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O Principio da Supremacia do ‘ Interesse Publico: Sobrevivéncia diante dos Ideais do Neoliberalismo Maria Sylvia Zanella Di Pietro? 1. Explicacao necessaria Intimeros institutos que constituem a propria base do direito administrativo vem sendo alvos de criticas, As vezes com o objetivo mesmo de extingui-los do mundo juridico, outras vezes com o objetivo de dar-Ihes nova configuragao. E 0 que ocorre com o principio da supremacia do interesse publico. Alega-se a inviabilidade de falar-se em supremacia do interesse publico sobre o particular diante da existéncia dos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos. Critica-se a indeterminagao do conceito de interesse puiblico. Defen- de-se a ideia de uma ponderacao de interesses, para verificar, em cada caso, qual deve prevalecer. Prega-se a substituigdo do principio da supremacia do interesse ptiblico pelo principio da razoabilidade. O real objetivo é fazer prevalecer o inte- resse econdmico sobre outros igualmente protegidos pela Constituicao. Daf a ideia de voltar a andlise do principio, j4 efetuada no livro Discricionarie- dade administrativa na Constituigéo de 1988 (2001, Capitulo 6). 1 Mestre, Doutora, Livre-docente pela Faculdade de Direito da USP Procuradora do Estado de So Paulo (aposentada). Professora Titular de Direito Administrativo da USP is + Di Pietro / Ribei reito Administrative io ros Temas Relevantes 4° ireito eout 86 Supremacia do Interesse Piiblico i ao com a ideia de 2 i do principio & sua aproxima¢@ r Origem incl ja do interesse publi, . io da supremacia oi que o principio istrativo, na verdade ele antecede = yossa parecer re : Embora pi P go direito admini: nha sido criado no ambito mine direito, que somente comecoy a muitos séculos o nascimento ne aa século XVII, com a formaco do Estage formar ome sare Raa existéncil de interes eee oes dos in. de Direito i oryais encontra suas origens na antiguidade = omana, Ensina Norberto Bobbio? que a ideia do primado Soe eee se desen. volveu como forma de reac4o contra a concep¢ao liberal do es € aue se fun. da sobre a “irredutibilidade do bem comum a soma dos bens ine luais”, Pode assumir diversas formas “segundo o diverso modo através do qual é entendido o ente coletivo — a nacao, a classe, a comunidade do povo — a favor do qual o indi. viduo deve renunciar a propria autonomia”; em todas essas formas, “é comuma ideia que as guia, resolvivel no seguinte principio: 0 todo vem antes das partes”, Acrescenta o autor que se trata de uma ideia aristotélica e mais tarde, séculos depois, hegeliana (de um He- gel que nesta circunstancia cita expressamente Aristételes); segundo ela, a totalidade tem fins nao reduziveis 4 soma dos fins dos membros singulares que a compéem e o bem da totalidade, uma vez alcangado, transforma-se no bem das suas partes, ou, com outras palavras, o maximo bem dos sujeitos é 0 efeito nao da perseguicdo, através do esforco pessoal e do antagonismo, do proprio bem por parte de cada um, mas da contribuicdo que cada um juntamente com os demais da solidariamente ao bem comum segundo as regras que a comunidade toda, ou o grupo dirigente que a representa (por simulagao ou na tealidade), se impés através de seus 6rgaos autocraticos ou 6rgaos democraticos, objetivo, é necessdrio que os ci uerem “viver bem”; para que alcancem ess ou por intermédio dos seus go idadaios yi. visem ao i junto Wwernantes 2 interesse comum, ou em conju” 2 Estado, governo e sociedade: para ty % Norberto Bobbio. A teoria das for ima teoria geral da Politi T™as de governo, 1976, » a oe 6. p. 50, (© Principio da Supremacia do Interesse Piblico: Sobrevivencia diante dos Ideais do Neoliberalismo 87 3 Aideia de bem comum na Idade Média Por influéncia do cristianismo, especialmente sob inspiracdo de Santo Tomas de Aquino, a ideia de bem comum desenvolveu-se na Idade Média. Em andlise sobre o tema do bem comum, Marie-Pauline Deswarte* ensina que Santo Tomas de Aquino, na sua Summa theologica, colocava o bem comum como tudo aquilo que o homem deseja, seja de que natureza for: bem material, moral, espiritual, intelectual. Mas, sendo o homem um ser social, ele procura nao sé o seu préprio bem, mas também aquele do grupo a que pertence. Cada grupo tem 0 seu préprio bem comum. Ao Estado cabe perseguir o bem comum, visto sob dois aspectos: a) para os particulares, o bem comum é a causa, ou seja, é 0 conjunto das condigées comuns préprias 4 organizacd4o e A conservacao de seus bens; bem do todo (formalmente distinto de cada uma das partes), ele é, por- tanto, ao mesmo tempo, bem préprio de cada pessoa; b) para a sociedade, ele é um fim, porque determina a orientagdo dos indi- viduos na sociedade, mas também os unifica; dir-se-4 que ele é ao mes- mo tempo fim e forma. Ensina também a autora que, pela doutrina tomista, acrescenta-se a bipartigao da justiga (comutativa e distributiva, inspirada em Aristételes), a ideia de justica legal ou justiga social, que traga as obrigagées das partes para com 0 todo, o que € feito por meio da lei; dai a ideia de que a justiga envolve sempre um alter, uma vez que ninguém pode ser justo consigo mesmo. Ainda na Idade Média, Jean Bodin (século XVI), ao conceituar a Republica, dé ideia do que considera o fim principal e o meio de alcangar o reto governo. Para ele, “Reptiblica é um reto governo de muitos lares e do que Ihes é comum, com poder soberano”. Ao falar em “muitos lares”, ele esta se referindo ao aspecto organico da sociedade, 4 comunidade politica como um todo, cuja finalidade prin- cipal é a consecucao de um reto governo, ou seja, 0 que proporciona nao sé bens materiais, mas também a realizacao de valores, como razao, justica e ordem; a ta- refa de administrar uma comunidade politica incumbe ao Estado, poder soberano. Trata-se de concep¢ao que, como outras da Idade Média, se vinculava 4 ideia de solidariedade social como forma de justificar a comunidade politica; os homens se unem para conseguir o bem comum. 4 As teses contratualistas e o triunfo do individualismo As concepgées que se preocupavam com o bem comum comecam a se alterar com as teses contratualistas e liberais de fins do século XVII e século XVIII (teses a Intérét general, bien commun. Revue de Droit Public, v. 5, p. 1294, 1988. injstrativo * Di Pietro / Ribeiro ytros Temas Relevantes dO pireito Admil 88 _ Supremacia do Interesse Pablico ¢ ov! r ressuscitar, apesar d, doutrina neoliberal pretende agora faze! oak essas que a dou' os maleficios que provocou)- iti -! 40 mais em Locke, a base da sociedade politica encontra-se Ni fatores es Para Locke, a ba! cessidades & aspiragdes individuais, Oobjetive muns a todos os homens, mas nas ae vsreger o interesse puiblico, mas o interes. dos homens ao se associarem nao € P hesieamente na aquisicao de bens ae privado de cada qual e que s€ rest sse objetivo do que seria possive] : riais; a vida em sociedade alcanga melhor e: em uma situacdo de anarquia. : : Com a Revolugio Francesa, © individualismo alcanga A eae ae Con efeito, a doutrina individualista partia do reconhecimento ‘i a de ireitos indissocidveis da condi¢éo humana e, por isso mesmo, a ens aa e impreserj- tiveis, servindo de inspiragao para os postulados pasicos — igualdade e liberdade — com que se elaborou o direito em geral, em fins do século XVIII. Pela escola do direito natural, sob cuja influéncia se constituiu individualismo, todos os ho- mens nascem livres e iguais. Se assim é, todos devem ser iguais perante a leie ter plena liberdade de agir, observando como limite apenas o direito igual de seu semelhante. Nao é por outra raz4o que a Declaragao dos Direitos do Homem e do Cidadao, de 1789, proclama, logo no artigo 1°, que “os homens nascem livres”, praticamente repetindo a frase com que Rousseau inicia o seu Contrato social. Com essa concepgio, a ideia de solidariedade social deixa de ser vista como causa de uniao dos homens em sociedade. O seu fim tinico passa a ser o de asse- gurar essa liberdade natural do homem; também a lei, como express&o da vontade geral, nao poderia ser instrumento de opressio, mas de garantia dessa liberdade. Segundo Marie-Pauline Deswarte,° “o Bem Comum perdia assim toda signifi- cacao. Dentro desta perspectiva, a sociedade nao era, com efeito, mais um corpo organico tendendo para seu bem. Ela era vontade soberana, absoluta, Nenhum fim, nenhuma finalidade lhe podia, por consequéncia, ser assinalada do exterior”. A autora lembra a li¢do de Rousseau, segundo a qual “nao pode haver nenhuma espécie de lei fundamental obrigatéria para 0 povo, nem mesmo o contrato social”. A i ‘ : eee explicar e garantir a subsisténcia da sociedade levou 0 com ar na vontade individual a fonte da soberania. O bem comum deixa de estar na base da ord i lem social sag, a. a 7 os homens se uniam, pelo contrato € é substitufdo pela ideia de utilitarism? de interesse geral, de cunho utilitaris baseada na ligdo de Rivero e Clément: pectiva filosdfica do interesse geral, © questéio quando ela afirma: ‘O bem ‘eS Para alguns, “o Bem Comum seria a pes ra, a filosofia dd uma primeira respost4 ae eo td no nivel dos fins honestos, o interess¢ = 5 Ob. cit., p. 1298. © Ob. cit., p. 1292. © Principio da Supremacia do Interesse Publico: Sobrevivencia diante dos Ideais do Neoliberalismo 89 mesmo geral — no nivel dos fins uteis’. O interesse geral seria todo impregnado de utilitarismo, o Bem-Comum dele se distinguiria por sua referéncia 4 moral”. E acrescenta que “hoje se percebem os inconvenientes de um poder muito acan- tonado no plano utilitario. A utilidade nao é um bem em si e a presenga do inte- resse geral, mito estatal para alguns, pareceria a muitos 0 sinal de um verdadeiro abuso de democracia”. Para alguns contratualistas, como Hobbes, o interesse geral nao se distingue do interesse individual; o soberano tem que satisfazer o interesse comum, que consiste apenas em satisfazer os interesses particulares. Foi com Rousseau que nasceu a ideia de interesse geral diverso da soma dos interesses individuais. Em sua obra, a liberdade e a igualdade individuais aparecem. transformadas no estado de sociedade. Pela convencao, “cada um de nds coloca em comum a sua pessoa e todo o seu poder sob a suprema direcéo da vontade geral, e nés recebemos em corpo cada membro como parte indivisivel do todo”. Chevalier,” comentando esse trecho de Rousseau, explica que “cada associado se aliena totalmente e sem reserva, com todos os seus direitos, 4 comunidade. Assim, acondigao é igual para todos. Cada um se compromete com todos. Cada um, dan- do-se a todos, a ninguém se da”. A respeito da vontade geral, diz Chevalier que ela nao é, de forma alguma, condic&o pura e simples de vontades particulares. Vontade geral nao é simplesmente vontade de todos ou da maioria. Aqui se deve fazer intervir um elemento de ‘moralidade’, palavra cara a Rousseau. Este tiltimo parece distinguir dois mundos, compardveis, um ao mundo do Pecado, outro ao da Redengio. De um lado, o mundo suspeito do interesse particular, das vontades particulars, dos atos particulares. Do outro, o mun- do do interesse geral, da vontade geral (a que quer 0 interesse geral e naoo particular), dos atos gerais (as leis).... Ora, 0 povo em conjunto, ‘o sobera- no’, nado poderia querer sendo 0 interesse geral, nado poderia ter senaéo uma vontade geral. Enquanto cada um dos membros, sendo simultaneamente, em consequéncia do contrato, homem individual e homem social, pode ter duas espécies de vontade. Como homem individual, é tentado a perseguir, o instinto natural, egofsta, o seu interesse particular. Mas 0 de acordo com 5 a o cidad4o, procura e quer o interesse geral. homem social que nele existe, A consequéncia desse tipo de colocaciio, incorporada na Declaracao de 1789, 1 o fundamento do Poder estatal, este passa a encar- € que, sendo o interesse geral assa nar a vontade de todos; o consentimento passa a ser a fonte de legitimidade do Poder. A vontade geral é manifestada através da lei; esta deriva da natureza das coisas e encontra seu fundamento na razao, segundo pensamento de Rousseau. Precisamente por ser a expressdo da vontade geral, a lei adquire um cardter sa- grado, incontestdvel, inteiramente desvinculado de qualquer contetido axiolégico; 7 InAs grandes obras potticas de Maquiavel a nossos dias. Rio de Janeiro: Agir, 1976. p. 163-164. SES ERE ESSE RGES SAE SSESESESESISESIEETESECESGEESCESSAEESSEIESEICS SES SSTESECERGESECESSEESESESEIER + Di Pietro / Ribeiro 90. Supremacia do interesse de protecao das liberdades snstrumento ada como inst iberdades, tornando-se ing a, Idealiz 0 ae mesmas I ela vale por si mesm: i" x r colocar em riscO individuais, acaba po! trumento de opressao. 4g ela é que conta; quando of ade geral, 50 © Sta. Sea lei tem fundamento re vontade oer a sociedade f caine faut-lo ome. oa pa pitas sear finalidade, sem ofender a 1 individuo, 0 5 Aluta pelo bem comum no Estado Social de Direito Com as teses individualistas, a liberdade de uns acabou por gerar a opressio de outros. A situacao agravou-se com a Revolucdo Industrial, provocando profun- da desigualdade social. As reagdes comecaram em fins do século XIX. Comeca uma luta pelo social, ‘A doutrina social da Igreja desempenhou relevante papel nessa luta. O Papa Ledo XII, na Enciclica Rerum Novarum, de 1891, lembra que, na sociedade, patrées e empregados sao destinados, por natureza, a se unirem harmoniosamente e a se manterem mutuamente em perfeito equilibrio. Por sua vez, sob inspiragao de San- to Tomas de Aquino, o Papa Pio XII, em 1941, atribui ao Estado a protecio dos direitos da pessoa humana, dando-lhe os meios para que possa levar “uma vida digna, regular, feliz, segundo a lei de Deus”. E Joao XXIII, na Enciclica Pacem in Terra, define 0 bem comum como “o conjunto das condicdes sociais que permi- tem tanto aos grupos como a cada um de seus membros, atingir a sua perfeicéo de maneira mais total e mais facil”. ___Vale dizer que, com tais concepcées, o interesse ptiblico identifica-se com a ideia de bem comum. O interesse ptiblico perde o carater utilitdrio adquirido com © liberalismo e volta a revestir-se de aspectos axiolégicos. A nova concep¢ao re- vela preocupacio com a dignidade do ser humano. . PG Segundo Marie-Pauline Deswarte® ‘i ob. ci ‘i assim caracteriza o bem comum: (ob. cit., p. 1301 e ss), a nova concep¢a0 sendo, por isso mesmo, univel” es humanos feitos de direitos ® Ob. cit, p. 1301. © Principio da Supremacia do Interesse Piblico: Sobrevivencia diante dos Ideais do Neoliberalismo 91 isto supde que a sociedade nAo seja considerada como um sujeito a par- te, transcendente, que fard cumprir a vontade do grupo; (3) isto supde também que se trate de um verdadeiro bem, de contetido moral, e nao de simples interesse utilitdrio, pois este gera 0 egoismo; ©) obem comiim é superior ao bem individual; a dignidade de todo homem quer que ele possa participar de um bem maior que seu préprio bem: é isto que o torna um ser social; d) o bem comum é fundamento e limitagdo ao poder politico; fundamen- to, porque o poder se constitui para atingir o bem comum; e limitagdo, porque, sendo seu objetivo o bem da pessoa humana, 0 Estado sé deve intervir na esfera da liberdade individual, atendendo ao principio da subsidiariedade, respeitando 0 equilfbrio entre a liberdade do individuo ea autoridade do Estado. Sempre que 0 individuo ou 0 grupo sozinhos possam agir, o Estado nao deve intervir; o bem comum se exprime atra- vés da lei, nao uma lei puramente formal, mas sim uma lei que atenda ao bem comum. Essa concep¢do foi incorporada a Lei Fundamental da Reptiblica Federal da ‘Alemanha, promulgada em 8-5-1949. Na Introdugao desta Constituigao, publica- da pelo Departamento da Imprensa e Informagao do Governo Federal de Bonn, de 1966, afirma-se que suas normas nao se esgotam com principios sobre estrutura e funcio da organizacao publica. A Lei Fundamental é bem mais do que isso, um: ordenamento de valores que reconhece na defesa da liberdade e da digni- dade humana o seu mais elevado bem juridico. Sua concepcao do homem, contudo, no é a do individuo autocratico, mas a da personalidade in- tegrada na comunidade e a esta vinculada de multiplas formas [grifa- mos]. Como expresso de que seja tarefa do Estado servir ao ser humano, os direitos fundamentais abrem a Lei Fundamental. E também a concepcio presente na Constituigao do Brasil, de 1988, que adota 0s princfpios do Estado Social de Direito, fundado na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e confirmado no artigo 3°, que atribui a Republica, entre outros objetivos, o de garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza ea marginalizagao e reduzir as desigualdades sociais regionais, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raga, Sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminagao; além disso, no Titulo VIII, a Constituic&o coloca como base da ordem social o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiga sociais (art. 193), com normas em grande parte \programaticas, voltadas para a seguridade social, educagiio, cultura, desportos, ciéncia e tecnologia, comunicagio social, meio ambiente, familia, crianca, ado- lescente, idosos e indios. emacs re istrative * Di Pietro / Ribei sros Temas Rejevantes do Dirito ‘dministrati 92 Supremacia do Interesse Publico ¢ out inc) ii iblico no direit, i io di supremacia do interesse pul i O principio da administrativo ‘Oo vo nasceu no peri 0 liberal. Por isso me. fod scecath sceu no periodo do Estado li $50 mesmo, O direito administrativo ; ny indivi ista qué impregnou-se, em parte, do cunho individ inistrativo trouxe em si tracos de i humanas. Mas, paradoxalmente, © wai istas A consecucac itari “de supremacia sobre 0 individuo, com viel ‘bli '¢40 de fins Cpanel yee princfpio do interesse ptiblico se desen. : ae -se dizer que 0 ‘i de interesse piblico. Pode-se dizer que o principle At a aa rtado cen vol ‘0 periodo do Estado Social de Di , a ; : ceuem todos ‘0s setores, com 0 objetivo de corrigit a profunda desigualdade Social gerada pelo liberalismo. Garrido Falla? observa que, com o crescimento do Estado, os préprios indivi. duos passaram a exigir a atuacdo do poder ptblico, nao mais para 0 exercicio s6 das atividades de seguranga, policia e justica, como ocorria no perfodo do Estado Liberal de Direito, mas também para a prestacdo de servicos ptiblicos essenciais ao desenvolvimento da atividade individual, em todos os seus aspectos, pondo fim As injusticas sociais geradas pela aplicacdo dos principios incorporados pelo direito civil. Por outro lado, esse novo Estado prestador de servigos trouxe consi- go a prerrogativa de limitar o exercfcio dos direitos individuais em beneficio do bem-estar coletivo, pondo em perigo a propria liberdade individual. Estava consagrado o principio da supremacia do interesse ptiblico em sua nova feigdo. Na realidade, o direito administrativo criou principios e institutos que derro- garam em grande parte postulados basicos do individualismo juridico: o reconhe- cimento de privilégios para a Administracao Publica opGe-se ao ideal da igualdade de todos perante a lei; a criacdo, pelo Estado, de entidades publicas ou privadas, com personalidade juridica prépria, coloca intermediarios entre o Estado e 0 indi- oe contrapondo-se aos anseios que inspiraram a Lei Le Chapelier; a atribuigéo le uma fungao social 4 propriedade privada derroga o cardter absoluto com que éculo XVIII; a imposicdo de normas mia da vontade; a aplicacdo da cldusula rebus si, forga obrigatéria dos contratos; em termos tisco, em varias hipdteses de dan ii aie , 10S causa i itui considerar-se que esta nem sempre leva a Slugd0 mais ae a de culpa PF olucgdo mais ; Como observa Garrido Falla,10 sa mais justa. 9 Las transformaciones del régi: ‘ ‘gimen administrati : p. 24-28. “tative. Madri: Instituto de Esttidios Politicos, 1962 10 Ob. cit., p. 44-45, © Principio da Supremacia do Interese Piblico: Sobrevivencia diante dos Ideais do Neoliberalismo 93 &curioso observar que fosse o préprio fenémeno hist6rico-politico da Revolu- aio Francesa o que tenha dado lugar simultaneamente a dois ordenamentos distintos entre si: a ordem juridica individualista e o regime administrativo. O regime individualista foi se alojando no campo do direito civil, enquanto o regime administrativo formou a base do direito ptiblico administrativo. Na obra anteriormente citada,!! realcamos esse aspecto, afirmando que 0 di- reito administrativo nasceu e desenvolveu-se baseado em duas ideias opostas: de um lado, 0 da protegdo aos direitos individuais diante do Estado, que serve de fun- damento ao principio da legalidade, um dos esteios do Estado de Direito; de outro lado, a da necessidade de satisfagdo de interesses puiblicos, que conduz a outorga de prerrogativas e privilégios para a Administracao Publica, quer para limitar o exercicio dos direitos individuais em beneficio do bem-estar coletivo (poder de policia), quer para a prestagao de servigos publicos. Dai a bipolaridade do direito administrativo: liberdade do individuo e autoridade da Administragdo; restrigdes € prerrogativas. Para assegurar-se a liberdade, sujeita-se 0 Estado a observancia da . lei; 6 a aplicacao, ao direito puiblico, do principio da legalidade. Para assegurar-se a autoridade da Administracdo Publica, necessaria A consecu¢ao de seus fins, sao-lhe outorgadas prerrogativas e privilégios que Ihe permitem assegurar a supremacia do interesse piiblico sobre o particular. Esses so os dois principios basicos do direito administrativo. Eles nao perma- neceram estdticos no decurso do tempo. Eles acompanharam as transformagées do Estado e assumiram nova feicdéo no momento atual. Assim como o principio da legalidade saiu de sua formula rigida e formalista, propria do Estado legal e chegou a uma férmula muito mais ampla que se ajusta ao Estado de Direito pro- priamente dito, também o principio do interesse puiblico comecou como proposi- c&o adequada ao Estado liberal, nao intervencionista (com 0 ja assinalado cunho utilitarista) e assume feicdo diversa para adaptar-se ao Estado social e democrdtico de Direito, adotado na Constituigao de 1988. Na mesma obra, !2 também realgamos que, em sua fase inicial, o interesse pu- blico a ser protegido pelo direito administrativo era aquele de feicgao utilitarista, inspirado nas doutrinas contratualistas liberais do século XVIII e reforcadas pelas doutrinas de economistas como Adam Smith e Stuart Mill. O direito administra- tivo tinha que servir a finalidade de proteger as liberdades individuais como ins- trumento de tutela do bem-estar geral. Com o Estado Social, 0 interesse puiblico a ser alcancado pelo direito admi- nistrativo humaniza-se na medida em que passa a preocupar-se nao sé com os bens materiais que a liberdade de iniciativa almeja, mas com valores considera- dos essenciais A existéncia digna; quer-se liberdade com dignidade, o que exige 1. Discricionariedade administrativa na Constituig&o de 1988. p. 159. 2p. 160. + Di Pietro / Ribeiro 94. Supremacia do interesse Publico € outros Te s desigualdades sociais e levar a toda blico, considerado sob o aspect jminuir as maior intervengao do Estado para dimi assa a confundir-se com a ideia i interesse pull a coletividade o bem-estar social. a eae ico e P _juridico, reveste-se de um aspecto a de bem comum. 7 - O principio da supremacia do interesse publico na concepgio neoliberal sendo feitas ao principio da supremacia do interesse pu. que ele é excessivamente indeterminado, de que ele conflita com os direitos fundamentais, de que no existe supremacia do interesse publico sobre o particular, mas, sim, uma ponderacao de interesses para definir qual deve prevalecer. Alguns pregam a extin¢ao do principio; outros de- fendem a sua redefinigao. Muitas criticas vem blico, especialmente no sentido de 7.1 Observagdao necessdria Em primeiro lugar, a ideia de que o interesse publico sempre, em qualquer situagdo, prevalece sobre o particular jamais teve aplicacdio (a nao ser, talvez, em regimes totalitarios). Exagera-se o seu sentido, para depois combaté-lo, muitas vezes de forma inconsequente, irresponsavel e sob falsos pretextos. Em verdade, existe uma tendéncia a generalizar excessivamente determina- dos atributos do regime juridico administrativo, que nao correspondem a verdade. Fala-se, por exemplo, dade dos atos administrati 13 So Paulo: Atlas, 2010. p. 200, (© Princ{pio da Supremacia do Interesse Piblico: Sobrevivencia diante dos Ideais do Neoliberalismo 95 que se fala em poderes implicitos e explicitos; também nao é por outra razdo que se reconhece 4 Administracdo Publica certa margem de discricionariedade para'__ decidir segundo critérios de oportunidade e conveniéncia; e também nao é por outra razdo que o principio da legalidade tem hoje uma amplitude muito maior do que em suas origens, porque abrange, nao apenas a lei, mas também os atos normativos do Executivo e Judicidrio, além dos princfpios e valores previstos im-. plicita ou explicitamente no ordenamento juridico. a O mesmo ocorre com 0 princfpio do interesse ptiblico. Ele esta na base de to- das as fungées do Estado e nao sé da funcdo administrativa. Por isso mesmo, ele constitui fundamento essencial de todos os ramos do direito publico. Para ficarmos apenas com 0 direito administrativo, podemos dizer que o principio da supremacia do interesse ptiblico est4 na base dos quatro tipos de atividade que se compreen- dem no conceito de fungao administrativa do Estado: servigo ptiblico, fomento, in- tervengdo e policia administrativa. E para quem considera a regulagdo como nova modalidade de funcao administrativa do Estado, é possivel afirmar, sem receio de errar, que o principio do interesse ptiblico também esta na base desse tipo de atividade e faz parte de seu préprio conceito. Sendo, vejamos. Com relacao ao servigo ptiblico, pode-se dizer que ele é puiblico, em dois sen- tidos: porque é de titularidade do Estado e porque é prestado para atender ao in- teresse publico (representado pelas necessidades coletivas essenciais). Tanto isso é verdade que, ao definir-se 0 servico publico, costuma-se apontar trés aspectos: o subjetivo (titularidade do Estado), 0 objetivo (atendimento ao interesse ptblico) eo formal (submissao a normas de direito publico). Note-se que nos dois momentos histéricos em que se falou em crise na nogaéo de servico ptiblico, nao foi o elemento objetivo, pertinente ao interesse puiblico, que se colocou em risco. No primeiro momento, criticou-se o elemento subjetivo eo formal, pelo reconhecimento de que nem sempre 0 servigo publico é prestado diretamente pelo Estado; pode ser prestado por particulares, sob regime privado (ainda que em grande parte derrogado por normas de direito puiblico). No segun- do momento (0 atual), ainda é 0 elemento subjetivo que sofre ataques, em decor- réncia da falsa ideia de que a existéncia de atividades de titularidade exclusiva do Estado é incompativel com os principios da liberdade de iniciativa e de livre competigio, No entanto, essa ideia, que levou a supressao do conceito de servi- 60 ptiblico nos pafses membros da Comunidade Europeia, acabou por retroceder parcialmente, pela imposigao, a empresas privadas, das chamadas obrigagées de servigo puiblico. O que ocorreu foi a prevaléncia do principio da supremacia do interesse publico, ou seja, da ideia (que inspirou a criacdo do instituto do servico Publico, no direito francés) de que determinadas necessidades coletivas tm que Ser prestadas com o carater de universalidade, gratuidade, continuidade, ainda que exercidas por particulares. tivo * DiPietro / Ribeiro semas Relevantes do Direito Adminis 96 Supremacia do Interesse Publico € outros 0 valida a ideia de que a existéncia de servico pj. om a flita com os princ{pios da livre iniciativa e da livre it Nem se pode aceitar ¢ v a, no 4mbito constitucional, ga blico exclusivo do Estado con! A : nvivénci competicao. E perfeitamente possivel a co! ve. de outro, a reserva de deter; livre iniciativa, de um lado, como regra gera’, ©» Fe f ‘va do Estado. Trata-se de opcao do legisla. nadas atividades a titularidade exclusiva d as atividades que, por sua relevancia dor constituinte. Ele é que vai decidir eae duas ideias sempre conviveram nag tém que ser subtraidas a livre iniciativa. varias Constituicdes brasileiras. O principio do interesse ptibico tai D atividade de fomento, pela qual o Estado subsi privada, exatamente por considerar que 0 partict esta exercendo atividades que atendem as necessi ao Estado. A protecio do interesse ptiblico também se constitui em fundamento do poder de policia do Estado e da atividade de intervencdo indireta no dominio econémico (esta ultima como manifestagéio do poder de policia exercido na area econémi- ca). Por meio dessas atividades, o Estado impée restrig6es ao exercicio de direitos individuais para beneficiar o interesse da coletividade. E a propria intervengdo di- reta no dominio econémico (pelo exercicio de atividade econdmica pelo Estado, por meio de empresas estatais) também tem por objetivo o interesse ptiblico, seja para proteger a seguranca nacional, seja para proteger “relevante interesse cole- tivo”, tal como previsto expressamente na Constituigdo (art. 173, caput). Trata-se de hipéteses em que a prépria Constituigaio est4 dando fundamento para que 0 interesse publico (ainda que de natureza econémica) prevaleca sobre o particular. Também na ati idade de regulagdo, a ideia de Pprotegio do interesse publi- co esta Presente. Para utilizar um conceito de Vital Moreira, pode-se definir a cnc dnd» oa a ae ena ara. a determinados objetivos publicos”.!4 Embora 0 ater eae i ji ‘tor considere a lagao econémica, ele introduz no conceito a Presenga dos objetivos piblicos ke mbém constitui o proprio fundamento da idia, incentiva, ajuda a iniciativg icular merece essa ajuda porque idades coletivas, paralelamente o interesse publico. A defesa do interesse puibli CO corre; Pan - do tem que defender os interesses dq Sola wie OPrio fim do Estado. 0 Est favorecer o bem-estar social, Para esse fim, : t ee ee eee © Principio da Supremacia do Interesse Piiblico: Sobrevivencia diante dos Ideais do Neoliberalismo 97 publico em detrimento do individual, nas hipdteses agasalhadas pelo ordenamento juridico. Negar a existéncia do principio da supremacia do interesse ptiblico é ne- gar o proprio papel do Estado. A Constituicao é rica em institutos fundados no principio da supremacia do interesse ptiblico, mesmo no capitulo dos direitos fundamentais do homem. E 0 caso do principio da fun¢do social da propriedade, previsto no artigo 5° da Cons- tituigdo, que serve de fundamento para desapropriacées de carater sancionatério (arts. 182 e 184) e que convive pacificamente com os princfpios da propriedade privada, da livre concorréncia, inseridos entre os principios que tém por fim “asse- gurar a todos existéncia digna, conforme os ditames da justiga social” (art. 170). Eo caso da requisic4o de propriedade particular pela autoridade competente “no caso de perigo publico iminente” (art. 5°, XXV), da protecio do sigilo impres- cindivel 4 seguranga da sociedade e do Estado (art. 5°, XXXII), do mandado de seguranca coletivo (art. 5%, LXX), da ag&o popular (art. 5°, LXXIII). E 0 caso das acoes coletivas para protecdo do patriménio publico e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III). No préprio titulo da ordem econémica, coexiste a protecao do interesse econémico individual com a prote- cdo do interesse ptiblico: de um lado, a previsdo da propriedade privada, da livre concorréncia, da livre iniciativa, do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte, de outro, a justica social, a funcao social da propriedade, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redugao das desigualdades regio- nais e sociais (art. 170). Confira-se ainda o capitulo da politica urbana, onde se encontra a ideia de fungdo social da cidade e de bem-estar de seus habitantes (art. 182). E o interesse ptiblico que se procura defender com a norma do artigo 192, quando se estabelece que o sistema financeiro nacional deve ser estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do Pais e a servir aos interes- ses da coletividade. Por sua vez, o titulo pertinente 4 ordem social comeca com a regra de que o seu objetivo é o bem-estar e a justica sociais (art. 193). O artigo 225 coloca o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de todos e o define como bem de uso comum do povo. Sao intimeras as hipéteses em que 0 direito individual cede diante do interes- se ptblico. E isso nao ocorre por decisao tinica da Administracéo Publica. Ocorre Porque a Constituicdio o permite, a legislacao o disciplina e o direito administra- tivo 0 aplica. A protecdo do interesse ptiblico, mesmo que feita em detrimento do interesse particular, é possivel porque o ordenamento o permite e outorga os instrumentos & Administrag4o Publica. 7.2 Da indeterminagdo do conceito de interesse ptiblico A indeterminagao do conceito de interesse pttblico nao pode servir de empecilho a aplicacdo das normas constitucionais. Sendo conceitos juridicos, sao passiveis tivo * DiPietro / Ribeiry Direito Administrat as Relevantes 40 98 supremacia do Interesse Piblico € outros Tem: a doutrina dos conceitos jurfdicos ing, ; defini¢ao e ampli; sninade exaramente para permitir a0 intérprete 2 5 2 mera Se eentguogs —_ judicial sobre os atos administrative siidede de controle i do conceito de interesse puiblico fosse empe cilho baa e a indeterminac: correria com inumeros outros princ{pios constitucionais sua aplicagao, ° paade eficiéncia, razoabilidade, seguranga | juridica ¢ tans Saeroetas ideias de utilidade publica, interesse social, perigo iminente e outray semelhantes, de que sao ricos todos os ramos do direito, ficariam a aplicagio, Além disso, nem sempre a ideia de interesse publico tem coe indeterming. do. Existem diferentes graus de indetermina¢ao. Quando se eee era 0 interesse publico como sinénimo de bem comum, ou seja, como f im do Fr ‘ado, a indeter. minagio atinge o seu grau mais elevado. Essa indetermina¢ao liminui quando 9 principio é considerado nos diferentes ramos do direito, porque cada qual tem em vista proteger valores especificos. Também diminui quando se consideram os di- ferentes setores de atuacio do Estado, como satide, educacao, justia, seguranca, transportes, cada qual com um interesse ptiblico delimitado pela Constituicao e pela legislaciio infraconstitucional. A indeterminagao ainda se restringe de forma mais intensa em relacdo a determinados institutos, como, exemplificativamente, os contratos administrativos, as diferentes formas de intervengdo na propriedade e na economia, as licitagées. Nao se pode dizer que seja indeterminado 0 inte- resse puiblico presente na rescisao unilateral de um contrato administrativo que cause danos ao meio ambiente, ao consumidor ou ao patriménio ptblico; ou que seja indeterminado o interesse publico inspirador de um tombamento ou de uma desapropriacao; ou que seja indeterminado o interesse publico a ser protegido em um procedimento de licitacéo. Em todos esses exemplos, é o principio da su- _Premacia do interesse publico que estd na base da atuacdo administrativa. Nao 0 Pani sola lumens pa Administra, mas prin aplicop pelo ordenamento juridico. eter. de interpretacio. Existe hoje toda um e tra-se em Hector Jorge Escola,}5 e a-8E 4° em oby ifi ii ptiblico. como fundamento do direi Ta que trata especificamente do interes eito administrativo. Afirma ele que existe interesse puiblico quando e, mn defi : , Nele, uma maior} i f e 7 itivo, cad le, ma maioria de individuos, e © Principio da Supremacia do Interesse Piblico: Sobrevivencia diante dos Ideais do Neoliberalismo 99 pessoal, direto e atual ou potencial. O interesse publico, assim entendido, é ndo sé a soma de uma maioria de interesses coincidentes, pessoais, diretos, atuais ou eventuais, mas também o resultado de um interesse emergente da existéncia da vida em comunidade, no qual a maioria dos individuos reconhece, também, um interesse préprio e direto. E dificil ocorrer que todos os individuos tenham interesse comum, cuja soma corresponda a um interesse publico tinico. Talvez por isso Hector Escola fale em “maioria de individuos”. Pode nem ser a maioria de individuos. Pode haver interes- ses puiblicos conflitantes, como ocorre com a construgio de rodovias e de usinas nucleares, cujo interesse, em regra, conflita com o interesse na protecéo do meio ambiente. Nesse caso, cabe 4 Administracdo Publica e, em ultima instancia, ao Judicidrio decidir qual o interesse a proteger. O importante é que existem interesses ptiblicos que merecem a protec4o do Estado, ainda que em detrimento de interesses individuais. E do ordenamento juridico que se extrai a ideia de interesse ptiblico e quais os interesses publicos a proteger. Interesses ptiblicos, correspondentes ou nao a soma de interesses indivi- duais, sempre existiram e sempre vao existir, a menos que se queira negar o papel do Estado como garantidor do bem comum. 7.3 Asupremacia do interesse puiblico em confronto com os direitos fundamentais: a ponderagao de interesses O princfpio da supremacia do interesse publico, ao contrario do que se afir- ma, nao coloca em risco os direitos fundamentais do homem. Pelo contrario, ele os protege. Veja-se que 0 direito administrativo nasceu justamente no perfodo do Estado liberal, cuja preocupag4o maior era a de proteger os direitos individuais frente aos abusos do poder. Protegeu tanto a liberdade, que acabou por gerar profunda desigualdade social, porque, afinal, os homens nao nascem tio livres e iguais como pretendia Rousseau e foi afirmado no artigo 1° da Declaragéo dos Homens e do Cidadao de 1789. O princfpio do interesse ptiblico se desenvolveu com o Estado Social de Di- reito. E nado se desenvolveu como um interesse publico unico. Ele veio para pro- teger os varios interesses das varias camadas sociais. Ele nao afetou os direitos individuais. Pelo contrario, paralelamente a esse principio, nasceram os direitos Sociais e econdmicos. Por isso mesmo, 0 direito administrativo se caracteriza pelo binémio autorida- de-liberdade. A Administracao Publica tem que ter prerrogativas que lhe garantam @ autoridade necessdria para a consecugao do interesse ptiblico. Ao mesmo tem- Po, 0 cidadio tem que ter garantias de observancia de seus direitos fundamentais Contra os abusos do poder. do Direto Adminisranivo * Di Pietro / Ribeiro 100. supremacia do interes de - esta presente em todos os instituto, la do direito, pode o péndulg do Esse binémio — autori , ara o outro. O ideal € que haja in do direito administrativo- relégio pender mais par equilfbrio entre ambos. .. sm, falar em 1: .. " is fala em principio da razoabilidade. Pore aie razoabilidade a et ne ar o princfpio do interesse publico. A eae aero ee Telacio, proporeéo adequaco entre meios € fins. Quais fins? Os 4) SPeito ag, interesse publico. Aexigéncia de razoabil inovadores — esta presente macia do interesse publico. vai-se encontrar a afirmacao, desde longa propria razdo de ser decorre do principio da s as caracteristicas da necessidade, da eficdcia € Isto nao é novidade. Isto é doutrina velha, que se conserva nova, atual, porque & indispensdvel para a busca do equilfbrio entre o direito individual e o interesse piiblico. Isto j4 tem sido aplicado pela jurisprudéncia desde Jonga data, mesmo quando nao se invoca a expressao razoabilidade. O antigo Tribunal Federal de Re- cursos, extinto hd quase 20 anos, é rico na aplicagao do principio.1¢ Nao h4 duvida de que qualquer conceito juridico indeterminado (nao apenas de interesse ptiblico), ao ser aplicado aos casos concretos, exige ponderacio de interesses, avaliacdo de custo-beneficio, utilizagio de critérios de interpretagao, na tentativa de diminuir ou mesmo de acabar com a indeterminagao e encontrat a solucao mais adequada. jidade — que est4 sendo apontada por alguns Pretensog desde longa data na aplicagao do principio da supre. Se forem consultados livros de direito administrativo, data, de que © poder de policia (cuja upremacia do interesse publico) tem da proporcionalidade. 8 Doutrina incompativel com o ordenamento juridico A doutri 5 5 principio daleipemacia’ a sidera inovadora ou incide no erro de acabar com ® Préprios fins do Estado) ou incide oer eico (o que equivaleria & nega? dos realidade, esté fazendo afitmagée no erro de achar que est4 inovando. quando, na . ‘ ‘S que ee * a pela doutrina e pela jurisprudéncia, trae one data sao amplamente aceitas snetni, Mui ¥ funestos do princfpio, para depois 5 itos exageram intencionalmente os efeit®> dire 16 Cf. Carlos Roberto de Siqueira Cast Constituigdo do Brasil. Rio de Janeiro: Fons0 ei Forense, 1960 oe e° legal e a razoabilidade das leis ™ woe 9. p. 192 e seguintes. © Principio da Supremacia do Interesse Piblico: Sobrevivencia diante dos Ideais do Neoliberalismo 101 Essa doutrina inovadora compée o chamado direito administrativo econémi- co, que se formou e vem crescendo na mesma propor¢do em que cresce a prote- cao do interesse econdmico em detrimento de outros igualmente protegidos pelo ordenamento juridico brasileiro. E necessério ter presente que o direito administrative econémico nao substitui o direito administrativo tradicional. Ele é apenas parte do direito administrativo. E um capitulo deste e submete-se aos mesmos principios. Isto porque o direito administrativo é um dos principais instrumentos de apli- cacao da Constituicdo. E a Constituigéo nao quer a protecao apenas do interesse econémico. A Constituigéo quer uma sociedade fraterna, pluralista e sem precon- ceitos, como proclamado em seu preambulo. Pluralista é uma sociedade em que todos os interesses, dos diferentes setores da sociedade, so protegidos. A doutrina que se considera inovadora compée, sob certo aspecto, uma ala retrégrada, porque prega a volta de principios proprios do liberalismo, quando se protegia apenas uma classe social e inexistia a preocupagdo com o bem comum, com o interesse publico. Ela representa a volta aos ideais de fins do século XVIII. As consequéncias funestas do liberalismo recomendam cautela na adocao dessas ideias, até porque se opdem aos ideais maiores que constam do predmbulo e do titulo inicial da Constituico, para valorizarem excessivamente determinados prin- cipios do capitulo da ordem econémica, privilegiando a liberdade de iniciativa e de competicgao. £ uma doutrina que caminha na contramfo de diregéo, quando se considera também que no préprio Ambito do direito privado (de origem individualista), é crescente a influéncia do direito puiblico e a preocupacio com o social, em detri- mento do individual. £ 0 que se observa no Cédigo Civil de 2002, com a ideia de fungdo social do contrato (art. 421); também com 0 preceito do artigo 1.228, que agasalha a ideia de fungdo social da propriedade, ao determinar que “o direito de propriedade deve ser exercido em consonancia com as suas finalidades econémicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com 0 estabeleci- do em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilibrio ecoldgico e 0 patriménio histérico e artistico, bem como evitada a poluigao do ar e das 4guas”; © mesmo sentido protetor do interesse ptiblico se contém no § 4° do artigo 1.228, que prevé a perda da propriedade se “o imével reivindicado consistir em extensa drea, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de consideravel nui- mero de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e servicos considerados pelo juiz de interesse social e econémico relevante”. Ainda a doutrina caminha na contramao de diregdo quando se considera que 0 direito de aco, tradicionalmente exercido para proteger 0 interesse individual, hoje se constitui em importante instrumento para protecao do interesse publico, por meio de aces coletivas, atualmente propostas com muita frequéncia. ri jnistrativo * Di Pietro / Ribeiro 102. supremacia do imteresse Pablo e outros Temas Relevantes do Dielto Adminis 9 Concluséo O prinefpio da supremacia do interesse public aaa faa Fal cis fun. damentais do homem e nao os coloca em risco. Ele eae Rena em ing. meros dispositivos da Constituigao e tem que ser ap! srasileiro cmes aa com outros principios consagrados no ordenamento juridico ri tate =P ecial com observancia do principio da legalidade. A exigéncia de be idade interpre. tagiio do princfpio da supremacia do interesse publico se inn ee ae ise apl icagdo de qualquer conceito juridico indeterminado; atua como méte do de int erpretacao do principio (na medida em que permite a ponderagao entre 0 interesse individual € o ptiblico) e nao como seu substituto. Referéncias bibliograficas BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade: para uma teoria geral da politica. Sao Paulo: Paz e Terra, 1987. . A teoria das formas de governo. Brasilia: Universidade de Brasilia, 1976. CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituigdo do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1989. CHEVALIER, Jean-Jacques. As grandes obras politicas de Maquiavel a nossos dias. Rio de Janeiro: Agir, 1976. DESWART, Marie-Pauline. Intérét general, bien commun. Revue de Droit Public, v. 5, 1988. DIPIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituigéo de 1988. 2. ed. 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MARCIA WALQUIRIA BATISTA DOS SANTOS, MARIA ADELAIDE DE CAMPOS FRANCA MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO TATIANA ROBLES SEFERJAN MORENO) = THIAGO MARRARA STF00091138 = 2

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