essa é
uma condição imperativa, socializar o princípio do trabalho como produtor de valores
de uso, para manter e reproduzir a vida, é crucial e “educativo” (FRIGOTTO et al., 2015).
O trabalho é princípio educativo na medida em que determina, pelo grau de
desenvolvimento social atingido historicamente, o modo de ser da educação em seu
conjunto. Nesse sentido, aos modos de produção [...] correspondem modos distintos de
educar com uma correspondente forma dominante de educação. [...]. Em um segundo
sentido, trabalho é princípio educativo, na medida em que coloca exigências específicas
que o processo educativo deve preencher em vista da participação direta dos membros
da sociedade no trabalho socialmente produtivo [...]. Em um terceiro sentido, também
como princípio educativo, o trabalho determina a educação como uma modalidade
específica e diferenciada: o trabalho pedagógico (SAVIANI, 1991, p. 56). Para que a
educação, inclusive a formação de professores pensada pelos movimentos sociais do
campo na perspectiva da formação omnilateral, se materialize, o trabalho deve ser
tomado como princípio educativo, o que significa dizer que a educação não pode estar
voltada para o trabalho como forma de domesticação do ser humano, como venda de
força de trabalho, como sofrimento, treinamento. Se a educação burguesa pressupõe a
formação de indivíduos para perpetuarem o seu metabolismo social, logo chegaremos à
compreensão de que a educação omnilateral pressupõe uma emancipação dos sentidos
humanos expropriados pelo trabalho alienado, ou seja, a negação do modo capitalista
de organização da vida (CARVALHO, 2018).
De acordo com Gramsci (1979), esse é o significado do trabalho como princípio
educativo: articulação do trabalho intelectual à vida dos trabalhadores, formando-os para
serem capazes de atuarem como dirigentes e sujeitos na perspectiva da emancipação
humana. Os acirrados debates envolvendo as políticas de formação de professores no
Brasil evocam dois movimentos que se entrelaçam de forma contraditória na realidade
atual, sendo predominante o que traz como direção o processo de flexibilização curricular
em curso, tendo em vista a adequação do ensino superior às novas demandas oriundas
do processo de reestruturação produtiva, objetivando adequar os currículos aos novos
perfis profissionais resultantes dessas modificações (FREITAS, 2007).

Formação de professores: concepções e desafios


Os modelos de formação de professores mais difundidos no Brasil, de acordo
com Silva (2011), são os relacionados à racionalidade técnica, também conhecida como
epistemologia positivista da prática. A forma preponderante de pensar e fazer ciência
aceita na modernidade toma como modelo as ciências físicas e biológicas, heranças
do positivismo que se desenvolveu a partir do século XIX. As ciências humanas e,
consequentemente, a educação, cujas teorias são perpassadas por essas ciências,
seguem o modelo positivista, que se apresenta como uma hegemonia na sociedade e se
manifesta também na educação.
No sentido de acreditar em uma formação de educadores que extrapole
o modelo neoliberal vigente, os movimentos sociais do campo, em específico o MST,
em parceria com um grupo de universidades públicas brasileiras, assumiu a formação
de professores do campo, colocando-se na contramão da lógica produtivista e
mercadológica, guiada por uma “pedagogia de resultados”, pelos mecanismos das
chamadas “pedagogia das competências” e da “qualidade total” (FREITAS, 2007).
Existe, de forma explícita, dois projetos em disputa no tocante à agricultura
brasileira: o agronegócio e a agricultura familiar. Também na educação a disputa
existe, principalmente no que se refere à formação de educadores: um projeto
defende a formação integral dos sujeitos, a formação na perspectiva de trabalhar as
várias dimensões humanas, uma formação para além do capital, pautada em valores
humanistas, tendo o trabalho como princípio educativo. O outro projeto visa à formação
de mão de obra para o mercado, uma formação para a competitividade, para a adaptação
às estruturas sociopolíticas e econômicas vigentes e a serviço da acumulação de capital.
Nessa perspectiva, Menezes Neto discute que:
O modelo capitalista de agricultura, no campo da educação, também
defenderá a formação capitalista, centrada na competição, na formação
para o “mercado de trabalho”, na “eficiência produtiva”, na “integração ao
sistema” e no individualismo. Já o modelo camponês, alternativo ao modelo
do agronegócio, apresenta o potencial de um projeto de educação também
alternativo ao modelo competitivo deste. Esse outro “modelo”, defendido
e já com algumas práticas desenvolvidas pelos movimentos sociais, seria
centrado no direito à cidadania, no direito ao conhecimento crítico, ao
conhecimento científico, à formação, não para o mercado de trabalho, mas
para o mundo do trabalho, entendido como processo de conhecimento e
transformação da natureza para o bem-estar dos seres humanos (MENEZES
NETO, 2009, p. 25-26).

Na contramão do modelo produtivista, a Associação Nacional pela Formação


dos Profissionais da Educação (ANFOPE) defende uma proposta contra-hegemônica
por ocasião do debate acerca das Diretrizes Nacionais para a Formação de Professores,
aprovadas em 2001. Defende: A formação para a vida humana, forma de manifestação
da educação omnilateral dos homens; a docência como base da formação; o trabalho
pedagógico como foco formativo; a sólida formação teórica, a ampla formação cultural; a
criação de experiências curriculares que permitam o contato dos alunos com a realidade
da escola básica, desde o início do curso. [...] (ANFOPE, 2000).
A ANFOPE, ao defender um modelo de formação de professores, traz alguns
elementos que se assemelham à proposta do MST, a saber, o rompimento entre
teoria versus prática, pensar versus fazer, trabalho versus estudo. São duas propostas
que rompem com a lógica da epistemologia da prática. A proposta de formação
materializada no curso de extensão acompanha as proposições defendidas pela
ANFOPE, a qual busca superar a perspectiva técnica, mecânica, pragmática proposta
nos documentos oficiais.
Essa proposta pretende romper com a separação entre escola e trabalho, ou
entre educação e formação. Esse departamento de importantes categorias constitui
uma das causas de um processo histórico que condiciona a forma de submissão do
trabalhador às ordens do capital. Ou seja, a educação que distancia “educação e
trabalho” é uma educação que subordina, que não emancipa e que se erige em condição
fundamental para a ampliação do capital.

Procedimentos teórico-metodológicos
Esta análise da experiência do projeto de extensão “Desafios da Escola do
Campo: debates atuais, políticas públicas e prática pedagógica” se deu a partir da
pesquisa documental, sendo avaliados os seguintes documentos: Projeto de Formação
de Educadores do Campo (2015) e o Relatórios de Atividades (2016-2018) elaborado
pelas formadoras e entregue à instituição certificadora.
Optamos pela pesquisa documental, pois essa forma vale-se de materiais que
não receberam ainda tratamento analítico ou que ainda podem ser reelaborados de
acordo com os objetos da pesquisa. Além de analisar os documentos de “primeira mão”.
(GIL, 2008)
O Projeto teve seu início em 2015, onde todos os módulos de formação
aconteceram no Centro Estadual de Educação Profissional da Floresta, do Cacau e do
Chocolate Milton Santos, localizado no Assentamento Terra Vista, em Arataca, Sul da
Bahia. O Assentamento Terra Vista é vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), fruto de ocupação realizada em 8 de março de 1992 e reconhecido
oficialmente como assentamento em 1994. O referido território estende-se por uma área
de 913,6 hectares e é considerado referência em preservação ambiental, agroecologia e
produção de mudas de espécies da Mata Atlântica. A comunidade mantém um viveiro
com capacidade para 150 mil mudas/ano. Possui 300 ha de cacau cabruca. Há cerca de
dezoito anos, vem plantando na perspectiva agroecológica certificada pelo Instituto Bio
Dinâmica (IBD). A outra parte da área está dividida em 80 ha de pasto e 7,5 ha de lâminas
d’água para criação de peixe, e as demais terras são divididas pela força de trabalho de
cada família (são 57 famílias ao todo) na produção de culturas diversificadas: hortaliças,
fruticulturas e a área das Agrovilas (moradia) (BAHIA, 2012, p. 12).

Resultados: avanços e perspectivas de continuidade


No Assentamento Terra Vista, pode se constatar a existência de duas escolas:
o Centro Integrado Florestan Fernandes, que atende ao Ensino Fundamental e CEEP
Milton Santos, que atende ao Ensino Médio articulado à Educação Profissional, criado
em 2009. O CEEP Milton Santos atualmente oferece seis cursos técnicos em nível médio:
Agroecologia, Agroindústria, Zootecnia, Informática, Segurança do Trabalho e Meio
Ambiente. Em julho 2017 passou-se a ofertar cursos em alternância. Ambas as unidades
escolares atendem a cerca de 900 crianças e jovens do próprio assentamento e de
comunidades rurais circunvizinhas, bem como a sete municípios do território litoral sul
da Bahia, inclusive comunidades indígenas do território.
No Brasil, é comum o movimento de saída das crianças e dos jovens do campo
para estudar nos centros urbanos. No entanto, o que vem ocorrendo no Assentamento
Terra Vista vai na contramão dessa tendência. A educação escolar nesse Assentamento
está intimamente ligada à luta pela reforma agrária e à valorização do campo. Essa
região é conhecida nacional e internacionalmente pela produção de cacau e por ser
cenário da literatura de Jorge Amado. Por outro lado, é historicamente marcada pelas
más condições de vida dos que trabalham nas lavouras de cacau.
Lecionam nas duas escolas cerca de 50 professores (incluídas a direção e a
coordenação pedagógica), que atuam de maneira direta com a Educação do Campo,
cuja prática busca aproximar-se dos princípios defendidos pelo MST e pelo Movimento
Por Uma Educação do Campo, como: a) a busca de uma organização coletiva; b) a
aproximação dos conteúdos desenvolvidos na escola com a cultura e a história do
movimento dos trabalhadores; e c) a realidade vivenciada pelos trabalhadores como
ponto de partida.
Por outro lado, existe muita limitação na operacionalização do trabalho
pedagógico realizado, como enfatizado anteriormente, porque lhes falta oportunidade à
formação inicial e continuada com foco na Educação do Campo, o que repercute muitas
vezes na qualidade da educação. Dessa forma, torna-se fundamental a construção de
espaços formativos amplos que potencializem e qualifiquem as práticas pedagógicas
dos docentes, visando ampliar as estratégias metodológicas adotadas em sala de aula,
bem como as reflexões ideológicas que precisam estar presentes na formação política de
crianças e jovens frequentadores das unidades escolares em questão.
A partir dessa constatação, desenvolvemos o referido curso de extensão.
Para tanto, buscamos debater a realidade apresentada nas estatísticas da Educação do
Campo acompanhadas de um referencial teórico básico para interpretar a realidade
apresentada. O curso teve como objetivos:
a) Propiciar aos educadores um referencial teórico sobre Educação do Campo
em suas diferentes dimensões; b) Realizar estudos do Parecer CNE/CEB
36/2001 e a Resolução CNE/CEB 1/2002, que institui Diretrizes Operacionais
para a Educação Básica nas Escolas do Campo, bem como outros marcos
legais da Educação do Campo; c) Debater os desafios para implementação
das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo
no tocante a: currículo, organização do trabalho pedagógico, gestão (UNEB,
Projeto de Curso, 2015, p. 5).

Sobre os participantes do curso, a proposta inicial era um curso para 50


educadores que atuavam nas unidades escolares do Assentamento Terra Vista e
também para educadores inseridos em outras unidades escolares do campo do
território, articulados pela participação de mais de 70 educadores. Contou-se também
com a presença de 14 educadores do campo da Reserva Extrativista de Cassurubá, do
município de Caravelas (região extremo sul da Bahia) até o Terra Vista, apresentando-se,
assim, uma rica diversidade de sujeitos participantes do Curso. Também participaram de
um dos módulos educadores indígenas da etnia Tupinambá.
No que se referem aos conteúdos trabalhados, as temáticas foram diversas:
a) Educação do campo: marcos da construção de um novo conceito;
b) histórico da educação do campo: c) marcos legais da Educação do
Campo; d) contradições no campo e os desafios para a Educação do
Campo; e) organização do Trabalho Pedagógico da Educação do Campo; f)
práticas educativas na Educação Básica do Campo; g) Projeto de Emenda
Constitucional – PEC 241/55, Projeto Escola Sem Partido, Medida Provisória
746/2016 – Reforma do Ensino Médio etc (UNEB, 2016, p. 8).

O curso foi desenvolvido em cinco encontros/módulos presenciais


(totalizando uma carga horária de 130 horas) com atividades de leituras e pesquisas
de campo que foram realizadas entre um módulo e outro. No período presencial, o
trabalho se desenvolveu por metodologias de uso de exposição dialogada sobre os
temas; exibição de vídeos de experiências com Educação do Campo; estudo dirigido
das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica para as Escolas do Campo; estudo
e análise da realidade das escolas do campo no município / realidade imediata em
confronto com os dados nacionais da Educação do Campo; discussão de propostas
e possibilidades para implementação de um trabalho pedagógico coerente com os
princípios do campo.
Cabe aqui um destaque para uma atividade de pesquisa e debate realizada
pelos participantes no período inter-módulo: a realização do Inventário da Realidade:
guia metodológico para uso nas Escolas do Campo (UNEB, 2016, p. 10). O inventário é uma
ferramenta para levantamento e registro organizado de aspectos materiais ou imateriais
de uma determinada realidade. Levantamentos quantitativos e ou qualitativos. Pode-se
fazer um inventário de bens, de valores, de produções econômicas, culturais, sociais, de
recursos naturais, de pessoas, de formas de trabalho, de lutas, de hábitos e costumes, de
conhecimentos, de atividades agrícolas, de indústrias, de conteúdos de ensino, de livros
lidos pelos estudantes e seus educadores (CALDART et al., 2016, p. 1).
O referido Inventário constitui uma orientação metodológica para a realização
do registro da realidade do entorno da escola, objetivando contribuir na construção do
vínculo da escola com a vida, pelo trabalho, além de apoiar os estudos sobre Agroecologia.
Essa atividade é uma espécie de “termômetro”, uma vez que traz elementos particulares
tanto da escola quanto da comunidade/Assentamento onde esta se encontra localizada,
desafiando os professores a pensarem sobre o quanto ainda precisam entender os
contextos educativos onde atuam.
O Inventário foi realizado, a título exploratório, pelos participantes no tempo
educativo entre os módulos. No tempo presencial, os mesmos sistematizaram as
informações coletadas, apresentando-as ao coletivo do curso mediante exposição oral.
Ao final, cada grupo apontou a necessidade de se realizar esse Inventário juntamente
com os educandos, uma vez que constitui importante instrumento de pesquisa, pois
tem por objetivos:
a) identificar possibilidades de relação da escola com o trabalho socialmente
produtivo, para discussão com a comunidade e possível inclusão no
planejamento pedagógico; b) levantar informações para estudos sobre
agroecologia e agricultura na relação com o trabalho, considerando a
possibilidade real de ligação das escolas do campo com atividades de
produção agrícola de base agroecológica, e a necessidade de refletir sobre
a realidade da agricultura hoje e suas mudanças no tempo e no espaço; c)
verificar porções da realidade inventariada que possam ser ligadas ao estudo
dos conteúdos de ensino das diferentes áreas; d) identificar conteúdos a
serem incluídos no plano d estudos em vista da compreensão de questões
relevantes da realidade atual; e e) levantar possibilidades de pesquisas ou
visitas de campo com os estudantes para aprofundar o estudo científico de
determinadas questões da realidade na relação com os conteúdos de ensino
(CALDART et al., 2016, p. 2).

Enfatizamos que se buscou, em todas as atividades propostas aos


participantes, propiciar a qualificação técnica dos educadores, a partir da formação na
perspectiva do trabalho como princípio educativo, vislumbrando a formação técnica
e humana dos sujeitos. Em todos os momentos de desenvolvimento do Projeto, os
cursistas foram protagonistas dos debates, por serem eles os sujeitos no cotidiano das
salas de aulas.
A acepção do trabalho como princípio educativo em Gramsci (1979) se encontra
formulada e desenvolvida principalmente no Caderno 12, propondo-o para além da
escola, pois se encontra imbricada a um projeto de transformação radical da sociedade
capitalista naquele contexto italiano. Assim, tomando o trabalho na centralidade do
processo de educação dos trabalhadores, vislumbra-se a implantação de um Estado sob
o comando dos trabalhadores, propiciando o homem tornar-se homem, ser integral,
inteiro. Este constituiu o propósito principal do Projeto em análise: elevar o nível cultural
dos educadores, de modo que a cultura humanista e a formação profissional se fundam
uma na outra, sem obrigar os educandos a se inserirem em fábricas. Nos módulos,
houve sempre o esforço por parte das formadoras de discutir e fundamentar a práxis,
como forma de distinguir a ação consciente do homem da ação do homem prático, que
finda por traduzir-se em uma ação alienada.
Corroborando Marx (2003), Frigotto et al. (2005) asseguram que o trabalho
como princípio educativo não é apenas uma técnica didática ou de método para a
aprendizagem, mas deve ser um “princípio ético-político” que eduque para fazer uma
leitura crítica do mundo, propiciando a emancipação.
No entanto, temos testemunhado que o trabalho como princípio educativo
ganha nas escolas a feição de princípio pedagógico que se realiza em uma dupla direção.
Sob as necessidades do capital de formação da mão de obra para as empresas, o
trabalho educa para a disciplina, para a adaptação às suas formas de exploração ou,
simplesmente, para o adestramento nas funções úteis à produção (FRIGOTTO; CIAVATTA,
2010). Ou seja, uma divisão explícita entre o intelectual e o manual.
Em relação ao trabalho na educação, nossa compreensão encontra-se ancorada
teoricamente em autores que o defendem como princípio educativo, a exemplo de
Frigotto e Ciavatta, os quais afirmam que
o trabalho deve não somente preparar para o exercício das atividades
laborais – para a educação profissional nos termos da lei em vigor –, mas
também para a compreensão dos processos técnicos, científicos e histórico-
sociais que lhe são subjacentes e que sustentam a introdução das tecnologias
e da organização do trabalho (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2010, p. 752).

Essa apreensão do processo educacional se constitui o cerne da proposição da


Educação do Campo, cuja centralidade é o trabalho como princípio educativo, que tem
como elementos fundadores a coletividade, a emancipação, o sujeito como protagonista
da história. Nessa perspectiva, rompe-se com os pressupostos almejados pela educação
burguesa, cujo objetivo primeiro é formar para a individualidade, para o interesse
próprio, para as fileiras do mercado do trabalho. A formação omnilateral, contrariamente,
pressupõe o desenvolvimento do ser humano em sua inteireza. Concebe-o a partir do
que o faz realmente humano: o trabalho.
Quanto à avaliação do processo, a mesma ocorreu durante todo o período de
realização dos módulos do curso, pois entendemos que a avaliação é uma das atividades
que ocorre dentro de um processo pedagógico. Segundo Fernandes e Freitas,
[...] deve ser usada tanto no sentido de um acompanhamento do
desenvolvimento do estudante, como no sentido de uma apreciação final
sobre o que este estudante pôde obter em um determinado período,
sempre com vistas a planejar ações educativas futuras (FERNANDES;
FREITAS, 2007, p. 19).

Enquanto avaliação formativa, tivemos vários instrumentos avaliativos,


quais sejam: elaboração de uma síntese de aprendizados pelos cursistas; avaliações
orais, nas quais os cursistas apontavam as contribuições das discussões para a prática
pedagógica cotidiana; participação dos/as professores/as cursistas com intervenções
nos debates realizados; realização das leituras e atividades indicadas; pontualidade
na coleta das informações solicitadas para os debates; auto-avaliação pelos cursistas
(UNEB, 2016, p. 12).
Buscamos caminhar na perspectiva da avaliação formativa, apontando para os
educadores cursistas, que a prática da avaliação pode advir de distintos modos. Deve
estar articulada com a perspectiva para nós coerente com os princípios de aprendizagem
que adotamos e com a compreensão do papel que a educação escolar deve ter na
sociedade. Pretendemos, portanto, apontar que a necessidade de compreenderemos,
enquanto educadores, que os educandos aprendem de múltiplas maneiras, em tempos
nem sempre tão homogêneos. Assim, devemos entender que o papel da avaliação não
deve ser o de classificar e selecionar os educandos, mas que estes compreendam de
maneira mais organizada seus processos de aprendizagem.
A partir dessa percepção, de acordo com Fernandes e Freitas (2007),
Entender e realizar uma prática avaliativa ao longo do processo é pautar
o planejamento dessa avaliação, bem como construir seus instrumentos,
partindo das interações que vão se construindo no interior da sala de aula
com os estudantes e suas possibilidades de entendimentos dos conteúdos
que estão sendo trabalhados (FERNANDES; FREITAS, 2007, p. 21).

Perspectivas de continuidade
Ao final do quarto módulo (em novembro de 2016) apontamos perspectivas de
continuidade da formação, a partir de demandas dos cursistas durante o processo. Assim,
conforme o coletivo, a formação continuada se centrou, em 2017, em orientações/
registro da prática pedagógica, coleta de materiais resultado do trabalho pedagógico
dos educadores/cursistas, objetivando organizar em forma de material didático e
paradidático, bem como orientações acerca de elaboração de Projetos (Didático-
pedagógicos, de pesquisa, Pós-Graduação: Especialização, Mestrado e Doutorado).
Mesmo o coletivo de professores, partícipes das formações, terem apontado
os caminhos anteriormente enfatizados, no início de 2017 surgiu a demanda da
discussão em torno da reelaboração do Projeto Político-Pedagógico (PPP) pela gestão
administrativa e pedagógica. Assim, realizou-se, em maio do corrente ano, o I Seminário
Participativo de Construção do PPP do CEEP Milton Santos, com a participação
de docentes, discentes, funcionários da referida escola, bem representantes da
comunidade local, havendo uma exposição dialogada em torno do PPP, abarcando
concepções, problematizações, importância, desafios e proposições. Dentre as
questões imprescindíveis ao se debater o PPP, trouxemos a discussão em torno de
qual é mesmo a função social da escola e da educação, e em particular do CEEP Milton
Santos e da Educação do Campo.
Nesta perspectiva, para que a construção do projeto político-pedagógico seja
possível não é necessário convencer os professores, a equipe escolar e os funcionários a
trabalhar mais, ou mobilizá-los de forma espontânea, mas propiciar situações que lhes
permitam aprender a pensar e a realizar o fazer pedagógico de forma coerente (VEIGA,
2002).
Dentre outras questões a serem pensadas no processo de (re) construção
do Projeto Político-Pedagógico, outras carecem serem debatidas; materializadas,
conforme Caldart,
É preciso pensar a escola como parte de processos formativos que
constituem a vida social e as relações entre ser humano e natureza,
intencionalizados em uma direção emancipatória. Por isso, a escola não
pode desenvolver sua tarefa educativa apartada da vida, suas questões e
contradições, seu movimento. Mas esta ligação entre escola e vida (trabalho,
luta, cultura, organização social, história) precisa de uma formulação
pedagógica séria, para que os momentos de estudo não se reduzam a
conversas sobre aspectos ou problemas da realidade, mas possam garantir
efetiva apropriação de conhecimentos necessários à construção de novas
relações sociais e de relações equilibradas entre o ser humano e a natureza
(CALDART, 2016, p. 1).

Esse repensar a função da escola se faz importante, uma vez que, ao se ter
clareza da função da escola enquanto instituição, acreditamos que os educadores,
na realização de suas atividades pedagógicas, pensarão a serviço de quê e de quem
tais atividades estão, para refletir sobre o tipo de formação que almejam ao propô-
las.
Em 2018 aconteceram dois encontros, tendo como foco da formação o
planejamento e a avaliação, para atender a uma demanda específica dos educadores do
CEEP Milton Santos, a maioria bachareis, apontando a necessidade de compreender o
processo ensino-aprendizagem a partir de elementos didático-pedagógicos.
Em fevereiro de 2019, na Semana Pedagógica, uma das autoras desse trabalho
participou da Jornada Pedagógica da escola, com a intencionalidade de apresentar os
resultados da tese de Doutorado que tomou como objeto de pesquisa o trabalho como
princípio educativo na organização pedagógica de uma escola de educação profissional
do campo: aproximações e desafios (CARVALHO, 2018).
Em março de 2019, o último encontro do Projeto realizado, retomamos a
pedido do coletivo, o debate acerca das especificidades da Educação do Campo,
aspectos teóricos e metodológicos) com educadores e gestores das duas escolas
do Assentamento mais educadores do município de Arataca e de assentamentos
do entorno, devido à rotatividade de professores que atuam nas escolas do campo
dessas localidades. Ao concluirmos o trabalho, o grupo apontou como demanda a
necessidade de uma Pós-Graduação lato sensu em Educação do Campo, a UNEB,
através do Departamento de Educação - Campus X e o Centro Acadêmico de
Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial (CAECDT) acolheram a proposta
e realizou no âmbito do Assentamento duas reuniões com os sujeitos interessados
para que o projeto tramite nas instâncias cabíveis da Universidade, tendo como
apontamento inicial, que aconteça no ano de 2020.
Considerações finais
A formação proposta cumpriu seus objetivos conforme externado no processo
avaliativo final pelos participantes dos módulos e pela coordenação do Assentamento
que a propusera.
Muito se tem avançado no tocante à formação de professores do campo, mais
no que toca ao número cada vez maior de propostas pelas Universidades e Institutos
de Educação, no entanto, há muito a fazer, em particular nas discussões acerca dos
pressupostos teórico- metodológicos embasadores dessa formação.
A discussão em torno dos fundamentos teórico-conceituais dos cursos de
formação de professores do campo é de extrema relevância, na medida em que a
educação do campo traz como especificidade a permanente associação com as questões
sobre o papel do campo no desenvolvimento e no território no qual se enraízam as
práticas político-pedagógicas, e uma reflexão crítica sobre a construção de um projeto
de nação.
Nessa perspectiva, cursos de formação para professores que atuam em
escolas do campo se fazem cada vez mais imprescindíveis, buscando a qualificação
desses professores tomando o trabalho como princípio educativo, aliando trabalho
intelectual e trabalho manual, rechaçando, dessa forma, as concepções norteadoras
das formações realizadas pelo poder público, principalmente, municipal, de nomear os
encontros como capacitação, reciclagem; os quais possuem uma concepção equivocada
acerca da formação continuada dos professores, focado na epistemologia da prática, em
detrimento do debate teórico e epistemológico das questões fundamentais da docência,
do trabalho pedagógico, da escola.
Buscamos um modo de estudo/formação que articulasse trabalho,
conhecimento, ensino e participação dos educadores na condução formação
proposta. E buscamos construir o Curso de Extensão como um lugar de formação
humana multidimensional.

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UNEB. Universidade do Estado da Bahia. Relatório do Projeto do Curso de Extensão:
Desafios da Escola do Campo: debates atuais, políticas públicas e prática pedagógica.
Teixeira de Freitas, Dez. 2016.
VEIGA, Ilma Passos Alencastro (org). Projeto político-pedagógico da escola: uma
construção possível. 14. ed. São Paulo: Papirus, 2002.
A estética das sementes como forma de resistência
à hegemonia do agronegócio
Maritania Andretta Risso
Maria Nalva Rodrigues Araújo Bogo

Resumo
Este trabalho, parte de uma Dissertação de Mestrado, é o resultado de uma
experiência artística, desenvolvida com sementes, no Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST). A proposta surge a partir da experiência Mexicana desde 2012,
com o objetivo de contribuir para a preservação e recuperação das sementes crioulas,
como forma de resistência à ofensiva do agronegócio no processo de alteração genética
das sementes. Os referenciais teóricos que nortearam a pesquisa foram: Altieri (2004),
Agruco (2001), ANCA (2003), Caldart (2014), Carvalho (2003), Coa e Casifop (2012),
Caldart et al (2012), Fernandes (2004), Bogo (2010), Ribeiro (2003), Martins (2006), MPA
(2017), entre outros. A abordagem teórico-metodológica amparou-se no método de
pesquisa-ação. Fizemos duas visitas à comunidade de Tepoztlán/Morelos, no México.
No Brasil, realizamos 35 oficinas, nas quais foram construídos os murais (quadros) com
sementes naturais. Os resultados indicam que, no processo de construção dos quadros,
os participantes puderam compreender os conceitos relacionados às sementes crioulas,
a importância da preservação das sementes, além da motivação para a luta social e
enfrentamento às sementes transgênicas. Além disso, como passo complementar,
efetivou-se a construção do primeiro registro escrito sobre a origem da arte do povo
mexicano com o uso de sementes.
Palavras-chave: Sementes crioulas. Estética. Arte. MST. Brasil. México.

Introdução
Neste estudo busca-se trazer apontamentos referentes ao tema que vem
sendo discutido pelos movimentos sociais do campo na atualidade, ou seja, as múltiplas
formas de preservação das sementes crioulas como forma de enfrentamento às
sementes geneticamente modificadas. Buscamos trazer a reflexão a partir do olhar dos
movimentos sociais, em especial o MST. Este movimento tem tratado incansavelmente
sobre o tema das sementes crioulas como um assunto de muita seriedade, entendendo
que ele envolve relações profundas com os processos de luta pela terra. Dessa forma,
as sementes se relacionam com o contexto cultural de trabalho, de resistência e
existência do campo, de continuidade da vida. Essa ideia vem se fortalecendo a partir
de muitas experiências coletivas, nas quais tem sido trabalhada, com mediação da arte,
a recuperação das sementes crioulas nas áreas de Reforma Agrária e em outros espaços
de resistência.
Reportando à ideia do trabalho de arte que utiliza sementes como base
para a construção estética, com originalidade na cultura indígena e camponesa, esse
conhecimento de longo tempo vem ampliando ideias que culminam para além da
própria arte. Podemos dizer que as sementes, no período atual, não estão apenas
cumprindo a função social de se reproduzir para “matar a fome” nos lugares em que
estão sendo reproduzidas. Inseridas no universo da cultura e da estética, elas produzem
outro sentido para a vida, estão ligadas à matéria e à forma.
No contexto atual, devido a processos desastrosos adotados na agricultura a
nível mundial, as sementes estão cada vez mais sendo disputadas pela classe dominante.
Por sua vez, os camponeses têm utilizado das mais variadas formas de conhecimento e
“saberes adormecidos” com relação às sementes, seja em forma de alimento, seja em
forma de arte, a fim de resistir e preservá-las. Desde o início da luta pela terra, o MST
vivencia processos de resistência, aprimora métodos e formas de luta em prol de uma
sociedade mais justa. Os mexicanos da comunidade de Tepoztlán, precursores da técnica
de arte com sementes, têm contribuído nesse processo com a materialidade da cultura
e arte.

A estética das sementes como forma de resistência:


experiência do MST e comunidade Tepoztlán - México
A técnica do trabalho com sementes foi criada em Tepoztlán, estado de
Morelos, no México, desde 1993. Por meio de um intercâmbio (oficina), organizado pelo
MST em 2012, foi possível conhecer e trazer essa técnica de arte para o contexto da luta
pela terra no MST, sendo até o momento um trabalho distinto dentro das artes, o qual
tem sido trabalhado em consonância com a organização nos mais diversos campos de
atuação. Além disso, é uma técnica de suma importância para o movimento, pois traz o
debate sobre a recuperação das sementes crioulas.
Trata-se de um processo artístico que une métodos de trabalho semelhantes
entre os dois segmentos sociais (MST e Tepoztlán). Por entender que estas são a base
da existência humana, eles buscam, por meio da arte, trazer presente a denúncia e a
exploração do capital em relação às sementes crioulas.
Em Tepoztlán, tivemos contato direto com a técnica mexicana de construção
do portal de sementes, que vem sendo realizado há 25 anos pela comunidade. Trata-se
de uma armação de ferro e madeira, recoberto por sementes, medindo 30 m², utilizando
aproximadamente 120 variedades de sementes.
Foto 1- Portal de sementes uma arte de resistência em Tepoztlán

Fonte: Foto cedida por um artista da comunidade


O trabalho segue as referências das técnicas da arte indígena, que abarca um
caráter muralista existente como tradição de muitos anos naquele país. Desenvolvida
com metodologia própria pelo grupo de artistas indígenas da comunidade, essa
construção estética tornou-se um marco histórico em Tepoztlán e em outros países. Essa
valorização se deve aos debates que giram o mundo em torno da disputa das sementes
crioulas. Entendendo que estas são patrimônio dos povos, o México vem travando lutas
constantes em defesa da soberania nacional em relação às sementes.
Vale salientar que essa forma de arte não possui registro formal como
patrimônio de Tepoztlán, apenas é trabalhada como uma técnica que faz parte da
cultura indígena local. O trabalho do portal, por exemplo, não aparece como parte do
patrimônio cultural da cidade Não há uma referência específica com relação a essa
construção. Algumas vezes, ele é citado verbalmente ou registrado em algum estudo
ligado à antropologia, mas não aprofundam a relevância do tema.
Há alguns anos, com o objetivo de explicar e divulgar a referida construção,
algumas pessoas que ajudaram a construi-la, dentre elas Arturo Demesa e Inocencio
Rodrigues Flores, elaboraram uma espécie de cartilha na qual contam o processo de
construção do portal e a importância dele para aquele povo.
O portal representa e valoriza as raízes culturais da comunidade e representa
uma forma de comunicação da cultura mexicana. Alfredo Martínez (2016), um dos
criadores da arte com sementes, sugeriu que fosse colocado como representação do
portal o encontro de duas culturas, a indígena e a espanhola, pois entende que embora
não possam negar que tenham sido colonizados, jamais foram dominados.
Se considerarmos o contexto milenar da arte e da cultura mexicana,
compreenderemos que a arte indígena criada em Tepoztlán é recente. O México é
protagonista de tradições forte dentro da arte muralista, a exemplo de artistas históricos
e consagrados, como Diego Rivera, Siqueiros, Orosco e Frida Kahlo, entre outros, os
quais buscam direcionar a reflexão política por meio da arte.
Desde a cultura ancestral, o enfrentamento político oriundo da Revolução
Mexicana antecedente, mas iniciada em 1910, as sementes são vistas como parte
originaria de ser humano, e assim segue com temas atuais como forma de comunicação
no período contemporâneo. O trabalho com sementes vem ganhando força devido à
abordagem e aos temas que a mesma arte coloca em questão. O México, por ter uma
cultura de resistência em suas representações artísticas, não poderia ser diferente. O
contexto de criação do portal simboliza a defesa das sementes. Dentre os grãos que se
tornaram sagrados para os mexicanos, o milho (maiz) é o principal.
Al cultivar el maíz los seres humanos tambíen se cultivaron. Las grandes
civilizaciones del passado y la vida misma de millones de mexicanos de
hoy, tienen como raiz y fundamento al generoso maíz. Ha sido um eje
fundamental para la criatividade cultural de cientos de generaciones; exigido
el desarrolló y el perfeccionamento y transformalo; condujo al surgimento de
uma cosmogonia y de creencias y pratícas religiosas que hacen del maíz uma
planta sagrada; permitió la elaboración de uma arte culinário de soprendente
riqueza; marcó el sentido del tempo y ordenó el espacio en función de sus
propios ritmos y requerimiento; dio motivos para la más variadas formas de
exproción estética; y se convertio en la referencia necesária para entender
formas de organización social, meneras de pensamientos y saberes y modos
de vida de las más emplias capas populares de México. Por eso, em verdade,
el maíz es fundamento popular mexicana (GRAIN, 2012, p. 6).

O milho, considerado sagrado, traz em sua essência uma linha que organiza
a alimentação base de um povo. Por ter origem em um projeto popular em defesa
da vida, as relações sociais se ampliam na medida em que essa planta vem sendo
ameaçada. Para o povo mexicano, esse grão é a simbologia mais representativa de
enfrentamento entre dois projetos sociais.

A arte com sementes no MST


A experiência aqui abordada traz em seu contexto cinco anos de trabalho com
a técnica de arte com sementes, chamada de Germinando Arte. Neste sentido, o estudo
organiza uma sistematização estética que vem sendo construída coletivamente, no
Brasil, desde 2012, quando teve início um trabalho de formação artística. Este processo
vem fortalecendo a recuperação das sementes crioulas nas áreas de Reforma Agrária e
comunidades camponesas.
Desde o intercâmbio, em 2012, essa técnica indígena mexicana vem sendo
trabalhada como processo pedagógico tanto nas escolas quanto nos centros de
formação e espaços de cultura. Dessa forma, essa arte chega em várias universidades
como proposta de valorização e difusão da cultura de resistência dos movimentos sociais
do campo. Na organização do trabalho encontra-se o objeto central de todo o debate e
construção estética, as sementes crioulas.
O trabalho identifica-se como uma prática pedagógica inserida nas lutas do
MST e para além desse, pois quando o público participante é inserido organicamente
no movimento, há uma melhor compreensão, pois já possui uma visão social sobre o
projeto de Reforma Agrária que queremos e precisamos construir.
A proposta de trabalho com sementes surge como um projeto inserido no
debate sobre as sementes crioulas. Trabalha-se o contexto da cultura sem-terra como
parte da organização a qual busca reafirmar a identidade camponesa a partir da
retomada e fortalecimento dos diversos territórios, tanto físico como intelectual. Como
seguimento das linhas de ações organizadas internamente no movimento, esse debate
traz contribuições para o desenvolvimento do trabalho com sementes, o qual busca
fortalecer a proposta de trabalhar com a produção orgânica e agroecológica em nossas
áreas conquistadas.

Processo de construção coletiva dos quadros:


projeto germinando arte
Para a construção estética das sementes (quadros), necessita-se de uma
preparação prévia para a obra, um tempo de maturação. Essa preparação (que se chama
safra) da terra, o plantio, a produção, a colheita, o agradecimento à natureza, o tempo e o
espaço são motivos de orgulho para os artistas agricultores. Isso se expressa quando eles
ressaltam a forma como conseguiram cuidar de determinadas variedades de sementes.
Fazem do trabalho do campo e de todo processo de cultivo um ato soberano inserido em
uma cultura simples de ganhar a vida.
Nesse sentido, o agricultor faz uso das sementes das mais variadas formas. É fato
que há uma preocupação básica com a alimentação. Isso assegurado, muitos deles não
se preocupam se as sementes serão usadas para além do consumo da família, desde que
produzam uma relação direta e saudável com quem as produziu. Isso revela que entre os
camponeses há uma liberdade de uso das sementes. Elas podem ser transformadas em
arte ou doadas para os vizinhos ou para outros companheiros de luta, inclusive de outros
estados. Além disso, quando encontram uma semente diferente, sentem-se felizes por
ter mais uma variedade para trocar, somam na diversidade a garantia de sustento das
famílias. Essa relação cultural da troca de sementes é sem dúvida o grande diferencial e
poder organizativo, evidenciando uma autonomia entre os agricultores que preservam
suas raízes camponesas.
Os passos dados na construção dos quadros dependem de muito
conhecimento técnico, representam rituais específicos que fazem parte da agricultura
familiar e camponesa. O conhecimento é aprimorado e debatido por uma relação direta
e ancestral sobre a cosmovisão (conhecimento holístico sobre a natureza), por meio da
qual conseguem desenvolver a percepção e o cuidado, bem como a preservação das
sementes.
Em qualquer uma das construções de quadros, podemos dizer que para uma
obra estar pronta leva em média seis meses, contando desde o plantio até a colagem das
sementes. Posteriormente, a conservação da obra em forma de quadro, até quem sabe
as próximas colheitas, quando a mesma será refeita, abrindo espaço para outra obra,
que inclua novas sementes e temas da nova safra.
Cada quadro é único e traz as relações do contexto vivido no momento em que
foi criado. Uma arte que privilegia o ponto de vista da luta construída no movimento, pois
a tradição de produção de sementes é parte dos valores que constituem o campo. A arte
das sementes se diferencia das outras práticas da vida cotidiana. Por esse motivo, traz
um encantamento ao estar pronta. Dessa forma, apresenta o conceito de reexistência,
que por tantas vezes foi negado. Como seres de autonomia dentro da ação concreta,
produzem os quadros fazendo uso das sementes produzidas, trocadas, pois elas são
parte da vida dos camponeses. Trazer presente elementos da luta como simbologia nos
faz aprimorar um valor estético mediado pelas ações inseridas no cotidiano vivenciado.
Memória, mística, discussão de valores, crítica e autocrítica, estudo
da história, são algumas ferramentas culturais que o Movimento vem
utilizando nesta construção. Podemos refletir então que educar é também
partilhar significados e ferramentas de cultura (expressão de Jerome Bruner
apud Arroyo, 2000); é ajudar as pessoas no aprendizado de significar
ou ressignificar suas ações, de maneira a transformá-las em valores,
comportamentos, convicções, costumes, gestos, símbolos, arte, ou seja, em
um modo de vida escolhido e refletido pela coletividade de que fazem parte.
Isto quer dizer, entre outras coisas, que educar as pessoas é ajudar a cultivar
sua memória, é conhecer e reconhecer seus símbolos, gestos, palavras;
é situá-las num universo cultural e histórico mais amplo, é trabalhar com
diferentes linguagens, é organizar diferentes momentos e jeitos para que
as pessoas reflitam sobre suas práticas, suas raízes, seu projeto, sua vida
(CALDART, 2003, p. 6).

Como estratégia de trabalho inserido no processo pedagógico da luta pela terra,


busca-se construir uma memória das lutas do MST, as práticas existentes incluindo a arte
das sementes, em que fortalecem e ampliam as estratégias políticas a serem seguidas.
Os estudos sobre a recuperação das sementes crioulas tornam-se essenciais para o
desenvolvimento da produção agroecológica. A proposta vem instigar a construção de
casa de sementes ou as trocas em festas específicas de valorização desse tema.
Em algumas regiões do Brasil, as formas de cuidar e armazenar sementes se
diferenciam. Muitos agricultores preferem fazer trocas e cuidar das sementes de forma
individual, outros preferem armazenar em espaços coletivos. Faz compreender o sentido
de preservação e multiplicação das sementes como um direito cultural dos camponeses.
Traz presente a simbologia que resgata a relação de humano e natureza. Nessa relação,
as sementes, bem como toda biodiversidade, vêm se fortalecendo como caminho e
projeto de vida para toda a classe trabalhadora do campo.
O método adotado para a construção do trabalho com sementes traz algumas
especificidades que são necessárias colocar em prática. Propomos aos participantes que
sejam eles os próprios artistas a construir o trabalho dos quadros com sementes. Neste
sentido, o público inserido na oficina com as sementes é aberto e não se restringe a
uma determinada faixa etária. No caso do trabalho com sementes, temos registro de
experiência de participação desde crianças com 4 anos até 75 anos de idade. Referimo-
nos a uma construção pedagógica permitida a todos, desde as crianças até os mais
idosos, ou seja, todos fazem parte, participam da produção das sementes que, por si
só, já está ligada ao contexto do campo. Na sequência, elencamos os passos para a
construção dos quadros:
a) Escolha dos temas: Nos quadros estão representações simbólicas escolhidas
a partir da vivência dentro das lutas sociais pela terra, pelas sementes, bem
como o contexto da sociedade, partindo do princípio individual, juntando-se
ao coletivo. Como elemento dentro dos temas, os principais que aparece com
mais força são: a bandeira, as dificuldades para chegar até o acampamento,
o acampamento e a permanência debaixo de barracos, os instrumentos de
música, logo a educação, em seguida, a produção de alimentos, a conquista da
terra, as ferramentas de luta e trabalho, as lutas sociais que chamam para as
marchas e continuidade da luta, as casas, as cooperativas, agrovilas, a energia
elétrica, o lazer, os animais, as florestas, os companheiros(as) que deram suas
vidas em luta, alguma homenagem a algum lutador/mártir, as etnias, o sol e o
horizonte que nos dá esperança, além disso, as flores e os espinhos espalhados
pelo caminho.
b) A construção estética se dá por meio de materiais básicos, sendo que um
dos primeiros elementos a ser visto são as sementes, essas contemplam a
maior parte do trabalho, além da temática a ser representada e desenhada
num projeto base. O trabalho é feito sobre madeira, após saber os elementos
da simbologia da arte, o mesmo e determinado em seu formato de (quadro)
ou mandala (redondo) ou misto. Como material para fixar as sementes, utiliza-
se cola branca extraforte, essa serve também como auxílio na fixação das
sementes na madeira.
c) Apresentação da obra à comunidade: após o término da construção, o
quadro deve ser apresentado à comunidade que vai abrigar essa obra. Esse
processo de apresentação se faz importante, pois todos devem ter o direito
de desfrutar, fruir, contextualizar, questionar, propor a partir da compreensão
apontada pelo quadro de sementes. Dessa forma, apresentar o quadro traz
um sentido convidativo para que outros passem a gostar e olhar as sementes
com outros olhos. Em muitos dos casos, as pessoas se prontificam em plantar
sementes a partir de tomar conhecimento dessa construção, como valorização
desse processo de multiplicação das sementes, sempre e distribuindo sementes
para que as pessoas levem para casa e plantem. Nesse intuito, faz-se necessário
identificar quem são os guardiões de sementes de cada comunidade, e dessa
forma multiplicar outros guardiões.
d) A construção das simbologias na arte das sementes se faz de forma
voluntária pelos participantes. Nesse intuito coletivo, tanto as sementes
quanto as ideias da construção de cada simbologia surgem por um tema
comum e espontâneo, parte-se da proposta coletiva de luta e vão sendo
inseridos detalhes que identificam uma determinada luta social de uma região.
Dessa forma, concluiu-se um esboço da proposta do quadro, a metodologia se
faz relevante que seja coletiva pela condição dos sujeitos envolvidos, muitos
deles não dispõem de destreza para construir traços/desenhos, nesse sentido,
sendo comprometidos com a causa, vão falando e indicando sobre o que
pensam e assim vão contribuindo para a construção do desenho. Em alguns
casos, há elementos que devem ser deixados para outro momento, cada
construção precisa ter coerência nas representações, o ponto a ser levado em
consideração, seja uma síntese que identifique os sujeitos envolvidos.
e) Os registros são feitos por meio da fotografia e anotações, cada um busca
sua forma particular de registro. O contexto vivenciado em coletivo permite um
amadurecimento de consciência, o qual não é possível registrar, diz respeito
ao pensamento transmitido em palavras, gestos num determinado momento
de reflexo. São nesses momentos informais que os assuntos vão ganhando
força, gerando polêmicas, vários debates vão se ajustando dentro das opiniões
individuais, mas, pensamento coletivo.
f) Exposição do trabalho: é realizado um debate coletivo para escolha do lugar
onde vai ficar a obra. As indicações apontam para que seja exposto em lugares
estratégicos e de boa visibilidade, pois a partir do momento que o quadro é
colocado em alguma parede, torna-se referência de fotos, tanto para quem
vive no local quanto para quem visita. Em muitos relatos, identificou-se que o
quadro é um elemento de relevante valorização para o local, esse acaba sendo
parte da ornamentação permanente dos espaços visitados. Essa valorização faz
parte das estratégias organizativa da própria cultura do MST.
g) Autoria do quadro: quanto à referência de autoria dos artistas mexicanos
na construção dos quadros, adotamos o compromisso social em nome do MST,
em 2012, de representar a construção de uma flor circular feita com sementes
nas bordas, essa semelhante à flor do peyote, considerada sagrada na cultura
indígena mexicana. Repetidas inúmeras vezes em todos os trabalhos feitos
dentro do MST, a flor representa a assinatura social que fizemos referência
aos autores da técnica, passada verbalmente de artista para artista, como
seguidores da cultura de trabalhar com as sementes de forma coletiva e social.
h) Desdobramentos após o término do quadro: no sentido de continuidade
do trabalho, faz-se a separação das sementes que vão ser plantadas. Dessa
forma, garante-se a continuidade do processo de reprodução das sementes.
Quando falamos das diferentes possibilidades metodológicas que a arte
nos oferece, referimo-nos aos trabalhos ligados à cultura que conduzam o
debate por processos que elevem resultados que transcendem a própria
arte. Nesse contexto, falamos das diferentes linguagens, e essas tem somado
em perspectivas que vão além de uma construção que representa algo na
luta social. Compreendemos que muitas das ações ligadas à cultura, seja em
qualquer uma das linguagens, precisam ser fundamentadas como cultura que
vem enriquecer o debate político, possibilitam unir-se num diálogo que fala
a um público que se sente parte do contexto social. As assinaturas coletivas
ficam registradas no verso do quadro, como parte da valorização que a própria
proposta oferece.
i)Término de construção dos quadros e construção de perspectivas: no
processo de multiplicação das sementes, os camponeses que se identificam
como multiplicadores e cuidadores são escolhidos para cuidar das sementes
mais raras, as mais difíceis de se reproduzir. Dessa forma, o trabalho se
encaminha numa relação recíproca de valorização das sementes comum a uma
causa.

A construção estética no contexto da reforma agrária:


memória da construção dos quadros
A construção estética com sementes desde 2012, quando ocorreu a primeira
oficina, até o atual momento, 2017, somam 35 trabalhos construídos coletivamente.
Além desses, foram construídos outros, em forma de mandalas, para oferecer como
lembranças em nome do MST, que tiveram como destino Cuba, Venezuela, Argentina,
Itália, Portugal e México.
Entre os quadros que foram feitos, procuramos reunir depoimentos durante
as oficinas como memória desse trabalho. O primeiro quadro foi construído com 24
variedades de sementes, no assentamento Terra Vista, em Arataca-BA, em 2012.
Os temas abordados foram a luta pela terra, a agroecologia, as sementes
crioulas e a defesa da biodiversidade. Esse seria o tema mais trabalhado em todo
contexto simbólico desse trabalho artístico com sementes. Até o presente momento,
o quadro com mais diversidade de sementes, com o número de 75 variedades, foi
construído em Campina Grande, na Paraíba, região do semiárido nordestino, com
destaque da resistência e luta para viabilizar os recursos naturais da região (terra, água,
sementes), disputados fortemente pelo agronegócio.
As sementes que circularam na colagem dos trabalhos, realizados em cinco
anos, somam mais de 180 variedades e outras mais que não foram contabilizadas,
a maior parte produzida por camponeses (as) que fazem parte do território onde os
quadros foram construídos). Deste tempo de trabalho na produção dos quadros, foi
possível construir em torno de 95,92 m², entre outros, que somam um aproximado de
cem metros de sementes coladas sobre madeira.
Outro dado importante e de maior ênfase para esse processo de construção
artística é o público que esteve em formação pedagógica, uma média de 2.104 pessoas,
contadas em listas de presença e pessoas que se envolveram na organização das oficinas,
bem como agricultores que contribuíram com suas sementes exclusivamente para a
construção dos quadros.
De acordo com a descrição de identificação dos trabalhos realizados, as
informações trazem uma referência sobre cada construção que foi possível fazer até o
presente momento. Nessa descrição buscamos destacar informações que pudessem
identificar o contexto de criação de cada quadro, trazendo referência técnicas e uma
sistematização dos conceitos teóricos que deram base para a construção de cada quadro.
No registro fotográfico e escrito, com uma pequena legenda das obras,
abordamos algumas questões que seriam importantes dizer sobre a referida construção
de cada quadro. Em alguns, os passos registrados em escritas se diferenciam pela própria
construção e das formas que ocorreram determinadas oficinas. O histórico de cada
quadro foi construído após o término de cada oficina, em forma de avaliação, alguns dos
relatos e descrição ocorrem de forma a juntar mais elementos em uns do que em outros.
O processo de seleção dos quadros que estão compondo o texto deste trabalho
se deu por uma questão de obter um registro com uma melhor qualidade, esse critério
usou-se pela qualidade das fotos que foram feitas. Diversas pessoas contribuíram nesse
processo de registro, mas alguns obtiveram melhor qualidade e outros não. Nesse
caso, não pudemos usar algumas das fotos, pois para este trabalho precisamos de uma
visualização nítida das sementes, esse sendo um fator importante, pois buscamos pela
identificação das sementes nas imagens a difusão do trabalho.

Foto 2 - Quadro realizado na I jornada de agroecologia.


Assentamento Terra Vista, Arataca/Bahia

Fonte: Acervo da Autora, 2012


Foto 3 - Quadro realizado na 13ª Jornada de Agroecologia MST e Via Campesina

Fonte: Acervo da Autora, 2013


Foto 4 - Quadro realizado no Curso Pós-Graduação Lato Sensu Trabalho,
Educação e movimentos Sociais do MST, em parceria com a Fiocruz

Fonte: Acervo da Autora, 2015

Foto 5 - Quadro realizado no Curso de Educação em Agroecologia da Região Nordeste

Fonte: Acervo da Autora, 2017


Cada quadro construído traz um contexto particular. De forma geral, os
elementos que compõem a simbologia trazem apontamentos críticos relacionados
ao tema maior, as sementes. No contexto de novas práticas que se desencadeiam a
partir da construção dos quadros ou até mesmo no plantio de novas sementes, esse
é um processo formativo que instiga o que é a essência desse trabalho e da cultura
camponesa.
Neste processo, olhamos para a centralidade desse processo. O trabalho
com sementes, nesse tempo de mais de cinco anos, passa por uma transformação
permanente, um processo que vem se aprimorando cada vez mais, tanto em termos
técnicos quanto em reprodução de sementes. Quando concluída a construção do quadro,
o debate segue, seja sobre as sementes para fazer os quadros ou na recuperação dessas,
o fazer despertado permanece inserido no contexto da comunidade.

Considerações finais
Neste estudo foi possível trazer presente algumas sistematizações que foram
alcançadas no decorrer da pesquisa, destacando um processo de cinco anos de trabalho
com a arte das sementes.
Entre os apontamentos teórico-metodológicos, houve diversas contribuições
que vieram no sentido de clarear as informações sobre os assuntos que permeiam os
objetos propostos, como abordagem da pesquisa sobre as sementes crioulas. O avanço
ocorrido passa por um contexto de reflexão teórica e metodológica na direção da
formação que construímos por meio das práticas formativas, pois os elementos aqui
abordados serão direcionados para a um amadurecimento dos conceitos que necessitam
ser trabalhados nas oficinas com sementes.
A pesquisa foi mediada pelo método de pesquisa-ação, a qual traz uma mútua
relação do pesquisador com o objeto de pesquisa, a partir das teorias estudadas.
As experiências vêm no sentido de contribuir para o contexto no qual a pesquisa foi
desenvolvida, no caso as experiências do México e do MST.
Foi possível trazer presente o debate por meio dos símbolos dos desenhos
construídos, a filosofia de vida como conceito permeado pelas lutas sociais. As cores
e formas inseridas no contexto da arte possibilitaram discutirmos a cultura numa
perspectiva ampla. Nesse sentido, trabalhamos com elementos de acúmulo de
conhecimento cultural e social que atribuímos às linguagens da arte.
O elemento semente dentro da pesquisa, além de ser o objeto essencial
da questão, aponta-nos um caminho vital de energia para a vida. Dessa forma,
trabalhamos com a ideia de que nossa luta em defesa das sementes se faz necessária
enquanto debate humanitário. Nessa formulação, foi possível compreender que as
sementes, ao longo do tempo, guardaram os mistérios do passado e do presente,
sendo esse um princípio de multiplicação e renovação enquanto matéria. Dessa
forma, como elemento base da agricultura, apresenta-se ao contexto do presente
como uma das estratégias sociais.
Desde a descoberta da germinação, esse feito tem sido carregado como
acúmulo do conhecimento pela humanidade, pela cultura e mérito feminino. Nesse
processo fantástico, pelas mãos de muitos trabalhadores (as) se desenvolveram os
métodos de melhoramento e adaptação das variedades. Dessa forma, esse elemento
biológico passa pela ação de resistência social e, além disso, passa por uma ressignificação
enquanto elemento existencial da humanidade, principalmente dos camponeses.
Nesse sentido, reafirmamos em cada passo de luta que as sementes são
patrimônio dos povos, os quais preservam as colheitas das futuras gerações, não só de
sementes, mas, também de códigos genéticos de cada uma das espécies.
Nesse sentido, discutir a cultura e a resistência entre outros temas incluiu a luta
pelo território camponês. Em consonância com a arte, ela nos faz compreender que por
meio da prática ou das linguagens artísticas podemos ampliar os espaços de organização
social. Seja por meio da arte das sementes ou outras, mostramos uma representação
que abarca nossas ideias num campo visual, não só para o movimento, mas, para a
sociedade, uma resistência política que analisa e enfrenta os mais variados temas que
para fora, ou para sociedade em geral, muitas vezes passam despercebidos.
É necessário retomar os fundamentos da cultura, da educação, da produção,
da cooperação, de gênero, dos direitos das mulheres e tudo o que se constrói como
formas de organização e reexistência nas áreas do campo. A cultura carrega um
olhar que fundamenta por meio das ações a práxis social do movimento. A produção
artística deve abarcar uma intencionalidade de reelaborar os conceitos colocados pela
sociedade. Devemos nos apropriar do que a história concebeu como conhecimento e
processo formativo. Ressignificar a vida em todos os sentidos. O despertar de memórias
construídas ao longo dos tempos tem trazido possibilidades de retomada desses
processos de acúmulo teórico e prático.
Seguindo a reflexão, percebemos que as artes das sementes nesse processo
recente se constituíram como debate que vem discutindo a simbologia da luta como
experiência formativa. Dessa forma, as relações que compõem a estética das sementes
bebem da fonte que vincula um amadurecimento social proporcionado pela luta. Traz
presente um reflexo artístico que busca uma autonomia de pensar processos que
vêm legitimar um conhecimento da arte como processo de apropriação da classe
trabalhadora.
Baseada na crítica estética marxista, a produção da arte se caracteriza pela
apreensão de um processo histórico, originado na práxis social. Nessa perspectiva,
construir uma estética social ressignifica o papel do artista militante, que é mediador
do processo para construir novos caminhos que possibilitem uma compreensão das
contradições sociais por meio da arte.
Para o MST, a arte das sementes tem um papel de engajamento camponês,
pois trabalha o contexto da arte como produção e existência da vida, buscando inserir
cada sujeito como parte da sua própria cultura histórica, a qual se amplia para uma
cultura de classe, como um protagonismo permeado por um processo de luta sempre
em construção, seja na arte ou em outros campos de atuação dentro da luta pela terra,
no Brasil, na América Latina e a nível mundial.

Referências
ALTIERI, M. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. 4. ed. Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2004.
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As Cirandas Infantis no MST -
uma experiência de educação infantil do campo
Edna Rodrigues Araujo Rossetto

Resumo
As Cirandas são espaços educativos intencionalmente planejados, nos quais as
crianças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) têm a possibilidade
de participar e de entender o processo da luta pela terra; como também de participar
da construção da organização. O Movimento vem trabalhando com dois tipos de
Cirandas Infantis. As Cirandas Infantis permanentes, organizadas nos assentamentos,
acampamentos, centros de formação e nas escolas de formação do Movimento Sem
Terra. Este tipo de Ciranda foi organizado para viabilizar a participação das mulheres na
produção de alimentos nas cooperativas dos assentados e assentadas. Já as Cirandas
Infantis itinerantes são organizadas em reuniões, congressos, cursos, seminários,
encontros, marchas, entre outros. Este tipo de Ciranda possibilita a participação das
mulheres nas instâncias, direções, cursos, reuniões, congressos, marchas. A Ciranda
Infantil do MST se tornou uma referência para outros movimentos sociais do campo
como: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Pequemos
Agricultores (MPA), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Passou a
ser referência, também, para alguns movimentos que compõem a Via Campesina
Internacional, como o Movimento Nacional Campesino Indígena (MNCI), da Argentina
e União Nacional dos Camponeses (UNAC), de Moçambique. Assim, os meninos e
as meninas vão se reconhecendo como Sem Terrinha, identidade construída pelas
crianças, fortalecendo sua luta e pertencimento ao Movimento Sem Terra, uma vez que
lutar e brincar faz parte da escola da vida e, brincando, chorando, rindo, pulando, vão
construindo uma educação emancipadora.
Palavras-chave: Ciranda Infantil. Infância do Campo. Luta pela Terra. Educação Infantil
do Campo.

Introdução
Lá vai o menino rodando e cantando,
Cantigas que façam o mundo mais manso,
Cantigas que façam a vida mais justa,
Cantigas que façam os homens mais crianças.
(Thiago de Melo)
O projeto de Educação do MST está vinculado ao seu projeto político − que tem
por objetivos a luta pela terra, a luta pela reforma agrária e a luta pela transformação da
sociedade −, procurando potencializar as práticas educativas presentes na luta cotidiana,
constituindo-se na grande escola formadora da consciência de classe para emancipação
humana. Conforme o MST (1998), os processos educativos da sua base social são
norteados pelos princípios filosóficos e pedagógicos que compõem o projeto educativo
do Movimento Sem Terra.
Os princípios filosóficos6 dizem respeito à visão de mundo que o Movimento
defende e à sua concepção de sociedade, de pessoa humana e educação que pretende
e quer construir. Os princípios pedagógicos7 referem-se ao jeito de pensar e pôr em
prática os princípios filosóficos da educação do Movimento, ou seja, é basicamente a
reflexão metodológica dos processos educativos que acontecem nos assentamentos e
acampamentos. Estes princípios são essenciais para a implementação da proposta de
educação, especialmente na parte metodológica dos processos educativos desenvolvidos.
Para o MST (1998, p. 17), “a educação deve contribuir para a transformação da sociedade,
bem como para a construção de uma nova ordem social, baseada nos pilares da justiça
social e nos valores humanistas e socialistas”.
Assim, as atividades pedagógicas vivenciadas pelas crianças na Ciranda Infantil
baseiam-se na prática da coletividade, na realidade vivenciada por elas no meio em que
estão inseridas. Elas participam do processo de luta pela terra e possuem características
coletivas que constroem em seu processo de formação, que se manifestam nas atitudes
cotidianas, na família, na Ciranda Infantil, na escola e no grupo social no qual convivem,
ou seja, no meio onde vivem. Segundo Freitas (2009, p. 93-95):
A pedagogia do meio é colocada como referência na construção do coletivo,
que só pode ser aprendido por meio da própria vivência da vida coletiva.
Portanto, a pedagogia do meio diz respeito à criação de um novo patamar

6  1) Educação para a transformação social; 2) Educação para o trabalho e a cooperação; 3) Educação voltada
para as várias dimensões da pessoa humana; 4) Educação com/para valores humanistas e socialistas e 5) Educação
como um processo de formação e transformação humana.
7  1) Relação entre teoria e prática; 2) Combinação Metodológica entre processos de ensino e de capacitação; 3)
A realidade como base da produção do conhecimento; 4) Conteúdos formativos socialmente úteis; 5) Educação
para o trabalho e pelo trabalho; 6) Vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos; 7) Vínculo
orgânico entre processos educativos e processos econômicos; 8) Vínculo orgânico entre educação e cultura; 9)
Gestão democrática; 10) Auto-organização dos/das estudantes; 11) Criação de coletivos pedagógicos e formação
permanente dos educadores/ educadoras; 12)Atitude e habilidade de pesquisa; 13) Combinação entre processos
de desenvolvimento humano, social, político e, dessa forma, uma nova
relação com a própria natureza. Ela passa necessariamente pela superação
do capitalismo – Forma social que exacerba o lado individual das pessoas na
forma de um individualismo destrutivo do meio social e natural. A pedagogia
do meio envolve uma concepção materialista-histórica-dialética de mundo,
que se entende a formação do ser humano enquanto um sujeito histórico
que desenvolve no interior de sua materialidade, seu meio, sua atualidade,
tendo a natureza como cenário e a sociedade humana como parceira
solidária de seu próprio desenvolvimento histórico, por meio de suas lutas e
de suas construções. [...] O sujeito e seu meio; o meio e seu conhecimento;
o sujeito e suas lutas; o sujeito e seu conhecimento; o sujeito e seu trabalho;
os sujeitos e seu meio com suas contradições – motor do desenvolvimento
histórico, motor da construção de uma nova sociedade comunista, pela via
da transição socialista, instrumento imperfeito sujeito a erro, mas também
com seus acertos, forçando a roda da história a girar segundo os interesses e
anseios da classe trabalhadora do campo e da cidade, como classe que tem
futuro histórico.

Assim sendo, é importante afirmar que as atividades pedagógicas desenvolvidas


nas Cirandas Infantis consistem em vivenciar concretamente a vida social e suas
contradições, além de criar possibilidades de superação, na perspectiva de produzir
outros conhecimentos, pensando o processo de formação em sua totalidade.
O ambiente educativo das Cirandas Infantis é organizado de tal forma que as
experiências pedagógicas que acontecem na vida das crianças apareçam nesse espaço.
Nelas, a criança exercita sua capacidade inventiva como também de sentir, decidir,
brincar, arquitetar, reinventar, se aventurar, agindo para superar os desafios e, por meio
deles, apropriar-se da realidade, e demonstrar, de forma simbólica, os seus desejos,
medos, sentimentos, agressividade, suas impressões e opiniões sobre o mundo que as
cerca.
Segundo Rossetto (2009), a Ciranda Infantil é um espaço de encontro, criação,
invenção, recriação, imaginação, é um espaço de construção do coletivo infantil, no qual
as crianças constroem as culturas infantis, participando da luta pela terra e compartilham
a vida em comunidade. E como disse Florestan Fernandes (2004, p. 236), em seu estudo
ao observar as brincadeiras das crianças na cidade de São Paulo:
À medida que os contatos se estreitam e se desenvolve a unidade do grupo,
as atividades tomam outra direção. [...] As ‘trocinhas’ estão condicionadas
ao desejo de brincar, recreação, como os demais tipos de grupos infantis.
Suas atividades, todavia, excedem aos limites da recreação em si mesma,
assumindo aspectos diferentes as relações entre os seus componentes e
destes relativamente ao seu grupo e as relações das diversas ‘trocinhas’
entre si.

Pensando nas possibilidades das diversas brincadeiras que as crianças criam


e recriam na luta pela terra é que elas vão se constituindo como sujeitos lúdicos em
movimento, ressignificando seu brincar, sua experiência cultural e suas relações sociais.
Assim o processo pedagógico vivenciado pelas crianças nas Cirandas Infantis está
vinculado ao projeto de educação do MST, na prática da coletividade, na realidade
vivenciada pelas crianças em cada assentamento e acampamento.
As Cirandas Infantis vêm sendo organizadas nos assentamentos e
acampamentos em diversas circunstâncias como, por exemplo, debaixo da lona preta,
debaixo de árvore, na cabana de palha, em casas de alvenaria, em barracos de tábuas,
nas casas das famílias. Há Cirandas que funcionam somente nos fins de semanas ou
somente meio período, mas em todas elas, por meio suas atividades pedagógicas,
os princípios da proposta de educação do MST estão presentes. Camini (2012, p. 3)
afirma que “esses são sinais visíveis de que o Movimento foi sensível e ousado ao criar
e consolidar esses espaços para as crianças que estão na luta, juntamente com suas
famílias”, sejam sujeitos no Movimento, que tenham voz ativa nesse processo de luta
pela terra e pela transformação da sociedade.

As Cirandas Infantis - Permanentes e Itinerantes - no MST


O nome de Ciranda Infantil foi sendo construído coletivamente. O nome de
“ciranda” remete à cultura popular, a qual está presente nas danças, nas brincadeiras,
nas cantigas de rodas. Remete também à cooperação e à força simbólica do círculo,
vivenciada pelas crianças no coletivo infantil. Assim sendo, o termo creches foi sendo
substituído, aos poucos, pelo nome de Cirandas Infantis, tanto nos projetos político-
pedagógicos quanto na identificação nominal do espaço destinado à educação das
crianças do movimento. Nas discussões que se seguiram, foram definidos dois tipos de
Cirandas: as Cirandas Infantis permanentes e as Cirandas Infantis itinerantes. Segundo
Bihain (2001, p. 30):
O nome Ciranda Infantil não surge por acaso, ele surge expressando
aquilo que o MST sonhava para as crianças das áreas de assentamento e
acampamentos no que se refere aos processos educativos para essa faixa
etária. O nome ciranda nos lembra criança em ação. E essa ação dá-se
na brincadeira coletiva. Vai além do brincar juntos, pois é um espaço de
construção de relações através de interações afetivas, de solidariedade, de
sociabilidade, de amizade, de fraternidade, de solidariedade, de linguagem,
de conflitos e de aprendizagem.

As Cirandas Infantis Permanentes são organizadas nos assentamentos, nos


centros de formação e nas escolas de formação do Movimento Sem Terra. Quando
o Movimento Sem Terra começou a organizar as Cooperativas de Produção Agrícola
(CPAs)8, entre os anos de 1989 a 1996, todas as pessoas eram convidadas a participar
do processo, sendo a renda da cooperativa dividida entre os seus sócios, conforme o
número de horas trabalhadas de cada um. No início deste trabalho, foram organizados os
laboratórios de produção9, cujo trabalho era realizado por frentes, como, por exemplo: o
trabalho no pomar, na horta, no roçado, na administração, no cuidado com os animais,
entre outros.
Para propiciar a participação feminina no processo de produção dos
alimentos, alguns setores foram reivindicados pelas mulheres, como, por exemplo, o
refeitório coletivo e a creche para os meninos e meninas Sem Terrinha. Nos estudos
realizados por Faria (2006, p. 284) sobre a pequena infância, educação e gênero, a
autora afirma que:
[...] é o ingresso em massa das mulheres no mercado de trabalho e o
movimento feminista que vai exigir creches para dividir com a sociedade
a educação de seus filhos e filhas, articulado aos movimentos sindicais e
das esquerdas. Num primeiro momento nos anos 1970 a luta é por uma
creche para nós, as mulheres: ‘tenho direito de trabalhar, estudar, namorar
e ser mãe. Sem creche não poderei curtir todos eles’. O prazer do convívio
das crianças nas primeiras creches (ditas) selvagens, italianas e francesas,
por exemplo, levou pesquisadoras feministas a observarem como são
as crianças quando estão fora da família, o que levará, nos anos 1980, o
próprio movimento feminista a levantar a bandeira também de creches para
as crianças pequenas e não só para suas mães trabalhadoras. A primeira
orientação para a educação das crianças em creches realizada no Brasil

8   Para melhor aprofundamento sobre as cooperativas do MST, recomendamos o estudo de Christoffoli (2000) e
MST (1991) − Sistema Cooperativista dos Assentamentos – SCA
9   De acordo com Clodomiro S. Morais (1986), o laboratório de produção, é um ensaio prático e real no qual
se busca introduzir em um grupo social a consciência organizativa, de que se necessita para atuar em práticas
organizadas coletivamente. Para melhor aprofundamento ver: Caderno de Formação n. 11, do Movimento Sem
Terra, intitulado “Elementos sobre a Teoria da Organização no Campo”.
foi feita pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) e pelo
Conselho Estadual da Condição Feminina (CECF) denominada ‘Creche-
urgente’. Hoje, conquistamos, já no papel, tanto o direito trabalhista dos
‘trabalhadores e trabalhadoras, rurais e urbanos’ para que seus filhos e
filhas sejam educados/as em creches e pré-escolas, como o direito de todas
as crianças de 0 a 6 anos de serem, por opção de suas famílias, educadas
fora da esfera privada por profissionais formadas para isso (e não antecipar
a escola obrigatória).

Para Faria (2005), a creche era uma conquista para as mulheres que desejavam,
além da maternidade, o direito de viverem outras experiências. Nas palavras destas
mulheres, a creche era vista como um local que favoreceria a concretização destes
desejos. Segundo a autora (2005, p. 132) “é a creche que vai garantir o direito de ser
mãe, trabalhar, estudar e namorar”. Para as crianças, a creche representa um local que
possibilita o convívio com as diferenças, com o coletivo tanto em relação a seus pares
quanto em relação aos adultos.
É a participação das mulheres na produção de alimentos que cria a necessidade
de viabilizar um espaço próprio para as crianças. É importante salientar que, nesse
período, a centralidade do debate nas cooperativas não eram as crianças e nem as
mulheres, mas o debate econômico, ou seja, a necessidade de integrar o trabalho das
mulheres nas cooperativas, as quais reivindicaram a necessidade de “creches”. Segundo
Arelaro (2005), nessa luta pelas creches, as mulheres do campo, que levam suas crianças
para o local de trabalho, também já demonstram sua insatisfação.
As mulheres do campo têm cobrado do poder público uma posição mais
explícita em relação aos direitos mínimos das crianças do campo. Tem cobrado um local
para levar suas crianças quando as mesmas estão no trabalho. Elas nos ‘checam’ ao
perguntar se nossas pesquisas indicam que é culturalmente interessante, e do ponto
de vista pedagógico recomendável, que uma criança com menos de um ano de idade,
permaneça debaixo de uma bananeira, com fralda de pano, sem espaço e condições
de trocada, sem água nem alimentação, permanecendo o tempo todo na cestinha,
não podendo se mexer ou brincar, para que a mãe cortadora de cana ou colhedora de
algodão dê conta de suas tarefas (ARELARO, 2005, p. 43).
Se a Ciranda Infantil Permanente tem origem na necessidade de integração
do trabalho feminino na produção econômica dos assentamentos, a Ciranda
Infantil Itinerante surge da participação das mulheres na luta, instâncias,
direções, cursos, reuniões, congressos, marchas, enfim, no processo de
luta pela terra. Ela é fundamental para as atividades do Movimento Sem
Terra como: marchas, ocupações, congressos, reuniões, cursos, nos quais as
crianças participam juntamente com seus responsáveis. A Ciranda itinerante
possibilita a participação das crianças na luta pela terra, como afirma Alves
(2001, p. 205):

A luta pela terra é uma luta em família, e a presença das crianças cria novas
necessidades para a organização do Movimento. Assim, o espaço e a vivência no
acampamento passam, obrigatoriamente, a envolver não somente adultos, mas,
necessariamente, novos sujeitos: as crianças. Todo esse processo vai materializando
a preocupação do Movimento e do Setor de Educação com esses novos sujeitos, que
não são passivos, muito ao contrário, aprendem a mobilizar-se e a indignar-se com o
sofrimento e a luta de seus pais e passam, também, a incorporá-la; certamente que não
na mesma dimensão que os adultos.
O estado do Ceará foi um dos primeiros a iniciar esta experiência. As reuniões
do Setor de Educação e da Direção Estadual eram compostas, em sua grande maioria,
por mulheres que tinham filhos. A saída encontrada pelo MST do estado foi organizar
a Creche itinerante Paloma, cuja prática impulsionou as Cirandas itinerantes no
Movimento em geral.
Assim, de 28 a 31 de julho de 1997, quando ocorreu o 1º Encontro Nacional
dos Educadores e das Educadoras da Reforma Agrária (1º ENERA), no campus da
Universidade de Brasília (UnB), o MST organizou a 1ª Ciranda Infantil Itinerante em
nível Nacional. As Cirandas Infantis itinerantes possibilitam que as crianças sem terra
experimentem intensamente a pedagogia da luta, que muitas vezes se mistura às
brincadeiras, ou seja, lutar e brincar faz parte desta escola formidável da vida, que os
sem terrinha vão experimentando desde bem pequenos. De acordo com Pires (2011,
ps. 42-43):
Esse processo de formação humana fornece contribuições para a educação,
atestando que o processo de apreensão e construção dos conhecimentos
resulta de saberes socialmente construídos e, por vezes, ressignificados pelo
sujeito, imerso na luta cotidiana. [...] O Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra ‘gesta’, efetivamente, uma nova forma de educar baseado em
valores como a solidariedade, companheirismo, a cooperação, respeito à
natureza. Esse processo de formação é vivenciado pelo Sem Terrinha, desde
tenra idade, para entenderem o momento histórico e as suas causas sociais,
políticas e econômicas que configuram em nosso país.

Durante o processo de constituição das Cirandas Infantis, experiências


importantes se desenvolveram, entre as quais destacamos a Ciranda Pezinhos na
Estrada, Sem Terrinha estudando. Durante a Marcha Nacional pela Reforma Agrária10
realizada em maio de 2005, de Goiânia a Brasília, participaram 130 crianças de diversos
Movimentos Sociais que estavam na Marcha. Durante a caminhada, as educadoras
e educadores enfrentaram diversas dificuldades, dentre as quais o número de
educadores insuficiente para o de crianças e a infraestrutura que era muito precária
para atender às necessidades e aos deslocamentos. Essas dificuldades vivenciadas
pelas crianças na Ciranda itinerante da Marcha de 2005 levaram o Movimento a olhar
mais para as crianças Sem Terra e a se perguntar qual o lugar delas no MST. Com esse
entendimento foi que o Movimento começou um debate mais aprofundado sobre a
infância Sem Terra em suas instâncias: Direção Nacional, Coordenação Nacional e em
vários Setores, como: Frente de Massa, Cultura, Saúde, Produção, Cooperação e
Meio Ambiente, Comunicação, Educação etc.
A realidade vivenciada pelas crianças na Ciranda Infantil da marcha, portanto,
contribuiu para que o debate da infância fosse, mais uma vez, colocado na agenda do
MST.
Na luta pelo direito à educação, as crianças já estiveram presentes algumas
vezes no Ministério da Educação (MEC) como: durante o V Congresso do MST, que
ocorreu de 11 a 15 de junho de 2007, e em fevereiro de 2014, quando aconteceu o
VI Congresso do MST. Nesses períodos foram montadas as Cirandas itinerantes Paulo
Freire, com as crianças de 0 a 12 anos. Camini (2004) em uma carta pedagógica afirma
que:
Entre tantas atitudes e gestos bonitos entre educadores, educadoras e
crianças, destaca-se a organização/preparação para a visita ao Ministério
da Educação, na manhã de 12 de fevereiro de 2014 - um dia pleno de
verão e sol escaldante. Todo o ato foi devidamente planejado e combinado
anteriormente junto com as crianças. Um processo democrático e respeitoso
pouco visto na escola hegemônica, ou no próprio cotidiano de nossas
escolas do campo. Para maior segurança, as crianças menores/bebês foram

10  Essa marcha foi organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Comissão Pastoral
da Terra (CPT), Via Campesina e Grito dos Excluídos. Outros movimentos também fizeram parte da marcha, como
o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), o
Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), pelo Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), pelo Centro
de Mídia Independente (CMI), pela Conferência Nacional dos Bispos Brasil (CNBB), além de representantes de
outras entidades.
acompanhadas de suas mães. Aliás, havia um bebê, com apenas dois meses
de idade, participando do ato. Aquelas acima de dois anos, foram levadas
de mãos dadas ou nos braços dos educadores. Em frente ao MEC, órgão de
governo responsável por cuidar da Educação Básica - Educação Infantil ao
Ensino Médio, as crianças foram obrigadas a esperar em torno de duas horas
para serem recebidas pelo Ministro da Educação. A ele foi entregue uma
Carta, cuidadosamente construída pelas crianças sem terra.

É com essa realidade que os movimentos sociais do campo vêm se


preocupando, principalmente com esse tempo da vida infantil e, nesse sentido, vão
construindo espaços pedagógicos onde as crianças possam se encontrar, criar, brincar,
inventar. Rossetto (2009, p. 94) afirma que:
A Ciranda Infantil se configura como um espaço de encontro, de criação,
de invenção, de recriar, de imaginar, como também se configura em
espaço de construção do coletivo infantil, no qual as crianças aprendem
a dividir o brinquedo, o lápis, o lanche, a luta, a compartilhar a vida em
comunidade.

A experiência da Ciranda Infantil surge lado a lado com o debate de temas


importantes como gênero, trabalho e coletividade. É assim que ela vai se tornando um
lugar de referência para as crianças, para as famílias, mas, principalmente, para as mães
trabalhadoras dos assentamentos e é por meio da participação no coletivo infantil que
as crianças se sentem parte do MST e participam do processo de luta pela terra.
Segundo Luedke (2013 ps. 78-79):
A Ciranda é um espaço de referência para as crianças que permite a
compreensão do projeto de sociedade que o MST vem construindo, através
dos valores, da luta, da coletividade, da intencionalidade pedagógica, por
meio dos quais elas se sentem parte do Movimento. O envolvimento das
crianças pequenas no MST [...] permite que elas passem de testemunhas
da luta para sujeitos do processo, com uma identidade própria de crianças
dentro da identidade do sem terra.

É nesse processo que as crianças se constituem como sujeitos lúdicos em


movimento, ressignificam a luta e a cultura da classe a que pertencem, por meio do
brincar, pois as atividades pedagógicas desenvolvidas nas Cirandas Infantis itinerantes
e permanentes consistem em vivenciar concretamente a vida social, suas contradições,
e criar possibilidades de superação, na perspectiva de produzir outros conhecimentos,
pensando o processo de formação em sua totalidade.
As Cirandas Infantis para além do MST –
uma conquista das crianças do campo
A Ciranda Infantil do MST tornou-se uma referência nacional e internacional
para as organizações campesinas. Com as experiências dos cursos de formação (formais
e informais), realizados em vários espaços da organização, o MST procura garantir a
Ciranda Infantil e, assim, ela se tornou uma referência para outros movimentos sociais
como: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Pequemos
Agricultores (MPA), Movimento dos Trabalhadores Sem Tetos (MTST). Passou a
ser referência, também, para alguns movimentos que compõem a Via Campesina
Internacional como: Movimento Nacional Campesino Indígena (MNCI), da Argentina,
União Nacional dos Camponeses (UNAC), de Moçambique. Ramos (2013, p. 21) afirma
que: “ter se tornado uma referência reforça o caráter de criação de novas formas de
relação Intergeracional com a infância, que extrapolam o âmbito do Movimento e
orientam os demais movimentos no trato com a infância”.
As Cirandas Infantis que acontecem nas atividades da Via Campesina são um
grande desafio para o MST, pois essa não é somente mais uma referência para as outras
organizações, mas também uma referência para as crianças dos outros movimentos que
também começam a participar de forma mais organizada da luta pela terra, constituindo-
se também num processo de formação das crianças do campo.
Um dos elementos que impulsionou o debate das cirandas Infantis em outros
movimento foram os cursos formais realizados pelo MST junto com os movimentos
sociais que compõem a Via Campesina e em parceria com as universidades. Esses
cursos possibilitaram que os Movimentos Sociais do Campo começassem a olhar para as
crianças com outro olhar, organizando melhor os tempos e os espaços de acolhimento
dos meninos e das meninas que estão em luta junto com sua família.
A exemplo disso, no curso da Pedagogia da Terra, em São Paulo, realizado
junto com a UFSCar, as estudantes da Organização das Mulheres Assentadas
Quilombolas do Estado de São Paulo (OMAQUESP) começaram a organizar a
Ciranda Infantil em seu assentamento e a Ciranda itinerante em suas reuniões,
cursos, encontros etc. “Organizar a Ciranda foi um desafio, mas conseguimos
mobilizar as mães e os pais das crianças e no fim tudo deu certo, pois todos
colocaram a mão na massa em prol do espaço das crianças” (Gisele e Jeniffer11

11  Gisele e Jeniffer eram estudantes da I turma do curso de Pedagogia da Terra em parceria com a UFSCar.
). Segundo elas, só conseguiram restaurar o espaço da “Ciranda Formiguinhas” graças
à mobilização de algumas mães e pais, que mostraram a importância desse espaço
infantil e conseguiram o apoio da Prefeitura Municipal para garantir a merenda escolar
e materiais pedagógicos, como também conseguiram envolver várias pessoas da
comunidade, que se dispuseram a realizar atividades pedagógicas com as crianças.
Gisele e Jeniffer disseram: “Estamos no início, sabemos dos desafios, por isso, precisamos
buscar ajuda mais especializada para pensar este processo de formação das crianças”. É
importante ressaltar que nesse assentamento não existe escola, assim, a Ciranda torna-
se peça fundamental para esse processo de formação.
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), em seu caderno pedagógico
(2008, p. 43), afirma que a organização desse espaço cria a possibilidade de
participação das mães e das crianças nos encontros, pois enquanto os
adultos participam das discussões e pensam as intervenções necessárias
para um novo projeto de sociedade, as crianças encontram no mundo lúdico
um momento de descontração e também de formação.

Coerente com tal concepção, entre os dias 2 e 5 de setembro de 2013, foi


realizado o Encontro Nacional do MAB, no estado de São Paulo, com a presença de
aproximadamente 2.800 atingidos e atingidas por barragens de 17 estados do Brasil,
além de organizações internacionais de 20 países. Estiveram presentes na Ciranda
Infantil aproximadamente 150 crianças, entre 0 e 12 anos de idade.
Segundo Daiane Carlos12
As crianças contribuíram para a construção do Encontro, pois, em seus
dias na Ciranda. Os pequenos passaram os dias do encontro brincando, se
divertindo, pintando e também pensando, dentro de seus pontos de vista
da infância, o que querem para um mundo melhor. Elas foram a energia do
Movimento.

Durante os quatro dias de Encontro, discutiu-se com as crianças a importância


da água e da energia, para que elas, desde pequenas, compreendam que a energia é
um bem público, é um bem de todos. É importante salientar que o discurso das grandes

Anotações de caderno de campo durante a apresentação dos seminários dos estágios de educação infantil, em
fevereiro de 2011. Atualmente estamos com a II turma de Pedagogia da Terra, com 50 estudantes, em parceria
com a mesma universidade.
12  (Daiane Hohn Carlos é dirigente do setor de formação do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB,
entrevista realizada na ENFF no dia 14 set. 2013).
empresas, ao construírem uma barragem, afirma que é para o desenvolvimento do
país, mas as famílias atingidas não têm acesso a esse desenvolvimento. Ao contrário,
antes das barragens tinham casas e depois da barragem já não têm; antes não tinham
energia e com a barragem elas continuam sem energia; antes a conta da energia era
cara, depois da barragem ela continua cara e as famílias atingidas não podem pagar,
assim, as promessas de desenvolvimento para todos da região não se concretizam.
As crianças também percebem o avanço das grandes empresas no campo:
“Antes tinha as árvores para subir, a escola, as casas, o parquinho, os amigos, agora não
tem mais; as árvores estão caídas, não têm escolas, não têm mais nem crianças para
brincar porque a barragem tomou conta de tudo”. Essas são questões que as empresas
não conseguem responder e que afetam diretamente as crianças.
Ao refletir sobre esse processo, pode-se afirmar que o avanço das grandes
empresas no campo afeta diretamente a vivência da infância do campo, esse tempo tão
importante da vida. Com esse entendimento, as crianças escreveram uma carta onde
apontam seus direitos, pedem ajuda aos adultos e dizem que estarão sempre por perto.
A “Carta das Crianças Atingidas por Barragens”13.
Nós, crianças atingidas por barragens, participando do Encontro Nacional,
vindos do norte, nordeste, centro-oeste, sudeste e sul, deste imenso Brasil,
queremos dizer que o encontro também é nosso. Na Ciranda, nestes dias,
fizemos muitas atividades, muitas brincadeiras e muita diversão. Também
discutimos os direitos das crianças atingidas por barragens. Nesta carta
queremos expressar a importância das crianças e de seus direitos:
1. Educação de qualidade;
2. Na escola ter merenda boa e educadores para nos ensinar;
3. Alimentação saudável, sem agrotóxicos, com muita fruta, verdura e de vez
em quando uns docinhos;
4. Ter terra para plantar e casa para morar. Que tenha espaço para a gente
brincar do mesmo jeito, ou melhor, que a gente tinha antes da barragem;
5. Precisamos ter parquinhos para a gente se divertir;
6. Nossos rios livres e limpos para podermos nadar e brincar muito.
Então, pedimos que vocês, que são grandes, nos ajudem e nos ensinem
como garantir esses direitos e outros mais. E podem contar com as crianças

13   Carta elaborada pelas crianças, educadores e educadoras da Ciranda Infantil no encontro do MAB. Disponível
em:<http://www.mabnacional.org.br/>. Acesso em: 10 set. 2013.
atingidas que estaremos por perto e, claro, lá na Ciranda.
São Paulo, 4 de setembro de 2013.
(Crianças do MAB a lutar por um projeto energético popular).

A carta é evidência de que cada Ciranda Infantil, organizada pelos movimentos


sociais, é uma conquista, e potencializa o processo de formação das crianças
camponesas, da compreensão da luta e é também um espaço para fazer novos amigos,
conhecer outros estados e ter contato com outras culturas. A Ciranda possibilita às
crianças participarem mais ativamente da vida do Movimento e entender melhor como
o Movimento é organizado, como a sociedade capitalista é organizada.
É no dançar ciranda, de mãos dadas, dedos entrelaçados, e com um emaranhado
de ideias, que as crianças se juntam na luta pela terra para fazer girar a história. Seja
através de brincadeiras, contação de histórias ou participação nas mobilizações, as
crianças interagem entre os pares e com os adultos, expressam as suas opiniões sobre a
luta, a escola, a Ciranda Infantil, a sociedade, dando pistas das mudanças necessárias a
serem feitas para a transformação da realidade.

TECENDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS


O processo de educação dos meninos e meninas Sem Terra, muitas vezes,
dá-se nas ações da luta pela terra. Essas ações em alguns momentos vão se tornando
referências nas suas brincadeiras, por exemplo, quando nos acampamentos as crianças
brincam de fazer reuniões, de fazer ocupações, assembleias, ou imitam os discursos
dos dirigentes acampados. Isso só é possível porque as crianças estão presentes nas
mobilizações junto com suas famílias, estão num movimento de luta e por estarem
nesse lugar (assentamento e acampamento) elas têm todo o contato com esse processo
de formação. Marx e Engels (2011, p. 85) afirmam que:
O setor mais culto da classe operária compreende que o futuro de sua classe
e, portanto, da humanidade, depende da formação da classe operária que
há de vir. Compreende, antes de tudo, que as crianças e os adolescentes
terão de ser preservados dos efeitos destrutivos do atual sistema.

Portanto, planejar as atividades pedagógicas da Ciranda Infantil não é


tarefa simples. É necessária uma compreensão mais aprofundada dos educadores e
educadoras infantis da construção do projeto histórico. Somente gostar de crianças não
dá conta da complexidade dessa formação, numa perspectiva da emancipação humana.
É preciso ter conhecimento da arte, do desenho, da pintura, do barro, da contação de
história, da importância da agricultura agroecológica, da luta, do cultivo da terra, mas,
acima de tudo, é importante conhecer a pedagogia da infância em luta, em movimento,
pertencente a uma classe social. Segundo Benjamin (1984, p. 90):
A educação comunista contrapõe-se seguramente a todas essas instituições
não de maneira defensiva, mas sim em função da luta de classe. Da luta de
classes pelas crianças as quais lhe pertencem e para as quais a classe existe,
pois a criança proletária nasce na sua classe, pois de maneira lúdica seus
conteúdos e símbolos podem muito bem encontrar lugar nesse espaço.

Nesse sentido, a Ciranda cumpre um papel importante para as crianças, ao


pensar a educação, principalmente, considerando que essa está vinculada à luta do MST.
Por isso é fundamental trabalhar com uma proposta que ajude a formar crianças críticas,
companheiras, solidárias, que têm um pertencimento à classe trabalhadora. Faria (2002,
p. 61) afirma que “sendo a infância uma produção histórica, não poderemos, hoje, na
sociedade capitalista, pensá-la em abstrato, referindo-nos à criança independentemente
de sua classe social”.
Assim, pensar a organização do trabalho pedagógico nas Cirandas Infantis no
MST significa, também, pensar o processo de formação humana das crianças na sua
plenitude, com suas necessidades, contradições, possibilidades numa totalidade.
Ao participar dos coletivos, as crianças têm a possibilidade de conviver e
participar dos causos, das assembleias, das festas, das marchas, das ocupações, dos
cursos, das cantorias, do mundo do trabalho, das conquistas, dos nascimentos, das
mortes, dos choros, das brincadeiras, das lutas, enfim, dessa realidade que coloca
os meninos e meninas em movimento nos espaços coletivos. Assim, elas não têm
somente as famílias como educadoras, mas têm toda a coletividade. E essa convivência
no coletivo entre crianças e adultos nos assentamentos e acampamentos é de uma
riqueza extraordinária para estimular o imaginário infantil e seu processo de formação
humana. Para o MST, educar os meninos e meninas é criar possibilidades de vivências
para fortalecer sua identidade, de criar e recriar brincadeiras; é, também, torná-los/las
construtores e construtoras, lutadores e lutadoras por outra sociedade.
Na Ciranda Infantil, as brincadeiras, o trabalho e a luta são dimensões
humanas que se misturam, os alimentos produzidos e as ferramentas do trabalho viram
brinquedos, ganham novos significados na cultura infantil camponesa. As dimensões
do brincar, trabalhar e lutar andam juntas, ou seja, o revolucionário e o lúdico fazem
parte do seu processo de formação humana dos Sem Terrinha. Rossetto (2016) afirma
que nesse processo os Sem Terrinha vão fortalecendo os coletivos infantis, a luta e
pertencimento ao Movimento Sem Terra e vão demonstrando que as crianças da classe
trabalhadora têm capacidade de lutar e construir um projeto de sociedade, sem perder a
dimensão lúdica e dimensão revolucionária de classe, construindo uma outra realidade
possível para a humanidade, uma vez que lutar e brincar faz parte da escola de vida.
Nessa luta, segundo Bogo (2008, p.148), “As famílias levam tudo o que têm e,
mesmo no perigo do conflito, acreditam que os filhos e filhas estão mais seguros junto
deles, do que se ficasse para trás.” No processo da ocupação da terra, a coletividade
vai decidindo como organizar a vida no acampamento. Homens, mulheres, jovens e
crianças decidem o que querem fazer e têm a possibilidade de construir espaços que
apontem para além da lógica do capital.
As crianças também participam dessa ação, desse primeiro passo da luta,
juntamente com seus pais, e quando se forma o acampamento, o primeiro barraco a ser
construído geralmente é a Ciranda Infantil, dando uma atenção especial para às crianças.
Segundo Grein (2014, p. 125):
A atenção à criança no MST não existe porque isso é bonito para nossa
história, ela existe porque há concentração de terras em nosso país e
existem famílias que lutam por seu direito a terra e à vida. A criança participa
da ocupação, nasce embaixo da lona preta e, portanto, se torna parte dessa
luta, se torna Criança Sem Terra. Assim, o lugar da criança no MST é em
todo lugar; ela é parte da nossa organização e parte fundamental da nossa
história.

É importante ressaltar que nessa atenção dada às crianças, não se trata de


isolar da realidade, e nem de colocar a vida das crianças em risco, mas, ao contrário,
colocar em contato com a vida, vivendo a sua realidade, e criar condições que permitam
que participem da luta pela terra de uma melhor maneira possível. Edgar Kolling,14 em
entrevista, diz:
Eu presenciei, em curso nos acampamentos, as crianças brincando de fazer
assembleia, um pegava um sabugo de milho, um falava e passava para o
outro; elas imitavam os discursos dos adultos, comentavam e davam sua
própria opinião ou brincando de fazer a ocupação com muitos detalhes, que
só quem participou dessa ação poderia fazer.

14  Edgar Kolling é dirigente nacional do Setor de Educação do MST – entrevista realizada no dia 12 de dezembro
de 2013, Na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF).
Por mais que no acampamento tenha essa possibilidade, dos vários espaços
de brincadeiras, como Edgar nos apresentou, existem também os conflitos, os vários
despejos, a falta de comida, de casa, de escola etc., o que, muitas vezes, leva as crianças
a não gostarem de viver ali, causando um estranhamento em algumas pessoas que
estão na luta pela terra. Isso leva a refletir suas indignações nesse momento, mesmo
sendo o um espaço transitório, pois não é fácil viver num lugar onde as condições são
tão precárias. No entanto, esse é apenas o primeiro passo de uma luta árdua pela
transformação da realidade.
Passar fome, frio ou muito calor debaixo dos barracos de lonas não é o que o
MST quer para os Sem Terrinha, nem para os sujeitos Sem Terra que dele fazem parte,
mas os acampamentos são instrumentos de luta que mostram para a sociedade as
desigualdades sociais em nosso país. Freitas (2009, p. 95) chama atenção dizendo “nem
se aprende e nem se luta espontaneamente. A luta é uma dura necessidade que ensina”
e Arroyo (2003, p. 32) completa dizendo que “a luta pela vida educa por ser o direito
mais radical da condição humana”.
O Movimento Sem Terra tem conseguido extrair lições do seu cotidiano de
lutas para superar os desafios e as preocupações de como fazer uma educação para
os Sem Terra e, nesse processo, vai recuperando a dignidade e a humanidade quase
perdidas de crianças, jovens, adultos e idosos, que vão aprendendo a lutar pela vida.
Esse aprendizado se inicia na pequena infância, num espaço organizado com uma
intencionalidade política e pedagógica, as crianças vão construindo outras relações além
do grupo familiar; na coletividade, elas vão construindo sua identidade Sem Terrinha, o
pertencimento e o coletivo infantil. Pistrak (2009 p. 131) afirma que:
Somente na atividade pode a criança formar-se para ser ativa, somente
na ação aprende a agir, somente na realidade participando na criação de
formas cada vez mais novas, mesmo num organismo social pequeno como
a escola, aprendem a participar conscientemente, do mesmo modo, no
trabalho que diz respeito às formas da ordem estatal, e mundial. Assim
se faz necessário formar os estudantes para que eles ao saírem da escola
orientem sua vida social tenham aptidões de lutadores e construtores do
socialismo, possam facilmente orientar-se nas tarefas mais próximas e mais
distantes da construção da sociedade socialista.

Ainda é importante reafirmar que os Sem Terrinha dos assentamentos e


acampamentos refletem as especificidades vividas pelas crianças do campo que estão
inseridas num movimento social de luta, assim seu processo de formação humana se
delineia na própria luta pela terra, nas suas brincadeiras, nas dimensões do trabalho,
nos coletivos infantis, vivendo uma Pedagogia do Movimento, na busca da emancipação
humana. E o MST vai garantindo aos Sem Terrinha o direito de brincar, de pular, de correr,
de lutar, de estudar como também vai construindo a Ciranda infantil como um espaço
político pedagógico, que estabelece relações sociais e que vai modificando a realidade
dos Sem Terrinha, buscando formar sujeitos históricos, capazes de Lutar pela Terra, pela
Reforma Agrária Popular e pela Transformação da Sociedade.

Referências
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terrinhas no MST, 2009, Dissertação (Mestrado em Educação) Faculdade de Educação
- Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas – SP, 2009.
Escola de convivência com o semiárido:
um espaço de formação de multiplicadores/as na ótica do bem viver
Felipe de Sena e Silva
Joilma Sandri Jesus de Souza Lopes
Tiago Pereira da Costa

Resumo
O presente artigo tem como objetivo sistematizar e compartilhar a vivência
e experiência da Escola de Formação para a Convivência com o Semiárido, que
acontece anualmente, realizada pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária
Apropriada (IRPAA), na região Semiárida do Estado da Bahia, no município de Juazeiro.
A Escola é um espaço de formação social, política, cultural, agropecuária e ambiental.
Desenvolve suas atividades através de momentos teóricos, práticos e de intercâmbios,
com o objetivo de contribuir no fortalecimento da classe trabalhadora, por meio da
formação de multiplicadores/as em Convivência com o Semiárido na ótica do Bem
Viver, direcionada aos Jovens de todo o Nordeste. Durante os dias de formação e
vivência são aprofundados temas, como: Terra e Território; Educação Contextualizada;
Clima, Água e Tecnologias Sociais; Produção Agroecológica; Educomunicação; Políticas
Públicas, dentre outros. Este trabalho é resultado da observação participante, através da
inserção dos pesquisadores/a no ambiente da pesquisa, dos sujeitos envolvidos que são
agricultores/as, povos e comunidades tradicionais, bem como da análise documental
dos materiais utilizados pelo Instituto, unindo-se a isso, ao longo dessa sistematização, o
processo metodológico dos períodos formativos da ação. A partir da análise dos dados,
conclui-se que as experiências educativas voltadas para a Convivência com o Semiárido
impulsionadas pelo IRPAA impactam de forma positiva na vida dos sujeitos participantes,
sendo capaz de gerar melhoria nas condições de vida, bem como nas comunidades em
que estão inseridos, pois os ensinamentos que vivenciam e experimentam na Escola
de Formação para a Convivência com o Semiárido são colocados em prática nas suas
organizações populares, movimentos sociais, ambientes familiares e coletivos.
Palavras – chave: Convivência com o Semiárido. Educação Popular. Juventude do Campo.

Introdução
O presente artigo tem como propósito apresentar a Escola de Convivência
com o Semiárido (ECSA), que acontece anualmente, realizada pelo Instituto Regional
da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA), com objetivo de contribuir para o
fortalecimento da classe trabalhadora por meio da formação de multiplicadores/as
em Convivência com o Semiárido na ótica do Bem Viver. A ECSA consiste em uma ação
estruturada na concepção de educação popular e contextualizada, possibilitando aos
sujeitos uma maior aproximação com suas realidades, compreendendo os aspectos
essenciais para uma Convivência plena, digna e justa.
Essa experiência teve início na década de 1990, quando o IRPAA desenvolvia um
trabalho social, técnico e pedagógico com lavradores e lavradoras. Desde os primeiros
encontros e formações a proposta era discutir as irregularidades das chuvas, a renda
das famílias, a criação de animais, o plantio na roça, a água no sertão, a organização
das mulheres. O intuito era fazer o público participante conhecer a região Semiárida e
entender aspectos técnicos que melhor se adequassem às suas realidades, possibilitando
uma relação harmoniosa com o ambiente.
Este trabalho teve como metodologia a observação participante, através da
inserção dos pesquisadores/a no ambiente da pesquisa dos sujeitos envolvidos que são
agricultores/as, povos e comunidades tradicionais, bem como da análise documental
dos materiais utilizados pelo Instituto.
A construção da ECSA se dá de forma dialógica, através da pedagogia da prática,
da utilização das metodologias participativas, da experimentação e do aprofundamento
teórico, na qual todos os sujeitos envolvidos colaboram com as atividades desenvolvidas,
desde a organização do espaço, a animação, a sistematização, as tarefas diárias e
práticas produtivas, durante as duas semanas nas quais a escola acontece. De forma
bem dinâmica, sempre tem uma equipe para mediar todos os momentos formativos e
garantir o bom desenvolvimento das atividades.
As primeiras experiências da ECSA eram realizadas com lavradores e lavradoras,
mas com o passar dos tempos percebeu-se que o perfil do público foi se modificando,
e hoje conta com uma participação expressiva de jovens. Nesse contexto, atualmente a
ECSA é direcionada especificamente à juventude do Semiárido, sendo que estes/as vêm
representando suas entidades e comunidades.
Para garantir uma participação igualitária, a relação de gênero é sempre levada
em conta na hora de convidar os/as jovens que participarão da escola. Ao longo desse
trabalho discutiremos a importância da participação dos/as jovens na ECSA, como forma
de valorizar o protagonismo da juventude do Campo.
IRPAA: Trabalhando pela convivência com o semiárido
O Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA) é uma
Organização não Governamental, sem fins lucrativos, localizada no município de Juazeiro,
região Norte do estado da Bahia, no centro do Semiárido brasileiro, que há quase três
décadas vem trabalhando pela Convivência com o Semiárido (CSA). Foi fundado por
D. José Rodrigues de Souza, in memoriam, Bispo da Diocese de Juazeiro. A instituição
atua diretamente no Território Sertão do São Francisco, Piemonte Norte do Itapicuru e
Itaparica na Bahia, e em mais quatro estados do Nordeste (Pernambuco, Piauí, Alagoas
e Sergipe), e tem como objetivo demonstrar a viabilidade econômico-social da região,
oferecendo subsídios práticos e teóricos para conviver bem no Semiárido, apesar das
variações climáticas que temos ao longo do ano.
Sendo assim, a Consolidação da Convivência com o Semiárido é a maior e
mais importante missão do IRPAA, que busca implementar esta proposta e promover o
pleno desenvolvimento das famílias na região, sem perder de vista a ótica do Bem Viver,
acreditando que
Iluminado pela convivência, o desenvolvimento do Semiárido passa por
premissas tais como: o compromisso com as necessidades e potencialidades
da população local; a conservação e o uso sustentável da biodiversidade;
a recuperação das áreas degradadas; a quebra do monopólio da terra e
da água; a valorização do patrimônio cultural, étnico, material e simbólico
do semiárido; o reconhecimento da agricultura familiar como categoria
sociopolítica e estratégica do desenvolvimento e o reconhecimento do
meio rural como território de produção e reprodução da vida; a valorização
das tradições e conhecimentos das comunidades; e o reconhecimento da
diversidade étnica e cultural do semiárido com seu patrimônio, colocando
sua população como coautora das políticas e não como sua simples
beneficiária (BAPTISTA, 2013, p. 66).

A sistematização das demandas sociais e dos debates políticos feitos pelo


IRPAA e outras organizações da sociedade civil acerca da convivência com o semiárido
concretizam-se em uma proposta que busca promover o pleno desenvolvimento das
famílias na região.
Assim, o IRPAA (2015) aponta cinco pilares básicos: Redistribuição e
reordenamento das terras conforme a realidade da região; Produção apropriada às
condições climáticas; Captação, armazenamento e gestão adequada das águas; Educação
contextualizada à realidade local e regional; e a Democratização da comunicação.
Para o IRPAA, há quase três décadas, viver no Semiárido é saber reconhecer o
seu valor, e, diante disso, o Instituto, por meio de seus diversos projetos, propõe soluções
eficazes, que respeitam as características do povo e das terras desta região.
Durante muito tempo a região Nordeste foi marcada pela Indústria da Seca e as
características mais fortes eram a fome e a miséria. Então, na década de 1990, o IRPAA
iniciou seus trabalhos nas comunidades de Juazeiro-BA e região, e logo percebeu que o
problema não é a estiagem, mas os estigmas que ela traz para os povos do Semiárido.
Sendo assim, Costa (2017) afirma que
a Convivência com o Semiárido supera o paradigma de Combate à Seca,
pois, é construída com o reflexo das reais necessidades das populações;
é resultado da trajetória social e cultural das famílias e das organizações
populares que vêm resistindo às mazelas causadas pelo estado brasileiro e
pelo mercado capitalista. Vem se estabelecendo, pois, em cada realidade, de
forma sustentável com a natureza, gerando trabalho e renda, mantendo o
sentimento de pertencimento, a partir das identidades culturais construídas
há séculos pelos antepassados.

Esse longo caminho percorrido na construção do paradigma da Convivência


com o Semiárido é fruto das reflexões acerca dos aspectos culturais, sociais, políticos
e econômicos, bem como de experiências vividas por outros povos do mundo que
também estão lutando contra o capitalismo.
Vale destacar que os fundamentos que constituem a Convivência com o
Semiárido estão em estreita sintonia com as bases do Bem Viver, que segundo Acosta
(2017) recorrem às experiências, às visões e às propostas dos povos, revelando os erros
e limitações das teorias desenvolvimentistas, acabando com o divórcio entre a Natureza
e o Ser Humano e construindo uma nova forma de vida, alicerçada na solidariedade,
complementariedade, relacionalidade e reciprocidade.

A proposta da escola e seus princípios pedagógicos


A ideia da Escola de Convivência com o Semiárido (ECSA) surgiu em um
contexto de negação de direitos e déficit de informações à classe trabalhadora sobre
as viabilidades da região Nordeste, até então conhecida pela geopolítica do país como
região de atraso e da exclusão socioeconômica, historicamente administrada por
coronéis e oligarquias conservadoras que alienavam as pessoas, seus modos de vida e
produção.
Constatado esse problema social gravíssimo, o IRPAA, emergido pelo trabalho
das Comunidades Eclesiais de Bases (CEB’s), instituiu a ECSA como sua principal ação
institucional de formação técnica e pedagógica de multiplicadores/as, que visava
desconstruir a indústria da seca e apontar o novo paradigma da Convivência com o
Semiárido.
Com forte influência da Educação Popular, protagonizada e inspirada em Paulo
Freire, o IRPAA optou em “instituir práticas de convivência que gerem uma relação de
ensino-aprendizagem em que os traços culturais entre sujeitos seja, a um só tempo,
vivência e transformação do sujeito” (PIMENTEL, 2002, n.p.).
A ECSA se baseia nos princípios da dialogicidade, criticidade e respeito às
diferenças. Fundamenta-se pela valorização dos saberes e experiências construídas
coletivamente, formação permanente atrelada a um projeto de transformação e a
educação como condição essencial para a melhoria das condições de vida.
A condução pedagógica das atividades realizadas na ECSA acontece com o apoio
de uma equipe de profissionais das várias áreas do conhecimento. Os colaboradores/as
do IRPAA, nos processos formativos realizados no contexto da ECSA, intentam fomentar
“um conjunto de dinâmicas sociais que buscam promover a emergência de um novo
paradigma de envolvimento com o semiárido, desencadeando novos processos de
desenvolvimento” (PIMENTEL, 2002, n.p.).
É importante destacar que a ECSA, ao longo dos anos, tem possibilitado a
interação de uma diversidade de povos e comunidades tradicionais, pescadores e
pescadoras artesanais, quilombolas, indígenas, assentados e assentadas da Reforma
Agrária. Esse processo, como afirma Aguiar (2017), possibilita criar espaços que
propiciem ou dinamizem a socialização de conhecimentos, o diálogo entre diferentes
conhecimentos, a troca de experiências e a reflexão sobre diferentes temas.

Como se organizam os conteúdos, as pessoas e o espaço


A ECSA baseia-se numa proposta de educação não formal e apresenta um
percurso metodológico que contempla os momentos de estudo, trabalho e lazer. A auto-
organização dos/as participantes é um elemento essencial para garantir a sensibilização,
a participação e integração entre as pessoas, além de contribuir na desconstrução
de valores e costumes oriundos da sociedade capitalista, como o individualismo e a
competitividade.
A ECSA, durante as duas semanas de formação, busca garantir que os/as
participantes possam ter contato e participar de formações técnicas e políticas, sendo
trabalhadas, como afirma Aquino,
através de trabalhos em grupo, individuais, discussões com o coletivo (…)
cartazes. Mapas, pinturas alusivas aos temas abordados em tecido e papel
madeira, data-show, músicas, danças, místicas, utilização de instrumentos
musicais, projeção de filmes, uso das tecnologias de captação de água,
plantação, adubação, plantação e colheita, de criação de animais, do
conhecimento da composição do solo da caatinga, uso da hidroestesia, para
identificar a existência de água no solo, utilização de Cartilhas temáticas
(AQUINO, 2015, p. 147).

A contribuição pedagógica da ECSA direciona-se para garantir que haja um


permanente processo reflexivo do/da jovem que está envolvido na escola e contribuindo
na compreensão da realidade social que está envolvido/a.
O dia a dia na escola proporciona uma interação entre as pessoas e possibilita
a troca de experiências. Desde o início da escola os/as jovens são orientados sobre
os acordos de convivência, que são construídas coletivamente, ainda no início das
atividades, os tempos dedicados ao estudo dos temas, as atividades práticas feitas
dentro do centro de formação, e os momentos de lazer e integração. Durante a Escola a
juventude é organizada em grupos de trabalho no cuidado com os animais, no aprisco e
galinheiro, nos cuidados e manutenção das tecnologias de água, no manejo da Produção
Agroecológica Integrada Sustentável (PAIS) e do viveiro de mudas.
Além dos trabalhos desenvolvidos dentro do centro de formação, os/
as participantes visitam outros locais, como, por exemplo, a Cooperativa
Agropecuária Familiar Canudos, Uauá e Curaçá (COOPERCUC), a área
experimental da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA)
e a barragem hidroelétrica de Sobradinho. Essas visitas técnicas também
proporcionam momentos de reflexão política que “vão além da aquisição de
novos conhecimentos por parte dos envolvidos no processo, pois se intenta
também a ampliação e multiplicidade dos novos paradigmas e saberes”
(AQUINO, 2015, p. 149).

Todos esses trabalhos realizados, como destaca Aquino (2015, p. 145), “são uma
aprendizagem significativa, pois carregada de sentido. São atividades que reconhecem
a identidade cultural do outro, e a partir daí, constroem novos conhecimentos.” Sendo
assim, a escola orienta seu trabalho a discutir as formas apropriadas para conviver com o
Semiárido, e que o IRPAA trabalha em 5 eixos, sendo eles, Terra, Clima e Água, Produção,
Educação e Comunicação.
No debate do eixo Terra discute-se sobre o acesso à terra, o tamanho apropriado
para as famílias do semiárido, a história da luta dos povos e comunidades tradicionais e
as comunidades de Fundo de Pasto. No eixo Clima e Água, fala-se sobre o uso e gestão
da água, as tecnologias de captação e armazenamento de água, a hidroestesia, as
características do clima semiárido, as cinco linhas de água e a Política de Água. No eixo
Produção, aprofunda-se sobre a produção agroecológica apropriada, criação de animais
apropriados, Beneficiamento de frutos da caatinga, Associativismo e Cooperativismo e
Economia Solidária.
No eixo Comunicação, discute-se a importância da democratização dos
meios de comunicação, a comunicação como direito humano, as estratégias de
comunicação popular e políticas de comunicação. No eixo Educação, aborda-se sobre
o direito à Educação, os princípios e fundamentos da Educação para Convivência com
o Semiárido, as políticas educacionais, o Plano Nacional de Educação (PNE), além de
subtemas afins.
Em relação aos temas discutidos na ECSA, Pimentel (2002) aponta que os
conteúdos foram acumulados ao longo dos anos com a participação efetiva dos técnicos
e técnicas do IRPAA, bem como dos lavradores e lavradoras que anualmente participam
dos seminários promovidos por esse Instituto.
Dentro de cada eixo de trabalho existe uma linha de trabalho transversal que
proporciona um aprofundamento teórico dos temas. No eixo Terra, a linha transversal é
Organização Social; do eixo Educação, Gênero; do eixo Produção, Juventude; e do eixo
Clima e Água, Meio Ambiente.
Além do conjunto de temas debatidos, são utilizadas também quatro cartilhas
básicas que foram produzidas pelo IRPAA, são elas: A roça no Semiárido, A busca da
Água no Sertão, Mutirão: a mulher e o homem no sertão e Cabras e Ovelhas: a criação
do sertão.
A proposta do IRPAA é que ao final de cada escola os/as pessoas que
participaram possam voltar para suas regiões e divulgar as informações às quais tiveram
acesso, e assim contribuir para o fortalecimento dos debates e proposição de políticas
direcionadas a convivência com o Semiárido.
A juventude e o protagonismo político
O atual modelo de desenvolvimento proposto para o Semiárido está pautado
na lógica do Combate à Seca, que “concentra terra e água, desconhece e desvaloriza
do conhecimento dos agricultores, utiliza sem critérios, a não ser o do lucro e do
enriquecimento, a natureza como se ela fosse inesgotável.” (BAPTISTA, 2013, p. 63). A
consequência negativa desse processo é a dívida histórica e estrutural com os povos do
semiárido, que ainda sofrem diretamente com a pobreza, a fome e a miséria. Além disso,
o discurso estereotipado sobre a região, descrita como lugar do atraso e da inviabilidade
econômica, não aponta alternativa senão o êxodo rural, impactando em especial a
juventude do campo.
O acesso a serviços básicos como educação, saúde, moradia, mobilidade e
oportunidades de emprego e renda são algumas das demandas que mais influenciam
na permanência (ou não) da juventude no campo.
a ausência de políticas públicas que respondam às necessidades desse grupo
social têm promovido uma visão distorcida de que o lugar da juventude
é na cidade. Um pensamento que só contribuiu para que os governos se
desresponsabilizem com a qualificação da sua atuação junto a esse público,
fazendo com que as questões pautadas pelos(as) jovens rurais permaneçam
na invisibilidade e que seus problemas continuem subnotificados. A
ausência ou insuficiência de dados atualizados sobre os aspectos de vida
desse segmento são prova disso (SILVA, 2017, p. 203-204).

É neste sentido que oportunizar um processo formativo que fortaleça a auto-


organização da juventude nos espaços políticos, a valorização das suas identidades e a
formação técnica e política é estratégico para garantir a permanência da juventude nas
suas comunidades. Por isso, o IRPAA compreende que essa formação proporcionada na
ECSA contribui no protagonismo dos jovens, pois o Instituto é oriundo “de organizações
da sociedade civil que têm engajamento nas causas ligadas aos direitos da juventude,
especialmente do meio rural do Semiárido” (AQUINO, 2015, p. 149).
Como afirma Aquino (2015), muitos homens e mulheres que participam de
processos de formação nessa direção fazem-se cidadãos politicamente ativos, ou,
pelo menos, politicamente disponíveis para a participação democrática. Com isso, a
participação da juventude na ECSA contribui no entendimento deles/as como sujeitos de
direitos, que podem permanecer no campo através de políticas públicas, possibilitando
uma qualidade de vida.
O compromisso proposto ao final da ECSA é que os/as jovens retornem
para suas localidades e sejam multiplicadores/as da proposta de convivência com o
semiárido, garantindo o pleno exercício da sua cidadania, a ocupação de espaços de
deliberação e monitoramento das políticas públicas e assim contribuir na autonomia e
valorização do papel da juventude, fazendo do campo um espaço de vida, de produção
e de possibilidades para a Sucessão Rural (SILVA, 2017).

Conclusão
A atuação do IRPAA ao longo dos vinte e oito anos de existência vem no
sentido de contribuir na formação da classe trabalhadora e na efetivação de uma
proposta de desenvolvimento que desconstrua a lógica degradante e excludente
viabilizada pelos grandes projetos (agro/hidronegócio, mineração, eólicas). Nesse
sentido, as ações educativas propostas e desenvolvidas pelo Instituto visam construir
uma transição paradigmática, valorizando as particularidades e as potencialidades da
região, a desconstrução de estereótipos equivocados e a proposição de soluções viáveis
e contextualizadas.
A consolidação da convivência com o Semiárido é uma missão que vem sendo
construída por um conjunto de sujeitos, a exemplo da Articulação do Semiárido (ASA)
e da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB), que acreditam em um projeto
de sociedade alternativo, onde as pessoas tenham oportunidades iguais, direitos
assegurados, condições de vida digna, participação política ativa e sustentabilidade
ambiental.
As experiências educativas desenvolvidas pelo IRPAA bebem na fonte dos
princípios da Educação Popular, da vivência dos CEB’s e das experiências de luta trazidas
pelos povos do Semiárido. A proposta pedagógica da ECSA é fruto de um longo trabalho
de formulação, experimentação e vivência acerca dos temas relacionados à convivência
com o semiárido como a terra e do território, o clima e a água, a produção agropecuária
apropriada e agroecológica, a educação contextualizada, a comunicação popular etc.
A sistematização da experiência educativa realizada dentro da ECSA ajuda
a disseminar um processo que vem contribuindo decisivamente na formação de
multiplicadores/as de um novo projeto para o Semiárido, em especial de jovens do
campo. A troca de saberes, a construção de conhecimentos e a gestão compartilhada
são aspectos significativos e exitosos vividos dentro da ECSA. O protagonismo dos
sujeitos envolvidos no processo formativo e suas experiências acumuladas ao longo
da vivência dentro da escola nutrem de esperança os que dia a dia sofrem nas garras
da opressão.
Ao confrontar os altos índices de exclusão e desigualdade social que afetam a
juventude do campo, em especial a que vive no semiárido, é fundamental a realização
de uma ação positiva no intuito de contribuir com a conscientização da juventude, para
que ela compreenda seu potencial sociopolítico, se reconheça como sujeito de direito,
e entenda a importância de seu envolvimento na vida política da sua comunidade e da
sociedade em geral.
Sendo assim, percebe-se que a realização da ECSA tem dado uma contribuição
política e pedagógica, pois tanto possibilita o acesso da juventude a informações/
técnicas/formações que lhe servirão de base para continuidade de ações voltadas para
divulgação e consolidação da proposta de convivência com o semiárido, como amplia as
possibilidades de incidência política que esses/as jovens terão ao retornarem para suas
regiões.
É válido destacar que após anos de ECSA, identificou-se que a participação
da juventude gera resultados importantes, no entanto é necessário apontar os
principais obstáculos vividos, e aqui destacamos três: o primeiro deles é quanto ao
acompanhamento dessa juventude no dia a dia da sua comunidade e de como eles/as
estão se envolvendo (e sendo envolvidas pelos mais experientes) nas decisões políticas
da sua comunidade, dentro das associações.
O segundo desafio que se identifica é a resistência que esses/as jovens
sofrem ao tentarem se inserir nas instâncias políticas, seja nos conselhos municipais ou
estaduais, em organizações políticas, em grupos autônomos etc.
O último está relacionado com as possibilidades que as organizações sociais
(associações, cooperativas, sindicatos, Ong’s etc) têm em acolher e proporcionar uma
atuação profissional para esses/as jovens. Esses elementos apontados demonstram
o desafio que a juventude tem para vivenciar seu protagonismo político e sua
autonomia.
Para concluir é importante destacar a contribuição política que os segmentos
sociais do campo e da cidade, além de algumas instituições do poder público, vem
dando para efetivar o paradigma da convivência com o semiárido. Está na ordem do
dia um contínuo processo formativo de agentes multiplicadores/as de um projeto de
solidariedade entre os povos do semiárido, de soberania popular e de vida próspera.
Referências
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Tradução de Tadeu Breda. São Paulo: Autonomia Literária, Elefante, 2016.
AGUIAR, Maria Virgínia de Almeida. O diálogo de saberes sobre Agroecologia na
universidade: o papel das instalações pedagógicas. IN: FIGUEREDO, Marcos Antônio
Bezerra; MATTOS, Jorge Luiz Schirmer; FONSECA, Flávio Duarte (Org.). Agroecologia e
Diálogo de conhecimentos: olhares de povos e comunidades tradicionais, movimentos
sociais e academia. Recife: UFRPE, 2017. 17-46 p.
AQUINO, M. R. Educação para convivência com o semiárido e direitos humanos:
práticas educativas do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada – IRPAA.
Juazeiro. 2015
BAPTISTA, Naidison de Quintella; CAMPOS, Carlos Humberto. Possibilidades de
construção de um modelo de desenvolvimento sustentável no semiárido. In: Convivência
com o Semiárido: Autonomia e Protagonismo Social. Editora IABS, Brasília – DF, Brasil,
2013. 59-73 p.
COSTA, T. P. A Convivência com o Semiárido como paradigma sustentável na perspectiva
do Bem Viver. REVASF, Petrolina-PE, vol. 7, n.12, p. 79-100, abril, 2017
INSTITUTO regional da pequena agropecuária apropriada. Viver no Semiárido é
aprender a conviver. Juazeiro, 2015. 10p.
PIMENTEL, Álamo. O elogio da convivência e suas pedagogias subterrâneas no semiárido
brasileiro. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação - Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRG, 2002.
SILVA, Adriana do Nascimento; SOUZA, Claúdia Rejane Maciel de. Juventude rural na luta
por um campo com gente feliz. IN: FIGUEREDO, Marcos Antônio Bezerra; MATTOS, Jorge
Luiz Schirmer; FONSECA, Flávio Duarte (Org.). Agroecologia e Dialogo de conhecimentos:
olhares de povos e comunidades tradicionais, movimentos sociais e academia. Recife:
UFRPE, 2017. 203-204 p.
Projeto Universidade para Todos na Comunidade Quilombola de Praia
Grande, Ilha de maré – do desafio de sua implantação ao resultado do
primeiro ano das cotas quilombolas na UNEB
Anderson Souza Viana

RESUMO
Este trabalho é um relato da experiência da primeira turma do projeto de
pré-vestibular gratuito - Universidade para Todos - em Ilha de Maré, ambiente insular
da cidade de Salvador, Bahia. O projeto é uma ação da política de ações afirmativas
com vistas a reparação e inclusão social, do governo do Estado da Bahia, direcionada
a estudantes concluintes e egressos do ensino médio da rede pública estadual, tendo
como objetivo preparar os alunos para os processos seletivos de ingresso ao ensino
superior. Um dos destaques dessa experiência é o fato desse polo piloto ser implantado
na Comunidade de Praia Grande, que pertence ao Território Quilombola da Ilha de
Maré – conjunto de comunidades que é reconhecido e certificado como Comunidades
Remanescente de Quilombos (PALMARES, 2018). Falo em destaque considerando
que, lamentavelmente, nas comunidades quilombolas, em todo território brasileiro,
o déficit de escolas é expressivo e, quando se faz presente, na maioria dos casos,
sua estrutura e as condições de seu funcionamento são muito precárias (CAMPOS;
GALLINARI, 2017). O relato pretende descrever como foi desenhado o percurso do
processo, desde o seu início em 2016, a apresentação da demanda pelas lideranças
e o diálogo com a Universidade do Estado da Bahia (UNEB); o diagnóstico do local e
estrutura para funcionamento do curso, o contato com a comunidade e as parcerias
com órgãos públicos estaduais e municipais; a seleção dos professores e dos alunos;
o enfrentamento dos desafios do percurso: as condições de funcionamento do curso,
a baixa autoestima e a evasão dos cursistas; os resultados gerados de 2016 até 2018,
ano de implantação do sistema de reserva de sobrevagas quilombolas nos processos
seletivos de ingresso nos cursos ofertados pela UNEB. Os resultados apontam para a
busca de superação de desigualdades sociais, nesse caso, caracterizada pelo acesso
ao ensino superior, além de referenciar a necessidade de fortalecimento do Projeto
por meio de ações e atividades que ampliem seu campo de alcance para as demais
comunidades da Ilha de Maré.
Palavras-chave: Ações afirmativas. Educação Quilombola. Pré-Vestibular. UNEB.
Introdução
Ilha de Maré, musicalmente conhecida na voz de Beth Carvalho, na canção de
mesmo nome, composta por Walmir Lima - “ah, eu vim de Ilha de Maré minha senhora,
pra fazer samba na lavagem do Bonfim”, é o cenário no qual aconteceu essa experiência.
Ambiente insular é uma das 03 ilhas, assim como Ilha dos Frades e Bom Jesus dos Passos,
ambas pertencentes ao município de Salvador, Estado da Bahia. Está localizada na Baia
de Todos os Santos, com extensão de 13.87 km² ou 1.378,57 ha e, uma população de
6.434 habitantes, dos quais 88,6% residem na área considerada urbana e 11,4% na área
rural, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), (2010).
As principais atividades econômicas da região são a pesca artesanal, a atividade
de marisqueiras, exercidas pelas mulheres, e o artesanato de cestos e sacolas feitos com
a fibra de um tipo de capim, chamado de cana brava, muito comum na Ilha (IBGE, 2018).
A Ilha é composta por 11 comunidades: Bananeira, Ponta Grossa, Porto dos Cavalos,
Martelo, Praia Grande, Santana, Itamoabo, Neves, Botelho, Maracanã e Caquende
(ESCUDERO, 2011), sendo que apenas 5 dessas são certificadas como Comunidades
Remanescentes de Quilombos pela Fundação Palmares (PALMARES, 2018).
Apesar de ser território pertencente à capital do Estado da Bahia, que é
possuidora do maior Produto Interno Bruto (PIB) do Estado, a Ilha conta com apenas
7 escolas municipais, localizadas nas comunidades de Botelho, Santana, Praia Grande,
Porto dos Cavalos e Bananeiras para a totalidade do público das 11 comunidades (BRASIL,
2019). Quase todas as escolas existentes na Ilha atendem apenas à Educação Infantil e
o Ensino Fundamental I (1º ao 5º anos). Quanto à oferta do ensino fundamental II (5º
ao 9º anos) é realizada somente na Escola Municipal de Ilha de Maré, situada em Praia
Grande, sendo que, para cursar o Ensino Médio, os alunos têm que se deslocar de barco
em uma viagem de 45 minutos até o bairro de Paripe, localizado na parte continental de
Salvador ou viajar também de barco até a cidade vizinha, Candeias. Um dos destaques
da experiência aqui narrada e analisada é o fato desse polo-piloto ser implantado na
Comunidade de Praia Grande, que pertence ao Território Quilombola da Ilha de Maré
– conjunto de comunidades que é reconhecido e certificado como Comunidades
Remanescente de Quilombos.
Falamos em destaque considerando que, historicamente, nas comunidades
quilombolas em todo território brasileiro, o déficit de escolas é expressivo e, quando se
faz presente, na maioria dos casos, sua estrutura e as condições de seu funcionamento
são muito precárias (CAMPOS; GALLINARI, 2017). Nas comunidades quilombolas, assim
como em toda a Ilha, o cenário não é diferente dos dados publicados pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), (2014), o qual revelou uma tendência
de abandono da educação escolar pelos moradores à medida que vão se aproximando
da idade adulta.
A pesquisa diagnosticou o perfil dos estudantes da Ilha de Maré de acordo com
a idade, que se comporta da seguinte forma: a proporção de crianças de 11 a 13 anos
frequentando os anos finais do ensino fundamental é de 77,44%; o percentual de jovens
de 15 a 17 anos com ensino fundamental completo é de 36,33%; e a proporção de
jovens de 18 a 20 anos com ensino médio completo é de apenas 15,13% (PNUD, 2014).
Essa realidade implica em consequências de diferente ordem e grandeza e sinaliza a
necessidade de estudos e ações de intervenção que não só discutam a profundidade
dos impactos negativos para os moradores dessas comunidades, mas que também
exponham e reivindiquem, com urgência, a necessidade de intervenções que sejam
reparadoras.
Este trabalho é um relato da experiência do projeto do pré-vestibular gratuito
- Universidade para Todos – (UPT), em Praia Grande - Ilha de Maré, o qual tem como
objetivo descrever como foi realizado o percurso e os resultados gerados no período de
2016 a 2018, analisando os desafios de sua implantação e o resultado do primeiro ano
da política de cotas no formato de sobrevagas quilombolas na UNEB.
Os dados apresentados têm como referência o desempenho dos cursistas nos
processos seletivos – vestibular da UNEB, correspondentes aos três anos do projeto no
polo. Para a turma que funcionou no ano de 2016, foi considerada a participação dos
cursistas no Vestibular 2017, sendo que para a turma de 2017 foi analisado o desempenho
no vestibular 2018 e, finalizando a avaliação, para a turma que funcionou no ano de
2018, o respectivo vestibular do ano de 2019. Objetivando a coleta de depoimentos
dos cursistas, que também serviram como dados para a discussão da experiência, foi
realizado um questionário com os representantes de cada turma, que responderam à
seguinte pergunta: qual a importância do projeto Universidade Para Todos para você e
sua comunidade?

O projeto Universidade para Todos


O Projeto Universidade para Todos, criado pelo governo do Estado da Bahia,
através do Decreto nº 9.149, de 23 de julho de 2004 e o Decreto nº 17.610, de 18 de
maio de 2017, é coordenado pela Secretaria da Educação e desenvolvido em parceria
com as Universidades Estaduais (UNEB, UEFS, UESB, UESC). É uma das ações da política
de ações afirmativas com vistas à reparação e inclusão social, do governo do Estado
da Bahia, direcionada a estudantes concluintes e egressos do ensino médio da rede
pública estadual, tendo como objetivo preparar os alunos para os processos seletivos de
acesso ao ensino superior. O curso possui formato presencial, com carga horária de 20
horas semanais, e aborda temas dos componentes: Português, Redação, Matemática,
Física, Química, Biologia, Literatura, Língua Estrangeira (Inglês ou Espanhol), História
e Geografia, tendo como objetivo reforçar, consolidar e aprofundar conhecimentos
adquiridos pelos alunos oriundos dos sistemas públicos de ensino durante a educação
básica escolar, mitigando o já conhecido e inquestionável déficit de oportunidade e
acesso ao conhecimento, fruto das condições precárias e inferiores que esse público
está exposto quando comparado com os estabelecimentos privados de ensino.
Com aulas regulares e projetos complementares de ensino como: seminários,
oficinas, simulados e orientação vocacional, os cursistas também recebem um material
didático-pedagógico específico, divididos em 4 módulos, além do fardamento e isenção
da taxa de inscrição em processo seletivo das universidades estaduais para aqueles que
apresentarem frequência igual ou superior a 75% das aulas ministradas no polo. Podem
participar do projeto quem já concluiu a formação básica escolar, sendo exigido como
pré-requisito que o aluno tenha cursado desde o primeiro ano do ensino fundamental
II até o último ano do ensino médio em escola pública; aquele que estiver matriculado
no 3º ano do Ensino Médio Regular estadual ou municipal ou suas modalidades
correspondentes; tenha cursado, em escola pública municipal e/ou estadual no Estado
da Bahia, o Ensino Fundamental II - 6º ao 9º ano ou modalidades correspondentes -
e 1ª e 2ª séries do Ensino Médio Regular ou modalidades correspondentes. Entre as
atividades complementares, os “aulões” apresentam um formato pedagógico que além
de aulas expositivas e resoluções de questões de vestibular promovem a integração dos
alunos de diferentes polos com momentos reservados para intervenções culturais que,
além de descontrair os cursistas, promovem um clima de confraternização, discutem
temas atuais que são possíveis candidatos a estarem na prova de redação.

2016 – A implantação
Em 2016, a partir de contato entre representantes das Comunidades
Quilombolas de Portos dos Cavalos e Bananeira em Ilha de Maré, junto à coordenação
geral do projeto UPT e reitoria da UNEB, foi deferido o pedido de criação de um polo
piloto em uma comunidade quilombola de Ilha de Maré. Após aprovação em processo
de seleção interna da UNEB, fui convidado para colaborar como gestor do polo, além de
integrar a comissão composta por representantes da Secretária Municipal de Reparação
(SEMUR), Secretaria Municipal da Educação do Salvador (SEC) e da Coordenação Geral
do Projeto UPT na UNEB, que iriam atuar no diagnóstico do local que correspondesse às
condições necessárias para a implantação e funcionamento do Projeto em Ilha de Maré.
Após parceria com a SEMUR e SEC, da prefeitura municipal de Salvador, ficou
estabelecido que o polo funcionasse na comunidade de Praia Grande que, assim como
Ponta Grossa, Martelo, Porto dos Cavalos e Bananeiras, integram o Território Quilombola
da Ilha de Maré – conjunto das comunidades da Ilha de Maré que é reconhecido e
certificado pela Fundação Palmares como Comunidades Remanescentes de Quilombos.
Com uma população de aproximadamente 2.000 habitantes, Praia Grande
representa 30% de todo contingente populacional da Ilha de Maré, e, consequentemente,
também é a comunidade com o maior número de pessoas que apresenta o perfil exigido
como pré-requisito para compor a turma do Pré-Vestibular. Possui escolas municipais,
associação de moradores e pescadores além dos únicos estaleiros e Posto de Unidade
de Saúde da Família (USF) da Ilha.
Em 2016, a comunidade havia acabado de receber a recém-construída
Escola Municipal Ilha de Maré, escola com uma excelente infraestrutura com
padrões modernos de arquitetura e acessibilidade e amplo espaço, medindo
um total de 9.450 m² de área, podendo atender a 700 alunos por turno. A
referida unidade escolar tem 14 salas de aula, refeitório, cantina, depósito de
merenda, auditório, lavanderia, laboratório de informática, sala de artes, salas da
secretaria, coordenação, professores e diretoria, bem como, depósito para material
didático, quadra poliesportiva, área de leitura, alojamento para os professores e parque
infantil, além de banheiros feminino e masculino. A obra foi promovida pela Prefeitura
do Salvador, por meio da Secretaria Municipal da Educação, com um investimento
aproximado de R$ 5 milhões.
Após um período de 15 dias de divulgação do projeto, foi iniciado o período
de matrícula dos interessados. Além da divulgação, foram realizadas rodas de conversa
com os moradores da comunidade, reforçando a importância da adesão do público ao
projeto, a fim de garantir não apenas a sua permanência, mas também a multiplicação
da experiência em outras comunidades da Ilha de Maré. Um dos desafios foi a descrença
por parte da população, questionando se um projeto como esse realmente seria uma
realidade na comunidade, em função de estarem desassistidos de necessidades que são
básicas, como, por exemplo, a oferta do ensino médio na Ilha. Concluímos as matrículas
com 64 cursistas, formando uma turma composta, em sua maioria, por jovens cuja
média de idade era 17 anos.
A obrigatoriedade para os jovens de atravessar a Ilha para estudar em bairros
do Subúrbio Ferroviário de Salvador dificulta para que eles sejam pontuais e regulares no
curso preparatório. A distância, o tempo e o cansaço eram desafios para os cursistas que,
mesmo estudando em turno oposto ao projeto que funciona pela tarde, considerando
que para estarem na escola às 07h30, no período matutino, eles têm que acordar por
volta das 05h30 para se arrumarem e realizar uma refeição, estar no píer no máximo às
06h30 para pegar a embarcação e fazer um trajeto de 45 minutos de travessia marítima,
até chegar ao terminal marítimo de Salvador e seguirem para a escola. Quando retornam
para a Ilha, cansados da maratona, já é início da tarde, o que acarreta em faltas e atrasos
no acompanhamento das aulas iniciais no turno vespertino (VIANA, 2018).
Foto 1 - imagens da escola e registros de aula da turma de 2016

Fonte: acervo do pesquisador.


A dinâmica do transporte também era, e ainda se constitui um desafio para
os professores que atuavam no Projeto, uma vez que ainda não existe transporte
público regular que faça o translado de Salvador ou Candeias para as comunidades
da Ilha.
Na maioria dos casos, a travessia é feita por pequenas embarcações com
lotação de até 20 pessoas, sem programação prévia de horários de funcionamento,
sendo que estas embarcações encerram o translado às 17 horas. Para os profissionais
da educação que moram em Salvador e atuam na Ilha, a prefeitura disponibiliza uma
lancha conhecida catamarã que faz a travessia saindo às 06h30 do bairro de São Tomé
de Paripe para as comunidades de Santana e Praia Grande, com retorno às 16h30 para
Salvador. As condições climáticas de vento e chuva também interferem na regularidade
do transporte na Ilha, acarretando, ocasionalmente, na suspensão temporária do serviço
de transporte.
Foram 64 alunos matriculados no curso, dos quais 55 mantiveram a frequência
no curso e foram inscritos no vestibular da UNEB na condição de alunos do Projeto, o que
isentava os mesmos de pagarem a taxa de inscrição do vestibular, que custava R$ 70,00.
Para o público do UPT, em Praia Grande, a isenção dessa taxa é um fator determinante
para prestarem a seleção do vestibular, em função de ser um público de baixa renda
que, na maioria dos casos, a única renda fixa familiar é o recurso disponibilizado pelo
programa social bolsa-família e o auxílio-defeso15, com valor equivalente ao salário
mínimo.
A parceria com a SEMUR foi decisiva para que os inscritos no vestibular
pudessem ter a garantia das condições necessárias para que os alunos se deslocassem
até as escolas em Salvador, onde seria aplicado o processo seletivo. A SEMUR
disponibilizou a contratação de um barco que fazia um roteiro pelas comunidades da
Ilha, onde moravam os cursistas, realizando a travessia da turma até o terminal marítimo
de São Tomé de Paripe, ao chegar ao terminal, um ônibus, também contratado pela
SEMUR, fazia o roteiro dos cursistas até os locais de prova. Além do transporte, de ida e
retorno, no dia do vestibular e nas datas em que acontecem os “aulões” de reforço do
Projeto na UNEB no Cabula, a SEMUR fornecia lanches para os todos cursistas presentes
nesses momentos.
Outro fator que demandou um trabalho especial foi a baixa autoestima dos
estudantes referente à capacidade de serem aprovados, sobretudo para os cursos mais
concorridos da UNEB, como o curso de Direito, por exemplo. Pensando no aspecto

15  Auxílio (feito pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS), que os pescadores artesanais e as marisqueiras
recebem durante o período de quatro meses que corresponde aos meses em que suas atividades são suspensas
por conta do período reprodutivo dos peixes e outras espécies marinhas.
motivacional dos cursistas, no período da inscrição no vestibular, fizemos palestras
específicas para orientar os cursistas quanto a sua vocação profissional, levando
profissionais, alguns que são egressos como alunos do próprio Projeto, os quais
dialogaram sobre as dificuldades que tiveram ao tentar ingressar na universidade e quais
estratégias adotaram para conseguir a aprovação.
No processo seletivo do vestibular para o ingresso na UNEB, em 2017, para os
cursistas do polo, havia apenas a opção de cotas de vagas para negros, no qual 40% do
quantitativo de vagas eram reservadas para os candidatos que são e se autodeclarem
negros e que tenham estudado todo ciclo do ensino fundamental II e do ensino médio
em escola pública e tenha renda bruta familiar em até 04 salários mínimos. Dos 55 que
se inscreveram no vestibular, 42 compareceram para fazer a prova, 13 faltaram, 39 não
tiveram pontuação suficiente para se classificarem dentro do número de vagas e 03
foram aprovados.
Entre os aprovados, estava Renato, de 29 anos, líder comunitário que ocupava
o cargo voluntário de diretor-tesoureiro no Instituto de Pesca Artesanal (IPA). Além de
ser um dos responsáveis pela efetivação do Projeto na comunidade, estava sempre
envolvido com as demandas do funcionamento do curso, também de modo voluntário.
Na contramão da maioria, Renato conseguiu conciliar o trabalho de apoio ao
Projeto com a participação como cursista nas aulas, sendo aprovado no vestibular para
cursar na UNEB a licenciatura em Ciências Sociais, atualmente cursando o 5º semestre.
Ele continua envolvido com o desenvolvimento do UPT no polo e compõe a coordenação
da Casa do Estudante Quilombola de Ilha de Maré16, que é mais uma das conquistas
dessa turma de 2016, que o projeto proporcionou em mais uma parceria com a SEMUR.
Para Haiala, manicure e aluna do projeto na turma de 2016, aprovada em 2ª
lugar no vestibular da UNEB, em 2017, para cursar enfermagem, a casa facilitou sua
permanência e a regularidade nas aulas. Inicialmente ela teve que dividir uma casa
alugada junto com a irmã na região da Suburbana, que fica distante do bairro do Cabula,
onde está localizada a UNEB. “Passei a dividir aluguel com minha irmã, mas ainda assim
era difícil por ser longe e ter que pegar dois ônibus até a universidade”, comemorou a

16  Inaugurada em 2018, a casa fica localizada na Rua Doutor Otaviano Pimenta, no bairro de Matatu de Brotas
sendo destinada aos estudantes quilombolas de Ilha de Maré que estejam matriculados em cursos de graduação
em universidades públicas. Possui capacidade para 30 pessoas, com infraestrutura e mobiliário adequado para a
convivência dos estudantes, além de sala de estudo com equipamentos de informática.
estudante. A relação dos aprovados da turma de 2016, todos para a UNEB – Campus
Salvador, encerrou-se com a convocação de Nayara para cursar Administração.
A tabela abaixo apresenta os resultados gerais da turma, que encerrou seu ciclo
de atividades em dezembro de 2016.
Tabela 1 - Resultados gerais da turma
RESULTADO DO VESTIBULAR DA UNEB -
POLO UPT PRAIA GRANDE/ILHA DE MARÉ - ANO: 2017
POLO: PRAIA GRANDE ILHA DE MARÉ
ALUNO CURSO MÉTODO DE ENTRADA CATEGORIA
Haiala Carvalho do Enfermagem - Vestibular – Uneb: I
Cotista negro
Espirito Santo bacharel Semestre
Nayara Do Administração - Vestibular – Uneb: I
Cotista negro
Nascimento Neves bacharel Semestre
Renato das Neves Ciências sociais - Vestibular – Uneb: I
Cotista negro
Paulo licenciatura Semestre
TOTAL DE INSCRITOS: 55 FALTOSOS: 13  REPROVADOS: 39 APROVADOS: 03 (03/39: 7%)

Fonte: Dados organizados pelo autor

2017 – Da multiplicação do polo à baixa adesão ao vestibular


Após o resultado da implantação e do funcionamento do Projeto na
comunidade de Praia Grande, a Coordenação Geral do UPT/UNEB submeteu à Secretaria
de Educação e Cultura (SEC/BA) a proposta de criação de mais um polo na Ilha de Maré,
na Comunidade Quilombola de Porto dos Cavalos. Assim, em junho de 2017, ambos os
polos iniciaram suas atividades com a preparação dos cursistas para a seleção do Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM) e do vestibular/2018 da UNEB.
2017 foi um ano desafiador para a turma do Polo de Praia Grande, pois apesar
dos 52 alunos, inicialmente matriculados no curso, o índice de evasão foi alto, somente
26 se inscreveram para prestar a seleção do vestibular, sendo que, dos 12 presentes
no dia da prova, nenhum obteve pontuação suficiente para ser convocado como
aprovado. Um dos fatores que interferiu nesse quadro foi à saída de Renato da turma
em função do início de seu curso na UNEB, sempre foi muito perceptível a influência
positiva motivacional que ele cultivava com os alunos da turma. A perda temporária da
referência presencial de Renato, assim como a saída de Alessandra – jovem engajada com
a comunidade que atuou oficialmente pelo Projeto como apoio da turma, resolvendo e
encaminhando as questões que surgiam durante o desenrolar do curso, foi sentida por
alguns jovens que foram vencidos pelo desânimo

2018 – A resiliência e os frutos da política de cotas


para quilombolas na UNEB
Após o afastamento do projeto no ano anterior, retornei para o polo em
2018 para assumir, assim como em 2016, a função de gestor do polo de Praia Grande.
O cenário era mais desafiador do que o primeiro ano de implantação do projeto.
A ausência de aprovados no ano anterior resultou em uma baixa procura dos jovens
para se matricularem na nova turma. Realizamos uma reunião com as lideranças da
comunidade e decidimos por fazer uma abordagem diferente. Começamos a fazer a
divulgação de porta em porta em toda a comunidade de Praia Grande com as famílias
dos possíveis cursistas.
Em julho de 2018, a UNEB, através da portaria nº 1.339/2018, aprovada
pelo seu Conselho Universitário (CONSU) institui a reserva de 5% das vagas dos cursos
ofertados no vestibular no formato de sobrevagas para candidatos quilombolas que
residem em comunidades que são certificadas pela Fundação Palmares. A criação da
reserva de sobrevagas foi um dos fatores que colaborou para o trabalho motivacional
com a comunidade a fim de incentivarem os jovens a comporem a turma do Projeto em
2018.
Ainda assim, o número de matriculados foi inferior em relação aos dois anos
anteriores. Apenas 38 jovens se matricularam para o curso, sendo 36 inscritos para o
vestibular 2019 da UNEB. Com a colaboração dos professores que atuavam no Projeto
desde o ano inicial, conseguimos conduzir a turma a fim de que o número de inscritos no
vestibular fosse o mais próximo possível do número de matriculados.
O retorno da presença de Alessandra como cursista da turma e a presença
constante de Renato foram fatores que somaram com o fortalecimento da credibilidade
do projeto e da autoestima da turma. Durante o período de inscrição, montamos um
posto de atendimento na própria casa de Renato, objetivando orientar na escolha dos
cursos e na inserção dos dados no sistema de inscrição do vestibular.
Os resultados positivos do trabalho de acompanhamento e orientação dos
cursistas eram traduzidos no comprometimento da turma nas aulas no polo e nos
“aulões” que aconteceram na UNEB. A foto II, abaixo, é um registro do último “aulão” de
reforço antes da realização da prova do vestibular e retrata o clima de alegria, confiança
e pertencimento ao Projeto que a turma aos poucos foi manifestando novamente.
Foto 2 - Último “aulão” de reforço antes do vestibular

Fonte: Acervo do pesquisador.


Naquele momento, já sabíamos que não estávamos mais lutando apenas pela
aprovação dos alunos para o vestibular do ano de 2019, mas buscando garantir a própria
permanência do Projeto naquela comunidade, considerando que o baixo número de
adesão no período de matrícula, assim como a ausência de resultados no ano anterior,
colocavam o projeto em uma condição de vulnerabilidade quanto à sua continuidade
para os anos seguintes.
Após a realização da prova era notável a expectativa de toda comunidade
quanto ao possível resultado do vestibular 2019, o primeiro em que as sobrevagas
quilombolas foram incluídas no processo seletivo da UNEB. Enfim, tivemos a divulgação
do resultado e a surpreendente notícia da aprovação de 18 jovens quilombolas, somente
no polo de Praia Grande, acontecimento que movimentou e irradiou toda a Ilha de Maré,
uma realidade até então inesperada nos lares e na vida desses jovens quilombolas.
A aprovação aconteceu para diferentes cursos de graduação, incluindo os
cursos mais disputados como, por exemplo, a aprovação do jovem Diney, de 19 anos,
auxiliar de serviços gerais da escola onde funciona o Projeto, em 1º lugar para cursar
Direito na UNEB, em Salvador. O quadro II, abaixo, detalha o resultado do vestibular da
turma de 2018 do polo Praia Grande – Ilha de Maré.
Tabela 2- Resultado do vestibular da UNEB -
polo UPT Praia Grande/Ilha de Maré - ano: 2019
RESULTADO DO VESTIBULAR DA UNEB
POLO UPT PRAIA GRANDE/ILHA DE MARÉ - ANO: 2019
POLO: PRAIA GRANDE ILHA DE MARÉ
ALUNO CURSO MÉTODO DE ENTRADA CATEGORIA
Alessandra Silva das Relações Públicas - Vestibular - Uneb II Sobrevagas
Neves Bacharel Semestre Quilombolas
Vestibular – Uneb: I Sobrevagas
Diney Ferreira Duarte Direito - Bacharel
Semestre Quilombolas
Fabricia das Neves Administração - Vestibular - Uneb II Sobrevagas
Conceição Bacharel Semestre Quilombolas
Vestibular - Uneb I
Iris Bomfim dos Sobrevagas
Psicologia - Bacharel Semestre
Santos Quilombolas
- Eliminada
Jorlei Neves de Vestibular – Uneb: I Sobrevagas
Física - Licenciatura
Carvalho Semestre Quilombolas
Jorlei Neves de Engenharia de Vestibular - Uneb II Sobrevagas
Carvalho Produção Civil Semestre Quilombolas
Vestibular - Uneb I Sobrevagas
Josue de Paulo Neves Psicologia - Bacharel
Semestre Quilombolas
Ciências Sociais - Vestibular - Uneb I Sobrevagas
Josue de Paulo Neves
Bacharel Semestre Quilombolas
Leticia Carvalho das Vestibular - Uneb I Sobrevagas
Nutrição - Bacharel
Neves Semestre Quilombolas
Nadiele Santos de Vestibular - Uneb I Sobrevagas
Psicologia - Bacharel
Moraes Semestre Quilombolas
Neila Maria de Vestibular - Uneb II Sobrevagas
Farmácia - Bacharel
Carvalho Duarte Semestre Quilombolas
Fonoaudiologia - Vestibular - Uneb II Sobrevagas
Ster Farias Ferreira
Bacharel Semestre Quilombolas
Tailane das Neves Enfermagem - Vestibular - Uneb II Sobrevagas
Lopes Bacharel Semestre Quilombolas
Toniedson das Neves Pedagogia - Vestibular - Uneb II Sobrevagas
De Souza Licenciatura Semestre Quilombolas
Willian das Neves Administração - Vestibular - Uneb II Sobrevagas
Moraes Bacharel Semestre Quilombolas
Willian das Neves Urbanismo - Vestibular - Uneb II Sobrevagas
Puridade Bacharel Semestre Quilombolas
Zilmara Lopes das Pedagogia - Vestibular - Uneb I Sobrevagas
Neves Licenciatura Semestre Quilombolas
Zilmara Lopes das Pedagogia - Vestibular - Uneb II Sobrevagas
Neves Licenciatura Semestre Quilombolas

TOTAL: 36  FALTOSOS: 11 REPROVADOS: 10 ELIMINADOS: 01

APROVAÇÃO TEÓRICA: 18 (3 candidatos aprovados em 6 cursos diferentes 1° E 2° OPÇÃO)


APROVAÇÃO REAL: 15
PERCENTUAL TEÓRICO DE APROVADOS: 18/25: 72%
PERCENTUAL REAL DE APROVADOS: 15/25: 60%
Fonte: Dados organizados pelo autor
Logo, os jovens da turma entraram na “onda” da tecnologia e das redes sociais
para compartilhar memes, conforme a foto 3, abaixo, que demonstraram que a “ficha
ainda não tinha caído” para quem estava diante da materialização de um sonho de vida
que ultrapassa as perspectivas de formação profissional.
Foto 7 - Memes compartilhados pelos educandos em redes sociais

Fonte: Acervo do pesquisador


Ocupar o devido espaço na universidade pública é instrumento de
empoderamento e uma ferramenta que vai auxiliá-los na compreensão do seu lugar na
sociedade brasileira e na militância pela garantia de seus direitos como cidadãos filhos
de Comunidades Remanescentes de Quilombos, que trazem na sua história a marca da
luta e da resistência pelo direito à existência e preservação da sua cosmovisão da vida e
da sua forma de organização como comunidades tradicionais.
Mas o resultado também revelou algumas questões envolvendo o
reconhecimento da comunidade como quilombola e a certificação concedida pela
Fundação Palmares, questões que ainda se fazem presente na Ilha. Iris, aluna do polo
do Projeto em Praia Grande é moradora da comunidade de Santana e foi aprovada em
1º lugar para cursar Psicologia, mas que ficou impedida de ocupar a vaga porque sua
comunidade não possui o certificado emitido pela citada Fundação como Comunidade
Remanescente de Quilombo, fato que não era do conhecimento dela, assim como
também era desconhecido para muitos moradores daquela comunidade. A vaga fora
ocupada por outra aluna do Projeto, classificada em 2º lugar para a mesma vaga por ser
residente na comunidade de Praia Grande, a qual possui a respectiva certificação.
Entre os selecionados dessa turma, temos a presença marcante da jovem
Alessandra, que atuou como monitora de apoio no primeiro ano do projeto, agora
aprovada para o curso de bacharel em Relações Públicas. Para a mesma, o projeto
viabilizou a realização de um sonho antigo, assim como nutriu nos demais moradores
da Ilha de Maré a confiança de que, quando as oportunidades são ofertadas de maneira
equânime, o sujeito revela sua capacidade e converte seu potencial em resultados
concretos, conforme podemos notar no relato abaixo:
Costumo dizer que a chegada do UPT na minha vida foi uma resposta que
o universo mandou de um sonho antigo que já havia buscado. Participar
da história de implantação do UPT foi uma realização pessoal de extrema
importância para mim mulher, jovem, negra, quilombola e filha de
pescadores. Hoje tenho argumentos concretos para incentivar os jovens da
minha comunidade de que é possível seguir lutando e que podemos ser o
que quisermos e que também temos o dever de fiscalizar e cobrar a garantia
de que outros jovens possam acessar as universidades públicas através das
cotas (ALESSANDRA, participante do UPT).

Falando sobre estudos que discutem a atuação e a importância do projeto UPT,


destacamos o de Teixeira (2018), que analisou o projeto Universidade Para Todos, a partir
do levantamento de dados bibliográficos publicados sobre o UPT durante o período de
2004 até o ano de 2018, diagnosticando um total de seis trabalhos: três dissertações
de mestrado, dois artigos apresentados em congressos e um artigo publicado em
revista. A autora considera que as contribuições do Projeto se dão além da aprovação
de estudantes de escolas públicas no ensino superior, pois também corrobora para a
formação de professores, para elevação da autoestima e para que os estudantes sejam
se entendam enquanto cidadãos.
Teixeira conclui que, a existência do Projeto enquanto uma ação do Estado da
Bahia acusa as deficiências do ensino médio no sistema público de ensino, e contribui
para que os estudantes de camadas populares possam concorrer de forma menos
desigual no ENEM e nos exames vestibulares em busca do direito à continuidade aos
estudos na educação superior. Todavia, a mesma frisa que o projeto, mesmo com sua
contribuição significativa para o público pensado, não oferece os subsídios suficientes
para que as deficiências, que esse público alvo enfrenta, possam ser corrigidas em sua
totalidade.

Considerações finais carregadas de esperança e desafios


A experiência do Projeto Universidade para Todos na comunidade quilombola
de Praia Grande Ilha de Maré é um demonstrativo do potencial de reparação social das
políticas de ações afirmativas para os grupos sociais que historicamente foram e são
discriminados, de tal forma que sua representação em diferentes setores da sociedade,
como é o caso da presença desses grupos nas universidades, é visível, comprovadamente
inferior e desproporcional ao número de indivíduos desses grupos na composição da
sociedade, como ocorre com a população negra, indígena e quilombola.
Essa discussão, embora objetivamente busque publicizar os passos da
construção e os respectivos resultados do Projeto UPT – Praia Grande, também expõe e
denuncia a falta de assistência por parte do poder público a um serviço essencial que é o
direito à educação pública, gratuita e acessível, serviço indispensável para a emancipação
do indivíduo e, no caso das Comunidades Remanescentes de Quilombos, que possuem
trajetórias histórica e cosmovisão específicas, o fortalecimento de sua identidade étnica-
racial.
Os resultados imediatos são promissores para a busca de superação de
desigualdades sociais, nesse caso, caracterizada pelo acesso à formação cidadã
e profissional através do ensino superior, além de referenciar a necessidade de
fortalecimento do Projeto por meio de ações e atividades que ampliem seu campo
de alcance para as demais comunidades da Ilha de Maré. Visando a garantia da
permanência desses jovens, inicialmente no projeto através da redução do índice de
evasão e, posteriormente na universidade, como é o exemplo da casa do estudante
quilombola da Ilha de Maré e o serviço de transporte para os cursistas que são
ofertados pela SEMUR.

Referências
BAHIA. Secretaria de Educação do Estado da Bahia. Governo do Estado da Bahia.
Universidade para Todos - UPT. 2019. Disponível em: <http://institucional.
educacao.ba.gov.br/universidadeparatodos>. Acesso em: 02 jun. 2019.
BRASIL. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA. (Org.). IBGE -
informações Salvador. 2019. https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ba/salvador/
panorama. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br. Acesso em: 05 set. 2019.
CAMPOS, Margarida Cássia; GALLINARI, Tainara Sussai. A educação escolar
quilombola e as escolas quilombolas no Brasil. Revista Nera, Presidente Prudente,
v. 35, n. 20, p.199-217, abr. 2017. Quadrimestral. Disponível em: <http://revista.
fct.unesp.br/index.php/nera/issue/view/302>. Acesso em: 10 set. 2018.
ESCUDERO S.V. Urbanização (In)sustentável em Ilha de Maré: Estudo de Caso da vila de
Santana. 2011. Disponível em: http://www.costeiros.ufba.br/Semin%C3%A1rio/
eixo%202.htm>. Acesso em: 18/9/2018
FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES (Brasil). Cadastro Geral de Informações
Quilombolas. 2018. Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/?p=52905>.
Acesso em: 19 fev. 2019.
PNUD. Atlas de Desenvolvimento Humano do Brasil. Ilha de Maré Salvador BA
RM Salvador. Disponível em: http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil_
udh/25711 Acesso em 18 de set. de 2018.
TEIXEIRA, Rosa Helena Ribeiro. O PROGRAMA UNIVERSIDADE PARA TODOS (UPT):
aproximações com o cursinho pré-enem do Governo do Estado da Bahia (2004-2018).
2018. 76 f. TCC (Graduação) - Curso de Pedagogia, Universidade Federal da
Bahia, Salvador, 2018. Disponível em: < https://repositorio.ufba.br/ri/handle/
ri/28772 >. Acesso em: 05 ago. 2019.
VIANA, Anderson Souza; CARVALHO, Luzeni Ferraz de Oliveira. O protagonismo
dos povos do campo: as jornadas de agroecologia da Bahia como espaço de articulação
e resistência – uma análise da quinta edição. Opará: Etnicidades, Movimentos Sociais e
Educação, Paulo Afonso, v. 5, n. 7, p.1-18, 2017.
VIANA, A. S.; PAULO, R. N. D. Projeto Universidade Para Todos UPT – UNEB: A experiência
da primeira turma da comunidade Praia Grande, Ilha de Maré.. In: Encontro Baiano
de Educação do Campo, 2018, Salvador. Anais do II Encontro Baiano de Educação Do
Campo: Ataques do Conservadorismo e Experiências Contra-Hegemônicas - v. 2, n. 1,
2018.
Práticas educativas desenvolvidas nas comunidades camponesas
pelos estudantes das Escolas Família Agrícolas
Gilmar dos Santos Andrade

Resumo
As Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) têm 90 anos de história. No Brasil,
as EFAs estão completando 50 anos de uma educação pautada na Pedagogia da
Alternância, experiência educativa que articula tempos e espaços formativos com um
projeto de campo. São instituições educativas que contribuem para formar sujeitos
comprometidos com a transformação da realidade, em que estão inseridos. Das
bases constitutivas da Pedagogia da Alternância e das escolas famílias encontram-se
a intrínseca relação entre escola, família/comunidade. Entre os fatores determinantes
para o processo de ensino e aprendizagem dos estudantes da EFAs, destacam-se os
instrumentos pedagógicos, os quais são estratégias pedagógicas desenvolvidas pelas
EFAs. Este trabalho tem o objetivo de apresentar um destes instrumentos pedagógicos
denominado de Atividade de Retorno (AR) e como as atividades decorrentes
contribuem para a formação técnica, política e organizativa das comunidades
camponesas. Em um primeiro momento as AR são recursos formativos das EFAs que
buscam fazer com que os estudantes possam compreender a realidade concreta das
comunidades e a partir daí, realizar trabalho produtivo desinteressado, isto é, não
imediatamente profissionalizante, contudo, as AR também têm sido valiosos espaços
de formação política e de construção e divulgação de tecnologias que possibilitam a
transição agroecológica nos agroecossistemas familiares.
Palavras Chave: Pedagogia da Alternância. Instrumentos Pedagógicos. Atividade de
Retorno. Educação do Campo.

Introdução
As Escolas Famílias Agrícolas (EFAs), são instituições educacionais e de
desenvolvimento comunitário, com trajetória de quase 90 anos; encontram-se presente
em mais de 40 países, distribuídos em todos os continentes. A primeira experiência no
Brasil teve início no Espírito Santo, no fim da década de 1960, e rapidamente se espalhou
para outros estados, deste então, tem se consolidado como referência na Educação do
Campo.
Quando nos reportamos às EFAs, de imediato nos remete à Pedagogia da
Alternância, ou seja, a forma de organização do ensino e da aprendizagem, em que
o estudante permanece um tempo na escola, um tempo na família ou em atividades
didaticamente apropriadas fora da escola (NOSELA, 2013), ou seja, a dinâmica de dois
momentos formativos, em que o estudante permanece um período na escola e o outro
no meio socioprofissional. Estes tempos são conhecidos por Tempo Escola (TE) e Tempo
Comunidade (TC).
A identificação de EFA com a Pedagogia da Alternância se deve ao fato das
escolas famílias terem aperfeiçoado essa prática pedagógica, em grande parte, devido
à construção de um conjunto de estratégias metodológicas denominados como
Instrumentos Pedagógicos. Se de um lado a Pedagogia da Alternância continua sendo
uma novidade histórica para as escolas do campo, de outro já é uma realidade presente
em diversos cursos de nível superior, principalmente vinculados ao Programa Nacional
de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) e às Licenciaturas em Educação do Campo
(LECAMPO).
Dentre as características que identificam as EFAs estão: a metodologia
pautada no princípio da Alternância; uma Associação responsável pelos diversos
aspectos: econômicos, jurídicos, de gestão, etc.; a educação e a formação integral e o
desenvolvimento do meio, através da formação de seus próprios atores (CALVÓ, 1999).
Nesse sentido, para os estudantes que procuram as EFAs, buscam num nível imediato
e superficial de consciência e em curto prazo, garantir uma profissão rentável, mas, em
profundidade, buscam o conhecimento que historicamente lhe foi negado (NOSELLA,
2013), já para as famílias e comunidades camponesas, as EFAs são organizações
comprometidas com a melhoria das condições de vida.
Das diversas possibilidades de abordar a experiência desenvolvida pelas
EFAs, o presente trabalho pretende discorrer sobre as atividades desenvolvidas, pelos
estudantes das EFAs, no acompanhamento às comunidades camponesas, a partir do
instrumento pedagógico denominado de Atividade de Retorno (AR), e como essas
atividades contribuem para a formação técnica, política e organizativas das comunidades.
Na primeira parte do trabalho, apresentamos as condições históricas que
possibilitaram o surgimento da Pedagogia da Alternância e das Escolas Famílias Agrícolas,
inicialmente na França e posteriormente no Brasil. Na segunda parte, destacamos a
Alternância enquanto proposta metodológica aperfeiçoada pelas EFAs, que por sua
importância no processo formativo, vem sendo utilizada em diversos cursos de ensino
superior. E, por último, apresentamos e analisamos as Atividades de Retorno realizadas
pelos estudantes das EFAs e sua contribuição nos processos formativos dos camponeses
e do desenvolvimento comunitário.

Uma aproximação, a história da Pedagogia da Alternância e


das Escolas Famílias Agrícolas
A história da Pedagogia da Alternância não tem sua origem com as EFAs,
entretanto, as atuais bases constitutivas desta metodologia estão vinculadas à
construção de uma proposta de educação inovadora, realizada pelos Centros Familiares
de Formação por Alternância - CEFFAs17. Apesar de existirem diversas correntes
pedagógicas que orientam ou influenciam as EFAs e, consequentemente, o entendimento
sobre Pedagogia da Alternância, concordamos com a definição de Gimonet (1999, p. 44)
em que compreende a Alternância de tempo e espaço de formação enquanto “uma
maneira de aprender, de se formar, associando teoria e prática, ação e reflexão”. Essa
definição, se aproxima do que Freire (2005) chama de ‘quefazer’, enquanto teoria e
prática, reflexão e ação, “a dialetização permanência-mudança e que torna o processo
educativo ‘durável’” (FREIRE, 1983, p. 55).
A Pedagogia da Alternância é uma forma de aprender pela vida, partindo da
própria vida cotidiana dos sujeitos em seu contexto social, econômico, cultural, político
e ideológico, mediado por práticas e instrumentos pedagógicos. O ponto de partida
é também de chegada, enquanto práxis transformadora, tanto do sujeito como da
realidade.
A compreensão ou noção sobre Pedagogia da Alternância encontra-
se diretamente ligada às Escolas Famílias Agrícolas (EFAs). As EFAs são entidades
educacionais e de desenvolvimento comunitário existentes no mundo há quase 90 anos
e estão presentes em mais de 40 países em todos os continentes (BEGNAMI, 2011).
A história das EFAs, nos remete a França da década de 1930, quando um grupo de

17  De acordo com Begnami (2003, p. 104), a utilização da sigla CEFFA (Centro Familiar de Formação por
Alternância) “é uma convenção acordada entre a União Nacional das Escolas família-Agrícola do Brasil – UNEFAB,
Associação das Casas Familiares Rurais - ARCAFAR e o PROJOVEM. Este nome tem sido utilizado em comunicações,
audiências com autoridades e documentos comuns, apresentados a órgãos públicos pelas diversas instituições
que utilizam a Pedagogia da Alternância no Brasil. Na verdade, o Brasil comporta uma série de experiências com
denominações variadas, quais sejam: Escola Família Agrícola (EFA), Casa Familiar Rural (CFR), Escolas Comunitárias
Rurais (ECOR), Escola Familiar Rural e Projovem”. A partir de agora ao utilizarmos Pedagogia da Alternância em
referência as Escolas Famílias Agrícolas não usaremos o termo CEFFA. Isso porque não é objeto desse trabalho
investigar as características especifica dessas experiências.
camponeses e suas organizações criam a primeira experiência dessa escola, a “Maison
Familiale Rurale” (MFR), ou Casa Familiar Rural, à qual passou a utilizar uma metodologia
de organização do ensino e aprendizagem que passaria a ser conhecida como Pedagogia
da Alternância.
No período de surgimento das EFAs na Europa, a França, assim como na maioria
dos países do continente europeu, encontravam-se em um clima de antagonismo
político e ideológico. De um lado havia um crescimento do nazifascismo, em espacial
na Alemanha, Itália e Espanha, do outro havia o pensamento socialista, nacionalista e
social cristão18 que disputam setores da sociedade. No campo francês muitas lideranças
e organizações camponesas eram influenciadas pelo pensamento social e às propostas
da democracia cristã (BEGNAMI, 2003). Para a criação das primeiras EFAs e estruturação
desse movimento houve a contribuição de setores progressistas da Igreja Católica.
Essa influência da igreja, é também determinante no surgimento da EFAs no Brasil, no
período entre 1960 e 1970.
As EFAs surgem no Brasil no auge da ditadura civil militar, segunda metade
da década de 60, no estado do Espírito Santo. O país encontrava-se no auge do
“milagre econômico”, o que servia também como cortina de fumaça para o período
mais repressivo da história do país, os Anos de Chumbo19. No campo brasileiro as
organizações camponesas são reprimidas e abre espaço para o avanço do capitalismo.
Em contraponto à Reforma Agrária, o governo adota a “modernização da agricultura”, a
difusão da chamada revolução verde, ou seja, “acepção prática da utilização do pacote
tecnológico; máquinas, insumos químicos, sementes melhoradas” (ALANTEJANO, 2012,
p. 478), impulsionada pelas multinacionais e pelo capital financeiro.
Se o contexto político do país é adverso ao surgimento das EFAs, no campo
educacional havia muitas experiências de Educação Popular e das Comunidades Eclesiais
de Base (CEBs), que vão fortalecer as experiências das EFAs no Brasil e criar as condições
para a ampliação para outros estados do país.

18   Em 1891, o papa Leão XIII (1878-1903), sensibilizado pela “condição dos operários” lança a encíclica Rerum
Novarum. Com esse documento a Igreja Católica Apostólica Romana – ICAR assume a questão social. Nesse
momento a questão agrária e a situação dos camponeses não constitui a preocupação principal da Igreja. Pouco
depois o papa Pio XI (1922-1939), com a encíclica social Quadragesimo anno, contribui para o surgimento da Ação
Católica Geral e na sequência com a Ação Católica Especializada. Esse é um período que a ação da Igreja vai de
encontro à situação dos camponeses (PJR, 2012, p. 5-6).
19  Designação dada ao período correspondente a adição do AI 5 em dezembro de 1968, ao fim do mandato do
ditador Médici em 1974. É o período de maior repreensão as organizações e pessoas opositoras ao regime.
Por muitos anos as EFAs foram às experiências mais bem sucedidas de Educação
do Campo no país e em muitos lugares as únicas. Essas experiências foram pioneiras e
ao mesmo tempo um movimento de resistência à educação urbanocêntrica implantada
no campo. As oligarquias propuseram e implantaram uma educação rural ancorada nos
valores e conteúdos próprios da cidade, em detrimento das especificidades da vida e do
trabalho exercida pelas famílias no campo (KOLLING, CERIOLI, CALDART, 2002).
Em um movimento de contra-hegemonia, as organizações, entidades e
movimentos sociais de luta pela terra, nos últimos 20 anos, veem alargando a luta e
construindo uma prática e concepção de educação, que emerge das contradições da
realidade vivida no campo, no enfrentamento à questão agrária e pela consolidação da
educação como um direito fundamental dos povos do campo e um dever do Estado
(SILVA, ANDRADE, LIMA, 2018), assim a Educação do Campo nasce como ação educativa
desenvolvida junto às populações do campo, que se fundamentam em práticas sociais
constitutivas dessas populações, de seus conhecimentos, habilidades, sentimentos,
valores, modo de ser, de viver e de produzir formas de compartilhar a vida (BRASIL, 2002),
numa perspectiva emancipadora. Nesse sentido, o movimento por uma Educação do
Campo é uma continuidade da concepção pedagógica das EFAs, com a devida ressalva,
de que o atual movimento por uma Educação do Campo possui, devido o protagonismo
dos movimentos sociais e o atual contexto histórico que emerge essa proposta, uma
articulação com um projeto de sociedade.

Alternância: das Escolas Famílias Agrícolas às


universidades: uma proposta em construção
A Alternância, enquanto proposta metodológica, não é propriedade das EFAs
e tão pouco às únicas entidades a utilizarem, contudo, há sempre uma associação entre
EFAs e Pedagogia da Alternância. É verdade que, atualmente temos várias experiências
de cursos de Educação do Campo, sejam criados pelo PRONERA (Programa Nacional
de Educação na Reforma Agrária) ou pelo PROCAMPO (Programa de Apoio à Formação
Superior em Licenciatura em Educação do Campo), promovido por movimentos sociais
e/ou por universidades e institutos federais, que fazem uso da Pedagogia da Alternância
ou Regime de Alternância20.

20  Determinadas instituições preferem utilizar o termo Regime da Alternância para diferenciar da Pedagogia da
Alternância desenvolvida e utilizada pelas EFAs.
A utilização da Alternância em cursos promovidos por outras instituições, além
das EFAs é uma novidade pedagógica que deve ser vista, pelo movimento das EFAs,
como uma oportunidade de ampliar e divulgar essa metodologia de ensino, o que pode
contribuir para dá maior visibilidade política às EFAs, já que nestes quase 50 anos no
Brasil, não gozam do devido reconhecimento pelos sujeitos envolvidos com a educação
e menos ainda com o Estado. Uma segunda possibilidade, quanto à disseminação da
Alternância, é seu aperfeiçoamento. As EFAs desenvolveram uma metodologia com
características próprias: instrumentos pedagógicos, atividades, material didático,
procedimento etc. (CALVÓ; GIMONET, 2013), que se adequa a organização temporal
e espacial do ensino-aprendizagem às realidades especificas dos diversos sistemas de
alternância21 das EFAs, o que certamente precisará de aperfeiçoamento para outras
dinâmicas, como os cursos de nível superior.
Pelo menos uma ressalva se faz necessário quanto à modalidade e a forma
como determinadas Instituições de Ensino Superior utilizam a Pedagogia da Alternância
em seus cursos. O processo de acompanhamento dos estudantes no tempo comunidade
e sua implicação no processo formativo.
Para que a Alternância possa de fato cumprir a função pedagógica, em cursos
de graduação, é determinante estratégias de articulação dos conteúdos trabalhados nas
disciplinas durante o tempo universidade com as ações e atividades desenvolvidas no
tempo comunidade pelos estudantes e também mecanismos de acompanhamento aos
estudantes. A ausência de relação entre a formação acadêmica e as atividades práticas
é o que Malglaive (1979) apud Calvó, Gimonet (2013) chama de falsa alternância. As
comunidades, acampamentos, assentamentos, comunidades tradicionais, não devem
ser consideradas como um simples objeto de pesquisa e estudo, mas base, ponto de
partida, para o desenvolvimento do ensino na academia. Da mesma forma, a Alternância
não pode ser utilizada para reduzir custo das universidades, via encurtamento do tempo
universidade e a consequência precarização do ensino público, principalmente, para
aqueles que mais precisam de acesso à universidade e que compõe a maioria desses
cursos, a juventude camponesa mais pobre.

21  Há dois principais tipos de período de Alternância com internato. Alternância de 15 dias no Tempo Escola
(TE) e 15 no Tempo Comunidade (TC) e Alternância de 8 tanto no TE como TC. Determinadas EFAs, em especial no
Espírito Santo, tem a modalidade de Alternância sem internato, nesse formato aos estudantes permanece com o
dia na EFA e retornam as famílias durante a noite. Um elemento que define essa modalidade sem internato é que
são EFAs que atendem estudantes de comunidades próximas, possível de se deslocarem diariamente.
A Pedagogia da Alternância, não é e nem deve ser exclusividade das EFAs, tão
pouco as únicas entidades que podem fazer uso com competência dessa metodologia de
ensino, o que defendemos é que todas as propostas construídas pela classe trabalhadora
possam ser utilizadas a favor do projeto de classe e às formas de deturpação, que a classe
hegemônica faz, precisam ser enfrentadas. Quando tudo for Pedagogia da Alternância,
não o será.

As Atividades de Retorno realizadas pelos estudantes das EFAs e


sua contribuição nos processos formativos dos camponeses e do
desenvolvimento comunitário
Ao longo desses quase 50 anos de EFAs no Brasil, a Pedagogia da Alternância foi
sendo aperfeiçoada. Existem diversas experiências de Escolas Famílias Agrícolas que, a
partir da realidade específica, foram construindo itinerários formativos e instrumentos de
acompanhamento. Esses processos e práticas pedagógicas foram sendo sistematizadas
e passaram a compor as bases constitutivas da Pedagogia da Alternância, ou seja, os
instrumentos pedagógicos.
Não há uma homogeneidade quanto ao uso e a forma dessas estratégias
pedagógicas nas EFAs, entretanto, a maioria das EFAs tem por base, para por em ação
o Plano de Formação, os seguintes instrumentos pedagógicos: o Plano de Estudo
(PE), a Folha de Observação, a Colocação em Comum, o Caderno da Realidade ou
Acompanhamento (CR), as Viagens de Estudo, o Estágio Profissional, Projeto Profissional
do Jovem (PPJ) e Atividade de Retorno (AR).
No projeto político pedagógico das EFAs não há uma separação entre
família, comunidade e escola. As EFAs só se constituem de fato como escolas famílias
na união indissociável entre estes sujeitos/espaços formativos. O que ocorre é que
em determinadas realidades, pode haver uma ênfase maior em determinado espaço
constitutivo, que quase sempre é o espaço escolar. De fato, o espaço escolar é o local
privilegiado da construção do conhecimento. Porém, é na forma que se articula o projeto
pedagógico das escolas, com as necessidades reais das famílias e das comunidades,
que as escolas cumprem sua função de educar para a vida real, concreta (ANDRADE,
ANDRADE, 2012).
Cada instrumento pedagógico tem sua relevância para o processo de ensino
aprendizagem, contudo, optamos por discorrer sobre a Atividade de Retorno (AR), por
considerarmos fundamental na relação escola-família/comunidade. Ou seja, das diversas
atividades que os estudantes das EFAs realizam durante o tempo comunidade, a AR
estreita o vínculo entre escola-comunidade pela mediação dos educandos, a partir das
ações desenvolvidas na comunidade. Nesse sentido, Nossela (2013) compreende como
uma estratégia educativa, que visa formar o estudante com base no trabalho produtivo
desinteressado, isto é, não imediatamente profissionalizante. O trabalho compreendido
como atividade fundamental, pela qual o ser humano se humaniza, se cria, se expande
em conhecimento, se aperfeiçoa (FRIGOTTO, CIAVATTA, RAMOS, 2005).
A construção e definição das atividades a serem realizadas pelos estudantes nas
famílias e comunidades camponesas, ocorrem no início do ano letivo. Os estudantes e
camponeses com a mediação do educador da disciplina fazem um levantamento prévio
de temas a serem trabalhados durante o ano. Os temas são discutidos e organizados
em dois grandes eixos temáticos: atividades agropecuárias de transição agroecológica e
temas sociopolíticos.
Um critério que é considerado na definição dos temas da AR é quanto as
turmas . Para as turmas dos 1° e 2° anos, as atividades tem a finalidade de investigação
22

da realidade das comunidades, elencando os problemas, desafios e propondo ações


organizativas. Nesse sentido, temas como: associativismo; cooperativismos; direitos
trabalhistas e documentação; financiamento e políticas de crédito; DAP (Declaração de
Aptidão ao Programa Nacional de Apoio a Agricultura Familiar) e etc., são priorizados.
O espaço onde esses temas são trabalhados na comunidade costuma ser as reuniões
das associações comunitárias, evitando sobrecarregar as famílias com a ampliação no
número de reuniões. Com o decorrer do ano, essas turmas passam a propor atividades
que estimulem a transição agroecológicas dos agroecossistemas familiares, nesses casos
há outro espaço fundamental para as práticas, as próprias roças dos agricultores, para
realização de dias de campo.
As turmas dos anos finais do ensino médio, 3° e 4° anos, priorizam atividades
práticas que contribuam para o processo de transição agroecológica, dentre as
atividades destacamos: potencial forrageiro da caatinga; armazenamento de forragens;
manejo alimentar e sanitário de pequenos ruminantes; sistemas produtivos familiares;
identificação de sementes crioulas; incentivo a criação de casas de sementes crioulas;

22  Para melhor exemplificar a Atividade de Retorno, recorro à experiência da Escola Família Agrícola do Sertão
(EFASE), realizada no ano de 2017. A partir desse momento os temas e a metodologia descrita terão por base a
EFASE.
plantas medicinais e remédios caseiros; vermífugos naturais etc. Há, também, temas
que visam conter o avanço do capital no campo, como o uso de agrotóxicos; mineração
e energia eólica em comunidades tradicionais de Fundo de Pasto e Assentamentos. E,
por último e não menos importantes, são os temas escolhido em função da conjuntura
política e econômica, a exemplo da campanha contra a Reforma da Previdência e o
retrocesso nas políticas públicas promovida pelo governo e etc..
O passo seguinte, consiste na organização sequencial e estudo desses temas
na escola e durante o Tempo Comunidade; os estudantes passam a desenvolver, junto
aos agricultores, as atividades planejadas. AR, necessariamente, precisa da participação
da comunidade, seja na definição dos temas que consideram mais importantes num
dado momento, ou na realização das atividades que os educandos trazem como retorno
à comunidade. Na maior parte dos casos, as propostas que os camponeses definem
para os estudantes desenvolverem, são atividades ligadas diretamente às demandas
imediatas das comunidades. Com a inserção dos estudantes nas atividades e espaços
organizativos das comunidades, a confiança entre estes sujeitos vai estabelecendo as
condições para a discussão e enfrentamento de questões mais complexas e de maior
empenho organizativo e posicionamento político.
No retorno da sessão os estudantes socializam e sistematizam os resultados
do trabalho. O tema de estudo não se encerra com a sessão, outras atividades podem
decorrer a partir da necessidade. Um elemento que deve ser considerado, tanto no
encaminhamento quanto na avaliação das atividades, refere-se às diversas realidades
das comunidades de origem dos estudantes, isso define em grande parte a qualidade e
eficiência da ação proposta. Outro aspecto, é a diversidade regional e as características
de produção de cada comunidade. É comum ocorrer que em um município encontre-se
duas ou mais regiões diferenciadas de produção, nesse sentido, precisa considerar esses
elementos, ou seja, “precisa considerar ritmos e processos diferenciados, pelas lógicas
diferentes dos espaços em que se realiza” (CALDART, et al, 2013, p. 147).
As AR, não são meramente uma tarefa a ser cumprida pelos estudantes no
tempo comunidade, é um compromisso dos estudantes e da escola em fomentar
processos organizativos, momentos de formação e produção do conhecimento com
os camponeses e contribuir para o desenvolvimento dessas comunidades, ao mesmo
tempo em que possibilita, aos estudantes, compreenderem a realidade dessas
comunidades e agir enquanto educadores populares.
Considerações Finais
As EFAs estão completando 50 anos de sua presença no Brasil, neste
período têm se destacado enquanto instituições educacionais e de promoção
do desenvolvimento sustentável das comunidades camponesas, mediante uma
educação comprometida com a formação de sujeitos, que possam, a partir se
sua intervenção, transformar as condições em que estão inseridos. Diante do
enfrentamento ao avanço do capitalismo no campo e suas consequências para a
classe trabalhadora, a Educação do Campo, que as EFAs realizam. contribui para que
os estudantes possam se inserir em organizações e movimentos sociais, ao mesmo
tempo em que pela atuação, esses estudantes, vêm contribuindo para processos
formativos nas comunidades e construindo e divulgando práticas e experiências de
transição agroecológica.
A novidade pedagógica das EFAs tem sido sua metodologia de Alternância
no processo de ensino e aprendizagem, a qual visa criar valores fundamentais do
humanismo, auxiliando os estudantes na identificação de suas individuais inclinações
intelectuais, morais e sociais, por meio de uma orgânica e refletida articulação entre
escola, família e território socioprodutivo (NOSELLA, 2013).
O objetivo do trabalho foi apresentar as formas como os estudantes das
EFAs desenvolvem atividades de acompanhamento às famílias e comunidades
camponesas, a partir do instrumento pedagógico Atividade de Retorno (AR). As AR
têm fundamentalmente uma finalidade pedagógica para as EFAs. Porém, as ações
realizadas com as famílias camponesas têm se constituído em importantes momentos
de formação técnica, política, organizativa e de transição agroecológica para as famílias
e comunidades.
Constatou-se que dentre os resultados apresentados pelas AR, a principal tem
sido a relação mais orgânica entre as famílias/comunidades e as escolas famílias agrícolas
e em função das ações, que os estudantes realizam, durante o tempo comunidade. Um
segundo aspecto é o caráter formativo, para as famílias em especial, das atividades que
os educandos promovem e nesse sentido, as EFAs têm se constituído em importantes
organizações da classe trabalhadora, que fazem avançar o projeto de campo articulado
com um projeto de sociedade.
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(prelo).
ESCOLA DAS ÁGUAS: UMA EDUCAÇÃO PELAS ÁGUAS
Edielso Barbosa dos Santos
Merivaldo Menezes de Salles
Maurício Sacramento Santos
Kássia Aguiar Norberto Rios
Taíse dos Santos Alves

Resumo
A Escola das Águas é um projeto que tem origem nos sonhos e desejos de
Dona Maria do Paraguaçu, uma mulher negra, quilombola, militante do Movimento
dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) que tinha dificuldades na escrita, mas
possuía um saber e ampla “leitura de mundo”. Ela via a necessidade das comunidades
tradicionais pesqueiras e quilombolas em adotar uma escola que se adequasse aos
modos de vida, aos horários das marés e à ida para as roças e, para além disso, através do
MPP constituísse num espaço de discussão e fortalecimento da luta dessas comunidades
frente às suas inúmeras contradições. Ou seja, essa escola deveria ter como princípio
a articulação dos conhecimentos científicos e tradicionais em que jovens, adultos e
idosos das comunidades pudessem se apropriar do conhecimento científico, mas sem
distanciá-los das raízes e da rica base de conhecimento empírico presente historicamente
nas comunidades. É desse breve contexto que surge o desejo da escrita desse artigo,
cujo objetivo consiste em explicitar o contexto de criação da Escola das Águas, suas
perspectivas, metodologias, princípios, desafios e principais resultados alcançados no
decorrer dos últimos sete anos. Para tal, recorremos metodologicamente à pesquisa
bibliográfica, documental e entrevistas, em que os depoimentos da coordenação,
estudantes e integrantes das comunidades envolvidas foram a base para articulação e
sistematização das ideias aqui apresentadas.
Palavras-chave: Educação. Escola das Águas. Pescadores (as) Artesanais. Território
Pesqueiro.

Introdução
No Brasil existem, atualmente, cerca de 6 milhões de pessoas que compõem
as inúmeras comunidades tradicionais que se encontram espalhadas pelo país, a saber:
indígenas, quilombolas, fundo e fecho de pasto, caiçaras, extrativistas, pescadores e/
ou ribeirinhos (CPT, 2014). De acordo com a Constituição Federal de 1988, os povos
e comunidades tradicionais são “grupos que possuem culturas diferentes da cultura
predominante na sociedade e se reconhecem como tal” (BRASIL, 1988).
Para Diegues (2000), “um dos critérios mais importantes para definição
de culturas ou populações tradicionais, além do modo de vida, é, sem dúvida, o
reconhecer-se como pertencente àquele grupo social particular (DIEGUES, 2000, p. 84).
Cabe destacar que o modo de vida é compreendido, aqui, como a maneira pela qual
essas comunidades se reproduzem economicamente, socialmente e culturalmente. A
cultura desenvolvida por essas comunidades “se distingue daquela associada ao modo
de produção capitalista em que não só a força de trabalho, como a própria natureza
se transforma em objeto de compra e venda (mercadoria). Nesse sentido, a concepção
e representação do mundo natural e seus recursos são essencialmente diferentes”
(DIEGUES, 2000, p. 21).
Os povos e comunidades tradicionais possuem características comuns que lhes
atribuem o conceito de tradicional, mesmo que tais características não sejam idênticas.
Para Little (2002, p.23), pensar os povos tradicionais pressupõe a existência de fatores
como: a “existência de regime de propriedade comum, o sentido de pertencimento a um
lugar, a procura de autonomia cultural e práticas adaptativas sustentáveis que refletem
pontos comuns de diversos povos e contribuem para a conceituação de populações
tradicionais”. São grupos que “guardam entre si uma história em comum, uma forma
própria de viver e se relacionar com a natureza, [...] tradições, [...] crenças que os
distinguem dos demais membros de outros grupos humanos” (MPP, 2014, p.7).
A relação com a natureza, a forma com que praticam suas atividades produtivas,
o conhecimento sobre os espaços apropriados – território –, a liberdade, a propriedade
dos meios de produção, dentre outras características, asseguram modo de vida
tradicional dessas comunidades, a exemplo das comunidades tradicionais pesqueiras.
Os pescadores artesanais integram as denominadas “sociedades tradicionais”, que são
construídas por “grupos humanos culturalmente diferenciados que historicamente
reproduzem seu modo de vida, de forma mais ou menos isolada, com base em modo
de cooperação social e formas específicas de relações com a natureza, caracterizadas
tradicionalmente pelo manejo sustentado do meio ambiente” (DIEGUES, 2000, p. 58).
No estado da Bahia, de acordo com a última estatística pesqueira, publicada
pelo extinto MPA, existem cerca de 130.641 mil pescadores(as) cadastrados(as) no
Registro Geral da Pesca (RGP) (MPA, 2015). A Bahia ocupa, atualmente, o terceiro lugar
na classificação geral dos estados com o maior quantitativo de pescadores cadastrados
no RGP e o segundo da Região Nordeste, equivalendo a mais de 12% do total cadastrado
no Brasil (MPA, 2015).
Considerada a principal atividade econômica de mais de 600 comunidades
tradicionais que se encontram espalhadas no litoral e ao longo dos rios do estado, a
prática da pesca artesanal é compreendida para além de uma profissão, os pescadores
constroem verdadeiros laços de identidade, pertencimento, respeito e conhecimento
dos espaços historicamente ocupados. “Ser pescador artesanal é tornar-se portador de
um conhecimento e de um patrimônio sociocultural, que lhe permite conduzir-se ao
saber o que vai fazer nos caminhos e segredos das águas, e amparar seus atos em uma
complexa cadeia de inter-relações ambientais típicas dos recursos naturais aquáticos”
(RAMALHO, 2006, p. 52).
A pesca artesanal representa uma arte, que possibilita historicamente a
reprodução social de centenas de famílias. Ser pescador artesanal não se restringe a uma
profissão, há nessa prática a construção de inúmeros laços de identidade, pertencimento
e, principalmente, respeito, pelos diversos espaços historicamente apropriados. Daí
a necessidade de pensarmos o território pesqueiro na sua múltipla espacialidade e
funcionalidade, no qual os espaços marítimos e terrestres representam a base histórica
da sustentação e reprodução social, econômica e cultural dessas comunidades.
Esse cenário está diretamente relacionado a um contexto mais amplo
de negações de direitos que envolve os(as) pescadores(as) artesanais em todas as
esferas das políticas públicas e, dentre elas, a educação, ganhando assim um destaque
significativo. Sobretudo, é importante trazer alguns dados sobre as comunidades
tradicionais pesqueiras na Bahia e no Brasil, para dimensionar a questão educativa
destinada aos pescadores(as) artesanais.
Ao analisarmos algumas informações estatísticas do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) vinculadas ao Ministério da
Educação (MEC) sobre a educação/escola do ano de 2016, em municípios caracterizados
pela presença de comunidades tradicionais, observamos, além da ausência e/ou
precariedade de espaços escolares nas comunidades, um significante número de evasão
e reprovação. Ao dialogarmos com as comunidades sobre esses dados, as respostas são
incisivas, a destacar: i) Não há escola na comunidade; a mais próxima fica a quilômetros
de distância e não há transporte com frequência; ii) as poucas escolas existentes
encontram-se em situação precária e muitas estão fechando; iii) os alunos reclamam
que, na escola, são objetos de piadas e brincadeiras inadequadas por parte de colegas
e professores; iv) não há como trabalhar e estudar; o horário da maré, da roça, do
manguezal não permite estudar no modelo de escola formal.
Este cenário também é confirmado quando observamos os dados de população
alfabetizada e não-alfabetizada do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística - IBGE, cujo resultado aponta altos índices de baixa escolaridade dentro
das comunidades tradicionais e, na distribuição de unidades escolares por localidade
nos municípios. Nessa perspectiva, a fim de explicitar o contexto de criação da Escola
das Águas, suas perspectivas, metodologias, princípios, desafios e êxitos ao longo dos
últimos sete anos, organiza-se este artigo, em duas seções principais: a seção intitulada
Os de ontem e os de hoje: história da escola das águas, em que é traçado um caminho
histórico que se inicia no desejo de Dona Maria do Paraguaçu, até chegar à criação da
Escola das Águas e suas intervenções nas comunidades pesqueiras; e a seção seguinte,
Educação das águas: ações formativas e pedagógicas, em que são apresentadas as
concepções pedagógicas e curricular em torno da Escola das Águas, além de evidenciar
como ocorre seu trabalho pedagógico. Na sequência, para não concluir é uma discussão
que extrapola os limites do presente artigo, é retomada a importância da proposta da
Escola das Águas, através da sua educação das águas, ratificando a necessidade do
diálogo entre a realidade vivenciada pelos(as) pescadores(as) artesanais e o seu trabalho.

Os de ontem e os de hoje: História da Escola das Águas


A Escola das Águas é um projeto que tem origem nos sonhos e desejos de
Dona Maria do Paraguaçu, uma mulher negra, quilombola, militante do Movimento dos
Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), tinha dificuldades na escrita, mas, possuía
um saber e uma ampla “leitura de mundo”. Ela via a necessidade das comunidades
tradicionais pesqueiras e quilombolas em adotar uma escola que se adequasse aos modos
de vida, aos horários das marés e da ida para as roças, além do intuito de fortalecer a
luta dentro das comunidades pesqueiras e do próprio MPP, preparando os(as) filhos(as)
de pescadores e pescadoras, com os saberes acadêmicos, mas sem os distanciar das
(nossas) raízes das comunidades, fazendo assim um processo de resistência.
Alguns anos antes do projeto sair do papel, dona Maria “tomba na luta” devido
aos constantes conflitos - ataques envolvendo a imprensa (rede globo) e fazendeiros
- que oprimiam a comunidade quilombola São Francisco do Paraguaçu em todas as
formas, desde a cooptação das lideranças as violências físicas e psicológicas. Dona Maria
foi uma guerreira, mulher forte, que ajudou e ainda ajuda as comunidades pesqueiras,
mesmo não estando fisicamente entre nós. O seu corpo morreu, mas os seus ideais e,
mais ainda, tudo o que acreditava continua vivo. Com isso, o MPP tem continuado a luta
de Dona Maria, levando seu legado através da Escola das Águas. Chico Menezes, aluno
da Escola das Águas, declara:
Através do sonho Dona Maria nós pudemos realizar muitas conquistas,
entre elas a articulação da juventude pesqueira, e agora um grande avanço,
a conquista da Universidade, que até então, era um sonho distante, para
muitos inalcançável (Thico Menezes, aluno da Escola das Águas, Militante do
MPP, Liderança da Comunidade de Acupe, Santo Amaro - Ba).

A partir de 2011, algumas lideranças das comunidades e do MPP decidem


colocar a ideia de Dona Maria em prática e convidam, então, os(as) filhos(as) dos(as)
pescadores(as) de diversas regiões da Bahia (definidas pelo governo do Estado da Bahia
como Territórios de Identidade), como,  São Francisco, Extremo Sul, Baixo Sul, Baía de
Todos os Santos e Recôncavo. Eram, aproximadamente, 40 pessoas de todas as idades,
de ambos os sexos e gêneros de diferentes religiões.
A Escola funcionaria em regime de alternância, ou seja, no período entre 10 a
12 dias por mês, “confinados” em uma casa localizada no bairro da Ribeira, na cidade do
Salvador (Ba). Essa casa ganhou carinhosamente o nome de “Casa das Águas”, e os outros
dias as pessoas passariam nas comunidades colocando em prática os aprendizados
durante o período de “confinamento”. A proposta da Escola era permitir a conclusão do
ensino médio a quem precisava, além da formação técnica e política para todos e todas,
sem exceção, segundo a Coordenação da escola:
É importe dizer que houve uma boa aceitação dos pescadores e pescadoras
pela casa das águas, por está localizada na cidade baixa, território pesqueiro
urbano de Salvador onde se manifesta a ancestralidade dos manguezais e
das aguas (uma casa de frente para o mar). (Depoimento da Coordenação
da Escola, 2018).

Para os(as) estudantes participarem da Escola das Águas já se configurava como


um engajamento na luta; então, acreditaram no Projeto e a ida à Escola potencializava o
que já sabem, com o objetivo de adquirir mais conhecimentos para resistir aos embates
e conflitos nas comunidades pesqueiras.
Um dos diferenciais da Escola é o respeito ao tempo das marés, o que as escolas
convencionais não têm e, por isso vários(as) pescadores(as) e seus filhos abandonam a
escola “formal” e não conseguem concluir o ensino médio por irem pescar, mariscar e
fazer outras atividades ligadas à agricultura para sustentar a família. Outro diferencial
da Escola das Águas consiste no fato de que, segundo Maurício Sacramento, aluno da
escola das águas:
Ao mesmo tempo que estávamos confinados em aulas, éramos solicitados
para participar de atividades quando precisava, então era meio que teoria
e prática imediata e era isso que nos fortalecia e nos formava ainda mais
enquanto militantes (Maurício Sacramento, Aluno da Escola das Águas,
Militante do MPP e, atualmente, Estudante do Curso de Educação Física da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB).

Sobre essas atividades destacam-se a ida a órgãos públicos, reuniões com


pesquisadores de diversas Instituições, ocupações, manifestações, passeatas, eventos
acadêmicos, feiras, etc. Com isso, a Escola das Águas aparece como um elemento
propulsor na luta dos(as) pescadores(as) artesanais e, efetivamente, está acontecendo o
desejo de Dona Maria, a formação educativa e, principalmente, formação política. Nota-
se a autonomia em muitos âmbitos e ações, como participação em reuniões com órgãos
públicos para colocar as pautas do MPP, reuniões com empresas devido a conflitos e
impactos causadas pelas mesmas e o fortalecimento das bases. A escola é “um sonho”
realizado, Dona Maria também queria que os seus (pescadores(as) e quilombolas das
comunidades pesqueiras) adentrassem aos espaços acadêmicos e os ocupassem para
adquirir a ciência das letras e com isso retornar às suas bases, as comunidades, para
disseminar o conhecimento adquirido nos espaços acadêmicos. Conforme depoimento
da coordenação da Escola:
Antes de passar pelas formações proporcionadas pela escola, as lideranças
do movimento não se sentiam seguras para participar de reuniões em
órgãos, diálogos ou processos de incidência sem a presença da assessoria,
hoje, o movimento está mais autônomo e já faz articulações e incidências com
suas próprias pernas, mesmo compreendendo a importância estratégica de
algumas parcerias (Depoimento da Coordenação da Escola, obtido por meio
da Pesquisa de Campo, 2018).

A partir de 2016 começam a acontecer outros avanços: nesses três/


quatro anos de existência da Escola os estudantes conseguem ingressar no ensino
superior. Em 2017, 14 estudantes nas universidades públicas da Bahia, fruto dessa
mobilização e “educação das águas” e, recentemente, em 2018, ingressaram mais
quatro estudantes, todos e todas carregam a ideia e o sonho de Dona Maria do
Paraguaçu.
As primeiras turmas da Escola das Águas levaram os nomes de “Dona Maria do
Paraguaçu” e “Seu Altino da Cruz”. Ambos eram grandes companheiros de luta e eram
extremamente ligados. Seu Altino morreu alguns meses depois após Dona Maria. Os
dois lutavam pelos mesmos ideais, que são os mesmos, “de todos e todas nós, alunos
da Escola das águas. Dona Maria vive, e o sonho dela também, então não deixaremos
morrer nunca, seu Altino da Cruz presente, presente, Dona Maria do Paraguaçu presente,
presente!” (Mauricio Sacramento).

Educação das Águas: Ações formativas e pedagógicas


Para Santos (2015), a partir das ideias de Saviani (2005), a escola (pública)
concebida para a classe trabalhadora não dá conta de “propiciar a aquisição dos
instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o
próprio acesso aos rudimentos desse saber” (SAVIANI, 2005, p. 15). Santos (2015)
evidencia que, os rudimentos (mencionados por Saviani) dizem respeito ao saber ler e
escrever, a ler o espaço e a conhecer a linguagem dos números, das letras, da natureza e
da sociedade. Assim, Santos (2015) indaga: qual seria a melhor forma de manter a classe
trabalhadora conformada e pacífica? Negando-lhe o conhecimento produzido pela
própria humanidade, negando-lhe uma escola que mexa com as suas funções psíquicas.
Isso os impede de entender as bases estruturais que conduziram o processo real da
sociedade. Essas questões explicam a fragilidade do ensino escolar público, o qual não
tem interesse de trazer à tona a explicação das questões sociais tão latentes que se
expressam no cotidiano da sociedade, como a fome, a estrutura fundiária, a questão da
escravidão, a expropriação das terras indígenas e o projeto colonizador, dentre outras
(SANTOS, 2015).
Por outro lado, outros segmentos que lutam por uma educação problematizada,
a partir da realidade cotidiana e do contexto dos sujeitos (educação popular, educação
libertária, educação do campo, por exemplo) seguem na contramão do que é proposto
pela escola pública e suas bases formais do processo de ensino-aprendizagem e
abordagem curricular - advindos dos interesses pontuados por Santos (2015). O
objetivo aqui, não é tecer discussões sobre esse processo de maneira mais profunda,
mas (re)afirmar que essas “faltas” fazem com que outros sujeitos, grupos, movimentos
sociais, organizações, pastorais e demais segmentos caminhem por uma educação que
contemple as demandas e necessidades das classes trabalhadora de maneira mais
expressiva, como é o caso da Escola das Águas.
Dentre este cenário, a Escola das Águas possui um quadro pedagógico/formativo
ainda em construção, mas que tem se configurado como uma “educação das águas”, pois,
sua dimensão perpassa por três eixos principais: pesca artesanal, território pesqueiro e
trabalho. É importante destacar que se trata de um processo de formação específico
para a população das águas e depois de amplas reflexões do Movimento, elenca-se que
a água deve ser o elemento fundamental e articulador de todo o currículo. Por outro
lado, a Escola transita pelas bases da educação formal, pois seu objetivo principal é a
alfabetização dos pescadores(as) e isso requer a necessidade de dialogar com as bases
formais do ensino. Nesse sentido, a Escola das Águas e o MPP têm deixado explícito
que é preciso dialogar com a realidade vivenciada pelos(as) pescadores(as) nos seus
territórios, dando subsídios à formação política dos(das) pescadores(as) para agregar
as lutas e demandas do Movimento, por isso,  os(as) professores(as), colaboradores(as),
parceiros(as) e outros sujeitos que fazem a Escola acontecer, precisam “conversar” com
os eixos principais elencados.
Outra dimensão que é importante frisar neste debate, é o trabalho feito na água
e na terra pelos(as) pescadores(as) artesanais, pois a Escola entende as especificidades
dos tempos, tanto das marés, quanto da alternância (da terra). Sendo que, parte dos(as)
pescadores(as) trabalha todos os dias nas águas e/ou mangue. Este se torna um dos
principais desafios da Escola das Águas, pois os pescadores(as) artesanais possuem a
dimensão do trabalho na água, no mangue e na terra, o que configura uma educação do
campo e das águas ao mesmo tempo.
Desse modo, a Escola das Águas adere, a princípio (como foi evidenciado
no histórico), à estrutura formativa proposta nas bases da Educação do Campo: (I)
A Pedagogia da Alternância. Segundo Pinto (2014), a mesma foi criada a partir da
necessidade de uma educação contextualizada com o meio rural, promovendo a inter-
relação entre trabalho-educação-vida. Ideia esta que se estrutura, metodologicamente,
na alternância de tempos de estudo e de trabalho. A proposta articula Tempo Escola
(TE) e Tempo Comunidade (TC), assim, após o período de internato escolar o estudante
retorna à comunidade onde mora, para realizar práticas e vivenciar aprendizados
familiares e comunitários.
Um dos instrumentos propostos pela metodologia da pedagogia da alternância,
é o (II) Plano de Estudo (PE). O mesmo é elaborado a partir de um diagnóstico
participativo, que integra a comunidade no levantamento de temas norteadores que
deverão ser trabalhados ao longo do ano letivo, sendo estes diferentes conforme o ano
escolar, pois constitui um Plano de Formação. São exemplos dessas temáticas: família,
casa, minha comunidade, animais de pequeno porte, organizações sociais, entre outros.
Este processo de definição das temáticas a serem estudadas proporcionam que os
sujeitos do campo construam e interajam com as atividades escolares (PINTO, 2014).
Outra metodologia importante que nasce no seio das experiências formativas
dos movimentos sociais (a exemplo das Escolas Famílias Agrícolas e Escolas em
Assentamentos Rurais do Movimento Sem Terra - MST) é a (III) leitura da realidade como
base da produção do conhecimento. O MST destaca que esse é um dos princípios mais
populares da educação para a população do campo e evidencia ainda que as questões
da realidade têm levado à construção do conhecimento porque são os que geram as
necessidades de aprender. O Movimento reconhece que um ensino centrado apenas em
conteúdos estanques “nunca vai levar ao conhecimento. Foi desta reflexão que surgiu o
chamado método de ensino através de temas geradores que são extraídas da realidade”
(MST, p. 1996, p. 14).
Figura 1-Organização do trabalho pedagógico da Escola das Águas.

Fonte: MPP, 2015; 2017.


Elaboração: autores, 2018
A Escola das Águas também parte do princípio da realidade para atingir seu
objetivo, o qual é calcado em desenvolver uma,
[...] Educação crítica/reflexiva para indivíduos oriundos das comunidades
tradicionais pesqueiras do estado da Bahia, com a finalidade de superar a
baixa escolaridade, tendo como referência uma pedagogia que dialogue
com os saberes tradicionalmente construídos e os modos de vidas destas
comunidades, contribuindo assim para o fortalecimento do Movimento de
Pescadores(as) em defesa dos territórios pesqueiros (MPP, p. 19, 2017).

A Escola das Águas vem provocando um currículo que ousamos chamar de


“educação das águas”, pois o mesmo se encontra em construção. Configura-se como
um currículo oculto, por isso requer construir um amplo debate entre a Escola das Águas
e pensadores da educação uma vez que é necessário um aprofundamento teórico-
metodológico, visto a especificidade entre educação do campo e educação das águas.
Uma educação não nega a outra, ambas se complementam. Por outro lado,
estamos vivenciando na prática e no cotidiano das comunidades pesqueiras e do
próprio trabalho pedagógico da Escola das Águas, que a literatura da educação do
campo não contempla especificidades do tempo das águas, das marés, do trabalho dos
pescadores(as) nos territórios pesqueiros. E isso merece um amplo debate. Sobretudo,
mesmo diante dessa limitação, vem se delineando o currículo da Escola das Águas da
seguinte forma:
Figura 2 – Organograma curricular da Escola das Águas

Fonte: MPP, 2015; 2017.


Elaboração: autores, 2018.
Um ponto que merece, também, algumas notas é a ausência de uma legislação/
diretrizes dessa educação voltada aos pescadores(as) artesanais. Mesmo não tendo
essa dimensão, a Escola das Águas se correlaciona nas especificidades da Educação
Quilombola. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola
remetem algumas considerações que permitem essas correlações, quando destaca
alguns pontos:
(I) Ao se analisar a realidade educacional dos quilombolas, observa-se que
só o fato de uma instituição escolar estar localizada em uma comunidade
remanescente de quilombos ou atender a crianças, adolescentes, jovens
e adultos residentes nesses territórios não assegura que o ensino por ela
ministrado, seu currículo e Projeto Político-Pedagógico dialoguem com a
realidade quilombola local nem tampouco que tenha conhecimento dos
avanços e dos desafios da luta antirracista e dos povos quilombolas no Brasil;
(II) É preciso também reconhecer que estudantes quilombolas,
principalmente aqueles que estudam nos anos finais do Ensino Fundamental
e Ensino Médio, frequentam escolas públicas e privadas fora das suas
comunidades de origem. Nesse sentido, a Educação Escolar Quilombola
possui abrangência maior. Além de focalizar a realidade de escolas enraizadas
em territórios quilombolas e no seu entorno, ela se preocupa com a inserção
dos conhecimentos sobre a realidade dos quilombos no Brasil em todas as
escolas da Educação Básica;    
(III) é possível encontrar também escolas que, localizadas ou não nesse
contexto, desconsideram a realidade da população atendida, discriminam
os estudantes quilombolas que estão no seu interior, sua expressão cultural,
sua linguagem, seu pertencimento étnico-racial, seu modo de vestir,
comportamento, etc. Desconhecem, discriminam e desconsideram ainda
pais, mães e responsáveis dos estudantes quilombolas e suas tradições, bem
como o histórico das lutas quilombolas do passado e do presente;
(IV) Tais diretrizes curriculares orientam os sistemas de ensino, as
Universidades e as escolas de Educação Básica a desenvolver propostas
pedagógicas em sintonia com a dinâmica local, regional e nacional da
questão quilombola no Brasil. Ao dialogar com a legislação educacional geral
e produzir uma normatização específica para as realidades quilombolas,
o CNE orienta Estados e municípios na construção das próprias diretrizes
curriculares em consonância com a nacional e que atendam à história, à
vivência, à cultura, às tradições, à inserção no mundo do trabalho próprios
dos quilombos da atualidade, os quais se encontram representados nas
diferentes regiões do país (BRASIL, p. 27-29, 2011).
Esses pontos permitem perceber que as orientações das Diretrizes Curriculares
Gerais para a Educação Básica, a Educação Escolar Quilombola, devam seguir os eixos
orientadores gerais da educação brasileira e também se referenciar nos valores das
comunidades quilombolas, como a cultura, as tradições, o mundo do trabalho, a terra,
a territorialidade, a oralidade e a memória, ou seja, os mesmos dialogam nas mesmas
vertentes dos princípios/eixos norteadores do trabalho pedagógico da Escola das Águas,
mas, por outro lado, a especificidade da água não é contemplada. Nesse sentido, a
Escola das Águas se destaca e se diferencia das educações do campo e quilombola.
Nessa perspectiva, a Escola das Águas tem potencializado debates significativos
advindos dessas especificidades; sua “educação das águas” tem gerado debates dentro
das universidades, das quais os(as) estudantes fazem parte atualmente e, mais do que
isso, tem destacado a importância deste contexto e conjuntura nas escolas da educação
básica das comunidades pesqueiras atendidas. É possível afirmar que, a Escola das
Águas tem provocado mudanças e transformado a realidade destes sujeitos e de suas
comunidades ao longo destes quase sete anos de existência, uma vez que, segundo o
depoimento de Edielson Barbosa:
Tem sido bastante importante para o fortalecimento da juventude pesqueira
e Quilombola para fazer a defesa de seus direitos e suas vidas que é o
território tradicional, toda sua biodiversidade que está sendo atacada pelo
grandes empreendimentos. A Escola das Águas tem feito uma formação para
um fortalecimento da identidade das comunidades e também fazendo com
que entenda sobre seus direitos garantidos por lei, essa contribuição para os
militantes do Movimento tem sido muito importante para o enfrentamento
com as empresas, sabendo de seus direitos. A Escola também tem feito
formações para sermos menos machistas, nos chamando atenção para
divisão de tarefas e outros comportamentos machistas (Edielso Barbosa,
aluno da Escola das Águas, Militante do MPP, Liderança da Comunidade
Guaí, Maragogipe - Ba).

A Escola das Águas propõe uma educação “que abala as estruturas” propostas
pela educação formal, já que “caminha” para a abertura da fala, dá voz à população
pesqueira, negra, mulheres e homens, quilombolas, sujeitos historicamente silenciados
na sociedade brasileira. Djmila Ribeiro (2017), ao refletir sobre o lugar de fala, nos
questiona o porquê existe o silenciamento de outras vozes em determinados espaços?
Em um país machista e racista, qual o sujeito autorizado a fala? Por outro lado, quando
há abertura da fala para os sujeitos historicamente autorizados a proferirem as palavras,
se incomodam. Ações educativas, desta natureza, potencializa as falas dos silenciados e
“abala as estruturas” dos lugares em que são produzidas.
Para não concluir...
Luckesi (2001) afirma que a educação tem força. E tem força de redimir
a sociedade. Ao investir seus esforços nas gerações novas, formando suas mentes e
dirigindo suas ações a partir dos ensinamentos, estará sendo adaptada ao ideal de
sociedade através da educação. Nota-se que essa força é reconhecida pelos movimentos
sociais. Cada seguimento potencializa suas bases através das práticas educativas (desde
a educação infantil), investindo em suas escolas, pautando em um currículo que dialogue
com as suas realidades por meio de seus cotidianos praticados e, principalmente, suas
pautas e bandeiras de lutas, por entenderem que isso é um legado na formação dos
sujeitos conscientes, desde suas potencialidades, defensores de suas culturas, suas
identidades de seus territórios, as suas cosmologias e produções.
Assim, a proposta da Escola das Águas, através da sua “educação das águas”,
afirma a necessidade do diálogo entre a realidade vivenciada pelos pescadores(as)
artesanais em seus territórios e, principalmente, com o seu trabalho. Isso é processo
educativo, pois as linguagens do mar possibilitam logo cedo a construção de
entendimentos humanos acerca da natureza marinha e das forças para lidarem com as
águas e compreenderem os tipos de ventos e os movimentos das marés, explicitando
habilidades pesqueiras para ouvir e sentir essas mudanças. Esse diálogo tende a
participação de todos e todas envolvidos(as) buscando estimular a autonomia dos(as)
estudantes, a solidariedade, o respeito aos mais velhos, aos mestres do mar e, de
modo específico, aos saberes dos territórios pesqueiros. E, além disso, propõe uma
educação participativa e cidadã, que busca intervir na sociedade de modo colaborativo
e respeitando as diversidades dos(as) pescadores(as) artesanais.

Referências
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Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
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Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Diário Oficial,
Brasília, DF, 07 fev. 2007.
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Quilombola. Brasília, DF, 2011.
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Cardoso de. (Orgs.) Anuário Antropológico/2002-2003. Rio de Janeiro: Edições Tempo
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Iniciativa Popular Sobre o Território Pesqueiro. MPP, 2014.
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– Escola das Águas. MPP, 2017.
MPP. Movimentos dos Pescadores e Pescadoras Artesanais. Projeto Político Pedagógico
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PINTO, M. P. A. A questão agrária e a Escola Família Agrícola de Riacho de Santana – Ba.
Dissertação de Mestrado. 254f. Universidade Federal da Bahia, 2014.
RAMALHO, C. W. N.. Ah, esse povo do mar!: um estudo sobre trabalho e pertencimento
na pesca artesanal pernambucana. São Paulo: Polis. Campinas, SP: Ceres, 2006.
RIBEIRO, D. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento Justificando, 2017
SANTOS, J. Bispo dos. Questão agrária, educação do campo e formação de professores:
territórios em disputa. Tese de Doutorado. 252f. Universidade Federal da Bahia, 2015.
SAVIANI, D.; DUARTE, N. A formação humana na perspectiva histórico-ontológica. In:
SAVIANI, D.; DUARTE, N. Pedagogia histórico-crítica e luta de classes na educação
escolar. Campinas: Autores Associados, 2012. p. 13-35.
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS EMANCIPATÓRIAS E SABERES AMBIENTAIS
DE RIBEIRINHOS DA AMAZÔNIA PARAENSE23
Jenijunio dos Santos

Resumo
O trabalho aqui apresentado que se intitula “Práticas pedagógicas
emancipatórias e saberes ambientais de ribeirinhos da Amazônia paraense” tem como
objetivo fazer uma reflexão de como as práticas pedagógicas podem ser emancipatórias
a medida que reconhece os saberes dos povos ribeirinhos na sua relação com o seu
ambiente, tendo o trabalho como elemento constitutivo de educação e de cultura, dos
quais emanarão os conteúdos escolares necessários para fortalecer a sua identidade
quanto povo amazônida, sendo capazes de enfrentar os ataques mercantilistas em
seu território. Quanto a fundamentação teórica buscou-se trabalhar os conceitos
de educação na perspectiva de Freire (2001;2002;2007), identidade a partir de Bogo
(2010) e modo de produção com Marx; Engels ( 2012). Ancorando-se numa abordagem
qualitativa (CHIZZOTTI, 2010), em um primeiro momento fez-se uma pesquisa
bibliográfica onde buscou-se as referências sobre a temática e em um segundo momento
na pesquisa de campo buscou-se o projeto pedagógico da escola e registro do cotidiano
da comunidade, verbalizações, atitudes e práticas dos sujeitos a partir da convivência,
do cotidiano e do fazer-se presente no local. Os resultados obtidos nos fez concluir que
uma comunidade que tem sua identidade cultural fortalecida será capaz de identificar
no seu meio ambiente elementos da sua cultura e passa a preservar como um bem
coletivo. Nessa perspectiva a escola ao trabalhar um conteúdo que nasce do cotidiano
da comunidade em que ela está inserida, num constante diálogo com os saberes locais,
tornar-se-á uma aliada para ressignificar o cotidiano e o posicionamento da comunidade
frente às dificuldades enfrentadas, numa perspectiva de resistência e emancipação.
Palavras-chave: Práticas Pedagógicas. Saberes Ambientais. Ribeirinhos.

Introdução
A educação torna-se emancipatória e libertadora (FREIRE, 2001) a medida
que educandos e educadores são capazes de dialogar e de trocar seus saberes. Esse

23  Este artigo deriva de uma pesquisa de conclusão de curso de Especialização em Gestão Ambiental na
Faculdade Ideal em Belém do Pará.
diálogo começa na seleção do conteúdo programático, valorizando os conteúdos que
são trazidos para a escola pelos educandos a partir da sua realidade, numa perspectiva
de que “ensinar exige respeito aos saberes dos educandos” (FREIRE, 2007).
Ao colocar em evidência os saberes dos educandos, saberes que surgem da
sua relação com o seu ambiente, da sua produção da vida e do cotidiano, a escola estará
contribuindo na construção da identidade dos sujeitos da comunidade na qual ela está
inserida, pois segundo Bogo:
O ponto de partida da história humana é a existência de seres humanos
que, produzindo seus meios de vida, produzem não só os instrumentos de
trabalho, mas também sua capacidade de produtores como e enquanto
seres sociais; ou seja, criam a própria identidade, por meio dos objetos que
produziram e se diferenciaram dos demais seres pela capacidade criativa
tanto em quantidade quanto em qualidade (BOGO, 2010, p.35-36).

Diante do exposto, urge a necessidade de uma educação que seja capaz de


levar o ser humano a refletir sobre sua prática e seus relacionamentos entre si e com
o meio em que vive. Uma educação que seja capaz de fomentar uma postura ética e
cidadã na relação com a natureza e que fortaleça a identidade. É sabido que essa postura
não é algo fácil, pois as questões ambientais envolvem interesses econômicos, políticos
e culturais.
Nesse contexto, os educadores que trabalham em escolas que estão localizadas
em territórios de povos tradicionais, como os ribeirinhos, devem refletir qual a função
social dessa escola naquela comunidade, sem esquecer que os saberes desses povos
não foram construídos a partir da escola, mas essa deve se constituir na relação e no
diálogo com esses saberes, se não quiser ser mais um instrumento de dominação contra
esses povos.
A Experiência aqui apresentada tem como objetivo fazer uma reflexão de como
as práticas pedagógicas podem ser emancipatórias a medida que reconhece os saberes
dos povos ribeirinhos na sua relação com o seu ambiente, tendo o trabalho como
elemento constitutivo de educação e de cultura, dos quais emanarão os conteúdos
escolares necessários para fortalecer a sua identidade quanto povo amazônida, sendo
capazes de enfrentar os ataques mercantilistas em seu território.
Essa discussão será desenvolvida e perpassará os três tópicos que irão
compor esse artigo. No primeiro tópico busca-se analisar o trabalho e a educação como
elementos principais da identidade ribeirinha; no segundo tópico, faz-se a localização
e caracterização da comunidade envolvida na experiência e por último apresenta-se
pontos relevantes da experiência dando ênfase para os saberes ambientais dos povos
ribeirinhos na relação com as práticas pedagógicas desenvolvidas no contexto da escola.

Trabalho, educação e identidade ribeirinha:


elementos para uma prática pedagógica emancipatória
O cotidiano do ribeirinho é pleno de saberes ambientais, que emanam da
sua relação com a natureza e o trabalho dos quais produzem a materialidade da vida,
a cultura e seu modo de produção. É nessa relação que ele vai se constituindo sujeito
com uma identidade e cultura própria. Portanto, é na produção e no território é que o
ser humano vai se criando e recriando seu espaço. Nessa perspectiva entende-se que:
Esse modo de produção não deve ser considerado meramente sob o
aspecto de ser a produção da existência física dos indivíduos. Ele é, muito
mais, uma forma determinada de sua atividade, uma forma determinada
de exteriorizar sua vida, um determinado modo de vida desses indivíduos.
Tal como os indivíduos exteriorizam sua vida, assim são eles. O que eles são
coincide, pois, com sua produção, tanto com o que produzem como também
com o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende
das condições materiais e sua produção (MARX; ENGELS, 2012, p. 87).

Entendemos que o ribeirinho tem se constituído enquanto sujeito Amazônida


a partir da sua relação com o rio, a terra e a floresta, da qual emanam a produção
econômica, as relações com o ambiente, o sagrado e as relações sociais, estando assim,
interligadas em uma “rede de saberes” pela qual ele cria e recria seu território (DOS
SANTOS, 2014, p. 52).
Nesse contexto, a produção econômica e o trabalho dos ribeirinhos se dão
pela subsistência, sendo essa assentada na relação com rio, a terra firme e a floresta,
realidade que lhes faz policultores por excelência: pescadores, extrativistas e agricultores.
A sazonalidade, típica da região, possibilita que essa população viva da pesca no período
menos chuvoso (principalmente do peixe e do camarão), do extrativismo dos recursos
existentes na floresta (com a coleta de uma variedade de frutas), da caça, da criação de
pequenos animais e da produção agrícola.
O trabalho geralmente é desenvolvido pela agricultura familiar com um modo
bastante peculiar. No geral, pela parte da manhã quando se levantam, bem cedo, antes
do sol nascer, vão ao “campo de produção” que pode ser no rio para pescar, na floresta
para coletar as frutas, no serviço das roças ou ainda no cuidar dos animais de pequeno
porte. Esses trabalhos são desenvolvidos até o meio dia, quando retornam para suas
casas. Após o almoço e um breve descanso na rede, por volta das 15h, retornam ao
trabalho cuidando dos artefatos de produção. Nesse turno o trabalho é desenvolvido em
casa, pois na Amazônia no geral chove pela parte da tarde ou então o sol é muito forte
para a exposição. Ao término do trabalho, às 17h, o ribeirinho trabalhou em torno de 8
a 10 horas, contradizendo, assim a ideia preconceituosa de que o caboclo amazônico e o
ribeirinho são preguiçosos, lentos e não pensam no futuro (BRONDÍZIO, 2008).
Esse modo de produzir, composto por um período no campo outro em casa,
como aqueles que são descansados, que não almejam aquisição de outros bens (por
isso não precisam trabalhar muito), ou seja, ditos “uns vida boa”. Essa é uma percepção
do trabalho e da produção do ribeirinho cheia de preconceitos e estereótipos que é
denunciado por Almeida (2009, p. 32):
Isso é vida boa? Boa para quem? Sem dúvida não é para o ribeirinho que
não tem apoio do poder público para escoar o produto do extrativismo,
e desta forma, fica preso nas mãos de atravessadores que ditam o preço
que querem pagar pela produção (peixe, camarão, palmito, açaí). Que vê a
cada ano, seus filhos serem reprovados ou terem que abandonar a escola
por vários motivos, dentre os principais, o trabalho e a longa distância que
precisam remar para chegar até ele. Muitos passam fome, principalmente
no período da entressafra do açaí, por não terem de onde tirar o que comer,
haja vista, que o peixe e o camarão, estão cada vez mais escassos nos rios,
lagos, furos e igarapés [...].

Para além dessa problemática que envolve o trabalho do ribeirinho, ele se


constitui enquanto elemento de agregação e espaço de aprendizagem das famílias. Na
produção agrícola, na colheita dos frutos da floresta e na pesca, toda a família é envolvida,
assim como na produção da farinha, na qual todos os membros são envolvidos na cadeia
produtiva, desde a plantação, colheita das raízes da mandioca, a movimentação na casa
de farinha, descascando a mandioca, tirando o tucupi e fazendo a farinha.
É nessa relação de trabalho que as novas gerações vão aprendendo os
saberes da comunidade e se constituindo sujeitos da própria produção. É nesse aspecto
que o trabalho das crianças e adolescentes está intrinsecamente relacionado com a
aprendizagem e o conteúdo é ensinado pelos diversos membros da família. Almeida
(2009, p. 34) afirma:
O envolvimento de crianças e adolescentes com as práticas produtivas
ocorre desde a infância acompanhando os pais e aprendendo, no dia a dia,
as habilidades necessárias para desenvolvê-la, num processo educativo no
qual a natureza é espaço de aprendizagem, os conteúdos são voltados para a
sobrevivência e os educadores são os pais, avós, parentes ou outros adultos
que esteja predisposto a ensinar enquanto desenvolve tais atividades.

A relação produção - aprendizagem dos ribeirinhos, assim como dos demais


povos e comunidades tradicionais (índios, quilombolas, caiçaras, quebradeiras de
coco, etc.) é entendida por todos os membros da comunidade como uma necessidade
inerente ao processo formativo. Em última análise não é visto como trabalho, mas como
aprendizagem, conforme a afirmação de uma senhora “quebradeira de coco” durante o
“Seminário: Os Conhecimentos Tradicionais e a Pesquisa Acadêmica: reflexões para um
debate no campo do conhecimento científico”24 na UFPA - Universidade Federal do Pará,
uma senhora “quebradeira de coco, disse:
Quando pegamos nossas crianças e levamos para quebrar coco, não estamos
botando ela pra trabalhar, estamos botando ela pra aprender, pois se ela for
quebrar coco só aos 18 anos, é como alguém que vai começar a ler só aos
18 anos... Quando a criança aparece na novela, ela está trabalhando, e isso
é exploração infantil?

Diante do exposto, percebe-se que o cotidiano das comunidades tradicionais,


entre elas os ribeirinhos, é pleno de ensino e aprendizagem, o qual emana naturalmente
das relações familiares e com todos os membros das comunidades e na sua interação
com os vários elementos da natureza, construindo desta forma seu espaço de trabalho
e lazer recheado de mitos e religiosidades que irão ditar as normas de convivência entre
todos e com a própria natureza, o que deve ser levado em consideração pela escola no
momento de organizar o currículo e suas práticas pedagógicas.

Localizando e caracterizando a Comunidade do


Castanhal do Mari-Mari
Uma das particularidades do Rio Amazonas são as várias ilhas existentes ao
longo do seu percurso. Essa realidade influencia diretamente a geografia do município
de Belém, o qual na sua dimensão insular é composto por 39 ilhas, entre as quais
encontra-se a Ilha do Mosqueiro, que é a maior, ficando distante cerca de 70 Km do
núcleo urbano da capital, por via terrestre.

24  Seminário ocorrido em novembro de 2013 na Universidade Federal do Pará


A Ilha do Mosqueiro está limitada ao norte pela Baia do Guajará e do Marajó, a
oeste pela Baia de Santo Antônio, a leste pela Baia do Sol e ao sul pelo Furo das Marinhas,
o qual separa a Ilha do continente (PMB, 2003a; 2002b;1989). Embora os rios já tenham
sido o principal acesso para chegar a Ilha, hoje ele tem sido negado pelo puder público
que dá como única possibilidade a população de chegar a Ilha as vias BR 316 e PA 391
com uma duração de viagem de 0:40 minutos em carro particular ou de ônibus urbano.

Mapa 1 - Ilha do Mosqueiro

Fonte: https://www.google.com.br/maps/@-1.1195114,-48.4707672,10z, 2018


A Comunidade do Castanhal do Mari-Mari fica localizada no interior da Ilha
do Mosqueiro e seu nome deriva do igarapé Castanhal que nasce próximo as grandes
castanheiras existentes na região e após contornar a comunidade deságua no rio, Mari-
Mari. Chega-se a comunidade de barco, através dos vários rios e furos que compõem o
parque, ou de carro através de uma estrada de chão batido.
Os habitantes da comunidade são cinquenta e dois moradores que tecem suas
vidas na relação com a floresta e os rios. Essas famílias em sua maioria são constituídas
apenas pelo casal, pois os filhos adultos já foram embora em busca de emprego. No
centro da comunidade encontra-se um campo de futebol, uma capela católica em
homenagem a Santa Maria e a escola.
A escola que leva o nome da comunidade (Castanhal do Mari-Mari) é composta
por um prédio com duas salas de aulas, uma cozinha e banheiros. Tem com uma espaço
anexo em forma de maloca, e um barracão que servem para as reuniões da comunidade
e até 2016 atendia 22 alunos nos diferentes anos escolares, sendo que em 2017 com a
política de “nucleação escolar25” desenvolvida pela rede municipal de ensino de Belém,
a escola foi fechada.
A economia é baseada na pesca do camarão e no extrativismo das frutas entre
elas Cupuaçu, Açaí, Bacaba, Bacuri, Piquiá, Uxi, Umari e Castanha. O carvão vegetal
produzido é em pequena escala para o consumo interno. A produção artesanal é
pequena e usa elementos de palha e madeiras na confecção dos objetos geralmente
para o uso no próprio trabalho como canoas, matapi26 e cestas de palhas.

Saberes ambientais de povos ribeirinhos e


práticas pedagógicas emancipatórias
A experiência da Comunidade do Castanhal do Mari-Mari, localizada na Ilha do
Mosqueiro, a maior das 39 ilhas que compõe a região insular do Município de Belém,
nasceu em uma parceria da comunidade com a escola, resultado de um conteúdo
programático contextualizado e que emergiu do cotidiano da comunidade, na busca da
resolução dos problemas locais, tais como abandono da comunidade pelo poder público,
falta de pertencimento a comunidade pelos jovens e alguns problemas ambientais como
a derrubada de árvores na comunidade para venda ilegal.
Os problemas da comunidade foram debatidos por todos os membros, e alguns
deles tornaram-se conteúdos a serem trabalhados na escola. Esses conteúdos foram
sistematizados em um projeto pedagógico que foi sendo construído numa perspectiva
freireana, entendendo que:
É na realidade mediatizadora, na consciência que dela tenhamos educadores
e povo, que iremos buscar o conteúdo programático da educação. O
momento deste buscar é o que inaugura o diálogo da educação como
prática da liberdade. (FREIRE, 2001, p.87).

A necessidade de implementar um projeto pedagógico que ajudasse no


fortalecimento da identidade cultural, foi percebido pela coordenação pedagógica

25  Uma política de realocação dos educandos em uma única escola, fechado as demais escolas, o que tem
causado problemas para as famílias pois os educandos passam a estudar muito longe de suas casas.
26  Uma espécie de armadilhas feita com trançado de cipó para pegar camarão.
através do comportamento de vários membros da comunidade, com destaque para
os mais jovens, que não se reconheciam pertencentes do espaço geográfico e seus
desejos era ir embora. Quando indagados sobre os elementos de sua cultura eles não os
reconheciam e nem conheciam sua história.
Foi nesse contexto que o projeto traçou ações que pudessem fortalecer a
identidade cultural da comunidade. E trouxe para dentro das escolas os pais e avós das
crianças como oficineiros de atividades com as contações de história, oficina do brincar
com as palhas das palmeiras, oficina de “varinha bordada”27 e as mostras culturais, que
passaram a ser um excelente espaço para divulgação do fazer cultural da comunidade
e que depois agregou o Festival do Açaí, que é uma atividade que além de proporcionar
a comunidade trocar suas experiências com outras comunidades, possibilita também
uma renda que é sempre colocada a favor do coletivo. O que segue são pequenos
apontamentos de um recorte das várias ações desenvolvidas no projeto:
A – Contação de histórias: Essa ação tinha como contadores de história os avós
das crianças que iam a escola para contar suas histórias de infância e os “causos” da
comunidade, que envolvia as lendas e a própria vida de alguns moradores, assim como
a fauna e flora existentes na comunidade.
B – oficina do brincar: as avós das crianças as ensinavam a construir os
brinquedos que elas usavam quando criança, todos de palha das palmeiras da região,
como o inajá e assim elas aprenderam a construir o currupiu, o apito, a estrela, a caixinha
de segredo, o camarão, entre outros. As crianças não conheciam mais esses brinquedos
pois devido a entrada de brinquedos industrializados na comunidade, esses brinquedos
“naturais” foram sumindo.
C – oficina de “varinha bordadas”: A varinha bordada sempre foi conhecida no
Mosqueiro e era um souvenir muito apreciado por aqueles que visitavam a ilha, ainda
no tempo em que a viagem era feita em navio. Ela consiste em um pedaço de broto da
árvore, geralmente da “Santa Clara, do Capitiú e da Folha larga” na qual, com a ponta de
um estilete vai cortando a casca e fazendo desenhos variados. Embora a Comunidade do
Mari-Mari tivesse pessoas que sabiam confeccionar, esse artesanato vivia esquecido. A
escola organizou então uma oficina com aqueles que sabiam confeccionar a varinha de
bordar e ensinaram os alunos e outros membros da comunidade a técnica, recuperando
assim mais esse elemento da cultura local.

27  Um souvenir feito de cipó que ganha uma espécie de bordado com a retirada de parte da casca com a ponta
de uma lâmina.
D – Mostras Culturais: As Mostras Culturais é um excelente espaço para
divulgação do fazer cultural da comunidade. Junto com a mostra cultural acontece
também o Festival do Açaí, que é uma atividade que além de proporcionar a comunidade
trocar suas experiências culturais com outras comunidades, possibilita também uma
renda que é sempre colocada a favor do coletivo.
Nessas mostras, percebe-se a autoestima elevada da comunidade, o orgulho
recuperado de morar naquele local, o que é traduzido a partir dos vários elementos da
cultura local expostos, pois tudo aquilo que é produzido nas atividades escolares durante
ano ou os produtos do trabalho da comunidade é colocado em exposição. Nela além de
encontrar os frutos da região, de tomar o açaí com camarão e conhecer o cotidiano
da comunidade ainda poderiam participar de uma rodada de carimbó com o grupo de
carimbó local “Filhos da Terra”.
E- Grupo de Carimbó: Uma particularidade do grupo de Carimbo do Mari-Mari,
“Filhos da Terra”, é que ele nasceu da necessidade que a comunidade teve de mostrar
essa dança regional do estado do Pará para os visitantes de outros estados e países que
sempre os visitam. Ele é composto por crianças, adolescentes, jovens, adultos e pessoas
idosas, mostrando assim as várias gerações da comunidade, dando um grande sentido
de unidade entre as gerações, além das músicas cantadas que tem letras de autoria de
um morador.
Todos os elementos culturais da comunidade que foram resgatados e
fortalecidos aqui descritos, entre outros, foram fortalecendo a identidade dos
moradores, criando vínculo com o seu lugar, fazendo com que alguns que tinha ido
embora retornassem, como é o caso do Senhor Nazareno Garcia de Carvalho que em
um outro carimbó, o intitula: “De volta pra minha terra”. Esse “De voltar pra minha
terra”, mostra que o sentimento de pertença ao lugar, passou a ter um reflexo direto no
ambiente. A comunidade passou a cuidar do lugar, a refletir que era necessário cuidar
da floresta e de seus componentes se quisesse continuar a ter algo para mostrar para
outros povos.
Todas essas ações e projetos tinham um rebatimento direto no cotidiano
dos educandos na escola, seja no envolvimento desses na organização das ações ou
estudando os conteúdos necessários para a execução dessas e que tinham uma interface
com os conteúdos curriculares. A tabela a seguir mostra exatamente o que estamos
relatando. Ela foi construída com uma pesquisa de campo, onde os educandos do 3º ano
foram até os pescadores da comunidade e fizeram um levantamento do pescado que
existia na comunidade e depois estudaram interdisciplinarmente as várias informações
contidas da tabela.
Tabela 1: Economia Local - Pescado

QUANTIDADE

FINALIDADE

LOCAL DE
ESPÉCIE

ORIGEM

PREÇO

VENDA
R$ 2,00
Mari-Mari Consumo e Vila, Porto
Camarão litros a
Tabatinga venda do Pelé
R$ 3,00
R$ 2,00
Mari-Mari Consumo e Vila, Porto
Bacu Un a
Tabatinga venda do Pelé
R$ 3,00
Mari-Mari Consumo e Vila, Porto
Sarda Un R$ 5,00
Tabatinga venda do Pelé
R$ 6,00
Mari-Mari Consumo e Vila, Porto
Bagre Un a
Tabatinga venda do Pelé
R$ 10,00
Mari-Mari Consumo e Vila, Porto
Dourada Un R$ 5,00
Tabatinga venda do Pelé
Mari-Mari Consumo e Vila, Porto
Pescada Cambada R$ 5,00
Tabatinga venda do Pelé
R$ 1,00
Mari-Mari Consumo e Vila, Porto
Acari Un a
Tabatinga venda do Pelé
R$ 3,00
Mari-Mari Consumo e Vila, Porto
Mandii-açú Cambada R$ 4,00
Tabatinga venda do Pelé
A partir
Mari-Mari Consumo e Vila, Porto
Tucunaré Un de
Tabatinga venda do Pelé
R$ 5,00

Fonte: Cabral, 2009, p.05

Através dessa tabela os educandos puderam estudar os tipos de pescados


existentes na comunidade, o valor por unidade de medida, que se tornou um conteúdo
específico, no qual eles puderam constatar que no livro didático que eles usavam o
mesmo não contemplava algumas unidades de medidas usadas na comunidade, como a
cambada, que é uma forma de medida onde vários peixes pequenos são agrupados por
um cipó ou palha, formando um feixe.
Com esse projeto pedagógico a escola pode mergulhar nos saberes da
comunidade, no seu cotidiano, instigando a participação e ao debate da realidade
apresentada, retirando dela os conteúdos que paulatinamente foram constituindo-se
em elementos fundantes para uma educação que valoriza os saberes locais e o ambiente,
como pode ser confirmado por uma moradora da comunidade (32 anos), 6ª série,
casada, mãe de aluno da escola, vice-presidente da Associação dos Moradores, diz:
O projeto ajudou muito a mudar o comportamento da gente, a moto
serra aqui era muito usada, quando se ia derrubar uma árvore terminava
derrubando várias, tudo estava ficando muito desmatado. Hoje as crianças
não jogam lixo na trilha, o que encontramos são os que vêm de fora que
jogam na trilha.

Nesse depoimento é interessante perceber que o conceito de Educação


Ambiental para a entrevistada, tem sua origem na preservação ambiental, entendendo
ainda que tudo está conectado, tudo tem sua importância na natureza e são
interdependentes. Portanto, a preservação, o cuidado com as espécies da natureza
estão intimamente ligados a Educação Ambiental.
Outro depoimento que corrobora com esse pensamento é de outro morador
( 51 anos) que estudou até a 8ª série, membro da Associação dos Moradores e líder da
Comunidade católica. Sua atividade econômica é o extrativismo de frutas. Ele diz:
Você ver se uma pessoa tem educação ambiental na maneira
como ela trabalha na terra. É você estar preocupado em
preservar a natureza, se derrubou uma árvore, plante outra. Se
você precisa de uma árvore deve consumir ela na totalidade,
não tire só um pedaço e deixe o restante apodrecer, pois
se não usar ela toda, pode querer derrubar outra, quando
surgir outra necessidade. Se caçamos, deve ser para suprir a
necessidade e não fazer sempre, se hoje caça, amanhã pesca,
é uma forma de viver e preservar para nossa sobrevivência.
Antes não eu não tinha essa preocupação, mas agora sei que
é importante cuidar da natureza, pois posso ver que na nossa
comunidade, as pessoas ficam encantadas por que percebem
que aqui temos preocupações com a natureza.

Diante dos relatos, percebe-se que a Educação Ambiental na comunidade,


tem levado os seus sujeitos a buscarem práticas sustentáveis na relação com a natureza,
numa constantes busca de valores e atitudes positivas capazes de construir uma
educação para o desenvolvimento sustentável.

Considerações conclusivas
Todos os elementos culturais da comunidade que foram colocados em evidencia
através do projeto pedagógico e aqui descritos, foram fortalecendo a identidade dos
comunitários que foram criando vínculo entre si, e se reconhecendo quanto sujeito de
cultura e pertencente a um território construído na relação do trabalho num espaço e
na defesa cotidiana do mesmo.
A experiência aqui relatada provocou uma reflexão do quanto às práticas
pedagógicas podem ser emancipatórias à medida que reconhece os saberes dos povos
ribeirinhos na sua relação com o seu ambiente, tendo o trabalho como elemento
constitutivo de educação e de cultura, dos quais emanarão os conteúdos escolares
necessários para fortalecer a sua identidade quanto povo amazônida, sendo capazes de
enfrentar os ataques mercantilistas em seu território.
Entende-se ainda, que a comunidade ao se reconhecer nos conteúdos
escolares e tirar deles significados para a vida, será capaz de identificar no seu ambiente
elementos de sua cultura, fortalecendo assim a identidade quanto sujeito coletivo. Nessa
perspectiva a escola ao trabalhar um conteúdo que nasce do cotidiano da comunidade
em que ela está inserida, num constante diálogo com os saberes locais, tornar-se-á
uma aliada para ressignificar o cotidiano e o posicionamento da comunidade frente às
dificuldades enfrentadas, numa perspectiva de resistência e emancipação.

Referências
ALMEIDA, E. M. M. Cultura e Identidade dos Ribeirinhos da Ilha dos Carás no Município
de Afuá. Revista Cocar, Belém: EDUEPA, v.3, n.6, p.31- 41, jul./dez. 2009.
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2018.
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BRONDÍZIO, E.S. Intensificação agrícola, identidade econômica e invisibilidade entre
pequenos produtores rurais amazônicos: caboclos e colonos numa perspectiva
comparada. In: In: ADAMS, C.; MURRIETA, R.; NEVES, W. (Orgs.). Sociedades caboclas
amazônicas: modernidade e invisibilidade. São Paulo: Annablume, 1º reimpressão,
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CABRAL, Ivelyse. Castanhal do Mari-Mary: meu lugar, minha vida, nossa história.
Castanhal do Mari-Mari/ Mosqueiro, Belém: Unidade Pedagógica Castanhal do Mari-
Mari, 2009 (mímeo).
CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais. 3ª. Ed. RJ:
Vozes, 2010.
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______. Educação e Mudança. 26° ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. 1. ed. revista; 1ª reimpressão. São
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SANTOS, J. dos. Populações ribeirinhas e educação do campo: análise das diretrizes
educacionais do município de Belém-PA, no período de 2005-2012. 2014. 156f.
Dissertação de mestrado (Mestrado em Educação) PPGED/UFPA, Belém, 2014.
A PRÁXIS EDUCATIVA EM UM ASSENTAMENTO DE REFORMA AGRÁRIA:
EXPERIÊNCIAS CONTRA HEGEMÔNICAS NA FORMAÇÃO DOS ESTUDANTES
DA ESCOLA ESTADUAL DO CAMPO ERNESTO CHE GUEVARA, MT
Mônica Castagna Molina
Marcelo Fabiano Rodrigues Pereira

Resumo
O trabalho discute a práxis emancipadora em um assentamento de Reforma
Agrária centrando-se na análise de experiências protagonizadas por egressas da
Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC) e o coletivo escolar, no empenho pela
transformação da forma/conteúdo escolar, da Escola Estadual Ernesto Che Guevara,
localizada dentro do assentamento Antônio Conselheiro, em Mato Grosso, Tangará da
Serra. A questão norteadora deste estudo foi: de que maneiras essas egressas, que à
época da pesquisa, atuavam na gestão escolar, internalizaram, a partir da formação
inicial e da sua formação social, possibilidades de mudanças na forma/conteúdo escolar
para que esta assuma finalidades emancipatórias que se aproximam da Epistemologia
da Práxis e que extrapolem o espaço escolar? Diante desse questionamento,
construiu-se o objetivo de compreender os desafios enfrentados na materialização de
um trabalho que favoreça o exercício da práxis, na concepção de formação omnilateral
dos sujeitos do campo. A orientação metodológica do texto ancorou-se em categorias
do Materialismo Histórico-Dialético e na realização de pesquisa bibliográfica e de
campo. Foi possível constatar que o trabalho pedagógico realizado pelas egressas da
LEdoC aponta para mudanças significativas nas relações sociais, na referida escola, no
modo de produção do conhecimento e na formação crítica, trilhando o caminho para
a emancipação humana e para a justiça social, a partir de ações que integram o corpo
docente a uma dimensão emancipadora de protagonismo dos sujeitos e a mobilização
da comunidade escolar.
Palavras-chave: Práxis emancipadora. Educação do Campo. Transformação forma/
conteúdo escolar.

Introdução
Os últimos anos, no Brasil, são marcados por um fluxo hegemônico que
compreende a educação como um elemento estratégico na implementação da
lógica capitalista, na qual o conhecimento é visto como componente chave da força
produtiva. Fundamentando-se nas reformas que aconteceram a partir da década de
1990, a educação tem se tornado refém dos parâmetros de regulação, produtividade,
competição, intensificação e precarização do trabalho docente e, paulatinamente, tem
deixado de ser vista como um bem público e comum a todos AZEVEDO; SILVA JÚNIOR;
CATANI, 2015).
Agrega-se a isso, um intenso movimento por influxos de organismos
internacionais que direcionam às políticas educacionais nacionais, a condições que
não favorecem o trabalho exercido pelos professores, principalmente com marcas de
precarização das condições de exercício da profissão, adoecimento, desprofissionalização,
perda da autonomia, formação aligeirada e em serviço e submissão aos ditames das
avaliações externas, que atribuem demasiada ênfase às expectativas de aprendizagem.
Tais fatores desvelam a presença de uma determinada epistemologia da prática, que
informa as propostas de formação docente, a legislação e as políticas educacionais
brasileiras (CURADO SILVA; LIMONTA, 2014).
Molina (2015b), ao analisar as principais legislações vigentes no Brasil e que
norteiam a formação de professores, discutiu a estratégia, utilizada por estas leis,
de justificar a crise educacional na precariedade da formação dos professores. Este
fator direciona a inserção de elementos técnico-profissionais, bastante alinhados à
perspectiva tecnicista, na formação dos educadores. Nesse entendimento, os estudos
de Freitas (2009) criticam o modelo voltado para as competências, sem fundamento
epistemológico ou com ênfase em uma epistemologia da prática. A ênfase desta
epistemologia é deslocar a responsabilidade pela formação docente, para a formação
continuada e em serviço, com fortes tendências ao aligeiramento e à precarização
ofertada na formação inicial e garante que, enquanto formação em exercício, a dimensão
prática, ativista seja predominante na prática do professor.
Essa epistemologia da prática é foco da crítica que fazemos neste artigo, pois
entre outros fatores, há o predomínio de um saber desvinculado da construção teórica
da universidade, que despreza a dimensão teórica do fazer docente e, pelo contrário, é
elaborado e validado no exercício da prática no cotidiano escolar. Tal perspectiva foca e
responsabiliza o docente pelo ensino e pela sua prática em uma perspectiva individualista
e assistemática. Ela “[...] acaba por afirmar uma concepção neotecnicista de formação,
em que a ênfase recai nos aspectos pragmáticos do trabalho docente, notadamente no
domínio dos conteúdos da Educação Básica e na resolução de problemas imediatos do
cotidiano escolar” (CURADO SILVA; LIMONTA, 2014, p. 19). Nas palavras de Molina e
Hage (2015a, p. 132), a epistemologia da prática:
[...] refere-se exatamente à ideia de que a resolução dos graves problemas
educacionais, enfrentados pelo sistema público de ensino do país, adviria do
aumento da capacidade do próprio educador de refletir sobre sua própria
prática docente e de promover transformações em seus processos de
ensino e aprendizagem que, ao serem efetuados por si só, resolveriam os
problemas educacionais do Brasil, ignorando e desconsiderando todos os
demais fatores externos e estruturais que integram os dilemas educacionais
do país.

Nessa direção, afirmamos, ainda, que no território camponês brasileiro, esse


desafio se intensifica. O cenário do campo desvela que o acúmulo do capital se reveste da
lógica produtiva do agronegócio que, por meio da associação dos grandes proprietários
de terra, o capital financeiro estrangeiro e as empresas transnacionais, almeja o controle
hegemônico sobre a agricultura. Nas palavras de Delgado (2005, p. 14), o agronegócio
tem se constituído “[...] como uma estratégia do capital financeiro na agricultura”.
Stédile (2012), além de ratificar essa percepção, acrescenta que, da mesma
forma que o capitalismo se manifesta na acumulação do capital na indústria e no comércio,
no meio rural esse acúmulo financeiro se expressa pelo agronegócio, intensificando-se
na medida em que ocorre a ampliação da concentração da propriedade da terra.
Também no meio rural, as ações do Estado buscam alinhar a educação aos
contornos da produção capitalista por meio do controle sobre a formação de professores;
do intenso processo de fechamento das escolas do campo e de diminuição dos fundos
públicos, para o atendimento às políticas públicas de caráter universal.
Porém, isso não ocorre livre de tensões e contradições. A perspectiva
defendida pelos protagonistas da Educação do Campo aponta para o caminho
oposto, por outra lógica de organização escolar e práxis educativa, justamente pelo
fato de ter sido construída histórica e profundamente ligada às lutas dos movimentos
sociais camponeses, que aspiram por terra e por um projeto formativo referenciado
socialmente. Também forjam uma proposta de resistência às concepções hegemônicas
de educação, difundidas pela lógica do capital.
Hodiernamente, esse debate tem se tornado cada vez mais acirrado,
principalmente, a partir das recentes eleições brasileiras, especialmente a presidencial,
na qual ascendeu ao poder a ultradireita com forte alinhamento à perspectiva neoliberal,
acrescida de um viés autoritário e conservador. Freitas (2018, p. 921) afirma que “[...]
se para prolongar sua vida o liberalismo (e sua forma econômica capitalista) precisou
aprisionar a democracia, igualmente necessita, agora, aprisionar a própria escola para
que ela não seja um polo de liberdade e incitação à transformação social”. Isso significa
que a educação está sendo disputada e aprisionada no mesmo movimento de prisão
pelo qual passa a democracia.
Concordamos com Freitas (2018), acerca da necessidade de encaminhar ações
de resistência propositiva e, para isso, propomos este artigo com o intuito de trazer
para o debate questões referentes às experiências que focalizam práxis educativas
contra-hegemônicas evidenciadas na Escola Estadual Ernesto Che Guevara, localizada
dentro do assentamento Antônio Conselheiro, em Mato Grosso, Tangará da Serra. Tais
experiências constituem-se em uma possibilidade de exercício da práxis educativa e
social na perspectiva de uma educação de qualidade socialmente referenciada pelos
sujeitos do campo.
Para orientar as discussões apresentadas nesse texto, ancoramo-nos em
uma indagação que consideramos relevante ao debate proposto: de que maneira os
egressos do curso de Licenciatura em Educação do Campo, da Universidade de Brasília,
internalizam, a partir da formação inicial e da sua formação social, possibilidades de
mudanças na forma escolar para que esta assuma finalidades emancipatórias que se
aproximam da Epistemologia da Práxis e que extrapolem o espaço escolar?
Diante desse questionamento, construímos o objetivo de compreender, na
perspectiva das egressas do referido curso, os desafios enfrentados na materialização
de uma proposta metodológica que favoreça o exercício da práxis, na concepção de
formação omnilateral dos sujeitos do campo.
Na tessitura do trabalho de pesquisa que deu origem a este artigo, nos
ancoramos nas categorias do Materialismo Histórico-Dialético e realizamos pesquisa
bibliográfica e de campo realizadas no Assentamento Antônio Conselheiro, localizado
em Tangará da Serra, Mato Grosso.
Destarte, organizamos o texto em quatro partes: inicialmente, discutimos o
constructo histórico da Educação do Campo e a maneira como este paradigma forjou
princípios fundamentais à formação de docentes que orientam a proposta político
pedagógica da Licenciatura em Educação do Campo. Na segunda parte, apresentamos
aproximações com o contexto da pesquisa e com a práxis pedagógica realizada por
egressas da Licenciatura em Educação do Campo, da Universidade de Brasília, na Escola
Estadual Ernesto Che Guevara, situada no Assentamento Antônio Conselheiro.
Na sequência, discutimos questões conceituais teórico-práticas relacionando a
práxis à maneira como as egressas, do referido curso e, no contexto citado, constroem,
com seus coletivos, uma prática emancipatória. Por fim, apresentamos nossas
considerações finais acerca das efetivas práticas realizadas no contexto da Escola do
Campo.

A Educação do Campo: um constructo histórico e social que


projeta formas de resistência para a educação pública no Brasil
Os 20 anos da Educação do Campo, celebrados em 2018, remetem a uma
construção histórica da classe trabalhadora e dos movimentos sociais para cunhar um
novo paradigma de formação humana e nesse processo histórico, vários pilares foram
sendo firmados. Conforme Caldart (2018), há feixes de conexões que precisam ser
consideradas nessa construção histórica e social da Educação do Campo que, em linhas
gerais, evidenciam sua dimensão social, educativa e política. Esses feixes pressupõem
o entendimento do campo em suas especificidades e os atores que integram esse
território, com sua cultura, lutas, organização da vida social e a relação que estabelecem
com a natureza, para produzir materialmente a vida.
A referida autora destaca, também, a intensidade da luta contra o processo
de desterritorialização da agricultura camponesa e contra o projeto para o campo, que
substitui a cultura pelo negócio e dissemina a ideia de uma ruralidade sem sujeitos. Esta
lógica, que é a do agronegócio, devasta a natureza, destitui os camponeses de alternativas
para a produção material da vida e destrói a existência humana. Malgrado a essa lógica
destrutiva, a Educação do Campo constitui-se, além de uma proposta educativa, um
posicionamento político e revolucionário, pautado na organização coletiva dos sujeitos
para as lutas coletivas direcionadas às garantias da produção material da vida no campo
(CALDART, 2018).
Santos (2012) ratifica esse entendimento, situando o protagonismo dos
movimentos sociais neste processo, tanto de construção de um novo paradigma sobre
o campo e Educação do Campo, quanto no avanço na conquista de políticas públicas
para o meio rural. Afirmamos ser protagonismo, pois a atuação desses movimentos
ocorre não somente na proposição de demandas sociais e educacionais, mas em um
redirecionamento sobre o projeto de Educação, de escola, de campo, de sociedade e de
sujeito, sob a égide de um novo rumo histórico, com bases emancipatórias, e que almeja
a superação da lógica social capitalista.
No âmbito educacional, os coletivos do campo, organizados em movimentos
sociais e associações, vêm forjando, nas últimas décadas, sólidas propostas de resistência,
na perspectiva de superar os ranços da Educação Rural (RIBEIRO, 2012), que é concebida
sem considerar as especificidades do campo, alinhada aos pressupostos capitalistas
de educação que estereotipa o sujeito camponês, imprime formato excludente à
organização escolar e limita-se a proporcionar conhecimentos básicos e apartados da
materialidade da vida (o trabalho camponês) e da cultura dos sujeitos que vivem neste
território (SANTOS, 2012).
Por outro lado, as experiências teóricas e práticas, construídas historicamente
pelos movimentos sociais, vêm forjando um novo paradigma de Educação, que, desde
1998, reconhece-se pelo nome de Educação do Campo. Para o maior entendimento
das balizas desta proposta educativa, indicamos outros trabalhos que aprofundam de
modo mais explícito esta questão (CALDART, 2015a; MOLINA; SÁ, 2011; 2012; MOLINA,
2014; 2015a ; 2017; SANTOS, 2009; 2012). Nos limites desse artigo, destacamos o
papel desses sujeitos coletivos na inserção da Educação do Campo na agenda política;
a relevância desses movimentos na construção de outra lógica de campo, educação e o
papel estruturante desempenhado por eles, na concepção, implementação e conquista
de políticas públicas para os sujeitos camponeses.
Sob essa égide, Caldart (2015c) recorda-nos que a importância da Educação
do Campo deriva, entre outros fatores, de sua materialidade de origem: a ação e luta
dos movimentos sociais na disputa por políticas públicas voltadas para os anseios
societários, políticos e humanos dos trabalhadores do campo. Esse projeto educativo é
construído, considerando sujeitos concretos, reais, histórica e geograficamente situados,
e considera as questões de trabalho, cultura, tensões entre os projetos de campo em
disputa (agronegócio versus agricultura familiar camponesa) e uma lógica de formação
humana voltada para forjar homens e mulheres lutadores (as) e construtores (as) do
futuro (PISTRAK, 2009).
Entre as conquistas no âmbito das políticas públicas para a educação, é
importante ressaltar o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – Pronera.
Esta política, com outras experiências no contexto da Educação Superior, tais como os
cursos de Pedagogia da Terra, por exemplo, viabilizou o acúmulo de forças e experiências
para a criação dos Cursos de Licenciatura em Educação do Campo. O histórico detalhado
do processo de elaboração e implantação dessas licenciaturas está registrado em
trabalhos anteriores (MOLINA; SÁ, 2011; MOLINA, 2014, 2015 a; MOLINA; HAGE, 2015a
e 2015b).
No bojo desse processo histórico e no âmbito das conquistas dos movimentos
sociais do campo, situamos a Licenciatura em Educação do Campo como uma proposta
contra-hegemônica de formação de educadores para atuarem no campo brasileiro,
sendo formados para a docência multidisciplinar, por área do conhecimento e para a
gestão de processos educativos escolares e comunitários (MOLINA; SÁ, 2011).
O referido curso vem sendo ofertado desde 2007, inicialmente em quatro
Universidades Públicas brasileiras (UFMG, UnB, UFS e UFBA). A partir das experiências-
piloto, o MEC lança editais, em 2008 e 2009, para que mais universidades também
pudessem ofertar a Licenciatura, porém como projeto especial de turmas únicas.
Posteriormente, em 2012, a experiência é expandida para as cinco regiões do país,
com a conquista, mediante a pressão dos movimentos sociais e diferentes coletivos
organizados, de 42 cursos permanentes em vários estados brasileiros. Atualmente,
ocupando espaços em 20 estados brasileiros, há 44 instituições de Educação Superior
Pública que ofertam o curso (MOLINA; MARTINS, 2019).
Entre os elementos que constituem a matriz do Projeto Político-Pedagógico
dessa Licenciatura, cabe destacar a incorporação das experiências formativas
acumuladas pelos trabalhadores do campo, sobretudo do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra. As experiências registradas têm revelado as potenciais contribuições
da Licenciatura em Educação do Campo em contribuir com a transformação da forma
escolar e com a proposição de novos rumos para a política de formação de educadores
a partir de seu projeto pedagógico inicial.
Entre estas contribuições, destacam-se a redefinição das funções sociais
da escola; a adesão a uma matriz ampliada de formação humana, em diferentes
dimensões, considerando as especificidades dos sujeitos do campo e os anseios
emancipatórios da classe trabalhadora; a Alternância Pedagógica; o trabalho
coletivo e como princípio educativo; a auto-organização dos estudantes; a conexão
da escola com as tensões, contradições e desigualdades presentes na vida; o cultivo
de novos parâmetros de sociabilidade; a possibilidade de reelaborar a relação entre
a Educação Básica e a Educação Superior e a ancoragem na Epistemologia da Práxis
como alternativa de unir teoria e prática associada aos anseios de transformação
da realidade e formar lutadores e construtores do futuro (BRITO, 2017; CALDART,
2015a, 2015b ; FERREIRA, 2015; MOLINA, 2015, 2017; MOLINA; HAGE, 2015a,
2015b e PEREIRA, 2019).
Com o anseio de avançar nessa discussão, considerando as finalidades
desse artigo, pretendemos discutir a possibilidade de esses princípios, presentes na
formação de professores para a atuação na Educação Básica, contribuírem, também,
com a reelaboração dos processos formativos de educadores e no exercício da práxis
formativa no contexto escolar. Em outras palavras, contribuir com o diálogo sobre as
influências desses princípios (que, inicialmente são forjados pelos movimentos sociais,
consolidam a Educação do Campo e, posteriormente, delineiam a Licenciatura em
Educação do Campo), na elaboração de outra lógica, na formação que projetam novas
intencionalidades pedagógicas para Educação Básica, a partir da atuação dos egressos
deste curso nas Escolas do Campo.

O contexto da pesquisa e a
aproximação com a práxis das egressas
A prática educativa discutida nesse artigo tem como lócus um espaço escolar,
uma Escola do Campo em que a forma e conteúdo da escola foram ressignificados pela
atuação de egressas do curso de Licenciatura em Educação do Campo em uma ação
conjunta e militante junto aos professores, comunidade local e, principalmente, com o
protagonismo dos estudantes da referida Escola.
Um parâmetro que direciona a reflexão apresentada nessa subseção é o
conceito de Escola do Campo que vem sendo forjado historicamente pela classe
trabalhadora do campo. A luta concreta da Escola do Campo, frente aos desafios do
sistema capitalista, reside, principalmente, na necessidade de uma postura contra-
hegemônica de resistência à lógica de educação disseminada pelo capital, que almeja
levar para o campo um modelo de escolarização excludente e perverso.
Molina e Sá (2012) remetem-nos à influência da perspectiva gramsciana de
Escola Unitária que influenciou amplamente a compreensão da Escola do Campo como
aquela que prioriza um projeto de formação omnilateral, do intelectual coletivo, que
reúne elementos do trabalho, ciência e cultura. Ou seja, uma escola que envolve os
sujeitos engajados no processo que aproxima a escola de um projeto de transformação
social mais amplo.
Nesse sentido, para as referidas pesquisadoras, a Escola do Campo
constitui-se em um espaço que, ultrapassando os muros da escola, abrange uma
dimensão formativa comprometida com a formação política, a consciência de classe
e de organização revolucionária, a articulação político-pedagógica entre a escola e as
tensões, desigualdades e contradições vivenciadas pela comunidade em sua luta pela
democratização do acesso ao conhecimento científico e à utilização revolucionária deste
conhecimento. Dito em outras palavras, almeja-se a emancipação dos sujeitos históricos
do campo que lutam por terra, cultura, direitos sociais, conhecimentos científicos e
saberes socialmente referenciados (SILVA, 2010). Essa perspectiva é ratificada nos
estudos e pesquisas referentes à Educação do Campo na atualidade:
O movimento histórico de construção da concepção de Escola do Campo faz
parte do mesmo movimento de construção de um projeto de campo e de sociedade
pelas forças sociais da classe trabalhadora, mobilizadas no momento atual na disputa
contra-hegemônica (MOLINA e SÁ, 2012, p. 325).
Isso significa que a luta da Escola do Campo, neste viés, não ocorre de maneira
separada da luta pela Reforma Agrária, pela diminuição da evasão dos estudantes das
escolas do campo ou mesmo pelo não fechamento das escolas. A luta da escola do
campo ocorre no bojo da luta pelo direito à educação, à terra, à moradia, à saúde, a
salário digno, a lazer etc., considerando que a investida do capital é justamente para
silenciar essa escola, desestruturar os movimentos de luta de classe e competir por
maior domínio agrário, econômico e político.
As experiências discutidas nesse texto são resultados de pesquisas e interações
feitas ao longo de 2018 com a Escola Estadual Ernesto Che Guevara, situada no
Assentamento Antônio Conselheiro, Município de Tangará da Serra, a 240 km de Cuiabá-
MT e apresentadas em trabalhos anteriores (PEREIRA, 2019). Mato Grosso representa
o estado brasileiro considerado o maior produtor de bovinos, ancorado nos princípios
ideológicos, econômicos e sociais do agronegócio. Não distante desta perspectiva, está o
município de Tangará da Serra, local onde realizamos a pesquisa. Esse local é conhecido,
conforme descrevem Souza e Brick (2017), pelo elevado cultivo de soja, algodão, açúcar
e produção de álcool.
Importante considerar, dialogando com Alentejano (2014), que a prioridade no
cultivo desses insumos está associada ao processo de internacionalização da agricultura,
processo que decorre das mudanças recentes na dinâmica produtiva da agropecuária
brasileira, que traz sérios perigos à segurança e à soberania alimentar.
No centro dessas tensões e contradições, está o Assentamento Antônio
Conselheiro, local específico da experiência relatada nesse artigo. Esse assentamento
presencia a barbaridade, ao seu redor, das contradições do agronegócio à vida humana
e, especificamente, ao trabalhador camponês, fator que faz do trabalho agrícola familiar
um verdadeiro desafio. Vários fatores poderiam ser apresentados para exemplificar esse
desafio, entre os quais se destacam a falta de apoio financeiro, ausência de assessoria
técnica, entre outros fatores que dificultam o trabalho dos camponeses que intencionam
praticar a agricultura familiar (SOUZA; BRICK, 2017).
No referido assentamento, há uma Escola do Campo chamada Escola Estadual
Ernesto Che Guevara, conquistada, assim como o próprio assentamento, a partir de
intensa luta protagonizada por seus moradores, organizados a partir do MST. No ano da
realização dessa pesquisa, conforme apresentado em publicações anteriores (PEREIRA,
2018), atuavam nesta Escola três egressas do curso de Licenciatura em Educação do
Campo, da Universidade de Brasília que, junto com seus coletivos de professores, têm
promovido “[...] práticas pedagógicas que apresentam uma repercussão diferenciada
em torno da formação e na resistência ao modelo agrícola hegemônico” (BRITO, 2017,
p. 264). Essas três egressas do curso de Licenciatura em Educação do Campo, foram as
principais colaboradoras desta pesquisa.
A primeira colaboradora, no ano da pesquisa, atuava como diretora da Escola.
É graduada em Licenciatura em Educação do Campo, pela Universidade de Brasília, na
área de Linguagens, Especialista em Educação Ambiental Campesina pela Universidade
Federal de Mato Grosso, engajada nas lutas sociais coletivas e reside no Assentamento
Antônio Conselheiro.
A segunda colaboradora, graduada em Licenciatura em Educação do
Campo, na área de Ciências da Natureza e Matemática e em Pedagogia. Especialista
em Educação Inclusiva e em Educação do Campo para o trabalho interdisciplinar em
Ciências da Natureza e Matemática, curso feito no âmbito da formação continuada na
Universidade de Brasília. No ano de realização da pesquisa, essa colaboradora atuava
como coordenadora pedagógica da Escola. Também filha de agricultores de subsistência,
viveu a maior parte da vida no Assentamento Antônio Conselheiro.
A terceira colaboradora da pesquisa é docente da Escola e também graduada
em Licenciatura em Educação do Campo na área de Linguagens. É Especialista em Língua
Portuguesa e Oratória e em Educação Ambiental Campesina. Essa colaboradora atua na
docência desde 2014 e é filha de camponeses do assentamento Antônio Conselheiro.
O coletivo da referida Escola, a partir do protagonismo dos educadores, dos
estudantes, dos profissionais que nela trabalham e da comunidade, tem construído um
projeto coletivo de transformação da forma escolar unindo forças com os movimentos
sociais camponeses no sentido de forjar resistências dos sujeitos do campo aos processos
que conduzem a desterritorialização dos camponeses (PEREIRA, 2019).
Com o apoio dos movimentos sociais e movidas pelo objetivo de contribuir
com a comunidade local, as egressas citadas anteriormente participaram do processo
formativo da Licenciatura em Educação do Campo na Universidade de Brasília e
conduziram processos educativos importantes, no sentido de transformar a forma
escolar assumindo uma concepção de formação de sujeito considerando a dimensão
política, humana e emancipadora que conduz à compreensão e à luta pela superação
das tensões, contradições e injustiças presentes na realidade local.
Entre os esforços empenhados pelas egressas, no contexto escolar, esteve o de
promover mudanças significativas nas relações sociais na Escola Estadual Ernesto Che
Guevara, reconhecendo e colocando em prática ações de fomento ao trabalho coletivo
de educadores e estudantes; a participação dos diferentes segmentos na gestão da
escola, a partir do trabalho como um princípio educativo materializado, também, na
auto-organização dos estudantes. Entre os princípios dessa forma de gestão, estão o de
abertura e incentivo à participação democrática dos diferentes segmentos e o trabalho
como categoria estruturante do trabalho pedagógico.
Além das relações sociais, há, nessa Escola, um intenso investimento
pedagógico na realização de mudanças no modo de produção do conhecimento que
compreende a interdisciplinaridade; o trabalho com temas geradores; o reconhecimento
de diferentes espaços e agentes integrantes ao processo formativo; o compromisso com
a formação omnilateral que agrega tanto os conhecimentos historicamente construídos
com a formação humana mais ampla (filosófica, política, social, afetiva, ética, estética);
a reorganização do currículo na perspectiva da Educação do Campo; intencionalidades
pedagógicas que priorizem a união entre a teoria e a prática e a redefinição dos métodos
e organização do trabalho pedagógico da Escola.
Agrega-se a essas ações, a clareza que o coletivo desta Escola tem acerca da
necessidade da formação para a emancipação humana e para a justiça social a partir de
ações que integram o corpo docente a uma dimensão emancipadora de protagonismo
dos sujeitos e a mobilização da comunidade escolar.
A partir da identificação desses sujeitos e dessa experiência de transformação
da/do forma/conteúdo escolar, surgiu a intencionalidade de compreender, na
perspectiva das egressas da LEdoC-UnB, que trabalham na Escola Estadual Ernesto Che
Guevara, como a Organização Escolar e o Trabalho Pedagógico assumem, neste espaço
educativo, uma ancoragem na epistemologia da práxis, como alternativa de unir teoria
e prática associada aos anseios de transformação da realidade e favoreça o exercício
da práxis transformadora na perspectiva de uma formação omnilateral dos sujeitos do
campo.

A práxis emancipadora como categoria central na formação humana


Nesta etapa, pretendemos situar um conceito fundamental e que representa
uma amálgama da discussão que propomos para esse artigo: o conceito de práxis e a
epistemologia da práxis, em uma perspectiva crítico-emancipadora. Entendemos que
esse é um pilar na constituição de uma proposta formativa alinhada à possibilidade
de ressignificar união indissociável entre a teoria e a prática, associada aos anseios de
transformação da realidade e que esteve, amplamente, presente no contexto desta
pesquisa e das ações realizadas pelo coletivo docente da Escola Estadual Ernesto Che
Guevara.
Partimos do conceito de práxis alinhado a uma perspectiva marxista que a
entende como um critério de validação da verdade que assume a função de auxiliar na
compreensão e, consequentemente, na transformação da realidade.
Resgatando o sentido etimológico da palavra, Sánchez-Gamboa (2010) discute
que a palavra práxis, com origem no verbo latin pattin, significa uma ação com um fim
em si mesma, em que o resultado dela não se desdobra em algo distante ou alheio nem
ao sujeito nem à sua atividade. O pensar e o fazer são ações indissociáveis e a teoria
e a prática assumem uma relação de unicidade, dinâmica que agrega tanto o pensar,
quanto o fazer em uma mesma ação. Assim, entende-se a teoria e prática como dois
polos que se unem e se relacionam entre si. A relação que se estabelece entre esses
polos é dialeticamente de unicidade, validada pela ação humana que vê, no trabalho, a
possibilidade tanto de transformação da natureza, quanto do próprio homem (SÁNCHEZ-
GAMBOA, 2010). Por esse motivo, o referido conceito se distancia, por um lado, de uma
compreensão idealista de mundo, na qual a consciência explica o objeto, quanto com o
materialismo metafisico, no qual o conhecimento reflete o mundo exterior (NORONHA,
2010).
Na compreensão marxista (MARX; ENGELS, 2009), o conceito de práxis
está estreitamente vinculado à ideia de transformação da realidade e, desta união
indissociável entre teoria e prática, conforme defende Vázquez (2011), não se descarta
a compreensão de que há relativa oposição e autonomia entre esses polos, mas eles
se realizam na prática social. Trata-se de uma atividade predominantemente teórico-
prática, ou seja, uma dimensão ideal, teórica que conduz a ação do homem e valida-se
na dimensão prática e material.
Afirmamos, anteriormente, que a práxis é uma união dialética entre teoria
e prática ancorando-nos nas contribuições de Vázquez (2011), o qual reconhece que
esse movimento de unicidade envolve a percepção de que, ao mesmo tempo em que
é atividade real, objetiva, também é ideal, subjetiva e consciente, embora preserve
distinção e relativa autonomia entre elas. Isso significa não se tratar da mesma coisa,
pelo contrário, são dimensões diferentes e preservam relativa autonomia (VÁZQUEZ,
2011). Para este autor, a práxis contém duas importantes dimensões: o ato de conhecer
(atividade teórica) e o ato de transformar (atividade prática). Sánchez-Gamboa (2010,
p. 10) acrescenta que há “[...] uma inter-relação de forças e tensões em que uma se
constitui na antítese da outra (...) a unidade dinâmica e contraditória entre teoria e
prática se denomina práxis”.
Noronha (2010), agrega a essa compreensão o fato de que a prática social
e material dos sujeitos tem o potencial de alterar a teoria e vice-versa. Assim, nessa
unicidade entre a teoria e a prática, a verdade que está no âmbito da aparência do
fenômeno, como verdade prática, transforma-se em verdade teórica, no âmbito do
conhecimento. Essa articulação ocorre na mediação entre o particular e o universal
(NORONHA, 2010).
Na experiência escolar que apresentamos nessa pesquisa realizada na Escola
Estadual Ernesto Che Guevara, identificamos significações das educadoras da Escola que
apontam para uma percepção de que a teoria, presente nos conteúdos escolares, deve
estar relacionada à vida dos estudantes, ou seja, à questão social. A dimensão teórica
da formação dos estudantes assume um compromisso com a transformação social
mais ampla e contribui para o fortalecimento da vida no campo: isso significa que não
desconsideram os conteúdos científicos, mas os aproximam da realidade dos estudantes.
Sobre a relação teoria-prática, não adianta você ficar lá só fazendo as
teorias de Bhaskara, por exemplo, e aprendendo as fórmulas e tal. Mas é
importante saber o que esta fórmula pode ajudar lá, no dia-a-dia dos alunos,
na vida deles, no próprio lote, com a sua família. Os conteúdos escolares
devem contribuir com família dos estudantes, com seu pai, lá na roça, ou
seja, como é que ele pode ajudar o aluno a contribuir com o trabalho de seus
pais na roça, na lida com a terra (Ângela, diretora, dados da pesquisa, 2018).

A ideia de unicidade entre teoria e prática social está presente nas significações
da colaboradora da pesquisa no que se refere aos anseios de transformação da prática
social, do trabalho. Para ela, os conhecimentos construídos na Escola precisam subsidiar
os estudantes na resolução dos dilemas que enfrentam em seu cotidiano e contribuir
com a melhoria da realidade das famílias e com o trabalho realizado pelos camponeses
para garantirem materialmente a vida. Há uma articulação entre conteúdos científicos e
a vida material, o trabalho no campo.
Nesse movimento de aproximação do conteúdo escolar com a realidade
material, recorremos aos estudos de Freitas (2009), que defende uma proposta
educacional, cujos conhecimentos elaborados estão condizentes com a atualidade das
crianças. Isso significa reconhecer e referenciar o sujeito real, concreto, que vive em um
contexto social marcado por tensões e contradições. Este pertence a uma determinada
classe e vivencia a realidade do seu meio de maneira real.
Aqui a função da escola não será a de sobrepor à formação inicial da criança
uma ‘segunda natureza’, mas construir na prática social, no meio e a partir do
meio, um sujeito histórico – lutador e construtor onde a ciência e a técnica
entram como elemento importante desta luta e construção (FREITAS, 2009,
p 28).

Essa é uma postura que subverte a lógica tradicional de organização escolar.


Caldart (2011a,) contribui com esse debate no sentido de apontar caminhos para
um repensar da maneira como os conteúdos são abordados pela escola, precisando
estar comprometido com a transformação da forma escolar, desde que eles sejam
reconfigurados e (re)significados com vistas à conexão com a vida. Para essa
pesquisadora, o educador precisa articular a escola e a vida ressignificando a prática
social da escola: “[...] tomando–a (enquanto atividade humana criativa que tem por
base o trabalho) como princípio educativo e vinculando os conteúdos escolares com os
conteúdos da vida (...) pela mediação necessária das questões da realidade ” (CALDART,
2011a, p. 113).
Outra vez recorremos à compreensão de Marx e Engels (2009), ao retomarem o
caráter transformador inerente ao conceito de práxis. Este movimento de transformação
da realidade contempla uma atividade material humana transformadora do mundo
e do próprio homem. Em outras palavras, a práxis é atividade humana real, efetiva e
transformadora que, em sua forma radical, é justamente a revolução.
Sánchez-Gamboa (2010) retoma, em seus estudos, que a unicidade entre teoria
e prática, presente na práxis, está associada à produção coletiva da humanidade, que é
histórica e está articulada ao trabalho em sua dimensão ontológica. Essa compreensão
ontológica entende a ação do homem sobre a natureza em um processo dinâmico de
transformação mútua, tanto da natureza quanto da essência humana. Trata-se de uma
atividade social consciente dirigida a um fim, mediada pelo trabalho. Para Lukács (1978),
esta é uma ação por meio da qual o homem modifica a natureza, modifica-se e modifica
os outros homens, consistindo, pois, em uma atividade social e não individual.
Em relação ao trabalho, como elo integrador da teoria-prática, foi possível
constatar, na Escola Ernesto Che Guevara, esse entendimento da relação entre atividade
social mediada pelo trabalho, conforme apresentamos nos excertos a seguir:
Nós estamos desenvolvendo projetos da organização do Parque escolar,
plantando, cuidando dos canteiros (...) a maioria deles gosta do trabalho. E
levam as práticas daqui, que eles aprendem na Escola, para as propriedades
deles. Eles se envolvem quando, de fato, estão mexendo com a terra. Mas o
que eles aprenderam, eles levam para casa, para os pais (Ângela, diretora,
dados da pesquisa, 2018).
O professor da EJA (...) traz esses alunos para questão das práticas agrícolas
e agroecológicas. Para eles terem esse contato e a proposta é que as ações
realizadas na Escola possam ser desenvolvidas, pelos estudantes, também
na comunidade, nos lotes (Angélica, coordenadora, dados da pesquisa,
2018).

No trecho acima, é possível constatar, na prática escolar, que o trabalho é


atividade social e coletiva que assume a função de conectar a teoria e a prática social
a partir do trabalho educativo e socialmente útil. Ao se envolverem em atividades de
trabalho, no contexto escolar, os estudantes adquirem conhecimentos significativos
para levarem para a sua vida além da Escola, nas propriedades onde vivem. Mexer com
a terra, realizar um trabalho socialmente útil, constitui uma possibilidade de relacionar
os conhecimentos presentes nos conteúdos escolares às necessidades práticas que
emergem em suas vidas.
Confirmando esse entendimento, Freitas (2009) ratifica essa ideia de que
o trabalho é uma possibilidade objetiva de conectar a teoria e a prática e uma via
importante é o trabalho socialmente útil.
O trabalho socialmente útil é, exatamente, o elo perdido da escola capitalista.
O trabalho socialmente útil é a conexão entre a tão propalada teoria e
prática. É pelo trabalho, em sentido amplo, que esta relação se materializa.
Daí a máxima: não basta compreender o mundo, é preciso transformá-lo
(FREITAS, 2009, p. 33).

Desse modo, reafirmamos o potencial formativo do trabalho socialmente útil,


no sentido de romper com as atividades restritas à sala de aula e formar os estudantes
como sujeitos coletivos, responsáveis pela vida em coletividade, e aproximar a Escola
das ações realizadas na prática social.
Outro elemento que consideramos importante discutir em relação à práxis
dos educadores da Escola Estadual Ernesto Che Guevara é a compreensão da realidade,
na perspectiva de superação da pseudoconcreticidade (aparência dos fenômenos)
e a compreensão da concretividade (essência) da vida social. Nesse sentido, Kosik
(1989) apresenta importantes contribuições ao relacionar o conceito de práxis à
realidade humano-social, como oposta à visão de pseudoconcreticidade. Para ele, uma
compreensão adequada deste conceito deve estar associado ao entendimento do ser
humano como ser ontocriativo, como ser que “[...] cria a realidade (humano-social) e
que, portanto, compreende a realidade (humana e não-humana, a realidade na sua
totalidade)” (KOSIK, 1989, p. 222).
Assim, o ser humano construído nessa perspectiva é capaz de compreender os
fenômenos além de sua aparência, na totalidade, reconhecendo-se como parte deste
todo. Essa compreensão esteve evidente nas falas e relatos das egressas colaboradoras
da pesquisa.
As intenções das colaboradoras da pesquisa, de formar o estudante enquanto
pessoa humana, em sua omnilateralidade, permite o entendimento de que estão se
referindo a outras dimensões da formação, e não somente à dimensão cognitiva, mas
uma formação política, social e cultural. Os discursos delas revelam o reconhecimento
de que tais conteúdos estão relacionados ao fortalecimento da identidade camponesa,
como algo primordial a ser trabalhado na Escola.
A gente tem que possibilitar, aos nossos alunos, uma formação para que
eles consigam fazer uma leitura da sua realidade. Eles têm que receber
instrumentos que contribuam para que ele consiga modificar, melhorar sua
vida. Os conhecimentos tem que estar casados com o que interessa para ele
na vida, e não pode estar desconectado com a vida (Ângela, diretora, dados
da pesquisa, 2018).
Este é o grande “Pulo do Gato”, quando a gente percebe formas para que o
nosso aluno compreenda aqueles conhecimentos que estão estruturados
nos livros didáticos e científicos, as questões relacionadas tanto a português
quanto todas as áreas e disciplinas. Eles têm que estar a serviço para
que o estudante possa melhorar a vida e o cotidiano dele. Tem que estar
ligado intimamente com a realidade. Tem que fazer sentido, o que ele está
estudando e que ele percebe que pode utilizar isso para todos os lugares
onde for, e para o que ele for fazer na vida, ou seja, se ele for ficar aqui,
no campo, trabalhando, ou se for virar um advogado ou outra profissão
(Ângela, diretora, dados da pesquisa, 2018).

Na narrativa acima, há clareza acerca da finalidade dos conteúdos a serem


trabalhados na Escola: que os estudantes possam fazer uma leitura da realidade,
uma leitura do mundo que lhes permitam modificar e melhorar as condições da vida.
Nota-se, também, que há uma compreensão de que os conteúdos não somente estão
conectados com a realidade, mas, também, assumem o papel de contribuir com
sua transformação. Por este motivo, os conteúdos devem fazer sentido, despertar o
interesse dos estudantes, pois eles precisam ver uma utilidade para os conhecimentos
adquiridos ao longo de sua escolarização.
O projeto de formação que se tem buscado para o campo é este que caminha em
direção a uma Epistemologia da Práxis, no qual está explícita a intenção de uma proposta
emancipadora e humanizadora dos indivíduos e seus coletivos. Um novo projeto social
é o horizonte para a atuação do educador na perspectiva de uma organização escolar
que garanta, muito além de uma sólida formação acerca dos conhecimentos científicos
e abranja, também “[...] fundamentos filosóficos, sociológicos, políticos, econômicos,
antropológicos capazes de lhes dar elementos para ir localizando os efeitos e resultados
de sua ação educativa a partir de um contexto bem mais amplo” (MOLINA, 2015b, p.
133).
É reconhecendo a comunidade que a gente começa a entender melhor o
que esse aluno quer e precisa aprender. O que ele quer aprender porque a
gente tem os conteúdos a serem trabalhados, mas precisamos pensar de
que forma a gente vai trabalhar. Então, esta questão que vem ao encontro
da realidade dele, para a gente trabalhar mesmo. É preciso ter clareza sobre
qual o sentido dos conteúdos para a comunidade (Angélica, coordenadora,
dados da pesquisa, 2018).

Destarte, o que a Escola elabora, em relação ao conhecimento, junto a seus


estudantes tem como referência o conhecimento da comunidade, das tensões e
contradições vivenciadas pelos sujeitos no seu contexto social. Não somente a seleção
dos conteúdos é uma preocupação evidente na fala da colaboradora da pesquisa,
também a maneira como ele será abordado, ou seja, a conexão com a vida, os sentidos e
utilidade deles para a vida na comunidade. Este é o caminho proposto pela gestão para
que os conteúdos alcancem maior sentido e função social.
A maneira como os sujeitos são vistos e inseridos nas práticas sociais
da Escola, também, desvelam aproximações importantes com a perspectiva da
práxis. Os envolvidos na vida escolar são reconhecidos em sua dimensão concreta
e historicamente situada, não passivos diante do movimento do real, mas seres
históricos e sociais que atuam na realidade material, para transformá-la de acordo
com um fim. São coletivos que se objetivam e, nessa objetivação, relacionam-se
com outros homens em um ato de autoprodução; produzem o mundo a sua volta
e buscam satisfazer suas necessidades, que são situadas no conjunto das relações
sociais (VÁZQUEZ, 2011; KOSIK, 1989).
Essa compreensão que ressignifica o papel do sujeito é bem discutido por
Markovic (1968), ou seja, a transformação da realidade exige a formação de um sujeito
criativo, que realiza uma atividade consciente e dirigida a um objetivo. Este sujeito
é consciente tanto de si, quanto da natureza, engajado na prática de elaboração,
interpretação e antecipação de acontecimentos. Ele é um ser social, consciente, que se
apropria dos objetos exteriores a si e que modela tal realidade em acordo com os próprios
pensamentos, valores e representações. Nesse percurso, ele não está deslocado do seu
coletivo, pelo contrário, age mais coletivamente, como classe a partir da consciência da
própria situação.
Em diálogo com esse ressignificar do estudante como sujeito social, a
possibilidade que a equipe gestora da Escola pesquisada propôs para fortalecer o
protagonismo dos estudantes e seu vínculo com a vida no campo, foi a auto-organização
da juventude. Para isso, organizaram um encontro da juventude como estratégia para
viabilizar essas intencionalidades, tal como apresentamos nos trechos a seguir:
A ideia é que sejam protagonistas, e é para isso que a gente quer contribuir
[...] criar uma maior interação entre os estudantes das escolas do campo
da região e que eles possam estar conversando, dialogando. A partir deste
evento, esperamos que eles possam realizar outras articulações através
da auto-organização. Mas isso nós estamos iniciando agora e acreditamos
que, a partir do encontro, outras portas se abrirão e que eles conseguirão
entender essa questão da auto-organização, perceber que não precisa só
da gente propor as atividades, mas os estudantes podem propor e realizar
essas propostas (Angélica, coordenadora, dados da pesquisa, 2018).
E isso mudou o comportamento de muitos aqui, o pessoal da organização. A
partir do momento que estiveram na organização do evento, se colocaram
na perspectiva do coletivo. Essa pessoa se transformou de uma forma
incrível. Hoje você vê este aluno como uma pessoa que você pode contar
para vários eventos na Escola, para contribuir com a Escola de várias
maneiras, então isso foi gratificante e eu fiquei muito feliz em relação a
alguns que foram 100%. (...) O trabalho transformou os estudantes de uma
maneira surpreendente. Transformou eles em pessoas diferentes, melhores,
que creio que daqui para frente vai ser interessante contar com eles aqui na
Escola (Rosana, docente da Escola, dados da pesquisa, 2018).

O excerto acima é revelador da dinâmica da atividade realizada pela equipe


docente para incentivar o protagonismo dos estudantes. Inferimos que elas entendem
que inserir os estudantes na coordenação do encontro da juventude é uma forma de
possibilitar a organicidade. Ao colocar os estudantes da Escola para organizar o evento,
tanto nos acontecimentos que o precedem (planejamento, organização, divulgação),
quanto nos que acontecem durante, no acolhimento dos estudantes de outras
comunidades, contribuirá com o processo formativo e com a organização da juventude
camponesa. Ao falar que a ideia é que sejam protagonistas, as gestoras demonstram
suas significações acerca de como deve ser vista a atuação do jovem na vida escolar.
As falas das colaboradoras demonstram uma percepção do quanto é
importante o protagonismo dos estudantes. Que estes sejam envolvidos, engajados
e comprometidos com a construção de um novo projeto social e, por isso, deve ter
garantida uma sólida formação durante seu percurso formativo. Teoria e prática unem-
se em um projeto de transformação social que perpassa, também, a transformação das
relações sociais na escola abrangendo uma compreensão omnilateral, contemplando
fundamentos filosóficos, sociológicos, políticos, econômicos, antropológicos (MOLINA,
2015a). E, neste percurso formativo, formar intelectuais orgânicos da classe trabalhadora
(GRAMSCI, 2001), que possam fortalecer a luta do campesinato na resistência e
permanência no campo.
Antes de finalizar esta seção, consideramos importante discutir outra questão
relacionada ao exercício da práxis que é a formação do docente comprometida com
a transformação da realidade social e humana. Noronha (2010, p. 5) argumenta que
sem fundamentação teórica e epistemológica é impossível, ao professor, realizar
as mediações histórica, social, cultural e ética que articulam o senso comum e os
conhecimentos científicos.
Somente a dimensão teórico-epistemológica confere ao professor a
capacidade de compreender e atuar na dimensão técnica e didática, no que
se refere à organização do currículo como síntese entre os conhecimentos
dos alunos e das práticas sociais mais amplas e o conhecimento científico
sistematizado (NORONHA, 2010, p. 6).

A práxis deve ser compreendida, não como qualquer atividade, mas como
atividade social dirigida a um fim, mediada pelo próprio trabalho, por meio do qual o
homem modifica a natureza, se modifica e modifica os ouros homens, consistindo, pois
em uma atividade social e não individual (NORONHA, 2010, p. 10-11).
Essa percepção esteve presente na Escola pesquisada em vários momentos
vivenciados pelos pesquisadores. Foi possível constatar que há, na Escola Ernesto Che
Guevara, uma percepção de que a educação é uma ferramenta de enraizamento das lutas
e possibilidade de formação de lutadores e construtores do futuro. O trabalho coletivo,
não somente no interior da Escola, também na articulação com outras Escolas do Campo,
favorece a formação de sujeitos que não somente compreendam a sua realidade como
possam, também, articular-se para transformá-la. Desse modo, apreendemos, a partir
das significações enunciadas pelas colaboradoras da pesquisa, que a transformação da
forma escolar não está dissociada da formação para a emancipação humana e justiça
social. No entanto, esse não é um processo que se faz no isolamento, mas na articulação,
no trabalho coletivo, nos debates e na participação de todos os que compõem a vida
escolar e comunitária.
Até aqui discutimos que há um projeto hegemônico de formação que é
prejudicial ao trabalho docente e disseminado em políticas educacionais que tendem à
epistemologia da prática, no entanto, a perspectiva histórica construída pelo movimento
da Educação do Campo pressupõe outra lógica e projeto educativo comprometido com
o exercício da práxis emancipadora e transformadora da realidade, na perspectiva da
classe trabalhadora. Nessa direção, a experiência relatada nesse artigo desvela uma,
entre várias, experiências que estão sendo materializadas no país no sentido de forjar
uma proposta emancipadora e humanizadora dos seres humanos.

Considerações finais
Diante do objetivo de dialogar acerca das ações e práticas formativas realizadas
por egressas da Licenciatura em Educação do Campo, junto aos coletivos que integram o
cotidiano da Escola Estadual Ernesto Che Guevara e, evidenciar ações que se aproximam
do exercício da práxis, na concepção de formação omnilateral dos sujeitos do campo,
o conjunto dos argumentos apresentados e a análise das experiências discutidas neste
texto, nos permitiram constatar indícios e possibilidades de exercício da práxis no
contexto da escola básica do campo.
A Escola do Campo, mesmo diante das tensões e contradições da realidade,
tem buscado construir caminhos para unir teoria e prática em um projeto de educação
como prática social e, de qualidade referenciada no social, principalmente, pelas lutas
protagonizadas pelos sujeitos coletivos organizados e pela necessária transformação da
realidade.
Os trechos analisados nesse artigo desvelam o esforço do coletivo escolar
diante das possibilidades de um agir comprometido com a práxis transformadora.
Percebemos a educação entendida como uma prática social mais ampla, comprometida
com a compreensão da totalidade dos fenômenos que incidem sobre a realidade (as
contradições, tramas, tensões e desafios que envolvem as comunidades).
Importante destacar que a Licenciatura em Educação do Campo da
Universidade de Brasília representa um importante processo formativo, que contribuiu
com o trabalho que as egressas realizaram no contexto escolar. A referida Licenciatura,
por assumir como premissa uma proposta de formação de professores, amplamente,
compreendida com a práxis, advoga em favor do trabalho pedagógico focado na
unidade entre a teoria e a prática, com vistas ao conhecimento e transformação
da realidade, “[...] na perspectiva de que os educandos desenvolvam a capacidade
de articular a leitura de suas realidades, valendo-se do conhecimento científico”
(MOLINA, 2014, p. 286).
Finalizamos esse artigo, porém não esgotamos a discussão sobre as
possibilidades da práxis, no contexto escolar. No entanto, não alimentamos a ingênua
percepção de que essa atitude seja fácil, livre de tensões, dilemas e contradições de
diferentes tipos. Estas contradições estão presentes no cenário político, social e
econômico atual e impõem sérios desafios à luta dos trabalhadores e trabalhadoras
do campo. Apesar disto, a matriz formativa das LEdoC refuta a lógica neoliberal de
responsabilização individual do docente pelas mazelas educacionais, muito forte na
epistemologia da prática, bem como seu projeto de formação pragmática que esvazia o
caráter crítico, emancipador e revolucionário da educação.
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EDUCAÇÃO DO CAMPO E A CONSTRUÇÃO DE SUJEITOS SOCIAIS COLETIVOS NA
ESCOLA DO CAMPO JOÃO SEM TERRA, ASSENTAMENTO 25 DE MAIO
Sandra Maria Vitor Alves

Resumo
Neste artigo busca-se apresentar um olhar sobre a Educação do Campo e
a construção de sujeitos sociais coletivos, compreendendo como essa afirmação se
materializa na Escola do Campo João Sem Terra, Assentamento 25 de Maio. O presente
ensaio objetiva contribuir na discussão da temática, destacando as lutas e as práticas
educativas que se constituem como chave política e teórica na formação do sujeito
social coletivo. Pretende-se também refletir sobre o sistema educacional brasileiro
e o projeto político-pedagógico da escola enfocando nas lutas e práticas educativas
que se confrontam nos dois projetos em disputa. Além disso, analisa a concepção de
Educação do Campo e o desafio de ter os camponeses como protagonistas principais
deste debate, identificando as amarras do sistema educacional que a Escola do
Campo precisa romper para avançar na materialidade da Educação do Campo.
Neste sentido, busca-se expor algumas questões que consideramos importantes
para a temática trabalhada. Na primeira parte, abordaremos sobre Educação/
Escola do Campo/Educação Crítica. Na segunda parte deste trabalho, reflete-se
sobre as práticas educativas do projeto de Escola do Campo que contribuem para
a formação de sujeitos sociais coletivos. Em terceiro lugar, detém-se aos relatos e
algumas reflexões sobre os resultados e discussões no que tangem a uma efetiva
contribuição das práticas educativas do cotidiano da escola para a formação do
sujeito social coletivo. Portanto, apresenta-se ainda sobre as estratégias políticas
e pedagógicas do currículo da Escola do Campo na especificidade da Escola João
Sem Terra. E, por fim, relata-se sobre o desafio da escola da classe trabalhadora
camponesa no romper das amarras do sistema educacional.
Palavras-chave: Educação do Campo. Sujeito social coletivo. Práticas educativas.

Introdução
Em se tratando de Educação do Campo, o primeiro organismo que vem em
mente são as suas lutas sociais que, a partir dos movimentos sociais tem definido o
projeto de Educação do Campo coletivamente pelos próprios sujeitos camponeses.
Com base nessa temática, o presente artigo discute sobre as lutas e práticas
educativas que se constituem como chave política e teórica na formação de sujeitos
sociais do campo na Escola João Sem Terra, Assentamento 25 de Maio, Madalena-CE,
refletindo sobre a história da educação brasileira, considerando uma integração ao
Projeto Político-Pedagógico da escola.
Neste, a discussão empreendida trata-se sobre as lutas e práticas educativas
que se constituem como chave política e teórica na formação de sujeitos sociais e
coletivos, compreendendo a Educação do Campo como um instrumento de luta e
construção de um outro projeto de sociedade includente, democrática e plural, deve,
assim, contribuir para uma outra lógica de relação entre o campo e a cidade.
A Educação do Campo trata do desafio de construir saídas contra a hegemonia
do capital no cotidiano da Escola do Campo, nesse sentido, questiona-se: que educação
se tem hoje? Qual modelo de educação é interessante para os sujeitos sociais? Como
a Educação do Campo contribui na construção de sujeitos sociais coletivos? Quais as
práticas educativas que se confrontam nos dois projetos em disputa?
Portanto, entende-se que os camponeses ao longo da história do Brasil foram
assolados por uma tendência dominante que marcou o campo com políticas de exclusões
e desigualdades sociais. Os povos do campo foram vítimas de um modelo de educação
rural imposta pelo estado brasileiro, com objetivos muito bem definidos, dentre eles
assegurar o modelo de sociedade e agricultura que atenda ao projeto do capital. Uma
educação restrita, limitada a preparação de mão de obra minimamente qualificada para
um banco de trabalhadores com mão de obra a baixo custo.
Contrapondo-se a essa realidade, os camponeses ergueram-se contra essa
marginalização de exclusão e passaram a lutar como sujeitos sociais coletivos pelo seu
lugar social no país, construindo alternativas de resistência ao modelo de educação
excludente, que se perpetua até os dias de hoje no sistema de educação brasileira.
Neste sentido, é preciso construir projetos de educação vinculados às causas,
aos desafios, aos sonhos, à história, às lutas e à cultura dos povos do campo. Uma
política educacional que assegure os interesses e as especificidades sociais da classe
trabalhadora, principalmente a camponesa.
Contudo, destaca-se e sintetiza-se a importância do apanhado das práticas
educativas contidas no projeto político-pedagógico da Escola do Campo que se
efetivam no cotidiano da Escola do Campo João Sem Terra. Experiências analisadas com
intencionalidade política e pedagógica de impulsionar a formação do sujeito social, bem
como contribuir com a auto-organização e a formação de coletivos, na superação da
dura história de exclusão social vivenciada neste país, em que o acesso à educação foi
chave decisiva em 500 anos de desigualdade social. Uma educação que possibilite aos
camponeses saírem da condição de indivíduo subordinado e passivo a assumirem posição
de sujeito social coletivo, capazes de buscar condições para transformar a sociedade, a
partir da realidade em que está inserida. Como destaca Bahniuk (2015): “ [...] frente à
necessidade de romper a hierarquia do poder na escola centrada na sala de aula, na
qual o professor assumiu a representação da autoridade e da opressão é necessário criar
novas formas participativas que incorporem os educandos na condução da escola...”
(BAHNIUK, 2015, p.176-177). Para tal, objetiva-se a reflexão sobre educação; Escola
do Campo; educação crítica, dialogando com as formulações de autores como: projeto
político-pedagógico da citada escola; Freitas: Os Empresários e a Política Educacional;
Leher: Organização Política e o Plano Nacional de Educação; Frigoto, Educação Básica
no Brasil; SILVA, Fundamentos Políticos e Pedagógicos para a Educação do Campo a
Escola do Campo; BAHNIUK- Experiências Escolares e Estratégia Política: da Pedagogia
Socialista à Atualidade do MST. Sobre as dimensões apreendidas destacamos sujeito
social coletivo; resultados e discussões; estratégia política e pedagógica do currículo da
Escola do Campo na especificidade da Escola do Campo João Sem Terra; A escola da
classe trabalhadora no romper das amarras do sistema educacional.

A metodologia
Para o desenvolvimento do estudo sobre a Educação do Campo e a construção
de sujeitos sociais coletivos na Escola do Campo João Sem Terra, Assentamento 25 de
Maio, consideram-se as seguintes etapas:
Etapa I – Revisão bibliográfica: fundamentada na leitura de obras que tratam
da política educacional brasileira e Educação do Campo, integrado à análise do projeto
político- pedagógico, Escola do Campo João Sem Terra;
Etapa II – Coleta de dados: a partir de pesquisa qualitativa exploratória,
com a realização de entrevistas com os sujeitos que compõem a escola (coletivo de
educadores (as), coletivo de educandos (as) e coletivo de funcionários (as), colegiado
de gestão da escola, setor de educação do assentamento). Pretende-se ainda observar o
funcionamento da organicidade da escola.
Etapa III – Tratamento dos dados coletados: considerando uma análise
qualitativa destes, integrando-os aos conceitos e alicerces teóricos anteriormente
considerados.
Etapa IV – Elaboração do relatório final: analisando com observação direta e
indireta como a Escola do Campo João Sem Terra no seu cotidiano avança no processo
de materialização da Educação do Campo, verificando o conjunto de práticas e teorias
que contribuem para a formação do sujeito social coletivo.

Educação/escola do campo/educação crítica:


A educação como um fundamento crítico
Toda educação tem uma relação intrinsecamente ligada ao modo, a uma
concepção de vida. É um processo social histórico de humanização que ocorre
mediada por suas atividades coletivas, criativas, autônomas e complexas, analisadas
e refletidas de acordo com cada época. Nesse sentido, não se pode tratar a educação
sem relacionarmos à estrutura da sociedade. Educação refere-se à concepção de vida
e sociedade. Logo, numa sociedade dividida econômica, política, culturalmente têm-se
projetos diferentes de educação e de sociedade.
Assim, algumas questões podem ser abordadas: que educação é essa? Qual a
educação almejada pelos movimentos sociais? Como a Educação do Campo contribui na
formação de sujeitos sociais coletivos? Quais as práticas educativas que se confrontam
nos dois projetos em disputa? A resposta a essas questões são antagônicas, e estão a
depender do projeto de classe e de sociedade que cada um defende.
A educação como um processo social e humano, pode-se direcionar para o
projeto predominante de cada sociedade. Afinal, o ser humano forma-se a partir do
trabalho, da cultura, da luta social e da experiência de opressão. O desafio é a educação
submeter-se a integralidade do ser humano.
Na sociedade primitiva, educação e trabalho eram indissociáveis, essa mudança
ocorreu a partir do surgimento da propriedade privada e da divisão do trabalho. Na
sociedade moderna capitalista, o trabalho destitui-se do seu caráter educativo e a escola
assume seu lugar por excelência na educação.
Com o avanço da sociedade moderna capitalista o trabalho passou por uma
reorganização seguida de uma fragmentação, cujo trabalhador sofreu várias perdas,
entre elas o direito a terra, o controle e o conhecimento do trabalho. Nesse sentido,
a sociedade capitalista necessita de mão de obra para o mercado de acordo com os
interesses do capital. Daí surge a necessidade de uma escola dual, ou seja, a escola da
elite versus a escola da classe trabalhadora.
Essa estrutura dual, perversa, de escolarização permanece até os dias de hoje,
na segunda década do século XXI, como informa Frigotto (2014,p.52) “uma estrutura
dual de escolarização, reservando a classe trabalhadora uma formação instrumental e
de cunho adestrado”. O fato é que a escola tem na sua origem e essência, a hegemonia
da classe dominante, muito embora trate-se de um direito assegurado da classe
trabalhadora conquistado com muita luta a medida que essa classe se organiza e
reivindica a educação como um direito.
Infelizmente, a ideia que predomina do ser humano de valores e sociedade, é
aquela do projeto da classe dominante, que reproduz relações machistas, homofóbicas,
de exclusão e submissão, afinal esta escola não foi feita para ensinar tudo a todos, não
lhe interessa uma formação que trabalhe as várias dimensões do ser humano, algo
relatado por Freitas:
Com o discurso do direito restrito a aprendizagem do básico, perpetua-se por
um lado a exclusão dos processos de formação humana e ao mesmo tempo
libera-se a conta-gota o conhecimento necessário para que a juventude
dê conta de atender as demandas das novas formas de organização da
produção (FREITAS, 2014,p. 63).

Para Frigotto (2014), o que causa espanto ao tentar entender a sociedade


brasileira, é o fato de o Brasil chegar entre as sete economias do mundo e, mesmo assim,
manter perpetuado o direito negado à educação básica completa à maioria da população
de jovens e adultos, além do fato de ter mais de 13 milhões de analfabetos, e uma dívida
incalculável com a educação infantil para os mais pobres da classe trabalhadora.
Ainda conforme Frigotto (2014), visualizam-se avanços no que tange a
universalização do ensino fundamental, porém sem oferecer as bases materiais de uma
aprendizagem adequada, no que se refere as estruturas físicas, e o investimento custo-
aluno, necessário para assegurar uma aprendizagem com qualidade.
Quanto ao ensino superior, ocorreu um acesso ampliado, porém com a
qualidade comprometida em detrimento de uma aceleração seguida da privatização
do ensino, além da expansão dos cursos à distância, de baixa qualidade, que chegaram
a atingir 80% das matrículas do ensino superior privado no país, conforme o autor
(FRIGOTTO, 2014).
No que se refere ao ensino médio, como destacado pelo referido pesquisador, é
necessário ressaltar que aproximadamente 18 milhões de jovens entre 15 e 24 anos estão
fora da escola, número este que corresponde a aproximadamente metade da população
brasileira, sendo que dos 35% que frequentam a escola hoje estão fora da idade série
adequada. Para conter isso, a estratégia adotada é a aceleração da aprendizagem, para
“justamente aqueles que necessitam de tempo mais lento e ampliado para recuperar o
que socialmente que se lhes negou” (FRIGOTTO, 2014).
Diante de tamanha negação e precariedade ao direito à educação,
principalmente a juventude no ensino médio, a saída que o Brasil tem adotado é a
estratégia da política compensatória, com a criação de programas e mais programas, a
partir de instituições geridas de forma privada com fundos públicos. Trazendo a partir
disso o discurso de qualificação de mão de obra da juventude e inseri-los no mercado de
trabalho (FRIGOTO, 2014).
O Brasil tem um marco na sua história, quanto à negação ao direito a educação
à sua população trabalhadora. O pouco que é conquistado sobre educação acontece
junto aos movimentos das grandes corporações, que tem se apropriado do ensino
público, transformando-o em mercadoria de acordo com os interesses e necessidades
do capital.
Anteriormente evidenciado mais no ensino superior, porém nos últimos
tempos, essas corporações têm avançado de forma significativa ao mercado do ensino
médio e profissional, a exemplo o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e
Emprego (PRONATEC) (FREITAS, 2014).
Na história da educação de vários países os empresários sempre expressaram
interesse e estiveram presentes no cenário educacional, bem como informa Freitas
(2014, p.61) “Os empresários sempre interferiram nos processos educacionais desde os
tempos da teoria do capital humano”. Para o autor, no momento atual, está ocorrendo
uma mobilização duplicada, no sentido dos interesses das grandes corporações sobre
a educação, que podem ser consequências das modificações nos últimos tempos
ocorridas no âmbito econômico e social do país.
O conflito está entre o entendimento do que é uma boa educação ou não,
que para os empresários limita-se a ler, escrever, contar e algumas habilidades de
interesse das fábricas e do capital. Para os educadores que acreditam em uma educação
libertadora, uma boa educação vai além de ensinar a ler, escrever e a contar, não pode
estar dissociada da vida, e da realidade concreta do sujeito educando. Portanto, trata-se
de uma educação que compreenda as várias dimensões do ser humano.
Neste contexto, não se pode ignorar que a escola atual, foi concebida da escola
dual, com objetivos muito bem definidos que permanecem até os dias de hoje, algo que
para Freitas (2014, p. 63) refere-se a:
[...] isolar as crianças da vida, vale dizer das contradições sociais. A
proximidade com estas, levaria a juventude a pensar sobre a nossa forma de
organização social e seus limites, ensejando desejos de mudanças ou revolta.
Isolados no interior da sala de aula, restritos a aprendizagem do básico,
lhe é prometido um dia, chegar aos níveis mais avançado e complexos de
educação, que de fato nuca chegarão a ver.

Essa é a educação que convém ao capital e por mais que alguns educadores
defendam a tese de uma educação libertadora, as corporações dos setores dominantes
resistem em não concordar e não abrem mão das amarras como programas e sistemas
de avaliações que asseguram seus objetivos, algo que conforme informa Leher (2014,
p.71) trata-se da “prática capaz de converter o conhecimento e a formação humana em
capital humano”.
A expressão anterior do autor, mostra-nos que são convertidos o conhecimento
e a formação humana em capital humano, é assim evidenciado no avanço compulsório
da profissionalização do ensino médio, na despolitização da educação por meio do
tecnicismo educacional, no drástico esvaziamento de conteúdo científico, histórico,
cultural, tecnológico e artístico.
Um ensinamento limitado aos livros didáticos e o mais grave, estes
elaborados pelas corporações que ao invés de conhecimento científico, limitam-se aos
descritores, competências e habilidades exigidas nas avaliações externas. Dessa forma,
potencializando um engessamento das práticas educacionais no “chão” de cada escola,
com ameaças da instauração de financiamento a estas, dirigidas pelos resultados, sendo
a gestão escolar ameaçada para focar em metas e eficácia da qualidade total. Um local
onde todos são reféns nas mãos das grandes corporações, a exemplo, as formações
dadas pelo Banco Mundial e outros, no qual esvaziam a escola do seu verdadeiro sentido
de educar, como destacado por Freitas (2014).
Enfim, compreende-se que há uma grande tarefa revolucionária a enfrentar,
enquanto educadoras e educadores comprometidos (as) com o desafio do cotidiano das
escolas, em fazer uma contra-hegemonia a este sistema educacional que tanto oprime,
principalmente aos mais pobres, que por sua vez, são os que mais necessitam de uma
educação libertadora.
Sabendo que as forças das corporações são imensas, porém já informava
Gramsci (apud LEHER, 2014, p.79) que “a formação da consciência de classe
não é espontânea e tampouco é possível sem ruptura com a ideologia da classe
dominante”.
O desafio da classe trabalhadora é tomar para si a tarefa educacional em
suas mãos e impulsioná-la na perspectiva libertadora e suas implicações, uma vez que
a educação é uma ferramenta importantíssima para o avanço no enfrentamento do
sistema capitalista, que segundo Marx (apud LEHER, 2014, p. 77) “a educação é um
desafio dos trabalhadores ainda no capitalismo”.

Sujeito social coletivo


A escola destinada aos trabalhadores, com seus fins reais, nunca foi formar
um sujeito social, mas sim, ensinar o básico de acordo com a necessidade do capital
e fortalecer os valores e os princípios individuais, um incentivo a concorrência e a
outros princípios necessários para o fortalecimento cada vez mais de uma sociedade
individualizada, submissa e passiva. Nesse sentido, a Educação do Campo surge do
bojo dos movimentos sociais com objetivos muito bem definidos, como fazer contra-
hegemonia a escola que temos. Destacam Sales e Sousa (2016, p. 129) que:
O termo Escola do Campo nasce da própria discussão da Educação do
Campo; se a última é contra-hegemônica, a primeira também deve ser.
Nesse sentido as duas estão em uniformidade com o contexto de luta com
os movimentos sociais. Assim na Escola do Campo concretiza-se o Projeto de
Educação para a classe trabalhadora originário no movimento da Educação
do Campo”.

Assim sendo, a Escola do Campo tem o desafio de romper com alguns


paradigmas, a exemplo conquistas individuais como resquícios carregados de uma
sociedade individualizada e subordinada.
Para a efetivação deste rompimento, faz-se necessário práticas e estratégias
pedagógicas escolares, na perspectiva de trabalhar as várias dimensões do ser humano,
como condição necessária à formação de um outro homem, uma outra mulher.
(CEARÁ,2012). Algo referente ao que se chama de sujeito social coletivo, capazes de
assumirem as causas, os sonhos, as lutas, os desejos, a organização coletiva do campo,
dos assentamentos, e a própria Educação do Campo dos trabalhadores camponeses,
independente da profissão ou espaço que este sujeito venha ocupar na sociedade.
Rompendo com os paradigmas preconceituosos e a dicotomia que ao longo
da história deste país foi culturalmente trabalhada entre o campo e a cidade, com a
escola voltada a atender os interesses do capital, exercendo com muita eficácia este
papel de trabalhar a cidade como o espaço do desenvolvimento do futuro, do moderno
e o campo como espaço do atraso, lugar a ser superado, conforme (SILVA, 2013).
Logo, a Escola do Campo tem o desafio de no seu cotidiano fazer uma
contra hegemonia ao capital, e ao sistema educacional brasileiro assim sendo, a
intencionalidade política pedagógica da Escola do Campo é romper com o modelo
de sociedade individualizada, na perspectiva da construção de uma sociedade mais
justa e igualitária, onde os valores humanistas e socialistas superem o individualismo
culturalmente imposto pelo capital.
Como informado por Carvalho (2016, p. 162) “Uma sociedade diferente é
possível com a participação do trabalhador no centro das decisões”. Essa participação
só trará uma sociedade diferente se a escola contribuir com estratégias pedagógicas
capazes de proporcionar aos educandos (as) espaços de ensaios que lhes assegurem
gerir uma gestão de fato coletiva. Para Bahniuk, a auto-organização dos educandos
(as):
[...] rompe com relações pedagógicas fundamentada na exploração e na
subordinação. Refere-se a criação de espaços coletivos, removendo a
centralidade das decisões escolares de um grupo reduzido de pessoas,
contando de fato com a participação ativa e criativa dos educandos (as)
desde pequenos na construção e condução da escola. ( BAHNIUK, 2015, p.
157).

No Brasil, quem planeja a educação são as grandes corporações com os


interesses da classe dominante. Logo, quem define as formas, práticas estratégicas e
teorias a serem estudadas na escola são os patrões. Em qualquer indicativo, constata-
se historicamente que a escola atual, já não serve para a classe trabalhadora, pois é
pensada para atender aos interesses e a necessidade da classe dominante. Mesmo
assim, essa educação de conhecimento limitado e fragmentado que criticamos foi
duramente negada as populações camponesas.
A partir do momento que os trabalhadores e trabalhadoras Rurais Sem Terra
organizam-se coletivamente e assumem a bandeira de luta pelo direito a terra, logo
pautam a educação como direito, e reivindicam que essa educação represente os
camponeses. Os camponeses Sem Terra lutam por uma escola que tenha como referência
o campo, com todos os seus valores e autoestima elevada e não negada. Os camponeses
precisam de uma escola que os ajude a compreender a realidade, superar preconceitos
e a viver melhor no campo. Como nos afirma Sales e Sousa (2016, p. 126): “O MST, na
qualidade de sujeito do campo, acumulou desde sua fundação, formas de fazer e pensar
a educação em seus acampamentos e assentamentos, levando aos (as) trabalhadores
(as) a oportunidade de pensarem sobre si mesmo (as) e sobre as condições sócio-
históricas a que foram sujeitados (as). Só compreendendo o poder e a opressão presente
nas relações de classe é que poderão escrever o enredo em que os (as) trabalhadores
(as) serão livres para produzirem e reproduzirem suas vidas na terra, em uma sociedade
mais justa e igualitária”. Uma escola pensada e protagonizada coletivamente pelos seus
sujeitos, que tenham vínculo com os seus valores, saberes, problemas, causas, sua
cultura, seu trabalho, seus desejos, suas lutas e realidade. (CEARÁ, 2012).
A educação precisa está vinculada ao projeto da classe camponesa, nesse
sentido, os trabalhadores camponeses são os protagonistas da Escola do Campo, com
o desafio de ousar fazer esta a partir da crítica da escola atual, como nos afirma Silva
(2016, p.120). Como projeto, constitui-se em intencionalidade a ser materializada pelo
o povo camponês em sua luta. E para tanto, não existe modelo, nem receitas; tem que
ser criativamente inventada. E mais que isso, precisa ser disputada, uma vez que seu
vínculo com o projeto de campo, antagônico ao projeto hegemônico capitalista do
agronegócio, coloca a escola num campo de “disputa ideológica”. Portanto, a Escola
do Campo está em permanente processo de construção coletiva. Sem coletividade é
impossível haver Educação do Campo. No entanto, evidencia-se através do currículo
desta escola, práticas educativas, estratégias políticas e pedagógicas, assim como
elementos e proposições significativas para a construção da materialidade do Projeto
de Educação do Campo.
Nesse sentido, o Projeto de Educação do Campo é concebido pelo projeto
político-pedagógico da Escola do Campo que tem como sustentação alguns pilares com
a intencionalidade política de contrapor a educação capitalista, que são:
a) Uma escola pública e camponesa: com essa afirmação, observa-se que a
escola considera os sujeitos como protagonistas da Escola do Campo, ou seja, ela é
pública porque tem como mantenedora o Estado, responsável por fornecer a Educação
de maneira gratuita, e também é camponesa, pois é gerida coletivamente pelos sujeitos
camponeses. Como nos afirma Silva (2016, p.121) “[...] Não basta que seja estatal,
precisa ser autogovernada; e a classe trabalhadora camponesa, autoeducada”.
b) Uma escola formadora do homem e da mulher do campo: para a efetivação
desta afirmação se faz necessário mudanças no currículo da escola, bem como a seleção
de conteúdos formativos socialmente úteis, que possibilitem a formação integral dos
educandos e contribuam com o processo de construção que está sendo chamado de
sujeito social coletivo, tal mudança perpassa os processos econômicos, políticos e
cultural. Algo que para Silva (2016, p.121), “a vivência e a memória coletiva dos sujeitos
do campo para a Escola do Campo precisam romper com a lógica da escola capitalista,
formadora do capital humano”.
c) Uma escola promotora do território camponês: como já afirmado
anteriormente, esta escola não está construída, encontra-se em constante e árduo
processo de construção, implica em um outro projeto de campo e de agricultura
camponesa e sociedade, conforme Silva (2016, p. 122) “ Uma escola que relacione
teoria e prática, a partir dos desafios concretos e significativo da vida das comunidades
camponesas e seus sujeitos, numa íntima relação entre escola e comunidade”.
d) Uma escola em construção e luta permanente: Nesse sentido em que
os sujeitos do campo protagonizam a construção desta escola se faz necessário um
movimento permanentemente em torno da formação política, pedagógica, econômica
e cultural, a partir de uma avaliação, autorreflexão, planejamento, disputa ideológica,
conflitos e muito estudo de todos os sujeitos envolvidos nos processos. E as lutas da
Escola do Campo não podem estar separadas das lutas dos trabalhadores, sem esse
esforço não se avança na materialização da Escola do Campo.

Estratégias políticas e pedagógicas do currículo da


Escola do Campo na especificidade da Escola João Sem Terra
Na tentativa de contrapor ao projeto de escola e de educação do capital
o currículo da Escola do Campo João Sem Terra dispõe de estratégias políticas e
pedagógicas que possibilitam a materialização de um outro projeto de escola que
considere as mais diversas dimensões da vida do ser humano. Para isso, o projeto
político e pedagógico da supracitada Escola do Campo é centrado em alguns
fundamentos que são: a formação humana, vínculo com a realidade, componentes
curriculares integradores, vínculo com o trabalho, organização coletiva, gestão
democrática, conforme (CEARÁ,2012).
Foto 1 - Rol da entrada da escola

Fonte: A própria pesquisadora


Para que se materialize estes fundamentos na construção coletiva do currículo
da Escola do Campo os sujeitos camponeses como construtores desta escola apostaram
em algumas estratégias que foram: componentes curriculares integradores; campo
experimental da agricultura camponesa e da reforma agrária; inventario da realidade;
tempos educativos; projetos de intervenção na realidade. Nesse sentido, a organização
curricular do projeto político e pedagógico do ensino médio do campo dispõe em sua
parte diversificada da inserção de três novos componentes curriculares integradores.
No desafio da escola de romper com seus muros e tomar para seu currículo o estudo da
realidade e a pesquisa, como um princípio educativo, é que foi inserido o componente
curricular integrador chamado de Projeto Estudo e Pesquisa com duas horas aulas
semanais lecionadas por um professor formado em qualquer uma das três áreas do
conhecimento.
Com o objetivo de avançar no fundamento do vínculo com o trabalho como
um princípio educativo em um movimento de articulação entre educação e o trabalho
produtivo é que o currículo do Ensino Médio do Campo conta com o componente
curricular integrador chamado de Organização do Trabalho e Técnicas Produtivas (OTTP)
com uma carga horária de 4 h/aulas semanais lecionadas por um profissional Engenheiro
Agrônomo.
Para que o currículo possa abranger outras dimensões da vida no que tange
ao fundamento da formação humana assegurando a organização coletiva, participação
social e política, mística, animação da cultura camponesa, o currículo da Escola do Campo
conta com o componente curricular integrador chamado de Prática Social Comunitária
com uma carga horária de 2 h/aulas semanais trabalhada por um professor formado, de
preferência, na área do conhecimento das Ciências Humanas.
O Inventario da Realidade é outra estratégia que se efetiva no cotidiano da
Escola do Campo João Sem Terra, sendo desenvolvido pelo componente curricular
integrador Projeto Estudo e Pesquisa realizado pelos educandos (as) organizados por
comunidades. É uma estratégia inspirada na pedagogia dos complexos, uma pesquisa
diagnóstica coletiva que mapeia as grandes questões da realidade do entorno da escola
e do Assentamento, tendo como referência de partida as matrizes que dão sustentação
a proposta pedagógica da Escola do Campo que são: o trabalho, a cultura, a organização
coletiva, as lutas sociais e a história.
O Inventario da Realidade tem o objetivo de identificar as fontes educativas do
meio para subsidiar os planejamentos coletivos pedagógicos. Essa pesquisa é atualizada
no início de cada ano letivo como primeiro trabalho do ano do componente curricular
integrador Projeto Estudo e Pesquisa executado pelos educandos (as) orientados por
um professor, através de encontros ou reuniões nas comunidades de cunho avaliativa e
propositiva, cujo sujeitos camponeses têm a oportunidade de avaliar e propor sobre o
trabalho desenvolvido no chão da escola com essa estratégia.
O segundo momento da pesquisa realizado na escola trata da socialização dos
trabalhos realizados nas comunidades, seguida da escolha das porções da realidade que
irão dialogar com os mais diversos conteúdos da base nacional comum durante todo o
ano letivo. O terceiro momento trata da construção coletiva, do plano anual da gestão
escolar e do Plano Anual de Ensino da Escola, planejado a partir das porções da realidade
que foram eleitas coletivamente.
O Campo Experimental da Agricultura Camponesa e da Reforma Agrária é
outra estratégia que se efetiva em uma área de produção vinculada a escola doada pelo
Assentamento, coordenada pelo componente curricular integrador, Organização do
Trabalho e Técnicas Produtivas, estratégia pedagógica de integração de teoria e prática,
de produção e disseminação de tecnologias adequadas à agricultura camponesa.
É o espaço das unidades produtivas e das linhas de produção da escola, assim como
também de estudo sobre o conhecimento das disciplinas da base nacional comum que
está no trabalho.
Os projetos de intervenção na realidade são desenvolvidos a partir dos
trabalhos realizados pela escola com a estratégia do Inventario da Realidade, surgindo
as necessidades de intervenções sociais, nesta realidade estudada e que necessita de
transformações. A escola tem em mãos o desafio de impulsionar mudanças. Assim, os
educandos (as) do 2º ano do ensino médio têm como trabalho final do componente
curricular integrador Projeto Estudo e Pesquisa elaborarem um projeto de intervenção
na comunidade e, estes, assegurarem as reais necessidades diagnosticadas nas fontes
educativas do meio pelo Inventario da Realidade.
Somando-se ao trabalho dos(as) educandos (as), a escola trabalha no
seu cotidiano alguns projetos de cunho permanente sobre algumas temáticas que
necessitam de intervenções sociais da escola, como: (O uso dos Agrotóxicos e os
Impactos na Saúde e no Meio Ambiente; Alimentação Saudável um Direito de Todos;
O cultivo das Sementes Crioulas no Assentamento), por exemplo.
Objetivando uma melhor materialização no que tange a Educação do
Campo, a Escola do Campo conta em seu currículo com uma diversidade de tempos
educativos com intenções políticas e pedagógicas acerca de uma educação que
coloque a escola a serviço da formação de um outro ser social.
Foto 2 - Organograma da organicidade da escola

Fonte: A própria pesquisadora


Observa-se nesse organograma, que todos os educandos são sujeitos do
processo participando das decisões coletivamente. Este deverá ser capaz de superar
os valores impostos de uma sociedade individualizada, submissa, passiva e avançar
na auto-organização e formação coletiva, querendo com isso, contribuir com a
formação do que estar sendo chamado de sujeito social coletivo. Nesse âmbito,
elenca-se a seguir alguns tempos educativos, que são:
a) Tempo Trabalho Produtivo: nesse citado tempo, a Escola João dos Santos
de Oliveira tem a intencionalidade de impulsionar a educação de seus educandos (as),
não apenas com a finalidade de adquirir uma profissão, mas sobretudo, construir
outras relações no sentido dos educandos (as) apropriarem-se do conhecimento que
historicamente esteve escondido no trabalho.
Foto 3- Aula prática nas unidades produtivas

Fonte: a pesquisadora.
Contudo, o conhecimento científico das mais diversas disciplinas ajuda os
educandos (as) a compreenderem este conhecimento para melhor intervir na sua
realidade. Este Tempo Trabalho Produtivo efetiva-se duas vezes por semanas, nas
manhãs dos dias integrais da supracitada escola, dialogando mais especificamente com
os conteúdos da Biologia, Química, Matemática e Física em um movimento que possa dá
um melhor sentido a aprendizagem destes conteúdos. Uma vez que se relacionam com
as linhas de produção que são: fruticultura e horticultura, criação de pequenos animais
(avicultura e suinocultura), Plantas medicinais, reciclagem e sustentabilidade.
b) Tempo Formação e Mística. Esse tempo materializa-se em vários momentos
da escola, desde os pequenos aos maiores eventos realizados no cotidiano desta.
Portanto, existe um calendário de rodízio de execução de místicas que possibilita desde o
pensar ao executar destas por todos os sujeitos que fazem a escola organizados nos seus
respectivos coletivos. É um momento de formação social, artística, política, pedagógica
de uma efetiva participação e construção coletiva. A mística ajuda não só a compreender,
mas também a construir um sentimento de valores que tocam não somente a formação
produtiva, mas sobretudo os valores humanistas e socialistas.
c) Tempo Estudo Individual: esse estudo individual materializa-se uma vez
por semana, nas aulas do componente curricular integrador Projeto Estudo e Pesquisa
objetivando desenvolver o gosto pela leitura considerando que na aprendizagem há
processos que são coletivos, porém há outros que são individuais.
d) Tempo Oficinas: efetiva-se no planejamento do calendário escolar sendo
o momento de troca de saberes entre escola e comunidade. É o espaço que a escola
rompe com seus muros e vai até as comunidades trabalhar as oficinas de algumas
temáticas pertinentes as realidades vivenciadas por estas, e que a escola esteja
trabalhando como porção da realidade com os diversos conteúdos da base nacional
comum, e a partir disso, realizar intervenções diretas na realidade. Como exemplo,
tem-se a realização de oficinas sobre como fazer defensivos naturais, contrapondo ao
uso dos agrotóxicos, utilizados pelos camponeses em suas lavouras no Assentamento.
Também é o espaço em que pessoas da comunidade são convidadas para ir até a
escola ministrar oficinas com os educandos (as) e profissionais desta, como exemplo,
a realização de oficinas de remédios com plantas medicinais da linha de produção.
Outras temáticas também são realizadas por pessoas da comunidade, tais como:
pinturas, artesanatos, a culturas tradicionais como: reisado, dramas, teatro, dança,
cordéis, repentes, culinária e outras.
e) Tempo Cultura: é o espaço em que a escola fortalece o cultivo das
manifestações artísticas tradicionais da cultura popular local e regional, momentos
de reflexões e desafios ousados, orgânico ideológico a resistência as ofensivas da
globalização em fase dos mecanismos da indústria cultural de massa. Esse árduo cultivo
efetiva-se no chão da escola, à medida que a escola em seu cotidiano vai renegando as
ofensivas da indústria cultural de massa imposta pela mídia dos meios de comunicação
em detrimento do processo da globalização, no diálogo dos conteúdos e a porção da
realidade chamada grupos culturais do Assentamento.
Nos eventos promovidos pela a escola, a comunidade e também nas oficinas
como já citados, é o espaço de fortalecimento da cultura popular nos diferentes aspectos,
da memória, da alimentação, música do folclore e da convivência social.
f) Tempo Organicidade: esse tempo efetiva-se mais precisamente uma vez
por semana ou quando necessário for no calendário escolar do componente curricular
integrador Prática Social Comunitária e Formação Cidadã, com uma carga horária de 3h/
aulas semanais.
Foto 4 - Assembleia dos estudantes

Fonte: A própria pesquisadora


É o espaço destinado a auto-organização e a formação de todos os coletivos da
escola, desde o coletivo da gestão, dos educadores (as), outros funcionários ao coletivo
dos educandos (as), organizados em núcleos de base ou equipes de trabalho, assembleia
dos educandos ou assembleia geral da escola com a comunidade.
É o espaço de formação, planejamento, discussão e tomada de decisões
sobre os problemas do cotidiano da escola com seus sujeitos, bem como decisões mais
políticas e pedagógicas. Contudo, é nesse espaço de auto-organização chamado tempo
organicidade que se efetiva a gestão participativa coletiva e democrática da escola, é
nesse tempo que todos que fazem a escola se fortalecer organicamente na perspectiva
da construção do ser humano, chamado de sujeito social coletivo, capazes de alavancar
mudanças para transformação a partir da sua realidade.
No entanto, tal projeto não pode ser desvinculado das lutas e da gestão
democrática. Assim sendo, a construção deste sujeito irá emergir quanto, mais ou menos,
esse tempo organicidade que permite a auto-organização e a formação de coletivos
for melhor executado em cada Escola do Campo, considerando as especificidades
de cada uma. Nesta perspectiva, salientamos que a organicidade é o que, há de
mais revolucionário da Educação do Campo por proporcionar a classe trabalhadora
camponesa um experimento laboratorial de gerir a sociedade.
Foto 8 - Equipes de Trabalho

Fonte: A própria pesquisadora

Resultados e discussões
Ao refletir sobre o sistema educacional do Brasil, a concepção de Educação
do Campo, como projeto de escola dos camponeses com um olhar para as práticas
educativas que se confrontam nos dois projetos em disputa, faz com que observemos
as muitas amarras implícitas e explicitas a serem geridas ou rompidas para o avanço
da materialização do projeto de Educação do Campo. Segundo o Presidente da
Cooperativa do Assentamento: A Escola do Campo é o maior instrumento de luta que
o Assentamento 25 de Maio possui.
Segundo umas das educadoras da Escola do Campo:
A Educação do Campo é uma educação diferenciada, que busca trabalhar
o sujeito em suas várias dimensões desenvolvendo nos mesmos um
posicionamento crítico e isso é fortalecido na escola, na organicidade. A
Escola do Campo contribui na formação social e coletiva do sujeito e forma
para agir criticamente, identificar as causas e projetar soluções. (Educadora
da escola).

No entanto, tratando-se da especificidade da Escola do Campo João dos


Santos de Oliveira (João Sem Terra), mencionamos a não consideração do estado em
reconhecer a escola na sua especificidade própria como construtora de seu projeto,
sufocando a escola no seu cotidiano com excessos de projetos e controle. A escola tem
autonomia e precisa ter para construir seu projeto político-pedagógico com objetivos
e práticas educativas que se confrontam nas amarras do sistema educacional e que
tem avançado nas lutas e contradições a medida que vai renegando cotidianamente
as pressões, as exigências e o controle do estado como, financiamento de programas;
avaliações externas e outras como grandes pautas de controle do estado a serem
respondidas no cotidiano da escola e, mensalmente, nas visitas das superintendências
escolares em que o último ponto da imensa pauta é que aborda o projeto da Escola
do Campo.
Ao pedir umas das entrevistadas para discorrer sobre a Educação do Campo no
processo de construção do sujeito social coletivo, afirmou que:
A Educação do Campo consiste em uma realidade para o campo, onde vem
sendo implantada como algo transformador e modificador de opiniões da
classe trabalhadora camponesa, sendo que os sujeitos sociais conseguem
ter uma nova visão de educação e se vê como parte desta transformação
no campo, pois é algo que consegue aproximar realidade local, com seus
saberes populares e suas tecnologias sociais, com o mundo acadêmico e suas
políticas públicas de educação. Estes sujeitos tomam-se pessoas pensantes
e questionadoras, pois são sujeitos que conseguem ter domínio de suas
práticas dentro de um contexto da realidade, fazendo assim uma vivência
importante para o processo de construção da Educação do Campo. A Escola
do Campo vem sendo um grande mecanismo para a formação desses
sujeitos, pois conseguem através da organicidade, dá uma funcionalidade
na discussão dessa temática. (Profissional da escola).

Outro desafio que a supracitada escola tem constantemente a superar são


resquícios de heranças hierárquicas de uma sociedade individualizada de uma escola
excludente, que cada sujeito que direto ou indiretamente está construindo esta Escola
do Campo carrega em si, uns com mais intensidade, outros até inconscientes.
Com isso, implica diretamente nas potencialidades dos processos da construção
do sujeito social coletivo que se intencionaliza a contribuir de forma significativa com as
práticas educativas explícitas.
A formação dos educadores (as) é outro fator determinante para o avanço da
materialização da Educação do Campo, sem isso, não seria possível haver avanços, uma
vez que a formação dos educadores (as) ocorre numa perspectiva antagônica ao projeto
de Escola do Campo por serem detentores de um conhecimento fragilizados sobre as
questões inerentes à realidade do campo às suas causas, suas lutas e aos seus desafios.
Com a intencionalidade de realizar intervenção social nessa realidade a ser
superada a supracitada escola realiza o esforço em seu cotidiano de avançar na formação
dos educadores (as) assegurando em seu calendário escolar espaços para estudos,
planejamentos, avaliações e proposições coletivos sobre o projeto de Escola do Campo
em pelo menos quatro momentos semanais que são:
• Nas manhãs das segundas-feiras, quando estão todos os educadores (as) e
gestão da escola em estudo e planejamentos por áreas do conhecimento com
uma carga horária de 4 h/aulas;
• Às terças feiras à noite os educadores (as) e a gestão escolar estão em avaliação
e acompanhamento do desempenho dos educandos (as) no que tange a
formação humana e ao cognitivo organizados pelo Projeto Professor Diretor de
Turma em uma carga horária de 3 h/aulas;
• Às manhãs das quartas-feiras com carga horária de 4 h/aulas educadores e
gestão escolar estão em estudo, avaliação e planejamento das questões mais
gerais do projeto de Escola do Campo.
• Às manhãs das sextas-feiras, com carga horária de 4 h/aulas, os educadores
(as) estão em estudo e planejamento semi-individuais, onde cada educador irá
se voltar para seu plano, aula específica de sua disciplina que leciona, porém,
dialogando com os demais educadores (as), a partir da estratégia pedagógica
Inventario da Realidade.
Como evidência positiva dessa proposta, uma educanda egressa da escola
reafirma que:
A escola teve um papel fundamental na minha formação pessoal e
profissional, tudo isso atribuído as práticas educativas e ao currículo
diferenciado desde o cultivo das manifestações artístico-culturais, as práticas
agroecológicas, o incentivo a pesquisa e produção de conhecimentos, além
de minha formação como sujeito crítico frente às questões sociais bem como
a valorização da minha origem camponesa. (educanda egressa e estudante
do Curso de Engenharia Ambiental do IFCE).

Com isso, comprova-se o papel fundamental de uma educação diferenciada,


não só a partir do seu currículo, mas também do nível de consciência dos profissionais
que a fazem a escola cotidianamente. Além disso, vale ressaltar que, o educador ou
educadora da Escola do Campo não avança no plano de aula especifico de sua disciplina
sem considerar as contribuições de outras disciplinas com outros conteúdos com o
determinados conhecimentos que precisam serem trabalhados antes.
Contudo, a Escola do Campo não se materializa sem estudos, planejamentos,
avaliações e proposições coletivas, além de encontros estaduais de educadores (as) do
Campo, semanas pedagógicas estaduais; encontros por polos de escolas; todas com foco
na construção e implementação da proposta.
Outro obstáculo como resquícios do sistema capitalista e o projeto de escola
da classe dominante é a perspectiva limitada de vida dos adolescentes jovens, restrita
a conseguir emprego, bem como limites na compreensão da relação entre trabalho e
escola. Como fruto de pouca relação do projeto de escola que está posto com a produção
de autonomia produtiva.
De acordo com a auxiliar administrativa quanto à relação trabalho e escola,
afirma que:
As atividades desenvolvidas remetem-se para uma ótima formação dos
sujeitos e fica tudo evidenciado pelas formas de organização, pela leitura da
realidade na qual estamos inseridos, pela inserção dos sujeitos em todos os
processos e atividades desenvolvidas pela escola que vai desde o trabalho
no campo experimental passando pelo esporte, o lazer, a cultura e chegando
as lutas que não são lutas individuais, mas sim coletivas, realmente
preocupadas com os seus desdobramentos local, regional e nacional.
(Profissional da Escola).

Para contrapor esta realidade, a escola aposta na construção das unidades


produtivas, nas linhas de produção e alguns projetos pedagógicos de intervenção sociais
e políticas, trabalhados pela Escola João dos Santos de Oliveira (João Sem Terra) já
citados antes dentro da estratégia do Campo Experimental da Agricultura Camponesa
e da Reforma Agrária.
Considerações finais
Ao longo deste, buscou-se apresentar um olhar sobre a Educação do Campo e
a construção de sujeitos sociais coletivos, na tentativa de evidenciar como se materializa
na Escola do Campo João dos Santos de Oliveira (João Sem Terra) o trabalho coletivo
na busca de formar sujeitos sociais coletivos. Este, por sua vez, objetivou contribuir na
discussão da temática, destacando as lutas e as práticas educativas que se constituem
como chave política e teórica na formação do sujeito social coletivo.
Com base nisso, espera-se ter alcançado os objetivos propostos nesse trabalho,
esclarecendo a partir da minha pesquisa e da minha vivência no ambiente pesquisado.
Portanto, a partir do acompanhamento com uma visão crítica, fez com que se percebesse
os avanços e os desafios que se precisam melhorar, refletindo a partir da teoria e prática
com o intuito de aperfeiçoar o processo de formação humana, ou seja, da construção do
sujeito social coletivo.
Enfim, compreende-se mais ainda a necessidade da Escola do Campo, de
todos os sujeitos que a constituem no sentido de persistir e avançar no desafio do
enfrentamento da disputa da política de Educação do Campo com o Agronegócio,
garantindo a perspectiva de classe com a formação massiva da juventude para o avanço
em busca da autonomia do projeto de Educação do Campo.

Referências
BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
CALDART, Roseli Salete. A Escola do Campo em Movimento. Currículo sem Fronteiras.
1. Ed. 2003, p. 60-81.
CEARÁ (Estado). Escola de Ensino Médio João dos Santos de Oliveira. Projeto Político -
Pedagógico. Ceará, 2012.
FREITAS, Luiz Carlos de. Os empresários e a política educacional: como o proclamado
direito à educação de qualidade é negado na prática pelos reformadores empresariais.
São Paulo: Expressão Popular, 2014.
FIQUEIREDO, João B de Albuquerque.; VERAS, Clédia Inês Matos.; LINS, Lucicléa Teixeira
(organizadores). Educação Popular e Movimentos Sociais: experiências e desafios.
FRIGOTO, Gaudêncio. Educação Básica no Brasil: entre o direito social e subjetivo e o
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LEHER, Roberto. Organização e Estratégia Política e o Plano Nacional de Educação.
Boletim de Educação nº 12. Edição especial. 1. Ed. São Paulo. Expressão Popular, 2014.
ZIENTARSKI, Clarisse.; PEREIRA, Karla Raphaella Costa.; FREIRE, Perla Almeida Rodrigues.
Escola da Terra Ceará: (Orgs). Conhecimentos formativos para a práxis docente do/no
campo. Assis, triunfal gráfica e editora, 2016
ARTE E CULTURA NA EDUCAÇÃO DO CAMPO:
O TRABALHO COM A CULTURA POPULAR NA ESCOLA
Andriele da Silva Gomes
Luciana Lopes de Carvalho
Maria Dorath Bento Sodré

Resumo:
O presente artigo é resultado de uma pesquisa realizada numa escola municipal
de Educação do Campo que trabalha com a Educação infantil e o Ensino fundamental I,
com o objetivo de conhecer como a arte e a cultura local são trabalhadas e como a
comunidade está envolvida nesses processos. É uma pesquisa de ordem qualitativa e
que se direciona para o âmbito da didática. Aborda aspectos produtivos alcançados a
partir de um Projeto de Identidade, que faz parte da política de Educação do Campo
criada e realizada com as perspectivas de fortalecer a cultura local que estava sendo
esquecida e trabalhar a realidade dos estudantes em sala de aula. Partindo da ideia
deste Projeto de Identidade é que a equipe pedagógica pensa em trabalhar a arte
através das ações pedagógicas para que a aprendizagem dos alunos aconteça. O trabalho
na escola com o reisado da comunidade mostra a relação do trabalho educativo desta
escola que afirma a cultura popular na formação escolar dos sujeitos desta comunidade.
É importante ressaltar que, no povoado de Baixão de Zé Preto, no qual se encontra a
escola pesquisada, a cultura do reisado é a mais conhecida. Este artigo apresenta como
o Projeto de Identidade, ao assumir a cultura local nos processos educativos da escola,
contribui com o envolvimento da comunidade com a escola e a arte, assim, representada
no trabalho didático-pedagógico entendemos que tem favorecido a aprendizagem
significativa dos estudantes.
Palavras-chave: Ensino da arte. Cultura local. Educação do Campo.

Introdução
Gosto de ser gente porque a história em que me faço com os outros e de cuja
feitura tomo parte é um tempo de possibilidades, e não de um determinismo.

(Paulo Freire)
A educação escolar é um elemento importante para que a sociedade possa
ampliar seus horizontes, desenvolver novas formas de pensar e de se relacionar com o
mundo, sendo necessária uma educação libertadora, que permita aos sujeitos envolvidos
construir a sua autonomia e a sua identidade.
No contexto educacional de hoje em dia, procurar a melhor maneira de garantir
uma educação neste formato não vem sendo uma tarefa fácil, mas, a cada dia, percebe-
se mais a presença desta educação nas escolas e na legislação educacional. Desta forma,
a arte e a cultura entram para contribuir neste processo, pois é de se observar que com
o passar do tempo a educação tem se preocupado não só com a aprendizagem dos
conteúdos, mas também em possibilitar que os estudantes se expressem, criem, utilizem
sua imaginação e demonstrem suas emoções. A arte se torna, assim, uma ferramenta
imprescindível para que tudo isso aconteça.
A valorização da cultura local do mesmo modo se faz importante neste processo
de ensino e aprendizagem, visto que a cultura tem por trás uma história, uma marca,
momentos simples e inexplicáveis, uma realidade forte de cada povo, ali representado.
Levar isto para a escola, para a sala de aula, traz aspectos positivos, destacando que
estudar sua própria realidade traz mais motivação e fortalecimento para considerá-los
parte do mundo. Segundo Jeiele P. Rodrigues da Silva e Jididias Rodrigues da Silva:
Quando se trata de cultura e educação, podemos dizer que são estes
fenômenos intrinsecamente ligados, a cultura e a educação, juntas tornam-
se elementos socializadores, capazes de modificar a forma de pensar dos
educandos e dos educadores; quando adotamos a cultura como uma
aliada no processo de ensino-aprendizagem estamos permitindo que
cada indivíduo que frequenta o ambiente escolar se sinta participante do
processo educacional [...]. (s/d, s/p)

Quando a educação está voltada para o contexto em que o sujeito está


inserido tudo tem mais significado. A Educação do Campo, por exemplo, ao trabalhar
a realidade do povo do campo permite que os moradores do local, incluindo os
estudantes, conheçam mais sobre si mesmos e sobre sua comunidade, ou seja, estudem
as suas histórias, e o conhecimento passado é a partir de coisas que estão vendo no
seu dia-a-dia, aprendendo também valores, pois ninguém é inferior a ninguém. E assim,
adquirem conhecimento através da sua realidade, valorizando e não esquecendo os
conhecimentos próprios.
Percebe-se que as crianças que se envolvem mais com os conteúdos, elas têm
uma aprendizagem mais significativa e veem a escola com os olhos da descoberta e
da imaginação. Isso se intensifica quando a arte e a cultura local estão presentes. Por
isso, levar esses dois aspectos para dentro da escola possibilita grandes aprendizagens e
permite que os sujeitos envolvidos construam a sua identidade. Pois valorizar a cultura
do campo é valorizar um povo, as suas crenças e saberes, é nos valorizar também e nos
tornarmos sujeitos de nossa própria história.
Nesta perspectiva, a pesquisa intitulada “Arte e cultura na Educação do Campo:
o trabalho com a cultura popular na escola” teve o objetivo de compreender a arte e a
cultura no trabalho da Escola de Baixão de Zé Preto.

Percursos metodológicos
Essa pesquisa foi realizada em uma escola localizada na zona rural do Município
de Irecê, especificamente no Baixão de Zé Preto, no mês de maio de 2018.
É uma pesquisa de campo de ordem qualitativa. Com base em estudos
realizados, a pesquisa qualitativa não é aquela que quer obter dados numéricos, mas sim
que tem o foco na compreensão de uma situação e comportamento de um determinado
grupo e que tem como ênfase sempre a qualidade.
Neste estudo não se buscou obter quantidades, mas procurou-se compreender
como a arte e a cultura local são trabalhadas em uma escola do campo, direcionando
para o âmbito da didática, no intuito de descrever as práticas pedagógicas desenvolvidas
na escola. A didática é conhecida como a práxis pedagógica, ou seja, é preciso que os
docentes estejam atentos à reflexão, possibilitando a relação no âmbito escolar entre
humanização e educação. A didática também é considerada como o processo de ensino-
aprendizagem, ou como processo docente-educativo, tendo como unanimidade que a
didática estuda o ensino.
Para articular e buscar todos estes aspectos foi necessário utilizar a
concepção praxiológica. Tendo em vista que um de seus propósitos é estudar as ações
do indivíduo e grupo escolar, dessa forma, induzindo comportamentos que favoreçam
toda uma comunidade e sociedade. E para que isso aconteça, a concepção praxiológica
é de suma importância, já que ela, como diz Bernadete Gatti: “Parte do pensar as
ações educativas, criando conceitos fecundos na relação prática-teoria e produzindo
conjuntos instrumentais ancorados na reflexão sobre sua utilização e finalidades, em
contextos complexamente considerados.” (2012, p.24). Vale ressaltar que houve um
contato direto com a situação estudada, utilizando o campo natural (a escola) para
coleta de dados.
A metodologia investigativa adotada foi a pesquisa-formação participativa
porque participamos de uma ação pedagógica da escola, obtendo assim uma interação
com os pesquisados. Segundo Marisa Lopes da Rocha e Katia Faria de Aguiar: “[...] o
fundamental nas pesquisas participativas é que o conhecimento produzido esteja
permanentemente disponível para todos e possa servir de instrumento para ampliar a
qualidade de vida da população” (2003, p. 3). Sendo assim, a proposta da nossa pesquisa
foi produzir conhecimentos para servir não somente para a escola, mas também para a
comunidade, abrindo possibilidades para uma vivência e uma educação cada vez melhor.
Por esse motivo, essa pesquisa foi realizada em três fases. Na primeira fase
foi feita uma observação geral da escola, para que pudéssemos compreender melhor
o espaço, a vivência dos profissionais, o comportamento dos estudantes e um pouco
de como a escola é conduzida. Na segunda fase foi realizada a observação participante,
na qual, além de observar, participamos da prática pedagógica da professora. Na
terceira fase foram feitas entrevistas semi- estruturadas com a diretora da escola, que
também é professora de lá, com outra professora e com uma pessoa que representou
a comunidade e por respeito à identidade dos sujeitos envolvidos, as professoras serão
identificadas apenas por letras. Essas entrevistas foram feitas com o uso de perguntas nas
quais as respostas foram gravadas. Utilizamos essa técnica por entender que é de grande
importância, quando o objetivo é saber as opiniões dos indivíduos, a respeito de algum
processo, permite maior flexibilidade e pode ser utilizada com todos, obtendo assim
dados não documentais. Tudo isso visou conhecer o entendimento e compreensão que
todos expressam sobre o trabalho com arte e cultura popular na relação entre escola e
comunidade.

Escola Baixão de Zé Preto e a cultura popular


A escola onde ocorreu a pesquisa é uma escola de Educação do Campo e
falar sobre Educação do Campo não é somente falar de uma educação em si, pois de
acordo com Arroyo, Caldart e Molina, envolve políticas públicas, uma história de lutas,
movimentos sociais e uma caminhada da comunidade com a escola:
A educação do campo tem um compromisso com a vida, com a luta e
com o movimento social que está buscando construir um espaço onde
possamos viver com dignidade. A escola, ao assumir a caminhada do povo
do campo, ajuda a interpretar os processos educativos que acontecem fora
dela e contribui para a inversão de educadoras / educadores e educandas /
educandos na transformação da sociedade (1998, p.15).
Esta escola aborda os conteúdos relacionando-os com a realidade dos
estudantes levando para a sala de aula aspectos da sua cultura, que neste caso é a
cultura popular. Sobre isso, Ricardo Azevedo diz que cultura popular é um sistema de
conhecimento que:
reúne um conjunto imenso de manifestações e existe paralelamente à
cultura oficial. Porém, ao contrário desta, se desenvolve de forma caótica,
espontânea e não programada, sendo construído no dia-a-dia da vida
cotidiana. A cultura popular é diversificada, heterogênea e heterodoxa
e apresenta as mais variadas facetas e graduações nas diversas regiões
do país. Pode-se dizer que sua produção costuma ser expressão de cada
contexto onde se desenvolve. (s/d, p. 3).

Ao fazer esta relação a escola colabora para a valorização da identidade e


promove muitas aprendizagens, sendo que o que o estudante aprende, ele vivencia
no dia a dia na comunidade. De acordo com a Professora A, foi trabalhado na escola
o reisado, plantas medicinais, caatinga, a cultura dos vaqueiros e no momento estão
trabalhando com os causos. Durante a observação-participante a maneira como os
estudantes falavam como foi feita a pesquisa dos causos que cada um realizou com seus
avós, avôs, pais, vizinhos, demonstrava o entusiasmo e o envolvimento deles ao falarem
do que faz parte do seu povoado.
Este é um ponto importante que o educador Paulo Freire (2016) defende, que
é a ideia de obter uma escola que trabalhe com a realidade de cada educando e que
cada um deles construa seu conhecimento a partir de sua prática e de seus saberes.

O Projeto de Identidade
O Projeto de identidade “Nossa comunidade, Nossa história” que a escola
desenvolveu junto com a comunidade foi de grande importância para fortalecer a cultura
que estava se perdendo, principalmente a cultura do reisado. Os estudantes aprenderam
muito sobre a sua localidade. De acordo com a diretora (Professora B), desde algum
tempo a escola já tinha o desejo de fazer um projeto que envolvesse a comunidade, que
ela estivesse presente dentro da escola, mas não daquela forma mecânica de ir porque a
escola está convidando, mas sim que a comunidade realmente participasse de algo a ser
desenvolvido em seu benefício, até que a veio a proposta da coordenadora da secretaria
de educação da época, que foi o Projeto de identidade, o fortalecimento da cultura da
comunidade para escola, que abraçaram com todas as forças.
Teve o nome de “Projeto de identidade” porque foi mostrado a identidade
daquele povo, foi algo desenvolvido que teve a alma do povo, que tem as histórias das
pessoas. A diretora relatou o seguinte:
[...] então buscamos colocar isto em escrito, pois a história desse povo precisa
estar registrada, estar sendo mostrada, desse povo que são guerreiros,
que trabalham sol a sol, povo de luta que na maioria das vezes não são
reconhecidos. (Diretora / Professora B)

As etapas deste projeto, segundo a diretora, foram realizadas com grande


participação dos alunos, ela afirma que a todo o momento e a cada pesquisa realizada
tinha toda participação e motivação dos estudantes. Considerando também que o
projeto em um primeiro momento foi realizado com:
[...] ação para depois construção, pois não foi um projeto que foi construído
dentro da escola para depois ser lançado como proposta, mas sim que foi
lançado as propostas já com as ações acontecendo, lembrando que este é
um projeto inacabado, que até hoje ele está presente e está sendo realizado,
sendo sempre reformulado e reorganizado. (Diretora / Professora B)

Como relatado pela diretora, este é um projeto inacabado, ou seja, ele foi
construído para incentivar a escola a dar o primeiro passo, na mudança da sua educação
e nas ações pedagógicas. Observando uma ação pedagógica da professora A no dia da
visita para observação na escola, foi percebido que o trabalho dela realmente é partindo
desse requisito. Por exemplo, na disciplina de Língua portuguesa estavam sendo
trabalhados com as crianças os contos (causos) da comunidade. A professora afirma:
As crianças foram pesquisando com seus pais, avós, vizinhos, alguns contos
da comunidade, e depois desta pesquisa ocorreu o momento de socializar
essas histórias com os colegas e professores de forma oral, e após esta
socialização vamos trabalhar a escrita. (Professora A)

O ânimo das crianças foi observado quando falavam sobre estas histórias que
eles ouviram e socializaram com os demais, foi incrível de ver. Percebeu-se que este
trabalho sobre os contos foi motivador e nos olhos das crianças era algo deslumbrante,
pois sabiam que era algo da sua comunidade, contados por suas famílias e amigos.
Assim sendo, pudemos observar o quanto os alunos podem aprender com tudo
isso, já que esta relação da educação com a vida dos moradores do campo incentiva-os
para o desenvolvimento e para uma educação de qualidade, como Suelly Cristina Soares
vem nos dizendo na sua dissertação: “A relação entre a educação e a vida no contexto
dos campesinos estimula a perspectiva para desenvolvimento social e intelectual, por
meio da memória coletiva das comunidades e dos aspectos culturais” (2015, p. 23).

O reisado e a participação da comunidade na escola


Para Dona Ana Vitória, uma moradora da comunidade e presidente do grupo
de reisado de lá, a comunidade ficou reforçada depois deste projeto, é com prazer e
orgulho que ela apresenta o reisado junto com seu grupo. Ela tem orgulho daquela
cultura, de ser daquele lugar e isto é pertencimento.
Quando a escola faz um projeto como este valorizando a cultura local, ela
está promovendo aprendizagens, mas acima de tudo está permitindo que os sujeitos
envolvidos conheçam mais sobre o lugar onde vivem, entendam mais quem são e o que
podem fazer para viver melhor, incentivando assim a lutar pelos seus direitos. Como diz
Paulo Freire: “[...] minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas de
quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito
também da história” (2013, p. 60).

A Arte na escola
A arte está bastante presente nas ações pedagógicas da escola. As abordagens
se adequam ao contexto das crianças. É trabalhado o reisado, as festas juninas e outras
manifestações artísticas. A professora A diz que: “arte é uma das melhores disciplinas
para trabalhar a cultura local”. Segundo ela, as crianças interagem muito nas aulas de
arte porque são aulas dinâmicas e que na maioria das vezes trabalham a realidade deles,
apresentadas de forma colorida através de dança, música, desenho, etc.
Para esta professora a disciplina de Arte:
[...] é a principal disciplina na questão da aprendizagem do aluno porque
você trabalha de forma lúdica com a realidade deles, sem se preocupar tanto
com a questão da estrutura textual. Você trabalha com cores, com vida.
(Professora A)

Ao conversarmos com as crianças percebemos a importância da arte para


elas, pois contam sobre a disciplina de Arte com entusiasmo e ressaltam com detalhes
as atividades que já fizeram e estão fazendo de acordo com a disciplina. Uma dessas
atividades apresentadas pela professora A e confirmada pelas crianças foi a visita ao
Riacho de areia, lugar próximo ao povoado Baixão de Zé Preto, onde existem desenhos
sobre a arte rupestre. Não precisou estudar coisas de fora para que os estudantes
aprendessem sobre arte rupestre, a professora usou da realidade local e de um lugar
próximo. Outro ponto importante também trabalhado pela professora é sobre a visita à
caatinga e o olhar de cada criança sobre o que observaram e sentiram.
Desta forma, a arte é muito importante para o desenvolvimento de todos, pois:
“Fazendo arte, expressamos quem somos, como nos sentimos, como pensamos; nos
damos a conhecer ao outro” (2006, p.11).
Percebe-se que a arte está sempre envolvida nesses aspectos culturais, e
que ela contribui bastante para a Educação do Campo. Segundo Clauderice de Oliveira
Ferreira Souza: “a arte é algo inerente ao ser humano. Ela possibilita uma comunicação
interna com o eu e uma comunicação externa com o outro e com o meio por onde passa
e vive” (2013, p. 12). Portanto, o indivíduo que mora no campo demonstra sua interação
consigo e com o mundo através de seus saberes e tradições e, como dito antes, a arte
está sempre presente nessa perspectiva. Vale ressaltar que o ensino da arte é obrigatório
no currículo escolar, segundo a lei 12.287/2010, artigo 26, parágrafo 2º: “o ensino da arte
constituirá componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de
forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos” (BRASIL, 2010). Deste modo,
levantam-se possibilidades para uma educação libertária e de qualidade.
Com isso, pode-se entender como a arte é fundamental quando diz respeito
à Educação do Campo, pois ela se expressa nos moradores do campo por meio das
danças, músicas, cantigas, brincadeiras e artesanatos, trazendo assim a riqueza da
cultura popular para dentro da escola.
Louis Porcher (1982, p. 34) afirma: “É preciso trabalhar o aluno como uma
pessoa inteira, com sua afetividade, suas percepções, sua expressão, seus sentidos, sua
crítica, sua criatividade [...]” e nada mais relevante que trabalhar isso com o aluno do
campo, mostrando toda a sua realidade. E trabalhando o seu eu como pessoa dentro e
fora da escola é que podemos fazer com que se desenvolva para si e para a sua sociedade,
buscando assim a valorização da sua identidade.

Considerações finais
Portanto, a cultura e a arte são fundamentais para a aprendizagem e o
desenvolvimento das pessoas. E as escolas, ao trabalharem nestas perspectivas, avançam
e mostram outras possibilidades, pois estão levando em consideração aspectos que são
inerentes ao ser humano, estão trabalhando o lado humano e social.
A escola investigada mostrou as vantagens de colocar isso em suas práticas
pedagógicas ao conduzir o processo educativo na leveza de que o ser humano necessita
para que os seus estudos não sejam mecanizados e aplicados de maneira que não se
sinta instigado ao querer e ao ser, mas que sejam motivados. Sendo assim, que busquem
e aprendam além dos conteúdos básicos, mas também a sua realidade, o seu nascer, as
suas raízes. Para que assim conheçam a si e o seu povo, e a partir desse envolvimento
aqui mostrado que esse povo seja ainda mais capaz de ir à luta, mostrar o seu mundo e
ser reconhecido.
Pretendemos voltar à escola de Baixão de Zé Preto para aprender mais sobre
o trabalho pedagógico que é desenvolvido neste ambiente e construir o nosso Trabalho
de Conclusão de Curso (TCC).

Referências
ARROYO, Miguel Gonzalez. CALDART, Roseli Salete. MOLINA, Mônica Castagna. Por uma
Educação do Campo. 5. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.
AZEVEDO, Ricardo. Cultura popular, literatura e padrões culturais. Disponível em:
http://www.ricardoazevedo.com.br/wp/wp-content/uploads/Cultura-popular.pdf.
Acesso em 04 de julho de 2018.
BRASIL. Lei nº 12287, de 13 de julho de 2010. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de
1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, no tocante ao ensino
da arte. Brasília, DF: Presidência da República, 2010. Disponível em: www.planalto.gov.
br/ccivil_03/ato2007 -2010/2010/lei/12287.htm. Acesso em 15 de novembro de 2017.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 2016.
GATTI, Bernadete. A construção metodológica da pesquisa: desafios, 2012. Catálogo
de teses e dissertações. Disponível em: http://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-
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PORCHER, Louis. Educação artística: luxo ou necessidade? Vol. 12, 5. ed. São Paulo:
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ROCHA, Marisa Lopes; AGUIAR, Kátia Faria de. Pesquisa-intervenção e a produção de
novas análises. PEPSIC, Brasília, n. 4, v. 23, dezembro 2003. Disponível em:http://pepsic.
bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932003000400010. Acesso em
12 de novembro de 2017.
SÃO PAULO (Estado) Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas. O ensino de arte nas séries iniciais: ciclo I / Secretaria da Educação,
Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas; organização de Roseli Cassar
Ventrella e Maria Alice Lima Garcia. - São Paulo: FDE, 2006. Disponível em: http://www.
crmariocovas.sp.gov.br/Downloads/ensino_arte_ciclo1.pdf. Acesso em dezembro de
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SOARES, Suelly Cristina. Um olhar na escola do campo com perspectivas para o
desenvolvimento local: Distrito de Pontinha do Cocho -Camapuã – MS. Mato Grosso
do Sul, 2015. Disponível em: https://site.ucdb.br/public/md-dissertacoes/16096-
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SOUZA, Clauderice de Oliveira Ferreira. Ensino de arte: Desafios e possibilidades no
contexto da alfabetização. SÃO BERNARDO DO CAMPO, 2013. Disponível em: http://
tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/997/1/Clauderice.pdf. Acesso em: 18 de Junho
de 2020
AUTO-ORGANIZAÇÃO DOS EDUCANDOS NA ESCOLA ZUMBI DOS PALMARES:
DIÁLOGOS E SABERES EM MOVIMENTO
Neruza Mariana Motta Souza
Élida Lopes Miranda

Resumo
A pesquisa teve como objetivo compreender a experiência de auto-organização
dos educandos da Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental
Assentamento Zumbi dos Palmares, Município de São Mateus, Espírito Santo, enquanto
um elemento pedagógico da Educação no MST, de maneira a desvelar desafios e
potencialidades dessa experiência educativa. Fundamentou-se em Pistrak (2011), MST
(1999), Caldart (2004, 2012), Camini (2009), D’Agostini (2009). Também incluímos o
estudo de Arroyo (2004, 2012), Bogo (2009), os cadernos de Educação do MST, como
Dossiê MST Escola 1990-2001 e os verbetes Escola Itinerante, Mística, MST e Educação,
Pedagogia do Movimento, do Dicionário da Educação do Campo (2012). Em termos
metodológicos conjugamos os procedimentos técnicos da pesquisa bibliográfica e
documental e a realização do Círculo de Cultura com os educandos do 7º ano da escola.
Os resultados revelam que a auto-organização como elemento pedagógico fortalece
o protagonismo dos educandos, a formação humana e a perspectiva de Educação do
Campo.
Palavras-chave: Educação no MST. Pedagogia do Movimento. Auto-organização dos
educandos.

Introdução
Nas duas últimas décadas emerge, em nossa sociedade, o Movimento Nacional
“Por uma Educação do Campo” que, no conjunto de suas ações tem pautado o direito
a educação pública de qualidade, conquistado espaço na agenda governamental e na
legislação educacional (ARROYO, CALDART e MOLINA, 2011).
Entre as ações do movimento situamos o I Encontro Nacional de Educadoras
e Educadores da Reforma Agrária (ENERA), realizado em Brasília, no ano de 1997, que
propiciou a realização, em 1998, da I Conferência Nacional por uma Educação Básica do
Campo, com a inserção de outros sujeitos além do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), a Universidade de Brasília (UnB), Fundo das Nações Unidas para a
Infância (UNICEF), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). A parceria entre esses
coletivos fomentou debates acerca da educação dos trabalhadores do campo e reflexões
sobre o conceito de educação, a escola do campo e o projeto de desenvolvimento de
campo e sociedade (MST, 2014).
Vale lembrar o papel do MST no Movimento Nacional da Educação do
Campo, com destaque para a Pedagogia do Movimento e a formação humana em
sua relação com a luta pela Reforma Agrária. A Pedagogia do Movimento “tem como
sujeito educador principal o MST, que educa os sem-terra enraizando-os em uma
coletividade forte, e pondo-os em movimento na luta pela sua própria humanidade”
(CALDART, 2004, p. 19).
Nesta perspectiva, a proposta pedagógica do MST fundamenta-se em
princípios filosóficos e pedagógicos como o trabalho coletivo, trabalho socialmente útil,
trabalho como princípio educativo, solidariedade, organização e a auto-organização dos
estudantes, a relação teoria e prática (D’AGOSTINE, 2009).
Entre os princípios pedagógicos do MST, a auto-organização dos estudantes
orienta diversas atividades que perpassam o chão da escola e refletem na organização
dos acampamentos e assentamentos da reforma agrária. Segundo Camini (2009), a
auto-organização dos estudantes é pensada como fio condutor da formação e gestão
da escola do campo.

Princípios filosóficos e pedagógicos do


Movimento Sem Terra e a auto-organização dos estudantes
A Proposta Pedagógica do MST, alicerçada nas diversas experiências construídas
historicamente sobre o processo educativo da classe trabalhadora, traz princípios
filosóficos e pedagógicos que orientam desde encontros, cursos e demais atividades até
a organização dos acampamentos e assentamentos. Conforme o Caderno de Educação
do MST, os princípios filosóficos da Educação do movimento são:
1) Educação para a transformação social; 2) Educação para o trabalho
e cooperação; 3) Educação voltada para as várias dimensões da pessoa
humana; 4) Educação com/para valores humanistas e socialistas e 5)
Educação como um processo permanente de formação/transformação
humana (MST, 1999, p. 06 - 10).
O mesmo caderno apresenta de maneira mais específica, voltada ao cotidiano
escolar nos acampamentos e assentamentos, os princípios pedagógicos:
1)Relação entre prática e teoria; 2) Combinação metodológica entre
processos de ensino e capacitação; 3) A realidade como base da produção de
conhecimento; 4)Conteúdos Formativos socialmente úteis; 5) Educação para
o trabalho e pelo Trabalho; 6) Vínculo orgânico entre processos educativos
e processos políticos; 7) Vínculo orgânico entre processos educativos e
processos econômicos; 8) Vínculo orgânico entre educação e cultura; 9)
Gestão Democrática; 10)Auto organização dos/das estudantes; 11)Criação
de coletivo pedagógicos e formação permanente dos educadores/das
educadoras; 12)Atitudes e habilidades de pesquisa; 13) Combinação entre
processos pedagógicos coletivos e individuais (MST, 1999, p. 11-23).

Auto-organização é uma prática dos cursos do MST, envolvendo a administração


do espaço pedagógico e condições de convivência, a gestão do processo político
pedagógico, a organização das famílias nos acampamentos, assentamento e nas escolas,
ou seja, da educação do MST desde sua gênese, este elemento é expresso como um
princípio da Pedagogia do Movimento:
Auto-organizar-se significa ter um tempo e espaço autônomo para que se
encontrem, discutam suas questões próprias, tomem decisões, incluindo
aquelas necessárias para a sua participação verdadeira no coletivo maior de
gestão da escola (MST, 2005, p. 173).

No MST, a autonomia significa o direito de os educandos assumirem posturas


próprias, sem o direcionamento das educadoras. Isto implica que, nos tempos e espaços,
“as educadoras têm papel de alertar para equívocos de análises e riscos não percebidos,
em vista do aprendizado, sem impor nem propor soluções” (MST, 2005, p.208).
Segundo Pistrak (2011), a grande transformação histórica a ser feita na escola
é a participação autônoma, coletiva, ativa e criativa das crianças e dos jovens, de acordo
com as condições de desenvolvimento de cada idade, nos processos de estudo e de
gestão da escola. Sobre o coletivo de estudantes, o pedagogo russo indica que:
O coletivo é uma concepção integral e não um simples total referido às
suas partes; o coletivo apresenta propriedades que não são inerentes ao indivíduo. A
quantidade se transforma em qualidade. As crianças e também os homens em geral
formam um “coletivo” quando estão unidos por determinados interesses, dos quais têm
consciência e que lhes são próximos (PISTRAK, 2011, p. 143-144).
Pistrak (2011), aponta que envolver o coletivo de educandos no cotidiano
escolar com a auto-organização é essencial no processo de formação integral:
[...] a constituição de coletivos infantis ou juvenis a partir da necessidade
de realizar determinadas ações práticas, que podem começar com a
preocupação de garantir a higiene da escola, e chegar à participação efetiva
no Conselho Escolar, ajudando a elaborar os planos de vida da escola
(PISTRAK, 2011, p. 12).

Um valor fundamental da auto-organização é a garantia da integração,


vivência em grupo, a capacidade de organização e autonomia. Vale ressaltar que
quando trabalhamos coletivamente no espaço educativo desenvolvemos o espírito da
cooperação, solidariedade e da troca de experiência, o que é essencial no processo de
formação integral do ser humano.

Assentamento Zumbi dos Palmares:


antecedentes históricos e o projeto de educação
A luta pela educação dos assentados iniciou-se com a ocupação da Fazenda
Rio Preto, localizada no Município de São Mateus, Espírito Santo, no ano de 1998.
Neste período, as famílias realizavam assembleias para dialogar sobre os diversos
temas da luta, sendo um deles a educação das crianças Sem Terrinhas, compreendida
a necessidade de uma escola dos trabalhadores que assumisse o vínculo com a luta
pela reforma agrária.
Durante um ano e quatro meses de resistência, protegidos pelas barracas
de lona preta, o Acampamento Zumbi dos Palmares chegou a reunir 317 famílias.
Inicialmente as famílias acampadas foram organizadas em 14 núcleos de base, além disso,
foram organizadas equipes e a coordenação. Durante esse período foram organizadas as
equipes de saúde, mística, formação, disciplina, educação, esporte, cultura e relações
públicas (MST, 2012).
De acordo com o documento do MST (2012), neste período constatou-se que é
possível recuperar muitos valores que ficaram adormecidos ao longo do perverso sistema
capitalista. A solidariedade da sociedade capixaba, organizada de maneira comunitária e
popular, ofereceu às famílias “o alimento para a alma e para o corpo” (MST, 2012, p. 2).
A ocupação ocorreu em 1998, a emissão de posse em dezembro de 1999, sendo a área
destinada a 151 famílias que resistiram no processo de luta pela reforma agrária.
Com a conquista da terra foi necessário fazer mais lutas para garantir a escola
no Assentamento Zumbi dos Palmares, na perspectiva da Educação do Campo, com
as características que o Movimento defende. A conquista da escola foi permeada
por conflitos externos e internos. Entre 2000 e 2001 ocorreu a conquista da Escola
Pluridocente Estadual Dandara, esta experiência não durou muito tempo devido à
falta de apoio da Secretaria de Estado da Educação (SEDU) aliado com o avanço do
neoliberalismo implementado pelo governo estadual, que tinha como meta fechar as
escolas do campo. Dessa maneira, a forma encontrada pelas famílias e o conjunto do
Movimento foi procurar o município, pois, assim, acreditou-se que poderia ter melhores
condições de funcionamento da escola, além da necessidade da ampliação da oferta da
Educação Infantil e dos anos finais do Ensino Fundamental.
Vale lembrar que o Assentamento Zumbi dos Palmares é resultado de uma nova
experiência de organização dos assentamentos, sendo uma das unidades do Movimento
a nível nacional, sendo assim, a educação e a escola eram fatores determinantes neste
processo. Em 2002, foi implementada a E.M.E.I.E.F. Assentamento Zumbi dos Palmares,
que passou ser denominada Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental
Assentamento Zumbi dos Palmares.
Entre os anos de 2002 a 2016 a escola funcionou em uma estrutura improvisada,
no casarão sede da antiga Fazenda Rio Preto, área social do assentamento. A partir de
intensas lutas no território, protagonizadas pelas famílias organizadas pelo MST, inicia-
se o processo de construção da estrutura física da escola no Assentamento Zumbi dos
Palmares. A conquista da estrutura física da escola foi celebrada com muita mística na
Noite Cultural da Resistência Negra, em 26 de novembro de 2016.
Na Escola do Assentamento Zumbi dos Palmares o trabalho com a educação
no MST tem relação direta com o Projeto de Reforma Agrária do Movimento, assim,
entender que a educação é algo importante para a vida dos trabalhadores camponeses
também é uma conquista. Dessa maneira, afirmamos que a Escola Zumbi dos Palmares
já nasce atrelada à luta pela terra, no exercício de ancorar seu trabalho pedagógico na
relação entre trabalho e educação escolar, ao mesmo tempo que as famílias resistem
contra ao latifúndio, também organizam o Assentamento Zumbi dos Palmares.
A E.M.E.I.E.F. Assentamento Zumbi dos Palmares possui aproximadamente
190 educandos e educandas que vivem no Assentamento Zumbi dos Palmares e nas
comunidades camponesas mais próximas. A Escola oferece as modalidades de Educação
Infantil e Ensino Fundamental completo. Sua proposta educativa fundamenta-se na
Pedagogia da Alternância e na Pedagogia do Movimento, conforme destacado em seu
Projeto Político e Pedagógico.
Segundo o Projeto Político Pedagógico (2013), na E.M.E.I.E.F. Assentamento
Zumbi dos Palmares, a gestão democrática envolve duas dimensões: A primeira delas
é a dimensão coletiva, assegurada pela participação efetiva do assentamento e da
comunidade escolar na gestão da escola, relacionando-se com outras escolas do MST,
vinculadas aos princípios pedagógicos e filosóficos da Pedagogia do Movimento. A
segunda dimensão é de caráter individual, que diz respeito à participação de todos os
envolvidos na gestão como: as tomadas de decisões, o respeito às decisões do coletivo,
a execução das tarefas, a avaliação e a partilha dos resultados de cada ação.
A auto-organização dos educandos é evidenciado no PPP da escola como um
dos elementos fundamentais dessa proposta educativa. A práxis da auto-organização
dos educandos na escola iniciou, em 2011, com a implementação da Alternância
Pedagógica nos anos finais do Ensino Fundamental. Este processo é muito importante
para a escola, pois, envolvendo o coletivo de educandos no cotidiano escolar, estimulam-
se valores como a coletividade, solidariedade, responsabilidade coletiva, autonomia
e protagonismo, valores que são essenciais no processo de construção de uma nova
sociedade, com uma nova ordem, protagonizada pela classe trabalhadora.
Na organização do trabalho pedagógico, observa-se o exercício e preocupação
constante em cultivar o vínculo da Escola com o Assentamento e o território, tendo o
trabalho como um princípio educativo na perspectiva da formação humana. Na dinâmica
de transformar a escola cada vez mais em um espaço democrático, com a participação
ativa dos envolvidos no processo educativo, a E.M.E.I.E.F. Assentamento Zumbi dos
Palmares aposta no processo de auto-organização dos educandos e educandas,
trazendo a coletividade e autonomia como a base da organização. Mesmo com esse
acúmulo histórico, a auto-organização dos educandos está em constante construção
na E.M.E.I.E.F. Assentamento Zumbi dos Palmares, envolvendo todo um processo de
planejamento, avaliação e reflexão da experiência em curso. O presente trabalho buscou
compreender a experiência de auto-organização dos educandos na Escola Municipal de
Educação Infantil e Ensino Fundamental Assentamento Zumbi dos Palmares, de maneira
a identificar as potencialidades e desafios desta experiência educativa.
Metodologia
O caminho metodológico adotado neste estudo envolveu pesquisa bibliográfica,
pesquisa documental e pesquisa de campo, sendo desenvolvida em três fases: 1) fase
exploratória 2) levantamento e organização de dados e 3) sistematização e análise de
dados.
A pesquisa bibliográfica, como apresenta Gil (2012, p. 44), é desenvolvida com
base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos.
Na pesquisa bibliográfica procuramos estudar a Educação do Campo, com destaque para
os principais conceitos presentes no artigo, entre eles a auto-organização dos educandos
no MST. Assim, na revisão de literatura os principais autores estudados foram Pistrak
(2011), Caldart (2004, 2012), Camini (2009), D’ Agostini (2009). Também incluímos o
estudo de Arroyo (2004, 2012), Bogo (2009), os cadernos de Educação do MST, como
Dossiê MST Escola 1990-2001 e os verbetes Escola Itinerante, Mística, MST e Educação,
Pedagogia do Movimento, do Dicionário da Educação do Campo.
Ainda na fase exploratória dessa investigação, realizou-se a pesquisa
documental em arquivos do MST e da escola que auxiliaram a caracterização da
E.M.E.I.E.F. Assentamento Zumbi dos Palmares. Entre os documentos estudados estão
a proposta educativa do MST, documentos sobre o Assentamento Zumbi de Palmares
e a E.M.E.I.E.F. Assentamento Zumbi dos Palmares. Esses documentos abordam a
experiência de auto-organização na escola, elaborados pelos próprios educadores e
socializados em outros espaços de educação do campo. Com relação aos registros
sobre o assentamento, tivemos acesso ao documento sobre a memória e história do
assentamento elaborado pela coordenação do assentamento no ano de 2012.
A segunda fase da pesquisa envolveu a elaboração do instrumento de coleta de
dados e a realização da pesquisa de campo com os educandos do 7º ano da E.M.E.I.E.F.
Assentamento Zumbi dos Palmares. Olhando para o caráter desde trabalho, em que
os educandos são os protagonistas, optou-se pela realização do Círculo de Cultura
como metodologia de pesquisa, na vertente da pesquisa qualitativa de intervenção,
possibilitando a construção coletiva do conhecimento e o engajamento dos envolvidos
com o tema de estudo.
A realização do Círculo de Cultura tem a intencionalidade de propiciar o
protagonismo e a autonomia dos participantes, sendo característica a participação e o
diálogo na construção do saber coletivo, que seja contextualizado e comprometido com
a transformação da realidade (MONTEIRO et al, 2013).
O Círculo de Cultura foi realizado com os educandos da turma do 7º ano,
considerando que essa turma vivenciou desde a Educação Infantil o processo de
auto-organização na escola. O mesmo ocorreu no dia 01 de novembro de 2017,
em um ambiente aconchegante na escola, nos organizamos para a realização do
Círculo de Cultura em meio a ferramentas de trabalho no campo, bandeiras, livros e
outros elementos que expressam a identidade da escola e do Movimento Sem Terra.
A interação do grupo foi significativa, existia intimidade entre todos, o sentimento de
pertencimento foi expresso na participação dos educandos, tendo a auto-organização
como Tema Gerador do Círculo de Cultura.
No processo de análise de dados utilizamos o método da análise de conteúdo,
um recurso metodológico com procedimentos explícitos de análise textual, que
permite interpretar e descrever a realidade. Inicialmente realizamos a transcrição do
áudio do Círculo de Cultura, seguida da leitura flutuante e exaustiva. Posteriormente,
sistematizamos os dados, a partir do recorte temático articulado à revisão de literatura,
possibilitando assim as inferências e interpretação dos dados. A realização da análise
permitiu acessar os conteúdos do Círculo de Cultura e interpretar a experiência de auto-
organização da E.M.E.I.E.F. Assentamento Zumbi dos Palmares.

O Coletivo de Educandos na Escola Zumbi dos Palmares:


A Auto-Organização em Foco
Na Escola Zumbi dos Palmares a auto-organização dos educandos perpassa
por diferentes momentos do cotidiano escolar como: a auto-organização da sala de
aula; auto-organização nos momentos da alimentação; auto-organização das atividades
extraclasse; e a auto-organização da chegada e saída dos educandos da escola.
Os educandos explicitaram, durante a realização do Círculo de Cultura, que a
auto-organização na escola objetiva contribuir nos diferentes espaços de formação na
escola e nas atividades fora dela. Para uma das discentes, a auto-organização é:
Organização de todos juntos, para melhorar o convívio, ajuda a ter o respeito,
a amizade, tudo (Ariane Alexandre dos Santos).

Outro objetivo destacado pelos educandos refere-se à disciplina, a convivência


e do cuidado entre eles:
Eu acho que o principal objetivo da auto-organização é pra gente ficar mais
organizado, na hora de lanchar ou na hora de sair da sala, a gente chamar
os núcleos, antes quando não tinha o núcleo ia tumultuado, e as pessoas se
machucavam (Nestor Pereira dos Santos Lima).
Quando a gente não se organizava nos núcleos era tudo bagunçado, agora
é melhor, mais organizado, a gente conversa com todos (Gustavo Menon
Silva).

Sobre a auto-organização, Pistrak (2011) apresenta que o grande objetivo


pedagógico desta cooperação infantil consciente é efetivamente educar para
a participação social igualmente consciente e ativa. Assim, vemos que a auto-
organização fortalece a possibilidade do coletivo de educandos ter consciência das
suas responsabilidades e cuidados com o coletivo e dessa maneira se educa para a
participação social. Então, a auto-organização como princípio educativo contribui em
relação ao envolvimento dos educandos nas decisões e atividades realizadas no processo
ensino e aprendizagem, exercitando o protagonismo dos educandos.
Uma estrutura muito importante na auto-organização da escola é a formação
dos núcleos de base, o coletivo de educandos da escola está organizado nesses núcleos,
que são coordenados pelos educandos com orientação dos educadores, em que cada
criança coordena e é coordenada nas diversas atividades da escola. A educanda Suzana
Amorim Motta afirma:
O núcleo é um grupo de educandos da escola, cada turma na sua sessão, que
ajuda a organizar o geral da escola, por exemplo, na sala de aula, refeitório
ou alguma atividade fora.

Os estudantes relacionam a organicidade da escola com a organicidade interna


do Assentamento Zumbi:
É tipo os núcleos do assentamento, que é como se fosse os bairros, ajuda
a organizar, a fazer as coisas, são 07 núcleos aqui no Zumbi. (Nestor Pereira
dos Santos Lima).

Vale ressaltar que o Assentamento Zumbi dos Palmares tem uma estrutura
organizativa que contribui nos diversos aspectos da vida coletiva da comunidade. Os
Núcleos de Base fortalecem a participação e a organização comunitária das famílias, a
partir dessa estrutura organizativa são organizadas diversas atividades do Assentamento
e do conjunto do MST, como mutirões, assembleias, reuniões, encontros, mobilizações
e outras.
É notória a organização nos diferentes espaços da escola, mas a auto-
organização tem a necessidade de ir além disso. Segundo França (2013), os núcleos de
base do coletivo de estudantes na escola têm tarefa de ser um espaço de convivência
e auto-organização, além de um lugar de estudo, discussão, encaminhamentos e
cooperação entre os educandos dentro da escola, buscando fortalecer a coletividade da
unidade escolar, planejando ações voltadas para o campo experimental, da produção, e
também de planejar e realizar as tarefas coletivas.
Em nossas análises, constatamos que na E.M.E.I.E.F. Assentamento Zumbi dos
Palmares os núcleos de base têm sua identidade coletiva, como nome, palavra de ordem
e simbologia no jardim em frente à escola, além de ornamentar a escola, este serve para
dar a identidade do núcleo, para indicar o local onde os estudantes vão aguardar a sua
vez de entrar para a sala de aula, no ônibus escolar, ou a outro espaço coletivo.
Nos anos finais do Ensino Fundamental, além dos núcleos, existem os setores
dentro da auto-organização, essa instância contribui na organização de outros espaços
educativos que perpassam o núcleo, cada setor tem o acompanhamento de um
educador, sobre os setores a educanda Ariane Alexandre dos Santos relata: “tem as
tarefas dos núcleos também, e os setores de mística, finanças, tarefas e trabalho prático,
vida de grupo e esporte e lazer”.
A auto-organização dos educandos enquanto princípio da proposta pedagógica
do MST tem sido destacada como fundamental nos processos de aprendizagem:
A capacidade de agir por iniciativa própria, ao mesmo tempo em que
respeitando as decisões tomadas pelo seu coletivo ou por outro a que
este seja subordinado; a busca de soluções para os problemas sem esperar
salvação de fora; o exercício da crítica e autocrítica; a capacidade de
mandar e de obedecer ao mesmo tempo, ou seja, se assumir ora posições
de comando, ora posições de comandado; a atitude de humildade, mas
também de autoconfiança e ousadia; o compromisso pessoal com os
resultados de cada ação coletiva e o compromisso coletivo com a ação de
cada pessoa e a solidariedade em vista de objetivos comuns; e a capacidade
de trabalhar os conflitos que sempre aparecem nos processos coletivos [...]
(MST, 2005, p. 174).

As análises dos dados revelam que na E.M.E.I.E.F. Assentamento Zumbi dos


Palmares a dinâmica da auto-organização contribui para o fortalecimento da relação
entre os educandos, bem como no exercício do seu protagonismo. Os educandos
enfatizam, ainda, princípios da auto-organização na escola, como as questões da
convivência, apontando o respeito como um valor importante no cotidiano da
escola:
Auto-organização é respeitar o espaço de cada um e a si mesmo, tentar viver
sem brigas (Ariane Alexandre dos Santos).

Podemos contatar que, na formação do indivíduo, a participação é um


elemento essencial. Sobre este princípio uma educanda relata:
A participação conta muito aqui na escola na auto-organização, até mesmo
quando a gente vai para algum lugar tipo os encontros dos Sem Terrinhas
mesmo, a participação tem que ser boa (Fábila Pereira Lacerda).

Fica evidente a compreensão dos educandos sobre a coletividade, o diálogo e


o respeito na escola:
A auto-organização é muito importante, porque inclui a participação do
coletivo, e a gente fica mais organizado também, formar amizades sem
deixar ninguém excluído (Nestor Pereira dos Santos Lima).
Com a auto-organização a gente traz a questão do diálogo, do respeito
(Karoline Fabem Sandre).

Sobre o diálogo, Freire (1993) nos desafia que para todo projeto de educação
que se pretende ser libertadora, inicie por sua própria coerência metodológica, que
provoca a postura dialógica como fundamento do processo libertador.
Os dados analisados revelam, ainda, que na dinâmica de formação da E.M.E.I.E.F.
Assentamento Zumbi dos Palmares fica evidente o protagonismo dos educandos dentro
dos núcleos e setores da auto-organização.
No que se refere aos desafios da auto-organização E.M.E.I.E.F. Assentamento
Zumbi dos Palmares, os educandos apontam desafios que envolvem a relação educando-
educando e educador-educando:
Às vezes estamos com pressa e não respeitamos a auto-organização, tipo
saímos da sala a ao invés de ir pro núcleo vamos direto para o ônibus (Aline
Gomes Vicente).
Eu acho que pode melhorar muito, por exemplo, nos temas dos núcleos que
a gente escolhe o nome, palavra de ordem e simbologia, o grande tema é
decidido pela equipe de educadores, esse ano a equipe decidiu que o tema
são os biomas brasileiros, ano passado foi os revolucionários da educação, a
gente também quer decidir (Caio Nepomuceno Verdeiro).
Isso nos remete à auto-organização como um processo continuo, em que
o coletivo de educandos vai, de maneira gradativa, assumindo a responsabilidade
individual e coletiva. Questionados sobre o espaço para resolução dos desafios os
educandos apontam outro desafio, relacionado ao instrumento da Avaliação Semanal:
A gente dá a proposta dos encaminhamentos dos problemas da vida de
grupo na escola e a equipe de educadores que decide, mas a gente não
acompanha mais (Caio Nepomuceno Verdeiro).
A gente conversa, faz proposta e os educadores falam que na próxima
semana vai encaminhar e nada, perdeu o sentido (Nestor Pereira dos Santos
Lima).

Diante disso, podemos constatar que a auto-organização não está pronta, é


um movimento constante em que educadores e educandos devem contribuir com este
processo. Segundo o educando Caio Nepomuceno Verdeiro: “todos participam da auto-
organização na escola, mas sempre pode melhorar, né”.
Como a auto-organização é um elemento pedagógico que não está pronto,
vemos a necessidade constante de refletir e de ter atenção para que a auto-organização
não vire apenas um mecanismo de execução de tarefas, perdendo o seu princípio
educativo: “A presença da auto-organização como um elemento meramente técnico no
cotidiano escolar não efetiva o coletivo infantil na escola, inviabilizando a concretização
de ações que disseminem o hábito de viver e de trabalhar em coletivo” (BALDOTTO,
2016, p. 97).
Assim, a autonomia é um valor a ser mais estimulado no cotidiano da
escola, entendendo que “Os educandos devem aprender a resolverem sozinhos seus
problemas, mesmo que os educadores entendam que suas propostas são melhores”
(LUEDEMANN, 2002, p. 327). É essencial a contribuição dos educadores no processo da
auto-organização dos educandos. Sobre esta relação Pistrak (2011), enfatiza:
O medo de que as crianças dificultem o trabalho e ignorem os problemas
que estão sendo tratados é sem fundamento, sobretudo se as crianças
que participam no trabalho orgânico do Conselho Escolar se tornarem
cada vez mais conscientes da responsabilidade ligada ao seu trabalho, se
seu espírito não distinguir entre “nós” (crianças) e “eles” (educadores), se
considerarem os professores como companheiros mais velhos, íntimos e de
maior experiência, mas desejosos de serem ajudados no trabalho (PISTRAK,
2011, p. 163).
A auto-organização dos educandos como elemento pedagógico da Educação
do Campo perpassa também pelo trabalho coletivo dos educadores, contribuindo nesta
experiência. Afinal, a autonomia, a coletividade, o companheirismo são valores que
devem ser estimulados no cotidiano, dessa maneira, trabalhar para romper com a lógica
de educação rígida e tradicional.

Algumas considerações finais


Com a realização deste trabalho ficou evidente o reconhecimento da
diversidade de experiências na Educação do Campo, assim como a necessidade
constante de reflexão e de sistematização dessas experiências pedagógicas
como a auto-organização dos educandos, para inspirar e contribuir em outras
práticas pedagógicas. Estimular valores como os da coletividade, solidariedade,
responsabilidade coletiva, junto com a autonomia e protagonismo dos estudantes é
algo que nos encanta, ainda mais quando pensamos na educação como ferramenta de
transformação e emancipação social, pois precisamos formar crianças e jovens para
participar das diversas atividades da sociedade.
Vivenciar o conjunto de atividades da Escola Municipal de Educação Infantil
e Ensino Fundamental Assentamento Zumbi dos Palmares foi muito significativo, pois
mesmo conhecendo a experiência estudada, a realização do Estágio Supervisionado
e o Trabalho de Conclusão de Curso possibilitaram, a partir de um olhar investigativo,
mais aprofundado na realidade e no estudo teórico, refletir e pensar sobre a formação
e a prática docente. Cabe ressaltar que, para afirmar e defender a educação do campo
trabalhada nestas e outras experiências, é importante conhecê-la, de fato, e compreendê-
la a partir de vários olhares.
O percurso de estudo na Licenciatura em Educação do Campo, sobretudo com
a realização deste trabalho, possibilitou, no processo investigativo e de elaboração,
refletir e aprofundar os conhecimentos acerca da Educação do Campo, que fez e faz
parte da minha vida, ora como educanda, ora como educadora e militante, intercalando
processos de formação, articulação e luta.

Referências
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PROJETO CISTERNAS NAS ESCOLAS: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DO DIREITO
À ÁGUA E DIREITO À EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA NA FORMAÇÃO DE
EDUCADORES E EDUCADORAS DO CAMPO
Ana Paula Mendes Duarte

Resumo
Objetivamos apresentar a experiência do Movimento de Organização
Comunitária (MOC) no desenvolvimento da III Etapa do Projeto Cisternas nas Escolas,
uma parceria entre a instituição, a Articulação do Semiárido (ASA) e o Governo
Federal (a partir do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário - MDSA). Busca-
se discorrer sobre o itinerário pedagógico utilizado, que é inspirado na metodologia
Conhecer, Analisar e Transformar a realidade do campo em municípios do Semiárido
baiano, tendo como público-alvo professores e professoras da zona rural, bem como os
principais impactos e resultados obtidos na formação desses/as educadores através da
implementação de novas práticas pedagógicas contra-hegemônicas, tendo a água de
educar como mote principal, relacionando com a concepção e princípios da educação
contextualizada.
Palavras-chave: Água de educar. Educação Contextualizada. Formação de Professores/
as do campo.

Introdução
O semiárido historicamente foi negligenciado e esquecido pelos governos que
culpabilizavam os problemas como a pobreza, mortalidade e o próprio êxodo rural à seca.
Durante longos anos a Região Sisaleira do Semiárido baiano foi protagonista estampando
em jornais, na mídia e no imaginário coletivo altos índices de pobreza, descaso e miséria,
frutos de negações de direitos e políticas públicas que negligenciavam a região Nordeste
e a transformaram refém da indústria da seca e vítima do coronelismo.
Esse negligenciamento refletiu em números e estatísticas dentre os mais
baixos do país, como Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) e demais estatísticas que apontam para
a pobreza extrema e índices tão diminutos de desenvolvimento, nutrição, segurança
alimentar, entre outros (IBGE, 2015).
Frente a essas problemáticas de um “povo sem Estado”, há ainda muitos
desdobramentos desse tempo, uma vez que é um território negligenciado, com ausência
durante séculos de políticas públicas básicas e essenciais que garantissem o exercício da
cidadania e o rompimento com o ciclo do combate à seca, iniciando através das políticas
públicas de convivência com o semiárido um novo ciclo de vida e de possibilidades.
Um destaque histórico importante é a implementação do Programa Fome
Zero, que depois se transformou na unificação de vários programas que delinearam o
Programa Bolsa Família. Outro destaque é o Programa Um Milhão de Cisternas, criado
em 2003 pela ASA, Articulação do Semiárido, e executado desde esse mesmo ano pelo
Ministério do Desenvolvimento Social, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento
Agrário, graças às parcerias até então nunca antes incentivadas entre o governo federal
e entidades sociais, como a ASA. A Articulação do Semiárido foi fundada em 1999 a
partir da organização de cerca de 3.000 entidades dos Movimentos Sociais em defesa
de políticas de convivência com o semiárido, tendo como ato político a elaboração
da carta Declaração do Semiárido Brasileiro. Participante desse momento histórico e
compondo essas entidades que juntas criaram a ASA, o Movimento de Organização
Comunitária (MOC), fundado em 1967, contribuiu na execução de diversas ações em
prol da construção de políticas de convivência com o semiárido.
Já o Projeto Cisternas nas Escolas, central nesse estudo, é desenvolvido em
parceria dos movimentos sociais do campo e entidades que defendem políticas públicas
para o semiárido brasileiro com o governo federal desde o ano de 2010. De lá para cá
várias etapas foram realizadas e 6.600 cisternas de placa de 52.000 mil litros foram
construídas em escolas do campo de comunidades tradicionais no semiárido brasileiro
(ASA, 2018). A partir do ano de 2015 o projeto assume uma nova configuração, que é
a implementação do debate da educação contextualizada e formação de educadores e
educadoras e demais funcionários da comunidade escolar. A partir de então, o projeto
toma contornos de programa e passa em seguida a ser uma política pública.
O MOC atuou no projeto desde seu início e continua desenvolvendo-o até
então. Como a instituição já tinha acúmulo no trabalho com formação continuada de
educadores e educadoras do campo no semiárido baiano (territórios de identidade
do Sisal e Bacia do Jacuípe) desde o ano de 1994, a organização, que é classificada
como ONG, pôde aliar ainda mais as formações continuadas através da concepção
filosófica e metodológica Conhecer, Analisar e Transformar a realidade do campo (CAT),
aprofundando a relação entre a educação contextualizada de qualidade e o direito à
água de qualidade nos municípios em que já atuava, e sua ampliação entre os novos
municípios, que não desenvolviam a educação contextualizada.
Diante do exposto, as motivações que incentivam a problematização das ações
do Projeto Cisternas nas Escolas e seu desenvolvimento na relação entre o direito à água
e educação contextualizada e seus impactos na formação de educadores e educadoras
durante a execução da III Etapa do Projeto, em que se realiza um recorte no ano de 2017,
no qual, apesar da difícil conjuntura política e corte no orçamento para a continuidade
das implementações de políticas públicas no semiárido, conseguiu-se realizar a
construção de 45 cisternas escolares distribuídas entre as escolas de comunidades
rurais e tradicionais nos municípios de Barrocas, Pé de Serra, Serra Preta e Teofilândia,
percorrendo o território do Sisal e Bacia do Jacuípe.
E, portanto, busca-se apresentar e discutir os resultados do ciclo formativo
através das Oficinas de Educação Contextualizada com os educadores e educadoras, os
destaques quanto à melhoria do aprendizado dos educandos e educandas das escolas
do campo, bem como a organização comunitária e maior participação das famílias nas
escolas, o acesso ao direito à água dentro dos padrões microbiológicos, as temáticas
debatidas no viés da contra hegemonia e popularização dos conhecimentos.
Assim, passam a dialogar com a realidade das comunidades, problematizando-a
e melhorando a qualidade de vida não com o fomento de políticas públicas aliadas
à prática educativa contextualizada e libertária que não coadunem com falácia do
combate à seca, mas com uma educação descolonizadora e emancipatória, na qual as
políticas estejam voltadas para a convivência com o semiárido e com a própria vida dos
sujeitos do campo.
Nessa perspectiva formativa, o histórico da educação brasileira expressa o
choque de forças vivas, entre o passado, presente através da construção histórica. A
educação, assim como nos países da América Latina que vieram de um histórico de
colonização para a exploração, o surgimento de uma nação foi conturbado e disputado
(BAPTISTA, 2006).
A educação foi forjada nos privilégios de uma elite e assim permaneceu durante
séculos como instrumento de controle de uma parte da população. A grande maioria
analfabeta permaneceu fora do processo de escolarização, que no Brasil passa a ser uma
política bem tardiamente, somente em 1930, marcado pela criação do Ministério da
Educação, no governo de Getúlio Vargas. Época na qual se cria o Manifesto da Escola
Nova e começam a ser mais fortes os confrontos por políticas públicas de educação,
demandadas por diversos setores da sociedade que, já sentindo os primeiros ventos do
capitalismo no Brasil, sentiram a necessidade de acelerar o processo de industrialização
e para tanto precisariam de uma mão de obra mais qualificada, portanto escolarizada.
Neste sentido, a educação pública no Brasil surge tendo como motivação interesses
econômicos, de uma educação produtivista e tecnicista (BAPTISTA, 2006).
Neste contexto de desigualdade ao acesso à educação escolarizada, como
observa Mèszáros (2008), a educação formal nos últimos 150 anos se empenhou em
atender ao capital e a seu projeto de extensão e perpetuação, de maneira a basear
toda fundamentação pedagógica na perspectiva da dominação estrutural do modo de
produção capitalista. Ou seja, validando os interesses dos detentores do poder político
e, sobretudo, do poder econômico.
A concepção ideológica da educação rural não estabeleceu nenhum tipo de
relação com o desenvolvimento local, mas em sua estruturação sempre predominou
visão de educação limitada, assistencialista e que via os sujeitos do campo como povos
subordinados, subalternos ao urbano, atrasados, sem tecnologia e até mesmo sem
cultura. E isso não favorecia a construção de uma educação fortalecedora de identidades,
bem como trazia uma visão antagônica entre campo e cidade (ROSA; CAETANO, 2008).
Assim, quando a visão de desenvolvimento rural começa a ser delineada a
partir do desenvolvimento territorial local, a educação rural – que já sofria durante anos
críticas e ressalvas dos Movimentos Sociais do Campo, que não viam representatividade
na Educação Rural – torna-se obsoleta. Episódio crucial para legitimar a necessidade
de uma educação emancipatória para os povos do campo, a Conferência Nacional de
Educação do Campo aconteceu em Luziânia, Goiás, cujo modelo de educação rural
é rejeitando e os Movimentos compostos por diversas entidades ligadas ao campo
constroem a nomenclatura da “Educação do Campo”, pela permanência e pelo direito à
uma educação “do” campo e “no” campo (CARNEIRO, 2012).
A concepção de Educação do campo, no sentido de representar os trabalhadores
e trabalhadoras que vivem no Campo, é legítima e demandada pelos Movimentos
Sociais do campo que, diferentemente da Educação Rural, foi bandeira de luta destes
movimentos e por eles pensada. Desse modo, a Educação do Campo em sua concepção
ideológica visa à inclusão dos valores, cultura e modos de vida dos povos do campo
como conhecimento necessário a ser integrado ao currículo escolar e com práticas
pedagógicas que coadunem com a contextualização da realidade. Uma educação que
seja, conforme Kolling, Nery e Molina (1999, p. 29),
voltada ao interesse do campo, voltada ao interesse e ao desenvolvimento
sociocultural e econômico dos povos que habitam e trabalham no campo,
atendendo às suas diferenças históricas e culturais para que vivam com
dignidade e para que, organizados, resistam contra a exploração e a
expropriação, ou seja, este do campo tem o sentido do pluralismo das
ideias e das concepções pedagógicas: diz respeito à identidade dos grupos
formadores da sociedade brasileira (conforme os artigos 206 e 216 da nossa
Constituição).

A partir desse marco histórico, os movimentos passam a atuar em busca


de políticas públicas de educação do campo e desenvolvimento local com mais força
e balizados por uma concepção criada pelos próprios movimentos. Deste modo, a
educação rompe com uma visão tradicional e dicotômica, para propostas e práticas
pedagógicas colaborativas, territoriais, estabelecendo uma relação de diálogo com o
Estado e abordando as diferenças entre campo e cidade de um ponto de vista dialético
e complementar entre ambos os espaços.
Essas iniciativas não vieram de experiências formais das gestões municipais ou
estaduais de educação, mas de organizações da sociedade civil como ONGS, Organizações
Comunitárias, Sindicatos e Coletivos (PEREIRA, 2013). Sendo assim, a Educação Rural e
a Educação do Campo passam a ser concepções antagônicas. A primeira, financiada e
respaldada pelo Agronegócio e a segunda, fundamentada nas lutas dos Movimentos
Sociais do Campo em favor da Agricultura Familiar. A esse respeito, Lima e Silva (2014,
p. 68) assevera que:
A escola no campo foi, portanto, uma criação tardia e de forma não
institucionalizada pelo Estado. Nas primeiras décadas do Século XX,
as transformações socioeconômicas e educacionais conjugadas com o
fenômeno da imigração europeia fortaleceram o processo de industrialização
incipiente e o êxodo rural interno ameaçando a aristocracia rural. O debate
sobre a educação rural emergiu no cenário político nacional por pressões
socioeconômicas, embora o país tivesse uma origem eminentemente
agrária. A educação era destinada a uma minoria privilegiada e o serviço
público educacional em relação à população do campo rural foi quase
totalmente inexistente, nem sequer mencionado nos textos constitucionais
até 1891, reproduzindo o entendimento do colonizador de que esse
segmento social não precisava de escola.
Ou seja, a escola durante muito tempo foi um privilégio que durante longos
anos não chegou às regiões mais afastadas dos centros urbanos. A educação rural existiu
de forma muito precária e veio mais como favor do que como direito. Além de não levar
em consideração o contexto das populações do campo, ou seja, a Educação Rural não se
relacionava com a vida e os saberes das pessoas.
Como contraponto a lógica evolucionista e de invasão do capital ao campo,
a educação do campo possui uma perspectiva pedagógica que convive e favorece a
heterogeneidade. De acordo com Pereira (2013, p. 24) “a educação não pode se limitar a
constituir um tipo de estoque básico de conhecimentos”. Em que a educação do campo
não é “beneficiada” por pacotes, mas nela as pessoas do território ou comunidade
conhecem e problematizam a sua realidade, o seu entorno, pensam as alternativas
e as potencialidades ao seu redor e tem a escola como mediadora desse processo
de construção de conhecimento local e de relação com os conhecimentos gerais e
correspondentes.
Neste sentido, o autor destaca que o debate contra hegemônico “não se
trata de uma diferenciação discriminadora, do tipo ‘escolas para pobres’: trata-se de
uma educação mais emancipadora na medida em que se assegura à nova geração os
instrumentos de intervenção sobre a realidade que é a sua” (PEREIRA, 2013, p. 24).
Vejamos, de acordo com Carneiro et. al (2011, p. 09) o semiárido brasileiro é
caracterizado por muita gente pela aridez e destaca que as principais razões para essa
visão tem a ver com as práticas descontextualizadas de manejo do solo e formas diversas
de plantio e modos de vidas que não buscaram a convivência com a realidade através
de tecnologias sociais e alternativas possíveis e nem a preservação do meio ambiente.
Dessa forma, pensar o semiárido deve ir além de apenas relacioná-lo com a escassez de
chuva, mas refletindo sobre as questões políticas, culturais, sociais e ambientais às quais
esse espaço geopolítico está imbricado.
Ainda mais porque o semiárido brasileiro é, dentre os outros contextos de
semiárido no mundo, a forma, o local em que mais chove. De acordo com os dados oficiais
do Ministério da Integração, atinge 975 mil Km², em que abarca 1.133 municípios e parte
dos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco,
Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. É no semiárido que vivem mais de 22 milhões de
pessoas (ASA, 2009, p. 04).
Baptista et. al (2011, p. 10 ) assevera que:
O semiárido brasileiro é o mais populoso do mundo e ao mesmo tempo o
mais chuvoso. Contudo, curiosamente, é uma região de déficit hídrico. Isso
quer dizer que a quantidade de chuva que cai é menor do que aquela que
evapora, numa proporção de 03 para 01. Ou seja: se chover 100 mil litros,
evapora 300 mil litros, assim, a quantidade de água que evapora é 03 vezes
maior do que a de chuva que cai. Além disso, as chuvas são irregulares e,
algumas vezes, há longos períodos de estiagem. Durante essas épocas, a
média pluviométrica atinge entre 200 a 800 mm/ano.

O mesmo autor destaca que por conta desse contexto de longos períodos de
estiagem, durante a seca a maioria das famílias que vivem no semiárido não consegue
acessar as necessidades básicas, como o direito à água e alimentação. Porém, essa
situação não pode ser atribuída às questões ambientais, mas precisam ser vistas de um
ponto de vista político e social, olhando também para o viés histórico das populações
que vivem no semiárido, o autor provoca que “Elas são, sobretudo, de natureza política
e se expressam na enorme crise socioambiental que vivemos.” (BAPTISTA, et. al, 2011,
p. 10).
Para Caldart (2002), uma das características fundamentais do movimento
por uma educação do campo é a luta pela educação na perspectiva da Política Pública,
enquanto direito inegociável, contextualizado com a sua realidade e no local onde vive,
pensada para e com os sujeitos do campo, pensando o desenvolvimento local. Nessa
direção, o Art. 2º, Parágrafo único, das Diretrizes Operacionais para Educação Básica do
Campo, diz que:
Art. 2º - A educação do campo é uma concepção política pedagógica voltada
para dinamizar a ligação dos seres humanos com a produção das condições
de existência social, na relação com a terra e o meio ambiente, incorporando
os povos e o espaço da floresta, da pecuária, das minas, da agricultura, os
pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas (BRASIL, 2002).

Em sua concepção e princípios, a educação do campo se estrutura a partir da


valorização da identidade e tendo como insumos elementos da própria realidade de vida
dos sujeitos. O Art. 2º traz ainda a constituição dos povos que vivem no semiárido, com
seu modo de vida, seus saberes e fazeres como conhecimento legítimo e constituído,
sobre o qual os filhos e filhas dos/as agricultores/as familiares têm como direito o acesso
aos espaços educacionais formais e não formais.
De uma perspectiva universalista da Educação Rural à contextualização dos
saberes em Educação do Campo, o local é entendido como o começo, o ponto de partida
para a construção de conhecimentos, do local para o global, do micro para o macro. De
acordo com Reis (2011, p. 101), a educação é, portanto, um dos espelhos da sociedade
na qual está inserida. A educação, nos dois últimos séculos, é dominada pelos interesses
e ideias de classes que determinam as relações sociais, sendo, portanto, hegemonia.
Conforme discorre Orso (2011), a educação é uma rede complexa que não
envolve apenas alunos/as e professores/as, tampouco se resume ao espaço físico
da escola, mas é uma rede mais abrangente que estabelece relações entre diversos
sujeitos sociais, mediada pelas condições e quadro situacional de cada grupo social.
Compreender como essas relações se fazem e se articulam entre as várias dimensões
requer atenção e deve ser uma exigência necessária dentro da concepção de educação.
Orso assevera ainda que:
[...] fazer o trabalho bem feito não significa se contentar em executar
bem o trabalho na sala de aula. Compreendendo que a escola expressa o
conjunto da sociedade na totalidade de suas relações, a exigência sobre o
professor aumenta ainda mais, pois a boa execução do trabalho pressupõe a
atenção a tudo o que está acontecendo no mundo, não apenas nas escolas,
mas também na educação, na sociedade local e até mesmo na sociedade
brasileira (ORSO, 2011, p. 228).

Ou seja, a ausência de uma educação que dialogue com a realidade em seu


entorno contribui com a perpetuação hegemônica e não permite que a educação seja
significativa e tenha sentido na vida de seus/suas educandos/as. Uma das principais
questões que a escola atual acaba por não contextualizar é a situação de pobreza, ou
quando trata do assunto, é pela via e concepção hegemônica e capitalista.
A forma como se estrutura o modo de produção da sociedade capitalista
possui muitas influências na educação. Ou seja, a educação em cada contexto histórico
passava a ser o instrumento pelo qual não se preparou pessoas para a vida, de forma
geral, aliando competências e habilidades, em seu sentido completo, mas que precisou
se condicionar para formar trabalhadores/as para o mundo econômico-produtivo, no
qual não cabia o social, ou era pormenorizado (SAVIANI, 2011).
A pedagogia das competências foi tão incentivada que levou a escola brasileira
a pensar tal como a organização das empresas, que trocaram a palavra qualificação por
competência. Assim, a educação, que sempre esteve centrada nas diversas disciplinas
de conhecimento, passa a organizar o ensino pela via das competências de situações
determinadas: a educação tecnicista que, por conseguinte, após as “reformas” na
educação, passa a ser vista como neotecnicista, pois leva em maior consideração os
resultados e sua avaliação do que o processo de aprendizagem propriamente dito.
Elaborando assim exames, avaliações e atividades que objetivam medir o índice de
desempenho de alunos/as, professores/as e funcionários da educação e distribuir os
recursos a partir do critério da eficácia e da eficiência, que Saviani (2011) chama de
Pedagogia Corporativa, como se a escola fosse uma empresa em busca dos melhores
resultados e não um espaço de tempos de aprendizado e diversidade.
Saviani (2011) ainda aponta que desses movimentos pedagógicos altamente
competitivos e produtivos terminaram por criar a Pedagogia da Exclusão, por meio da
qual os indivíduos se viam na obrigatoriedade de se capacitar gradualmente para o
mercado de trabalho de grande competitividade, concorrendo de modo desigual em
uma sociedade econômica e socialmente desigual. Mas, caso não fosse capaz de manter-
se no mercado ou não tivesse condições de concorrer, a meritocracia responderia a tal
questão, ou seja, este indivíduo não se esforçou o suficiente, como se os fatores externos
não fossem os responsáveis por essa exclusão.
Essa educação distorcida e serviçal do sistema capitalista se nega a criar aquilo
que Marx (1983) chamou de consciência de classe. Ou seja, as pessoas em situação social
menos favorecida almejam ascender para a Classe Média, ou melhor, é o que todos
almejam, porém como dizer à grande camada população brasileira que vive em extrema
pobreza que ela não se esforçou o suficiente para chegar lá, quando a grande luta dessa
camada é a sobrevivência em meios precários, sem acesso aos seus direitos sociais e na
falta de Políticas Públicas? Intertextualizando com o que traz a filósofa Marilena Chauí
(2011), o neoliberalismo se constitui em desmantelar a social democracia de modo que
os direitos sociais e a esfera pública se tornem cada vez mais ínfimos e se acentue o
chamado Estado Mínimo.
Toda a estrutura que mantém a educação a serviço do capital e reproduzindo
desigualdades é uma educação que não problematiza a própria vida de seus/suas
educandos/as. E isso acontece também por meio de uma das principais ferramentas
identitárias da educação: o currículo.
Pensando na relação currículo e prática docente, Feldmann (2009) apresenta
que a forma burocratizada e estática pela qual a formação docente é organizada prejudica
a capacidade de flexibilidade e contextualização de professores e professoras, o que
reflete diretamente na prática pedagógica desses profissionais e reflete no currículo,
que por mais que possua uma perspectiva mais identitária e emancipatória, acaba por
não se concretizar. Dessa forma, frustrado um processo educativo planejado, a educação
acaba reproduzindo o mais do mesmo e as mudanças não acontecem. São privilegiadas
perspectivas homogeneizantes e generalistas, binárias e cartesianas, defendidas e
adotadas pelos grupos hegemônicos.
Em se tratando de uma perspectiva de educação que estabeleça uma relação
entre a situação de pobreza de seus/suas educandos/as em determinada comunidade,
seu currículo e sua prática pedagógica, Feldman (2009) discorre que a educação precisa
buscar respostas eficazes que garantam o fazer educação para o empoderamento e
formação de cidadãos e cidadãs que problematizem sua própria vida.
Para isso, repensar o currículo e a formação docente é, sobretudo, decidir
sobre que concepção pedagógica será alicerçada a práxis para desenvolver a identidade
cultural, local, social e cidadã, bem como formar educadores/as para exercício e
contextualização, para uma realidade concreta e com variadas dimensões de sujeitos e
modos de vida, precariedades e invisibilidades, assim como um currículo contextualizado
que cumpra seu papel de caracterizar (FELDMAN, 2009), envolver e ser a representação
de sua comunidade e conhecê-la, analisá-la e transformá-la a partir do território em que
vive.
O objetivo geral desse trabalho é discutir a experiência do Projeto Cisternas
nas Escolas na formação de educadores e educadoras em educação contextualizada
desenvolvida em parcerias dos Movimentos Sociais do Campo e Poder Público, sob
o viés contra hegemônico. E nos desdobramentos apresentar o itinerário do Projeto
Cisternas nas Escolas, seus impactos e principais resultados no campo da formação de
educadores e educadoras das escolas do campo e discutir e avaliar as ações de impacto
do Projeto Cisternas nas Escolas, seus desafios e perspectivas frente às políticas públicas
para o semiárido.
A partir dessa intenção faz-se importante destacar que a ciência, segundo
Minayo (2015), é uma das expressões sociais que inquere e busca respostas para as
questões da vida, compilando com rigor e critérios os conhecimentos acumulados
pela humanidade ao longo dos anos, de modo não definitivo, mas está sempre se
refutando, descobrindo, redescobrindo, etc. No que tange à resolução de problemas de
ordem essencial como a pobreza, a fome, a miséria e a violência, para a autora a ciência
não conseguiu grandes respostas, o que, para muitos críticos, atribui-lhe um caráter
hegemônico, por lidar com a(s) verdade(s) humana(s).
Sabe-se que, mesmo tendo seu rigor e normatividade, o campo científico
é permeado de contradições. Dentre elas encontra-se a discussão do estudo da
sociedade ter obtido o status de Ciências Sociais, em que se questiona seu cientificismo,
comumente comparando-a com as Ciências Naturais em duas tentativas, a primeira de
trazer uniformidade para estes campos científicos, e a segunda buscando as diferenças e
especificidades de cada uma delas (MINAYO, 2015).
No entanto, como pondera Moroz (2006), a própria produção de conhecimentos
possui um caráter social, uma vez que é a representação da vida e do cotidiano humano
de uma determinada sociedade e seu registro histórico, refletindo, portanto, o seu
contexto. Daí a sua relevância no campo dos estudos das Ciências Sociais, que investiga,
observa e ressalta a vida e as problemáticas em torno da vida social de forma mais
ampla, ou se debruça sobre um dado recorte ou delimitação.
A cientificidade das Ciências Sociais é, por vezes, questionada pela crítica da
neutralidade, uma vez que nas Ciências Sociais há pesquisa que estabelece relação de
identidade entre o investigador e o investigado, entre sujeito e objeto. Ou como Lévy-
Strauss (1975, p. 155) afirma ser “numa ciência, onde o observador é da mesma natureza
que o objeto, e o observador é, ele próprio, parte de sua observação”.
Neste sentido, Minayo (2015) destaca que não existe uma ciência neutra e que
as Ciências Sociais são intrínseca e extrinsecamente ideológicas, pois possuem ideologia
social, interesses e visões críticas de mundo diversas que não influenciam nos resultados
das pesquisas de modo a prejudicar a cientificidade e veracidade da pesquisa, mas no
método, técnicas escolhidas pelo investigador. A mesma autora afirma que em ciência
social não há como separar a relação entre investigador e objeto de pesquisa, uma vez
que a relação de conhecimentos e visões de mundo estão estabelecidas.
Assim, o presente trabalho teve como um dos principais insumos a análise de
documentos e relatórios do Movimento de Organização Comunitária MOC ao longo
da III Etapa de realização do Projeto Cisternas nas Escolas, bem como as vivências da
Monitoria Pedagógica durante as Oficinas de Educação Contextualizada, configurando-
se de pesquisa documental e participativa.
Projeto Cisternas nas Escolas: ciclo formativo
O Projeto Cisternas nas Escolas envolveu, durante o segundo semestre do
ano de 2017, os municípios de Barrocas, Pé de Serra, Serra Preta e Teofilândia. Destes
municípios, apenas Barrocas desenvolve a formação continuada de educadores e
educadoras em parceria com o MOC e com a Universidade Estadual de Feira de Santana
(UEFS) desde o ano de 2006. Os demais municípios tiveram contato pela primeira vez
com os debates, concepção e abordagem do CAT e foi possível realizar um comparativo
sobre os níveis de discussão, implementação e multiplicação das práticas de educação
contextualizada.
O ciclo formativo do Projeto Cisternas nas Escolas se deu a partir da realização
de Oficinas de Educação Contextualizada divididas em 03 módulos, nas quais foi
apresentado e debatido o histórico do projeto, bem como realizada análise de conjuntura
política e um histórico sobre o semiárido, tudo isso relacionando posteriormente com
a concepção, princípios e marcos legais da educação contextualizada. Por conseguinte,
os educadores e educadoras elaboraram atividades interdisciplinares tematizando
a partir da cisterna escolar a ser construída nas escolas, relacionando os temas água,
segurança alimentar e nutricional e agroecologia com as áreas do conhecimento e os
conteúdos curriculares. Dessa forma, todos os módulos tiveram relações entre si e
se complementaram. Ao final os/as educadores/as participaram de um intercâmbio
intermunicipal e avaliaram o projeto por meio de formulário que foi sistematizado.
Educação contextualizada que relaciona os conteúdos curriculares com a
realidade local – na verdade, o cotidiano da comunidade – é conhecimento que é
conhecido, analisado e transformado para além do espaço escolar, envolvendo a
comunidade, tendo as dimensões da agroecologia, alimentação saudável, segurança
alimentar e nutricional, água, território, desenvolvimento local sustentável. Tudo isso
relacionado de modo interdisciplinar com a geografia, a matemática, ciências, língua
portuguesa e assim seguindo o itinerário pedagógico que torna uma cisterna e uma
horta escolar em ferramenta pedagógica para a prática dos alunos e alunas.
Essa é a perspectiva de educação contra hegemônica que empodera, rompe
com os processos patriarcais, de negação de direitos e que aproxime as famílias da
escola, uma educação que faça sentido na e para a vida das crianças e adolescentes, que
oportunize, que traga perspectivas de autonomia para as famílias, afastando assim o
fantasma da fome, da insegurança alimentar, do campo esvaziado e do trabalho infantil.
Diante do exposto, tendo como mote as ações do Projeto Cisternas nas Escolas,
principalmente a atuação em educação contextualizada através da metodologia CAT, foi
possível elencar os principais resultados da caminhada do Projeto em 2017:
• 95 Professores e professoras do campo aprofundaram suas concepções
sobre educação contextualizada e se instrumentalizaram para o trabalho com
educação contextualizada em sala de aula;
• 45 escolas construíram cisternas escolares nos municípios de Barrocas, Pé de
Serra, Serra Preta e Teofilândia, garantindo o direito à água de qualidade a
aproximadamente 800 crianças das escolas do campo;
• Hortas escolares construídas e sendo desenvolvidas enquanto ferramentas
pedagógicas em 21 escolas do campo;
• Todos os municípios do Projeto elaboraram planejamento pedagógico (Ficha
Pedagógica) e cada município o fez tematizando o direito à água e educação
contextualizada, valorizando a agricultura familiar na escola;
• O debate da Lei de fechamento de escolas do campo oportunizou a mobilização
dos educadores/as e de comunidades rurais no município de Pé de Serra e com
isso reverteu-se a iniciativa do poder público que fecharia 10 escolas do campo;
• O município de Serra Preta, a partir do desenvolvimento do Projeto,
implementou a Educação Contextualizada nas escolas do campo a partir da
parceria como MOC em 2018.
Assim, as propostas metodológicas desenvolvidas pelo MOC enquanto ONG,
em parceria com a UEFS e Prefeituras Municipais, contribuíram para o fortalecimento
das políticas públicas na maioria dos municípios em que se realizou o projeto, bem
como oportunizou um importante direito para além do direito à água e educação
contextualizada, mas também o direito de os profissionais de educação participarem
de formação continuada em educação contextualizada e produzirem ferramentas e
insumos autônomos voltados para o desenvolvimento da educação contextualizada na
sua prática pedagógica a partir da práxis.
Essas iniciativas fortalecem a educação da região e tornam-se referência
nacional e também internacional. Tais iniciativas estimularam outras ideias e fomentos
educativos, como também novas parcerias interseccionais, intersetoriais e com outras
organizações da sociedade civil e poder público (SILVA, 2015, p. 15).
Considerações finais
Considerando a problemática na qual se baseou este trabalho, cuja questão
norteadora se desdobra em como o trabalho do Movimento de Organização
Comunitária (MOC) – através da execução do Projeto Cisternas nas Escolas junto à
formação de professoras e professores das escolas do campo, tendo como metodologia
do Conhecer, Analisar e Transformar a realidade do campo (CAT) – incide sobre as
mudanças e contribui para o desenvolvimento local sustentável, fortalecendo a luta
contra a situação de extrema pobreza na zona rural e negação do direito à água e
educação contextualizada.
A partir do desenvolvimento rural sustentável como uma prática econômica e
social possível, sobretudo com o desenvolvimento de uma educação que foi construída
para a região, foi contextualizada com um itinerário pedagógico que não só traz a
realidade local, mas problematiza-a e provoca para uma intervenção. A ação do MOC
no Território do Sisal se estendeu à Assistência Técnica Rural, produção de alimentos
e agroecologia, acesso ao mercado, água para consumo humano, produção e escolar,
relações sociais de gênero, associativismo, cooperativismo, comunicação democrática e
comunitária. Tudo isso em interface com a Educação Contextualizada, entendendo que
sem ela o desenvolvimento rural sustentável torna-se inviável. Dessa forma possibilitaram
uma atuação há cinco décadas, com maior intensificação na última década, em que foi
possível consolidar políticas públicas.
A mudança da visão de semiárido incentivada pelas ações do MOC na execução
do Projeto possibilitou aos educadores e educadoras um novo modo de pensar a
educação e o semiárido a partir da Convivência com o Semiárido, demandando do Poder
Público políticas públicas e não mais aceitação de políticas assistenciais. Essa abertura
e diálogo para o fomento do desenvolvimento local e as ações dos Movimentos Sociais
e Sociedade Civil Organizada foram reconhecidas e potencializadas, num período em
que historicamente o semiárido passa a ser visto como um lugar de gente e não de
esvaziamento.
Muitos são os desafios que se apresentam para o Projeto Cisternas nas Escolas,
sobretudo para sua continuidade e o acompanhamento aos municípios contemplados.
Os cortes nos recursos e o cancelamento de parcerias e editais provocam uma situação
de insegurança e retrocesso, principalmente em torno das ameaças de fechamento de
escolas do campo na Bahia.
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POSFÁCIO
Mônica Castagna Molina

[...] começaremos por juntar os grãos e as milhares de histórias, lutas,


experiências, vivências e conhecimentos de tantos povos, que cada semente
carrega”.

Dom Tomás Balduíno costumava nos dizer: “A Educação do Campo é um


tesouro”. Este livro, sem dúvida, integra este tesouro... É uma sementeira de mudanças,
está repleto de belezas incomensuráveis...Alimenta-nos a alma, ao dispor experiências
de humanização, de construção do novo, de materialização da crença de um novo
mundo possível. Lê-lo, foi uma imensa alegria.
Foi um mergulho nas águas da esperança... Foi um mergulho em um mar de
belas práticas; construídas por diferentes sujeitos coletivos, com uma imensa diversidade
de culturas; de saberes; de tradições; de biomas, mas, com um amálgama que tece o
fio entre elas: a busca da valorização da vida acima de tudo; a luta pela superação das
desigualdades e injustiças, em busca do desenvolvimento pleno e integral de cada um,
pautado em uma revolucionária lógica de relação com a natureza....
O conjunto dos artigos desta obra reúne, a partir das preciosas experiências
apresentadas, importantes princípios que orientam as práticas formativas da Educação
do Campo, relatando as diversas estratégias pedagógicas nelas adotadas. Destacamos
alguns destes princípios neste posfácio, com a intencionalidade de dar-lhes maior
visibilidade e de reforçá-los como caminhos relevantes ao cumprimento dos objetivos
maiores da Educação do Campo.
Estão presentes no livro um número significativo de experiências fecundas de
práticas educativas não escolares: Teia dos Povos; Estética das Sementes; Ciranda Infantil
Itinerante; Formação de Professores do Campo, Escola do Semiárido, entre outras, que
trazem a magnitude e a força da Educação Popular. E este é um caminho extremamente
importante de ser fortalecido e valorizado, pois além de seguirmos com as lutas
históricas para garantir a formação dos educadores, promovendo uma formação crítica
e de qualidade social, para que tenham as condições de realizar um excelente trabalho
nas escolas públicas, é necessário também ampliarmos os processos formativos para
além dos muros escolares buscando, cada vez mais, fortalecer e qualificar as práticas de
educação popular. Neste período, em que as forças conservadoras avançam sobre as redes
públicas, tentando asfixiar o trabalho pedagógico emancipador, que se faz por dentro
delas, temos que duplicar nossos esforços e capacidade de ação. Fazermos a resistência
por dentro das redes públicas, encontrando caminhos de articulação e apoio mútuo
entre docentes; discentes e comunidades. É necessário promover o enfrentamento aos
retrocessos que buscam nos impor através de perseguições; de novos marcos legais;
do Escola Sem partido, garantido uma efetiva resistência dentro da escola pública, mas
também atuando e ampliando o trabalho formativo do povo brasileiro nos espaços de
educação popular e comunitária. A história recente em nosso país nos lembra que parte
do processo de enfrentamento da ditadura se deu em diferentes espaços de formação
política protagonizados a partir de variadas experiências de educação popular, no campo
e na cidade.
E, o que a riqueza das práticas educativas não escolares relatadas neste livro
nos demostram, é que uma das chaves de saída deste quadro tão perverso, é a continua
produção de ações contra hegemônicas, conduzidas em uma outra lógica; rompendo
paradigmas; furando barreiras e círculos viciosos de projetos formativos que não ajudam
e não atendem as necessidades da população, ao contrário, só favorecem as condições
de vida dos poderosos. A experiência da Escola de Convivência com o Semiárido é
exemplar neste sentido. Com extrema lucidez e visão de projeto histórico afirma no
texto que a Convivência com o Semiárido supera o paradigma de Combate à Seca, pois, é
construída com o reflexo das reais necessidades das populações; é resultado da trajetória
social e cultural das famílias e das organizações populares que vêm resistindo às mazelas
causadas pelo estado brasileiro e pelo mercado capitalista. Vem se estabelecendo, pois,
em cada realidade, de forma sustentável com a natureza, gerando trabalho e renda,
mantendo o sentimento de pertencimento, a partir das identidades culturais construídas
há séculos pelos antepassados.
Esta questão da relação com a ancestralidade e com a sabedoria dos nossos
antepassados para terem conseguido sobreviver até os dias atuais, também é muito forte
e presente no artigo sobre a experiência da Teia dos Povos. Este texto nos traz valorosos
ensinamentos, ao mostrar de que forma, a partir da sabedoria da ancestralidade, tem
sido tecido os fios de uma Teia que dá sustentação e serve de amparo a diferentes
grupos coletivos, fortalecendo a resistência; aumentando a esperança e criando novos
caminhos e estratégias para disseminação de práticas agroecológicas e de recuperação
e difusão das sementes crioulas.
E, no texto sobre a Teia do Povos, há uma ideia que julgamos imprescindível
ser reafirmada, como pensamento orientador e condutor das estratégias de lutas a
serem empreendidas por todos os militantes da Educação do Campo, nos diferentes
espaços formativos nos quais atuamos, sejam escolares ou não: Não haverá democracia
real no Brasil sem a justiça na distribuição de terras e na demarcação dos territórios,
sem o respeito à autonomia das comunidades e sem a construção de uma nova matriz
econômica, alicerçada na soberania alimentar e na agroecologia. A Teia propõe que
os povos lutem pela terra e território respeitando os ensinamentos dos ancestrais em
sua diversidade e pluralidade, consolidando uma aliança entre os povos. Conquistando
e garantindo nossos territórios. Recuperando os biomas devastados pelo latifúndio
agroexportador. Produzindo autonomia e soberania alimentar através das sementes
crioulas.
Em escala ainda mais acentuada que em outros períodos, em função do
imenso avanço das forças destruidoras da vida e da natureza, representadas pelos
donos do capital, que se apossaram de diferentes espaços do Estado brasileiro
através dos grupos do agronegócio, as terras, os territórios e a vida dos povos
indígenas, quilombolas, extrativistas, sem terras e acampados, entre outros, estão
profundamente ameaçadas. Avançam em escala geométrica os extermínios e os
massacres; as emboscadas; as queimadas; o uso alucinado dos agrotóxicos, dada vez
mais letais. E tantas outras formas de destruição da vida e da natureza, em nome do
lucro incessante, que segue ampliando seus tentáculos... Mas, não sem muita luta e
resistência. E o artigo da Teia dos Povos é um belíssimo exemplo de uma estratégia
de construção desta imprescindível resistência, que não pode ser de outra forma,
senão pela ampliação da articulação entre as diferentes lutas e sujeitos coletivos que
acreditam ser possível derrotar o capital.
Entre tantas outras questões relevantes, o citado artigo da Teia dos Povos,
chamou-nos a atenção ao relatar o fato de ter-se estabelecido como estratégia
permanente de seu processo organizativo, a articulação entre sujeitos coletivos da
classe trabalhadora, que estão em diferentes funções na sociedade, mas que tem
como objetivo comum de suas práticas a superação da lógica do capital como lógica
hegemônica de estruturar a vida social. A proposta de organização da Teia, se dá a
partir das articulações tanto entre os chamados Núcleos de Base, que são compostos
pelos coletivos Indígenas; quilombolas; Terreiros de matriz africana; Assentamentos e
acampamentos de Reforma Agrária; Agricultores (as) Pescadoras (es); quanto entre
a articulação destes Núcleos de Base com outros coletivos chamados Elos, que são
compostos por Professoras (es); Estudantes ; Pesquisadores (as); Coletivos da agricultura
urbana e moradores das periferias, mostrando a importância e a sabedoria de se buscar
integrar na luta todos os que almejam construir um outro projeto societário.
No tempo histórico que vivemos não só no Brasil, mas na América Latina, e
em diferentes países do mundo, onde se constata um acelerado avanço de forças de
extrema direita, faz-se necessário sermos também capazes de construir amplas alianças,
na quais caibam todos os que querem mudar a estrutura social, forjando unidade nos
princípios e respeitando as diferentes estratégias de luta e organização social de cada
um destes coletivos. A Teia defende um novo jeito de lutar contra o principal inimigo
dos Povos “ o capitalismo”, através da construção dos Núcleos de Base e Elos. Esse é
o ponto fundamental da Teia. São os Núcleos de base que estarão em movimento: os
núcleos de quilombolas, núcleos de pescadoras e pescadores, o núcleo das agricultoras e
agricultores que estão diretamente ligados ao projeto de agroecologia, indo de encontro
a agricultura da normalidade. Fortalecendo os territórios que os povos estão lutando pela
soberania alimentar e pela auto emancipação e determinação dos Povos. Os Elos, estão
especificamente ligados aos Povos que estão nas universidades (Estudantes, professores,
pesquisadores), nas periferias das cidades, nos Institutos, que direta ou indiretamente
defendem a terra e o território, na perspectiva de forjar a aliança popular.
Também trabalhando pela construção da soberania alimentar e da promoção
da agroecologia, estão as práticas desenvolvidas nas oficinas com as sementes, que
nos são apresentadas no artigo A Estética das Sementes como forma de resistência a
Hegemonia do Agronegócio. Desta encantadora experiência com as sementes, se podem
extrair outros princípios da Educação do Campo, dentre os quais se destaca a arte e a
cultura como matrizes formadores. O sujeito humano pleno e integral que desejamos
formar com as práticas educativas da Educação do Campo, sejam elas escolares ou
não escolares, não pode prescindir do acesso a arte e a cultura. Para que estes sujeitos
sejam não apenas consumidores de arte e cultura, mas principalmente, produtores dela.
Para que, apropriados dos meios de sua produção, alcancem autonomia intelectual
para dominar os princípios e técnicas dos processos criativos da arte, em suas várias
linguagens e expressões, tendo-os instrumento tanto de luta, quanto de libertação,
como imprescindíveis ferramentas no caminho em busca da emancipação humana.
O artigo nos mostra a infinita riqueza do trabalho educativo com a arte,
superando barreiras geracionais, propondo e conseguindo integrar em um mesmo
processo criativo diferentes ciclos da vida, com ações e intencionalidades educativas e
formativas próprias a cada faixa etária envolvida nas Oficinas de Arte com Sementes
Crioulas relatadas. Ainda neste artigo destaca-se um princípio sem o qual não se pode
dizer que uma determinada prática seja da Educação do Campo: o trabalho coletivo. As
Oficinas Pedagógicas realizadas com as sementes que nos foram apresentadas tem com
marca constitutiva o trabalho coletivo, do início ao fim do processo, o lhe confere imenso
potencial formativo a partir dos paradigmas da Educação do Campo.
Neste sentido, é que o artigo destaca que, a ideia do trabalho de arte que utiliza
sementes como base para construção estética, com originalidade na cultura indígena e
camponesa, se vale de um conhecimento que vem de longo tempo, “ampliando ideias
que culminam além da própria arte, ou seja, podemos dizer que as sementes no período
atual não estão apenas cumprindo a função social de se reproduzir para matar a fome
em qualquer lugar onde estão sendo reproduzidas, estas inseridas no universo da cultura
e também da estética produzem outro sentido para a vida, estão ligadas à matéria e a
forma”. Acrescentaríamos que este trabalho contribui também para saciar outro tipo de
fome: a fome da alma; fome de arte, de beleza e harmonia.
Como parte do tesouro da Educação do Campo, esta obra apresenta também,
no tocante às práticas educativas escolares, verdadeiras pérolas. Após a leitura dos
textos, ousaríamos afirmar que este livro foi capaz de reunir experiências, de fato, de
Escolas do Campo, tal como os mais exigentes pressupostos forjados pela práxis da classe
trabalhadora para tal titulação. No relato das práticas educativas escolares dispostas no
livro, tanto na região norte; quanto nas regiões nordeste e centro oeste, encontram-se
desenvolvidas concretas ações pedagógicas que buscam promover a transformação da
forma escolar, seja nos modos de produção de conhecimento nelas vigentes, com as
várias dimensões aí incluídas, quanto nas relações sociais que nelas se praticam, nas
dimensões que lhe constitutivas no âmbito escolar.
Um dos mais importantes fatores da transformação da forma escolar, no
tocante aos modos de produção do conhecimento nas experiências descritas se dá
em torno da centralidade do trabalho; da fundante preocupação de por em profundo
diálogo os processos de produção do conhecimento na escola com os processos de
produção material da vida dos sujeitos que a frequentam. Desde as experiências da
região norte, de onde nos vem o registro sobre a inovadora experiência da Escola das
Águas, e também dos processos de formação desenvolvidos juntos aos educadores
e ribeirinhos da Escola de Mari Mari; passando pelas práticas riquíssimas das escolas
de assentamento no Ceará e na Bahia, até chegar às áreas de Reforma Agrária no
Centro Oeste, no Assentamento Antônio Conselheiro, na Escola Che Guevara, nota-se
um desmedido esforço pedagógico desenvolvido pelos educadores, de incorporar nos
processos de produção e socialização do conhecimento desenvolvido nestas escolas,
o trabalho ligado à produção material da vida de seus educandos e familiares, seja na
adequação do calendário das atividades da escola aos ciclos das marés, seja no respeito
ao tempo de trabalho das colheitas e plantios, tem-se nestas práticas pedagógicas o
horizonte da busca da superação da hierarquia entre trabalho manual e intelectual, com
a incorporação dos desafios para a compressão destes diversos processos de trabalho no
currículo escolar, a partir das questões trazidas e enfrentadas pelos educandos em seus
distintos territórios nos quais buscam garantir a sua sobrevivência e de suas famílias.
Para ilustrar o quão clara é essa intencionalidade pedagógica, vale citar um
trecho, algo mais longo da experiência da Escola das Águas. Compreendemos que
devemos destacar esta experiência pela importância e potencial multiplicador que
pode vir a ter, no sentido de expandir estas estratégias de trabalhos com os coletivos de
pescadores artesanais para outros estados, visto serem eles um dos sujeitos coletivos já
inseridos na definição dos coletivos que integram a concepção proposta pela Educação
do Campo conforme dispõe o artigo 1 do Decreto 7352/201028.
Um dos diferenciais da Escola, é o respeito ao tempo das marés, o que
as escolas convencionais não têm e, por isso vários(as) pescadores(as)
e seus filhos abandonam a escola “formal” e não conseguem concluir o
ensino médio por irem pescar, mariscar e fazer outras atividades ligadas à
agricultura, para sustentar a família. (...) Outra dimensão que é importante
frisar neste debate, é o trabalho feito na água e na terra pelos(as)
pescadores(as) artesanais, pois a Escola entende as especificidades dos
tempos, tanto das marés, quanto da alternância (da terra). Sendo que, parte
dos(as) pescadores(as) trabalha todos os dias nas águas e/ou mangue. Este se
torna um dos principais desafios da Escola das Águas, pois os pescadores(as)
artesanais possuem a dimensão do trabalho na água, no mangue e na terra,
o que configura uma educação do campo e das águas ao mesmo tempo. A
proposta da Escola das Águas, através da sua “educação das águas”, afirma
a necessidade do diálogo entre a realidade vivenciada pelos pescadores(as)
artesanais em seus territórios e, principalmente, com o seu trabalho. Isso
é processo educativo, pois as linguagens do mar possibilitam logo cedo a
construção de entendimentos humanos acerca da natureza marinha e das
forças para lidarem com as águas e compreenderem os tipos de ventos e

28  BRASIL. Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010. Dispõe sobre a política de educação do campo e o
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/
legin/fed/decret/2010/decreto-7352-4-novembro-2010-609343-norma-pe.html
os movimentos das marés, explicitando habilidade pesqueiras para ouvir e
sentir essas mudanças. Esse diálogo tende a participação de todos e todas
envolvidos(as), buscando estimular a autonomia dos(as) estudantes, a
solidariedade, o respeito aos mais velhos, aos mestres do mar e, de modo
específico, aos saberes dos territórios pesqueiros. E, além disso, propõe
uma educação participativa e cidadã, que busca intervir na sociedade de
modo colaborativo e respeitando as diversidades dos(as) pescadores(as)
artesanais. (BRASIL, 2010)

Ainda no âmbito das transformações da forma escolar a serem produzidas


pelas práticas da Educação do Campo, há no livro, relatado em diferentes experiências,
a forte intencionalidade de seu cultivar e desenvolver, a transformação nas relações
sociais dentro das escolas do campo. Há a expectativa de que, as vivências, neste novo
padrão de relações, ensinem e acumulem forças para a construção de novas relações
na sociedade como um todo. Um dos principais aspectos trabalhados nas diferentes
experiências educativas escolares apresentadas diz respeito ao processo de promoção
de práticas formativas que estimulem a auto organização dos educandos, inclusive
com um belo artigo dedicado suas reflexões à centralidade desta prática. Neste artigo,
demostra-se a incorporação na dinâmica escolar de uma das dimensões centrais da
proposta de formação da Educação do Campo: formar os educandos como agentes da
transformação social, como lutadores do povo brasileiro. E, as habilidades necessárias
à execução de tal papel não se faz somente com uma densa formação teórica na Escola
do Campo, pois, como já afirmamos em outro momento, só a formação teórica não
promoverá uma formação diferenciada aos educandos que dela participem. Só o debate
teórico sobre as lutas não forma os lutadores do povo. É a inserção concreta nas lutas
pela terra; pela manutenção dos territórios; pelo não fechamento e pela construção de
novas escolas; pela não invasão do agronegócio nos assentamentos; pelo acesso à água;
pela promoção de práticas agroecológicas e pela garantia da soberania alimentar, enfim,
por tantos e tão relevantes desafios concretos que enfrentam os camponeses, que,
podem, verdadeiramente, dar sentido à concepção de Escola do Campo forjada pelos
movimentos sociais e sindicais nos últimos 20 anos (MOLINA, 2015, 156-157).
Enfim, este livro é um belíssimo testemunho da práxis promovida pela Educação
do Campo. Que possamos seguir juntos nas lutas que virão, inspirados por suas práticas
e pelos significativos resultados por elas já alcançados, que nos mostram como são
possíveis e exequíveis práticas educativas que sejam, realmente, emancipadoras e que
contribuam com a construção da justiça social em nosso país.
SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES

ANA PAULA MENDES DUARTE


anapaula@moc.org.br
Possui graduação em Letras Vernáculas-UEFS (2012), Pós-Graduação em
Gestão de Políticas Públicas de Gênero e Raça- UFBA (2015), Pós-Graduação em
Educação, Pobreza e Desigualdade Social-UFBA (2017), Graduanda em Pedagogia
(2019). Orientadora Educacional - Programa de Educação do Campo Contextualizada-
Movimento de Organização Comunitária (MOC).

ANDERSON SOUZA VIANA


andersonvianabiologia@gmail.com
Doutorando Programa de Pós-Graduação Multinstitucional e Multidisciplinar
em Difusão do Conhecimento UFBA – (2018…). Possui Bacharelado em Ciências
Biológicas (2008) e Licenciatura Plena em Biologia (2016), Especialização em
Metodologia do Ensino Superior e EAD (2011) e Mestrado em Regulação da Indústria
de Energia (2014). Foi Professor da Universidade Salvador - UNIFACS, e do Instituto
Federal de Ciência e Tecnologia da Bahia - IFBA nas modalidades de ensino presencial
e EAD. É Analista Biólogo lotado no Centro Acadêmico de Educação do Campo e
Desenvolvimento Territorial (CAECDT) da Universidade do Estado da Bahia – UNEB.
Coordenador do Projeto de Pré-Vestibular da UNEB/SEC-Bahia Universidade Para Todos/
Polo da Comunidade Quilombola de Praia Grande localizada em Ilha de Maré. Compõe a
coordenação da Feira de Agroecologia da UNEB/Campus I. Compõe o Grupo de Pesquisa
Educação do Campo, Trabalho, Contra-Hegemonia e Emancipação Humana. Desenvolve
atividades de ensino e pesquisa nas seguintes áreas: Educação do Campo e Agroecologia
(movimentos de luta pela terra e comunidades quilombolas). É associado da Associação
Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) e da Associação Brasileira de Agroecologia
(ABA). Integra o grupo percussivo Mãos no Couro, de ritmos de matriz africana (kabila,
congo e barravento).

ANDRIELE DA SILVA GOMES


andriele77@hotmail.com
Graduanda do Curso de Licenciatura em Pedagogia pela Universidade do
Estado da Bahia - UNEB - Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias - DCHT -
Campus XVI - Irecê. Atuou como monitora/bolsista no Programa Afirmativa de Pesquisa
e Extensão através do projeto “Ensino, produção e difusão de conhecimentos da
Educação Quilombola: Contribuições ao desenvolvimento educacional do Território
de Identidade de Irecê”. Atuou como bolsista no Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência (PIBID).

EDNA RODRIGUES ARAÚJO ROSSETTO


ednarossetto@gmail.com
Doutora pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP (2016). Mestrado
pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP (2009). Possui Especialização
em Educação do Campo e Desenvolvimento pela Universidade de Brasília (2005) e
Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul - Unijuí (2001). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em
Educação e Diferenciação Sociocultural -GEPEDISC - Culturas Infantis - UNICAMP e no
Laboratório de observação e Estudos Descritivos - LOED- UNICAMP. Membro do Coletivo
de Educação do MST. Atua como coordenadora dos CEUs e Educação Integral Prefeitura
Municipal de São Paulo desde 2016. Compõe, desde 2011, a coordenação pedagógica
do Mestrado em Desenvolvimento Territorial da América Latina e Caribe, em parceria
com a Via Campesina e Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF). Tem experiência
na área de Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: Movimento Social,
Educação Infantil, Estágios Supervisionados da Educação Infantil e Ensino Fundamental-
anos iniciais, Organização do trabalho pedagógico, Infância, e Educação do Campo.

EDIELSO BARBOSA DOS SANTOS


edielsob00@gmail.com
Estudante do Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia
(UFBA). Aluno da Escola das Águas e Militante do Militante do Movimento de Pescadores
e Pescadoras Artesanais (MPP).

ÉLIDA LOPES MIRANDA


elida.miranda@ufv.br
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Viçosa (2010),
mestrado em Educação pela Universidade Federal de Viçosa (2014). Professora do Curso
de Licenciatura em Educação do Campo (LICENA) da Universidade Federal de Viçosa. É
integrante do Grupo de Pesquisa do CNPq Educação do Campo, Alternância e Reforma
Agrária (ECARA/UFV); do Núcleo de Educação do Campo e Agroecologia (ECOA/UFV)
e do Programa de Extensão Universitária TEIA/UFV. É Membro do Fórum Nacional da
Educação do Campo (FONEC) e da Rede Mineira de Educação do Campo. Atuou na
Comissão Nacional de Acompanhamento das Licenciaturas em Educação do Campo
do MEC/SECADI (2015-2016). Atua na área de Educação, com ênfase em Educação do
Campo, Pedagogia da Alternância, Educação de Jovens e Adultos do Campo, Formação
de Agricultores em Agroecologia e Representações Sociais.

FELIPE DE SENA E SILVA


felipe@irpaa.org
Colaborador do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada-IRPAA,
no eixo educação. Coordenador do Projeto Valorização da Infância e Adolescência no
Semiárido. Tem experiência com projetos sociais na área de Agroecologia, Organização
Social, Tecnologias Sociais, Juventude e ATER.

GILMAR DOS SANTOS ANDRADE


gilmarpjr@gmail.com
Mestre em Educação do Campo pela Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia - UFRB (2016). Especialista em Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial
do Semiárido Brasileiro - UFRB (2012). Tecnólogo em Agroecologia pelo Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná - IFPR (2010). Possui Licenciatura Plena em
História pelo Centro Universitário Internacional (2019). Estuda e atua em Educação do
Campo, Agroecologia, Juventude Camponesa, Pedagogia da Alternância e Movimentos
Sociais do Campo. É militante da Pastoral da Juventude Rural, contribuindo com
assessoria. É educador do campo no curso Técnico em Agropecuária da Escola Família
Agrícola do Sertão (EFASE), compondo a Coordenação Político-Pedagógica do Curso de
Graduação em Tecnologia em Agroecologia (EFASE/ UFRB). Compõe o Coletivo do Centro
Acadêmico de Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial (CAECDT/UNEB).

JOILMA SANDRI JESUS DE SOUZA


sandri@irpaa.org
Mestre em Extensão Rural e Desenvolvimento pela Universidade Federal do
Vale do São Francisco – UNIVASF (2019). Pós Graduando em Alfabetização e Letramento
pela UFBA. Especialização em Educação do Campo pela Universidade do Estado da Bahia
- UNEB (2016), Especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Faculdade
Internacional de Curitiba (2016). Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado
da Bahia – UNEB (2012). Integrou o Eixo Educação do Instituto Regional da Pequena
Agropecuária Apropriada - IRPAA; Atualmente é professora da Rede de Ensino Municipal
de Petrolina - PE. Atua como militante na Rede de Mulheres do Território Sertão do São
Francisco; Trabalhou como Coordenadora do Centro de Referência de Assistência Social
- CRAS/Quicé, compondo o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher em Senhor do
Bonfim/BA (2014-2016), ocupando o cargo de Vice-presidente, atuou como Secretária
da Câmara de Mulheres do Território de Identidade Piemonte Norte do Itapicuru - TIPINI.
Atua como professora desde 2019 Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esporte
em Petrolina-PE. A Educação do Campo como Direito, o Fortalecimento da Educação
Contextualizada no Campo e na Cidade bem como o Empoderamento e Autonomia das
Mulheres, tem sido o foco de sua militância e atuação profissional.

JENIJUNIO DOS SANTOS


jenijunio@hotmail.com
Doutor em Educação na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília -
UnB (2020); Mestre em Educação pela Universidade Federal do Pará (2014); Especialista
em Psicologia Educacional - ênfase em Psicopedagogia Preventiva (PUC-MG, 2000);
Especialista em Gestão Ambiental (Faculdades Ideal - Belém-PA, 2009). Possui graduação
em Pedagogia - Magistério/Administração escolar pela Universidade do Estado do Pará
(1996). Participa da Rede UNIVERSITAS que congrega pesquisadores do GT Política de
Educação Superior/ANPED (Expansão da Educação Superior no Campo) Sub 7. Pertence
ao Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo na Amazônia (GEPERUAZ) e ao
Grupo de Estudo e Pesquisa em Materialismo Histórico-Dialético (CONSCIÊNCIA/UnB).
Coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas Transdisciplinares em Educação, Formação
de Professores e Meio Ambiente no Território Ribeirinho da Amazônia Paraense.
(GEPESQ-ribeirinho). Professor dos Cursos de Formação de Professores na graduação
e pós-graduação da Faculdade Integrada Brasil Amazônia. Coordenador Pedagógico
- Secretaria Municipal de Educação de Belém. Tem experiência na área de Educação
atuando na gestão escolar da educação básica e no Magistério Superior e discute os
seguintes temas: Educação do Campo; Licenciatura em Educação do Campo; Meio
Ambiente e Educação Ambiental; povos e território ribeirinhos e comunidades das Ilhas
de Belém.
KÁSSIA AGUIAR NORBERTO RIOS
kassiarios@ufrb.edu.br
Professora Adjunta da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)
no Centro de Ciência e Tecnologia em Energia e Sustentabilidade (CETENS) - Campus
de Feira de Santana. Bacharel e Licenciada em Geografia pela Universidade Estadual
do Ceará - UECE - (2008). Especialista em Metodologia de Ensino na Educação Superior
pela Faculdade da Cidade do Salvador (2010). Mestre em Geografia pela Universidade
Federal da Bahia - UFBA - (2012). Doutora em Geografia pela Universidade Federal
da Bahia - UFBA (2017). Coordenadora do Laboratório Interdisciplinar de Estudos em
Comunidades e Territórios Tradicionais (LIECTT). Pesquisadora do Grupo GeografAR
- A geografia dos Assentamento na Área Rural (UFBA/POSGEO/CNPq), responsável
pela linha comunidades tradicionais pesqueiras. Membro da Rede Interdisciplinar de
Pesquisa-ação em comunidades pesqueiras tradicionais da Bahia (UFBA). Dedica-se aos
estudos e pesquisas no âmbito da Organização/Produção do Espaço e Questão Agrária
atuando principalmente, nos temas: a luta na/pela terra e água das comunidades
tradicionais pesqueiras, territórios tradicionais; disputas territoriais; apropriação do
espaço em zonas costeiras, educação do campo e das águas; mapeamentos sociais,
territórios tradicionais e a produção de alimentos na agricultura familiar e áreas afins.

KÁTIA AUGUSTA CURADO PINHEIRO CORDEIRO DA SILVA


katiacurado@unb.br
Possui graduação em Pedagogia, Mestrado em Educação Brasileira pela
Universidade Federal de Goiás (2001) e Doutorado em Educação pela Universidade
Federal de Goiás (2008). É professora Associada - DE da Universidade de Brasília - UnB
no Departamento de Administração e Planejamento - PAD da Faculdade de Educação e
no Programa de Pós-graduação em Educação. Desenvolve e orienta pesquisas na área de
Formação de Professores. Coordena o grupo de pesquisa GEPFAPe - Grupo de Pesquisa
sobre Formação e Atuação de Professores/Pedagogos.Pós-doutorado na Universidade
de Campinas/Faculdade de Educação sob a supervisão do professor Dr. Luiz Carlos de
Freitas. Coordenadora do GT-08 - Formação de professores da Anped.
LUCIANA LOPES DE CARVALHO
lucylopes_god@hotmail.com
Graduanda do Curso de Licenciatura em Pedagogia pela Universidade do
Estado da Bahia –UNEB – Campus XVI

LUZENI FERRAZ DE OLIVEIRA CARVALHO


luzenicarvalho@yahoo.com.br
Doutora em Educação pela Universidade de Brasília -UnB (2018). Possui
Graduação em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia - Departamento de
Educação- Campus X (1996). Especialista em Planejamento Educacional pela UNIVERSO/
RJ (1999). Mestre em Educação pela FaE/UFMG (2008). Desde 2002 é professora
assistente da Universidade do Estado da Bahia - Departamento de Educação - Campus X.
Coordena a Comissão Setorial de Estágio da UNEB/Campus X. Coordena o Colegiado do
Curso de Pedagogia (UNEB/Campus X). Coordenou o Programa Institucional de Bolsas
de Iniciação à Docência - PIBID (2012-2014 e 2018-2020). Membro coordenação da Feira
da Agricultura Familiar Agroecológica e Economia Solidária da Universidade do Estado
da Bahia/UNEB-CAMPUS X. Coordena o Fórum Permanente de Educação de Jovens e
Adultos do Extremo Sul da Bahia. Integra o coletivo do Centro Acadêmico de Educação
do Campo e Desenvolvimento Territorial da UNEB. Integra o coletivo da Teia dos
Povos. Membro do Conselho Científico e Fiscal da Gestão Socioambiental da Fundação
Padre José Koopmans (FUNPAJ). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o
Materialismo Histórico-Dialético e Educação (CONSCIÊNCIA)/UnB. Membro do Grupo de
Pesquisa em Educação do Campo, Trabalho, Contra-Hegemonia e Emancipação Humana
(UNEB). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Estágio e Pesquisa,
atuando principalmente nas seguintes áreas: Educação do Campo, Movimentos Sociais
do Campo, Educação de Jovens e Adultos, Formação de Professores, Planejamento
Educacional e Pesquisa e Prática Pedagógica/Estágio Curricular Supervisionado.

MARCELO FABIANO RODRIGUES PEREIRA


gadaro02@gmail.com
Doutor em Educação pela Universidade de Brasília (2019) e Mestre em Educação
formado pela Universidade de Brasília - UnB. Pedagogo, formado pela Universidade
Estadual de Goiás (UEG); Especialista em Educação, Democracia e Gestão escolar pela
Universidade do Tocantins (UFT); Especialista em Psicopedagogia pela Universidade
Cândido Mendes. Atua na linha de pesquisa Escola, Aprendizagem, Ação Pedagógica e
Subjetividade na Educação, no eixo Letramento e Formação de Professores. Atualmente
trabalha como professor - Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. É
professor adjunto do Centro Universitário Estácio de Brasília - Estácio Brasília, lecionando
disciplinas como: Práticas Pedagógicas, Metodologia e Práticas de Ensino dentre outras
disciplinas na área da formação de professores.

MARIA DORATH BENTO SODRÉ


m.dorath@gotmail.com
Licenciada em História (1996) pela Universidade Estadual de Feira de Santana-
UEFS. Especialista em Teoria e Metodologia da História pela UEFS em 2000. Mestre em
Educação e Contemporaneidade (2003) pela Universidade do Estado da Bahia- UNEB.
Doutora em Educação e Contemporaneidade (2015) pela UNEB no Programa de pós-
graduação em Educação e Contemporaneidade. Professora Assistente da Universidade
do Estado da Bahia no DCHT/Campus XVI-Irecê. Atualmente com estudos e trabalho de
extensão em Educação do/no Campo no Território de Identidade de Irecê.

MARIA JUCILENE LIMA FERREIRA


mjferreira@bol.com.br
Doutora em Educação pela Universidade de Brasília (2015); Mestre em
Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2006); Especialista em
Metodologia do Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação; Licenciada em Pedagogia
pela Universidade do Estado da Bahia (1996). É professora adjunta da Universidade do
Estado da Bahia. É Professora do Programa de Pós-Graduação - Mestrado Profissional
em Educação e Diversidade (MPED/UNEB - Campus XIV). Atuou, também, como vice-
coordenadora do MPDE – UNEB/Campus XIV (2018-2020). É membro da Coordenação
Colegiada do Centro Acadêmico de Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial
(CAECDT/UNEB). É vice-líder do Grupo de Pesquisa Educação do Campo: Trabalho,
Contra-hegemonia e Emancipação Humana (GPEC). É membro do Grupo de Articulação
da Educação do Campo da UNEB. É membro do Grupo de Pesquisa Formação,
Experiência e Linguagem (FEL - Campus XIV). Participa da Rede UNIVERSITAS que
congrega pesquisadores do GT Política de Educação Superior/ANPED (Expansão da
Educação Superior no Campo) Sub 7. Desenvolve pesquisas na área de Educação do
Campo; Formação de Educadores; Organização do Trabalho Pedagógico em espaços
escolares e não escolares; Profissão e Profissionalidade docente.
MARIA NALVA RODRIGUES DE ARAUJO BOGO
nalvaraujo@hotmail.com
Possui graduação em Ciências Sociais pela Fundação Educacional Nordeste
Mineiro (1987), Mestrado em Ciências e Práticas Educativas pela Universidade de Franca
(2000) e Doutorado em Educação pela Universidade Federal da Bahia (2007). Atualmente
é Professora Titular da Universidade do Estado da Bahia-UNEB/Departamento de
Educação Campus X. É professora colaboradora da Universidade Estadual Paulista Júlio De
Mesquita Filho (UNESP) atuando no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento
Territorial da América Latina e Caribe. Professora colaboradora do Mestrado Profissional
em Educação do Campo da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)/Centro
de Formação de Professores (CFP). Parecerista ad hoc da Universidade Estadual de Santa
Cruz (UESC). Membro da Comissão Pedagógica do PRONERA do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA). É professora voluntária Escola Nacional Florestan
Fernandes (ENFF). Tem experiência na área de Sociologia, Sociologia e Educação com
ênfase em Movimentos Sociais, atuando principalmente nos seguintes temas: Educação
do Campo, Educação de Jovens e Adultos, Educação do MST, Universidade e Movimentos
Sociais.

MARITÂNIA ANDRETTA RISSO


maritarisso@gmail.com
Graduação Licenciatura em Artes pela Universidade do Oeste de Santa Catarina
(2009). Especialista em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (2012),
defendendo o trabalho Memória e Constituição dos Assentamentos em Abelardo Luz.
Mestre em Geografia e Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe pela
UNESP, em 2017, com a dissertação intitulada: A Estética das Sementes e a Recuperação
das Sementes Crioulas nas áreas da Reforma Agrária do Brasil e do México. Membro
do Coletivo de Arte do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Artista Plástica.
Arte-Educadora Social. Gestora/coordenadora do Projeto Germinando Arte.

MAURÍCIO SACRAMENTO SANTOS


mauricio17boleiro@gmail.com
Estudante do Curso de Educação Física da Universidade Federal do Recôncavo
da Bahia (UFRB). Aluno da Escola das Águas. Militante do Movimento de Pescadores e
Pescadoras Artesanais (MPP).
MÔNICA CASTAGNA MOLINA
mcastagnamolina@gmail.com
Doutora em Desenvolvimento Sustentável pela UnB (2003) e Pós-Doutorado em
Educação pela Unicamp (2013). Professora Associada da Universidade de Brasília (UnB),
da Licenciatura em Educação do Campo e do Programa de Pós-Graduação em Educação,
onde coordena a Linha de Pesquisa Educação Ambiental e Educação do Campo, desde
2013. Coordenou o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA)
e o Programa Residência Agrária (UnB). Participou da I Pesquisa Nacional da Reforma
Agrária (I PNERA) em 2003-2004, e Coordenou a II Pesquisa Nacional da Reforma Agrária
(II PNERA), financiada pelo IPEA (2013-2015). Coordenou a Pesquisa CAPES/CUBA (2010-
2014). Coordenou a Pesquisa “A educação Superior no Brasil (2000-2006): Uma Análise
Interdisciplinar das Políticas para o Desenvolvimento do Campo Brasileiro”, financiada
pelo Observatório de Educação da Capes. Integra a pesquisa Formação Docente e a
Expansão do Ensino Superior, na coordenação do Sub 07: Educação Superior do Campo
pelo Projeto Observatório da Educação do Campo da CAPES. Tem experiência na área
de Educação, com ênfase em Sociologia da Educação, atuando principalmente nos
seguintes temas: Educação do Campo, Formação de Educadores, Políticas Públicas,
Reforma Agrária, Desenvolvimento Sustentável.

MERIVALDO MENEZES DE SALLES


merivaldomenezes@gmail.com
Estudante do Curso de Licenciatura em Geografia da Universidade Federal
da Bahia (UFBA). Aluno da Escola das Águas. Militante do Movimento de Pescadores e
Pescadoras Artesanais (MPP).

NERUZA MARIANA MOTTA SOUZA


marianamottamst@gmail.com
Mestranda Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES). Possui graduação em Licenciatura em Educação do Campo pela
Universidade Federal de Viçosa (2018). Atualmente é Professor B da Disciplina de
Agricultura na Educação do Campo por Designação Temporária da Prefeitura Municipal
de São Mateus - ES.
SOLANGE BRITO DOS SANTOS
solange.britosantos01@gmail.com
Assentada no Assentamento Terra Vista, Arataca-Bahia. Educadora Popular.
Possui Licenciatura em História pela Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC,
Ensino Médio: Curso de Magistério/PRONERA – Departamento de Educação/Campus
X da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) - Teixeira de Freitas. Atuou como docente
no Centro Integrado Florestan Fernandes (2009-2010) e como diretora escolar (2011-
2016). Atuou como colaboradora técnica da Associação Territorial dos Povos da Cabruca
e da Mata Atlântica (2013-2017). Atua como Articuladora e coordenadora da Rede de
Mulheres da Teia dos Povos desde 2012, como Coordenadora do Setor de Educação do
Assentamento Terra Vista e como membro do Setor de Educação do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)/Região Sul da Bahia.

SANDRA MARIA VITOR ALVES


sandraalvesvitor@yahoo.com.br
Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (2006). Graduada em Licenciatura Plena em História pela
Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Pós-Graduada em Docência do Ensino
Superior, Formada em Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica pela Universidade
de Brasília - AVM (2011). Especialista e Cultura Popular Camponesa Arte e Educação
do Campo pela Universidade federal do Cariri – UFCA (2014). Atualmente é diretora
da Escola de Ensino Médio João dos Santos de Oliveira. Tem experiência na área de
Educação, com ênfase em Administração Educacional e Educação do Campo.

TAISE DOS SANTOS ALVES


taisealves85@gmail.com
Possui graduação em Licenciatura em Geografia pela Universidade do Estado
da Bahia (UNEB) - Campus XI - Serrinha (2011). Especialista em Educação de Jovens
e Adultos pela Universidade Federal da Bahia - UFBA (2012). Mestra em Geografia
pela Universidade Federal da Bahia - UFBA (2015). Doutoranda em Geografia pela
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Integrante dos grupos de pesquisa:
GeografAR - A Geografia dos Assentamentos na Área Rural (POSGEO/UFBA/CNPq)
- do LEPEC - Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Espaço Agrário e Campesinato
(UFPE) e o LIECTT - Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Comunidades e Territórios
Tradicionais (UFRB). Dedica-se aos estudos e pesquisas no âmbito da Organização/
Produção do Espaço agrário, atuando principalmente nos seguintes temas: ensino de
geografia; territorialidades e organização das comunidades tradicionais pesqueiras e
áreas afins.

TIAGO PEREIRA DA COSTA


tiago@irpaa.org
Cursando o doutorado no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em
Agroecologia e Desenvolvimento Territorial, na Universidade Federal do Vale do São
Francisco (2019…). Mestrado profissional em Extensão Rural (2018) pela Universidade
Federal do Vale do São Francisco, defendendo trabalho intitulado “Educação
Profissional Contextualizada e Pedagogia da Alternância: Contribuição da REFAISA na
Formação de Jovens do Campo”. Possui Especialização em Metodologia Participativas
Aplicadas à Pesquisa e a ATER pela Universidade Federal do Vale do São Francisco
(2016), Especialização em Desenvolvimento Sustentável no Semiárido com Ênfase
em Recursos Hídricos pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano
(2016). Especialização em andamento em Educação Ambiental Interdisciplinar pela
Universidade Federal do Vale do São Francisco (2018…). Graduação em Pedagogia
pela Faculdade Regional de Filosofia Ciência e Letras de Candeias (2018) e em
Graduação em Gestão Ambiental pela Universidade Norte do Paraná (2013). Atua
como professor visitante na Escola Família Agrícola de Sobradinho – EFAS. Atua, desde
2014, no Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada, como coordenador
institucional. Atua desde 2019 como diretor presidente da Rede das Escolas Famílias
Integradas no Semiárido (REFAISA).
Essa obra se constitui
como mais uma produção
científica realizada a partir
do trabalho teórico-metodo-
lógico do Grupo de Articulação
da Educação do Campo na
UNEB, do Grupo de Estudos
e Pesquisa em Educação do Campo – Trabalho, Contra-hegemonia e
Emancipação Humana (GEPEC) e do Centro Acadêmico de Educação
do Campo e Desenvolvimento Territorial – CAECDT. Trata-se do
segundo livro editado, objetivando reunir relatos de experiências
circunstanciadas e resultados de pesquisas que focalizam práticas
educativas em espaços escolares e não escolares, com vista à cons-
trução de um material consultivo, analítico e propositivo pelo exer-
cício da práxis educativa e social.

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