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Livro PRATICA EDUCATIVA NA ESCOLA Ebook
Livro PRATICA EDUCATIVA NA ESCOLA Ebook
Práticas Educativas
nas Escolas do Campo e em
outros Espaços Educativos
dos Territórios Rurais
Revisão Geral:
Ana Cristina de Araujo
Equipe de Revisão:
Ana Cristina de Araujo
Karina Lima Sales
Luzeni Ferraz de Oliveira Carvalho
Maria Jucilene Lima Ferreira
Maria Mavanier Assis Siquara
Capa:
Quadro de Sementes da artista plástica e educadora popular
Maritania Andretta Risso
Tamanho: 2,20 x 1,84 m
Aproximadamente 38 espécies de sementes
Fotografia da capa
Ítalo Rodrigues
Impressão
JM Gráfica e Editora
Vários colaboradores.
ISBN 978-65-86639-13-1
20-40701 CDD-370.91734
Índices para catálogo sistemático:
1. Educação do campo 370.91734
Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964
Luzeni Ferraz de Oliveira Carvalho
Maria Jucilene Lima Ferreira
(orgs.)
Práticas Educativas
nas Escolas do Campo e em
outros Espaços Educativos
dos Territórios Rurais
Salvador - Bahia
2020
“No vamos a resignarnos con esta sociedad en que vivimos,
no vamos a caer en el conformismo,
no vamos a quedarnos simplemente desesperados.
Vamos a construir nuestra capacidad de ‘esperanzar’,
como decía Paulo Freire,
y esa capacidad está en la medida en que tenemos capacidad de mirar más lejos,
más profundo y más colectivamente”.
(Oscar Jara, sociólogo, educador popular y presidente del
Consejo de Educación Popular de América Latina y el Caribe – CEAAL)
PREFÁCIO
[...] Todo o mundo factual dos assuntos humanos depende, para sua
realidade e existência contínua, em primeiro lugar da presença de outros
que tenham visto e ouvido e que se lembram; e, em segundo lugar, da
transformação do intangível na tangibilidade das coisas [...] (ARENDT, 2018,
p. 117).
4 Manifesto ao povo brasileiro - I ENERA pode ser lido na íntegra: Disponível em < https://www1.folha.uol.com.
br/fsp/1997/8/01/brasil/29.html> acesso em 12/11/19.
Isso significa dizer que, a escola se constitui a partir de duas frentes de trabalho,
independentes entre si, mas inseridas dialeticamente no processo de organização do
trabalho pedagógico – a) estudo da realidade social e b) estudo do conhecimento
científico-escolar. Nesse caso, não há ênfase de uma das frentes de trabalho em
detrimento da outra, mas uma articulação entre estas, delineando um currículo concreto,
significativo e politicamente organizado, tendo em vista processos de emancipação
humana.
Nesse sentido, a organização do trabalho pedagógico, a qual entendemos
como trabalho pedagógico no âmbito da sala de aula e também aquele mais amplo
relacionado ao trabalho pedagógico escolar – ao projeto político-pedagógico da escola
compõe a centralidade de todas as atividades escolares como âncora, orientação e
princípio teórico-metodológico que norteia os pares dialéticos objetivo/avaliação e
conteúdo/forma. Assim, coadunamos com o pensamento de Freitas quando afirma que:
Didática é um termo que deve ser subsumido ao de Organização do Trabalho
Pedagógico entendendo-se este último, em dois níveis: a) como trabalho
pedagógico que no presente momento histórico, costuma desenvolver-
se predominantemente em sala de aula; e b) como organização global do
trabalho pedagógico da escola, como projeto político-pedagógico da escola
(FREITAS, 2008, p.94).
Referências
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para uma resistência propositiva. In: Revista HISTEDBR Online, v.18, n. 4 [78], p. 906 –
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2003.
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rbeped-96-244-00561.pdf Acesso em: 27/01/2020.
STÉDILE, João Pedro. Educação. In: STÉDILE, João Pedro; FERNANDES, Bernardo
Mançano. Brava Gente: A trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. São Paulo:
Fundação Perseu Abramo, 1999.
VÁZQUEZ, S. Filosofia da Práxis. 2. ed. Tradução: Maria Encarnacion Moya. São Paulo,
SP: Expressão Popular, 2011.
Práticas educativas da teia dos povos:
“O que nos une é maior que aquilo que nos separa”
Solange Brito Santos
Resumo
O presente artigo visa evidenciar as várias atividades em espaços realizados
pelos Elos e Núcleos de Base da Teia dos Povos considerados como práticas educativas
em espaços não escolares. Traz discussões sobre a diversidade cultural e suas influências
nas práticas educativa e social, a fim de discutir as potencialidades de esses saberes e
fazeres para o enfrentamento das problemáticas socioambientais e suas potencialidades,
quando não bem vistos e aceitos pelos parâmetros curriculares das Instituições escolares.
Os saberes e fazeres ativos nas comunidades, ainda que não estejam formalizados no
currículo escolar, circulam por todos os espaços, principalmente nas Instituições, levados
pelos históricos de vida dos educandos. Refletir sobre os conhecimentos de um povo
que sempre manteve sua história viva, pode ser um meio de reconhecer os espaços
pedagógicos externos à escola. Entendemos que nem só dentro dos muros escolares
existem conhecimentos, mas também fora deles.
Palavras-chave: Teia dos Povos. Saberes. Fazeres. Comunidade Tradicional. Espaços
Pedagógicos não escolares.
Introdução
O presente trabalho visa evidenciar as várias atividades em espaços realizados
pelos Elos e Núcleos de Base da Teia dos Povos consideradas como práticas educativas
em espaços não escolares, com olhar na dimensão do campo, no fortalecimento da
autonomia dos povos e do bem viver. O referido tema apresenta a identificação da Teia
dos Povos através da sustentabilidade das Práticas de Transição Agroecológica, formação
dos sujeitos e autonomia dos povos em seus territórios. Seja tanto na formação,
execução como na avaliação dos resultados de implantação das Práticas de Transição
Agroecológica. Isso mutuamente contribui para avançarmos nas nossas experiências e
aprendermos com as diversas Inovações da Sabedoria Agroecológica do povo do campo.
A Teia dos Povos parte da premissa da unificação dos Povos. Não no sentido
de desarticular a organização que cada povo faz parte. Nem tão pouco criar outro
movimento. É necessário frisar que a Teia dos Povos é uma “Articulação” e não um
movimento. A Teia defende um novo jeito de lutar contra o principal inimigo dos
Povos “o capitalismo”, através da construção dos Núcleos de Base e Elos. Esse é o
ponto fundamental da Teia. São os Núcleos de base que estarão em movimento
e pertencerá às classes que precisam se unir: Os núcleos de quilombolas, núcleos
de pescadoras e pescadores, o núcleo das agricultoras e agricultores que estão
diretamente ligados ao projeto de agroecologia, indo de encontro a agricultura da
normalidade. É preciso fortalecer os territórios que os povos estão lutando pela
soberania alimentar e pela autoemancipação e determinação dos Povos. Os Elos,
estão especificamente ligados aos Povos que estão nas universidades (Estudantes,
professores, pesquisadores), nas periferias das cidades, nos Institutos, que direta
ou indiretamente defendem a terra e o território, na perspectiva de forjar a aliança
popular. A Teia, não se dá por satisfeita só no meio rural. Defendemos que as áreas
que estão no meio rural tenham que ser uma referência para quem mora na cidade
e quer voltar para o campo na perspectiva do bem viver, ou permanecer na cidade
numa nova concepção de vida.
Através dos Núcleos de Base e Elos, será possível fortalecer a educação do
campo e popular, a soberania alimentar; a preservação da natureza; as Feiras Livres, a
Economia popular e solidária; as sementes crioulas.
Quem são os núcleos de base? São os grupos protagonistas das distintas
ações. São eles: Indígenas, quilombolas; terreiros de matriz africana; assentamentos e
acampamentos de área de reforma agrária; agricultores (as); pescadoras (es); moradores
dos centros urbanos e periferia.
Quem são os Elos? São grupos/instituições, sujeitos que apoiam as ações da
Teia dos Povos: Professoras (es); estudantes, pesquisadores (as); coletivos da agricultura
urbana; Instituições etc.
Mutirões Solidários
A Teia dos Povos, durante os anos de existência, vem realizando mutirões
solidários com diversos povos e comunidades, que buscam fortalecer o território da
mata atlântica, na luta pela soberania alimentar, preservação das sementes crioulas,
contra a hegemonia, pelo reconhecimento étnico cultural dos povos e autonomia.
Esta ação faz parte do Programa de Desenvolvimento Socioeconômico da Mata
Atlântica (Prodesema) que visa proteger o Bioma Mata Atlântica no Estado da Bahia
conservando as espécies nativas de plantas e fauna, construindo um bem viver para
os povos da floresta, os extrativistas, assentados da reforma agrária, pequenos e
médios agricultores familiares e todos aqueles que acreditam no potencial da Mata
Atlântica.
Foto 3 - Mutirão solidário na Comunidade Quilombola e Pesqueira de Graciosa,
Taperoá-BA-2017
Considerações finais
No desenvolvimento deste trabalho ocorreram alterações, questionamentos
ocorreram alterações, questionamentos e inquietações até que chegasse a seu término.
No entanto, graças a uma vasta documentação disponível, foi possível nortear a temática
com olhar enquanto pesquisadora e atuante na articulação da Teia dos Povos. Ao
iniciar este trabalho, foi possível notar uma riqueza imensa de fontes disponíveis, com
possibilidades de avançar ainda mais em outros momentos. Este trabalho possibilitou a
oportunidade que outrora vinha desejando em dedicar-me à sistematização dos espaços
de vivência e convivência na Teia dos Povos.
Ao identificar as formas de luta e organização da Teia dos Povos desde o
ano de 2012, certifica-se do quão está sendo importante os espaços que a Teia vem
proporcionando aos Elos e Núcleos de Base. No decorrer do processo, que caminha para
uma década, observa-se o quanto a Teia tem contribuído na formação e conscientização
política agroecológica. Por mais que enfrentemos uma série de obstáculos, existe a
convicção de que se faz necessário manter firme os ideais: Lutar por terra, território e
bem viver. Concluímos com a palavra de ordem da Teia: “DIGA AO POVO QUE AVANCE!
AVANÇAREMOS!”
Referências
KNABBEN, Virginia Mendonça (Org.) Ana Primavesi: História de Vida e Agroecologia.
2.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2017
ACOSTA, Alberto (org.) O Bem Viver: Uma oportunidade para imaginar outros mundos.
São Paulo: Autonomia Literária, Elefante,2016.
JORNADA DE AGROECOLOGIA DA BAHIA. Conheça o Assentamento Terra Vista. 2014.
Acesso em 11/10/2016. Disponível em: http://jornadadeagroecologiadabahia.blogspot.
com.br/search/label/Assentamento%20Terra%20Vista
Relato de uma experiência de Formação de Educadores do Campo
no Assentamento Terra Vista a partir da perspectiva do trabalho
como princípio educativo
Luzeni Ferraz de Oliveira Carvalho
Maria Nalva Rodrigues de Araújo Bogo
Resumo
Este texto, fruto de densos, intensos e profícuos debates no Projeto de
Formação de Educadores do Campo realizado no Assentamento Terra, Arataca, região
sul do estado da Bahia, de agosto de 2015 a março de 2019, tem por objetivo principal
relatar, de forma analítica, a experiência vivenciada, apontando o trabalho como
princípio educativo e elemento fundamental na formação de professores do campo. Nos
desdobramentos intentamos discutir o conceito de trabalho como princípio educativo e
problematizar brevemente a formação de professores na perspectiva da racionalidade
técnica e da epistemologia da prática. Trata-se de um relato de experiência cujos
fundamentos teóricos são: Marx (2003), Freitas (2007), Saviani (1991), Frigotto et al
(2015), entre outros. A formação proposta cumpriu seus objetivos, conforme externado
pelos participantes no processo avaliativo final e pela coordenação do Assentamento
que a propusera.
Palavras-chave: Formação de educadores do campo. Assentamento Terra Vista.
Trabalho como princípio educativo. Universidade do Estado da Bahia/Campus X. Relato
de experiência.
Introdução
Este texto, fruto de densos, intensos e profícuos debates no Projeto de
Formação de Educadores do Campo realizado no Assentamento Terra, de agosto de
2015 a março de 2019, tem por objetivo principal discutir o trabalho como princípio
educativo na formação de professores do campo.
O referido curso foi realizado no Assentamento Terra Vista, município de
Arataca, região sul do Estado da Bahia, mediante a Universidade do Estado da Bahia
(UNEB)/ Departamento de Educação Campus X5, sob a coordenação das docentes
autoras deste trabalho.
5 Essa unidade de ensino funciona desde 1981 como Núcleo de Ensino Superior – extensão do Centro de
Educação Técnica da Bahia (CETEBA). A partir de 1998, o Centro de Educação Superior de Teixeira de Freitas
(CESTEF) recebeu a denominação de Departamento de Educação – Campus X/ UNEB-DEDC-X
Ao desenvolver a proposta de formação, nossa defesa é a superação de um
arquétipo de formação pautado na racionalidade técnica e na epistemologia da prática.
Apontamos que, muito se tem avançado no tocante à formação de professores do campo,
mais no que toca ao número cada vez maior de vagas ofertadas nas universidades e
institutos de educação, embora ainda haja muito a se fazer, em particular nas discussões
acerca dos pressupostos teórico-metodológicos embasadores dessa formação. Nossa
defesa é da formação com conteúdos e conhecimentos do e para o campo, pautados no
cotidiano e na identidade cultural dos sujeitos em territórios camponeses, tendo como
base o trabalho como princípio educativo.
Para implementar uma nova escola do campo, coerente com as demandas e os
princípios dos movimentos sociais, estes últimos expressos nas Diretrizes Operacionais
para as Escolas do Campo – DOEC (BRASIL, 2002), e que dê conta de um novo trato
no conhecimento e na organização do trabalho pedagógico, necessário se faz investir
nos processos de formação de profissionais qualificados, capazes tanto de entender
as demandas apresentadas quanto de lhes proporcionar os meios necessários à
implementação.
A necessidade social de formação de profissionais da educação voltados
para essa temática, preparados para contribuir na construção de políticas públicas
e de uma Pedagogia vinculada às demandas das populações camponesas,
demandaram à UNEB/DEDC-X a realização de um curso de extensão, uma vez que
parte dos educadores e das educadoras que atuam como professores das áreas de
assentamentos, bem como nas zonas rurais dos municípios brasileiros, não tiveram
formação específica para atuar nas adversidades das escolas situadas no campo.
Frente a esse contexto a Universidade buscou responder à demanda apresentada
pelos professores e por lideranças/coordenação do Assentamento Terra Vista
para organizar o referido curso, visando contribuir na formação continuada dos
educadores do citado Assentamento.
O Parecer do Conselho Nacional de Educação/Comissão da Educação Básica
– CNE/CEB 36/2001 e a Resolução CNE/CEB 1/2002, que instituem as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, constituem uma conquista
dos sujeitos sociais que habitam o campo brasileiro e querem continuar no campo,
considerando-o como um lugar bom de viver. Nos artigos 12º e 13º, a formação dos
profissionais da educação do campo preveem que os sistemas de ensinos ofertem a
formação inicial e continuada em todos os níveis e modalidades, com aperfeiçoamento
permanente dos docentes, indicando aos centros formativos os seguintes componentes
para formação: o respeito à diversidade cultural e aos processos de interação e
transformação existentes no campo brasileiro; o efetivo protagonismo das crianças,
dos jovens e dos adultos do campo na construção da qualidade social de vida individual
e coletiva, bem como seu acesso ao conhecimento científico e tecnológico, tendo
por referência os princípios éticos e a democracia. Isso supõe, entre outras coisas,
a superação da cultura da reprovação, da retenção e da seletividade, centrando-se a
atenção nos níveis de desenvolvimento cognitivo, afetivo, social, moral, ético, cultural,
profissional (BRASIL, 2002; 2008).
Sabe-se que, as legislações educacionais, por si só, são insuficientes para que
efetivamente alguma alteração ocorra na realidade. Desse modo, é primordialmente
necessário que elas mesmas sejam conhecidas por todos/as que eduquem os filhos
e as filhas dos povos do campo, para que, de posse dos conhecimentos, eles possam
agir. Foi com esse intuito que se realizou o curso de extensão demandado pelo coletivo
do Assentamento Terra Vista e pelas gestões das duas escolas: “Desafios da Escola do
Campo: debates atuais, políticas públicas e prática pedagógica”. Tal atividade constituiu
um espaço formativo de educadores/as que atuam nas escolas do assentamento e seu
entorno e que, por vezes, se deparam com as problemáticas das crianças e dos jovens
camponeses em sala de aula. Eles não tinham conhecimento das conquistas legais
acerca da Educação do Campo, desenvolvendo muitas vezes seu trabalho sem se dar
conta de refletir uma educação coerente com os pressupostos assegurados na legislação
acerca da educação do campo. Desse modo, surgiu a necessidade de formação desses
educadores para que atendam ao que demanda a legislação atual acerca das Diretrizes
para as escolas do campo.
Procedimentos teórico-metodológicos
Esta análise da experiência do projeto de extensão “Desafios da Escola do
Campo: debates atuais, políticas públicas e prática pedagógica” se deu a partir da
pesquisa documental, sendo avaliados os seguintes documentos: Projeto de Formação
de Educadores do Campo (2015) e o Relatórios de Atividades (2016-2018) elaborado
pelas formadoras e entregue à instituição certificadora.
Optamos pela pesquisa documental, pois essa forma vale-se de materiais que
não receberam ainda tratamento analítico ou que ainda podem ser reelaborados de
acordo com os objetos da pesquisa. Além de analisar os documentos de “primeira mão”.
(GIL, 2008)
O Projeto teve seu início em 2015, onde todos os módulos de formação
aconteceram no Centro Estadual de Educação Profissional da Floresta, do Cacau e do
Chocolate Milton Santos, localizado no Assentamento Terra Vista, em Arataca, Sul da
Bahia. O Assentamento Terra Vista é vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), fruto de ocupação realizada em 8 de março de 1992 e reconhecido
oficialmente como assentamento em 1994. O referido território estende-se por uma área
de 913,6 hectares e é considerado referência em preservação ambiental, agroecologia e
produção de mudas de espécies da Mata Atlântica. A comunidade mantém um viveiro
com capacidade para 150 mil mudas/ano. Possui 300 ha de cacau cabruca. Há cerca de
dezoito anos, vem plantando na perspectiva agroecológica certificada pelo Instituto Bio
Dinâmica (IBD). A outra parte da área está dividida em 80 ha de pasto e 7,5 ha de lâminas
d’água para criação de peixe, e as demais terras são divididas pela força de trabalho de
cada família (são 57 famílias ao todo) na produção de culturas diversificadas: hortaliças,
fruticulturas e a área das Agrovilas (moradia) (BAHIA, 2012, p. 12).
Perspectivas de continuidade
Ao final do quarto módulo (em novembro de 2016) apontamos perspectivas de
continuidade da formação, a partir de demandas dos cursistas durante o processo. Assim,
conforme o coletivo, a formação continuada se centrou, em 2017, em orientações/
registro da prática pedagógica, coleta de materiais resultado do trabalho pedagógico
dos educadores/cursistas, objetivando organizar em forma de material didático e
paradidático, bem como orientações acerca de elaboração de Projetos (Didático-
pedagógicos, de pesquisa, Pós-Graduação: Especialização, Mestrado e Doutorado).
Mesmo o coletivo de professores, partícipes das formações, terem apontado
os caminhos anteriormente enfatizados, no início de 2017 surgiu a demanda da
discussão em torno da reelaboração do Projeto Político-Pedagógico (PPP) pela gestão
administrativa e pedagógica. Assim, realizou-se, em maio do corrente ano, o I Seminário
Participativo de Construção do PPP do CEEP Milton Santos, com a participação
de docentes, discentes, funcionários da referida escola, bem representantes da
comunidade local, havendo uma exposição dialogada em torno do PPP, abarcando
concepções, problematizações, importância, desafios e proposições. Dentre as
questões imprescindíveis ao se debater o PPP, trouxemos a discussão em torno de
qual é mesmo a função social da escola e da educação, e em particular do CEEP Milton
Santos e da Educação do Campo.
Nesta perspectiva, para que a construção do projeto político-pedagógico seja
possível não é necessário convencer os professores, a equipe escolar e os funcionários a
trabalhar mais, ou mobilizá-los de forma espontânea, mas propiciar situações que lhes
permitam aprender a pensar e a realizar o fazer pedagógico de forma coerente (VEIGA,
2002).
Dentre outras questões a serem pensadas no processo de (re) construção
do Projeto Político-Pedagógico, outras carecem serem debatidas; materializadas,
conforme Caldart,
É preciso pensar a escola como parte de processos formativos que
constituem a vida social e as relações entre ser humano e natureza,
intencionalizados em uma direção emancipatória. Por isso, a escola não
pode desenvolver sua tarefa educativa apartada da vida, suas questões e
contradições, seu movimento. Mas esta ligação entre escola e vida (trabalho,
luta, cultura, organização social, história) precisa de uma formulação
pedagógica séria, para que os momentos de estudo não se reduzam a
conversas sobre aspectos ou problemas da realidade, mas possam garantir
efetiva apropriação de conhecimentos necessários à construção de novas
relações sociais e de relações equilibradas entre o ser humano e a natureza
(CALDART, 2016, p. 1).
Esse repensar a função da escola se faz importante, uma vez que, ao se ter
clareza da função da escola enquanto instituição, acreditamos que os educadores,
na realização de suas atividades pedagógicas, pensarão a serviço de quê e de quem
tais atividades estão, para refletir sobre o tipo de formação que almejam ao propô-
las.
Em 2018 aconteceram dois encontros, tendo como foco da formação o
planejamento e a avaliação, para atender a uma demanda específica dos educadores do
CEEP Milton Santos, a maioria bachareis, apontando a necessidade de compreender o
processo ensino-aprendizagem a partir de elementos didático-pedagógicos.
Em fevereiro de 2019, na Semana Pedagógica, uma das autoras desse trabalho
participou da Jornada Pedagógica da escola, com a intencionalidade de apresentar os
resultados da tese de Doutorado que tomou como objeto de pesquisa o trabalho como
princípio educativo na organização pedagógica de uma escola de educação profissional
do campo: aproximações e desafios (CARVALHO, 2018).
Em março de 2019, o último encontro do Projeto realizado, retomamos a
pedido do coletivo, o debate acerca das especificidades da Educação do Campo,
aspectos teóricos e metodológicos) com educadores e gestores das duas escolas
do Assentamento mais educadores do município de Arataca e de assentamentos
do entorno, devido à rotatividade de professores que atuam nas escolas do campo
dessas localidades. Ao concluirmos o trabalho, o grupo apontou como demanda a
necessidade de uma Pós-Graduação lato sensu em Educação do Campo, a UNEB,
através do Departamento de Educação - Campus X e o Centro Acadêmico de
Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial (CAECDT) acolheram a proposta
e realizou no âmbito do Assentamento duas reuniões com os sujeitos interessados
para que o projeto tramite nas instâncias cabíveis da Universidade, tendo como
apontamento inicial, que aconteça no ano de 2020.
Considerações finais
A formação proposta cumpriu seus objetivos conforme externado no processo
avaliativo final pelos participantes dos módulos e pela coordenação do Assentamento
que a propusera.
Muito se tem avançado no tocante à formação de professores do campo, mais
no que toca ao número cada vez maior de propostas pelas Universidades e Institutos
de Educação, no entanto, há muito a fazer, em particular nas discussões acerca dos
pressupostos teórico- metodológicos embasadores dessa formação.
A discussão em torno dos fundamentos teórico-conceituais dos cursos de
formação de professores do campo é de extrema relevância, na medida em que a
educação do campo traz como especificidade a permanente associação com as questões
sobre o papel do campo no desenvolvimento e no território no qual se enraízam as
práticas político-pedagógicas, e uma reflexão crítica sobre a construção de um projeto
de nação.
Nessa perspectiva, cursos de formação para professores que atuam em
escolas do campo se fazem cada vez mais imprescindíveis, buscando a qualificação
desses professores tomando o trabalho como princípio educativo, aliando trabalho
intelectual e trabalho manual, rechaçando, dessa forma, as concepções norteadoras
das formações realizadas pelo poder público, principalmente, municipal, de nomear os
encontros como capacitação, reciclagem; os quais possuem uma concepção equivocada
acerca da formação continuada dos professores, focado na epistemologia da prática, em
detrimento do debate teórico e epistemológico das questões fundamentais da docência,
do trabalho pedagógico, da escola.
Buscamos um modo de estudo/formação que articulasse trabalho,
conhecimento, ensino e participação dos educadores na condução formação
proposta. E buscamos construir o Curso de Extensão como um lugar de formação
humana multidimensional.
Referências
ANFOPE. Documentos Finais do VI, VII, VIII, IX e X Encontros Nacionais da Associação
Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação, 1992 a 2000. Disponível em:
https://blogdaanfope.org. Acesso em 23 ago. 2016.
BAHIA. CENTRO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO CAMPO MILTON SANTOS.
Governo do Estado da Bahia. Projeto Político-Pedagógico. Arataca, Bahia, 2012.
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http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/res1_2.pdf. Acesso em 02 abr. 2014.
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formação continuada. MEC/CNE, 2015. Disponível em: http://ced.ufsc.br/files/2015/07/
RES-2-2015- CP-CNE-Diretrizes-Curriculares-Nacionais-para-a-forma%C3%A7%C3%A3o-
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de uma escola de educação profissional do campo: aproximações e desafios. Tese
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A estética das sementes como forma de resistência
à hegemonia do agronegócio
Maritania Andretta Risso
Maria Nalva Rodrigues Araújo Bogo
Resumo
Este trabalho, parte de uma Dissertação de Mestrado, é o resultado de uma
experiência artística, desenvolvida com sementes, no Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST). A proposta surge a partir da experiência Mexicana desde 2012,
com o objetivo de contribuir para a preservação e recuperação das sementes crioulas,
como forma de resistência à ofensiva do agronegócio no processo de alteração genética
das sementes. Os referenciais teóricos que nortearam a pesquisa foram: Altieri (2004),
Agruco (2001), ANCA (2003), Caldart (2014), Carvalho (2003), Coa e Casifop (2012),
Caldart et al (2012), Fernandes (2004), Bogo (2010), Ribeiro (2003), Martins (2006), MPA
(2017), entre outros. A abordagem teórico-metodológica amparou-se no método de
pesquisa-ação. Fizemos duas visitas à comunidade de Tepoztlán/Morelos, no México.
No Brasil, realizamos 35 oficinas, nas quais foram construídos os murais (quadros) com
sementes naturais. Os resultados indicam que, no processo de construção dos quadros,
os participantes puderam compreender os conceitos relacionados às sementes crioulas,
a importância da preservação das sementes, além da motivação para a luta social e
enfrentamento às sementes transgênicas. Além disso, como passo complementar,
efetivou-se a construção do primeiro registro escrito sobre a origem da arte do povo
mexicano com o uso de sementes.
Palavras-chave: Sementes crioulas. Estética. Arte. MST. Brasil. México.
Introdução
Neste estudo busca-se trazer apontamentos referentes ao tema que vem
sendo discutido pelos movimentos sociais do campo na atualidade, ou seja, as múltiplas
formas de preservação das sementes crioulas como forma de enfrentamento às
sementes geneticamente modificadas. Buscamos trazer a reflexão a partir do olhar dos
movimentos sociais, em especial o MST. Este movimento tem tratado incansavelmente
sobre o tema das sementes crioulas como um assunto de muita seriedade, entendendo
que ele envolve relações profundas com os processos de luta pela terra. Dessa forma,
as sementes se relacionam com o contexto cultural de trabalho, de resistência e
existência do campo, de continuidade da vida. Essa ideia vem se fortalecendo a partir
de muitas experiências coletivas, nas quais tem sido trabalhada, com mediação da arte,
a recuperação das sementes crioulas nas áreas de Reforma Agrária e em outros espaços
de resistência.
Reportando à ideia do trabalho de arte que utiliza sementes como base
para a construção estética, com originalidade na cultura indígena e camponesa, esse
conhecimento de longo tempo vem ampliando ideias que culminam para além da
própria arte. Podemos dizer que as sementes, no período atual, não estão apenas
cumprindo a função social de se reproduzir para “matar a fome” nos lugares em que
estão sendo reproduzidas. Inseridas no universo da cultura e da estética, elas produzem
outro sentido para a vida, estão ligadas à matéria e à forma.
No contexto atual, devido a processos desastrosos adotados na agricultura a
nível mundial, as sementes estão cada vez mais sendo disputadas pela classe dominante.
Por sua vez, os camponeses têm utilizado das mais variadas formas de conhecimento e
“saberes adormecidos” com relação às sementes, seja em forma de alimento, seja em
forma de arte, a fim de resistir e preservá-las. Desde o início da luta pela terra, o MST
vivencia processos de resistência, aprimora métodos e formas de luta em prol de uma
sociedade mais justa. Os mexicanos da comunidade de Tepoztlán, precursores da técnica
de arte com sementes, têm contribuído nesse processo com a materialidade da cultura
e arte.
O milho, considerado sagrado, traz em sua essência uma linha que organiza
a alimentação base de um povo. Por ter origem em um projeto popular em defesa
da vida, as relações sociais se ampliam na medida em que essa planta vem sendo
ameaçada. Para o povo mexicano, esse grão é a simbologia mais representativa de
enfrentamento entre dois projetos sociais.
Considerações finais
Neste estudo foi possível trazer presente algumas sistematizações que foram
alcançadas no decorrer da pesquisa, destacando um processo de cinco anos de trabalho
com a arte das sementes.
Entre os apontamentos teórico-metodológicos, houve diversas contribuições
que vieram no sentido de clarear as informações sobre os assuntos que permeiam os
objetos propostos, como abordagem da pesquisa sobre as sementes crioulas. O avanço
ocorrido passa por um contexto de reflexão teórica e metodológica na direção da
formação que construímos por meio das práticas formativas, pois os elementos aqui
abordados serão direcionados para a um amadurecimento dos conceitos que necessitam
ser trabalhados nas oficinas com sementes.
A pesquisa foi mediada pelo método de pesquisa-ação, a qual traz uma mútua
relação do pesquisador com o objeto de pesquisa, a partir das teorias estudadas.
As experiências vêm no sentido de contribuir para o contexto no qual a pesquisa foi
desenvolvida, no caso as experiências do México e do MST.
Foi possível trazer presente o debate por meio dos símbolos dos desenhos
construídos, a filosofia de vida como conceito permeado pelas lutas sociais. As cores
e formas inseridas no contexto da arte possibilitaram discutirmos a cultura numa
perspectiva ampla. Nesse sentido, trabalhamos com elementos de acúmulo de
conhecimento cultural e social que atribuímos às linguagens da arte.
O elemento semente dentro da pesquisa, além de ser o objeto essencial
da questão, aponta-nos um caminho vital de energia para a vida. Dessa forma,
trabalhamos com a ideia de que nossa luta em defesa das sementes se faz necessária
enquanto debate humanitário. Nessa formulação, foi possível compreender que as
sementes, ao longo do tempo, guardaram os mistérios do passado e do presente,
sendo esse um princípio de multiplicação e renovação enquanto matéria. Dessa
forma, como elemento base da agricultura, apresenta-se ao contexto do presente
como uma das estratégias sociais.
Desde a descoberta da germinação, esse feito tem sido carregado como
acúmulo do conhecimento pela humanidade, pela cultura e mérito feminino. Nesse
processo fantástico, pelas mãos de muitos trabalhadores (as) se desenvolveram os
métodos de melhoramento e adaptação das variedades. Dessa forma, esse elemento
biológico passa pela ação de resistência social e, além disso, passa por uma ressignificação
enquanto elemento existencial da humanidade, principalmente dos camponeses.
Nesse sentido, reafirmamos em cada passo de luta que as sementes são
patrimônio dos povos, os quais preservam as colheitas das futuras gerações, não só de
sementes, mas, também de códigos genéticos de cada uma das espécies.
Nesse sentido, discutir a cultura e a resistência entre outros temas incluiu a luta
pelo território camponês. Em consonância com a arte, ela nos faz compreender que por
meio da prática ou das linguagens artísticas podemos ampliar os espaços de organização
social. Seja por meio da arte das sementes ou outras, mostramos uma representação
que abarca nossas ideias num campo visual, não só para o movimento, mas, para a
sociedade, uma resistência política que analisa e enfrenta os mais variados temas que
para fora, ou para sociedade em geral, muitas vezes passam despercebidos.
É necessário retomar os fundamentos da cultura, da educação, da produção,
da cooperação, de gênero, dos direitos das mulheres e tudo o que se constrói como
formas de organização e reexistência nas áreas do campo. A cultura carrega um
olhar que fundamenta por meio das ações a práxis social do movimento. A produção
artística deve abarcar uma intencionalidade de reelaborar os conceitos colocados pela
sociedade. Devemos nos apropriar do que a história concebeu como conhecimento e
processo formativo. Ressignificar a vida em todos os sentidos. O despertar de memórias
construídas ao longo dos tempos tem trazido possibilidades de retomada desses
processos de acúmulo teórico e prático.
Seguindo a reflexão, percebemos que as artes das sementes nesse processo
recente se constituíram como debate que vem discutindo a simbologia da luta como
experiência formativa. Dessa forma, as relações que compõem a estética das sementes
bebem da fonte que vincula um amadurecimento social proporcionado pela luta. Traz
presente um reflexo artístico que busca uma autonomia de pensar processos que
vêm legitimar um conhecimento da arte como processo de apropriação da classe
trabalhadora.
Baseada na crítica estética marxista, a produção da arte se caracteriza pela
apreensão de um processo histórico, originado na práxis social. Nessa perspectiva,
construir uma estética social ressignifica o papel do artista militante, que é mediador
do processo para construir novos caminhos que possibilitem uma compreensão das
contradições sociais por meio da arte.
Para o MST, a arte das sementes tem um papel de engajamento camponês,
pois trabalha o contexto da arte como produção e existência da vida, buscando inserir
cada sujeito como parte da sua própria cultura histórica, a qual se amplia para uma
cultura de classe, como um protagonismo permeado por um processo de luta sempre
em construção, seja na arte ou em outros campos de atuação dentro da luta pela terra,
no Brasil, na América Latina e a nível mundial.
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As Cirandas Infantis no MST -
uma experiência de educação infantil do campo
Edna Rodrigues Araujo Rossetto
Resumo
As Cirandas são espaços educativos intencionalmente planejados, nos quais as
crianças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) têm a possibilidade
de participar e de entender o processo da luta pela terra; como também de participar
da construção da organização. O Movimento vem trabalhando com dois tipos de
Cirandas Infantis. As Cirandas Infantis permanentes, organizadas nos assentamentos,
acampamentos, centros de formação e nas escolas de formação do Movimento Sem
Terra. Este tipo de Ciranda foi organizado para viabilizar a participação das mulheres na
produção de alimentos nas cooperativas dos assentados e assentadas. Já as Cirandas
Infantis itinerantes são organizadas em reuniões, congressos, cursos, seminários,
encontros, marchas, entre outros. Este tipo de Ciranda possibilita a participação das
mulheres nas instâncias, direções, cursos, reuniões, congressos, marchas. A Ciranda
Infantil do MST se tornou uma referência para outros movimentos sociais do campo
como: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Pequemos
Agricultores (MPA), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Passou a
ser referência, também, para alguns movimentos que compõem a Via Campesina
Internacional, como o Movimento Nacional Campesino Indígena (MNCI), da Argentina
e União Nacional dos Camponeses (UNAC), de Moçambique. Assim, os meninos e
as meninas vão se reconhecendo como Sem Terrinha, identidade construída pelas
crianças, fortalecendo sua luta e pertencimento ao Movimento Sem Terra, uma vez que
lutar e brincar faz parte da escola da vida e, brincando, chorando, rindo, pulando, vão
construindo uma educação emancipadora.
Palavras-chave: Ciranda Infantil. Infância do Campo. Luta pela Terra. Educação Infantil
do Campo.
Introdução
Lá vai o menino rodando e cantando,
Cantigas que façam o mundo mais manso,
Cantigas que façam a vida mais justa,
Cantigas que façam os homens mais crianças.
(Thiago de Melo)
O projeto de Educação do MST está vinculado ao seu projeto político − que tem
por objetivos a luta pela terra, a luta pela reforma agrária e a luta pela transformação da
sociedade −, procurando potencializar as práticas educativas presentes na luta cotidiana,
constituindo-se na grande escola formadora da consciência de classe para emancipação
humana. Conforme o MST (1998), os processos educativos da sua base social são
norteados pelos princípios filosóficos e pedagógicos que compõem o projeto educativo
do Movimento Sem Terra.
Os princípios filosóficos6 dizem respeito à visão de mundo que o Movimento
defende e à sua concepção de sociedade, de pessoa humana e educação que pretende
e quer construir. Os princípios pedagógicos7 referem-se ao jeito de pensar e pôr em
prática os princípios filosóficos da educação do Movimento, ou seja, é basicamente a
reflexão metodológica dos processos educativos que acontecem nos assentamentos e
acampamentos. Estes princípios são essenciais para a implementação da proposta de
educação, especialmente na parte metodológica dos processos educativos desenvolvidos.
Para o MST (1998, p. 17), “a educação deve contribuir para a transformação da sociedade,
bem como para a construção de uma nova ordem social, baseada nos pilares da justiça
social e nos valores humanistas e socialistas”.
Assim, as atividades pedagógicas vivenciadas pelas crianças na Ciranda Infantil
baseiam-se na prática da coletividade, na realidade vivenciada por elas no meio em que
estão inseridas. Elas participam do processo de luta pela terra e possuem características
coletivas que constroem em seu processo de formação, que se manifestam nas atitudes
cotidianas, na família, na Ciranda Infantil, na escola e no grupo social no qual convivem,
ou seja, no meio onde vivem. Segundo Freitas (2009, p. 93-95):
A pedagogia do meio é colocada como referência na construção do coletivo,
que só pode ser aprendido por meio da própria vivência da vida coletiva.
Portanto, a pedagogia do meio diz respeito à criação de um novo patamar
6 1) Educação para a transformação social; 2) Educação para o trabalho e a cooperação; 3) Educação voltada
para as várias dimensões da pessoa humana; 4) Educação com/para valores humanistas e socialistas e 5) Educação
como um processo de formação e transformação humana.
7 1) Relação entre teoria e prática; 2) Combinação Metodológica entre processos de ensino e de capacitação; 3)
A realidade como base da produção do conhecimento; 4) Conteúdos formativos socialmente úteis; 5) Educação
para o trabalho e pelo trabalho; 6) Vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos; 7) Vínculo
orgânico entre processos educativos e processos econômicos; 8) Vínculo orgânico entre educação e cultura; 9)
Gestão democrática; 10) Auto-organização dos/das estudantes; 11) Criação de coletivos pedagógicos e formação
permanente dos educadores/ educadoras; 12)Atitude e habilidade de pesquisa; 13) Combinação entre processos
de desenvolvimento humano, social, político e, dessa forma, uma nova
relação com a própria natureza. Ela passa necessariamente pela superação
do capitalismo – Forma social que exacerba o lado individual das pessoas na
forma de um individualismo destrutivo do meio social e natural. A pedagogia
do meio envolve uma concepção materialista-histórica-dialética de mundo,
que se entende a formação do ser humano enquanto um sujeito histórico
que desenvolve no interior de sua materialidade, seu meio, sua atualidade,
tendo a natureza como cenário e a sociedade humana como parceira
solidária de seu próprio desenvolvimento histórico, por meio de suas lutas e
de suas construções. [...] O sujeito e seu meio; o meio e seu conhecimento;
o sujeito e suas lutas; o sujeito e seu conhecimento; o sujeito e seu trabalho;
os sujeitos e seu meio com suas contradições – motor do desenvolvimento
histórico, motor da construção de uma nova sociedade comunista, pela via
da transição socialista, instrumento imperfeito sujeito a erro, mas também
com seus acertos, forçando a roda da história a girar segundo os interesses e
anseios da classe trabalhadora do campo e da cidade, como classe que tem
futuro histórico.
8 Para melhor aprofundamento sobre as cooperativas do MST, recomendamos o estudo de Christoffoli (2000) e
MST (1991) − Sistema Cooperativista dos Assentamentos – SCA
9 De acordo com Clodomiro S. Morais (1986), o laboratório de produção, é um ensaio prático e real no qual
se busca introduzir em um grupo social a consciência organizativa, de que se necessita para atuar em práticas
organizadas coletivamente. Para melhor aprofundamento ver: Caderno de Formação n. 11, do Movimento Sem
Terra, intitulado “Elementos sobre a Teoria da Organização no Campo”.
foi feita pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) e pelo
Conselho Estadual da Condição Feminina (CECF) denominada ‘Creche-
urgente’. Hoje, conquistamos, já no papel, tanto o direito trabalhista dos
‘trabalhadores e trabalhadoras, rurais e urbanos’ para que seus filhos e
filhas sejam educados/as em creches e pré-escolas, como o direito de todas
as crianças de 0 a 6 anos de serem, por opção de suas famílias, educadas
fora da esfera privada por profissionais formadas para isso (e não antecipar
a escola obrigatória).
Para Faria (2005), a creche era uma conquista para as mulheres que desejavam,
além da maternidade, o direito de viverem outras experiências. Nas palavras destas
mulheres, a creche era vista como um local que favoreceria a concretização destes
desejos. Segundo a autora (2005, p. 132) “é a creche que vai garantir o direito de ser
mãe, trabalhar, estudar e namorar”. Para as crianças, a creche representa um local que
possibilita o convívio com as diferenças, com o coletivo tanto em relação a seus pares
quanto em relação aos adultos.
É a participação das mulheres na produção de alimentos que cria a necessidade
de viabilizar um espaço próprio para as crianças. É importante salientar que, nesse
período, a centralidade do debate nas cooperativas não eram as crianças e nem as
mulheres, mas o debate econômico, ou seja, a necessidade de integrar o trabalho das
mulheres nas cooperativas, as quais reivindicaram a necessidade de “creches”. Segundo
Arelaro (2005), nessa luta pelas creches, as mulheres do campo, que levam suas crianças
para o local de trabalho, também já demonstram sua insatisfação.
As mulheres do campo têm cobrado do poder público uma posição mais
explícita em relação aos direitos mínimos das crianças do campo. Tem cobrado um local
para levar suas crianças quando as mesmas estão no trabalho. Elas nos ‘checam’ ao
perguntar se nossas pesquisas indicam que é culturalmente interessante, e do ponto
de vista pedagógico recomendável, que uma criança com menos de um ano de idade,
permaneça debaixo de uma bananeira, com fralda de pano, sem espaço e condições
de trocada, sem água nem alimentação, permanecendo o tempo todo na cestinha,
não podendo se mexer ou brincar, para que a mãe cortadora de cana ou colhedora de
algodão dê conta de suas tarefas (ARELARO, 2005, p. 43).
Se a Ciranda Infantil Permanente tem origem na necessidade de integração
do trabalho feminino na produção econômica dos assentamentos, a Ciranda
Infantil Itinerante surge da participação das mulheres na luta, instâncias,
direções, cursos, reuniões, congressos, marchas, enfim, no processo de
luta pela terra. Ela é fundamental para as atividades do Movimento Sem
Terra como: marchas, ocupações, congressos, reuniões, cursos, nos quais as
crianças participam juntamente com seus responsáveis. A Ciranda itinerante
possibilita a participação das crianças na luta pela terra, como afirma Alves
(2001, p. 205):
A luta pela terra é uma luta em família, e a presença das crianças cria novas
necessidades para a organização do Movimento. Assim, o espaço e a vivência no
acampamento passam, obrigatoriamente, a envolver não somente adultos, mas,
necessariamente, novos sujeitos: as crianças. Todo esse processo vai materializando
a preocupação do Movimento e do Setor de Educação com esses novos sujeitos, que
não são passivos, muito ao contrário, aprendem a mobilizar-se e a indignar-se com o
sofrimento e a luta de seus pais e passam, também, a incorporá-la; certamente que não
na mesma dimensão que os adultos.
O estado do Ceará foi um dos primeiros a iniciar esta experiência. As reuniões
do Setor de Educação e da Direção Estadual eram compostas, em sua grande maioria,
por mulheres que tinham filhos. A saída encontrada pelo MST do estado foi organizar
a Creche itinerante Paloma, cuja prática impulsionou as Cirandas itinerantes no
Movimento em geral.
Assim, de 28 a 31 de julho de 1997, quando ocorreu o 1º Encontro Nacional
dos Educadores e das Educadoras da Reforma Agrária (1º ENERA), no campus da
Universidade de Brasília (UnB), o MST organizou a 1ª Ciranda Infantil Itinerante em
nível Nacional. As Cirandas Infantis itinerantes possibilitam que as crianças sem terra
experimentem intensamente a pedagogia da luta, que muitas vezes se mistura às
brincadeiras, ou seja, lutar e brincar faz parte desta escola formidável da vida, que os
sem terrinha vão experimentando desde bem pequenos. De acordo com Pires (2011,
ps. 42-43):
Esse processo de formação humana fornece contribuições para a educação,
atestando que o processo de apreensão e construção dos conhecimentos
resulta de saberes socialmente construídos e, por vezes, ressignificados pelo
sujeito, imerso na luta cotidiana. [...] O Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra ‘gesta’, efetivamente, uma nova forma de educar baseado em
valores como a solidariedade, companheirismo, a cooperação, respeito à
natureza. Esse processo de formação é vivenciado pelo Sem Terrinha, desde
tenra idade, para entenderem o momento histórico e as suas causas sociais,
políticas e econômicas que configuram em nosso país.
10 Essa marcha foi organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Comissão Pastoral
da Terra (CPT), Via Campesina e Grito dos Excluídos. Outros movimentos também fizeram parte da marcha, como
o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), o
Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), pelo Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), pelo Centro
de Mídia Independente (CMI), pela Conferência Nacional dos Bispos Brasil (CNBB), além de representantes de
outras entidades.
acompanhadas de suas mães. Aliás, havia um bebê, com apenas dois meses
de idade, participando do ato. Aquelas acima de dois anos, foram levadas
de mãos dadas ou nos braços dos educadores. Em frente ao MEC, órgão de
governo responsável por cuidar da Educação Básica - Educação Infantil ao
Ensino Médio, as crianças foram obrigadas a esperar em torno de duas horas
para serem recebidas pelo Ministro da Educação. A ele foi entregue uma
Carta, cuidadosamente construída pelas crianças sem terra.
11 Gisele e Jeniffer eram estudantes da I turma do curso de Pedagogia da Terra em parceria com a UFSCar.
). Segundo elas, só conseguiram restaurar o espaço da “Ciranda Formiguinhas” graças
à mobilização de algumas mães e pais, que mostraram a importância desse espaço
infantil e conseguiram o apoio da Prefeitura Municipal para garantir a merenda escolar
e materiais pedagógicos, como também conseguiram envolver várias pessoas da
comunidade, que se dispuseram a realizar atividades pedagógicas com as crianças.
Gisele e Jeniffer disseram: “Estamos no início, sabemos dos desafios, por isso, precisamos
buscar ajuda mais especializada para pensar este processo de formação das crianças”. É
importante ressaltar que nesse assentamento não existe escola, assim, a Ciranda torna-
se peça fundamental para esse processo de formação.
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), em seu caderno pedagógico
(2008, p. 43), afirma que a organização desse espaço cria a possibilidade de
participação das mães e das crianças nos encontros, pois enquanto os
adultos participam das discussões e pensam as intervenções necessárias
para um novo projeto de sociedade, as crianças encontram no mundo lúdico
um momento de descontração e também de formação.
Anotações de caderno de campo durante a apresentação dos seminários dos estágios de educação infantil, em
fevereiro de 2011. Atualmente estamos com a II turma de Pedagogia da Terra, com 50 estudantes, em parceria
com a mesma universidade.
12 (Daiane Hohn Carlos é dirigente do setor de formação do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB,
entrevista realizada na ENFF no dia 14 set. 2013).
empresas, ao construírem uma barragem, afirma que é para o desenvolvimento do
país, mas as famílias atingidas não têm acesso a esse desenvolvimento. Ao contrário,
antes das barragens tinham casas e depois da barragem já não têm; antes não tinham
energia e com a barragem elas continuam sem energia; antes a conta da energia era
cara, depois da barragem ela continua cara e as famílias atingidas não podem pagar,
assim, as promessas de desenvolvimento para todos da região não se concretizam.
As crianças também percebem o avanço das grandes empresas no campo:
“Antes tinha as árvores para subir, a escola, as casas, o parquinho, os amigos, agora não
tem mais; as árvores estão caídas, não têm escolas, não têm mais nem crianças para
brincar porque a barragem tomou conta de tudo”. Essas são questões que as empresas
não conseguem responder e que afetam diretamente as crianças.
Ao refletir sobre esse processo, pode-se afirmar que o avanço das grandes
empresas no campo afeta diretamente a vivência da infância do campo, esse tempo tão
importante da vida. Com esse entendimento, as crianças escreveram uma carta onde
apontam seus direitos, pedem ajuda aos adultos e dizem que estarão sempre por perto.
A “Carta das Crianças Atingidas por Barragens”13.
Nós, crianças atingidas por barragens, participando do Encontro Nacional,
vindos do norte, nordeste, centro-oeste, sudeste e sul, deste imenso Brasil,
queremos dizer que o encontro também é nosso. Na Ciranda, nestes dias,
fizemos muitas atividades, muitas brincadeiras e muita diversão. Também
discutimos os direitos das crianças atingidas por barragens. Nesta carta
queremos expressar a importância das crianças e de seus direitos:
1. Educação de qualidade;
2. Na escola ter merenda boa e educadores para nos ensinar;
3. Alimentação saudável, sem agrotóxicos, com muita fruta, verdura e de vez
em quando uns docinhos;
4. Ter terra para plantar e casa para morar. Que tenha espaço para a gente
brincar do mesmo jeito, ou melhor, que a gente tinha antes da barragem;
5. Precisamos ter parquinhos para a gente se divertir;
6. Nossos rios livres e limpos para podermos nadar e brincar muito.
Então, pedimos que vocês, que são grandes, nos ajudem e nos ensinem
como garantir esses direitos e outros mais. E podem contar com as crianças
13 Carta elaborada pelas crianças, educadores e educadoras da Ciranda Infantil no encontro do MAB. Disponível
em:<http://www.mabnacional.org.br/>. Acesso em: 10 set. 2013.
atingidas que estaremos por perto e, claro, lá na Ciranda.
São Paulo, 4 de setembro de 2013.
(Crianças do MAB a lutar por um projeto energético popular).
14 Edgar Kolling é dirigente nacional do Setor de Educação do MST – entrevista realizada no dia 12 de dezembro
de 2013, Na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF).
Por mais que no acampamento tenha essa possibilidade, dos vários espaços
de brincadeiras, como Edgar nos apresentou, existem também os conflitos, os vários
despejos, a falta de comida, de casa, de escola etc., o que, muitas vezes, leva as crianças
a não gostarem de viver ali, causando um estranhamento em algumas pessoas que
estão na luta pela terra. Isso leva a refletir suas indignações nesse momento, mesmo
sendo o um espaço transitório, pois não é fácil viver num lugar onde as condições são
tão precárias. No entanto, esse é apenas o primeiro passo de uma luta árdua pela
transformação da realidade.
Passar fome, frio ou muito calor debaixo dos barracos de lonas não é o que o
MST quer para os Sem Terrinha, nem para os sujeitos Sem Terra que dele fazem parte,
mas os acampamentos são instrumentos de luta que mostram para a sociedade as
desigualdades sociais em nosso país. Freitas (2009, p. 95) chama atenção dizendo “nem
se aprende e nem se luta espontaneamente. A luta é uma dura necessidade que ensina”
e Arroyo (2003, p. 32) completa dizendo que “a luta pela vida educa por ser o direito
mais radical da condição humana”.
O Movimento Sem Terra tem conseguido extrair lições do seu cotidiano de
lutas para superar os desafios e as preocupações de como fazer uma educação para
os Sem Terra e, nesse processo, vai recuperando a dignidade e a humanidade quase
perdidas de crianças, jovens, adultos e idosos, que vão aprendendo a lutar pela vida.
Esse aprendizado se inicia na pequena infância, num espaço organizado com uma
intencionalidade política e pedagógica, as crianças vão construindo outras relações além
do grupo familiar; na coletividade, elas vão construindo sua identidade Sem Terrinha, o
pertencimento e o coletivo infantil. Pistrak (2009 p. 131) afirma que:
Somente na atividade pode a criança formar-se para ser ativa, somente
na ação aprende a agir, somente na realidade participando na criação de
formas cada vez mais novas, mesmo num organismo social pequeno como
a escola, aprendem a participar conscientemente, do mesmo modo, no
trabalho que diz respeito às formas da ordem estatal, e mundial. Assim
se faz necessário formar os estudantes para que eles ao saírem da escola
orientem sua vida social tenham aptidões de lutadores e construtores do
socialismo, possam facilmente orientar-se nas tarefas mais próximas e mais
distantes da construção da sociedade socialista.
Referências
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Escola de convivência com o semiárido:
um espaço de formação de multiplicadores/as na ótica do bem viver
Felipe de Sena e Silva
Joilma Sandri Jesus de Souza Lopes
Tiago Pereira da Costa
Resumo
O presente artigo tem como objetivo sistematizar e compartilhar a vivência
e experiência da Escola de Formação para a Convivência com o Semiárido, que
acontece anualmente, realizada pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária
Apropriada (IRPAA), na região Semiárida do Estado da Bahia, no município de Juazeiro.
A Escola é um espaço de formação social, política, cultural, agropecuária e ambiental.
Desenvolve suas atividades através de momentos teóricos, práticos e de intercâmbios,
com o objetivo de contribuir no fortalecimento da classe trabalhadora, por meio da
formação de multiplicadores/as em Convivência com o Semiárido na ótica do Bem
Viver, direcionada aos Jovens de todo o Nordeste. Durante os dias de formação e
vivência são aprofundados temas, como: Terra e Território; Educação Contextualizada;
Clima, Água e Tecnologias Sociais; Produção Agroecológica; Educomunicação; Políticas
Públicas, dentre outros. Este trabalho é resultado da observação participante, através da
inserção dos pesquisadores/a no ambiente da pesquisa, dos sujeitos envolvidos que são
agricultores/as, povos e comunidades tradicionais, bem como da análise documental
dos materiais utilizados pelo Instituto, unindo-se a isso, ao longo dessa sistematização, o
processo metodológico dos períodos formativos da ação. A partir da análise dos dados,
conclui-se que as experiências educativas voltadas para a Convivência com o Semiárido
impulsionadas pelo IRPAA impactam de forma positiva na vida dos sujeitos participantes,
sendo capaz de gerar melhoria nas condições de vida, bem como nas comunidades em
que estão inseridos, pois os ensinamentos que vivenciam e experimentam na Escola
de Formação para a Convivência com o Semiárido são colocados em prática nas suas
organizações populares, movimentos sociais, ambientes familiares e coletivos.
Palavras – chave: Convivência com o Semiárido. Educação Popular. Juventude do Campo.
Introdução
O presente artigo tem como propósito apresentar a Escola de Convivência
com o Semiárido (ECSA), que acontece anualmente, realizada pelo Instituto Regional
da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA), com objetivo de contribuir para o
fortalecimento da classe trabalhadora por meio da formação de multiplicadores/as
em Convivência com o Semiárido na ótica do Bem Viver. A ECSA consiste em uma ação
estruturada na concepção de educação popular e contextualizada, possibilitando aos
sujeitos uma maior aproximação com suas realidades, compreendendo os aspectos
essenciais para uma Convivência plena, digna e justa.
Essa experiência teve início na década de 1990, quando o IRPAA desenvolvia um
trabalho social, técnico e pedagógico com lavradores e lavradoras. Desde os primeiros
encontros e formações a proposta era discutir as irregularidades das chuvas, a renda
das famílias, a criação de animais, o plantio na roça, a água no sertão, a organização
das mulheres. O intuito era fazer o público participante conhecer a região Semiárida e
entender aspectos técnicos que melhor se adequassem às suas realidades, possibilitando
uma relação harmoniosa com o ambiente.
Este trabalho teve como metodologia a observação participante, através da
inserção dos pesquisadores/a no ambiente da pesquisa dos sujeitos envolvidos que são
agricultores/as, povos e comunidades tradicionais, bem como da análise documental
dos materiais utilizados pelo Instituto.
A construção da ECSA se dá de forma dialógica, através da pedagogia da prática,
da utilização das metodologias participativas, da experimentação e do aprofundamento
teórico, na qual todos os sujeitos envolvidos colaboram com as atividades desenvolvidas,
desde a organização do espaço, a animação, a sistematização, as tarefas diárias e
práticas produtivas, durante as duas semanas nas quais a escola acontece. De forma
bem dinâmica, sempre tem uma equipe para mediar todos os momentos formativos e
garantir o bom desenvolvimento das atividades.
As primeiras experiências da ECSA eram realizadas com lavradores e lavradoras,
mas com o passar dos tempos percebeu-se que o perfil do público foi se modificando,
e hoje conta com uma participação expressiva de jovens. Nesse contexto, atualmente a
ECSA é direcionada especificamente à juventude do Semiárido, sendo que estes/as vêm
representando suas entidades e comunidades.
Para garantir uma participação igualitária, a relação de gênero é sempre levada
em conta na hora de convidar os/as jovens que participarão da escola. Ao longo desse
trabalho discutiremos a importância da participação dos/as jovens na ECSA, como forma
de valorizar o protagonismo da juventude do Campo.
IRPAA: Trabalhando pela convivência com o semiárido
O Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA) é uma
Organização não Governamental, sem fins lucrativos, localizada no município de Juazeiro,
região Norte do estado da Bahia, no centro do Semiárido brasileiro, que há quase três
décadas vem trabalhando pela Convivência com o Semiárido (CSA). Foi fundado por
D. José Rodrigues de Souza, in memoriam, Bispo da Diocese de Juazeiro. A instituição
atua diretamente no Território Sertão do São Francisco, Piemonte Norte do Itapicuru e
Itaparica na Bahia, e em mais quatro estados do Nordeste (Pernambuco, Piauí, Alagoas
e Sergipe), e tem como objetivo demonstrar a viabilidade econômico-social da região,
oferecendo subsídios práticos e teóricos para conviver bem no Semiárido, apesar das
variações climáticas que temos ao longo do ano.
Sendo assim, a Consolidação da Convivência com o Semiárido é a maior e
mais importante missão do IRPAA, que busca implementar esta proposta e promover o
pleno desenvolvimento das famílias na região, sem perder de vista a ótica do Bem Viver,
acreditando que
Iluminado pela convivência, o desenvolvimento do Semiárido passa por
premissas tais como: o compromisso com as necessidades e potencialidades
da população local; a conservação e o uso sustentável da biodiversidade;
a recuperação das áreas degradadas; a quebra do monopólio da terra e
da água; a valorização do patrimônio cultural, étnico, material e simbólico
do semiárido; o reconhecimento da agricultura familiar como categoria
sociopolítica e estratégica do desenvolvimento e o reconhecimento do
meio rural como território de produção e reprodução da vida; a valorização
das tradições e conhecimentos das comunidades; e o reconhecimento da
diversidade étnica e cultural do semiárido com seu patrimônio, colocando
sua população como coautora das políticas e não como sua simples
beneficiária (BAPTISTA, 2013, p. 66).
Todos esses trabalhos realizados, como destaca Aquino (2015, p. 145), “são uma
aprendizagem significativa, pois carregada de sentido. São atividades que reconhecem
a identidade cultural do outro, e a partir daí, constroem novos conhecimentos.” Sendo
assim, a escola orienta seu trabalho a discutir as formas apropriadas para conviver com o
Semiárido, e que o IRPAA trabalha em 5 eixos, sendo eles, Terra, Clima e Água, Produção,
Educação e Comunicação.
No debate do eixo Terra discute-se sobre o acesso à terra, o tamanho apropriado
para as famílias do semiárido, a história da luta dos povos e comunidades tradicionais e
as comunidades de Fundo de Pasto. No eixo Clima e Água, fala-se sobre o uso e gestão
da água, as tecnologias de captação e armazenamento de água, a hidroestesia, as
características do clima semiárido, as cinco linhas de água e a Política de Água. No eixo
Produção, aprofunda-se sobre a produção agroecológica apropriada, criação de animais
apropriados, Beneficiamento de frutos da caatinga, Associativismo e Cooperativismo e
Economia Solidária.
No eixo Comunicação, discute-se a importância da democratização dos
meios de comunicação, a comunicação como direito humano, as estratégias de
comunicação popular e políticas de comunicação. No eixo Educação, aborda-se sobre
o direito à Educação, os princípios e fundamentos da Educação para Convivência com
o Semiárido, as políticas educacionais, o Plano Nacional de Educação (PNE), além de
subtemas afins.
Em relação aos temas discutidos na ECSA, Pimentel (2002) aponta que os
conteúdos foram acumulados ao longo dos anos com a participação efetiva dos técnicos
e técnicas do IRPAA, bem como dos lavradores e lavradoras que anualmente participam
dos seminários promovidos por esse Instituto.
Dentro de cada eixo de trabalho existe uma linha de trabalho transversal que
proporciona um aprofundamento teórico dos temas. No eixo Terra, a linha transversal é
Organização Social; do eixo Educação, Gênero; do eixo Produção, Juventude; e do eixo
Clima e Água, Meio Ambiente.
Além do conjunto de temas debatidos, são utilizadas também quatro cartilhas
básicas que foram produzidas pelo IRPAA, são elas: A roça no Semiárido, A busca da
Água no Sertão, Mutirão: a mulher e o homem no sertão e Cabras e Ovelhas: a criação
do sertão.
A proposta do IRPAA é que ao final de cada escola os/as pessoas que
participaram possam voltar para suas regiões e divulgar as informações às quais tiveram
acesso, e assim contribuir para o fortalecimento dos debates e proposição de políticas
direcionadas a convivência com o Semiárido.
A juventude e o protagonismo político
O atual modelo de desenvolvimento proposto para o Semiárido está pautado
na lógica do Combate à Seca, que “concentra terra e água, desconhece e desvaloriza
do conhecimento dos agricultores, utiliza sem critérios, a não ser o do lucro e do
enriquecimento, a natureza como se ela fosse inesgotável.” (BAPTISTA, 2013, p. 63). A
consequência negativa desse processo é a dívida histórica e estrutural com os povos do
semiárido, que ainda sofrem diretamente com a pobreza, a fome e a miséria. Além disso,
o discurso estereotipado sobre a região, descrita como lugar do atraso e da inviabilidade
econômica, não aponta alternativa senão o êxodo rural, impactando em especial a
juventude do campo.
O acesso a serviços básicos como educação, saúde, moradia, mobilidade e
oportunidades de emprego e renda são algumas das demandas que mais influenciam
na permanência (ou não) da juventude no campo.
a ausência de políticas públicas que respondam às necessidades desse grupo
social têm promovido uma visão distorcida de que o lugar da juventude
é na cidade. Um pensamento que só contribuiu para que os governos se
desresponsabilizem com a qualificação da sua atuação junto a esse público,
fazendo com que as questões pautadas pelos(as) jovens rurais permaneçam
na invisibilidade e que seus problemas continuem subnotificados. A
ausência ou insuficiência de dados atualizados sobre os aspectos de vida
desse segmento são prova disso (SILVA, 2017, p. 203-204).
Conclusão
A atuação do IRPAA ao longo dos vinte e oito anos de existência vem no
sentido de contribuir na formação da classe trabalhadora e na efetivação de uma
proposta de desenvolvimento que desconstrua a lógica degradante e excludente
viabilizada pelos grandes projetos (agro/hidronegócio, mineração, eólicas). Nesse
sentido, as ações educativas propostas e desenvolvidas pelo Instituto visam construir
uma transição paradigmática, valorizando as particularidades e as potencialidades da
região, a desconstrução de estereótipos equivocados e a proposição de soluções viáveis
e contextualizadas.
A consolidação da convivência com o Semiárido é uma missão que vem sendo
construída por um conjunto de sujeitos, a exemplo da Articulação do Semiárido (ASA)
e da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB), que acreditam em um projeto
de sociedade alternativo, onde as pessoas tenham oportunidades iguais, direitos
assegurados, condições de vida digna, participação política ativa e sustentabilidade
ambiental.
As experiências educativas desenvolvidas pelo IRPAA bebem na fonte dos
princípios da Educação Popular, da vivência dos CEB’s e das experiências de luta trazidas
pelos povos do Semiárido. A proposta pedagógica da ECSA é fruto de um longo trabalho
de formulação, experimentação e vivência acerca dos temas relacionados à convivência
com o semiárido como a terra e do território, o clima e a água, a produção agropecuária
apropriada e agroecológica, a educação contextualizada, a comunicação popular etc.
A sistematização da experiência educativa realizada dentro da ECSA ajuda
a disseminar um processo que vem contribuindo decisivamente na formação de
multiplicadores/as de um novo projeto para o Semiárido, em especial de jovens do
campo. A troca de saberes, a construção de conhecimentos e a gestão compartilhada
são aspectos significativos e exitosos vividos dentro da ECSA. O protagonismo dos
sujeitos envolvidos no processo formativo e suas experiências acumuladas ao longo
da vivência dentro da escola nutrem de esperança os que dia a dia sofrem nas garras
da opressão.
Ao confrontar os altos índices de exclusão e desigualdade social que afetam a
juventude do campo, em especial a que vive no semiárido, é fundamental a realização
de uma ação positiva no intuito de contribuir com a conscientização da juventude, para
que ela compreenda seu potencial sociopolítico, se reconheça como sujeito de direito,
e entenda a importância de seu envolvimento na vida política da sua comunidade e da
sociedade em geral.
Sendo assim, percebe-se que a realização da ECSA tem dado uma contribuição
política e pedagógica, pois tanto possibilita o acesso da juventude a informações/
técnicas/formações que lhe servirão de base para continuidade de ações voltadas para
divulgação e consolidação da proposta de convivência com o semiárido, como amplia as
possibilidades de incidência política que esses/as jovens terão ao retornarem para suas
regiões.
É válido destacar que após anos de ECSA, identificou-se que a participação
da juventude gera resultados importantes, no entanto é necessário apontar os
principais obstáculos vividos, e aqui destacamos três: o primeiro deles é quanto ao
acompanhamento dessa juventude no dia a dia da sua comunidade e de como eles/as
estão se envolvendo (e sendo envolvidas pelos mais experientes) nas decisões políticas
da sua comunidade, dentro das associações.
O segundo desafio que se identifica é a resistência que esses/as jovens
sofrem ao tentarem se inserir nas instâncias políticas, seja nos conselhos municipais ou
estaduais, em organizações políticas, em grupos autônomos etc.
O último está relacionado com as possibilidades que as organizações sociais
(associações, cooperativas, sindicatos, Ong’s etc) têm em acolher e proporcionar uma
atuação profissional para esses/as jovens. Esses elementos apontados demonstram
o desafio que a juventude tem para vivenciar seu protagonismo político e sua
autonomia.
Para concluir é importante destacar a contribuição política que os segmentos
sociais do campo e da cidade, além de algumas instituições do poder público, vem
dando para efetivar o paradigma da convivência com o semiárido. Está na ordem do
dia um contínuo processo formativo de agentes multiplicadores/as de um projeto de
solidariedade entre os povos do semiárido, de soberania popular e de vida próspera.
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Projeto Universidade para Todos na Comunidade Quilombola de Praia
Grande, Ilha de maré – do desafio de sua implantação ao resultado do
primeiro ano das cotas quilombolas na UNEB
Anderson Souza Viana
RESUMO
Este trabalho é um relato da experiência da primeira turma do projeto de
pré-vestibular gratuito - Universidade para Todos - em Ilha de Maré, ambiente insular
da cidade de Salvador, Bahia. O projeto é uma ação da política de ações afirmativas
com vistas a reparação e inclusão social, do governo do Estado da Bahia, direcionada
a estudantes concluintes e egressos do ensino médio da rede pública estadual, tendo
como objetivo preparar os alunos para os processos seletivos de ingresso ao ensino
superior. Um dos destaques dessa experiência é o fato desse polo piloto ser implantado
na Comunidade de Praia Grande, que pertence ao Território Quilombola da Ilha de
Maré – conjunto de comunidades que é reconhecido e certificado como Comunidades
Remanescente de Quilombos (PALMARES, 2018). Falo em destaque considerando
que, lamentavelmente, nas comunidades quilombolas, em todo território brasileiro,
o déficit de escolas é expressivo e, quando se faz presente, na maioria dos casos,
sua estrutura e as condições de seu funcionamento são muito precárias (CAMPOS;
GALLINARI, 2017). O relato pretende descrever como foi desenhado o percurso do
processo, desde o seu início em 2016, a apresentação da demanda pelas lideranças
e o diálogo com a Universidade do Estado da Bahia (UNEB); o diagnóstico do local e
estrutura para funcionamento do curso, o contato com a comunidade e as parcerias
com órgãos públicos estaduais e municipais; a seleção dos professores e dos alunos;
o enfrentamento dos desafios do percurso: as condições de funcionamento do curso,
a baixa autoestima e a evasão dos cursistas; os resultados gerados de 2016 até 2018,
ano de implantação do sistema de reserva de sobrevagas quilombolas nos processos
seletivos de ingresso nos cursos ofertados pela UNEB. Os resultados apontam para a
busca de superação de desigualdades sociais, nesse caso, caracterizada pelo acesso
ao ensino superior, além de referenciar a necessidade de fortalecimento do Projeto
por meio de ações e atividades que ampliem seu campo de alcance para as demais
comunidades da Ilha de Maré.
Palavras-chave: Ações afirmativas. Educação Quilombola. Pré-Vestibular. UNEB.
Introdução
Ilha de Maré, musicalmente conhecida na voz de Beth Carvalho, na canção de
mesmo nome, composta por Walmir Lima - “ah, eu vim de Ilha de Maré minha senhora,
pra fazer samba na lavagem do Bonfim”, é o cenário no qual aconteceu essa experiência.
Ambiente insular é uma das 03 ilhas, assim como Ilha dos Frades e Bom Jesus dos Passos,
ambas pertencentes ao município de Salvador, Estado da Bahia. Está localizada na Baia
de Todos os Santos, com extensão de 13.87 km² ou 1.378,57 ha e, uma população de
6.434 habitantes, dos quais 88,6% residem na área considerada urbana e 11,4% na área
rural, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), (2010).
As principais atividades econômicas da região são a pesca artesanal, a atividade
de marisqueiras, exercidas pelas mulheres, e o artesanato de cestos e sacolas feitos com
a fibra de um tipo de capim, chamado de cana brava, muito comum na Ilha (IBGE, 2018).
A Ilha é composta por 11 comunidades: Bananeira, Ponta Grossa, Porto dos Cavalos,
Martelo, Praia Grande, Santana, Itamoabo, Neves, Botelho, Maracanã e Caquende
(ESCUDERO, 2011), sendo que apenas 5 dessas são certificadas como Comunidades
Remanescentes de Quilombos pela Fundação Palmares (PALMARES, 2018).
Apesar de ser território pertencente à capital do Estado da Bahia, que é
possuidora do maior Produto Interno Bruto (PIB) do Estado, a Ilha conta com apenas
7 escolas municipais, localizadas nas comunidades de Botelho, Santana, Praia Grande,
Porto dos Cavalos e Bananeiras para a totalidade do público das 11 comunidades (BRASIL,
2019). Quase todas as escolas existentes na Ilha atendem apenas à Educação Infantil e
o Ensino Fundamental I (1º ao 5º anos). Quanto à oferta do ensino fundamental II (5º
ao 9º anos) é realizada somente na Escola Municipal de Ilha de Maré, situada em Praia
Grande, sendo que, para cursar o Ensino Médio, os alunos têm que se deslocar de barco
em uma viagem de 45 minutos até o bairro de Paripe, localizado na parte continental de
Salvador ou viajar também de barco até a cidade vizinha, Candeias. Um dos destaques
da experiência aqui narrada e analisada é o fato desse polo-piloto ser implantado na
Comunidade de Praia Grande, que pertence ao Território Quilombola da Ilha de Maré
– conjunto de comunidades que é reconhecido e certificado como Comunidades
Remanescente de Quilombos.
Falamos em destaque considerando que, historicamente, nas comunidades
quilombolas em todo território brasileiro, o déficit de escolas é expressivo e, quando se
faz presente, na maioria dos casos, sua estrutura e as condições de seu funcionamento
são muito precárias (CAMPOS; GALLINARI, 2017). Nas comunidades quilombolas, assim
como em toda a Ilha, o cenário não é diferente dos dados publicados pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), (2014), o qual revelou uma tendência
de abandono da educação escolar pelos moradores à medida que vão se aproximando
da idade adulta.
A pesquisa diagnosticou o perfil dos estudantes da Ilha de Maré de acordo com
a idade, que se comporta da seguinte forma: a proporção de crianças de 11 a 13 anos
frequentando os anos finais do ensino fundamental é de 77,44%; o percentual de jovens
de 15 a 17 anos com ensino fundamental completo é de 36,33%; e a proporção de
jovens de 18 a 20 anos com ensino médio completo é de apenas 15,13% (PNUD, 2014).
Essa realidade implica em consequências de diferente ordem e grandeza e sinaliza a
necessidade de estudos e ações de intervenção que não só discutam a profundidade
dos impactos negativos para os moradores dessas comunidades, mas que também
exponham e reivindiquem, com urgência, a necessidade de intervenções que sejam
reparadoras.
Este trabalho é um relato da experiência do projeto do pré-vestibular gratuito
- Universidade para Todos – (UPT), em Praia Grande - Ilha de Maré, o qual tem como
objetivo descrever como foi realizado o percurso e os resultados gerados no período de
2016 a 2018, analisando os desafios de sua implantação e o resultado do primeiro ano
da política de cotas no formato de sobrevagas quilombolas na UNEB.
Os dados apresentados têm como referência o desempenho dos cursistas nos
processos seletivos – vestibular da UNEB, correspondentes aos três anos do projeto no
polo. Para a turma que funcionou no ano de 2016, foi considerada a participação dos
cursistas no Vestibular 2017, sendo que para a turma de 2017 foi analisado o desempenho
no vestibular 2018 e, finalizando a avaliação, para a turma que funcionou no ano de
2018, o respectivo vestibular do ano de 2019. Objetivando a coleta de depoimentos
dos cursistas, que também serviram como dados para a discussão da experiência, foi
realizado um questionário com os representantes de cada turma, que responderam à
seguinte pergunta: qual a importância do projeto Universidade Para Todos para você e
sua comunidade?
2016 – A implantação
Em 2016, a partir de contato entre representantes das Comunidades
Quilombolas de Portos dos Cavalos e Bananeira em Ilha de Maré, junto à coordenação
geral do projeto UPT e reitoria da UNEB, foi deferido o pedido de criação de um polo
piloto em uma comunidade quilombola de Ilha de Maré. Após aprovação em processo
de seleção interna da UNEB, fui convidado para colaborar como gestor do polo, além de
integrar a comissão composta por representantes da Secretária Municipal de Reparação
(SEMUR), Secretaria Municipal da Educação do Salvador (SEC) e da Coordenação Geral
do Projeto UPT na UNEB, que iriam atuar no diagnóstico do local que correspondesse às
condições necessárias para a implantação e funcionamento do Projeto em Ilha de Maré.
Após parceria com a SEMUR e SEC, da prefeitura municipal de Salvador, ficou
estabelecido que o polo funcionasse na comunidade de Praia Grande que, assim como
Ponta Grossa, Martelo, Porto dos Cavalos e Bananeiras, integram o Território Quilombola
da Ilha de Maré – conjunto das comunidades da Ilha de Maré que é reconhecido e
certificado pela Fundação Palmares como Comunidades Remanescentes de Quilombos.
Com uma população de aproximadamente 2.000 habitantes, Praia Grande
representa 30% de todo contingente populacional da Ilha de Maré, e, consequentemente,
também é a comunidade com o maior número de pessoas que apresenta o perfil exigido
como pré-requisito para compor a turma do Pré-Vestibular. Possui escolas municipais,
associação de moradores e pescadores além dos únicos estaleiros e Posto de Unidade
de Saúde da Família (USF) da Ilha.
Em 2016, a comunidade havia acabado de receber a recém-construída
Escola Municipal Ilha de Maré, escola com uma excelente infraestrutura com
padrões modernos de arquitetura e acessibilidade e amplo espaço, medindo
um total de 9.450 m² de área, podendo atender a 700 alunos por turno. A
referida unidade escolar tem 14 salas de aula, refeitório, cantina, depósito de
merenda, auditório, lavanderia, laboratório de informática, sala de artes, salas da
secretaria, coordenação, professores e diretoria, bem como, depósito para material
didático, quadra poliesportiva, área de leitura, alojamento para os professores e parque
infantil, além de banheiros feminino e masculino. A obra foi promovida pela Prefeitura
do Salvador, por meio da Secretaria Municipal da Educação, com um investimento
aproximado de R$ 5 milhões.
Após um período de 15 dias de divulgação do projeto, foi iniciado o período
de matrícula dos interessados. Além da divulgação, foram realizadas rodas de conversa
com os moradores da comunidade, reforçando a importância da adesão do público ao
projeto, a fim de garantir não apenas a sua permanência, mas também a multiplicação
da experiência em outras comunidades da Ilha de Maré. Um dos desafios foi a descrença
por parte da população, questionando se um projeto como esse realmente seria uma
realidade na comunidade, em função de estarem desassistidos de necessidades que são
básicas, como, por exemplo, a oferta do ensino médio na Ilha. Concluímos as matrículas
com 64 cursistas, formando uma turma composta, em sua maioria, por jovens cuja
média de idade era 17 anos.
A obrigatoriedade para os jovens de atravessar a Ilha para estudar em bairros
do Subúrbio Ferroviário de Salvador dificulta para que eles sejam pontuais e regulares no
curso preparatório. A distância, o tempo e o cansaço eram desafios para os cursistas que,
mesmo estudando em turno oposto ao projeto que funciona pela tarde, considerando
que para estarem na escola às 07h30, no período matutino, eles têm que acordar por
volta das 05h30 para se arrumarem e realizar uma refeição, estar no píer no máximo às
06h30 para pegar a embarcação e fazer um trajeto de 45 minutos de travessia marítima,
até chegar ao terminal marítimo de Salvador e seguirem para a escola. Quando retornam
para a Ilha, cansados da maratona, já é início da tarde, o que acarreta em faltas e atrasos
no acompanhamento das aulas iniciais no turno vespertino (VIANA, 2018).
Foto 1 - imagens da escola e registros de aula da turma de 2016
15 Auxílio (feito pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS), que os pescadores artesanais e as marisqueiras
recebem durante o período de quatro meses que corresponde aos meses em que suas atividades são suspensas
por conta do período reprodutivo dos peixes e outras espécies marinhas.
motivacional dos cursistas, no período da inscrição no vestibular, fizemos palestras
específicas para orientar os cursistas quanto a sua vocação profissional, levando
profissionais, alguns que são egressos como alunos do próprio Projeto, os quais
dialogaram sobre as dificuldades que tiveram ao tentar ingressar na universidade e quais
estratégias adotaram para conseguir a aprovação.
No processo seletivo do vestibular para o ingresso na UNEB, em 2017, para os
cursistas do polo, havia apenas a opção de cotas de vagas para negros, no qual 40% do
quantitativo de vagas eram reservadas para os candidatos que são e se autodeclarem
negros e que tenham estudado todo ciclo do ensino fundamental II e do ensino médio
em escola pública e tenha renda bruta familiar em até 04 salários mínimos. Dos 55 que
se inscreveram no vestibular, 42 compareceram para fazer a prova, 13 faltaram, 39 não
tiveram pontuação suficiente para se classificarem dentro do número de vagas e 03
foram aprovados.
Entre os aprovados, estava Renato, de 29 anos, líder comunitário que ocupava
o cargo voluntário de diretor-tesoureiro no Instituto de Pesca Artesanal (IPA). Além de
ser um dos responsáveis pela efetivação do Projeto na comunidade, estava sempre
envolvido com as demandas do funcionamento do curso, também de modo voluntário.
Na contramão da maioria, Renato conseguiu conciliar o trabalho de apoio ao
Projeto com a participação como cursista nas aulas, sendo aprovado no vestibular para
cursar na UNEB a licenciatura em Ciências Sociais, atualmente cursando o 5º semestre.
Ele continua envolvido com o desenvolvimento do UPT no polo e compõe a coordenação
da Casa do Estudante Quilombola de Ilha de Maré16, que é mais uma das conquistas
dessa turma de 2016, que o projeto proporcionou em mais uma parceria com a SEMUR.
Para Haiala, manicure e aluna do projeto na turma de 2016, aprovada em 2ª
lugar no vestibular da UNEB, em 2017, para cursar enfermagem, a casa facilitou sua
permanência e a regularidade nas aulas. Inicialmente ela teve que dividir uma casa
alugada junto com a irmã na região da Suburbana, que fica distante do bairro do Cabula,
onde está localizada a UNEB. “Passei a dividir aluguel com minha irmã, mas ainda assim
era difícil por ser longe e ter que pegar dois ônibus até a universidade”, comemorou a
16 Inaugurada em 2018, a casa fica localizada na Rua Doutor Otaviano Pimenta, no bairro de Matatu de Brotas
sendo destinada aos estudantes quilombolas de Ilha de Maré que estejam matriculados em cursos de graduação
em universidades públicas. Possui capacidade para 30 pessoas, com infraestrutura e mobiliário adequado para a
convivência dos estudantes, além de sala de estudo com equipamentos de informática.
estudante. A relação dos aprovados da turma de 2016, todos para a UNEB – Campus
Salvador, encerrou-se com a convocação de Nayara para cursar Administração.
A tabela abaixo apresenta os resultados gerais da turma, que encerrou seu ciclo
de atividades em dezembro de 2016.
Tabela 1 - Resultados gerais da turma
RESULTADO DO VESTIBULAR DA UNEB -
POLO UPT PRAIA GRANDE/ILHA DE MARÉ - ANO: 2017
POLO: PRAIA GRANDE ILHA DE MARÉ
ALUNO CURSO MÉTODO DE ENTRADA CATEGORIA
Haiala Carvalho do Enfermagem - Vestibular – Uneb: I
Cotista negro
Espirito Santo bacharel Semestre
Nayara Do Administração - Vestibular – Uneb: I
Cotista negro
Nascimento Neves bacharel Semestre
Renato das Neves Ciências sociais - Vestibular – Uneb: I
Cotista negro
Paulo licenciatura Semestre
TOTAL DE INSCRITOS: 55 FALTOSOS: 13 REPROVADOS: 39 APROVADOS: 03 (03/39: 7%)
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Campo: Ataques do Conservadorismo e Experiências Contra-Hegemônicas - v. 2, n. 1,
2018.
Práticas educativas desenvolvidas nas comunidades camponesas
pelos estudantes das Escolas Família Agrícolas
Gilmar dos Santos Andrade
Resumo
As Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) têm 90 anos de história. No Brasil,
as EFAs estão completando 50 anos de uma educação pautada na Pedagogia da
Alternância, experiência educativa que articula tempos e espaços formativos com um
projeto de campo. São instituições educativas que contribuem para formar sujeitos
comprometidos com a transformação da realidade, em que estão inseridos. Das
bases constitutivas da Pedagogia da Alternância e das escolas famílias encontram-se
a intrínseca relação entre escola, família/comunidade. Entre os fatores determinantes
para o processo de ensino e aprendizagem dos estudantes da EFAs, destacam-se os
instrumentos pedagógicos, os quais são estratégias pedagógicas desenvolvidas pelas
EFAs. Este trabalho tem o objetivo de apresentar um destes instrumentos pedagógicos
denominado de Atividade de Retorno (AR) e como as atividades decorrentes
contribuem para a formação técnica, política e organizativa das comunidades
camponesas. Em um primeiro momento as AR são recursos formativos das EFAs que
buscam fazer com que os estudantes possam compreender a realidade concreta das
comunidades e a partir daí, realizar trabalho produtivo desinteressado, isto é, não
imediatamente profissionalizante, contudo, as AR também têm sido valiosos espaços
de formação política e de construção e divulgação de tecnologias que possibilitam a
transição agroecológica nos agroecossistemas familiares.
Palavras Chave: Pedagogia da Alternância. Instrumentos Pedagógicos. Atividade de
Retorno. Educação do Campo.
Introdução
As Escolas Famílias Agrícolas (EFAs), são instituições educacionais e de
desenvolvimento comunitário, com trajetória de quase 90 anos; encontram-se presente
em mais de 40 países, distribuídos em todos os continentes. A primeira experiência no
Brasil teve início no Espírito Santo, no fim da década de 1960, e rapidamente se espalhou
para outros estados, deste então, tem se consolidado como referência na Educação do
Campo.
Quando nos reportamos às EFAs, de imediato nos remete à Pedagogia da
Alternância, ou seja, a forma de organização do ensino e da aprendizagem, em que
o estudante permanece um tempo na escola, um tempo na família ou em atividades
didaticamente apropriadas fora da escola (NOSELA, 2013), ou seja, a dinâmica de dois
momentos formativos, em que o estudante permanece um período na escola e o outro
no meio socioprofissional. Estes tempos são conhecidos por Tempo Escola (TE) e Tempo
Comunidade (TC).
A identificação de EFA com a Pedagogia da Alternância se deve ao fato das
escolas famílias terem aperfeiçoado essa prática pedagógica, em grande parte, devido
à construção de um conjunto de estratégias metodológicas denominados como
Instrumentos Pedagógicos. Se de um lado a Pedagogia da Alternância continua sendo
uma novidade histórica para as escolas do campo, de outro já é uma realidade presente
em diversos cursos de nível superior, principalmente vinculados ao Programa Nacional
de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) e às Licenciaturas em Educação do Campo
(LECAMPO).
Dentre as características que identificam as EFAs estão: a metodologia
pautada no princípio da Alternância; uma Associação responsável pelos diversos
aspectos: econômicos, jurídicos, de gestão, etc.; a educação e a formação integral e o
desenvolvimento do meio, através da formação de seus próprios atores (CALVÓ, 1999).
Nesse sentido, para os estudantes que procuram as EFAs, buscam num nível imediato
e superficial de consciência e em curto prazo, garantir uma profissão rentável, mas, em
profundidade, buscam o conhecimento que historicamente lhe foi negado (NOSELLA,
2013), já para as famílias e comunidades camponesas, as EFAs são organizações
comprometidas com a melhoria das condições de vida.
Das diversas possibilidades de abordar a experiência desenvolvida pelas
EFAs, o presente trabalho pretende discorrer sobre as atividades desenvolvidas, pelos
estudantes das EFAs, no acompanhamento às comunidades camponesas, a partir do
instrumento pedagógico denominado de Atividade de Retorno (AR), e como essas
atividades contribuem para a formação técnica, política e organizativas das comunidades.
Na primeira parte do trabalho, apresentamos as condições históricas que
possibilitaram o surgimento da Pedagogia da Alternância e das Escolas Famílias Agrícolas,
inicialmente na França e posteriormente no Brasil. Na segunda parte, destacamos a
Alternância enquanto proposta metodológica aperfeiçoada pelas EFAs, que por sua
importância no processo formativo, vem sendo utilizada em diversos cursos de ensino
superior. E, por último, apresentamos e analisamos as Atividades de Retorno realizadas
pelos estudantes das EFAs e sua contribuição nos processos formativos dos camponeses
e do desenvolvimento comunitário.
17 De acordo com Begnami (2003, p. 104), a utilização da sigla CEFFA (Centro Familiar de Formação por
Alternância) “é uma convenção acordada entre a União Nacional das Escolas família-Agrícola do Brasil – UNEFAB,
Associação das Casas Familiares Rurais - ARCAFAR e o PROJOVEM. Este nome tem sido utilizado em comunicações,
audiências com autoridades e documentos comuns, apresentados a órgãos públicos pelas diversas instituições
que utilizam a Pedagogia da Alternância no Brasil. Na verdade, o Brasil comporta uma série de experiências com
denominações variadas, quais sejam: Escola Família Agrícola (EFA), Casa Familiar Rural (CFR), Escolas Comunitárias
Rurais (ECOR), Escola Familiar Rural e Projovem”. A partir de agora ao utilizarmos Pedagogia da Alternância em
referência as Escolas Famílias Agrícolas não usaremos o termo CEFFA. Isso porque não é objeto desse trabalho
investigar as características especifica dessas experiências.
camponeses e suas organizações criam a primeira experiência dessa escola, a “Maison
Familiale Rurale” (MFR), ou Casa Familiar Rural, à qual passou a utilizar uma metodologia
de organização do ensino e aprendizagem que passaria a ser conhecida como Pedagogia
da Alternância.
No período de surgimento das EFAs na Europa, a França, assim como na maioria
dos países do continente europeu, encontravam-se em um clima de antagonismo
político e ideológico. De um lado havia um crescimento do nazifascismo, em espacial
na Alemanha, Itália e Espanha, do outro havia o pensamento socialista, nacionalista e
social cristão18 que disputam setores da sociedade. No campo francês muitas lideranças
e organizações camponesas eram influenciadas pelo pensamento social e às propostas
da democracia cristã (BEGNAMI, 2003). Para a criação das primeiras EFAs e estruturação
desse movimento houve a contribuição de setores progressistas da Igreja Católica.
Essa influência da igreja, é também determinante no surgimento da EFAs no Brasil, no
período entre 1960 e 1970.
As EFAs surgem no Brasil no auge da ditadura civil militar, segunda metade
da década de 60, no estado do Espírito Santo. O país encontrava-se no auge do
“milagre econômico”, o que servia também como cortina de fumaça para o período
mais repressivo da história do país, os Anos de Chumbo19. No campo brasileiro as
organizações camponesas são reprimidas e abre espaço para o avanço do capitalismo.
Em contraponto à Reforma Agrária, o governo adota a “modernização da agricultura”, a
difusão da chamada revolução verde, ou seja, “acepção prática da utilização do pacote
tecnológico; máquinas, insumos químicos, sementes melhoradas” (ALANTEJANO, 2012,
p. 478), impulsionada pelas multinacionais e pelo capital financeiro.
Se o contexto político do país é adverso ao surgimento das EFAs, no campo
educacional havia muitas experiências de Educação Popular e das Comunidades Eclesiais
de Base (CEBs), que vão fortalecer as experiências das EFAs no Brasil e criar as condições
para a ampliação para outros estados do país.
18 Em 1891, o papa Leão XIII (1878-1903), sensibilizado pela “condição dos operários” lança a encíclica Rerum
Novarum. Com esse documento a Igreja Católica Apostólica Romana – ICAR assume a questão social. Nesse
momento a questão agrária e a situação dos camponeses não constitui a preocupação principal da Igreja. Pouco
depois o papa Pio XI (1922-1939), com a encíclica social Quadragesimo anno, contribui para o surgimento da Ação
Católica Geral e na sequência com a Ação Católica Especializada. Esse é um período que a ação da Igreja vai de
encontro à situação dos camponeses (PJR, 2012, p. 5-6).
19 Designação dada ao período correspondente a adição do AI 5 em dezembro de 1968, ao fim do mandato do
ditador Médici em 1974. É o período de maior repreensão as organizações e pessoas opositoras ao regime.
Por muitos anos as EFAs foram às experiências mais bem sucedidas de Educação
do Campo no país e em muitos lugares as únicas. Essas experiências foram pioneiras e
ao mesmo tempo um movimento de resistência à educação urbanocêntrica implantada
no campo. As oligarquias propuseram e implantaram uma educação rural ancorada nos
valores e conteúdos próprios da cidade, em detrimento das especificidades da vida e do
trabalho exercida pelas famílias no campo (KOLLING, CERIOLI, CALDART, 2002).
Em um movimento de contra-hegemonia, as organizações, entidades e
movimentos sociais de luta pela terra, nos últimos 20 anos, veem alargando a luta e
construindo uma prática e concepção de educação, que emerge das contradições da
realidade vivida no campo, no enfrentamento à questão agrária e pela consolidação da
educação como um direito fundamental dos povos do campo e um dever do Estado
(SILVA, ANDRADE, LIMA, 2018), assim a Educação do Campo nasce como ação educativa
desenvolvida junto às populações do campo, que se fundamentam em práticas sociais
constitutivas dessas populações, de seus conhecimentos, habilidades, sentimentos,
valores, modo de ser, de viver e de produzir formas de compartilhar a vida (BRASIL, 2002),
numa perspectiva emancipadora. Nesse sentido, o movimento por uma Educação do
Campo é uma continuidade da concepção pedagógica das EFAs, com a devida ressalva,
de que o atual movimento por uma Educação do Campo possui, devido o protagonismo
dos movimentos sociais e o atual contexto histórico que emerge essa proposta, uma
articulação com um projeto de sociedade.
20 Determinadas instituições preferem utilizar o termo Regime da Alternância para diferenciar da Pedagogia da
Alternância desenvolvida e utilizada pelas EFAs.
A utilização da Alternância em cursos promovidos por outras instituições, além
das EFAs é uma novidade pedagógica que deve ser vista, pelo movimento das EFAs,
como uma oportunidade de ampliar e divulgar essa metodologia de ensino, o que pode
contribuir para dá maior visibilidade política às EFAs, já que nestes quase 50 anos no
Brasil, não gozam do devido reconhecimento pelos sujeitos envolvidos com a educação
e menos ainda com o Estado. Uma segunda possibilidade, quanto à disseminação da
Alternância, é seu aperfeiçoamento. As EFAs desenvolveram uma metodologia com
características próprias: instrumentos pedagógicos, atividades, material didático,
procedimento etc. (CALVÓ; GIMONET, 2013), que se adequa a organização temporal
e espacial do ensino-aprendizagem às realidades especificas dos diversos sistemas de
alternância21 das EFAs, o que certamente precisará de aperfeiçoamento para outras
dinâmicas, como os cursos de nível superior.
Pelo menos uma ressalva se faz necessário quanto à modalidade e a forma
como determinadas Instituições de Ensino Superior utilizam a Pedagogia da Alternância
em seus cursos. O processo de acompanhamento dos estudantes no tempo comunidade
e sua implicação no processo formativo.
Para que a Alternância possa de fato cumprir a função pedagógica, em cursos
de graduação, é determinante estratégias de articulação dos conteúdos trabalhados nas
disciplinas durante o tempo universidade com as ações e atividades desenvolvidas no
tempo comunidade pelos estudantes e também mecanismos de acompanhamento aos
estudantes. A ausência de relação entre a formação acadêmica e as atividades práticas
é o que Malglaive (1979) apud Calvó, Gimonet (2013) chama de falsa alternância. As
comunidades, acampamentos, assentamentos, comunidades tradicionais, não devem
ser consideradas como um simples objeto de pesquisa e estudo, mas base, ponto de
partida, para o desenvolvimento do ensino na academia. Da mesma forma, a Alternância
não pode ser utilizada para reduzir custo das universidades, via encurtamento do tempo
universidade e a consequência precarização do ensino público, principalmente, para
aqueles que mais precisam de acesso à universidade e que compõe a maioria desses
cursos, a juventude camponesa mais pobre.
21 Há dois principais tipos de período de Alternância com internato. Alternância de 15 dias no Tempo Escola
(TE) e 15 no Tempo Comunidade (TC) e Alternância de 8 tanto no TE como TC. Determinadas EFAs, em especial no
Espírito Santo, tem a modalidade de Alternância sem internato, nesse formato aos estudantes permanece com o
dia na EFA e retornam as famílias durante a noite. Um elemento que define essa modalidade sem internato é que
são EFAs que atendem estudantes de comunidades próximas, possível de se deslocarem diariamente.
A Pedagogia da Alternância, não é e nem deve ser exclusividade das EFAs, tão
pouco as únicas entidades que podem fazer uso com competência dessa metodologia de
ensino, o que defendemos é que todas as propostas construídas pela classe trabalhadora
possam ser utilizadas a favor do projeto de classe e às formas de deturpação, que a classe
hegemônica faz, precisam ser enfrentadas. Quando tudo for Pedagogia da Alternância,
não o será.
22 Para melhor exemplificar a Atividade de Retorno, recorro à experiência da Escola Família Agrícola do Sertão
(EFASE), realizada no ano de 2017. A partir desse momento os temas e a metodologia descrita terão por base a
EFASE.
plantas medicinais e remédios caseiros; vermífugos naturais etc. Há, também, temas
que visam conter o avanço do capital no campo, como o uso de agrotóxicos; mineração
e energia eólica em comunidades tradicionais de Fundo de Pasto e Assentamentos. E,
por último e não menos importantes, são os temas escolhido em função da conjuntura
política e econômica, a exemplo da campanha contra a Reforma da Previdência e o
retrocesso nas políticas públicas promovida pelo governo e etc..
O passo seguinte, consiste na organização sequencial e estudo desses temas
na escola e durante o Tempo Comunidade; os estudantes passam a desenvolver, junto
aos agricultores, as atividades planejadas. AR, necessariamente, precisa da participação
da comunidade, seja na definição dos temas que consideram mais importantes num
dado momento, ou na realização das atividades que os educandos trazem como retorno
à comunidade. Na maior parte dos casos, as propostas que os camponeses definem
para os estudantes desenvolverem, são atividades ligadas diretamente às demandas
imediatas das comunidades. Com a inserção dos estudantes nas atividades e espaços
organizativos das comunidades, a confiança entre estes sujeitos vai estabelecendo as
condições para a discussão e enfrentamento de questões mais complexas e de maior
empenho organizativo e posicionamento político.
No retorno da sessão os estudantes socializam e sistematizam os resultados
do trabalho. O tema de estudo não se encerra com a sessão, outras atividades podem
decorrer a partir da necessidade. Um elemento que deve ser considerado, tanto no
encaminhamento quanto na avaliação das atividades, refere-se às diversas realidades
das comunidades de origem dos estudantes, isso define em grande parte a qualidade e
eficiência da ação proposta. Outro aspecto, é a diversidade regional e as características
de produção de cada comunidade. É comum ocorrer que em um município encontre-se
duas ou mais regiões diferenciadas de produção, nesse sentido, precisa considerar esses
elementos, ou seja, “precisa considerar ritmos e processos diferenciados, pelas lógicas
diferentes dos espaços em que se realiza” (CALDART, et al, 2013, p. 147).
As AR, não são meramente uma tarefa a ser cumprida pelos estudantes no
tempo comunidade, é um compromisso dos estudantes e da escola em fomentar
processos organizativos, momentos de formação e produção do conhecimento com
os camponeses e contribuir para o desenvolvimento dessas comunidades, ao mesmo
tempo em que possibilita, aos estudantes, compreenderem a realidade dessas
comunidades e agir enquanto educadores populares.
Considerações Finais
As EFAs estão completando 50 anos de sua presença no Brasil, neste
período têm se destacado enquanto instituições educacionais e de promoção
do desenvolvimento sustentável das comunidades camponesas, mediante uma
educação comprometida com a formação de sujeitos, que possam, a partir se
sua intervenção, transformar as condições em que estão inseridos. Diante do
enfrentamento ao avanço do capitalismo no campo e suas consequências para a
classe trabalhadora, a Educação do Campo, que as EFAs realizam. contribui para que
os estudantes possam se inserir em organizações e movimentos sociais, ao mesmo
tempo em que pela atuação, esses estudantes, vêm contribuindo para processos
formativos nas comunidades e construindo e divulgando práticas e experiências de
transição agroecológica.
A novidade pedagógica das EFAs tem sido sua metodologia de Alternância
no processo de ensino e aprendizagem, a qual visa criar valores fundamentais do
humanismo, auxiliando os estudantes na identificação de suas individuais inclinações
intelectuais, morais e sociais, por meio de uma orgânica e refletida articulação entre
escola, família e território socioprodutivo (NOSELLA, 2013).
O objetivo do trabalho foi apresentar as formas como os estudantes das
EFAs desenvolvem atividades de acompanhamento às famílias e comunidades
camponesas, a partir do instrumento pedagógico Atividade de Retorno (AR). As AR
têm fundamentalmente uma finalidade pedagógica para as EFAs. Porém, as ações
realizadas com as famílias camponesas têm se constituído em importantes momentos
de formação técnica, política, organizativa e de transição agroecológica para as famílias
e comunidades.
Constatou-se que dentre os resultados apresentados pelas AR, a principal tem
sido a relação mais orgânica entre as famílias/comunidades e as escolas famílias agrícolas
e em função das ações, que os estudantes realizam, durante o tempo comunidade. Um
segundo aspecto é o caráter formativo, para as famílias em especial, das atividades que
os educandos promovem e nesse sentido, as EFAs têm se constituído em importantes
organizações da classe trabalhadora, que fazem avançar o projeto de campo articulado
com um projeto de sociedade.
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(prelo).
ESCOLA DAS ÁGUAS: UMA EDUCAÇÃO PELAS ÁGUAS
Edielso Barbosa dos Santos
Merivaldo Menezes de Salles
Maurício Sacramento Santos
Kássia Aguiar Norberto Rios
Taíse dos Santos Alves
Resumo
A Escola das Águas é um projeto que tem origem nos sonhos e desejos de
Dona Maria do Paraguaçu, uma mulher negra, quilombola, militante do Movimento
dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) que tinha dificuldades na escrita, mas
possuía um saber e ampla “leitura de mundo”. Ela via a necessidade das comunidades
tradicionais pesqueiras e quilombolas em adotar uma escola que se adequasse aos
modos de vida, aos horários das marés e à ida para as roças e, para além disso, através do
MPP constituísse num espaço de discussão e fortalecimento da luta dessas comunidades
frente às suas inúmeras contradições. Ou seja, essa escola deveria ter como princípio
a articulação dos conhecimentos científicos e tradicionais em que jovens, adultos e
idosos das comunidades pudessem se apropriar do conhecimento científico, mas sem
distanciá-los das raízes e da rica base de conhecimento empírico presente historicamente
nas comunidades. É desse breve contexto que surge o desejo da escrita desse artigo,
cujo objetivo consiste em explicitar o contexto de criação da Escola das Águas, suas
perspectivas, metodologias, princípios, desafios e principais resultados alcançados no
decorrer dos últimos sete anos. Para tal, recorremos metodologicamente à pesquisa
bibliográfica, documental e entrevistas, em que os depoimentos da coordenação,
estudantes e integrantes das comunidades envolvidas foram a base para articulação e
sistematização das ideias aqui apresentadas.
Palavras-chave: Educação. Escola das Águas. Pescadores (as) Artesanais. Território
Pesqueiro.
Introdução
No Brasil existem, atualmente, cerca de 6 milhões de pessoas que compõem
as inúmeras comunidades tradicionais que se encontram espalhadas pelo país, a saber:
indígenas, quilombolas, fundo e fecho de pasto, caiçaras, extrativistas, pescadores e/
ou ribeirinhos (CPT, 2014). De acordo com a Constituição Federal de 1988, os povos
e comunidades tradicionais são “grupos que possuem culturas diferentes da cultura
predominante na sociedade e se reconhecem como tal” (BRASIL, 1988).
Para Diegues (2000), “um dos critérios mais importantes para definição
de culturas ou populações tradicionais, além do modo de vida, é, sem dúvida, o
reconhecer-se como pertencente àquele grupo social particular (DIEGUES, 2000, p. 84).
Cabe destacar que o modo de vida é compreendido, aqui, como a maneira pela qual
essas comunidades se reproduzem economicamente, socialmente e culturalmente. A
cultura desenvolvida por essas comunidades “se distingue daquela associada ao modo
de produção capitalista em que não só a força de trabalho, como a própria natureza
se transforma em objeto de compra e venda (mercadoria). Nesse sentido, a concepção
e representação do mundo natural e seus recursos são essencialmente diferentes”
(DIEGUES, 2000, p. 21).
Os povos e comunidades tradicionais possuem características comuns que lhes
atribuem o conceito de tradicional, mesmo que tais características não sejam idênticas.
Para Little (2002, p.23), pensar os povos tradicionais pressupõe a existência de fatores
como: a “existência de regime de propriedade comum, o sentido de pertencimento a um
lugar, a procura de autonomia cultural e práticas adaptativas sustentáveis que refletem
pontos comuns de diversos povos e contribuem para a conceituação de populações
tradicionais”. São grupos que “guardam entre si uma história em comum, uma forma
própria de viver e se relacionar com a natureza, [...] tradições, [...] crenças que os
distinguem dos demais membros de outros grupos humanos” (MPP, 2014, p.7).
A relação com a natureza, a forma com que praticam suas atividades produtivas,
o conhecimento sobre os espaços apropriados – território –, a liberdade, a propriedade
dos meios de produção, dentre outras características, asseguram modo de vida
tradicional dessas comunidades, a exemplo das comunidades tradicionais pesqueiras.
Os pescadores artesanais integram as denominadas “sociedades tradicionais”, que são
construídas por “grupos humanos culturalmente diferenciados que historicamente
reproduzem seu modo de vida, de forma mais ou menos isolada, com base em modo
de cooperação social e formas específicas de relações com a natureza, caracterizadas
tradicionalmente pelo manejo sustentado do meio ambiente” (DIEGUES, 2000, p. 58).
No estado da Bahia, de acordo com a última estatística pesqueira, publicada
pelo extinto MPA, existem cerca de 130.641 mil pescadores(as) cadastrados(as) no
Registro Geral da Pesca (RGP) (MPA, 2015). A Bahia ocupa, atualmente, o terceiro lugar
na classificação geral dos estados com o maior quantitativo de pescadores cadastrados
no RGP e o segundo da Região Nordeste, equivalendo a mais de 12% do total cadastrado
no Brasil (MPA, 2015).
Considerada a principal atividade econômica de mais de 600 comunidades
tradicionais que se encontram espalhadas no litoral e ao longo dos rios do estado, a
prática da pesca artesanal é compreendida para além de uma profissão, os pescadores
constroem verdadeiros laços de identidade, pertencimento, respeito e conhecimento
dos espaços historicamente ocupados. “Ser pescador artesanal é tornar-se portador de
um conhecimento e de um patrimônio sociocultural, que lhe permite conduzir-se ao
saber o que vai fazer nos caminhos e segredos das águas, e amparar seus atos em uma
complexa cadeia de inter-relações ambientais típicas dos recursos naturais aquáticos”
(RAMALHO, 2006, p. 52).
A pesca artesanal representa uma arte, que possibilita historicamente a
reprodução social de centenas de famílias. Ser pescador artesanal não se restringe a uma
profissão, há nessa prática a construção de inúmeros laços de identidade, pertencimento
e, principalmente, respeito, pelos diversos espaços historicamente apropriados. Daí
a necessidade de pensarmos o território pesqueiro na sua múltipla espacialidade e
funcionalidade, no qual os espaços marítimos e terrestres representam a base histórica
da sustentação e reprodução social, econômica e cultural dessas comunidades.
Esse cenário está diretamente relacionado a um contexto mais amplo
de negações de direitos que envolve os(as) pescadores(as) artesanais em todas as
esferas das políticas públicas e, dentre elas, a educação, ganhando assim um destaque
significativo. Sobretudo, é importante trazer alguns dados sobre as comunidades
tradicionais pesqueiras na Bahia e no Brasil, para dimensionar a questão educativa
destinada aos pescadores(as) artesanais.
Ao analisarmos algumas informações estatísticas do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) vinculadas ao Ministério da
Educação (MEC) sobre a educação/escola do ano de 2016, em municípios caracterizados
pela presença de comunidades tradicionais, observamos, além da ausência e/ou
precariedade de espaços escolares nas comunidades, um significante número de evasão
e reprovação. Ao dialogarmos com as comunidades sobre esses dados, as respostas são
incisivas, a destacar: i) Não há escola na comunidade; a mais próxima fica a quilômetros
de distância e não há transporte com frequência; ii) as poucas escolas existentes
encontram-se em situação precária e muitas estão fechando; iii) os alunos reclamam
que, na escola, são objetos de piadas e brincadeiras inadequadas por parte de colegas
e professores; iv) não há como trabalhar e estudar; o horário da maré, da roça, do
manguezal não permite estudar no modelo de escola formal.
Este cenário também é confirmado quando observamos os dados de população
alfabetizada e não-alfabetizada do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística - IBGE, cujo resultado aponta altos índices de baixa escolaridade dentro
das comunidades tradicionais e, na distribuição de unidades escolares por localidade
nos municípios. Nessa perspectiva, a fim de explicitar o contexto de criação da Escola
das Águas, suas perspectivas, metodologias, princípios, desafios e êxitos ao longo dos
últimos sete anos, organiza-se este artigo, em duas seções principais: a seção intitulada
Os de ontem e os de hoje: história da escola das águas, em que é traçado um caminho
histórico que se inicia no desejo de Dona Maria do Paraguaçu, até chegar à criação da
Escola das Águas e suas intervenções nas comunidades pesqueiras; e a seção seguinte,
Educação das águas: ações formativas e pedagógicas, em que são apresentadas as
concepções pedagógicas e curricular em torno da Escola das Águas, além de evidenciar
como ocorre seu trabalho pedagógico. Na sequência, para não concluir é uma discussão
que extrapola os limites do presente artigo, é retomada a importância da proposta da
Escola das Águas, através da sua educação das águas, ratificando a necessidade do
diálogo entre a realidade vivenciada pelos(as) pescadores(as) artesanais e o seu trabalho.
A Escola das Águas propõe uma educação “que abala as estruturas” propostas
pela educação formal, já que “caminha” para a abertura da fala, dá voz à população
pesqueira, negra, mulheres e homens, quilombolas, sujeitos historicamente silenciados
na sociedade brasileira. Djmila Ribeiro (2017), ao refletir sobre o lugar de fala, nos
questiona o porquê existe o silenciamento de outras vozes em determinados espaços?
Em um país machista e racista, qual o sujeito autorizado a fala? Por outro lado, quando
há abertura da fala para os sujeitos historicamente autorizados a proferirem as palavras,
se incomodam. Ações educativas, desta natureza, potencializa as falas dos silenciados e
“abala as estruturas” dos lugares em que são produzidas.
Para não concluir...
Luckesi (2001) afirma que a educação tem força. E tem força de redimir
a sociedade. Ao investir seus esforços nas gerações novas, formando suas mentes e
dirigindo suas ações a partir dos ensinamentos, estará sendo adaptada ao ideal de
sociedade através da educação. Nota-se que essa força é reconhecida pelos movimentos
sociais. Cada seguimento potencializa suas bases através das práticas educativas (desde
a educação infantil), investindo em suas escolas, pautando em um currículo que dialogue
com as suas realidades por meio de seus cotidianos praticados e, principalmente, suas
pautas e bandeiras de lutas, por entenderem que isso é um legado na formação dos
sujeitos conscientes, desde suas potencialidades, defensores de suas culturas, suas
identidades de seus territórios, as suas cosmologias e produções.
Assim, a proposta da Escola das Águas, através da sua “educação das águas”,
afirma a necessidade do diálogo entre a realidade vivenciada pelos pescadores(as)
artesanais em seus territórios e, principalmente, com o seu trabalho. Isso é processo
educativo, pois as linguagens do mar possibilitam logo cedo a construção de
entendimentos humanos acerca da natureza marinha e das forças para lidarem com as
águas e compreenderem os tipos de ventos e os movimentos das marés, explicitando
habilidades pesqueiras para ouvir e sentir essas mudanças. Esse diálogo tende a
participação de todos e todas envolvidos(as) buscando estimular a autonomia dos(as)
estudantes, a solidariedade, o respeito aos mais velhos, aos mestres do mar e, de
modo específico, aos saberes dos territórios pesqueiros. E, além disso, propõe uma
educação participativa e cidadã, que busca intervir na sociedade de modo colaborativo
e respeitando as diversidades dos(as) pescadores(as) artesanais.
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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS EMANCIPATÓRIAS E SABERES AMBIENTAIS
DE RIBEIRINHOS DA AMAZÔNIA PARAENSE23
Jenijunio dos Santos
Resumo
O trabalho aqui apresentado que se intitula “Práticas pedagógicas
emancipatórias e saberes ambientais de ribeirinhos da Amazônia paraense” tem como
objetivo fazer uma reflexão de como as práticas pedagógicas podem ser emancipatórias
a medida que reconhece os saberes dos povos ribeirinhos na sua relação com o seu
ambiente, tendo o trabalho como elemento constitutivo de educação e de cultura, dos
quais emanarão os conteúdos escolares necessários para fortalecer a sua identidade
quanto povo amazônida, sendo capazes de enfrentar os ataques mercantilistas em
seu território. Quanto a fundamentação teórica buscou-se trabalhar os conceitos
de educação na perspectiva de Freire (2001;2002;2007), identidade a partir de Bogo
(2010) e modo de produção com Marx; Engels ( 2012). Ancorando-se numa abordagem
qualitativa (CHIZZOTTI, 2010), em um primeiro momento fez-se uma pesquisa
bibliográfica onde buscou-se as referências sobre a temática e em um segundo momento
na pesquisa de campo buscou-se o projeto pedagógico da escola e registro do cotidiano
da comunidade, verbalizações, atitudes e práticas dos sujeitos a partir da convivência,
do cotidiano e do fazer-se presente no local. Os resultados obtidos nos fez concluir que
uma comunidade que tem sua identidade cultural fortalecida será capaz de identificar
no seu meio ambiente elementos da sua cultura e passa a preservar como um bem
coletivo. Nessa perspectiva a escola ao trabalhar um conteúdo que nasce do cotidiano
da comunidade em que ela está inserida, num constante diálogo com os saberes locais,
tornar-se-á uma aliada para ressignificar o cotidiano e o posicionamento da comunidade
frente às dificuldades enfrentadas, numa perspectiva de resistência e emancipação.
Palavras-chave: Práticas Pedagógicas. Saberes Ambientais. Ribeirinhos.
Introdução
A educação torna-se emancipatória e libertadora (FREIRE, 2001) a medida
que educandos e educadores são capazes de dialogar e de trocar seus saberes. Esse
23 Este artigo deriva de uma pesquisa de conclusão de curso de Especialização em Gestão Ambiental na
Faculdade Ideal em Belém do Pará.
diálogo começa na seleção do conteúdo programático, valorizando os conteúdos que
são trazidos para a escola pelos educandos a partir da sua realidade, numa perspectiva
de que “ensinar exige respeito aos saberes dos educandos” (FREIRE, 2007).
Ao colocar em evidência os saberes dos educandos, saberes que surgem da
sua relação com o seu ambiente, da sua produção da vida e do cotidiano, a escola estará
contribuindo na construção da identidade dos sujeitos da comunidade na qual ela está
inserida, pois segundo Bogo:
O ponto de partida da história humana é a existência de seres humanos
que, produzindo seus meios de vida, produzem não só os instrumentos de
trabalho, mas também sua capacidade de produtores como e enquanto
seres sociais; ou seja, criam a própria identidade, por meio dos objetos que
produziram e se diferenciaram dos demais seres pela capacidade criativa
tanto em quantidade quanto em qualidade (BOGO, 2010, p.35-36).
25 Uma política de realocação dos educandos em uma única escola, fechado as demais escolas, o que tem
causado problemas para as famílias pois os educandos passam a estudar muito longe de suas casas.
26 Uma espécie de armadilhas feita com trançado de cipó para pegar camarão.
através do comportamento de vários membros da comunidade, com destaque para
os mais jovens, que não se reconheciam pertencentes do espaço geográfico e seus
desejos era ir embora. Quando indagados sobre os elementos de sua cultura eles não os
reconheciam e nem conheciam sua história.
Foi nesse contexto que o projeto traçou ações que pudessem fortalecer a
identidade cultural da comunidade. E trouxe para dentro das escolas os pais e avós das
crianças como oficineiros de atividades com as contações de história, oficina do brincar
com as palhas das palmeiras, oficina de “varinha bordada”27 e as mostras culturais, que
passaram a ser um excelente espaço para divulgação do fazer cultural da comunidade
e que depois agregou o Festival do Açaí, que é uma atividade que além de proporcionar
a comunidade trocar suas experiências com outras comunidades, possibilita também
uma renda que é sempre colocada a favor do coletivo. O que segue são pequenos
apontamentos de um recorte das várias ações desenvolvidas no projeto:
A – Contação de histórias: Essa ação tinha como contadores de história os avós
das crianças que iam a escola para contar suas histórias de infância e os “causos” da
comunidade, que envolvia as lendas e a própria vida de alguns moradores, assim como
a fauna e flora existentes na comunidade.
B – oficina do brincar: as avós das crianças as ensinavam a construir os
brinquedos que elas usavam quando criança, todos de palha das palmeiras da região,
como o inajá e assim elas aprenderam a construir o currupiu, o apito, a estrela, a caixinha
de segredo, o camarão, entre outros. As crianças não conheciam mais esses brinquedos
pois devido a entrada de brinquedos industrializados na comunidade, esses brinquedos
“naturais” foram sumindo.
C – oficina de “varinha bordadas”: A varinha bordada sempre foi conhecida no
Mosqueiro e era um souvenir muito apreciado por aqueles que visitavam a ilha, ainda
no tempo em que a viagem era feita em navio. Ela consiste em um pedaço de broto da
árvore, geralmente da “Santa Clara, do Capitiú e da Folha larga” na qual, com a ponta de
um estilete vai cortando a casca e fazendo desenhos variados. Embora a Comunidade do
Mari-Mari tivesse pessoas que sabiam confeccionar, esse artesanato vivia esquecido. A
escola organizou então uma oficina com aqueles que sabiam confeccionar a varinha de
bordar e ensinaram os alunos e outros membros da comunidade a técnica, recuperando
assim mais esse elemento da cultura local.
27 Um souvenir feito de cipó que ganha uma espécie de bordado com a retirada de parte da casca com a ponta
de uma lâmina.
D – Mostras Culturais: As Mostras Culturais é um excelente espaço para
divulgação do fazer cultural da comunidade. Junto com a mostra cultural acontece
também o Festival do Açaí, que é uma atividade que além de proporcionar a comunidade
trocar suas experiências culturais com outras comunidades, possibilita também uma
renda que é sempre colocada a favor do coletivo.
Nessas mostras, percebe-se a autoestima elevada da comunidade, o orgulho
recuperado de morar naquele local, o que é traduzido a partir dos vários elementos da
cultura local expostos, pois tudo aquilo que é produzido nas atividades escolares durante
ano ou os produtos do trabalho da comunidade é colocado em exposição. Nela além de
encontrar os frutos da região, de tomar o açaí com camarão e conhecer o cotidiano
da comunidade ainda poderiam participar de uma rodada de carimbó com o grupo de
carimbó local “Filhos da Terra”.
E- Grupo de Carimbó: Uma particularidade do grupo de Carimbo do Mari-Mari,
“Filhos da Terra”, é que ele nasceu da necessidade que a comunidade teve de mostrar
essa dança regional do estado do Pará para os visitantes de outros estados e países que
sempre os visitam. Ele é composto por crianças, adolescentes, jovens, adultos e pessoas
idosas, mostrando assim as várias gerações da comunidade, dando um grande sentido
de unidade entre as gerações, além das músicas cantadas que tem letras de autoria de
um morador.
Todos os elementos culturais da comunidade que foram resgatados e
fortalecidos aqui descritos, entre outros, foram fortalecendo a identidade dos
moradores, criando vínculo com o seu lugar, fazendo com que alguns que tinha ido
embora retornassem, como é o caso do Senhor Nazareno Garcia de Carvalho que em
um outro carimbó, o intitula: “De volta pra minha terra”. Esse “De voltar pra minha
terra”, mostra que o sentimento de pertença ao lugar, passou a ter um reflexo direto no
ambiente. A comunidade passou a cuidar do lugar, a refletir que era necessário cuidar
da floresta e de seus componentes se quisesse continuar a ter algo para mostrar para
outros povos.
Todas essas ações e projetos tinham um rebatimento direto no cotidiano
dos educandos na escola, seja no envolvimento desses na organização das ações ou
estudando os conteúdos necessários para a execução dessas e que tinham uma interface
com os conteúdos curriculares. A tabela a seguir mostra exatamente o que estamos
relatando. Ela foi construída com uma pesquisa de campo, onde os educandos do 3º ano
foram até os pescadores da comunidade e fizeram um levantamento do pescado que
existia na comunidade e depois estudaram interdisciplinarmente as várias informações
contidas da tabela.
Tabela 1: Economia Local - Pescado
QUANTIDADE
FINALIDADE
LOCAL DE
ESPÉCIE
ORIGEM
PREÇO
VENDA
R$ 2,00
Mari-Mari Consumo e Vila, Porto
Camarão litros a
Tabatinga venda do Pelé
R$ 3,00
R$ 2,00
Mari-Mari Consumo e Vila, Porto
Bacu Un a
Tabatinga venda do Pelé
R$ 3,00
Mari-Mari Consumo e Vila, Porto
Sarda Un R$ 5,00
Tabatinga venda do Pelé
R$ 6,00
Mari-Mari Consumo e Vila, Porto
Bagre Un a
Tabatinga venda do Pelé
R$ 10,00
Mari-Mari Consumo e Vila, Porto
Dourada Un R$ 5,00
Tabatinga venda do Pelé
Mari-Mari Consumo e Vila, Porto
Pescada Cambada R$ 5,00
Tabatinga venda do Pelé
R$ 1,00
Mari-Mari Consumo e Vila, Porto
Acari Un a
Tabatinga venda do Pelé
R$ 3,00
Mari-Mari Consumo e Vila, Porto
Mandii-açú Cambada R$ 4,00
Tabatinga venda do Pelé
A partir
Mari-Mari Consumo e Vila, Porto
Tucunaré Un de
Tabatinga venda do Pelé
R$ 5,00
Considerações conclusivas
Todos os elementos culturais da comunidade que foram colocados em evidencia
através do projeto pedagógico e aqui descritos, foram fortalecendo a identidade dos
comunitários que foram criando vínculo entre si, e se reconhecendo quanto sujeito de
cultura e pertencente a um território construído na relação do trabalho num espaço e
na defesa cotidiana do mesmo.
A experiência aqui relatada provocou uma reflexão do quanto às práticas
pedagógicas podem ser emancipatórias à medida que reconhece os saberes dos povos
ribeirinhos na sua relação com o seu ambiente, tendo o trabalho como elemento
constitutivo de educação e de cultura, dos quais emanarão os conteúdos escolares
necessários para fortalecer a sua identidade quanto povo amazônida, sendo capazes de
enfrentar os ataques mercantilistas em seu território.
Entende-se ainda, que a comunidade ao se reconhecer nos conteúdos
escolares e tirar deles significados para a vida, será capaz de identificar no seu ambiente
elementos de sua cultura, fortalecendo assim a identidade quanto sujeito coletivo. Nessa
perspectiva a escola ao trabalhar um conteúdo que nasce do cotidiano da comunidade
em que ela está inserida, num constante diálogo com os saberes locais, tornar-se-á
uma aliada para ressignificar o cotidiano e o posicionamento da comunidade frente às
dificuldades enfrentadas, numa perspectiva de resistência e emancipação.
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A PRÁXIS EDUCATIVA EM UM ASSENTAMENTO DE REFORMA AGRÁRIA:
EXPERIÊNCIAS CONTRA HEGEMÔNICAS NA FORMAÇÃO DOS ESTUDANTES
DA ESCOLA ESTADUAL DO CAMPO ERNESTO CHE GUEVARA, MT
Mônica Castagna Molina
Marcelo Fabiano Rodrigues Pereira
Resumo
O trabalho discute a práxis emancipadora em um assentamento de Reforma
Agrária centrando-se na análise de experiências protagonizadas por egressas da
Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC) e o coletivo escolar, no empenho pela
transformação da forma/conteúdo escolar, da Escola Estadual Ernesto Che Guevara,
localizada dentro do assentamento Antônio Conselheiro, em Mato Grosso, Tangará da
Serra. A questão norteadora deste estudo foi: de que maneiras essas egressas, que à
época da pesquisa, atuavam na gestão escolar, internalizaram, a partir da formação
inicial e da sua formação social, possibilidades de mudanças na forma/conteúdo escolar
para que esta assuma finalidades emancipatórias que se aproximam da Epistemologia
da Práxis e que extrapolem o espaço escolar? Diante desse questionamento,
construiu-se o objetivo de compreender os desafios enfrentados na materialização de
um trabalho que favoreça o exercício da práxis, na concepção de formação omnilateral
dos sujeitos do campo. A orientação metodológica do texto ancorou-se em categorias
do Materialismo Histórico-Dialético e na realização de pesquisa bibliográfica e de
campo. Foi possível constatar que o trabalho pedagógico realizado pelas egressas da
LEdoC aponta para mudanças significativas nas relações sociais, na referida escola, no
modo de produção do conhecimento e na formação crítica, trilhando o caminho para
a emancipação humana e para a justiça social, a partir de ações que integram o corpo
docente a uma dimensão emancipadora de protagonismo dos sujeitos e a mobilização
da comunidade escolar.
Palavras-chave: Práxis emancipadora. Educação do Campo. Transformação forma/
conteúdo escolar.
Introdução
Os últimos anos, no Brasil, são marcados por um fluxo hegemônico que
compreende a educação como um elemento estratégico na implementação da
lógica capitalista, na qual o conhecimento é visto como componente chave da força
produtiva. Fundamentando-se nas reformas que aconteceram a partir da década de
1990, a educação tem se tornado refém dos parâmetros de regulação, produtividade,
competição, intensificação e precarização do trabalho docente e, paulatinamente, tem
deixado de ser vista como um bem público e comum a todos AZEVEDO; SILVA JÚNIOR;
CATANI, 2015).
Agrega-se a isso, um intenso movimento por influxos de organismos
internacionais que direcionam às políticas educacionais nacionais, a condições que
não favorecem o trabalho exercido pelos professores, principalmente com marcas de
precarização das condições de exercício da profissão, adoecimento, desprofissionalização,
perda da autonomia, formação aligeirada e em serviço e submissão aos ditames das
avaliações externas, que atribuem demasiada ênfase às expectativas de aprendizagem.
Tais fatores desvelam a presença de uma determinada epistemologia da prática, que
informa as propostas de formação docente, a legislação e as políticas educacionais
brasileiras (CURADO SILVA; LIMONTA, 2014).
Molina (2015b), ao analisar as principais legislações vigentes no Brasil e que
norteiam a formação de professores, discutiu a estratégia, utilizada por estas leis,
de justificar a crise educacional na precariedade da formação dos professores. Este
fator direciona a inserção de elementos técnico-profissionais, bastante alinhados à
perspectiva tecnicista, na formação dos educadores. Nesse entendimento, os estudos
de Freitas (2009) criticam o modelo voltado para as competências, sem fundamento
epistemológico ou com ênfase em uma epistemologia da prática. A ênfase desta
epistemologia é deslocar a responsabilidade pela formação docente, para a formação
continuada e em serviço, com fortes tendências ao aligeiramento e à precarização
ofertada na formação inicial e garante que, enquanto formação em exercício, a dimensão
prática, ativista seja predominante na prática do professor.
Essa epistemologia da prática é foco da crítica que fazemos neste artigo, pois
entre outros fatores, há o predomínio de um saber desvinculado da construção teórica
da universidade, que despreza a dimensão teórica do fazer docente e, pelo contrário, é
elaborado e validado no exercício da prática no cotidiano escolar. Tal perspectiva foca e
responsabiliza o docente pelo ensino e pela sua prática em uma perspectiva individualista
e assistemática. Ela “[...] acaba por afirmar uma concepção neotecnicista de formação,
em que a ênfase recai nos aspectos pragmáticos do trabalho docente, notadamente no
domínio dos conteúdos da Educação Básica e na resolução de problemas imediatos do
cotidiano escolar” (CURADO SILVA; LIMONTA, 2014, p. 19). Nas palavras de Molina e
Hage (2015a, p. 132), a epistemologia da prática:
[...] refere-se exatamente à ideia de que a resolução dos graves problemas
educacionais, enfrentados pelo sistema público de ensino do país, adviria do
aumento da capacidade do próprio educador de refletir sobre sua própria
prática docente e de promover transformações em seus processos de
ensino e aprendizagem que, ao serem efetuados por si só, resolveriam os
problemas educacionais do Brasil, ignorando e desconsiderando todos os
demais fatores externos e estruturais que integram os dilemas educacionais
do país.
O contexto da pesquisa e a
aproximação com a práxis das egressas
A prática educativa discutida nesse artigo tem como lócus um espaço escolar,
uma Escola do Campo em que a forma e conteúdo da escola foram ressignificados pela
atuação de egressas do curso de Licenciatura em Educação do Campo em uma ação
conjunta e militante junto aos professores, comunidade local e, principalmente, com o
protagonismo dos estudantes da referida Escola.
Um parâmetro que direciona a reflexão apresentada nessa subseção é o
conceito de Escola do Campo que vem sendo forjado historicamente pela classe
trabalhadora do campo. A luta concreta da Escola do Campo, frente aos desafios do
sistema capitalista, reside, principalmente, na necessidade de uma postura contra-
hegemônica de resistência à lógica de educação disseminada pelo capital, que almeja
levar para o campo um modelo de escolarização excludente e perverso.
Molina e Sá (2012) remetem-nos à influência da perspectiva gramsciana de
Escola Unitária que influenciou amplamente a compreensão da Escola do Campo como
aquela que prioriza um projeto de formação omnilateral, do intelectual coletivo, que
reúne elementos do trabalho, ciência e cultura. Ou seja, uma escola que envolve os
sujeitos engajados no processo que aproxima a escola de um projeto de transformação
social mais amplo.
Nesse sentido, para as referidas pesquisadoras, a Escola do Campo
constitui-se em um espaço que, ultrapassando os muros da escola, abrange uma
dimensão formativa comprometida com a formação política, a consciência de classe
e de organização revolucionária, a articulação político-pedagógica entre a escola e as
tensões, desigualdades e contradições vivenciadas pela comunidade em sua luta pela
democratização do acesso ao conhecimento científico e à utilização revolucionária deste
conhecimento. Dito em outras palavras, almeja-se a emancipação dos sujeitos históricos
do campo que lutam por terra, cultura, direitos sociais, conhecimentos científicos e
saberes socialmente referenciados (SILVA, 2010). Essa perspectiva é ratificada nos
estudos e pesquisas referentes à Educação do Campo na atualidade:
O movimento histórico de construção da concepção de Escola do Campo faz
parte do mesmo movimento de construção de um projeto de campo e de sociedade
pelas forças sociais da classe trabalhadora, mobilizadas no momento atual na disputa
contra-hegemônica (MOLINA e SÁ, 2012, p. 325).
Isso significa que a luta da Escola do Campo, neste viés, não ocorre de maneira
separada da luta pela Reforma Agrária, pela diminuição da evasão dos estudantes das
escolas do campo ou mesmo pelo não fechamento das escolas. A luta da escola do
campo ocorre no bojo da luta pelo direito à educação, à terra, à moradia, à saúde, a
salário digno, a lazer etc., considerando que a investida do capital é justamente para
silenciar essa escola, desestruturar os movimentos de luta de classe e competir por
maior domínio agrário, econômico e político.
As experiências discutidas nesse texto são resultados de pesquisas e interações
feitas ao longo de 2018 com a Escola Estadual Ernesto Che Guevara, situada no
Assentamento Antônio Conselheiro, Município de Tangará da Serra, a 240 km de Cuiabá-
MT e apresentadas em trabalhos anteriores (PEREIRA, 2019). Mato Grosso representa
o estado brasileiro considerado o maior produtor de bovinos, ancorado nos princípios
ideológicos, econômicos e sociais do agronegócio. Não distante desta perspectiva, está o
município de Tangará da Serra, local onde realizamos a pesquisa. Esse local é conhecido,
conforme descrevem Souza e Brick (2017), pelo elevado cultivo de soja, algodão, açúcar
e produção de álcool.
Importante considerar, dialogando com Alentejano (2014), que a prioridade no
cultivo desses insumos está associada ao processo de internacionalização da agricultura,
processo que decorre das mudanças recentes na dinâmica produtiva da agropecuária
brasileira, que traz sérios perigos à segurança e à soberania alimentar.
No centro dessas tensões e contradições, está o Assentamento Antônio
Conselheiro, local específico da experiência relatada nesse artigo. Esse assentamento
presencia a barbaridade, ao seu redor, das contradições do agronegócio à vida humana
e, especificamente, ao trabalhador camponês, fator que faz do trabalho agrícola familiar
um verdadeiro desafio. Vários fatores poderiam ser apresentados para exemplificar esse
desafio, entre os quais se destacam a falta de apoio financeiro, ausência de assessoria
técnica, entre outros fatores que dificultam o trabalho dos camponeses que intencionam
praticar a agricultura familiar (SOUZA; BRICK, 2017).
No referido assentamento, há uma Escola do Campo chamada Escola Estadual
Ernesto Che Guevara, conquistada, assim como o próprio assentamento, a partir de
intensa luta protagonizada por seus moradores, organizados a partir do MST. No ano da
realização dessa pesquisa, conforme apresentado em publicações anteriores (PEREIRA,
2018), atuavam nesta Escola três egressas do curso de Licenciatura em Educação do
Campo, da Universidade de Brasília que, junto com seus coletivos de professores, têm
promovido “[...] práticas pedagógicas que apresentam uma repercussão diferenciada
em torno da formação e na resistência ao modelo agrícola hegemônico” (BRITO, 2017,
p. 264). Essas três egressas do curso de Licenciatura em Educação do Campo, foram as
principais colaboradoras desta pesquisa.
A primeira colaboradora, no ano da pesquisa, atuava como diretora da Escola.
É graduada em Licenciatura em Educação do Campo, pela Universidade de Brasília, na
área de Linguagens, Especialista em Educação Ambiental Campesina pela Universidade
Federal de Mato Grosso, engajada nas lutas sociais coletivas e reside no Assentamento
Antônio Conselheiro.
A segunda colaboradora, graduada em Licenciatura em Educação do
Campo, na área de Ciências da Natureza e Matemática e em Pedagogia. Especialista
em Educação Inclusiva e em Educação do Campo para o trabalho interdisciplinar em
Ciências da Natureza e Matemática, curso feito no âmbito da formação continuada na
Universidade de Brasília. No ano de realização da pesquisa, essa colaboradora atuava
como coordenadora pedagógica da Escola. Também filha de agricultores de subsistência,
viveu a maior parte da vida no Assentamento Antônio Conselheiro.
A terceira colaboradora da pesquisa é docente da Escola e também graduada
em Licenciatura em Educação do Campo na área de Linguagens. É Especialista em Língua
Portuguesa e Oratória e em Educação Ambiental Campesina. Essa colaboradora atua na
docência desde 2014 e é filha de camponeses do assentamento Antônio Conselheiro.
O coletivo da referida Escola, a partir do protagonismo dos educadores, dos
estudantes, dos profissionais que nela trabalham e da comunidade, tem construído um
projeto coletivo de transformação da forma escolar unindo forças com os movimentos
sociais camponeses no sentido de forjar resistências dos sujeitos do campo aos processos
que conduzem a desterritorialização dos camponeses (PEREIRA, 2019).
Com o apoio dos movimentos sociais e movidas pelo objetivo de contribuir
com a comunidade local, as egressas citadas anteriormente participaram do processo
formativo da Licenciatura em Educação do Campo na Universidade de Brasília e
conduziram processos educativos importantes, no sentido de transformar a forma
escolar assumindo uma concepção de formação de sujeito considerando a dimensão
política, humana e emancipadora que conduz à compreensão e à luta pela superação
das tensões, contradições e injustiças presentes na realidade local.
Entre os esforços empenhados pelas egressas, no contexto escolar, esteve o de
promover mudanças significativas nas relações sociais na Escola Estadual Ernesto Che
Guevara, reconhecendo e colocando em prática ações de fomento ao trabalho coletivo
de educadores e estudantes; a participação dos diferentes segmentos na gestão da
escola, a partir do trabalho como um princípio educativo materializado, também, na
auto-organização dos estudantes. Entre os princípios dessa forma de gestão, estão o de
abertura e incentivo à participação democrática dos diferentes segmentos e o trabalho
como categoria estruturante do trabalho pedagógico.
Além das relações sociais, há, nessa Escola, um intenso investimento
pedagógico na realização de mudanças no modo de produção do conhecimento que
compreende a interdisciplinaridade; o trabalho com temas geradores; o reconhecimento
de diferentes espaços e agentes integrantes ao processo formativo; o compromisso com
a formação omnilateral que agrega tanto os conhecimentos historicamente construídos
com a formação humana mais ampla (filosófica, política, social, afetiva, ética, estética);
a reorganização do currículo na perspectiva da Educação do Campo; intencionalidades
pedagógicas que priorizem a união entre a teoria e a prática e a redefinição dos métodos
e organização do trabalho pedagógico da Escola.
Agrega-se a essas ações, a clareza que o coletivo desta Escola tem acerca da
necessidade da formação para a emancipação humana e para a justiça social a partir de
ações que integram o corpo docente a uma dimensão emancipadora de protagonismo
dos sujeitos e a mobilização da comunidade escolar.
A partir da identificação desses sujeitos e dessa experiência de transformação
da/do forma/conteúdo escolar, surgiu a intencionalidade de compreender, na
perspectiva das egressas da LEdoC-UnB, que trabalham na Escola Estadual Ernesto Che
Guevara, como a Organização Escolar e o Trabalho Pedagógico assumem, neste espaço
educativo, uma ancoragem na epistemologia da práxis, como alternativa de unir teoria
e prática associada aos anseios de transformação da realidade e favoreça o exercício
da práxis transformadora na perspectiva de uma formação omnilateral dos sujeitos do
campo.
A ideia de unicidade entre teoria e prática social está presente nas significações
da colaboradora da pesquisa no que se refere aos anseios de transformação da prática
social, do trabalho. Para ela, os conhecimentos construídos na Escola precisam subsidiar
os estudantes na resolução dos dilemas que enfrentam em seu cotidiano e contribuir
com a melhoria da realidade das famílias e com o trabalho realizado pelos camponeses
para garantirem materialmente a vida. Há uma articulação entre conteúdos científicos e
a vida material, o trabalho no campo.
Nesse movimento de aproximação do conteúdo escolar com a realidade
material, recorremos aos estudos de Freitas (2009), que defende uma proposta
educacional, cujos conhecimentos elaborados estão condizentes com a atualidade das
crianças. Isso significa reconhecer e referenciar o sujeito real, concreto, que vive em um
contexto social marcado por tensões e contradições. Este pertence a uma determinada
classe e vivencia a realidade do seu meio de maneira real.
Aqui a função da escola não será a de sobrepor à formação inicial da criança
uma ‘segunda natureza’, mas construir na prática social, no meio e a partir do
meio, um sujeito histórico – lutador e construtor onde a ciência e a técnica
entram como elemento importante desta luta e construção (FREITAS, 2009,
p 28).
A práxis deve ser compreendida, não como qualquer atividade, mas como
atividade social dirigida a um fim, mediada pelo próprio trabalho, por meio do qual o
homem modifica a natureza, se modifica e modifica os ouros homens, consistindo, pois
em uma atividade social e não individual (NORONHA, 2010, p. 10-11).
Essa percepção esteve presente na Escola pesquisada em vários momentos
vivenciados pelos pesquisadores. Foi possível constatar que há, na Escola Ernesto Che
Guevara, uma percepção de que a educação é uma ferramenta de enraizamento das lutas
e possibilidade de formação de lutadores e construtores do futuro. O trabalho coletivo,
não somente no interior da Escola, também na articulação com outras Escolas do Campo,
favorece a formação de sujeitos que não somente compreendam a sua realidade como
possam, também, articular-se para transformá-la. Desse modo, apreendemos, a partir
das significações enunciadas pelas colaboradoras da pesquisa, que a transformação da
forma escolar não está dissociada da formação para a emancipação humana e justiça
social. No entanto, esse não é um processo que se faz no isolamento, mas na articulação,
no trabalho coletivo, nos debates e na participação de todos os que compõem a vida
escolar e comunitária.
Até aqui discutimos que há um projeto hegemônico de formação que é
prejudicial ao trabalho docente e disseminado em políticas educacionais que tendem à
epistemologia da prática, no entanto, a perspectiva histórica construída pelo movimento
da Educação do Campo pressupõe outra lógica e projeto educativo comprometido com
o exercício da práxis emancipadora e transformadora da realidade, na perspectiva da
classe trabalhadora. Nessa direção, a experiência relatada nesse artigo desvela uma,
entre várias, experiências que estão sendo materializadas no país no sentido de forjar
uma proposta emancipadora e humanizadora dos seres humanos.
Considerações finais
Diante do objetivo de dialogar acerca das ações e práticas formativas realizadas
por egressas da Licenciatura em Educação do Campo, junto aos coletivos que integram o
cotidiano da Escola Estadual Ernesto Che Guevara e, evidenciar ações que se aproximam
do exercício da práxis, na concepção de formação omnilateral dos sujeitos do campo,
o conjunto dos argumentos apresentados e a análise das experiências discutidas neste
texto, nos permitiram constatar indícios e possibilidades de exercício da práxis no
contexto da escola básica do campo.
A Escola do Campo, mesmo diante das tensões e contradições da realidade,
tem buscado construir caminhos para unir teoria e prática em um projeto de educação
como prática social e, de qualidade referenciada no social, principalmente, pelas lutas
protagonizadas pelos sujeitos coletivos organizados e pela necessária transformação da
realidade.
Os trechos analisados nesse artigo desvelam o esforço do coletivo escolar
diante das possibilidades de um agir comprometido com a práxis transformadora.
Percebemos a educação entendida como uma prática social mais ampla, comprometida
com a compreensão da totalidade dos fenômenos que incidem sobre a realidade (as
contradições, tramas, tensões e desafios que envolvem as comunidades).
Importante destacar que a Licenciatura em Educação do Campo da
Universidade de Brasília representa um importante processo formativo, que contribuiu
com o trabalho que as egressas realizaram no contexto escolar. A referida Licenciatura,
por assumir como premissa uma proposta de formação de professores, amplamente,
compreendida com a práxis, advoga em favor do trabalho pedagógico focado na
unidade entre a teoria e a prática, com vistas ao conhecimento e transformação
da realidade, “[...] na perspectiva de que os educandos desenvolvam a capacidade
de articular a leitura de suas realidades, valendo-se do conhecimento científico”
(MOLINA, 2014, p. 286).
Finalizamos esse artigo, porém não esgotamos a discussão sobre as
possibilidades da práxis, no contexto escolar. No entanto, não alimentamos a ingênua
percepção de que essa atitude seja fácil, livre de tensões, dilemas e contradições de
diferentes tipos. Estas contradições estão presentes no cenário político, social e
econômico atual e impõem sérios desafios à luta dos trabalhadores e trabalhadoras
do campo. Apesar disto, a matriz formativa das LEdoC refuta a lógica neoliberal de
responsabilização individual do docente pelas mazelas educacionais, muito forte na
epistemologia da prática, bem como seu projeto de formação pragmática que esvazia o
caráter crítico, emancipador e revolucionário da educação.
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EDUCAÇÃO DO CAMPO E A CONSTRUÇÃO DE SUJEITOS SOCIAIS COLETIVOS NA
ESCOLA DO CAMPO JOÃO SEM TERRA, ASSENTAMENTO 25 DE MAIO
Sandra Maria Vitor Alves
Resumo
Neste artigo busca-se apresentar um olhar sobre a Educação do Campo e
a construção de sujeitos sociais coletivos, compreendendo como essa afirmação se
materializa na Escola do Campo João Sem Terra, Assentamento 25 de Maio. O presente
ensaio objetiva contribuir na discussão da temática, destacando as lutas e as práticas
educativas que se constituem como chave política e teórica na formação do sujeito
social coletivo. Pretende-se também refletir sobre o sistema educacional brasileiro
e o projeto político-pedagógico da escola enfocando nas lutas e práticas educativas
que se confrontam nos dois projetos em disputa. Além disso, analisa a concepção de
Educação do Campo e o desafio de ter os camponeses como protagonistas principais
deste debate, identificando as amarras do sistema educacional que a Escola do
Campo precisa romper para avançar na materialidade da Educação do Campo.
Neste sentido, busca-se expor algumas questões que consideramos importantes
para a temática trabalhada. Na primeira parte, abordaremos sobre Educação/
Escola do Campo/Educação Crítica. Na segunda parte deste trabalho, reflete-se
sobre as práticas educativas do projeto de Escola do Campo que contribuem para
a formação de sujeitos sociais coletivos. Em terceiro lugar, detém-se aos relatos e
algumas reflexões sobre os resultados e discussões no que tangem a uma efetiva
contribuição das práticas educativas do cotidiano da escola para a formação do
sujeito social coletivo. Portanto, apresenta-se ainda sobre as estratégias políticas
e pedagógicas do currículo da Escola do Campo na especificidade da Escola João
Sem Terra. E, por fim, relata-se sobre o desafio da escola da classe trabalhadora
camponesa no romper das amarras do sistema educacional.
Palavras-chave: Educação do Campo. Sujeito social coletivo. Práticas educativas.
Introdução
Em se tratando de Educação do Campo, o primeiro organismo que vem em
mente são as suas lutas sociais que, a partir dos movimentos sociais tem definido o
projeto de Educação do Campo coletivamente pelos próprios sujeitos camponeses.
Com base nessa temática, o presente artigo discute sobre as lutas e práticas
educativas que se constituem como chave política e teórica na formação de sujeitos
sociais do campo na Escola João Sem Terra, Assentamento 25 de Maio, Madalena-CE,
refletindo sobre a história da educação brasileira, considerando uma integração ao
Projeto Político-Pedagógico da escola.
Neste, a discussão empreendida trata-se sobre as lutas e práticas educativas
que se constituem como chave política e teórica na formação de sujeitos sociais e
coletivos, compreendendo a Educação do Campo como um instrumento de luta e
construção de um outro projeto de sociedade includente, democrática e plural, deve,
assim, contribuir para uma outra lógica de relação entre o campo e a cidade.
A Educação do Campo trata do desafio de construir saídas contra a hegemonia
do capital no cotidiano da Escola do Campo, nesse sentido, questiona-se: que educação
se tem hoje? Qual modelo de educação é interessante para os sujeitos sociais? Como
a Educação do Campo contribui na construção de sujeitos sociais coletivos? Quais as
práticas educativas que se confrontam nos dois projetos em disputa?
Portanto, entende-se que os camponeses ao longo da história do Brasil foram
assolados por uma tendência dominante que marcou o campo com políticas de exclusões
e desigualdades sociais. Os povos do campo foram vítimas de um modelo de educação
rural imposta pelo estado brasileiro, com objetivos muito bem definidos, dentre eles
assegurar o modelo de sociedade e agricultura que atenda ao projeto do capital. Uma
educação restrita, limitada a preparação de mão de obra minimamente qualificada para
um banco de trabalhadores com mão de obra a baixo custo.
Contrapondo-se a essa realidade, os camponeses ergueram-se contra essa
marginalização de exclusão e passaram a lutar como sujeitos sociais coletivos pelo seu
lugar social no país, construindo alternativas de resistência ao modelo de educação
excludente, que se perpetua até os dias de hoje no sistema de educação brasileira.
Neste sentido, é preciso construir projetos de educação vinculados às causas,
aos desafios, aos sonhos, à história, às lutas e à cultura dos povos do campo. Uma
política educacional que assegure os interesses e as especificidades sociais da classe
trabalhadora, principalmente a camponesa.
Contudo, destaca-se e sintetiza-se a importância do apanhado das práticas
educativas contidas no projeto político-pedagógico da Escola do Campo que se
efetivam no cotidiano da Escola do Campo João Sem Terra. Experiências analisadas com
intencionalidade política e pedagógica de impulsionar a formação do sujeito social, bem
como contribuir com a auto-organização e a formação de coletivos, na superação da
dura história de exclusão social vivenciada neste país, em que o acesso à educação foi
chave decisiva em 500 anos de desigualdade social. Uma educação que possibilite aos
camponeses saírem da condição de indivíduo subordinado e passivo a assumirem posição
de sujeito social coletivo, capazes de buscar condições para transformar a sociedade, a
partir da realidade em que está inserida. Como destaca Bahniuk (2015): “ [...] frente à
necessidade de romper a hierarquia do poder na escola centrada na sala de aula, na
qual o professor assumiu a representação da autoridade e da opressão é necessário criar
novas formas participativas que incorporem os educandos na condução da escola...”
(BAHNIUK, 2015, p.176-177). Para tal, objetiva-se a reflexão sobre educação; Escola
do Campo; educação crítica, dialogando com as formulações de autores como: projeto
político-pedagógico da citada escola; Freitas: Os Empresários e a Política Educacional;
Leher: Organização Política e o Plano Nacional de Educação; Frigoto, Educação Básica
no Brasil; SILVA, Fundamentos Políticos e Pedagógicos para a Educação do Campo a
Escola do Campo; BAHNIUK- Experiências Escolares e Estratégia Política: da Pedagogia
Socialista à Atualidade do MST. Sobre as dimensões apreendidas destacamos sujeito
social coletivo; resultados e discussões; estratégia política e pedagógica do currículo da
Escola do Campo na especificidade da Escola do Campo João Sem Terra; A escola da
classe trabalhadora no romper das amarras do sistema educacional.
A metodologia
Para o desenvolvimento do estudo sobre a Educação do Campo e a construção
de sujeitos sociais coletivos na Escola do Campo João Sem Terra, Assentamento 25 de
Maio, consideram-se as seguintes etapas:
Etapa I – Revisão bibliográfica: fundamentada na leitura de obras que tratam
da política educacional brasileira e Educação do Campo, integrado à análise do projeto
político- pedagógico, Escola do Campo João Sem Terra;
Etapa II – Coleta de dados: a partir de pesquisa qualitativa exploratória,
com a realização de entrevistas com os sujeitos que compõem a escola (coletivo de
educadores (as), coletivo de educandos (as) e coletivo de funcionários (as), colegiado
de gestão da escola, setor de educação do assentamento). Pretende-se ainda observar o
funcionamento da organicidade da escola.
Etapa III – Tratamento dos dados coletados: considerando uma análise
qualitativa destes, integrando-os aos conceitos e alicerces teóricos anteriormente
considerados.
Etapa IV – Elaboração do relatório final: analisando com observação direta e
indireta como a Escola do Campo João Sem Terra no seu cotidiano avança no processo
de materialização da Educação do Campo, verificando o conjunto de práticas e teorias
que contribuem para a formação do sujeito social coletivo.
Essa é a educação que convém ao capital e por mais que alguns educadores
defendam a tese de uma educação libertadora, as corporações dos setores dominantes
resistem em não concordar e não abrem mão das amarras como programas e sistemas
de avaliações que asseguram seus objetivos, algo que conforme informa Leher (2014,
p.71) trata-se da “prática capaz de converter o conhecimento e a formação humana em
capital humano”.
A expressão anterior do autor, mostra-nos que são convertidos o conhecimento
e a formação humana em capital humano, é assim evidenciado no avanço compulsório
da profissionalização do ensino médio, na despolitização da educação por meio do
tecnicismo educacional, no drástico esvaziamento de conteúdo científico, histórico,
cultural, tecnológico e artístico.
Um ensinamento limitado aos livros didáticos e o mais grave, estes
elaborados pelas corporações que ao invés de conhecimento científico, limitam-se aos
descritores, competências e habilidades exigidas nas avaliações externas. Dessa forma,
potencializando um engessamento das práticas educacionais no “chão” de cada escola,
com ameaças da instauração de financiamento a estas, dirigidas pelos resultados, sendo
a gestão escolar ameaçada para focar em metas e eficácia da qualidade total. Um local
onde todos são reféns nas mãos das grandes corporações, a exemplo, as formações
dadas pelo Banco Mundial e outros, no qual esvaziam a escola do seu verdadeiro sentido
de educar, como destacado por Freitas (2014).
Enfim, compreende-se que há uma grande tarefa revolucionária a enfrentar,
enquanto educadoras e educadores comprometidos (as) com o desafio do cotidiano das
escolas, em fazer uma contra-hegemonia a este sistema educacional que tanto oprime,
principalmente aos mais pobres, que por sua vez, são os que mais necessitam de uma
educação libertadora.
Sabendo que as forças das corporações são imensas, porém já informava
Gramsci (apud LEHER, 2014, p.79) que “a formação da consciência de classe
não é espontânea e tampouco é possível sem ruptura com a ideologia da classe
dominante”.
O desafio da classe trabalhadora é tomar para si a tarefa educacional em
suas mãos e impulsioná-la na perspectiva libertadora e suas implicações, uma vez que
a educação é uma ferramenta importantíssima para o avanço no enfrentamento do
sistema capitalista, que segundo Marx (apud LEHER, 2014, p. 77) “a educação é um
desafio dos trabalhadores ainda no capitalismo”.
Fonte: a pesquisadora.
Contudo, o conhecimento científico das mais diversas disciplinas ajuda os
educandos (as) a compreenderem este conhecimento para melhor intervir na sua
realidade. Este Tempo Trabalho Produtivo efetiva-se duas vezes por semanas, nas
manhãs dos dias integrais da supracitada escola, dialogando mais especificamente com
os conteúdos da Biologia, Química, Matemática e Física em um movimento que possa dá
um melhor sentido a aprendizagem destes conteúdos. Uma vez que se relacionam com
as linhas de produção que são: fruticultura e horticultura, criação de pequenos animais
(avicultura e suinocultura), Plantas medicinais, reciclagem e sustentabilidade.
b) Tempo Formação e Mística. Esse tempo materializa-se em vários momentos
da escola, desde os pequenos aos maiores eventos realizados no cotidiano desta.
Portanto, existe um calendário de rodízio de execução de místicas que possibilita desde o
pensar ao executar destas por todos os sujeitos que fazem a escola organizados nos seus
respectivos coletivos. É um momento de formação social, artística, política, pedagógica
de uma efetiva participação e construção coletiva. A mística ajuda não só a compreender,
mas também a construir um sentimento de valores que tocam não somente a formação
produtiva, mas sobretudo os valores humanistas e socialistas.
c) Tempo Estudo Individual: esse estudo individual materializa-se uma vez
por semana, nas aulas do componente curricular integrador Projeto Estudo e Pesquisa
objetivando desenvolver o gosto pela leitura considerando que na aprendizagem há
processos que são coletivos, porém há outros que são individuais.
d) Tempo Oficinas: efetiva-se no planejamento do calendário escolar sendo
o momento de troca de saberes entre escola e comunidade. É o espaço que a escola
rompe com seus muros e vai até as comunidades trabalhar as oficinas de algumas
temáticas pertinentes as realidades vivenciadas por estas, e que a escola esteja
trabalhando como porção da realidade com os diversos conteúdos da base nacional
comum, e a partir disso, realizar intervenções diretas na realidade. Como exemplo,
tem-se a realização de oficinas sobre como fazer defensivos naturais, contrapondo ao
uso dos agrotóxicos, utilizados pelos camponeses em suas lavouras no Assentamento.
Também é o espaço em que pessoas da comunidade são convidadas para ir até a
escola ministrar oficinas com os educandos (as) e profissionais desta, como exemplo,
a realização de oficinas de remédios com plantas medicinais da linha de produção.
Outras temáticas também são realizadas por pessoas da comunidade, tais como:
pinturas, artesanatos, a culturas tradicionais como: reisado, dramas, teatro, dança,
cordéis, repentes, culinária e outras.
e) Tempo Cultura: é o espaço em que a escola fortalece o cultivo das
manifestações artísticas tradicionais da cultura popular local e regional, momentos
de reflexões e desafios ousados, orgânico ideológico a resistência as ofensivas da
globalização em fase dos mecanismos da indústria cultural de massa. Esse árduo cultivo
efetiva-se no chão da escola, à medida que a escola em seu cotidiano vai renegando as
ofensivas da indústria cultural de massa imposta pela mídia dos meios de comunicação
em detrimento do processo da globalização, no diálogo dos conteúdos e a porção da
realidade chamada grupos culturais do Assentamento.
Nos eventos promovidos pela a escola, a comunidade e também nas oficinas
como já citados, é o espaço de fortalecimento da cultura popular nos diferentes aspectos,
da memória, da alimentação, música do folclore e da convivência social.
f) Tempo Organicidade: esse tempo efetiva-se mais precisamente uma vez
por semana ou quando necessário for no calendário escolar do componente curricular
integrador Prática Social Comunitária e Formação Cidadã, com uma carga horária de 3h/
aulas semanais.
Foto 4 - Assembleia dos estudantes
Resultados e discussões
Ao refletir sobre o sistema educacional do Brasil, a concepção de Educação
do Campo, como projeto de escola dos camponeses com um olhar para as práticas
educativas que se confrontam nos dois projetos em disputa, faz com que observemos
as muitas amarras implícitas e explicitas a serem geridas ou rompidas para o avanço
da materialização do projeto de Educação do Campo. Segundo o Presidente da
Cooperativa do Assentamento: A Escola do Campo é o maior instrumento de luta que
o Assentamento 25 de Maio possui.
Segundo umas das educadoras da Escola do Campo:
A Educação do Campo é uma educação diferenciada, que busca trabalhar
o sujeito em suas várias dimensões desenvolvendo nos mesmos um
posicionamento crítico e isso é fortalecido na escola, na organicidade. A
Escola do Campo contribui na formação social e coletiva do sujeito e forma
para agir criticamente, identificar as causas e projetar soluções. (Educadora
da escola).
Referências
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de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
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FREITAS, Luiz Carlos de. Os empresários e a política educacional: como o proclamado
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FIQUEIREDO, João B de Albuquerque.; VERAS, Clédia Inês Matos.; LINS, Lucicléa Teixeira
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LEHER, Roberto. Organização e Estratégia Política e o Plano Nacional de Educação.
Boletim de Educação nº 12. Edição especial. 1. Ed. São Paulo. Expressão Popular, 2014.
ZIENTARSKI, Clarisse.; PEREIRA, Karla Raphaella Costa.; FREIRE, Perla Almeida Rodrigues.
Escola da Terra Ceará: (Orgs). Conhecimentos formativos para a práxis docente do/no
campo. Assis, triunfal gráfica e editora, 2016
ARTE E CULTURA NA EDUCAÇÃO DO CAMPO:
O TRABALHO COM A CULTURA POPULAR NA ESCOLA
Andriele da Silva Gomes
Luciana Lopes de Carvalho
Maria Dorath Bento Sodré
Resumo:
O presente artigo é resultado de uma pesquisa realizada numa escola municipal
de Educação do Campo que trabalha com a Educação infantil e o Ensino fundamental I,
com o objetivo de conhecer como a arte e a cultura local são trabalhadas e como a
comunidade está envolvida nesses processos. É uma pesquisa de ordem qualitativa e
que se direciona para o âmbito da didática. Aborda aspectos produtivos alcançados a
partir de um Projeto de Identidade, que faz parte da política de Educação do Campo
criada e realizada com as perspectivas de fortalecer a cultura local que estava sendo
esquecida e trabalhar a realidade dos estudantes em sala de aula. Partindo da ideia
deste Projeto de Identidade é que a equipe pedagógica pensa em trabalhar a arte
através das ações pedagógicas para que a aprendizagem dos alunos aconteça. O trabalho
na escola com o reisado da comunidade mostra a relação do trabalho educativo desta
escola que afirma a cultura popular na formação escolar dos sujeitos desta comunidade.
É importante ressaltar que, no povoado de Baixão de Zé Preto, no qual se encontra a
escola pesquisada, a cultura do reisado é a mais conhecida. Este artigo apresenta como
o Projeto de Identidade, ao assumir a cultura local nos processos educativos da escola,
contribui com o envolvimento da comunidade com a escola e a arte, assim, representada
no trabalho didático-pedagógico entendemos que tem favorecido a aprendizagem
significativa dos estudantes.
Palavras-chave: Ensino da arte. Cultura local. Educação do Campo.
Introdução
Gosto de ser gente porque a história em que me faço com os outros e de cuja
feitura tomo parte é um tempo de possibilidades, e não de um determinismo.
(Paulo Freire)
A educação escolar é um elemento importante para que a sociedade possa
ampliar seus horizontes, desenvolver novas formas de pensar e de se relacionar com o
mundo, sendo necessária uma educação libertadora, que permita aos sujeitos envolvidos
construir a sua autonomia e a sua identidade.
No contexto educacional de hoje em dia, procurar a melhor maneira de garantir
uma educação neste formato não vem sendo uma tarefa fácil, mas, a cada dia, percebe-
se mais a presença desta educação nas escolas e na legislação educacional. Desta forma,
a arte e a cultura entram para contribuir neste processo, pois é de se observar que com
o passar do tempo a educação tem se preocupado não só com a aprendizagem dos
conteúdos, mas também em possibilitar que os estudantes se expressem, criem, utilizem
sua imaginação e demonstrem suas emoções. A arte se torna, assim, uma ferramenta
imprescindível para que tudo isso aconteça.
A valorização da cultura local do mesmo modo se faz importante neste processo
de ensino e aprendizagem, visto que a cultura tem por trás uma história, uma marca,
momentos simples e inexplicáveis, uma realidade forte de cada povo, ali representado.
Levar isto para a escola, para a sala de aula, traz aspectos positivos, destacando que
estudar sua própria realidade traz mais motivação e fortalecimento para considerá-los
parte do mundo. Segundo Jeiele P. Rodrigues da Silva e Jididias Rodrigues da Silva:
Quando se trata de cultura e educação, podemos dizer que são estes
fenômenos intrinsecamente ligados, a cultura e a educação, juntas tornam-
se elementos socializadores, capazes de modificar a forma de pensar dos
educandos e dos educadores; quando adotamos a cultura como uma
aliada no processo de ensino-aprendizagem estamos permitindo que
cada indivíduo que frequenta o ambiente escolar se sinta participante do
processo educacional [...]. (s/d, s/p)
Percursos metodológicos
Essa pesquisa foi realizada em uma escola localizada na zona rural do Município
de Irecê, especificamente no Baixão de Zé Preto, no mês de maio de 2018.
É uma pesquisa de campo de ordem qualitativa. Com base em estudos
realizados, a pesquisa qualitativa não é aquela que quer obter dados numéricos, mas sim
que tem o foco na compreensão de uma situação e comportamento de um determinado
grupo e que tem como ênfase sempre a qualidade.
Neste estudo não se buscou obter quantidades, mas procurou-se compreender
como a arte e a cultura local são trabalhadas em uma escola do campo, direcionando
para o âmbito da didática, no intuito de descrever as práticas pedagógicas desenvolvidas
na escola. A didática é conhecida como a práxis pedagógica, ou seja, é preciso que os
docentes estejam atentos à reflexão, possibilitando a relação no âmbito escolar entre
humanização e educação. A didática também é considerada como o processo de ensino-
aprendizagem, ou como processo docente-educativo, tendo como unanimidade que a
didática estuda o ensino.
Para articular e buscar todos estes aspectos foi necessário utilizar a
concepção praxiológica. Tendo em vista que um de seus propósitos é estudar as ações
do indivíduo e grupo escolar, dessa forma, induzindo comportamentos que favoreçam
toda uma comunidade e sociedade. E para que isso aconteça, a concepção praxiológica
é de suma importância, já que ela, como diz Bernadete Gatti: “Parte do pensar as
ações educativas, criando conceitos fecundos na relação prática-teoria e produzindo
conjuntos instrumentais ancorados na reflexão sobre sua utilização e finalidades, em
contextos complexamente considerados.” (2012, p.24). Vale ressaltar que houve um
contato direto com a situação estudada, utilizando o campo natural (a escola) para
coleta de dados.
A metodologia investigativa adotada foi a pesquisa-formação participativa
porque participamos de uma ação pedagógica da escola, obtendo assim uma interação
com os pesquisados. Segundo Marisa Lopes da Rocha e Katia Faria de Aguiar: “[...] o
fundamental nas pesquisas participativas é que o conhecimento produzido esteja
permanentemente disponível para todos e possa servir de instrumento para ampliar a
qualidade de vida da população” (2003, p. 3). Sendo assim, a proposta da nossa pesquisa
foi produzir conhecimentos para servir não somente para a escola, mas também para a
comunidade, abrindo possibilidades para uma vivência e uma educação cada vez melhor.
Por esse motivo, essa pesquisa foi realizada em três fases. Na primeira fase
foi feita uma observação geral da escola, para que pudéssemos compreender melhor
o espaço, a vivência dos profissionais, o comportamento dos estudantes e um pouco
de como a escola é conduzida. Na segunda fase foi realizada a observação participante,
na qual, além de observar, participamos da prática pedagógica da professora. Na
terceira fase foram feitas entrevistas semi- estruturadas com a diretora da escola, que
também é professora de lá, com outra professora e com uma pessoa que representou
a comunidade e por respeito à identidade dos sujeitos envolvidos, as professoras serão
identificadas apenas por letras. Essas entrevistas foram feitas com o uso de perguntas nas
quais as respostas foram gravadas. Utilizamos essa técnica por entender que é de grande
importância, quando o objetivo é saber as opiniões dos indivíduos, a respeito de algum
processo, permite maior flexibilidade e pode ser utilizada com todos, obtendo assim
dados não documentais. Tudo isso visou conhecer o entendimento e compreensão que
todos expressam sobre o trabalho com arte e cultura popular na relação entre escola e
comunidade.
O Projeto de Identidade
O Projeto de identidade “Nossa comunidade, Nossa história” que a escola
desenvolveu junto com a comunidade foi de grande importância para fortalecer a cultura
que estava se perdendo, principalmente a cultura do reisado. Os estudantes aprenderam
muito sobre a sua localidade. De acordo com a diretora (Professora B), desde algum
tempo a escola já tinha o desejo de fazer um projeto que envolvesse a comunidade, que
ela estivesse presente dentro da escola, mas não daquela forma mecânica de ir porque a
escola está convidando, mas sim que a comunidade realmente participasse de algo a ser
desenvolvido em seu benefício, até que a veio a proposta da coordenadora da secretaria
de educação da época, que foi o Projeto de identidade, o fortalecimento da cultura da
comunidade para escola, que abraçaram com todas as forças.
Teve o nome de “Projeto de identidade” porque foi mostrado a identidade
daquele povo, foi algo desenvolvido que teve a alma do povo, que tem as histórias das
pessoas. A diretora relatou o seguinte:
[...] então buscamos colocar isto em escrito, pois a história desse povo precisa
estar registrada, estar sendo mostrada, desse povo que são guerreiros,
que trabalham sol a sol, povo de luta que na maioria das vezes não são
reconhecidos. (Diretora / Professora B)
Como relatado pela diretora, este é um projeto inacabado, ou seja, ele foi
construído para incentivar a escola a dar o primeiro passo, na mudança da sua educação
e nas ações pedagógicas. Observando uma ação pedagógica da professora A no dia da
visita para observação na escola, foi percebido que o trabalho dela realmente é partindo
desse requisito. Por exemplo, na disciplina de Língua portuguesa estavam sendo
trabalhados com as crianças os contos (causos) da comunidade. A professora afirma:
As crianças foram pesquisando com seus pais, avós, vizinhos, alguns contos
da comunidade, e depois desta pesquisa ocorreu o momento de socializar
essas histórias com os colegas e professores de forma oral, e após esta
socialização vamos trabalhar a escrita. (Professora A)
O ânimo das crianças foi observado quando falavam sobre estas histórias que
eles ouviram e socializaram com os demais, foi incrível de ver. Percebeu-se que este
trabalho sobre os contos foi motivador e nos olhos das crianças era algo deslumbrante,
pois sabiam que era algo da sua comunidade, contados por suas famílias e amigos.
Assim sendo, pudemos observar o quanto os alunos podem aprender com tudo
isso, já que esta relação da educação com a vida dos moradores do campo incentiva-os
para o desenvolvimento e para uma educação de qualidade, como Suelly Cristina Soares
vem nos dizendo na sua dissertação: “A relação entre a educação e a vida no contexto
dos campesinos estimula a perspectiva para desenvolvimento social e intelectual, por
meio da memória coletiva das comunidades e dos aspectos culturais” (2015, p. 23).
A Arte na escola
A arte está bastante presente nas ações pedagógicas da escola. As abordagens
se adequam ao contexto das crianças. É trabalhado o reisado, as festas juninas e outras
manifestações artísticas. A professora A diz que: “arte é uma das melhores disciplinas
para trabalhar a cultura local”. Segundo ela, as crianças interagem muito nas aulas de
arte porque são aulas dinâmicas e que na maioria das vezes trabalham a realidade deles,
apresentadas de forma colorida através de dança, música, desenho, etc.
Para esta professora a disciplina de Arte:
[...] é a principal disciplina na questão da aprendizagem do aluno porque
você trabalha de forma lúdica com a realidade deles, sem se preocupar tanto
com a questão da estrutura textual. Você trabalha com cores, com vida.
(Professora A)
Considerações finais
Portanto, a cultura e a arte são fundamentais para a aprendizagem e o
desenvolvimento das pessoas. E as escolas, ao trabalharem nestas perspectivas, avançam
e mostram outras possibilidades, pois estão levando em consideração aspectos que são
inerentes ao ser humano, estão trabalhando o lado humano e social.
A escola investigada mostrou as vantagens de colocar isso em suas práticas
pedagógicas ao conduzir o processo educativo na leveza de que o ser humano necessita
para que os seus estudos não sejam mecanizados e aplicados de maneira que não se
sinta instigado ao querer e ao ser, mas que sejam motivados. Sendo assim, que busquem
e aprendam além dos conteúdos básicos, mas também a sua realidade, o seu nascer, as
suas raízes. Para que assim conheçam a si e o seu povo, e a partir desse envolvimento
aqui mostrado que esse povo seja ainda mais capaz de ir à luta, mostrar o seu mundo e
ser reconhecido.
Pretendemos voltar à escola de Baixão de Zé Preto para aprender mais sobre
o trabalho pedagógico que é desenvolvido neste ambiente e construir o nosso Trabalho
de Conclusão de Curso (TCC).
Referências
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SÃO PAULO (Estado) Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas
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de 2020
AUTO-ORGANIZAÇÃO DOS EDUCANDOS NA ESCOLA ZUMBI DOS PALMARES:
DIÁLOGOS E SABERES EM MOVIMENTO
Neruza Mariana Motta Souza
Élida Lopes Miranda
Resumo
A pesquisa teve como objetivo compreender a experiência de auto-organização
dos educandos da Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental
Assentamento Zumbi dos Palmares, Município de São Mateus, Espírito Santo, enquanto
um elemento pedagógico da Educação no MST, de maneira a desvelar desafios e
potencialidades dessa experiência educativa. Fundamentou-se em Pistrak (2011), MST
(1999), Caldart (2004, 2012), Camini (2009), D’Agostini (2009). Também incluímos o
estudo de Arroyo (2004, 2012), Bogo (2009), os cadernos de Educação do MST, como
Dossiê MST Escola 1990-2001 e os verbetes Escola Itinerante, Mística, MST e Educação,
Pedagogia do Movimento, do Dicionário da Educação do Campo (2012). Em termos
metodológicos conjugamos os procedimentos técnicos da pesquisa bibliográfica e
documental e a realização do Círculo de Cultura com os educandos do 7º ano da escola.
Os resultados revelam que a auto-organização como elemento pedagógico fortalece
o protagonismo dos educandos, a formação humana e a perspectiva de Educação do
Campo.
Palavras-chave: Educação no MST. Pedagogia do Movimento. Auto-organização dos
educandos.
Introdução
Nas duas últimas décadas emerge, em nossa sociedade, o Movimento Nacional
“Por uma Educação do Campo” que, no conjunto de suas ações tem pautado o direito
a educação pública de qualidade, conquistado espaço na agenda governamental e na
legislação educacional (ARROYO, CALDART e MOLINA, 2011).
Entre as ações do movimento situamos o I Encontro Nacional de Educadoras
e Educadores da Reforma Agrária (ENERA), realizado em Brasília, no ano de 1997, que
propiciou a realização, em 1998, da I Conferência Nacional por uma Educação Básica do
Campo, com a inserção de outros sujeitos além do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), a Universidade de Brasília (UnB), Fundo das Nações Unidas para a
Infância (UNICEF), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). A parceria entre esses
coletivos fomentou debates acerca da educação dos trabalhadores do campo e reflexões
sobre o conceito de educação, a escola do campo e o projeto de desenvolvimento de
campo e sociedade (MST, 2014).
Vale lembrar o papel do MST no Movimento Nacional da Educação do
Campo, com destaque para a Pedagogia do Movimento e a formação humana em
sua relação com a luta pela Reforma Agrária. A Pedagogia do Movimento “tem como
sujeito educador principal o MST, que educa os sem-terra enraizando-os em uma
coletividade forte, e pondo-os em movimento na luta pela sua própria humanidade”
(CALDART, 2004, p. 19).
Nesta perspectiva, a proposta pedagógica do MST fundamenta-se em
princípios filosóficos e pedagógicos como o trabalho coletivo, trabalho socialmente útil,
trabalho como princípio educativo, solidariedade, organização e a auto-organização dos
estudantes, a relação teoria e prática (D’AGOSTINE, 2009).
Entre os princípios pedagógicos do MST, a auto-organização dos estudantes
orienta diversas atividades que perpassam o chão da escola e refletem na organização
dos acampamentos e assentamentos da reforma agrária. Segundo Camini (2009), a
auto-organização dos estudantes é pensada como fio condutor da formação e gestão
da escola do campo.
Vale ressaltar que o Assentamento Zumbi dos Palmares tem uma estrutura
organizativa que contribui nos diversos aspectos da vida coletiva da comunidade. Os
Núcleos de Base fortalecem a participação e a organização comunitária das famílias, a
partir dessa estrutura organizativa são organizadas diversas atividades do Assentamento
e do conjunto do MST, como mutirões, assembleias, reuniões, encontros, mobilizações
e outras.
É notória a organização nos diferentes espaços da escola, mas a auto-
organização tem a necessidade de ir além disso. Segundo França (2013), os núcleos de
base do coletivo de estudantes na escola têm tarefa de ser um espaço de convivência
e auto-organização, além de um lugar de estudo, discussão, encaminhamentos e
cooperação entre os educandos dentro da escola, buscando fortalecer a coletividade da
unidade escolar, planejando ações voltadas para o campo experimental, da produção, e
também de planejar e realizar as tarefas coletivas.
Em nossas análises, constatamos que na E.M.E.I.E.F. Assentamento Zumbi dos
Palmares os núcleos de base têm sua identidade coletiva, como nome, palavra de ordem
e simbologia no jardim em frente à escola, além de ornamentar a escola, este serve para
dar a identidade do núcleo, para indicar o local onde os estudantes vão aguardar a sua
vez de entrar para a sala de aula, no ônibus escolar, ou a outro espaço coletivo.
Nos anos finais do Ensino Fundamental, além dos núcleos, existem os setores
dentro da auto-organização, essa instância contribui na organização de outros espaços
educativos que perpassam o núcleo, cada setor tem o acompanhamento de um
educador, sobre os setores a educanda Ariane Alexandre dos Santos relata: “tem as
tarefas dos núcleos também, e os setores de mística, finanças, tarefas e trabalho prático,
vida de grupo e esporte e lazer”.
A auto-organização dos educandos enquanto princípio da proposta pedagógica
do MST tem sido destacada como fundamental nos processos de aprendizagem:
A capacidade de agir por iniciativa própria, ao mesmo tempo em que
respeitando as decisões tomadas pelo seu coletivo ou por outro a que
este seja subordinado; a busca de soluções para os problemas sem esperar
salvação de fora; o exercício da crítica e autocrítica; a capacidade de
mandar e de obedecer ao mesmo tempo, ou seja, se assumir ora posições
de comando, ora posições de comandado; a atitude de humildade, mas
também de autoconfiança e ousadia; o compromisso pessoal com os
resultados de cada ação coletiva e o compromisso coletivo com a ação de
cada pessoa e a solidariedade em vista de objetivos comuns; e a capacidade
de trabalhar os conflitos que sempre aparecem nos processos coletivos [...]
(MST, 2005, p. 174).
Sobre o diálogo, Freire (1993) nos desafia que para todo projeto de educação
que se pretende ser libertadora, inicie por sua própria coerência metodológica, que
provoca a postura dialógica como fundamento do processo libertador.
Os dados analisados revelam, ainda, que na dinâmica de formação da E.M.E.I.E.F.
Assentamento Zumbi dos Palmares fica evidente o protagonismo dos educandos dentro
dos núcleos e setores da auto-organização.
No que se refere aos desafios da auto-organização E.M.E.I.E.F. Assentamento
Zumbi dos Palmares, os educandos apontam desafios que envolvem a relação educando-
educando e educador-educando:
Às vezes estamos com pressa e não respeitamos a auto-organização, tipo
saímos da sala a ao invés de ir pro núcleo vamos direto para o ônibus (Aline
Gomes Vicente).
Eu acho que pode melhorar muito, por exemplo, nos temas dos núcleos que
a gente escolhe o nome, palavra de ordem e simbologia, o grande tema é
decidido pela equipe de educadores, esse ano a equipe decidiu que o tema
são os biomas brasileiros, ano passado foi os revolucionários da educação, a
gente também quer decidir (Caio Nepomuceno Verdeiro).
Isso nos remete à auto-organização como um processo continuo, em que
o coletivo de educandos vai, de maneira gradativa, assumindo a responsabilidade
individual e coletiva. Questionados sobre o espaço para resolução dos desafios os
educandos apontam outro desafio, relacionado ao instrumento da Avaliação Semanal:
A gente dá a proposta dos encaminhamentos dos problemas da vida de
grupo na escola e a equipe de educadores que decide, mas a gente não
acompanha mais (Caio Nepomuceno Verdeiro).
A gente conversa, faz proposta e os educadores falam que na próxima
semana vai encaminhar e nada, perdeu o sentido (Nestor Pereira dos Santos
Lima).
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PROJETO CISTERNAS NAS ESCOLAS: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DO DIREITO
À ÁGUA E DIREITO À EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA NA FORMAÇÃO DE
EDUCADORES E EDUCADORAS DO CAMPO
Ana Paula Mendes Duarte
Resumo
Objetivamos apresentar a experiência do Movimento de Organização
Comunitária (MOC) no desenvolvimento da III Etapa do Projeto Cisternas nas Escolas,
uma parceria entre a instituição, a Articulação do Semiárido (ASA) e o Governo
Federal (a partir do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário - MDSA). Busca-
se discorrer sobre o itinerário pedagógico utilizado, que é inspirado na metodologia
Conhecer, Analisar e Transformar a realidade do campo em municípios do Semiárido
baiano, tendo como público-alvo professores e professoras da zona rural, bem como os
principais impactos e resultados obtidos na formação desses/as educadores através da
implementação de novas práticas pedagógicas contra-hegemônicas, tendo a água de
educar como mote principal, relacionando com a concepção e princípios da educação
contextualizada.
Palavras-chave: Água de educar. Educação Contextualizada. Formação de Professores/
as do campo.
Introdução
O semiárido historicamente foi negligenciado e esquecido pelos governos que
culpabilizavam os problemas como a pobreza, mortalidade e o próprio êxodo rural à seca.
Durante longos anos a Região Sisaleira do Semiárido baiano foi protagonista estampando
em jornais, na mídia e no imaginário coletivo altos índices de pobreza, descaso e miséria,
frutos de negações de direitos e políticas públicas que negligenciavam a região Nordeste
e a transformaram refém da indústria da seca e vítima do coronelismo.
Esse negligenciamento refletiu em números e estatísticas dentre os mais
baixos do país, como Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) e demais estatísticas que apontam para
a pobreza extrema e índices tão diminutos de desenvolvimento, nutrição, segurança
alimentar, entre outros (IBGE, 2015).
Frente a essas problemáticas de um “povo sem Estado”, há ainda muitos
desdobramentos desse tempo, uma vez que é um território negligenciado, com ausência
durante séculos de políticas públicas básicas e essenciais que garantissem o exercício da
cidadania e o rompimento com o ciclo do combate à seca, iniciando através das políticas
públicas de convivência com o semiárido um novo ciclo de vida e de possibilidades.
Um destaque histórico importante é a implementação do Programa Fome
Zero, que depois se transformou na unificação de vários programas que delinearam o
Programa Bolsa Família. Outro destaque é o Programa Um Milhão de Cisternas, criado
em 2003 pela ASA, Articulação do Semiárido, e executado desde esse mesmo ano pelo
Ministério do Desenvolvimento Social, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento
Agrário, graças às parcerias até então nunca antes incentivadas entre o governo federal
e entidades sociais, como a ASA. A Articulação do Semiárido foi fundada em 1999 a
partir da organização de cerca de 3.000 entidades dos Movimentos Sociais em defesa
de políticas de convivência com o semiárido, tendo como ato político a elaboração
da carta Declaração do Semiárido Brasileiro. Participante desse momento histórico e
compondo essas entidades que juntas criaram a ASA, o Movimento de Organização
Comunitária (MOC), fundado em 1967, contribuiu na execução de diversas ações em
prol da construção de políticas de convivência com o semiárido.
Já o Projeto Cisternas nas Escolas, central nesse estudo, é desenvolvido em
parceria dos movimentos sociais do campo e entidades que defendem políticas públicas
para o semiárido brasileiro com o governo federal desde o ano de 2010. De lá para cá
várias etapas foram realizadas e 6.600 cisternas de placa de 52.000 mil litros foram
construídas em escolas do campo de comunidades tradicionais no semiárido brasileiro
(ASA, 2018). A partir do ano de 2015 o projeto assume uma nova configuração, que é
a implementação do debate da educação contextualizada e formação de educadores e
educadoras e demais funcionários da comunidade escolar. A partir de então, o projeto
toma contornos de programa e passa em seguida a ser uma política pública.
O MOC atuou no projeto desde seu início e continua desenvolvendo-o até
então. Como a instituição já tinha acúmulo no trabalho com formação continuada de
educadores e educadoras do campo no semiárido baiano (territórios de identidade
do Sisal e Bacia do Jacuípe) desde o ano de 1994, a organização, que é classificada
como ONG, pôde aliar ainda mais as formações continuadas através da concepção
filosófica e metodológica Conhecer, Analisar e Transformar a realidade do campo (CAT),
aprofundando a relação entre a educação contextualizada de qualidade e o direito à
água de qualidade nos municípios em que já atuava, e sua ampliação entre os novos
municípios, que não desenvolviam a educação contextualizada.
Diante do exposto, as motivações que incentivam a problematização das ações
do Projeto Cisternas nas Escolas e seu desenvolvimento na relação entre o direito à água
e educação contextualizada e seus impactos na formação de educadores e educadoras
durante a execução da III Etapa do Projeto, em que se realiza um recorte no ano de 2017,
no qual, apesar da difícil conjuntura política e corte no orçamento para a continuidade
das implementações de políticas públicas no semiárido, conseguiu-se realizar a
construção de 45 cisternas escolares distribuídas entre as escolas de comunidades
rurais e tradicionais nos municípios de Barrocas, Pé de Serra, Serra Preta e Teofilândia,
percorrendo o território do Sisal e Bacia do Jacuípe.
E, portanto, busca-se apresentar e discutir os resultados do ciclo formativo
através das Oficinas de Educação Contextualizada com os educadores e educadoras, os
destaques quanto à melhoria do aprendizado dos educandos e educandas das escolas
do campo, bem como a organização comunitária e maior participação das famílias nas
escolas, o acesso ao direito à água dentro dos padrões microbiológicos, as temáticas
debatidas no viés da contra hegemonia e popularização dos conhecimentos.
Assim, passam a dialogar com a realidade das comunidades, problematizando-a
e melhorando a qualidade de vida não com o fomento de políticas públicas aliadas
à prática educativa contextualizada e libertária que não coadunem com falácia do
combate à seca, mas com uma educação descolonizadora e emancipatória, na qual as
políticas estejam voltadas para a convivência com o semiárido e com a própria vida dos
sujeitos do campo.
Nessa perspectiva formativa, o histórico da educação brasileira expressa o
choque de forças vivas, entre o passado, presente através da construção histórica. A
educação, assim como nos países da América Latina que vieram de um histórico de
colonização para a exploração, o surgimento de uma nação foi conturbado e disputado
(BAPTISTA, 2006).
A educação foi forjada nos privilégios de uma elite e assim permaneceu durante
séculos como instrumento de controle de uma parte da população. A grande maioria
analfabeta permaneceu fora do processo de escolarização, que no Brasil passa a ser uma
política bem tardiamente, somente em 1930, marcado pela criação do Ministério da
Educação, no governo de Getúlio Vargas. Época na qual se cria o Manifesto da Escola
Nova e começam a ser mais fortes os confrontos por políticas públicas de educação,
demandadas por diversos setores da sociedade que, já sentindo os primeiros ventos do
capitalismo no Brasil, sentiram a necessidade de acelerar o processo de industrialização
e para tanto precisariam de uma mão de obra mais qualificada, portanto escolarizada.
Neste sentido, a educação pública no Brasil surge tendo como motivação interesses
econômicos, de uma educação produtivista e tecnicista (BAPTISTA, 2006).
Neste contexto de desigualdade ao acesso à educação escolarizada, como
observa Mèszáros (2008), a educação formal nos últimos 150 anos se empenhou em
atender ao capital e a seu projeto de extensão e perpetuação, de maneira a basear
toda fundamentação pedagógica na perspectiva da dominação estrutural do modo de
produção capitalista. Ou seja, validando os interesses dos detentores do poder político
e, sobretudo, do poder econômico.
A concepção ideológica da educação rural não estabeleceu nenhum tipo de
relação com o desenvolvimento local, mas em sua estruturação sempre predominou
visão de educação limitada, assistencialista e que via os sujeitos do campo como povos
subordinados, subalternos ao urbano, atrasados, sem tecnologia e até mesmo sem
cultura. E isso não favorecia a construção de uma educação fortalecedora de identidades,
bem como trazia uma visão antagônica entre campo e cidade (ROSA; CAETANO, 2008).
Assim, quando a visão de desenvolvimento rural começa a ser delineada a
partir do desenvolvimento territorial local, a educação rural – que já sofria durante anos
críticas e ressalvas dos Movimentos Sociais do Campo, que não viam representatividade
na Educação Rural – torna-se obsoleta. Episódio crucial para legitimar a necessidade
de uma educação emancipatória para os povos do campo, a Conferência Nacional de
Educação do Campo aconteceu em Luziânia, Goiás, cujo modelo de educação rural
é rejeitando e os Movimentos compostos por diversas entidades ligadas ao campo
constroem a nomenclatura da “Educação do Campo”, pela permanência e pelo direito à
uma educação “do” campo e “no” campo (CARNEIRO, 2012).
A concepção de Educação do campo, no sentido de representar os trabalhadores
e trabalhadoras que vivem no Campo, é legítima e demandada pelos Movimentos
Sociais do campo que, diferentemente da Educação Rural, foi bandeira de luta destes
movimentos e por eles pensada. Desse modo, a Educação do Campo em sua concepção
ideológica visa à inclusão dos valores, cultura e modos de vida dos povos do campo
como conhecimento necessário a ser integrado ao currículo escolar e com práticas
pedagógicas que coadunem com a contextualização da realidade. Uma educação que
seja, conforme Kolling, Nery e Molina (1999, p. 29),
voltada ao interesse do campo, voltada ao interesse e ao desenvolvimento
sociocultural e econômico dos povos que habitam e trabalham no campo,
atendendo às suas diferenças históricas e culturais para que vivam com
dignidade e para que, organizados, resistam contra a exploração e a
expropriação, ou seja, este do campo tem o sentido do pluralismo das
ideias e das concepções pedagógicas: diz respeito à identidade dos grupos
formadores da sociedade brasileira (conforme os artigos 206 e 216 da nossa
Constituição).
O mesmo autor destaca que por conta desse contexto de longos períodos de
estiagem, durante a seca a maioria das famílias que vivem no semiárido não consegue
acessar as necessidades básicas, como o direito à água e alimentação. Porém, essa
situação não pode ser atribuída às questões ambientais, mas precisam ser vistas de um
ponto de vista político e social, olhando também para o viés histórico das populações
que vivem no semiárido, o autor provoca que “Elas são, sobretudo, de natureza política
e se expressam na enorme crise socioambiental que vivemos.” (BAPTISTA, et. al, 2011,
p. 10).
Para Caldart (2002), uma das características fundamentais do movimento
por uma educação do campo é a luta pela educação na perspectiva da Política Pública,
enquanto direito inegociável, contextualizado com a sua realidade e no local onde vive,
pensada para e com os sujeitos do campo, pensando o desenvolvimento local. Nessa
direção, o Art. 2º, Parágrafo único, das Diretrizes Operacionais para Educação Básica do
Campo, diz que:
Art. 2º - A educação do campo é uma concepção política pedagógica voltada
para dinamizar a ligação dos seres humanos com a produção das condições
de existência social, na relação com a terra e o meio ambiente, incorporando
os povos e o espaço da floresta, da pecuária, das minas, da agricultura, os
pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas (BRASIL, 2002).
28 BRASIL. Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010. Dispõe sobre a política de educação do campo e o
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/
legin/fed/decret/2010/decreto-7352-4-novembro-2010-609343-norma-pe.html
os movimentos das marés, explicitando habilidade pesqueiras para ouvir e
sentir essas mudanças. Esse diálogo tende a participação de todos e todas
envolvidos(as), buscando estimular a autonomia dos(as) estudantes, a
solidariedade, o respeito aos mais velhos, aos mestres do mar e, de modo
específico, aos saberes dos territórios pesqueiros. E, além disso, propõe
uma educação participativa e cidadã, que busca intervir na sociedade de
modo colaborativo e respeitando as diversidades dos(as) pescadores(as)
artesanais. (BRASIL, 2010)